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CONCEPÇÕES DE LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS SOBRE BIOTECNOLOGIA EM UMA PERSPECTIVA CTS RAQUEL DA SILVA CORRÊA 1 TATIANA GALIETA 2 Resumo: Estudos situados na interface entre movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e Educação em Ciências têm mostrado que a formação de professores de Ciências Naturais seria incompatível com a interdisciplinaridade pressuposta por este movimento, já que o ensino de Ciências ainda contempla temas tradicionais. Estes educadores não seriam, portanto, preparados para elaborarem aulas em contextos diversificados, contemporâneos e contextualizados, voltadas à formação crítica dos estudantes. Como campo composto por esses contextos, ressaltamos a Biotecnologia, beneficiadora de setores como Pecuária e Agricultura, porém na qual ainda incidem questões sobre impactos socioambientais. Neste trabalho objetivamos pesquisar as concepções sobre Biotecnologia, segundo a perspectiva CTS, de licenciandos em Ciências Biológicas de uma universidade pública brasileira. Aplicamos um questionário semiestruturado e obtivemos respostas de 137 graduandos do 1° ao 7° período. A análise quantiqualitativa não demonstrou aumento contínuo da apropriação das interrelações CTS pelos discentes durante a graduação, sendo enfática nos períodos intermediários. Ademais, 39,86% apresentaram uma visão reducionista sobre os processos em Biotecnologia, além de exporem poucos temas relacionados à Biotecnologia, com raciocínio favorável à lógica capitalista. Concluímos que a formação inicial de professores de Ciências inclua temas que favoreçam discussões CTS a fim de renovar práticas pedagógicas e revisar conteúdos curriculares estáveis. Palavras-chave: CTS; Ensino de Biologia; Biotecnologia. INTRODUÇÃO As atividades científica e tecnológica têm assumido, tradicionalmente, um caráter racionalista e sido pautadas em critérios de demarcação apenas internos excluindo os fatores externos (sociais, políticos, culturais e econômicos). A ideia de que os conhecimentos científicos devem ser produzidos por um método científico rigoroso (baseado na lógica e no empirismo) e a partir de uma postura neutra dos cientistas tem sido questionada por epistemólogos críticos desde o início do século XX. Esta visão sobre Ciência e Tecnologia (CT) encontra-se alinhada ao que Cerezo (2004) denomina modelo linear de desenvolvimento 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores, Especialização em Educação Básica Ensino de Biologia, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores, Departamento de Ciências, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Ambiente e Sociedade, Brasil. E-mail: [email protected].

CONCEPÇÕES DE LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS ... segundo o qual quanto mais produção científica, maior a produção tecnológica, aumentando a geração de riquezas para o país e,

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CONCEPÇÕES DE LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS SOBRE

BIOTECNOLOGIA EM UMA PERSPECTIVA CTS

RAQUEL DA SILVA CORRÊA1

TATIANA GALIETA2

Resumo: Estudos situados na interface entre movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade

(CTS) e Educação em Ciências têm mostrado que a formação de professores de Ciências

Naturais seria incompatível com a interdisciplinaridade pressuposta por este movimento, já

que o ensino de Ciências ainda contempla temas tradicionais. Estes educadores não seriam,

portanto, preparados para elaborarem aulas em contextos diversificados, contemporâneos e

contextualizados, voltadas à formação crítica dos estudantes. Como campo composto por

esses contextos, ressaltamos a Biotecnologia, beneficiadora de setores como Pecuária e

Agricultura, porém na qual ainda incidem questões sobre impactos socioambientais. Neste

trabalho objetivamos pesquisar as concepções sobre Biotecnologia, segundo a perspectiva

CTS, de licenciandos em Ciências Biológicas de uma universidade pública brasileira.

Aplicamos um questionário semiestruturado e obtivemos respostas de 137 graduandos do 1°

ao 7° período. A análise quantiqualitativa não demonstrou aumento contínuo da apropriação

das interrelações CTS pelos discentes durante a graduação, sendo enfática nos períodos

intermediários. Ademais, 39,86% apresentaram uma visão reducionista sobre os processos em

Biotecnologia, além de exporem poucos temas relacionados à Biotecnologia, com raciocínio

favorável à lógica capitalista. Concluímos que a formação inicial de professores de Ciências

inclua temas que favoreçam discussões CTS a fim de renovar práticas pedagógicas e revisar

conteúdos curriculares estáveis.

