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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
CONCEPES SOBRE RISCOS NA PERSPECTIVA DE
PROFISSIONAIS DE VIGILNCIA SANITRIA
ANA VALESCA FERNANDES GILSON SILVA
Belo Horizonte
2014
ANA VALESCA FERNANDES GILSON SILVA
CONCEPES SOBRE RISCOS NA PERSPECTIVA DE
PROFISSIONAIS DE VIGILNCIA SANITRIA
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade
Federal de Minas Gerais, como um dos requisitos
obteno do ttulo de Doutor em Enfermagem.
Linha de Pesquisa: Preveno e controle de agravos
sade.
rea de Concentrao: Sade e Enfermagem.
Orientador: Prof. Dr. Francisco Carlos Flix Lana,
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte
Escola de Enfermagem da UFMG
2014
Dedicatria
Dedico o resultado de quatro anos de estudos queles que me acompanharam neste processo.
Para as minhas filhas Sarah, Clara e Isadora que participaram ativamente da construo do
trabalho com dedicao, carinho e responsabilidade, suportando as ausncias dos perodos de
estudo e a alterao do estado de conscincia. Sarah, responsvel pela aplicao das normas
da ABNT e pelo mapa conceitual (trabalho hercleo!); Clara, pelas tradues e troca de meu
computador e Isadora que organizou, coordenou e avaliou a equipe de transcritores. Com
certeza, sem a ajuda delas o caminho at aqui teria sido muito difcil.
Para minha me, que me deu o exemplo do esforo e da dedicao para se chegar aonde se
quer ir.
Para meu companheiro Ricardo, que me deu paz e serenidade e que manteve minha sanidade
mental me levando para passear, divertir e viver a vida.
Para minhas colegas do SUS Betim, que esto na luta diria acreditando no trabalho que
constroem, especialmente, a equipe da Vigilncia Sanitria de Betim, que foi capaz de
mostrar o quo longe se pode ir com estudo, vontade e ideias.
Agradecimentos
So tantos agradecimentos...
Chico, pela ousadia, acolhida e por acreditar e confiar que chegaramos aqui. Deixou-me voar,
mas me manteve por perto.
Ldice, que me convidou para a gesto da VISA Betim. Juntas fomos a congressos, cursos,
seminrios e reunies. Rimos e sofremos por diversos motivos. Quantas histrias temos para
contar!!!
Os profissionais da VISA Betim que me instigavam diariamente com suas demandas,
questionamentos e reflexes e no me deram outra alternativa seno estudar, estudar e
estudar...
Pedro Ivo e Andr Vaz da ANVISA. Quanta disponibilidade, boa vontade e interesse em me
auxiliar!
Alexandre Humberto da Superintendncia Estadual de VISA que me acompanhou na gesto e
se entusiasmou com este estudo.
Maria Goretti da Superintendncia Estadual de VISA pela disponibilidade, dedicao e
disposio em participar.
Todos os entrevistados da VISA do municpio de Contagem, da Superintendncia de VISA
Estadual e ANVISA que se dispuseram, prontamente e com interesse, a participar desta
pesquisa.
Os professores de Filosofia da Ps Graduao da FAFICH/UFMG Ivan Domingues, de Razo
e Racionalidades e Ernesto Perinni, de Filosofia Analtica. Eles no devem se lembrar de
mim, mas suas aulas foram muito importantes: eles me ensinaram a pensar diferente.
As professoras Peninha e Claudia Penna que, ainda na banca de seleo, me indicaram qual o
rumo metodolgico tomar e acreditaram no projeto.
Dina Czeresnia que contribuiu para que esta tese tomasse os rumos das significaes e no
apenas de conceitos. Sua contribuio foi muito valiosa.
Edin Costa que detalhou todas as mudanas necessrias me indicando os caminhos da VISA.
The Doctors: Fernanda, Martinha, Simone e Erika por tantas gargalhadas, borbulhas e
conversas!
Luis Arajo, meu eterno amigo e salvador nos momento de desesperos com as tecnologias
computacionais. Sem sua ajuda, eu teria perdido vrios textos, em vrios momentos.
Imaginem!
Resumo
A Vigilncia Sanitria (VISA) definida como um conjunto de aes capaz de eliminar,
diminuir ou prevenir riscos sade e de intervir nos problemas sanitrios decorrentes do meio
ambiente, da produo e circulao de bens e da prestao de servios de interesse da sade.
Tal definio introduziu o conceito de risco, destacando a funo da VISA: controlar o risco
no consumo de produtos e tecnologias, na utilizao de servios de sade e na exposio a
condies ambientais. Operando sobre o risco sanitrio, alm da interao social, o
profissional de VISA necessita integrar conhecimento tcnico e o arcabouo legal para
controlar um objeto que possui mltiplas dimenses e propriedades e que requer diferentes
formas de investigao. Porm, existe uma lacuna precariamente explorada no mbito da
VISA no que se refere ao entendimento do risco, sobretudo quando se considera a magnitude
deste objeto para suas aes e, os significados atribudos por seus profissionais no foram
estudados. Para compreender os significados atribudos ao risco nas aes de VISA, foi
realizada uma pesquisa qualitativa utilizando o Interacionismo Simblico como referencial
terico e a Teoria Fundamentada nos Dados como mtodo. Atravs de entrevistas com
gestores e profissionais das vigilncias sanitrias municipal, estadual e ANVISA foi
construda uma estrutura terica que contm os significados do risco e suas categorias
relacionadas. A compreenso dos significados no se restringiu expresso sendo abordados
os contextos, as condies, aes e consequncias para compreender como os profissionais
interpretam o risco e assumem suas significaes nos locais em que atuam. O risco passa pela
descrio tcnica, no sentido objetivo, e remete tanto aos aspectos formais relativos s
questes administrativas, polticas e jurdicas, quanto aos aspectos subjetivos, ligados s
representaes e sistemas de valores, ultrapassando seu sentido meramente quantitativo. Estes
significados apresentam duas categorias indissociveis e interdependentes: o dano e o perigo.
Conclui-se que o profissional realiza sua ao com base nos significados que o risco tem para
ele e que emergem da interao que ele estabelece com o seu servio, o setor regulado, com a
populao e consigo mesmo. Os significados expressos so permeados por crenas, normas,
valores e pelas formas de pensar socialmente produzidas, que marcam identidades e
particularidades dos grupos entrevistados. Reflete a diversificao dos sentidos do risco na
delimitao do objeto, nos modos de atuar e no estabelecimento das formas de controle.
Palavras-chaves: Risco Sanitrio, Vigilncia Sanitria, Pesquisa Qualitativa
Abstract
Health surveillance (HS) is defined as a group of actions capable of eliminating, reducing or
preventing health risks and of intervening in sanitary problems resulting from the
environment, the production and circulations of goods and the provision of health-care related
services. This definition introduced the concept of risk, highlighting the role of HS: to control
the risk in the consumption of products and technologies, in the use of health services, and in
the exposition to environmental conditions. When intervening in sanitary risk, the HS
professional needs to not only interact with others, but also integrate technical knowledge and
legal framework in order to control an object which has multiple dimensions and properties
and requires various forms of investigation.. However, there is a gap that is precariously
explored within the HS regarding the comprehension of risk, especially when the magnitude
of this objection to its actions is considered and the meanings of risk assigned by its
professionals have not been studied. To understand the meanings attributed to risk in HS
actions, a qualitative study was conducted using Symbolic Interactionism as a theoretical
background and Grounded Theory as a method. Based on interviews with managers and
professionals from local, state and national health surveillance agencies, a theoretical structure
that contains the meanings of risk and its related categories was created.Understanding the
meanings of risk was not restricted to its expression approaching the contexts, conditions,
actions and consequences for understanding how professionals interpret the risk and assume
its meanings in places in which they operate. The risk passes through the technical
description, in the objective sense that refers to both formal aspects related to administrative,
political and legal issues, as to the subjective aspects, linked to representations and value
systems, surpassing the merely quantitative sense. These meanings present two inseparable
and interdependent categories: the damage and the danger. In conclusion, the professional
performs its action based on the meanings that the risk has to them and that emerge from the
interaction that they establish with their service, the regulated sector, with the population and
with themselves. The expressed meanings of risk are pervaded by beliefs, rules, values and
socially produced ways of thinking, marking identities and particularities of the groups
interviewed. It reflects the diversification of meanings of risk in the delimitation of the object,
in the ways of acting and in the establishment of forms of control.
Key words: Health surveillance; sanitary risk; qualitative research
Lista de ilustraes
Quadro 1. Formao e tempo de trabalho dos entrevistados que 80
trabalham na VISA municipal, estadual e ANVISA
Quadro 2. Os fenmenos, suas categorias e subcategorias da Visa municipal 92
Quadro 3. Os fenmenos, suas categorias e subcategorias da Visa estadual 124
Quadro 4. Os fenmenos, suas categorias e subcategorias da ANVISA 156
Quadro 5. Significados atribudos ao risco pelos profissionais que trabalham 184
na VISA municipal, estadual e ANVISA
Quadro 6. Tipos de relaes estabelecidas com os sistemas que interagem 195
nas aes de VISA
Quadro 7. Componentes estruturais para identificao, avaliao e controle do risco 196
Quadro 8. Modos de atuao sobre o risco sanitrio 205
Quadro 9. Agrupamento dos sentidos atribudos regulamentao como 210
instrumento de controle dos riscos
Figura 1. Categoria central significando o risco na vigilncia sanitria e 86
suas categorias relacionadas
Figura 2. Matriz condicional com a representao macro e micro dos nveis 90
a qual pertencem os grupos dos entrevistados onde os significados so gerados
Figura 3. Os fenmenos e suas categorias que compem os significados 92
de risco que emergem da VISA municipal
Figura 4. Componentes estruturais para identificao e controle do risco 115
Figura 5. Processo de interveno sobre o risco identificado 118
Figura 6. Os fenmenos e suas categorias que compem os significados 123
de risco que emergem da VISA estadual
Figura 7. Os fenmenos e suas categorias que compem os significados 156
de risco que emergem da ANVISA
Figura 8. Relao entre estrutura (por que), processo (como), aes, 180
interaes e condies do fenmeno estudado
Figura 9. Categorias que compem o fenmeno Significando o risco nas 181
aes locais de vigilncia sanitria.
