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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 CONCENTRAÇÃO POROSA: ARTICULAÇÃO DO CIRCUITO SUPERIOR COM ATORES DO CIRCUITO SUPERIOR MARGINAL ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO FINANCEIRA EM BUENOS AIRES (ARGENTINA) Villy Creuz Universidad de Buenos Aires / CONICET [email protected] INTRODUÇÃO A divisão do trabalho interna de um país, isto é, de uma dada formação socioespacial, está absolutamente ligada, através do conjunto de informações e finanças, à divisão internacional do trabalho. A divisão do trabalho é realizada num lugar, ainda que o comando desta ação venha a ser exógeno. O lugar, que pode ser uma cidade, uma região, um país é também uma cisão da totalidade. O acontecer se cristaliza num lugar e se define pelo encontro de muitas ações num objeto. É o acontecer que tem vida e existência real. E o acontecer tem a cara própria de cada lugar: uma individualidade é um indivíduo. O acontecer é o todo tornando-se existência. (...) O todo se dá realmente, objetivamente, empiricamente através dos aconteceres particulares que são diferentes (SANTOS, 1994, p. 167). De que modo, então, apreende-se o acontecer em processo? Uma possibilidade de resposta, talvez, venha a ser por meio da análise que ‘imobiliza’ o presente, com a finalidade de observar a lógica do processo dos eventos que constituem uma totalidade. Todavia, a aparente contradição da imobilização do presente, enquanto o presente segue em fluxo, perde sentido ao considerar que a análise do presente é sempre a mais presente possível, numa duração de instantes sucessivos, como escreve Gaston Bachelard (1931, p. 53): “Um ritmo que continua inalterado é um presente que tem uma duração; esse presente que dura compõe-se de múltiplos instantes que, de um ponto de vista particular, apresentam perfeita monotonia”. O presente possui duração; a duração é a cisão da 185

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CONCENTRAÇÃO POROSA: ARTICULAÇÃO DOCIRCUITO SUPERIOR COM ATORES DO CIRCUITO

SUPERIOR MARGINAL ATRAVÉS DA MEDIAÇÃOFINANCEIRA EM BUENOS AIRES (ARGENTINA)

Villy Creuz

Universidad de Buenos Aires / CONICET

[email protected]

INTRODUÇÃO

A divisão do trabalho interna de um país, isto é, de uma dada formação

socioespacial, está absolutamente ligada, através do conjunto de informações e finanças, à

divisão internacional do trabalho. A divisão do trabalho é realizada num lugar, ainda que o

comando desta ação venha a ser exógeno. O lugar, que pode ser uma cidade, uma região,

um país é também uma cisão da totalidade. O acontecer se cristaliza num lugar e se define

pelo

encontro de muitas ações num objeto. É o acontecer que tem vida e existência

real. E o acontecer tem a cara própria de cada lugar: uma individualidade é um

indivíduo. O acontecer é o todo tornando-se existência. (...) O todo se dá

realmente, objetivamente, empiricamente através dos aconteceres particulares

que são diferentes (SANTOS, 1994, p. 167).

De que modo, então, apreende-se o acontecer em processo? Uma possibilidade

de resposta, talvez, venha a ser por meio da análise que ‘imobiliza’ o presente, com a

finalidade de observar a lógica do processo dos eventos que constituem uma totalidade.

Todavia, a aparente contradição da imobilização do presente, enquanto o presente segue

em fluxo, perde sentido ao considerar que a análise do presente é sempre a mais presente

possível, numa duração de instantes sucessivos, como escreve Gaston Bachelard (1931, p.

53): “Um ritmo que continua inalterado é um presente que tem uma duração; esse presente

que dura compõe-se de múltiplos instantes que, de um ponto de vista particular,

apresentam perfeita monotonia”. O presente possui duração; a duração é a cisão da

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totalidade à qual se busca, constituindo, nesse raciocínio, um princípio de método. E por que

falar de presente e totalidade, num texto sobre economia política e situações concretas?

Porque o processo de apreensão da realidade (totalidade), a partir de um método, realiza-se

num lugar, uma vez que “o lugar é o depositário final obrigatório” dos eventos (Santos, 1996,

p. 115).

Partimos da teoria dos circuitos da economia urbana (Santos, [1975] 2002), para

apreender a totalidade, a partir de certos conjuntos de eventos, que, ao trabalhar com a

superposição de divisões do trabalho nas cidades, compreende as formas de existência dos

atores sociais em suas condições de reprodução material.

Os aconteceres de diferentes atores se cristalizam e tornam empírico o todo, ao

qual, através de uma totalidade, analisamos à luz da teoria dos circuitos da economia

urbana. Em outras palavras, fazemos esse esforço a partir do uso do território através dos

diversos atores sociais.

A cidade é um grande sistema urbano, dividida, para fins analíticos, em dois

subsistemas: o circuito superior e o circuito inferior. O circuito superior é sede de grandes

corporações, bancos, indústrias de inovação e indústrias com alta produção e rentabilidade,

prestadores de serviços modernos e agentes financeiros. Estes conjuntos de atores

possuem grandes volumes de capital, organização complexa e graus de tecnologia

avançados. Já o outro circuito, o chamado circuito inferior, responde aos micro e pequenos

agentes, com atividades plurais, inventivos e adaptativos que, espalhados por toda cidade,

asseguram a reprodução material da vida social à maior parcela da população. Em

contraposição ao circuito superior, o circuito inferior não detém capital, nem graus elevados

de tecnologia e sua organização é simples.

Se, em paralelo, podemos considerar, a partir de Milton Santos (1994a, p. 94)

que a modernização de atividades afeta, igualmente, a expansão da pobreza, uma vez que

exclui das possibilidades do período um grupo cada vez maior da população, do mesmo

modo, teremos que ponderar a metrópole e as grandes cidades enquanto uma totalidade,

que “funciona como um sistema de estruturas, um sistema global constituído de

subsistemas interdependentes e complementares. Essa totalidade se ajusta aos diferentes

aspectos da modernização, através das inter-relações dos subsistemas entre si e com o

todo”.