Palavras-chave: CTS; Ensino de Biologia; Biotecnologia.

INTRODUÇÃO

As atividades científica e tecnológica têm assumido, tradicionalmente, um caráter

racionalista e sido pautadas em critérios de demarcação apenas internos excluindo os fatores

externos (sociais, políticos, culturais e econômicos). A ideia de que os conhecimentos

científicos devem ser produzidos por um método científico rigoroso (baseado na lógica e no

empirismo) e a partir de uma postura neutra dos cientistas tem sido questionada por

epistemólogos críticos desde o início do século XX. Esta visão sobre Ciência e Tecnologia

(CT) encontra-se alinhada ao que Cerezo (2004) denomina modelo linear de desenvolvimento

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores, Especialização em

Educação Básica – Ensino de Biologia, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores, Departamento de Ciências,

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Ambiente e Sociedade, Brasil. E-mail:

[email protected].

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segundo o qual quanto mais produção científica, maior a produção tecnológica, aumentando a

geração de riquezas para o país e, assim, acarretando o bem estar social.

Entretanto, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mais precisamente no final

da década de 1960 diante das crescentes preocupações de agravamento dos problemas

ambientais e do desenvolvimento de armas químicas e nucleares advindas dos avanços

científico-tecnológicos, surge o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) cujos

estudos começaram a questionar o modelo linear de desenvolvimento e a neutralidade da CT.

Essas reflexões críticas não ocorreram somente na América do Norte como também em todo o

continente europeu (CUTCLIFFE, 1990; Von LINSINGEN, 2007).

A gênese do movimento CTS repercutiu, inclusive, na Educação Científica e

Tecnológica, sobretudo na elaboração de currículos que permitissem a implantação de debates

nas escolas sobre questões científicas e tecnológicas prementes na sociedade. Isto

desencadeou em uma proposta de uma reformulação curricular no ensino de ciências

inserindo a abordagem CTS (SANTOS, 2007). Nestes currículos destaca-se a importância de

discutir com os alunos os avanços da CT, contextualizando-as histórica e socialmente, com o

intuito de levá-los a compreender as origens das motivações sociais, políticas e/ou

econômicas que modulam as inovações científico-tecnológicas, além das questões éticas,

ambientais e culturais envolvidas (PALÁCIOS; OTÉRO; GARCIA, 1996).

No Brasil, as proposições de currículos de ciências com ênfase em CTS iniciaram

somente na década de 1990 com a elaboração de trabalhos de conclusão dos cursos de pós-

graduação e a publicação de artigos e livros sobre o assunto (FRACALANZA, 2006). Nos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental e do Ensino Médio

(BRASIL, 1998; 2000) encontram-se menções ao enfoque CTS. Wildson Santos, um dos

autores mais atuantes neste enfoque atualmente, reforça que o intuito central do ensino com

foco CTS na educação básica consiste em:

Promover a educação científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o aluno a

construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões

responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e atuar na solução

de tais questões (SANTOS, 2007, p.2).

No entanto, apesar da abordagem CTS constar nos PCN, Santos (2007) pontua que, na

maioria das escolas, os conteúdos ainda são trabalhados com os estudantes de maneira

descontextualizada do seu cotidiano e, por isso, o ensino de ciências é reduzido à

memorização de nomenclaturas, classificação de fenômenos e resolução de problemas. Desta

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maneira, este autor confirma a relevância da abordagem CTS não apenas no nível da educação

básica, como também no ensino superior em cursos de formação de professores.