Figura 10. Relao de causa e efeito atribuda ao significado de risco 187
Figura 11. Mapa conceitual dos significados de risco 194
Figura 12. Representao das circunstncias que refletem os 214
significados de risco em cada cenrio estudado
Diagrama 1. Sentidos atribudos s mudanas ocorridas com a descentralizao 102
Diagrama 2. Interao entre objetividade e subjetividade e seus componentes 116
estruturais para o controle do risco
Diagrama 3. A objetividade e subjetividade com seus componentes de mediao 199
utilizados nas aes locais de avaliao e gerenciamento do risco
Diagrama 4. Interao entre estrutura e processo para a identificao e 200
avaliao do risco nas aes locais.
Diagrama 5. Representao das aes que constituem um sistema organizado 202
de interveno
Lista de siglas
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
BPF Boas Prticas de Fabricao
BPM Boas Prticas de Manipulao
CDC Centers for Disease Control and Prevention
CEASA/MG Central de Abastecimento de Minas Gerais
CIB Comisso Intergestora Bipartite
CIT Comisso Intergestora Tripartite
CNAE Cadastro Nacional de Atividades Econmicas
DIMON Diretoria de Controle e Monitoramento Sanitrio
GPABA Gesto Plena da Ateno Bsica Ampliada
GPSM Gesto Plena do Sistema Municipal
GRS Gerncias Regionais de Sade
GTVISA Grupo de Trabalho da ANVISA
INCQS Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Sade
LACEN Laboratrio Central
NOAS Norma Operacional de Assistncia Sade
NOB Norma Operacional Bsica
NUPEQS Ncleo de Pesquisa em Quotidiano em Sade
OMS Organizao Mundial da Sade
PAB Piso de Ateno Bsica
PDVISA Plano Diretor de Vigilncia Sanitria
PPI-VS Programao Pactuada Integrada em Vigilncia Sanitria
TAM Termo de Ajustes e Metas
TFD Teoria Fundamentada nos Dados
TFVISA Teto Financeiro de Vigilncia Sanitria
RDC Resoluo da Diretoria Colegiada
SNVS Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria
SUS Sistema nico de Sade
VISA Vigilncia Sanitria
Sumrio
APRESENTAO
1. INTRODUO 16
CAPTULO 2. BASES TERICAS 26
2.1.Risco e Sade Uma Breve Reviso 26
2.1.1. Risco Perspectiva Histrica e Social 32
2.1.2.Risco Perspectiva da Sade 38
2.2. Vigilncia Sanitria: Definio e caractersticas 50
CAPTULO 3. ABORDAGEM METODOLGICA DA PESQUISA 69
3.1. Interacionismo simblico 69
3.2. Teoria Fundamentada nos Dados 71
3.3. Contextos 75
3.4. Sujeitos da pesquisa 78
3.5.Tcnicas de Coleta de Dados 81
3.6. Tratamento, Anlise e Interpretao dos Dados 84
3.7. Consideraes ticas 85
CAPTULO 4. RESULTADOS E DISCUSSO 89
4.1. Os significados atribudos ao risco pelos entrevistados da Vigilncia 91
Sanitria Municipal
4.1.1. Municipalizando as aes locais de vigilncia sanitria 93
Desenvolvendo aes bsicas 93
Mudando drasticamente 97
4.1.2.Resignificando as aes atravs do risco 102
Usando a legislao e o conhecimento tcnico 103
4.1.3. Significando o risco 107
Identificando e avaliando o risco 107
Significando o risco nas aes locais de vigilncia sanitria 119
4.2. Os significados atribudos ao risco pelos entrevistados da Vigilncia 122
Sanitria Estadual
4.2.1. Coordenando as aes de Vigilncia Sanitria 124
Descentralizando as aes 124
Fortalecendo as aes 132
4.2.2.Siginificando o risco 137
Identificando e avaliando o risco 137
Regulando o risco 142
Significando o risco nas aes de vigilncia sanitria 152
4.3. Os significados atribudos ao risco pelos entrevistados da ANVISA 155
4.3.1. Gerenciando o risco 156
Contextualizando a ANVISA 157
Regulando o risco 160
Significando o risco nas aes de vigilncia 170
4.4. Significando o risco na Vigilncia Sanitria 177
4.4.1. Propriedades e dimenses do risco sanitrio na Vigilncia Sanitria 183
4.4.2. Modos de atuar sobre o risco nas aes de Vigilncia Sanitria 195
4.4.3. Regulando o risco 208
5.CONSIDERAES FINAIS 215
6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 222
APNDICE 1 232
APNDICE 2 233
APNDICE 3 234
ANEXO 235
Apresentao
Na dcada de 1980, quando eu ainda cursava a graduao em Histria, meu professor
de Histria Antiga disse uma frase que me marcou profundamente: enquanto estamos aqui
estudando a histria factual, na Europa h muito se estuda a histria das mentalidades. Era a
poca em que se divulgava o Nome da Rosa de Humberto Eco, estudioso da semitica, o
Queijo e os Vermes de Carlo Ginzburg que conta o cotidiano e os pensamentos de um moleiro
na poca da Inquisio e da famosa coleo Histria da Vida Privada, todas as obras que li e
que me fascinam. Compreender o qu e como pensavam os homens e o seu cotidiano nos
diversos contextos e em diferentes perodos histricos ultrapassava o positivismo na Histria.
J na graduao em enfermagem na dcada de 1990, como bolsista de iniciao
cientfica do Ncleo de Pesquisa em Quotidiano em Sade (antigo NUPEQS), participei de
duas pesquisas que tambm invadiram o cotidiano e os pensamentos: uma sobre a sade
feminina no sculo XVIII, coordenada pela professora Estelina onde, ainda em microfilmes,
eu lia e relia os livros antigos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que tratavam da sade
feminina. A outra, a histria oral da Escola Carlos Chagas, com as professoras Geralda e
Valda, que mostrava os diversos aspectos da criao e consolidao da Escola de
Enfermagem da UFMG. Transcrevi inmeras fitas cassetes das entrevistas realizadas,
mergulhando no processo histrico da criao e nos sentidos atribudos ao ensino de
enfermagem da poca.
Estas experincias influenciaram em muito a minha escolha no meu campo de atuao.
Ao escolher a Ateno Primria, decidi exercer o cuidado considerando as mentalidades,
pensamentos, sentidos e significaes de quem busca a porta de entrada do sistema de sade.
E justamente, por considerar contextos e pensamentos que desenvolvi, em 2008, a minha
dissertao de mestrado sobre a insero da sade pblica de Betim na gesto dos riscos de
acidentes industriais. Compreender porque o municpio no possua plano de emergncia para
o risco de acidentes industriais, tendo a nica refinaria de petrleo do Estado, me fez estudar o
risco e me aproximar das maneiras de como as pessoas o percebem. Foi neste estudo que me
aproximei da Vigilncia Sanitria (VISA), dona de tantos programas para vigiar e tanto
Vigi que dissemos Virgem Maria!!!, expresses cunhadas em uma das entrevistas da
pesquisa. Um ano depois eu estaria coordenando a VISA de Betim.
Num processo de reorganizao de servio e, portanto, de muitos estudos qualquer
ao de vigilncia que a mim era reportada ou da qual eu participava, eu sempre perguntava:
qual o risco? Poucos o definiam e muitos gaguejavam para definir os motivos das aes. Foi
assim que, num esforo para compreenso do risco, os termos e autos passaram ser
preenchidos comeando ou encerrando com a frase por representar risco sade da
populao. Os anos de 2009 e 2010 foram de intensa participao em congressos, seminrios
e cursos que sempre me faziam reportar compreenso do risco na VISA. As leituras das
publicaes de Geraldo Lucchese e Edin Costa foram muito importantes. Vrios artigos
cientficos me mostraram que ainda havia se penetrado pouco nos pensamentos e nas
mentalidades de quem trabalha na Vigilncia Sanitria, principalmente no que se refere ao
risco. Foi ento, que numa ousadia que o Chico acolheu, decidi inicialmente, abordar o
conceito de risco na Vigilncia Sanitria. Assim, fui pesquisar os significados do risco
escolhendo, num recorte de servios, o municpio, o Estado e a ANVISA.
Se no mestrado estudei os riscos industriais no contexto do processamento e
distribuio de derivados de petrleo, da vulnerabilidade da populao e das instituies de
sade, no doutorado estudo os riscos no contexto da vigilncia sanitria.
Poder-se-ia aclarar esta discusso atravs da utilizao da metfora do fotgrafo. Para tirar uma fotografia posso ajustar minha mquina de
acordo com a distncia do objeto a ser fotografado: a perspectiva (se de
mais perto ou de mais longe) vai me obrigar a um foco diferente. Assim,
tanto poderei proceder anlise dos conceitos a partir de um mtodo que
privilegiar textos comparveis, quanto poderei proceder
metodologicamente expandindo minha anlise ao conjunto da lngua.
Entre esses dois procedimentos haveria ainda formas intermedirias. O
objeto se mantm o mesmo, e o que se altera apenas a perspectiva em
relao a ele. Reinhart Koselleck, 1992.
16
Introduo
Esta tese apresenta um olhar diferenciado sobre o que foi o objeto do meu trabalho
profissional durante certo perodo: o risco na Vigilncia Sanitria (VISA). A elaborao de
um trabalho emprico para explorar as interpretaes e significados do risco est relacionada a
duas situaes.
A primeira, o meu trabalho de gesto desenvolvido na VISA do municpio de Betim,
MG, que me permitiu observar a importncia econmica e social das aes de vigilncia
desenvolvidas, mas, tambm as falhas de desempenho devido aos problemas de estrutura e
organizao, a sua fragilidade diante de interesses polticos e econmicos, a existncia de
inmeras e diferentes abordagens na investigao e avaliao das condies de risco e,
principalmente, a precria base terico-conceitual. A outra est vinculada minha condio
de enfermeira, trabalhando h dezoito anos na sade pblica, com uma formao com
referncias histricas e sociais oriundas da graduao em Histria, que se relacionou a
primeira a partir dos estudos sobre a histria das mentalidades do homem. Estas duas
situaes me conduziram escolha do objetivo principal desta pesquisa, compreender o
significado do risco dentro do campo da VISA, e tentarei justificar as razes desta escolha.