Nesse sentido, as formas, os conteúdos e as estruturas de uma cidade são

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perpassados por eventos que dão movimento à vida de relações e às formas geográficas.

“Durante os processos produtivos dos diferentes atores e em virtude do cotidiano diferente

das pessoas, o meio ambiente construído é atravessado por tempos rápidos dominantes ou

tempos hegemônicos e tempos mais lentos hegemonizados, temporalidades diferentes que,

entretanto, são concomitantes e convergentes” (Santos, 1994a, p. 98).

As grandes cidades aglutinam em seu interior um grande conjunto de situações,

diferentes perfis de atores sociais, multiplicidade de gostos, gestos, manifestações políticas,

diversas ordens de engajamentos sociais e, com tamanha diversidade, abrigam no meio

construído, isto é, em sua materialidade (formas geográficas), grande densidade

populacional. Decorre deste fator, uma produção de demandas das mais diversas ordens,

frente a uma massa populacional bastante expressiva.

Por exemplo, na região metropolitana de Buenos Aires, segundo dados do Censo

de População do Instituto Nacional de Estadísticas y Censos – INDEC (Argentina), 2010, a

Área Metropolitana de Buenos Aires (AMBA) ocupa uma superfície total de 2590 quilômetros

quadrados e reúne 12,8 milhões de habitantes, o que representa algo em torno de 32% da

população total da República Argentina. Na AMBA, estima-se se produzir 40% do Produto

Interno Bruto (PIB) nacional. Em razão dessa participação importante demográfica e

econômica, essa área constituiu-se num centro produtivo, comercial, financeiro e político do

país. Da população da AMBA, 23 % reside na Cidade Autônoma de Buenos Aires, com cerca

de 2,9 milhões de habitantes. Os demais 77% da população residem no Conurbação

Bonaerense, com cerca de 9,9 milhões de habitantes.

Nesse contexto, enquanto quatro de cada dez residências da Cidade Autônoma

de Buenos Aires (CABA) se estejam no estrato mais alto da classificação socioeconômica

(38%), já na Conurbação Bonaerense oito de cada dez estão no nível mais baixo (81%). As

zonas da Conurbação Bonaerense são as mais afetadas quando, se as compara com a

Cidade de Buenos Aires, em indicadores tais como ter sentido fome por razões econômicas,

assim como também não possuir acesso a plano de saúde ou seguro de saúde. O déficit

nestes dois indicadores (fome e planos de saúde) na Conurbação triplica e até quadriplica

sobre os resultados das porcentagens registradas na CABA.

As residências da AMBA mostram um risco alimentar (moderado ou severo) de

12%, cifra que diminui a 5% na Cidade de Buenos Aires, aumentando para 15% na

Conurbação. Sobre a cobertura de saúde, novamente, a situação é desfavorável dentro da

Conurbação, onde 43% das residências não possuem cobertura médica, enquanto que na

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Cidade de Buenos Aires a carência afeta a 16% das residências1. Essa multiplicidade de

atores sociais, tanto na AMBA, como na CABA, pode indicar, como mostraremos adiante,

situações de articulação e relação de interdependência entre os dois circuitos da economia

urbana.

A solidariedade entre atores sociais e atividades ganha máxima expressão a

partir da expansão das finanças e do sistema bancário em relação à totalidade de grupos da

população. Essa dinâmica, possível graças aos objetos técnicos de que trata Simondon

(2007)2.

O acontecer solidário (Santos, 1996) tende a ganhar expressão mais marcada,

sobretudo o acontecer hierárquico, resultado da racionalização da vida e da produção de

um sentido racional ao conjunto da sociedade e, portanto, ao espaço geográfico.

Enquanto condição à criação desse sentido, o motor único (Santos, 1996, 2000),

no qual a mais-valia global é levada a cabo a partir da expansão planetária do circuito

superior em diversas formações sociais pode, nesse momento, cristalizar sua ação e

engendrar um sentido ao uso do território.

Entre outros vetores, a hegemonia da circulação (Chesneaux, 1983), é também

um fenômeno produto e produtor dessa totalidade do diabo (Santos, [1979] 2003, p. 187), já

que os lugares se interconectam, a permitir fluidez do capital e de mercadorias. O “fato

notável é que daí por diante foi possível dirigir a ação exclusivamente às formas e não mais

necessariamente formas e estrutura juntas” (idem, p. 189).

Nessa dinâmica, o uso do território se converte em um uso corporativo do

território (Santos e Silveira, 2001). Uma das manifestações desse fenômeno tornar-se-ia

evidente por meio da política de empresas a transformar cidades em nós de circulação

financeira.

TENDÊNCIA OLIGOPOLISTA DO TERRITÓRIO: RAPIPAGO E PAGO FÁCIL

Não obstante, pequenos atores se organizam na órbita de ações hegemônicas.

As diferentes densidades de tecnologia, capital e organização fomentam a criação de um

mosaico urbano de formas, funções e estruturas no processo urbano. A cooperação entre

1 Informações da Publicação do Observatório da Dívida Social Argentina (UCA). 2013.http://www.uca.edu.ar/uca/common/grupo68/files/Boletin_AMBA_UCA.pdf

2 “O objeto técnico existe, então, como tipo específico obtido ao término de uma série convergente. Esta série vai domodo abstrato ao modo concreto: tende para um estado que faria do ser técnico um sistema inteiramente coerenteconsigo mesmo, inteiramente unificado” (Simondon, 2007, p. 45).

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os diferentes tipos de atores é conflitiva e interdependente e, entre firmas micro e

pequenas, geralmente, aloja-se uma relação de subordinação frente às corporações e

grupos econômicos.