Trabalhos anteriores com professores do ensino de ciências (AULER, 2007; AULER;

DELIZOICOV, 2006; SOUZA; PEDROSA, 2011) verificaram que a formação disciplinar dos

docentes é incompatível com a perspectiva interdisciplinar presente no movimento CTS, por

contemplar temas tradicionais do currículo de ciências. Como a formação de professores nem

sempre atende às novas exigências da educação científica pautadas na abordagem CTS, os

educadores acabam por não se tornarem capazes de elaborar suas aulas em contextos

diversificados, contemporâneos e contextualizados, voltados para a formação crítica dos

alunos (FONTES; SILVA, 2004).

Como exemplo de campo de conhecimento composto por diversos desses contextos,

ressaltamos a Biotecnologia. Na Antiguidade, antes do homem utilizar a denominação

Biotecnologia3, ele já a realizava em processos de fermentação como a produção de pães,

bebidas alcoólicas e derivados lácteos, ou de compostagem, utilizada para aumentar a

fertilidade do solo. Desde então, os avanços biotecnológicos têm beneficiado diversos setores

da sociedade, tais como, a Medicina, a Pecuária e a Agricultura. Por outro lado, questões

pertinentes são levantadas a respeito de seus impactos na sociedade e no ambiente, tal como a

perda de biodiversidade em consequência do uso indiscriminado de herbicidas (GARCIA,

2006). Por este motivo, debater com os alunos em sala de aula sobre assuntos como vacina,

fertilização in vitro, clonagem, biocombustível e alimentos transgênicos é essencial. O

desenvolvimento destes conhecimentos científicos e tecnológicos representa um avanço para

a sociedade. Entretanto, a discussão deveria focar na forma como estes conhecimentos estão

sendo usados. Temas de Biotecnologia envolvem questões éticas: a produção e o consumo de

determinados produtos científicos e tecnológicos não devem ultrapassar os limites dos

princípios éticos, de maneira a comprometer o bem-estar social. Portanto, além de serem

assuntos da área biológica, esses debates podem auxiliar os alunos que como cidadãos

necessitam de informações consistentes para fazer suas escolhas com consciência e

responsabilidade sobre questões relativas à manipulação da vida (TIZIOTO; ARAÚJO, 2007).

3 O termo “Biotecnologia” foi utilizado, pela primeira vez em 1919, pelo engenheiro húngaro Karl Ereky,

referindo-se às atividades cujos produtos provinham da ação de organismos vivos em matérias brutas.

(AMÂNCIO; CALDAS, 2010).

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Considerando, então, a importância da discussão sobre as relações CTS na formação

de professores de Ciências e Biologia, desenvolvemos uma pesquisa4 cujo objetivo central

consistiu em investigar as compreensões dos licenciandos do Curso de Licenciatura em

Ciências Biológicas da Faculdade de Formação de Professores, da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro (FFP/UERJ), localizada na cidade de São Gonçalo – RJ, Brasil. No presente

trabalho apresentamos um recorte desta pesquisa que diz respeito a dois objetivos específicos,

a saber: i) Conhecer os significados que os licenciandos atribuem aos conceitos de Ciência e

Tecnologia, relacionados ou não à sociedade, no campo da Biotecnologia; ii) identificar que

conhecimentos (científicos e/ou tecnológicos) os licenciandos entendem como sendo próprios

ao campo da Biotecnologia. A seguir descrevemos brevemente a metodologia da pesquisa.

METODOLOGIA

A pesquisa de caráter quantiqualitativo foi realizada com sujeitos de turmas do 1° ao

7° período do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da FFP/UERJ. O curso é

composto por 8 (oito) semestres, porém, por não se encontrarem realizando disciplinas

obrigatórias no último período os alunos do 8º período não foram considerados.

O período da coleta dos dados ocorreu entre o dia 16 de setembro a 09 de outubro de

2014. Por fim, a pesquisa teve a participação voluntária de 161 licenciandos, do total exato de

302 estudantes matriculados regularmente nesse curso no segundo semestre de 2014, de

acordo com a secretaria do Departamento de Ciências da FFP/UERJ. A coleta de dados foi

realizada através de um questionário semiestruturado composto por três perguntas fechadas e

três abertas; das seis questões, duas fechadas foram elaboradas a partir de assuntos inseridos

na temática de Biotecnologia presente em reportagens divulgadas na mídia televisiva e em

jornais eletrônicos. Do total de 161 questionários coletados, 137 foram analisados e seus

dados computados. Os demais 24 questionários desconsiderados foram preenchidos por

alunos que não se enquadravam como sendo do 1° ao 7° período.