Com a intensa produo, distribuio, circulao e o consumo de bens expandiram-se
os riscos sade e, consequentemente, a necessidade do controle sanitrio sobre eles. Como
explica Freitas (2008),
atravs do desenvolvimento cientfico e tecnolgico e das consequentes
transformaes na sociedade, na natureza e na prpria caracterstica e dinmica
das situaes e eventos perigosos, o homem passa a ser responsvel pela
gerao e remediao de seus prprios males. O conceito de risco tal como
predominantemente compreendido na atualidade resulta desse processo,
cabendo ao prprio homem a atribuio de desenvolver, atravs de
metodologias baseadas na cincia e tecnologia, a capacidade de o interpretar e
analisar para melhor os controlar e remediar (FREITAS, 2008, p.109).
Neste contexto, a concepo de Vigilncia Sanitria (VISA) foi ampliada a fim de
abranger a multiplicidade e complexidade de suas atividades desenvolvendo aes
normativas, educacionais, informativas, de pesquisa e de fiscalizao, exercendo o controle
sanitrio sobre produtos, tecnologias e servios de interesse sanitrio (PIOVESAN, 2002).
A VISA, que integra o Sistema nico de Sade (SUS) por determinao
constitucional, est legalmente definida como um conjunto de aes capaz de eliminar,
diminuir ou prevenir riscos sade e de intervir nos problemas sanitrios decorrentes do meio
17
ambiente, da produo e circulao de bens e da prestao de servios de interesse da sade
(...) (BRASIL, Lei 8080/90, artigo 6).
Estas aes so de competncia exclusiva do Estado, que detm o poder de interferir
nas liberdades dos particulares a fim de intervir nos problemas sanitrios, garantindo os
interesses da coletividade. esta funo que lhe confere o poder de autoridade, o chamado
poder de polcia (COSTA, 2008, p.77).
Compete a Agencia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA), agncia reguladora
criada em 1999 e definida como uma autarquia especial, o controle sanitrio da produo e da
comercializao de produtos e servios, incluindo os ambientes, processos, insumos e
tecnologias a eles relacionados, alm do controle de portos, aeroportos e fronteiras. Cabe a
ANVISA, ainda, coordenar o Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria (SNVS) composto
pelos nveis federal, estadual e municipal (PIOVESAN, 2002).
O processo de regulao abrange a aprovao de regras por meio de regulamentos,
normas e resolues, a implementao destas regulamentaes atravs das autorizaes,
licenas e registros e, por conseguinte, a fiscalizao de seu cumprimento com a imposio de
sanes ou penalidades s infraes. Assim, a VISA opera com a regulao do risco sanitrio
por meio de regulamentao, controle e fiscalizao das relaes de produo e consumo de
bens e servios relacionados sade (COSTA, 2004).
Risco uma palavra de vrios significados, com variadas abordagens. Segundo Freitas
(2008), a palavra risco tem sua origem na palavra italiana riscare (navegar entre os rochedos
perigosos) e foi incorporada ao vocabulrio francs originando o conceito atual de risco,
proveniente da teoria das probabilidades, sistema axiomtico oriundo da teoria dos jogos na
Frana do sculo XVII que
considera a previsibilidade de determinadas situaes ou eventos por meio do
conhecimento - ou, pelo menos, possibilidade de conhecimento dos
parmetros de uma distribuio de probabilidades de acontecimentos futuros
por meio da computao das expectativas matemticas (FREITAS, 2008,
p.108).
Para Marandola Jr. e Hogan (2004), embora a viso objetiva, quantitativa do risco
como passvel de mensurao ainda seja predominante, diferentes enfoques so utilizados
para se estudar o risco: percepo do risco, risco e cultura, anlise de risco, fatores de risco,
comportamento de risco. Diversas cincias utilizam o conceito de risco de diferentes formas o
que representa um enriquecimento conceitual.
Enquanto a geografia aborda o risco, que carrega uma carga negativa, em sua
dimenso ambiental tentando enfocar simultaneamente as questes sociais e naturais, na
18
demografia o risco um elemento probabilstico estritamente neutro, estando associado s
probabilidades de ocorrerem certos eventos da dinmica demogrfica (MARANDOLA JR. e
HOGAN, 2004).
As cincias econmicas quantificam os riscos para avaliar lucros, custos e perdas, por
outro lado, a engenharia quantifica o risco para analisar os impactos das tecnologias na
sociedade, atravs de metodologias quantitativas e de gerenciamento, pressupondo que os
riscos podem ser conhecidos, quantificados e, portanto, minimizados (GUILAN, 1996;
FREITAS e GOMEZ, 1997).
As cincias sociais abordam a perspectiva dos fatores subjetivos, como o indivduo
percebe as situaes de risco e direciona suas escolhas enquanto a epidemiologia estuda os
fatores de riscos, a probabilidade de um indivduo de uma determinada populao desenvolver
uma doena em um perodo de tempo, sendo o risco epidemiolgico um conceito nuclear das
prticas de sade e das estratgias de promoo e preveno (GUILAN, 1996, CZERESNIA,
2008).
A VISA, cujo campo de atuao se insere na sade coletiva, integra um conjunto de
aes que tm por objeto a preveno de doenas e agravos, a proteo, promoo e
recuperao da sade da populao, centrando-se predominantemente no controle de riscos
(COSTA, 2008, p.79). A proteo fundamenta-se no conceito de risco como possibilidade e a
preveno baseia-se no conceito epidemiolgico de risco como probabilidade (ALMEIDA
FILHO 2008).
A interveno da VISA tem o objetivo de prevenir, eliminar ou minimizar os riscos
sade da populao e suas aes orientam-se pela sua identificao e avaliao e, tambm,
pela busca de mecanismos que garantam a segurana sanitria e a proteo da sade
(BRASIL, 2007). Cabe VISA, portanto, avaliar, gerenciar e comunicar os riscos
relacionados a produtos, servios e tecnologias relacionadas com a sade humana e
ambiental (COSTA, 2008, p.79).
O gerenciamento do risco um processo que inclui a seleo e implementao da ao
regulatria mais apropriada, baseada nos resultados da avaliao de risco que compreende a
identificao do perigo e suas causas e estimativas dos danos. A anlise de risco compreende
a avaliao quantitativa das consequncias de decises tomadas (BRILHANTE, 1999).
O risco e seu gerenciamento tornaram-se um tpico importante na investigao
cientfica e, principalmente, de polticas pblicas (FISCHHOFF, WATSON E HOPE, 1984).
O desenvolvimento de metodologias de anlise e avaliao refletiu a tendncia para prever,
planejar e alertar quanto aos riscos e explicitaram que decises regulamentadoras sobre eles se
19
fossem tecnicamente mais rigorosas, seriam politicamente menos controversas. O
gerenciamento de riscos representaria desse modo, uma alternativa aos processos decisrios,
como meio de formao de consenso (FREITAS e GOMEZ, 1997).
Como destaca Spink (2010, sp), avaliar riscos depende intrinsecamente da definio
do que vem a ser risco. Porm, a escolha desta definio pode afetar o resultado de debates
polticos, alocao de recursos para medidas de segurana e a distribuio de poder poltico na
sociedade (FISCHHOFF, WATSON E HOPE, 1984).
Os conceitos de risco tm como elementos em comum a estimativa de probabilidade
para a ocorrncia de um evento negativo, a magnitude de suas consequncias e a incerteza
associada ao risco. As estimativas do risco e as probabilidades da ocorrncia de um evento
danoso so formas objetivas de gerenciamento. Este enfoque nas questes quantitativas se
intensificou com as analises de riscos e os cientistas sociais comearam a analisar as formas
como os riscos so compreendidos e percebidos (SJBERG et all, 2004).
Estudos de percepo de risco so realizados h mais de 25 anos e duas teorias
distintas dominam este campo de estudo: o paradigma psicomtrico, dentro da psicologia e a
teoria cultural, desenvolvida por socilogos e antroplogos.
No modelo psicomtrico, segundo Fischhoff et al. (1978), o risco pode ser
subjetivamente definido, pois a percepo do risco impulsionada por reaes emocionais e
os indivduos podem ser influenciados por fatores psicolgicos, sociais, institucionais e
culturais. Nesse modelo a abordagem da percepo de risco individual.
Segundo a teoria cultural do risco de Douglas e Wildavsky (1982), o risco percebido
est ligado adeso cultural e aspectos sociais. A percepo de risco um fenomeno
construdo socialmente ou culturalmente, portanto, devem-se considerar as variaes na
percepo entre diferentes culturas ou entre diferentes grupos numa mesma cultura. Para
Douglas (1982, 1992), diferentes grupos de pessoas dentro de uma mesma cultura podem
compreender o risco de acordo com os pressupostos simblicos e compartilhados pelos
grupos sociais. Para Lupton (1999) so importantes as "culturas de risco" que tenham em
conta os entendimentos locais do risco.
Nesta temtica, existe uma lacuna precariamente explorada no mbito da VISA no que
se refere ao entendimento do risco sanitrio. Na reviso bibliogrfica constatei a existncia de
ncleos de estudos sobre a VISA envolvendo diversas universidades e o estmulo produo
acadmica. Entretanto, verifiquei que a maioria dos estudos sobre riscos esto dirigidos a
reas de atuao especficas da VISA como servio de sade, alimentos e produo de
medicamentos. A literatura pertinente ainda escassa, sobretudo quando se leva em conta a
20
magnitude deste objeto para a VISA. E os significados do risco, atribudos por seus
profissionais, no foram estudados.
Ao se trabalhar com os significados e toda a riqueza que incorporam, abarcam-se os
processos socioculturais, referindo-se no apenas ao contexto histrico, mas tambm ao
ambiente o que representa, portanto, um espao e tempo prprios.
O risco um conceito-chave para o desenvolvimento das aes e especialmente
importante para as especificidades da VISA, tornando necessria a identificao dos
elementos integrantes da construo desse risco, bem como o escopo e o alcance das decises
tomadas para o seu gerenciamento. Desse modo, fundamental o avano e aprofundamento
do debate em torno do risco como objeto da VISA e sua articulao no campo de prticas da
sade.