É determinante nesse jogo de poder entre instituições, empresas e indivíduos a

capacidade de gerar vetores de modernização. Estes moldam a organização das empresas e

também o arranjo da distribuição do capital no território. Ao concentrar capital, empresas,

grupos e instituições do circuito superior da economia renovam o comando sobre circuitos

espaciais de produção, em diferentes ramos de firmas. Os instrumentos financeiros e os

agentes que os controlam são ainda mais centrais, pois determinam formas de

pré-produção, produção, distribuição e consumo.

Os escassos excedentes produzidos pelos atores do circuito inferior tendem a

ser drenados por novos instrumentos, personificados por meio de bancos e financeiras. A

inserção dos agentes do circuito inferior e superior marginal (indivíduos e empresas) revela

a capilarização e expansão do circuito hegemônico, possível graças às unicidades: motor

único – mais-valia global, convergência dos momentos e unicidade técnica (Santos, 1996). As

três unicidades constituem a base triangular da globalização.

Não há exclusão dos atores do circuito inferior e superior marginal na dinâmica

financeira, ao contrário: há tendência a participarem ativamente nesse processo, a partir da

aquisição de crédito destinado ao consumo, ao pagamento de dívidas com taxas elevadas

de juros e necessidade de liquidez financeira em algumas praças bancárias.

Essa relação também acontece ao incluir micro e pequenas empresas

prestadoras de serviços de recebimento de contas usuais, como luz, energia, condomínios,

etc.

A especialização do circuito superior, funcionando através de micro e pequenas

empresas de sua porção marginal, fortalece a capacidade de macroorganizar o território e

capilarizar, ainda mais, o alcance no território nacional do capital hegemônico. É a partir

desses pontos que o sistema financeiro concentra funções, embora integre por meio de

cadeias de comércio, bancos e casas de crédito todo o sistema produtivo nacional. O

consumo figura como emoliente da práxis urbana, expandindo a influência do circuito

superior em direção aos agentes do circuito inferior. Nesse sentido, Milton Santos ([1979]

2002, p. 264), afirma que “o crédito intervém como uma variável do consumo em ambos

circuitos”. O crédito institucional destinado ao consumo, torna-se uma variável ascendente

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nos estudos da economia política.

A necessidade de liquidez3 ao pagamento de contas de luz, água, gás e serviços

diversos é um vetor importante a ser considerado ao apreender a maneira pela qual

populações urbanas com baixo poder aquisitivo se ajustam ao aumento da oferta de bens e

serviços, em harmonia ao ritmo do aumento da oferta de crédito, com a tendência a

acumulação de dívidas para manter liquidez no orçamento doméstico. O pagamento em

espécie resulta em uma menor margem de manobra na organização do orçamento das

famílias com menores rendimentos.

O círculo do endividamento das famílias tende a crescer nessa dinâmica.

Concomitante, surge a necessidade de crédito para o consumo de serviços básicos. Nesse

sentido, na medida em que a dinâmica urbana é comandada pela variável financeira e

informacional, todos os estratos de população participam, ainda que com inserções

díspares.

Em Buenos Aires, redes como Rapipago e Pago Fácil se expandem4 a partir de

funções semelhantes aos correspondentes bancários brasileiros, denominados na Argentina

como mercado extrabancario. Tais empresas entronizam em suas funções o manejo do

fluxo monetário, desde o pagamento do consumidor final, reingressando ao sistema

bancário e financeiro em direção aos prestadores de serviços5.

A empresa Rapipago é um canal de cobrança “extrabancario”, que recebe contas

de serviços públicos, serviços privados e pagamentos de tributos. A empresa ganha

capilaridade no território argentino através de centros de telefonia, comércios,

supermercados e estações de serviço (os chamados kioscos e locutórios). Possui mais de

3000 sucursais em todo país.

Essa empresa vincula, enquanto canal de cobrança, cerca de 1800 prestadores

3 “Para se entender o problema do crédito é necessário ter-se uma definição de liquidez, que é um conceitoeconômico derivado da física. Se imaginarmos diferentes substâncias, variando desde o sólido até o líquido, é claroque quanto mais líquida for uma substância, mais facilmente ela muda de forma, porque ela toma a forma docontinente: do copo, garrafa, vaso, etc., em que a colocam. Esta idéia de liquidez é aplicada aos valores. Há valoresmais líquidos ou menos líquidos conforme a facilidade que seus possuidores encontram em mudar sua forma”(Singer, 2010, p. 103).

4 Ao considerar a conformação do sistema financeiro e bancário argentino, Allan Cibils e Cecilia Alammi (2009, p. 124),afirmam que “pode-se concluir que a concentração do negócio bancário argentino, não apenas aconteceu emredução absoluta do número de instituições financeiras, mas também produziu uma concentração no interior dosistema financeiro, ao menos durante a década 1997 a 2008”.

5 O sistema financeiro “ganha duas vezes, pois dispõe de um dinheiro social nos bancos e lucra emprestando, comopróprio, esse dinheiro social para o consumo. Eis um dos caminhos da financeirização da sociedade e do território. Éum movimento de concentração e dispersão” (Santos e Silveira, 2000, p. 195).

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de serviços aos consumidores finais. Configura-se, como um agente intermediário no

processo de circulação monetária na Argentina. A rede é controlada em sociedade anônima

pela GIRE S.A. Entre os principais acionistas estão os bancos Santander Río, Citi e HSBC. Nas

sucursais da Rapipago são realizadas cobranças de diversos tipos de serviços, dentre os

quais:

TIPOS DE SERVIÇOS QUE PODEM SER FATURADOS NARAPIPAGO E PAGO FÁCIL - ARGENTINA - 2014

1. Adm. de Condomínios12.Segurança e Monitoração

2. Montadoras e Planos de Poupança 13.Seguros

3.Clubes 14.Serviços de Gás

4.Colégios, Institutos e Universidades15.Serviços de Internet

5.Cooperativas 16.Serviços de Água

6.Cosméticos 17.Serviços de Luz

7.Financeiras e Bancos18.Serviços de TV à cabo

8.Seguro de Saúde 19.Cartões de Crédito

9.Impostos Nacionais 20.Telefonia Celular

10.Impostos Provinciais 21.Telefonia Fixa

11.Impostos Municipais 22.Turismo

Fonte: elaboração própria.