No presente trabalho, focaremos nos resultados de três questões que estão relacionadas

aos dois objetivos específicos anteriormente enunciados. Na apresentação dos resultados, as

três perguntas serão mencionadas conforme a numeração identificada na pesquisa original, ou

seja, questões 1, 2 e 6.

4 Esta pesquisa foi desenvolvida como trabalho de conclusão do curso de Especialização Lato sensu em

Educação Básica no Ensino de Biologia (FFP/UERJ).

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Do total de 137 questionários analisados, a maioria dos licenciandos que constituíram

nosso grupo de estudo foi do sexo feminino com 78,10% (n = 107), enquanto que o percentual

do sexo masculino foi de 21,90% (n = 30). A faixa etária dos estudantes, incluindo ambos os

sexos, variou de 17 a 49 anos e a média etária dessas idades correspondeu a 20,96 anos.

Buscando alcançar o primeiro objetivo específico da pesquisa, os significados que os

licenciandos atribuem aos conceitos de Ciência e Tecnologia, relacionados ou não à

sociedade, no campo da Biotecnologia, desenvolvemos as questões 1 e 6 do questionário.

A Biotecnologia tem sido concebida por pesquisadores e instituições a partir de

concepções diversificadas. De acordo com a Organização das Nações Unidas (1992, Art. 2):

“Biotecnologia significa, qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos,

organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para

utilização específica”. A partir desse conceito, elaboramos outras duas definições sobre

Biotecnologia para compor a Questão 1: como mostrado em ordem, segue uma alternativa que

relacionava CTS (A), uma somente de cunho tecnológico (B) e outra de cunho científico (C).

1) Qual das seguintes frases, na sua opinião, melhor define Biotecnologia? Marque com um X a frase de sua

escolha.

(A) “Procedimentos de manipulação de materiais biológicos voltados a atender tanto às necessidades do

campo científico quanto da sociedade, a qual deve ser esclarecida desses impactos e ter poder na tomada de

decisão a respeito.”

(B) “Qualquer aplicação tecnológica que use sistemas biológicos, organismos vivos ou derivados destes, para

fazer ou modificar produtos ou processos para utilização específica.”

(C) “Técnicas de manipulação de amostras biológicas destinadas ao aperfeiçoamento e aos avanços

tecnológicos do campo científico.”

Averiguamos se havia diferença significativa entre as alternativas de conceituação em

Biotecnologia em pelo menos algum dos períodos (Gráfico 1). Compartilhamos a ideia de

Alonso et al. (2011) de que o aprendizado e a proximidade adquiridos ao longo da graduação

com as temáticas de CT deveriam contribuir para melhorar a compreensão das inter-relações

entre CTS. Estaria implícita nesta ideia a hipótese de que os estudantes recém-ingressos no

ensino superior, do 1° e 2° períodos, deveriam ser o grupo a apresentar uma visão linear de

CTS, enquanto os estudantes veteranos deveriam revelar uma compreensão integrada de CTS.

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Contudo, ao analisarmos os resultados das alternativas dentro de cada período, notamos que

não houve diferença significativa entre as respostas nas opções A, B e C (Gráfico 1).

Gráfico 1: Análise quantitativa das alternativas assinaladas para a definição de

Biotecnologia em cada período do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da

FFP/UERJ5

Ao compararmos as alternativas entre os períodos, podemos observar que a opção A

não sofreu aumento contínuo ao longo do avanço dos períodos da graduação. Pelo contrário,

no meio do curso houve um acréscimo acentuado e ao final, um declínio notório, a ponto do