Como alerta Piovesan (2002)
No somente o controle dos riscos existentes no mbito sanitrio delegado
ao sistema perito da Vigilncia Sanitria, mas tambm os aspectos da
incerteza e da ignorncia referentes a produtos, processos e prticas. Ao
delegar Vigilncia o controle tanto das consequncias provveis (risco),
das consequncias ainda no conhecidas (incerteza), como a falta total de
conscincia do desconhecimento acerca delas (ignorncia), a dimenso de
sua responsabilidade sobre a qualidade de vida das pessoas
incomensurvel (PIOVESAN, 2002, p.24).
Como as aes da VISA so norteadas pela existncia do risco, o conhecimento
sobre este objeto se torna essencial (BRASIL, 2007a, p.35).
O conceito de risco tem sido objeto de muitas reflexes, pois, mais uma
vez, sua transposio para a Vigilncia Sanitria no pode se dar de forma
direta e linear. O termo risco no deve ser tomado apenas na sua concepo
estatstica no sentido de probabilidade de ocorrncia de eventos danosos.
Muitas vezes o risco se coloca como possibilidade, sem que haja, de fato,
dados quantitativos, mas sim indcios, baseados na racionalidade e nos
conhecimentos cientficos disponveis [...] (BRASIL, 2007b, p.34).
Nesse sentido, existe a demanda de um conhecimento, alm dos princpios e regras
fixadas no ordenamento jurdico, do entendimento sobre este objeto. A VISA trabalha com
uma diversidade de riscos, no apenas com fatores de risco e, portanto, com diferentes
disciplinas e seus modelos. Como ressaltam Costa et al (2009), o conceito de risco
epidemiolgico, como probabilidade de ocorrncia,
fundamental, mas insuficiente para a rea de vigilncia sanitria que tambm
lida com o risco como possibilidade de ocorrncia de eventos que podero
provocar danos sade, sem que se possa muitas vezes precisar qual o evento, e
at mesmo se algum ocorrer (COSTA et al., 2009, p.14).
21
O termo risco sanitrio pode ser classificado ao que Sabroza (2001) se refere como
conceitos tidos como imprecisos:
Ao contrrio de conceitos bem estabelecidos, demarcados pelos limites que
explicitam as suas condies, os conceitos imprecisos so definidos a partir de
questes centrais ou atratores, e de suas interaes com outros conceitos com os
quais se relacionam, sempre a partir de perspectivas definidas em determinado
perodo histrico (SABROZA, 2001, p. 4).
Desta forma, me pareceu relevante compreender o significado do risco, como os
profissionais orientam suas aes e como desenvolvem as estratgias de interveno para o
seu controle. Algumas questes, ento, surgiram:
Quais os significados so atribudos ao risco pelos profissionais que realizam
as aes locais de vigilncia sanitria e por aqueles coordenam e propem as
aes regulatrias?
Quais so as propriedades e dimenses atribudas a este objeto?
Os significados atribudos ao risco variam dimensionalmente (quando, onde e
como)? Sob quais condies?
Com base em quais informaes e experincias os profissionais definem o
risco?
Como construdo o conhecimento sobre o risco e quais os modos de atuao
nas prticas cotidianas?
Autores como Beck (1998) e Fischhoff, Watson e Hope (1984) afirmam que a
definio do que ou no risco se converteu em um posicionamento scio-poltico, que
expressa valores e pontos de vista em relao importncia das consequncias adversas de
uma deciso sobre o risco e o que um risco aceitvel. Para Fischhoff, Watson e Hope (1984)
o primeiro passo para se definir um risco determinar quais as consequncias que lhe esto
subjacentes.
Habermas (1973, p.212) nos mostra que o pano da realidade pode ser descerrado pela
anlise emprica sob o ponto de vista da disponibilidade tcnica possvel sobre processos
objetivados da natureza, enquanto a hermenutica assegura a intersubjetividade de uma
compreenso entre indivduos, capaz de orientar a ao.
Assim, considerando a atuao do profissional como um componente poltico
importante para o reconhecimento da funo protetora da VISA, pareceu-me fundamental
entender os aspectos intersubjetivos de se trabalhar com o risco, seus sentidos, significados e
interpretaes, o modo como se estruturam as aes de controle e a apropriao da
22
informao e do conhecimento. Para isto, escolhi o Interacionismo Simblico como
referencial terico e a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) como mtodo.
O conceito central do Interacionismo Simblico o significado das aes individuais e
coletivas, com base na interao, que d sentido ao objeto, permitindo a compreenso do
modo como as pessoas interpretam os objetos e as outras pessoas com as quais interagem e
como tal interpretao conduz o comportamento individual em situaes especficas
(BLUMER, 1969).
A TFD conduz a transformao dos dados em estruturas tericas explicativas, trazendo
a tona o entendimento conceitual do objeto a partir de categorias que organizam e interpretam
os eventos, explicam propriedades e as condies sobre as quais as aes emergem e variam
nos fenmenos que so evidenciados. Todos os seus procedimentos buscam identificar,
desenvolver e relacionar teorias e conceitos que explicam uma ao no contexto social. Seu
objetivo compreender uma determinada situao, como e porque seus participantes agem de
determinada maneira, como e porque determinado fenmeno se desdobra (STRAUSS e
CORBIN, 2008).
Os cenrios selecionados foram a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
(ANVISA), que alm da funo regulatria, coordena o Sistema Nacional de Vigilncia
Sanitria, a Superintendncia de Vigilncia Sanitria do Estado de Minas Gerais escolhida por
desenvolver um projeto de fortalecimento de aes em VISA e por ser membro do Grupo de
Trabalho (GTVISA) da ANVISA; a Diretoria de Vigilncia Sanitria do municpio de
Contagem/MG que possui um parque industrial, uma extensa rede de servios pblicos e
privados de interesse sade, incluindo um entreposto de alimentos das Centrais de
Abastecimento de Minas Gerais.
Nestes locais entrevistei fiscais, diretores, gerentes, coordenadores e assessores;
mdicos, farmacuticos, dentistas, qumico, bioqumico, advogado, administrador, engenheiro
sanitarista e outros de nvel mdio que compuseram trs grupos de entrevistados.
Analisei as interpretaes e sentidos atribudos ao risco em cada cenrio para
apreender os significados dos distintos grupos em estudo. Organizei as anlises, realizei as
comparaes e o refinamento a fim de relacionar os vrios significados do risco, como os
profissionais entrevistados atuam, situam e o diferenciam, para verificar se esses significados
so partilhados pelos grupos. Constitu, assim, uma estrutura terica que contm os
significados do risco como categoria central e os modos de atuar, as propriedades e dimenses
do risco sanitrio e a regulao do risco como categorias relacionadas.
23
As diferentes falas articulam as referncias de como cada informante interpreta e
significa o risco associado ao seu contexto e a implicao destes sentidos em suas aes. A
compreenso dos significados do risco no se restringiu sua expresso. Abordei os
contextos, as condies, aes e consequncias para compreender como os profissionais do
sentido, interpretam o risco e assumem suas significaes nos locais em que atuam.
Considerei os modos de atuar baseados nesses significados, um agir que tem um
movimento em direo ao risco e que se distingue em enfoques que se destacaram e que
envolvem decises e escolhas sobre o que risco, como identificado, avaliado e as
intervenes de controle, sempre em um contexto carregado de regras e valores.
Os enfoques discutidos no esgotam, no entanto, os modos de atuar. So formas de
ao, dos grupos pesquisados, mediante os quais certos meios so utilizados para alterar os
comportamentos sociais, construir e alterar capacidades e regras de produo. A ao ,
tambm, o instrumento do profissional para modificar uma situao e produzir condies de
segurana sanitria.
Desse modo, o objeto que caracteriza este estudo o risco sanitrio, sob a abordagem
da Vigilncia Sanitria. A singularidade desta pesquisa est em abordar o risco na VISA,
denotando a riqueza na sua significao e buscando compreender como ele problematizado,
as suas conotaes e sentidos, suas implicaes socioculturais e polticas, as intervenes e
aes de controle.
Relacionando pensamento e ao, ao privilegiar a compreenso dos significados
busquei a dimenso vivida do trabalho com o risco: as interpretaes, o simblico, as regras,
os modos de atuar, os processos interativos que se desenrolam nas aes de alguns servios da
VISA para o controle do risco.
A tese que defendo neste estudo, com base no referencial terico escolhido, que o
profissional realiza sua ao com base nos significados que o risco tem para ele e que
emergem da interao que ele estabelece com o seu servio, o setor regulado, com os outros
integrantes do SNVS, com a populao e, consigo mesmo. Estes significados so manipulados
ou modificados atravs do processo interpretativo e conforme a dinmica do contexto da ao.
na prpria experincia e no exerccio cotidiano da relao dos profissionais e sua rea de
atuao que a vigilncia se desenvolve. atravs do conhecimento destes significados que
podemos restituir os valores e os sentidos das aes nos locais de trabalho.
Minha argumentao se desenvolve nas pginas que conformam este estudo e est
aqui apresentada da seguinte forma. No captulo 2, apresento algumas bases tericas sobre o
risco e a VISA, considerando ser necessria a compreenso do objeto risco na perspectiva de
24
um contexto, a VISA. Dentre as inmeras abordagens do risco, escolhi algumas por serem
mais adequadas realidade da VISA dadas s suas especificidades. Assim, na reviso da
literatura busquei explorar o risco atravs dos estudos de autores mais expressivos, abordando
os aspectos histricos, sociais e, tambm, a perspectiva da sade, pois atravs desta reviso
que vou confrontando e comparando os sentidos atribudos ao risco. Em seguida, apresento o
contexto onde o objeto de estudo est inserido, a VISA, sua definio e suas caractersticas.
No captulo 3 apresento a metodologia do estudo: o Interacionismo Simblico como
referencial terico e a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) como estratgia de pesquisa.
Descrevo os cenrios do estudo e explico cada processo, da escolha dos participantes do
estudo coleta e anlise dos dados.
No capitulo 4, esto os resultados e discusso da pesquisa, onde introduzo os
significados do risco oriundos de cada grupo pesquisado e dialogo com alguns autores para,
por fim, teorizar fundamentada nos dados, apresentando as categorias estruturadas em termos
tericos e simblicos que compem o fenmeno significando o risco nas aes de vigilncia
sanitria.