A Rapipago possui horários de funcionamento mais amplo do que o do sistema

bancário, o que inclui além disso, em alguns casos (determinados pelo proprietário

comercial), finais de semana. A relação de vizinhança e de troca de informações pessoais

entre os agentes que operacionalizam as funções da Rapipago (comércios em geral, em

especial Kioscos e Locutorios) e os clientes ganha destaque.

Em razão desses agentes serem parte do cotidiano dos bairros, e, amiúde, de

que muitos já existiam antes da prestação desse tipo de serviço, os vínculos de confiança, e

também, a paciência ao atendimento de cidadãos em idade avançada, reforçam a procura

por essa presteza. Não seria abusivo frisar, igualmente, que o uso desses serviços acaba por

perpassar diversas classes de renda e perfis de consumo.

Os agentes, micro e pequenas empresas, recebem uma porcentagem de cerca

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de 1% para cada operação. Não existem sindicatos, nem regras com normas de trabalho. A

questão da segurança da gestão do dinheiro, possibilidades de assaltos e o pagamento de

seguros permanece uma informação nebulosa nas entrevistas realizadas.

O pagamento de tributos à Administración Federal de Ingresos Públicos – AFIP

(semelhante à Secretaria da Receita Federal subordinada ao Ministério da Fazenda

brasileiro), é realizado através de micro e pequenas empresas cuja matriz é ou a Rapipago

ou a Pago Fácil. Doravante, há diversos instrutivos no sítio de cada uma dessas empresas

para esse tipo de faturação.

Já a empresa Pago Fácil, em 2013, foi adquirida pela estadunidense Western

Union – empresa internacional de remessas monetárias. Surge daí mais uma associação de

grandes empresas: a marca Carrefour (Argentina) passou a integrar formas de arrecadação

de dinheiro em espécie via operação Pago Fácil-Western Union.

As lojas com o logo Pago Fácil estão agora localizadas também nesses

hipermercados6, com a possibilidade de envios nacionais e internacionais. Segundo relatos

de pessoas que trabalham nos caixas dessa rede, havia problemas para receber o

pagamento de contas, já que o dinheiro do Carrefour se misturava ao dinheiro das

empresas prestadoras de serviços. Isso impunha aos funcionários do Carrefour maior uso

de tempo para separar as notas faturadas em cada caixa. A partir da entrada da Pago

Fácil-Western Union, apenas “um ‘box’” passa a receber faturas e os caixas ficam livres para

clientes do mercado.

A Western Union Company (NYSE: WU) é líder de serviços em pagamentos no

planeta. O conjunto das marcas Vigo, Orlandi Valuta, Pago Fácil e Western Union Business

Solutions envia e recebe moeda ao redor do globo, e, realiza operações de pagamento. São

cerca de 510.000 pontos espalhados em 200 países. Apenas no ano de 2012, a Western

Union Company realizou 231 milhões de transações e colocou em circulação 79 bilhões de

dólares. Grandes companhias e grandes capitais internacionais, como a Western Union,

conseguem se inserir na vida urbana das cidades por meio de micro e pequenos agentes

que utilizam formas geográficas como abrigo e meio de reprodução da vida social. O circuito

superior, hegemônico, perpetra, assim, o cotidiano da sociedade e o uso do território da

maior parte dos atores sociais.

O meio construído urbano de cidades, somado a todo o conjunto de sistemas de

6 As lojas do Carrefour express na cidade de Buenos Aires (lojas de proximidade: aparentam-se aos comércios debairro) não dispõem do serviço da Pago Fácil-Western Union: apenas os hipermercados da rede.

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engenharia – elemento sine qua non - autoriza a reprodução cada vez mais ampliada do

capital, por meio do trabalho de micro e pequenos atores sociais. Vejamos algumas

situações empíricas adiante.

SITUAÇÕES NA CIDADE DE BUENOS AIRES

São as estruturas que configuram uma totalidade, ou seja, “os caracteres que,

numa sociedade dada, a definem, simultaneamente, numa particularidade e na sua relação

a uma totalidade” (Sartre, [1960] 1987, p. 49). O caráter particular da divisão interna do

trabalho realizado a partir do capital hegemônico incorpora, concomitantemente, demandas

da divisão internacional do trabalho e redefine, por sua vez, o movimento da divisão interna

do trabalho. O uso da cidade pelos atores com mais baixo grau de capital, tecnologia e

organização estão cristalizados nas formas geográficas.

Como a economia não hegemônica compreende a maior parcela da população

vivendo na cidade, novos canais se estabelecem e são absorvidos em vários pontos das

cidades, desde as periferias às áreas centrais. Nessa dinâmica, a relação de

interdependência entre os dois circuitos da economia urbana (circuito superior, que inclui

sua porção marginal e circuito inferior) são renovados a partir da autorização de objetos

técnicos e funções modernas prestadas por atores da porção marginal do circuito superior.

Mostraremos, na cidade de Buenos Aires, algumas situações do uso do meio construído a

partir de empresas que trabalham do mercado extrabancario, isto é, que cumprem funções

do sistema bancário e que responderam à terceirização destes, ao mesmo tempo, em que

também vendem outros produtos e serviços, como refrigerantes, barras de cereal, biscoitos,

etc.

Destacamos três pontos das características das condições do mercado local: (i).