7° período possuir a menor quantificação. Este resultado se mostra preocupante, uma vez que

se opõe à nossa hipótese mencionada acima. Em relação ao nosso grupo de estudo, temos uma

explicação para os licenciandos do 4º e 5º períodos possuírem percentuais mais elevados

nesses resultados em relação aos períodos extremos, 1º e 7º. Os alunos do 5º período já

cursaram Laboratório de Ensino I e Metodologia do Ensino de Ciências e Biologia,

disciplinas obrigatórias oferecidas no 1° e 5° período, respectivamente, nas quais a professora

responsável desde o segundo semestre de 2012 tem incluído discussões CTS, o que pode ter

interferido nesses dados. Todavia, devido à professora ter iniciado sua prática docente no ano

letivo de 2012, os estudantes do 7º período não foram seus alunos e os do 1º período ainda

não tinham concluído a disciplina. Além disso, existem duas disciplinas eletivas que também

possuem enfoque CTS. Uma delas é a Princípios de Biotecnologia, cujo objetivo na ementa é

5 No eixo y, o percentual de alternativas assinaladas com X, e no eixo x, as alternativas, A, B e C correspondente

a cada período, do 1° ao 7°. Em uma análise estatística comparativa entre as três alternativas, em seus

respectivos períodos e entre eles, não houve diferença significativa. Todos os valores de p foram > 0,05.

Programa GraphPad Prism, versão 5; Kruskal-Wallis: teste estatístico utilizado para a análise entre três ou mais

grupo de dados (HOLLANDER; WOLFE; CHICKEN, 2013).

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compreender a importância e o impacto da Biotecnologia no dia-a-dia. A outra disciplina

eletiva é Ciência, Tecnologia e Sociedade (ministrada também pela docente acima

mencionada) que passou a compor a grade curricular e ser oferecida aos licenciandos a partir

do segundo semestre de 2014, não possuindo pré-requisito e podendo ser cursada por

licenciandos de qualquer período. Ou seja, existem disciplinas no currículo deste curso que

favorecem a construção de uma visão crítica das relações CTS sem necessariamente estarem

atreladas a um período específico.

Com a Questão 6 pretendíamos saber se os licenciandos consideram que as atividades

em Biotecnologia melhoraram e/ou pioraram a condição de vida da sociedade contemporânea

e o porquê dessas opiniões. Para melhor análise dos dados, dividimos esses resultados em

duas etapas. Na primeira, identificamos cinco perfis de respostas: Melhoraram; Melhoraram

na maioria; Melhoraram e pioraram; Pioraram e Não pensou a respeito. Analisamos esses

perfis gerais em todos os períodos, no Gráfico 2 são apresentados os perfis de respostas

separados por cada período. Na segunda etapa, averiguamos as justificativas da escolha para

estes perfis de respostas.

Gráfico 2: Apresentação dos cinco perfis de respostas identificados sobre a interferência das

atividades em Biotecnologia na condição de vida da sociedade contemporânea6

Ao analisar os dados, no geral, observamos que apesar de muitos licenciandos

opinarem que só houve melhorias (36,24%), mais da metade deles reafirmaram a melhoria e a

piora (54,35%) expondo os pontos positivos e negativos dessas atividades para a sociedade.

6 No eixo y está o percentual, e no x os perfis de respostas correspondentes em cada período, do 1° ao 7°. P >

0,05 (não significativo) entre os perfis de respostas em cada período. Programa GraphPad Prism, versão 5;

Kruskal-Wallis: teste estatístico utilizado para a análise entre três ou mais grupo de dados (HOLLANDER;

WOLFE; CHICKEN, 2013).

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Aqueles que afirmaram que as atividades em Biotecnologia somente Pioraram na condição de

vida da sociedade compreendem 5,07%, os que consideram que elas Melhoraram na maioria

das vezes, 3,62% e 0,72% dos graduandos não pensaram a respeito sobre os benefícios e/ou

malefícios das atividades em Biotecnologia para a sociedade.

Ao observarmos o Gráfico 2, que ilustra os perfis de respostas separadamente em cada

período da graduação, notamos que os licenciandos do 3° ao 5° período foram os que menos

responderam Melhoraram e os que mais criticaram as atividades CT com o perfil de resposta

Melhoram e Pioraram. Tal perfil de dados condiz à discussão do Gráfico 1, pois estes foram

os períodos que recentemente tiveram disciplinas com a abordagem CTS, diferente dos

períodos extremos (1º e 7° períodos).