Demonstro que os significados expressos do risco so permeados pela cultura
(crenas, normas, valores) e pelas formas de pensar socialmente produzidas, que marcam
identidades e particularidades dos grupos entrevistados. Reflete, de um lado, a diversificao
dos sentidos do risco em diferentes aes, a delimitao do objeto, os modos de atuar, as
razes e formas de controle.
O risco passa pela descrio tcnica, objetiva, no sentido cientifico e remete tanto aos
aspectos formais relativos s questes administrativas, polticas e jurdicas quanto aos
aspectos subjetivos, ligados s representaes e sistemas de valores, ultrapassando seu sentido
meramente quantitativo. Estes significados apresentam duas categorias indissociveis e
interdependentes: o dano e o perigo.
Para atuar, o profissional utiliza um conjunto de referncias tcnicas, empricas,
instrumentais e culturais que lhe permite interpretar os componentes de uma situao, que se
constitui a partir de reas especficas. So considerados os meios, ou seja, as possibilidades de
aes e as condies situacionais incluindo os aspectos restritivos, como influncia poltica e
impactos sociais.
Utilizando a legislao, o conhecimento e a experincia, o profissional identifica e
avalia o risco. , portanto, um processo objetivado racionalmente que utiliza, como
componentes estruturais, o conhecimento tcnico e interpretaes crticas, mas envolve
25
decises subjetivas baseadas na experincia, na percepo do risco e nas interpretaes
atribudas a cada componente.
Os locais onde se realizam as aes se constituem tambm uma arena poltica.
Selecionar analiticamente as intervenes mais convenientes para os problemas observados
envolve decises estratgicas sobre como enfrent-los. Um modo particular de dispor dos
recursos para as intervenes inclui os recursos polticos que se manifestam nas aes nas
quais se buscam estabelecer alianas ou em que ocorrem confrontos, por interao ou
oposio, e que expressam as relaes e mecanismos de poder, lanando mo da legislao e
da autoridade.
A interveno a representao da existncia do risco e da ao protetora, que reflete,
expressa e concretiza as respostas aos riscos identificados em cada circunstncia e contexto,
se constituindo em um sistema organizado composto de um conjunto de normas e condutas
que definem o controle do risco, de articulaes para intervir e da prescrio da interveno.
Assim sendo, como as concepes envolvem os significados, as propriedades e
dimenses atribudas ao risco e ao estabelecer a relao entre estrutura (por que), processo
(como), aes, interaes e condies contextuais, uma perspectiva nova do risco se apresenta
nesta tese, permitindo-me teorizar.
Portanto, o objetivo desta pesquisa desenvolver uma teoria sobre o risco sanitrio a
partir das interpretaes e concepes dos profissionais dos servios de vigilncia sanitria
municipal, estadual e ANVISA.
26
2.Bases tericas
Na metodologia escolhida para a realizao deste estudo, a TFD, os textos publicados
na literatura so considerados com o objetivo comparativo. A literatura importante para
sustentar tanto a formulao do problema de pesquisa quanto o encaminhamento do trabalho
de campo e o processo de anlise.
Considerando que as aes da VISA se inserem na sade coletiva e so norteadas para
o controle do risco, o conhecimento acerca deste objeto se torna essencial, pois a efetivao
deste conhecimento realiza-se a partir da sua estruturao e organizao dentro de um
determinado contexto.
2.1. Risco e sade: uma breve reviso
Por sua prpria semntica, o entendimento conceitual de risco algo que est aberto a
uma infinidade de possibilidades de interpretaes. A variabilidade no uso da palavra risco
perceptvel atravs do tempo, da sociedade e regio. A histria mostra que o risco no
apenas descrito como um fenmeno em si mesmo, mas tambm usado como um quadro no
qual outros eventos e problemas podem ser descritos e analisados (ALTHAUS, 2005).
Risco visto como a probabilidade que um indivduo tem de experimentar o efeito de
um perigo. Parece haver um consenso sobre a essncia do risco como sendo composta da
probabilidade de um evento adverso e a magnitude de suas consequncias. Entretanto, para
alguns autores esta definio pode ser adequada para definir o risco na engenharia e cincias
de clculos, mas inadequada na gesto de risco social (SJBERG et all, 2004).
Como o risco est freqentemente associado ao perigo, Serpa (2000, p.259) faz a
distino esclarecendo que o perigo representa uma situao que ameaa a existncia de uma
pessoa,ser ou coisa. Assim, o perigo uma propriedade intrnseca de uma atividade,
instalao ou substncia; j o risco est sempre associado chance de acontecer um evento
indesejado.
A Organizao Mundial de Sade (OMS, 2002, p.11) distingue uma ameaa sade
de um risco sade. Uma ameaa pode ser um objeto ou um conjunto de situaes que
podem potencialmente trazer dano sade de uma pessoa. Um risco uma probabilidade de
que uma pessoa sofrer um dano devido a uma ameaa em particular.
27
Desde antiguidade filsofos, fsicos e matemticos buscam compreender a
probabilidade, o clculo de probabilidades com a possibilidade de dar um sentido matemtico
preciso do conceito e como esse clculo pode ser aplicado na previso de eventos, sendo
estabelecidas diferentes correntes de pensamento sobre seu conceito.
Na literatura especializada estas diferentes correntes (frequentismo, subjetivismo e
lgica) so distinguidas por seu carter objetivista, onde a probabilidade de um evento
expressa o grau de possibilidade de sua ocorrncia ou epistmico que expressa um
julgamento individual de valor sobre a possibilidade de o evento ocorrer (BORGES, 2011).
O frequentismo compreende a probabilidade como a intensidade de ocorrncia; o
subjetivismo como um grau individual de convencimento em uma ocorrncia e o logicismo
entende a probabilidade como noo lgica relacional (BORGES, 2011).
A frequncia relativa uma interpretao do modelo abstrato que, em si, um sistema
de relaes entre nmeros, que so chamados probabilidades, e regras para realizar clculos
com estes nmeros. A interpretao da probabilidade como frequncia se associa descrio
de certos jogos de azar onde as jogadas so repetidas (girar uma roleta, lanar dados) vrias
vezes e, desta forma, os elementos de interesses so igualmente provveis. Assim, um
bioestatstico pode observar milhares de pessoas com certa doena, registrando para cada
pessoa os medicamentos utilizados e se ela curada ou no da doena.
Assim como no uso cotidiano, o conceito de probabilidade no usado como
frequncia relativa, pois no se diz tenho uma chance em dez de realizar uma boa prova,
no se pode representar, variadas vezes, situaes exatamente idnticas, pois nem sempre
possvel observar ensaios repetidos de situao de incerteza (BORGES, 2011, sp).
Portanto, existem muitos eventos que no tem um sentido de probabilidade em termos
de uma interpretao frequentista. A interpretao subjetivista, em que a probabilidade de um
evento expressa um julgamento individual de valor, permite que uma pessoa considere
situaes individuais em vez de sries de repeties ou de regularidade estatstica, sendo
uma interpretao conceitual e operacional. Indivduos diferentes podem atribuir valores
distintos probabilidade de um evento, mesmo diante de um corpo de evidncia comum.
A interpretao lgica descrita como uma medida do grau de crena racional de um
indivduo na ocorrncia de um evento, em face de evidncias. Admite uma variante no
objetiva quando se vincula o grau de crena desse indivduo diretamente sua disposio de
agir em algum sentido especfico (BORGES, 2011).
Em contextos no tcnicos, a palavra risco refere-se a situaes em que possvel,
mas no com a certeza, de que algum evento indesejvel ir ocorrer. Apesar do uso
28
indiscriminado do termo, em contextos tcnicos, diferentes reas do conhecimento tm
discutido o conceito de risco apresentando diferentes significados, usos mais especializados e
com sentidos qualitativos e quantitativos. Porm, todos os conceitos de risco tm um elemento
em comum, uma distino entre realidade e possibilidade, aquilo que possvel acontecer
pode ou no transformar-se em realidade (RENN, 1992).
Segundo Hansson (2012), a palavra risco apresenta cinco significados particularmente
importantes que so amplamente utilizados em todas as disciplinas. O primeiro deles se refere
ao risco como um evento no desejado que pode ou no ocorrer, como por exemplo, o cncer
de pulmo como um dos riscos que afetam os fumantes.
O segundo se refere ao risco como a causa de um evento no desejado que tambm
pode ou no ocorrer. Neste caso, fumar o risco para a sade mais importante nos pases
industrializados e o evento indesejado implicitamente referido aqui uma doena causada
pelo tabagismo. O terceiro se refere ao risco como a probabilidade de um evento no
desejado ocorrer ou no. Este uso pode ser exemplificado com a afirmao "o risco de que a
vida de um fumante encurtada por uma doena relacionada ao tabagismo de cerca de
50%."
O quarto significado est associado estatstica, ao risco como um valor esperado para
um evento no desejado ocorrer ou no. O valor esperado de um evento negativo referido
pela probabilidade e pela gravidade. Um exemplo o nmero de bitos esperado de um
acidente potencial. Neste sentido, o risco associado a um acidente potencial igual ao nmero
esperado de bitos. O quinto e ltimo se refere ao risco associado tomada de decises, o fato
de que uma deciso tomada sob condies de probabilidades conhecidas, uma deciso sob o
risco.
Flynn et al.(2006) apresentam trs tipos de significados para o risco. O tipo um
associado avaliao de risco. Um risco avaliado como o efeito de um perigo, multiplicado
pela probabilidade de sua ocorrncia. Existindo uma margem de incerteza para um risco
avaliado, essa margem estatstica e reflete o tamanho da amostra e a varincia nas duas
variveis principais. A avaliao baseada em evidncias e h uma expectativa racional, pois,
a exposio a perigos nunca uma probabilidade zero.
O tipo dois est associado com a tomada de decises, quando as consequncias se
encontram no futuro e pode vir a ser diferente do que o esperado. A incerteza no est no
conhecimento estatstico atual e , portanto, desconhecida sendo necessria a gesto de riscos
e planos de contingncia para lidar com o inesperado que pode sempre acontecer.
29
O tipo trs corresponde ao que as pessoas consideram ser ameaas asseguradas.