Há uma sociabilidade entre pontos que prestam serviço de telefonia e Internet (locutorios),

kioscos e os indivíduos que consomem nos bairros e centralidades dessa metrópole. Essa

sociabilidade é um vetor decisivo para a venda de produtos (refrigerantes, bolachas, barras

de cereais, doces diversos) nos chamados Kioscos. (ii). Desde os anos 1990, com a evolução

do uso da Internet e início da terceirização de serviços bancários, a população acima dos

35/40 anos, passou a fazer uso da prestação de serviços de empresas como Pago Fácil e

Rapipago, por meio de sucursais diversas. (iii). A crescente liquidez da economia argentina

(peso) vincula-se indiretamente como fator à demanda de serviços oferecidos por esses

atores sociais, uma vez que os pagamentos realizados nas sucursais das empresas Rapipago

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e Pago Fácil aceitam única e exclusivamente dinheiro em espécie.

Não se poderia tratar nesse texto, mas cabe mencionar, com o fim de

contextualizar, que a alta inflação argentina, à alta emissão de moeda, a desvalorização do

câmbio e a carga tributária às pessoas físicas e jurídicas são quatro vetores

macroeconômicos relacionados entre si e que impactam sobre a liquidez do dinheiro e a

presença dessas atividades na vida urbana.

A política monetária argentina tem estimulado, no decorrer do último decênio,

direta ou indiretamente, a desvalorização do peso. Isso acarreta algumas consequências: a

matéria-prima importada de diversos produtos que são fabricados no país torna-se mais

cara, levando a uma pressão inflacionária contundente. O Banco Central da República

Argentina (BCRA), em seus planos para 2013 (BCRA, 2013, p. 4), admite que a inflação não é

preocupação em si mesma7, mas isso não é verdadeiro quando o próprio governo admite a

necessidade de aumentar os preços de alimentos nas gôndolas de supermercados. O

excesso de emissão de moeda, leva, entre outros aspectos, à necessidade de receber esse

fluxo de dinheiro corrente na sociedade. Isso convida, de algum modo, a promoção de

empresas que possam absorver tal liquidez.

Certamente a inflação é também um processo estrutural da macroeconomia de

uma Nação, afetando a vida social (orçamento doméstico de famílias) e a microeconomia

das empresas, entre os fatores decorrentes da inflação estão: 1. Perda do poder de compra

da população e a consequente proporcionalidade de preços entre produtos e serviços,

levando a uma especulação do aumento do preço antecipado de produtos, 2. Aumento

relativo e absoluto da pobreza, 3. Concentração de renda, 4. Falta de produtos e serviços, 5.

Ausência de investimentos produtivos ligados à tecnologia, 6. Aumento do custo da

produção e consequente desemprego e, 7. O aumento da dívida pública interna do Estado,

ao solver os juros da correção da dívida que tendem a aumentar. Por outro lado, funciona,

ao mesmo tempo, como uma espécie de autofinanciamento a partir do volume de reservas

disponíveis. Uma vez que a inflação é o resultado do aumento geral de preços, bens e

serviços, acaba por relacionar-se também à demanda agregada, evolução dos custos e aos

elementos estruturais da macroeconomia.

7 “la estabilidad monetaria no se concibe en forma aislada y como un objetivo puntual de inflación, sino que seentiende en un sentido más amplio y articulado con la posibilidad de que la economía pueda seguir creciendo eincorporando valor agregado. Políticas monetarias contractivas o fuertes apreciaciones cambiarias nominales noresuelven las causas primigenias de los fenómenos inflacionarios en países en desarrollo como la Argentina. Éstasestán más relacionadas con la presencia de desequilibrios en la estructura productiva” (Banco Central de laRepública Argentina, 2013, p.4).

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A oferta monetária, que somada ao desproporcional volume ou ingerência dos

gastos estatais e ao déficit fiscal, tendem a elevar ainda mais a pressão do aumento

inflacionário, reforçando os sete pontos mencionados acima. A política de redução dos

custos de operação do sistema bancário, ao terceirizar serviços de pagamento de contas da

população tende a ampliar a mais-valia do capital bancário, socializando os riscos físicos de

operação a micro e pequenos agentes e concentrando o comando e a circulação do dinheiro

através de tecnologias da informação e empresas de logística.

O que se nota, a partir de algumas observações do trabalho de campo com o

mercado extrabancario da Cidade Autônoma de Buenos Aires é que este exige um grande

volume de moeda em espécie para manter-se, ou seja, o ciclo que consiste em 1. Pagamento

de contas, 2. Absorção de moeda-dinheiro pelo mercado extrabancario, 3. Repasse ao

sistema bancário e financeiro, 4. Repasse ao Banco Central e, 5. Pagamento salarial. A

macroeconomia argentina está associada, nesse momento, a um excesso de liquidez. Nesse

sentido, as empresas do mercado extrabancario são absolutamente funcionais ao modo de

operar a economia pelo Estado. Na fotografia abaixo perceba o volume de clientes na

primeira quinzena do mês de julho de 2014.

Fotografia 1. Avenida Santa Fé, esquina com Ayacucho. Cidade Autônoma de Buenos Aires. Julho de2014.

Autor: Villy Creuz

A imagem evidencia a demanda de esse serviço nos primeiros dias do mês.

Nesse período é bastante comum o pagamento de contas de luz, gás, condomínio,

consórcios, planos de saúde, boletos de financiamento, escolas privadas, impostos

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municipais e nacionais. Todo esse conjunto de pagamentos é obrigatoriamente pago em

espécie. Os caixas dessas sucursais não recebem, nem fazem uso de cartões bancários, seja

débito ou crédito. Na imagem seguinte pode-se ver o interior de uma sucursal da empresa

Pago Fácil.

Fotografia 2. Interior de uma sucursal Pago Fácil; Anchorena y Arenales. Cidade Autônoma deBuenos Aires. Julho de 2014.