Por fim, na segunda etapa de análise das respostas à Questão 6, focamos nas

justificativas das respostas anteriormente mencionadas. Alguns alunos não justificaram seus

perfis de respostas. Dentre os graduandos que tiveram o perfil de resposta Pioraram (5,07%),

foram utilizadas basicamente duas justificativas, as quais diziam que “a Biotecnologia procura

beneficiar um grupo restrito e a população pobre não se beneficia” e que “houve aumento dos

problemas de saúde da sociedade e ambientais através dos transgênicos e da monocultura”.

Um dos respondentes mencionou que “Não há interferência (nem positiva e nem negativa),

pois a população não possui conhecimento sobre a Biotecnologia”. Na visão deste

licenciando, os impactos das atividades da CT na sociedade só interferem quando a população

tem compreensão do desenvolvimento das mesmas.

Em adição, dos licenciandos que apresentaram os perfis de respostas Melhoraram e

Melhoraram na maioria, justificaram-nas alegando que há melhoria na condição de vida da

sociedade devido às atividades da ciência e da tecnologia: “avançaram em pesquisas na

melhoria da saúde, aumentando a expectativa de vida da população”; “ajudam os mais

pobres”; “sempre procuraram contribuir para o bem-estar da sociedade”; “desenvolvem

fármacos através de produtos naturais”; “reduzem os danos ao meio ambiente”; “aumentam a

produção de alimentos auxiliando a redução da fome populacional”; “são desenvolvidas com

consciência e transparência para os leigos”; “desenvolveram a biorremediação para a

resolução de derrame de óleo no mar, os biocombustíveis, controle de pragas”; “aumentam o

conhecimento da sociedade sobre Biotecnologia quando as notícias são transmitidas pela

mídia” e que “resolvem problemas naturais e/ou criados pelo homem”.

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Por estes resultados, concluímos que os licenciandos relacionam a Ciência e a

Tecnologia com a Sociedade, porém grande parte deles (um total de 39,86% quando

consideramos as respostas Melhoraram (36,24%) e Melhoraram na maioria (3,62%))

possuem dentro da visão reducionista, uma perspectiva salvacionista da CT que se refere à

crença de que todos os problemas da sociedade podem ser resolvidos pelo desenvolvimento

científico e tecnológico (AULER; DELIZOICOV, 2001).

O segundo objetivo específico consistiu em identificar que conhecimentos

(científicos, técnicos e/ou tecnológicos) os licenciandos entendem como sendo próprios ao

campo da Biotecnologia. Para obtenção dos resultados deste objetivo, desenvolvemos a

Questão 2 na qual foram elencados quatro temas (tópicos) da Biotecnologia e solicitamos aos

licenciandos que numerassem, por ordem de relevância, aqueles que achavam mais

relacionados a este campo de conhecimento.

2) Em relação aos tópicos em Biotecnologia citados abaixo, quais lhe parecem mais adequados a este campo de

conhecimento? Em sua opinião, numere de 1 a 4, sendo 1 atribuído para o assunto de maior relevância e 4 para

o de menor relevância.

( ) Agricultura familiar baseada em espécies vegetais não transgênicas (ex.: arroz, feijão, milho).

( ) Aumento da produtividade de alimentos (ex.: soja transgênica).

( ) Clonagem de animais com genética considerada privilegiada (ex.: gado com alta produção de leite).

( ) Extensas produções agrícolas, como as de cana-de-açúcar e de soja, voltadas para biocombustíveis (ex.:

etanol, biodiesel).

Para classificarmos os resultados obtidos nesta questão foram contabilizadas quantas

vezes cada alternativa aparecia em 1°, 2°, 3° e em 4° lugar. Assim obtivemos a colocação

predominante dentro de cada uma das opções. Por exemplo, a opção “Extensas produções

agrícolas voltadas para biocombustíveis” obteve o maior número de votos (33, do total de