Muitos governos hoje alegam que o "terrorismo global" uma ameaa assegurada, isto ,
independentemente da probabilidade de um ato perigoso de terrorismo e da existncia de
planos de contingncia para lidar com o inesperado, o terrorismo, inevitavelmente poder
ocorrer em algum momento e em algum lugar que pode ser desconhecido.
Em um artigo publicado em 1984, Fischhoff, Watson e Hope apontaram que o risco e
seu gerenciamento tornou-se um tpico importante na investigao cientfica, industrial e de
polticas pblicas, porm, a escolha da sua definio poderia afetar o resultado de debates
polticos, alocao de recursos para medidas de segurana e a distribuio de poder poltico na
sociedade. Para estes autores, a escolha da definio do risco seria poltica, expressando
pontos de vista de algum sobre a importncia dos diferentes efeitos adversos em uma
situao particular.
A gesto de risco, tradicionalmente, se baseia em clculos de danos fsicos que
refletem a probabilidade e magnitude das conseqncias de um evento para a sade humana.
Entretanto os pesquisadores comearam a analisar as formas como o pblico entende
intuitivamente os riscos e faz julgamentos sobre os perigos oriundos de diferentes tecnologias.
Desta forma, os riscos podem ser objetivos ao se referirem ao produto da pesquisa
cientfica, principalmente de estudos estatsticos, experimentais, epidemiolgicos e anlise
probabilstica. Os riscos subjetivos referem-se a percepo publica, no-especialista, e sofre
influencia de um grande nmero de determinantes individuais de percepo de risco
(FISCHHOFF, WATSON e HOPE,1984).
O especialista visto como responsavel pelas avaliaes, caracterizando-se como
objetivo, analtico, sbio, racional, com anlises baseadas sobre os riscos reais. Em contraste,
o pblico visto a partir de suas percepes, que so subjetivas, muitas vezes, hipottica,
emocional, insensata e irracional (SLOVIC, 2010).
Uma importante concluso dos estudos de percepo que especialistas e leigos
muitas vezes discordam sobre o significado de risco: a qualidade de um perigo pode importar
tanto quanto a quantidade de risco enfrentado pelo pblico. A percepo de leigos sensvel a
caractersticas tais como a voluntariedade da exposio, o potencial para catstrofe e a
novidade de uma tecnologia (SLOVIC, 2010).
Os resultados dos estudos de percepo tambm demonstram que algumas fontes de
risco podem criar impactos econmicos que so muito maiores do que seria previsto na
estimativa direta do dano. Os impactos negativos das tecnologias podem ser amplificados
superando qualquer clculo de seus danos, podendo, em alguns casos, tornarem-se
30
estigmatizados. Os riscos estigmatizados so evitados ou excludos pelo pblico, criando
custos econmicos e sociais muito maiores que o esperado em estudos tcnicos de riscos
(GREGORY, SLOVIC e FLYNN, 1996).
Para Gregory, Slovic e Flynn (1996) o risco estigmatizado vai alm das concepes de
perigo. O estigma se refere a algo que deve ser evitado ou excludo no apenas porque
perigoso, mas porque subverte ou destri uma condio positiva, sinalizando que o que foi ou
deveria ser algo bom e aceitvel agora marcado como danoso. A estigmatizao um
poderoso componente de oposio pblica proposta de novas tecnologias, produtos e
instalaes, representando um fator cada vez mais significativo que influencia o
desenvolvimento de aes especficas de proteo sade.
A estigmatizao comeou a aparecer com freqncia no contexto de respostas
negativas do pblico a uma variedade de produtos agrcolas, farmacuticos e novas
tecnologias sendo resultado da preocupao crescente do mundo moderno com os riscos que
envolvem o homem, o ambiente e a sade.
Gregory, Slovic e Flynn (1996) discutem cinco caractersticas para a estigmatizao de
lugares, produtos e tecnologias. Primeira, a fonte do estigma um perigo com caractersticas
identificadas pela percepo pblica como de alto risco. Segunda, um padro do que certo e
natural violado ou anulado, ou uma ao e precipitao so altamente anormais (por
exemplo, petrleo nas praias), ou as conseqncias de um evento so muito graves (como
pessoas inocentes feridas ou mortas). Terceira, os impactos so percebidos como
desigualmente distribudos entre os grupos (por exemplo, crianas e grvidas), reas
geogrficas (custos de armazenamento de resduos perigosos para toda uma regio), ou o
tempo (bem-estar de futuros moradores ou de geraes futuras). Quarta, os resultados
possveis so ilimitados, pois, h incerteza cientfica sobre o risco potencial sade e ao
ambiente. Quinta, a gesto do risco envolve preocupaes sobre a competncia, os conflitos
de interesse ou falta de aplicao adequada de valores e precaues.
A ocorrncia do estigma a expresso social do medo e preocupao com o processo
de gesto risco. um sinal que a gesto de riscos falhou resultando em uma oposio ao
produto ou tecnologia. Lidar com a estigmatizao, portanto, requer uma ateno efetiva para
os processos sociais e as informaes que do origem s percepes pblica do risco, com o
fundamento da confiana nos gestores e seu potencial de melhorar a sade pblica e
segurana.
Para Slovic (2010) as tentativas de gerir o risco enfrentam a questo: "o que risco?"
A concepo dominante do risco como a chance de leso, dano ou perda e as probabilidades
31
e conseqncias de eventos adversos serem produzidos por processos fsicos e naturais que
podem ser objetivamente quantificadas pela avaliao de risco. Entretanto, a anlise das
cincias sociais rejeita essa noo, argumentando que o risco inerentemente subjetivo. Os
seres humanos inventaram o conceito risco para ajud-los a compreender e lidar com os
perigos e as incertezas da vida. Embora estes perigos sejam reais, no h tal coisa como "risco
real"ou" risco objetivo.
Cientistas sociais e psiclogos tm realizado estudos de percepo de risco h mais de
25 anos. Atualmente, duas teorias distintas dominam este campo de estudo: o paradigma
psicomtrico, dentro da psicologia e a teoria cultural, desenvolvida por socilogos e
antroplogos.
Slovic, Fischoff e Lichtenstein (1978) foram os principais responsveis pelo
paradigma psicomtrico e pela introduo de estudos da percepo de risco. A pesquisa sobre
percepo de risco foi estimulada por um artigo seminal de Fischoff et all, em 1978, que
estabeleceu uma abordagem paradigmtica para o tema, o chamado modelo psicomtrico.
Neste modelo, o risco pode ser subjetivamente definido. A percepo do risco impulsionada
por reaes emocionais e os indivduos podem ser influenciados por fatores psicolgicos,
sociais, institucionais e culturais. Risco parece significar coisas diferentes para pessoas
diferentes. Pelo paradigma psicomtrico, com o design adequado de pesquisa, esses fatores
podem ser identificados e as semelhanas e diferenas nas percepes de risco e atitudes
podem ser quantificadas.
Segundo a teoria cultural do risco, Douglas e Wildavsky (1982) enfatizam que o
motivo que levam as pessoas e as organizaes a selecionarem determinados riscos est no
fato do risco ser carregado de significados e fortemente influenciado por valores e crenas
sociais, ou seja, o risco culturalmente construdo. O risco percebido est ligado adeso
cultural e aspectos sociais. A percepo de risco no regida por traos de personalidade,
necessidades, preferncias ou propriedades dos objetos de risco. um fenomeno construdo
socialmente ou culturalmente. Aes e entendimentos sobre os riscos so apreendidas e o
modo de vida que determina o que ser selecionado para se preocupar. A teoria cultural
considera as variaes na percepo de riscos entre diferentes culturas ou entre diferentes
grupos numa mesma cultura, devido a preferncias por diferentes modos de vida.
Desta forma, para propor um debate til e significativo sobre o risco sanitrio como
objeto da vigilncia sanitria importante compreender os aspectos histricos e sociais do
risco e examinar as abordagens do termo risco na sade.
32
2.1.1. Risco - perspectiva histrica e social
O termo risco tem ocupado posio central em debates pblicos e acadmicos,
principalmente, nos contextos das cincias sociais e dos estudos sobre sade.
Spink (2001), com o objetivo de entender os repertrios sobre risco nos contextos
histricos de uso, realizou uma extensa pesquisa bibliogrfica sobre a emergncia, circulao
e uso da linguagem do risco em diferentes domnios do saber.
Segundo a autora, a humanidade sempre enfrentou perigos decorrentes de riscos
involuntrios como catstrofes naturais ou aqueles associados s guerras e vida cotidiana ou,
de riscos voluntrios associados ao estilo de vida. Entretanto, esses eventos no eram
denominados riscos sendo referidos como perigos, fatalidades, hazards porque a palavra risco
no estava disponvel nos lxicos das lnguas indo-europias. Somente nos sculos XVI e
XVII que a palavra risco emergiu nos lxicos das lnguas latinas e anglo-saxnicas
respectivamente, com o significado moderno de representar a possibilidade de ocorrncia de
eventos vindouros, em um momento histrico onde o futuro passava a ser pensado como
passvel de controle (SPINK, 2001, p. 1279).
Segundo Freitas (2002), a palavra risco tem sua origem na palavra italiana riscare
(navegar entre os rochedos perigosos) e o seu conceito atual, advindo da teoria das
probabilidades, pressupe a possibilidade de prever determinadas situaes ou eventos por
meio do conhecimento dos parmetros de uma distribuio de probabilidades de
acontecimentos futuros por meio da computao das expectativas matemticas (FREITAS,
2002, p.229).
Esta associao inicial do conceito de risco ao possvel e ao provvel favoreceu a
introduo de outros significados. A partir do sculo XVII termos como sorte, chance e
fortuna, que traziam subjacente o sentido de incerteza em seus resultados foram incorporados
ao vocabulrio do risco.
A noo matemtica de risco, de acordo com os estudos realizados por Bernstein
(1997), relativamente recente na histria da humanidade. Este conceito foi introduzido por
Blaise Pascal em 1654, a partir de suas correspondncias com o grande matemtico Pierre de
Fermat, que tinham por objetivo responder a uma questo colocada por Paccioli, cerca de
duzentos anos antes, sobre como se distribuiriam as fichas de um jogo interrompido entre
duas pessoas. Esta discusso foi proposta a Pascal pelo Cavaleiro de Mre, um nobre que
gostava de jogar e apostar, mas queria ter mais certeza sobre as suas possibilidades de ganhar
e perder.