Autor: Villy Creuz

Na fotografia 2, dentro de uma sucursal Pago Fácil, no bairro da Recoleta,

percebe-se que há diversos públicos possíveis, com idades distintas. Em geral, as pessoas

levam consigo valores que variam desde 500 a 3000 pesos. Uma entrevistada afirmou que

evita deixar as contas no débito automático, pois prefere pagar diretamente com caixas e

pessoas, ao invés de máquinas. Noutra situação, no bairro de Boedo, ao questionar a razão

de não usar os caixas automáticos ou os serviços de débito automático, o entrevistado

afirmou que era uma forma de não declarar o total de suas receitas à AFIP. Este senhor é

proprietário de um apartamento alugado, cujo inquilino paga em espécie o aluguel. Esse

dinheiro do aluguel não chega a entrar em sua conta bancária e entra no sistema bancário

através do pagamento feito a partir de empresas do mercado extrabancario (Rapipago e

Pago Fácil). Na fotografia a seguir temos outra imagem da demanda por esse serviço, desta

vez o local (sucursal da Rapipago) funciona sobre a Avenida Pueyrredón e Tucumán.

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Fotografia 3. Fila em dias de maior movimento no “bairro de Once”. Julho de 2014.

Autor: Villy Creuz

Nessa última imagem verifica-se a enorme procura pelo serviço desses atores

sociais. É comum, na primeira quinzena do mês haver filas como essa da fotografia 3, já que

o vencimento de contas em geral é nesse período. O fato dessas empresas não serem

obrigadas a cumprir com normas de atenção aos clientes, facilita a prática da espera sem

prioridades para gestantes ou idosos ou portadores de necessidades especiais. O tempo

médio nessas filas é de 20 até 35 minutos. Em geral, estes locais funcionam em ambientes

com medidas próximas a 20m², com três ou dois caixas a funcionar simultaneamente ou em

turnos. Existe uma variedade de tipologia de capitais e organizações que não chegaremos a

tratar nesse texto, mas essas atividades estão, principalmente, em ruas paralelas ou

transversais a grandes eixos viários. Esses últimos, com menor número de funcionários. Já

os que se localizam em grandes eixos viários tendem a possuir mais mão de obra. A questão

da segurança e da movimentação do dinheiro vivo é um ponto fundamental a esses atores.

Essa é, a propósito, nossa hipótese: além da visibilidade que os grandes eixos viários

proporcionam ou sua proximidade, existe também a questão logística de como o dinheiro é

retirado. Até onde temos investigado, o dinheiro é coletado por empresas de transporte de

remessas e o serviço é organizado entre a empresa matriz e a transportadora. Na fotografia

a seguir, pode-se perceber como a questão da segurança do dinheiro é fundamental.

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Fotografia 4. Fachada e alerta de segurança no estabelecimento da Pago Fácil sobre AvenidaDirectorio, entre Emilio Mitre e Cachimayo (Bairro Caballito). Julho de 2014.

Na fotografia 4 há uma placa com uma câmera pintada, na qual se diz que o

local é protegido por alarmes e é filmado com câmeras de vigilância. Tais mecanismos de

segurança foram adotados após uma série de assaltos ocorrerem num intervalo menor a

dois meses. Essa atividade inclui entre suas funções, venda de passagens terrestres no

território argentino e países limítrofes por meio do sítio da Internet Plataforma 10, mais

serviços de impressão, correio privado (OCA) e computadores. O dono deste local

recusou-se a responder perguntas, mas afirmou que existe seguro contra roubos, embora o

valor assegurado não cubra o dinheiro que é levado. Também não fica claro ainda nas

entrevistas realizadas se o responsável pelo dinheiro é o proprietário dessa pequena

empresa ou a empresa Pago Fácil.

É comum no discurso de pessoas na fila para pagarem suas contas que recorrem

sempre ao mesmo lugar, porque conhecem e têm empatia pelos funcionários. Inclusive em

estações do metrô, como na fotografia 5, abaixo, na estação Tribunales, da linha D se nota

fenômeno semelhante, com sociabilidade da banca de jornal e as pessoas em fila.

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Fotografia 5. Rapipago na estação Tribunales – linha D. Julho de 2014.

A porosidade que essas micro e pequenas empresas, com até cinco funcionários

e com graus variados de capitalização, possuem nas cidades argentinas, em especial Buenos

Aires, remete-nos à noção assinalada por Richard Sennett (2006, p. 63): ‘concentração

descentralizada’. Esta implica a distribuição de tarefas e implosão da pirâmide hierárquica

dentro das topologias empresariais. Contudo, lembra o autor, tal implosão não aboliu o

sistema de controle, nem tampouco a concentração de poder, mas seu inverso, ou seja,

reforçou-as sobre novas relações de trabalho entre homens, empresas e instituições.

Nesse movimento, a ação de micro e pequenas empresas espalhadas pela urbe,

mas carregando os nomes das grandes marcas e sendo geridos por elas através de objetos

técnicos que permitem a comunicação instantânea e a teleação, reafirma o uso corporativo

do território, no qual grandes capitais conseguem cooptar micro e pequenos atores a sua

esfera de ação, criando novas articulações entre os dois circuitos da economia urbana e

reforçando a relação de subordinação dos micro e pequenos. O tempo dos lugares tende a

ganhar a mediação do tempo acelerado dos grandes atores. Sente-se, cada vez mais, que a

temporalidade dos pequenos se associa à temporalidade hegemônica.

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TEMPO EMPÍRICO: PROCESSO TÉCNICO E A TENDÊNCIA AO OLIGOPÓLIO

A noção de tempo empírico parte das variáveis do período e da multiplicidade de

tempos coexistentes vividos por atores que coexistem no espaço geográfico. Como aponta

María Laura Silveira (2013, p. 15), na perspectiva kantiana “Tempo e espaço estão presentes

como categorias do pensamento mais do que como processos históricos”, na globalização,

estaríamos desautorizados a separarmos o ser da temporalidade: “como se a geografia em

sua totalidade pudesse abstrair a temporalidade do ser”.