118: representando 27,96%). Esta opção também recebeu a maior votação na colocação em

segundo lugar, vimos que essa também ganhou a maioria dos votos (36, do total de 115:

representando 31,30%). Na terceira posição foi o “Aumento da produtividade de alimentos

através de alimentos transgênicos”. Em 4° lugar foi encontrada “Agricultura familiar

baseada em espécies vegetais não transgênicas”. Enquanto que a opção “Clonagem de

animais com genética considerada privilegiada” foi citada, porém não liderou em nenhuma

das quatro colocações solicitadas pelo enunciado. Entendemos que devido aos estudantes

relacionarem a opção do plantio familiar à Biotecnologia com menos frequência, eles não

reconhecem a importância da manutenção da agricultura familiar, no que concerne não apenas

a sua produção, mas também o complexo de indústrias, serviços e comércios existentes no

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entorno de pequenas propriedades, enfim, uma atividade que não se concentra apenas nela,

mas também no que depende dela (GUILHOTO et al, 2007).

De acordo com estes dados, podemos concluir que os licenciandos priorizam,

respectivamente, as “Extensas produções agrícolas voltadas para biocombustíveis”, e o

“Aumento da produtividade através de alimentos transgênicos”, ambas as alternativas sendo

inovações tecnológicas voltadas para a produção em larga escala favorecendo o lucro

econômico. Tais opções se contrapõem à agricultura familiar e aos malefícios que a

transgenia pode causar às espécies animais e vegetais, a curto ou longo prazo, como a perda

da biodiversidade e o oligopólio de sementes (ALVES, 2004). Este resultado remete-se à

concepção de modelo produtivo de base capitalista.

Podemos dizer que as duas primeiras opções obtiveram grande importância para os

licenciandos por estes pensarem-nas promovendo um melhoramento ambiental, em relação

aos biocombustíveis, e social, em relação ao aumento da produtividade de alimentos.

Entretanto, como salienta Lima Junior (2014), ao analisarmos as relações pertinentes entre

CTS, faz-se necessário instrumentalizar-se de conceitos pertinentes ao mundo capitalista,

como o conceito de mais-valia. Cabe novamente salientar o mito salvacionista da CT

(AULER; DELIZOICOV, 2001), onde o aumento do bem-estar social, oriundo de inovações

científico-tecnológicas, é noticiado sem nunca questionar que a produção de mercadorias para

este bem-estar não é um objetivo em si, mas sim um meio de acumulação.

Por fim, apenas uma visão ingênua pode levar a acreditar que o aumento na produção

de alimentos reverte-se na redução da fome populacional e que o dano ambiental é o único ou

principal prejuízo dessas extensas produções agrícolas. A fome em larga escala não resulta da

falta de alimentos, mas da irregular distribuição dos alimentos produzidos (LIMA JUNIOR et

al, 2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente pesquisa, constatamos que a maioria dos licenciandos apresenta uma

concepção de relações CTS ainda apoiado em ideias ingênuas de que os avanços do

conhecimento científico e tecnológico são suficientes para gerar novos padrões de produção e

utilização dos recursos naturais. Estes resultados que vão ao encontro de estudos anteriores

que verificaram que professores da área de Ciências da Natureza podem estar incentivando

essa visão enaltecida da CT na educação básica (FIRME; AMARAL, 2008; RICARDO;

CUSTÓDIO; REZENDE JÚNIOR, 2007).

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Auler e Delizoicov (2001) enfatizam que tais mitos precisam ser criticados sob uma

abordagem CTS a fim de auxiliar o estudante na construção de conhecimentos, habilidades e

valores imprescindíveis para tomar decisões responsáveis sobre questões de CT na sociedade

e atuar na solução dessas questões. Por isso, faz-se necessário essa discussão nos cursos de

formação de professores que pensem em uma educação científica e tecnológica voltada para a

complexidade desta sociedade, com aspectos críticos e reflexivos, a fim de minimizar as

percepções fragmentadas e concepções restritas e equivocadas causadas pelos currículos

disciplinares. Dessa forma, defendemos que discussões de temas de Biotecnologia em uma

perspectiva CTS também devem ser levadas para a formação inicial dos professores de

Ciências Biológicas para que sejam preparados e capazes de estimular tais (des)construções

sobre a natureza da CT e de suas relações com a sociedade junto aos seus futuros alunos da

educação básica.

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