33
Bernstein (1997) alinha os conceitos de possibilidade e probabilidade com risco e
argumenta que o risco foi introduzido ao longo do tempo como um meio de transformar o
destino. Assim a noo de destino, que atribuiu a existncia e a incerteza ao controle divino,
foi substitudo com a crena na capacidade da humanidade para dominar a incerteza com o
uso de probabilidade (ALTHAUS, 2005).
Segundo Douglas (1993), esta noo de risco que emergiu no sculo XVII com o
desenvolvimento da matemtica dos jogos de azar associou o risco chance. O risco
significava a probabilidade de ocorrer um evento combinando a magnitude da perda ou do
ganho. Desse modo, desde o sculo XVII, a anlise da probabilidade a base do
conhecimento cientfico, transformando a natureza da evidncia, do conhecimento, da
autoridade e da lgica. Para Douglas (1993), a teoria da probabilidade possibilitou uma
moderna forma de pensar.
No sculo XVIII, a anlise de risco tinha uso importante para a segurana na marinha.
As chances de um navio voltar seguro para casa e fazer fortuna para seu dono eram postas
contra as chances de se perder no mar. Assim, a ideia do risco era neutra, pois, era relacionada
probabilidade de perdas e ganhos (DOUGLAS, 1993).
Se no sculo XIX o risco tornou-se importante para a economia, no sculo XX
passamos a viver na sociedade do risco (Beck, 1998). O conceito de sociedade do risco foi
introduzido por Beck em 1986, no seu livro (traduzido para o ingls em 1992 e para o
espanhol em 1998) intitulado La Sociedade Del Riesgo: hacia uma nueva modernidad, onde
desenvolveu sua teoria a partir das reflexes sobre os riscos globais.
Beck (1998) aponta uma transformao dos riscos que, atualmente, tem sua origem na
produo industrial e sua diferena est na globalizao das ameaas. Os riscos na sociedade
do risco so globais e no individuais.
No sentido de uma teoria social e de um diagnstico de cultura, o conceito de
sociedade de risco designa um estgio da modernidade em que comeam a
tomar corpo as ameaas produzidas at ento no caminho da sociedade
industrial (BECK, 1998, p.17).
O termo risco, para Beck (1998), aplica-se a um mundo governado pelas leis da
probabilidade, onde tudo mensurvel e calculvel. Por outro lado, tambm usado como
referncia para as incertezas no quantificveis, ou seja, os riscos no mensurveis, todos
decorrentes da modernidade e suas consequncias no afetam apenas a sade humana, mas
tm efeitos polticos, sociais e econmicos secundrios.
Assim sendo, a sociedade de risco significa que vivemos em um mundo fora do
controle. No h nada certo alm da incerteza. As incertezas decorrem da expanso das
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inovaes tecnolgicas, essas novas tecnologias incertas de risco, so ainda desconhecidas.
Por isso, a sociedade de risco possui o sentido de incertezas fabricadas. Na velocidade de seu
desenvolvimento tecnolgico, o mundo moderno aumenta a diferena global entre a
linguagem de riscos quantificveis, no qual pensamos e agimos, e o mundo de insegurana
quantificvel que igualmente criamos (BECK, 2006, p.5).
Para Beck (1998), a sociedade moderna teve grandes avanos tecnolgicos, porm, a
produo social da riqueza foi acompanhada por uma produo social do risco incapaz de ser
gerido e que escapa proteo.
Beck (1998) utilizou uma periodizao da modernidade fazendo uma distino entre a
modernidade clssica e a modernidade reflexiva. A caracterstica da modernidade , portanto,
a ruptura com a 'tradio', consagrada na pr-modernidade.
A sociedade industrial ou modernidade clssica, na acepo de Beck, dissolveu a
estrutura feudal. Hoje, porm, a modernidade reflexiva ou a sociedade do risco comea
dissolver as estruturas da sociedade industrial. Na sociedade do risco, o conceito de risco est
diretamente relacionado ao conceito de modernidade reflexiva.
Se a sociedade industrial teve como caracterstica os conflitos na produo e
distribuio de bens, na sociedade de risco, o conflito encontra-se na produo e distribuio
dos riscos. Se para a sociedade industrial a questo era como proporcionar igualdade de
condies de vida para todos, para a sociedade do risco a questo fundamental a segurana.
Na sociedade de classes, a fora motriz era fome; na sociedade do risco, a fora motriz
o medo e a sociedade do medo substitui a sociedade da fome. Na modernidade clssica, os
riscos eram riscos pessoais compreendidos como fixos e restritos a determinados contextos.
Na modernidade reflexiva, o risco torna-se indeterminado em relao intensidade, ao
alcance de seus efeitos, pois ultrapassam o limite temporal e espacial.
Uma das caractersticas mais importantes da sociedade do risco a reflexividade, a
reviso contnua com base em novas informaes ou conhecimentos. Devido aos problemas
decorrentes do processo de desenvolvimento tcnico e econmico, a modernizao se torna
reflexiva e toma a si mesmo como tema e problema. As questes acerca do desenvolvimento e
da aplicao das tecnologias so, ento, substitudas por questes de gerenciamento de risco.
Entretanto, Beck (1998) ressalta que o risco moderno, diretamente ligado ao processo
de industrializao e ao avano tecnolgico, tem sua invisibilidade e sua dimenso
imperceptvel que desafia a capacidade de compreenso e, portanto, de preveno. As
consequncias desse risco so desconhecidas a longo prazo e no podem ser avaliadas com
preciso.
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A confiana nos especialistas, que podem calcular os riscos, pode ser abalada pelas
limitaes em compreender os riscos emergentes e as novas ameaas, pois, alm de ter
potencialidade de destruio em longo prazo, eles tm uma tendncia de se universalizar: o
risco existe para todos, independente da classe social. O que diferencia a exposio ao risco
so as condies materiais dos indivduos de criarem estratgias contra as ameaas, mas o
risco invisvel e as ameaas de destruio afetam a todos sem distino (Beck, 1998).
Com a divulgao na mdia internacional de acidentes como Seveso (1976), Bhopal
(1984) e Chernobyl (1986), instituies polticas e organizaes sociais reivindicaram a
normatizao de aes de enfrentamento dos riscos tecnolgicos e maior transparncia no
gerenciamento dos riscos decorrentes das atividades industriais. Esse processo teve
implicaes nos custos financeiros do Estado e das indstrias, sendo fundamentais para que a
anlise de risco emergisse como disciplina e profisso na dcada de 1980. Esses
investimentos destinaram-se aos estudos de desenvolvimento de mtodos cientficos para os
clculos estatsticos e probabilsticos dos riscos institucionalizando, assim, as anlises de risco
(FREITAS e GOMEZ, 1997).
O campo das anlises de risco, cuja fonte original est na Engenharia, foi consolidado
ao longo da dcada de 1980 e envolveu trs reas: o clculo dos riscos que consiste na
identificao dos eventos adversos decorrentes da atividade analisada, a sua probabilidade de
ocorrncia e magnitude de seus efeitos; a percepo dos riscos que diz respeito relao entre
o pblico e os riscos tecnolgicos; e a gesto dos riscos que envolve os processos decisrios.
Os processos decisrios, por sua vez, consistem na seleo e implementao de medidas
apropriadas para o controle e a preveno de riscos como formulao de legislao, a anlise
de custo e benefcio, a aceitao dos riscos e a anlise de seus impactos nas polticas pblicas
(FREITAS e GOMEZ, 1997).
As anlises de riscos, utilizando o clculo de probabilidades e a estatstica, geraram
diversos modelos para uma avaliao objetiva do risco com a sua quantificao, sua
determinao de nveis de tolerncia e aceitabilidade, pressupondo que os riscos podem ser
conhecidos, quantificados e, consequentemente, minimizados atravs da tomada de decises
baseadas nesses estudos (FREITAS e GOMEZ, 1997).
Freitas e Gomez (1997) apresentam a perspectiva utilitarista racional e a concepo
elitista de democracia como os pressupostos tericos para o desenvolvimento destas anlises
de risco.
Na perspectiva utilitarista, a nfase dada s aes racionais dos indivduos que agem
motivados apenas por seus interesses, com o objetivo de alcanar os melhores resultados,
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utilizando as previses das consequncias para avaliar os riscos e os benefcios dessas aes.
Os riscos podem ser medidos e quantificados para fornecer resultados precisos das
probabilidades de perdas e ganhos. So as anlises tcnicas de riscos como da engenharia,
epidemiologia e economia, que reduzem o risco dimenso fsica, qumica e biolgica e que
buscam explicar o caos e as incertezas atravs da sua previsibilidade. Os aspectos sociais
como crenas e grupos sociais no so considerados, pois nessa perspectiva, no influenciam
o individuo na sua avaliao de riscos e benefcios.
Na concepo elitista de democracia, a preocupao est em manter a estabilidade de
um determinado sistema tico, moral, social, cultural e poltico, em que so qualificados
como racionais aqueles cujas aes se encontram em consonncia com o sistema, no caso,
baseado no utilitarismo (FREITAS e GOMEZ, 1996, p.496).
Desse modo, na perspectiva utilitarista e na concepo elitista de democracia, a
validao dos modelos tcnicos baseada em dados quantitativos e probabilsticos para
estabelecer critrios e padres da aceitabilidade de riscos. A objetividade alcanada atravs
das avaliaes quantitativas.
O desenvolvimento dos mtodos cientficos de anlise e gerenciamento de riscos
refletiu assim uma tendncia para prever, planejar e alertar sobre os riscos, em vez de dar
respostas ad hoc s crises geradas pelos mesmos, pois as decises regulamentadoras sobre os
riscos seriam politicamente menos controversas se pudessem ser tecnicamente mais
rigorosas e baseadas em firme base factual (FREITAS e GOMEZ, 1997, p.92).