Nesse sentido, M. L. Silveira (2012, p. 60) orienta a compreender que cada

momento da história, “produz uma extensão dos fenômenos e, assim, um conjunto de

eventos, técnicas e normas chega de diferentes maneiras aos lugares”. Os fenômenos são

manifestações de realizações possíveis que se fixam a um lugar. São eventos, isto é, o tempo

tornado material em decorrência da ação de atores sociais.

A repartição global do trabalho se manifesta nos lugares, através da

empiricização do tempo. Os atores hegemônicos (grandes grupos de capitais, sociedades

abertas, fundos de investimento, bancos e instituições globais), são capazes de produzir

eventos planetários que se manifestam em diversos lugares, com especificidades. Em outras

palavras, a mais-valia globalizada ganha expressão a partir do modo pelo qual os lugares

acolhem os vetores externos. Estes vetores (tecnologias e suportes materiais) estabelecem a

mediação de pontos de comando através das ondas de difusão de modernizações.

Empresas hegemônicas e seus suportes de ação acomodam-se às especificidades nacionais,

isto é, à política de Estados, ao conjunto de Leis e normas, e ligam-se, assim, aos valores e

costumes da sociedade. Nesse ínterim, grupos de capitais produtivos nacionais e

estrangeiros presentes nos países são cooptados pelas finanças globais.

A globalização enquanto fenômeno resultante da mediação de objetos técnicos

concretos (Simondon, 2007) faz do homem um habitante do planeta, mas também e ao

mesmo tempo do seu país:

Os homens vivem agora num todo global e contínuo, no qual a noção de

distância, inerente até mesmo à mais perfeita contiguidade de dois pontos,

cedeu ante a furiosa arremetida da velocidade. (...) nada que possa ser medido

pode permanecer imenso; toda medição reúne pontos distantes e, portanto,

estabelece proximidade onde antes havia distância (ARENDT, 2008 [1958], p.

262).

No movimento atual das coisas sobre o planeta encontramos, nas palavras de

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Octavio Paz ([1950] 2012, p. 210), uma idéia síntese: “Somos, pela primeira vez em nossa

história, contemporâneos de todos os homens”. A simultaneidade dos eventos denota o

caráter do acontecer empírico, proposta elaborada por Milton Santos (1996, p. 162), que

significa dizer que o conhecimento dos eventos e o “entendimento de sua significação

interdependente (...) são um fator determinante para a realização da história”.

Não se trata, doravante, da supressão propriamente dita de distâncias, mas uma

nova compreensão sobre o conceito de escala e a dimensão da inter-relação de fatores e

vetores de ordem global que incidem sobre uma formação socioespacial, uma região e um

lugar.

existe uma totalidade prévia, um mundo construído. É um arranjo de objetos e

normas que, ao mesmo tempo que é transformado, obriga os vetores a uma

adaptação. A esse fenômeno poderíamos chamar de escala de império, um

verdadeiro limite normativo, porque material e organizacional, ao processo de

totalização. É a extensão da ação de fato funcionalizada. Enquanto a escala da

ação é constituída de tempo: o tempo global, o tempo nacional, o tempo local, a

escala de império faz alusão ao tempo empiricizado (SILVEIRA, 2004, p. 92).

Como bem nos recorda Milton Santos (2002, p. 255), já em meados da década de

1970 no livro ‘Por uma Geografia Nova’, já que “um elemento não pode evoluir

isoladamente, nem é capaz de se transformar sem arrastar os demais no movimento, o

nosso problema não é o da evolução particular de um elemento, mas o da evolução global”.

Esse princípio de método admite, ou melhor, pressupõe assumir que o mundo é feito por

um conjunto de lugares “onde o acontecer simultâneo dos diversos agentes supõe o uso

diferenciado do tempo.

Se, conjuntamente a universalidade empírica e a unicidade técnica se

manifestam como condições indispensáveis ao período do meio

técnico-científico-informacional (Santos, 1994, pp. 49-50), há também o motor único,

produto e condição da mais-valia em nível global: “tornada mundial pelo viés da produção e

unificada por intermédio do sistema bancário, constitui o motor primeiro”. Para Armstrong e

McGee (1985, p. 826)8, “A evolução da economia global parece ter resultado no

desenvolvimento de polarização entre os países e dentro de cada um deles; isso se reflete

nas estruturas urbanas do Terceiro Mundo”. Se o conceito países do Terceiro Mundo pode

parecer anacrônico no movimento do atual modelo de produção em marcha é, entretanto, a

8 “L'évolution de l'économie internationale semble avoir pour conséquence le développement de la polarisation entreles pays et à l'intérieur de chacun d'eux; cela se reflète dans les structures urbaines du Tiers Monde”.

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crescente particularidade em que esse modo de produção se manifesta em cada país e, em

particular, nas grandes cidades que se observa empiricização do modo de produção

capitalista atual.

Segundo Carlos A de Mattos (2002, p. 55), partindo da situação da metrópole de

Santiago (Chile), existiria um fenômeno de dualização das metrópoles que funcionam como

resultado inerente às sociedades capitalistas avançadas, cujo processo se “cristaliza na

medida que a economia informacional se constitui em um novo núcleo dinâmico da

respectiva estrutura econômica”. Nessa direção, Mattos (idem) pontua que aceitando tal

explicação, poder-se-ia concluir de que toda desigualdade social poderia ser interpretada

como dualização, embora “está corresponderia a uma modalidade específica de

desenvolvimento capitalista, onde seria a informatização da economia a que teria maior

incidência na segmentação dos mercados de trabalho. Já a geógrafa Diana Lan (2010, p. 3),

ao ponderar sobre a nova organização da repartição do trabalho na cidade de Tandil

(província de Buenos Aires – Argentina), nos dirá que dentre duas “lógicas de organização do

espaço, a partir de novos agentes econômicos, uma teria a ver com capitais locais, regionais

e nacionais, e, a outra, que é a modernizadora, articula à escala local com à internacional,

organizando o espaço a partir das imposições do mercado, participando dos circuitos

espaciais globalizados da produção”.