Por outro lado, como destaca Spink (2010, sp), avaliar riscos depende
intrinsecamente da definio do que vem a ser risco, o que abriu um campo de investigao
sobre a percepo do risco envolvendo as Cincias Sociais e proporcionando um debate entre
as vertentes da tcnica e da cultura. Morre, nesse debate, o sonho racionalista de riscos
objetivamente avaliados, diante do golpe mortal da aceitao de que os riscos implicam
valores: risco a possibilidade de perda de algo que tem valor para ns (SPINK,
2012,sp. Grifo da autora).
Para Luhmann (1993), o risco depende mais do modo de como observado e no
tanto das suas caractersticas objetivas. O risco tornou-se uma variante que distingue entre
aquilo que desejado e indesejado. Do ponto de vista terico e normativo, Luhmann (1993,
p.55) concebe o risco enquanto um desvio norma.
Na sua perspectiva, o risco no deve ser procurado fora do sistema social e no deve
ser visto como um clculo matemtico, mas como a vulnerabilidade na exposio a qualquer
coisa. Portanto, o risco depende de valores, de observaes e do contexto temporal onde
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produzido. O clculo quantitativo do risco no a opo mais adequada, para a maioria das
situaes, onde estejam envolvidos elevados graus de incerteza.
Luhmann (1993) aborda o risco na perspectiva da teoria dos sistemas. A abordagem
sistmica define o risco como uma ou mais condies de uma varivel que podem interromper
um sistema, levando sua degradao completa ou desvio das metas pr-estabelecidas. A
concretizao de um risco expressa atravs de uma disfuno do sistema estando associado,
portanto s suas eventuais falhas. Na sua perspectiva, o risco encontra-se ligado aos processos
de deciso, que s podem ser realizados no presente. Assim a dimenso temporal tambm
relevante na abordagem sistmica. O termo risco permite determinar uma forma de
problematizar o futuro projetando possibilidades no presente.
Para Boholm (2003), o risco extremamente contextual e o que ou no
considerado um risco depende, em grande medida, de outras coisas. As relaes sociais, as
relaes de poder e hierarquias, crenas, conhecimento, experincia, discursos, prticas e
memrias coletivas tudo isto conforma as noes sobre risco e segurana. Risco no uma
propriedade intrnseca das coisas. um termo relacional que emerge de contextos
dependendo de significados convencionalmente estabelecidos e partilhados.
We all know, however intuitively, that risk is extremely contextual and fluent,
what is or what is not considered a risk depends to a large extent on other
things. Social relationships, power relations and hierarchies, cultural beliefs,
trust in institutions and science, knowledge, experience, discourses, practices
and collective memories all shape notions about risk or safety. Risk is not an
intrinsic property of things. It is a relational term that emerges out of contexts
depending on shared conventionally established meanings, that is to say,
culture (Rappaport 1996). Social anthropology with its analytical capacity to
bring into the open and problematize taken-for-granted assumptions and given
meanings, in combination with its ethnographical methods can contribute by
untangling the intrinsic situatedness of risk (Boholm, 2003 p.175).
Burns e Machado (2010) abordam a teoria dos sistemas sociais para analisar os riscos
decorrentes de novas tecnologias, complexos, que expem as limitaes cognitivas e de
controle, sendo importante investigar e teorizar as maneiras particulares como grupos e
instituies conceituam e tentam lidar com estas tecnologias, os riscos e suas conseqncias,
enfatizando as estruturas e modelos normativos. Para estes autores, muitos riscos so
discricionrios, pois so resultantes de julgamentos e decises humanas. Os tomadores de
deciso e os profissionais podem influenciar o grau em que as pessoas esto sujeitas aos
riscos, por exemplo, atravs da gesto e regulao de uma forma mais eficaz. Como as
polticas e prticas de segurana so baseadas em decises atravs de escolhas que podem
mudar ou controlar o risco, as dimenses e os nveis e controle de risco so, muitas vezes,
discricionrios.
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Para Spink (2001), as transformaes histricas dos repertrios de risco esto
associadas aos contextos histricos de sua produo. Nesse sentido, Douglas (1993) observa
que a palavra risco tem adquirido uma nova proeminncia. No mais uma palavra neutra ou
inocente que denota a probabilidade de um acontecimento - a palavra risco agora significa
perigo e, alto risco representa grande perigo.
2.1.2. Risco perspectiva da sade
Segundo Althaus (2005), que realizou uma extensa reviso multidisciplinar sobre o
risco, a cincia e a medicina compreendem e definem o risco como uma realidade objetiva
que pode ser medida, controlada e gerida, seja ele a objetividade considerada como
confirmao emprica ou como uma imparcial representao de uma situao. O risco a
epidemia iminente ou a doena, o desastre ambiental espreita, a catstrofe esperando para
acontecer. Se aplicar o conhecimento, descobrir os fatos e definir uma ao corretiva ou
medidas preventivas ser possvel controlar o risco. O foco nesta rea , geralmente, em
segurana, nos aspectos fsicos de risco e tende a resultar em uma preocupao cientfica com
suas conseqncias.
Segundo Douglas (1993), a palavra risco mudou de significado quando entrou na
poltica, fazendo enfraquecer a conexo antiga com os clculos tcnicos de probabilidade. Na
poltica, a palavra risco est associada a resultados indesejveis e tem sido usada para
legitimar polticas ou desacredit-las, para a proteo individual ou de instituies. O discurso
do risco tornou-se uma estratgia poltica.
Diante de tais mudanas, Burger (1993) afirma que a poltica est focada na sade,
centrada na proteo porque isto um atrativo comum. Em funo disto, novas agncias
reguladoras surgiram e ocorreu uma exploso de legislaes na tentativa de reduzir o risco. A
interpretao de dados cientficos passou a ser a pea central para tais agncias e tudo est
girando em torno da gnese: carcinognese, teratrognese, mutagnese...
Risco um conceito amplamente utilizado na literatura medica e relacionada sade e
nas ltimas dcadas tornou-se um dos conceitos-chave da investigao e promoo da sade.
Skolbekken (1995), um psiclogo noruegus, realizou uma pesquisa bibliogrfica em
bases de dados MEDLINE e mostrou um aumento rpido no nmero de artigos com o termo
risco no ttulo ou no resumo, no perodo de 1967 a 1991. Na dcada de 1990 publicou-se mais
artigos com o termo risco do que a soma dos artigos publicados nas dcadas de 1960,1970 e
1980.
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Esta tendncia, que ele chamou de epidemia de risco, foi encontrada em revistas
mdicas de abordagem geral da medicina e revistas de obstetrcia e ginecologia nos EUA,
Gr-Bretanha e na Escandinvia. O aumento mais rpido, no entanto, foi encontrado em
revistas epidemiolgicas.
A hiptese de Skolbekken para a epidemia do risco que esta tendncia um
resultado da evoluo da cincia e tecnologia, que mudou as crenas sobre o locus de controle
de fatores fora do controle humano para fatores dentro de nosso controle. As origens da
epidemia podem, ento, ser atribudas ao desenvolvimento de disciplinas como a estatstica,
maior ateno gesto de riscos e promoo da sade e ao desenvolvimento na tecnologia
computacional, que permitiram a manipulao estatstica de uma vasta gama de dados.
Para Skolbekken (1995), a epidemia de risco refletiria assim, as construes sociais de
uma determinada cultura em um determinado momento da histria, porm, revelando uma
lacuna conceitual diante da diversidade encontrada.
Em sua pesquisa sobre os repertrios interpretativos associados ao conceito de risco,
Spink, Medrado e Mello (2002) buscaram entender o papel da mdia na circulao e
consolidao da linguagem dos riscos. Para tanto, os autores realizaram uma analise
quantitativa e qualitativa do uso da linguagem do risco nos textos jornalsticos, publicados
pelo jornal Folha de So Paulo entre 1994 e 1997 e o emprego da palavra risco nos ttulos, em
uma amostra aleatria de matrias publicadas de 1921 (ano da fundao do jornal) a 1998.
Tanto a anlise da amostra como a totalidade de matrias do jornal apontou que o uso
intensivo da linguagem dos riscos um fenmeno dos anos noventa, corroborando os achados
de Skolbekken (1995) nas publicaes cientificas.
Spink, Medrado e Mello (2002) demonstraram que o uso intensivo da linguagem dos
riscos iniciou-se pelas reas onde o conceito j estava mais consolidado, a economia e a
sade, sendo que nas demais reas a linguagem dos riscos mostrou-se um fenmeno ainda
mais recente, de uso variado, associado a linguagem dos fatores e probabilidades de risco ou
como metfora para perigos diversos.
Na mdia jornalstica a palavra risco foi utilizada como sinnimo de perigo para falar
sobre o risco de algum evento indesejado e, para denotar a probabilidade de ganho ou perda,
associado linguagem dos jogos (apostas, investimentos) ou no sentido mais formal de
clculo de probabilidade.
Segundo Spink, Medrado e Mello (2002), o uso pleno de risco-probabilidade
sinalizado pelo emprego do termo no contexto dos fatores associados ao clculo do risco. Na
economia so os fatores de riscos aos investimentos que esto em pauta. Na sade, o risco
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est associado s possibilidades no se tratando da quantificao do risco, mas do jogo das
possibilidades em cenrio probabilstico.
Estes resultados encontrados na mdia, sobre a linguagem do risco, parecem refletir o
uso do conceito de risco na sade. A proliferao de estudos sobre risco repercute na sua
difuso pblica, atravs dos meios de comunicao.
Segundo Castiel (1996, p. 239), em funo da divulgao de informaes consideradas
importantes para a sobrevida das populaes, h o imediato interesse do pblico por tais
questes propiciando uma demanda para a qual os meios de comunicao de massa
procuram apresentar as ltimas descobertas da cincia sobre os riscos (grifo do autor).
Para Ayres (1995), a utilizao do conceito de risco como um orientador da
interveno foi incorporado ao conjunto das prticas de sade com uma falta de rigor
metodolgico (grifo do autor).
Embora aqui e ali, os mtodos de aferio e escores de risco possam ainda ser
encontrados, o conceito de risco, por fora de sua prpria dinmica histrica,
tornou-se menos uma metodologia para a ao que um conjunto de
preocupaes e concepes tecno-normativas to assistemticas quanto
inextrincavelmente ligadas s concepes de sade contemporneas. Ganhando,
de um lado, o corao da investigao cientfica, e, de outro lado, expressivas
representaes no senso comum, o risco hoje