O processo de internacionalização do capital, mediado pela participação do

sistema financeiro, pelo conjunto do sistema de técnicas, pelas normas internacionais e

nacionais de cada país, mais o conhecimento de eventos significativos à esfera global de

alianças financeiras, bancárias e produtivas, ampliou o escopo de interpretação das análises

geográficas.

Poder-se-ia considerar que a tendência oligopolista de empresas transnacionais

é resultante de lógicas comuns de expansão do capital. Uma técnica da ação permeia o agir

de atores econômicos. Um saber fazer econômico produz o homo economicus ou homem

racional econômico, como propõe destacar Derek Gregory9.

Essa racionalidade da economia tende a ganhar graus de autonomia na esfera

da produção do dinheiro puro, da renda, da fabricação e do valor do trabalho. Segundo

David Harvey ([1982] 1990, p. 92), o capital é definido como um processo, como um valor

9 “There have been many criticisms of the rationality assumption, and they frequently focus on the unrealisticcharacteristics attributed to the rational actor (sometimes described in the gendered language of Homo economicus,or ‘rational economic man’): perfect knowledge; unyielding egoism; independent preferences; the ability and desireto maximize utility (minimize costs); and pursuit of a single goal (see satisficing behaviour)” (Gregory, 2009, p.621).

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‘em movimento’ que experimenta uma expressão contínua por meio da produção da

mais-valia”. Ao buscar integrar a análise dinheiro e do crédito com a teoria geral da

acumulação, o autor falará sobre as “’leis de movimento’ do capitalismo” (idem, p. 245) que

“se expressam através da circulação do capital-dinheiro que produz juros canalizados

através do sistema de crédito” (idem). De acordo com Julio Sevares (2005, p. 261), os

“bancos, os fundos de pensão ou as companhias de seguro não são os únicos atores da

globalização financeira”. Nesse movimento encontram-se também presentes empresas de

produção e de serviços, por meio de fluxos financeiros que geradoras de investimento ou

pagamento de ativos.

Nesse transcorrer de eventos planetários, mediado pelas finanças e, que conta

como elo a formação socioespacial, os lugares acolhem os vetores de modernização

abraçando lógicas financeiras – conscientes ou não - no cotidiano de suas ações. As

fotografias evidenciaram imagens do cotidiano dos pagamentos usuais de diversos grupos

de população na Cidade Autônoma de Buenos Aires. Essas empresas, Rapipago e Pago Fácil,

são capitais abertos, cujos principais acionistas são atores financeiros e que logram exercer

suas funções através do trabalho de micro e pequenos atores sociais. Nesse sentido, a

articulação entre o circuito superior da economia e os circuitos superior marginal e inferior

tornam-se mais amálgamas.

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CONCENTRAÇÃO POROSA: ARTICULAÇÃO DO CIRCUITO SUPERIOR COM ATORES DO CIRCUITO SUPERIOR MARGINAL ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO FINANCEIRA EM BUENOS AIRES (ARGENTINA)

EIXO 1 – Transformações territoriais em perspectiva histórica: processos, escalas e contradições

RESUMO

O trabalho enfocará nas novas manifestações de articulações entre o circuito superior da

economia urbana e o circuito superior marginal através de empresas que estabelecem mediações

com o sistema financeiro e a economia urbana em Buenos Aires (Argentina).

Cada formação socioespacial, em particular cada cidade, possui especificidades que perpassam

os quadros jurídicos e a macroeconomia do país. O Estado tende a ampliar o sistema financeiro

em cada faixa de renda das populações.

Na Argentina, particularmente em Buenos Aires, observa-se a capilaridade de empresas como

Rapipago e Pago Fácil-Western Union que recebem pagamentos de contas como energia elétrica,

gás, condomínio, escolas privadas, telefonia fixa e móvel, seguros de saúde e impostos. Estes

pagamentos são realizados através de pequenos comércios, como Kioscos e Locutórios, em

associação a essas duas grandes empresas.

A Rapipago possui como principais acionistas os bancos Santander Río, Citi e HSBC. Já a Pago

Fácil, em 2013, foi adquirida pela empresa de remessas monetárias Western Union, presente em

mais de 200 países. Essas duas empresas agenciam intermediários do circuito superior marginal

para captar a liquidez financeira em circulação.

Acreditamos que a necessidade de liquidez para o pagador é um fator a ser considerado, tanto

quanto a própria divisão do trabalho e a topologia das empresas associadas à órbita financeira e

bancária, com rebatimentos sobre os orçamentos das famílias e das pequenas empresas, sobre o

meio construído urbano e sobre a economia no seu conjunto.

Esse texto conta com fontes primárias, isto é, entrevistas abertas e registro fotográfico. As fontes

secundárias são basilares, por meio da busca de informações através do sítio do Banco Central da

República Argentina, e, igualmente, nas páginas de Internet das empresas em questão.

De tal modo, o resultado a ser alcançado será o de um trabalho teórico-empírico estruturado em

três partes: introdução (referências teóricas mais amplas e apresentação do problema), primeira

parte (situação geográfica de Buenos Aires, com registros primários e secundários combinados às

observações teóricas considerando dados das empresas Rapipago e Pago Fácil) e, segunda parte

(na qual mostramos algumas situações empíricas na cidade de Buenos Aires). Finalmente, a

terceira parte discute o tempo empírico e o motor único. Todo o texto partirá do entendimento de

que o espaço geográfico é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas ações.

Palavras-chave: cidades, economia urbana, finanças

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