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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Concepções de Mundo de Professores de Matemática e seus Horizontes Antevistos ROGER MIARKA Orientadora: Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos Filosófico- Científicos para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática Rio Claro (SP) 2008

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

Instituto de Geociências e Ciências Exatas

Campus de Rio Claro

Concepções de Mundo de Professores de

Matemática e seus Horizontes Antevistos

ROGER MIARKA

Orientadora: Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática

Rio Claro (SP)

2008

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Comissão Examinadora

_______________________________ Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo

_______________________________ Dr. Ubiratan D’Ambrosio

________________________________ Dra. Tânia Baier

Roger MiarkaAluno

Rio Claro, 18 de janeiro de 2008

Resultado _______________________________________________________________

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Dedico este trabalho aos meus queridos avós José Raimundo e Narciza. Do primeiro, não pude me despedir; a segunda, baixo os olhos quando digo tchau...

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Noli ergo extolli de ulla arte scientia: sed potius time de data tibi notitia... Noli altum sapere: sed ignorantiam tuam magis fatere.

Thomas à Kempis

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Precisamos de tempo para entender o tempo. Para poder sonhar que apesar da rotina ainda é possível viver, que apesar da incerteza é possível vencer e não permitir a angústia tomar conta do ser. Não sabemos de nada. Não sabemos se hoje é o último dia e se ainda temos o direito a sobreviver. Não sabemos até quando teremos a chance de tentar vencer quando em um mundo de guerra queremos a paz e em um mundo de ódio queremos o amor.

Wagner Matias, grande amigo

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Agradecimentos

Tenho muito a agradecer a muitos. Não apenas por este trabalho, mas principalmente por estarem ao meu lado ou me ajudarem nessa minha constante busca por mim mesmo.

A lista é enorme, mas apontarei somente alguns, apesar de que muitos outros são e serão sempre lembrados.

Agradeço à Maria, pela grande orientadora e pela mãezona que foi para mim durante esse mestrado.

Agradeço à minha mãe, por colocar suas paixões acima de seus argumentos.

Agradeço ao meu pai por colocar seus argumentos acima de suas paixões.

Agradeço ao meu avô pelo seu equilíbrio e pelos conselhos que só agora sei como aproveitar.

Agradeço à minha avó pelo seu carinho incondicional.

Agradeço à Dani por ser um porto seguro, me entendendo com um piscar de olhos.

Agradeço ao Carlucho por ser um companheirão, nunca necessitando perguntar para me compreender.

Agradeço à Carlota pelo olhar atento e pelo sorriso sincero e caloroso que sempre me despendeu.

Agradeço ao Fernando Presidente, por ser aquele amigo que topa qualquer caminhada, sem se assustar com os obstáculos.

Agradeço ao Jamur pela alegria contagiante.

Agradeço à Lu por dividir sorrisos, mágoas e gargalhadas.

Agradeço à Fabis pela segurança que me passou durante o mestrado.

Agradeço à Marloca pelo jeito moleque e pela energia boa que passa a todos.

Agradeço à Luciane pela segurança e racionalidade com que lida com o que está à sua volta.

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Agradeço à Denise pela amiga, conselheira e inspiradora para este trabalho e para a

minha carreira.

Agradeço à Rejeane pelas sugestões e revisão do mundo fashion da dissertação

(palavras dela mesma!!).

Agradeço à Tânia pela ajuda e pela alegria com que o fazia.

Agradeço à Casa das 7 Mulheres pelos almoços, risadas e troca boa de energias.

Agradeço à Elisa, Ana, Zezé e Alessandra pelos sorrisos diários e a disponibilidade em ajudar no que fosse preciso.

Agradeço aos professores Vicente, Romulo (sem acento mesmo!!), Vianna, Serginho, Marquinhos, Miriam, Rosa e Carrera pelas discussões, pelos ensinamentos e pelos momentos de descontração.

Enfim, agradeço...

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RESUMO

Esta pesquisa busca trabalhar com diferentes concepções de mundo e de conhecimento, investigando a articulação entre o sentido que elas fazem para os professores de Matemática e suas concepções de ensino e de Educação. O estudo gira em torno de discussões que ocorreram em um curso de extensão para professores de Matemática. Este curso tratou de concepções de mundo e de conhecimento, relacionando-as com diferentes regiões do saber como Matemática, Física, Ecologia e Artes, focando a transição entre a concepção de mundo da Época Moderna para a concepção de mundo que vem se construindo na denominada Época Pós-moderna ou Contemporânea. A meta é compreender o sentido que aquelas concepções fazem para os professores e destacar possíveis momentos de meta-compreensão sobre a articulação entre essas concepções e sua prática docente. A metodologia utilizada é qualitativa de uma perspectiva fenomenológica.

Palavras-chave: Fenomenologia, concepção de mundo, concepção de conhecimento, prática docente/concepção de ciência, separação sujeito/objeto, ser-com

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ABSTRACT

This research aims to work on different world and knowledge conceptions, enquiring about articulations between the meanings that Mathematics teachers have about them and their learning and teaching conceptions. This study spins around discussions occurred in an extension course for Mathematics teachers. This course talked about different world conceptions, regarding to different areas of knowledge such as Mathematics, Physics, Ecology and Arts, focusing on the transition between the Modern Era world conception and the world conception that has been being built by Post-Modern Era. The goal is to understand the meaning that teachers have about those conceptions, detaching possible moments of meta-understanding about the articulation between those conceptions and their practice. This paperwork has a phenomenological perspective, under a qualitative research optic.

Key words: phenomenology, world conception, knowledge conception, teacher practice/science conception, subject – object separation, being-with

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...............................................................................................................11 Alguns Esclarecimentos..............................................................................................11 Região Subjetiva: trajetória acadêmica e de vida .......................................................12 Região Intersubjetiva: relações dialógicas que se estabelecem.................................15 Região Objetiva: pre-ocupação da pesquisa no âmbito da Educação Matemática ....17

CAPÍTULO I: DOS PROCEDIMENTOS .........................................................................20 1.1 Dos Estudos..........................................................................................................21

1.1.1 De Fenomenologia..........................................................................................23 1.1.2 De Concepções ..............................................................................................27

1.2 Do Trabalho de Campo.........................................................................................38 1.3 Da Análise.............................................................................................................46

CAPÍTULO II: DA ANÁLISE DOS DADOS.....................................................................53 2.1 Análise e Interpretação do Ensaio Final................................................................54

2.1.1 Ana .................................................................................................................54 2.1.2 André ..............................................................................................................63 2.1.3 Mainah ............................................................................................................68 2.1.4 Sophia.............................................................................................................77

2.2 As Reduções.........................................................................................................85 2.3 Invariantes Abrangentes e suas Interpretações....................................................89

2.3.1 Categoria A: Do Significado de Concepções de Mundo .................................90 2.3.2 Categoria B: Do Significado de Concepções de Educação ............................99 2.3.3 Categoria C: Da Articulação entre Concepções ...........................................114 2.3.4 Categoria D: Da Percepção da Própria Concepção......................................124 2.3.5 Categoria E: Da Mudança de Concepções...................................................128

CAPÍTULO III: APRESENTANDO INTERPRETAÇÕES À MODA DE UMA SÍNTESE136 3.1 Rede de significados em sua totalidade..............................................................137 3.2 Expondo o pensar sobre as categorias de convergência....................................138 3.3 Compreensões de Matemática e de Educação Matemática que se abrem com o interrogado................................................................................................................150 3.4 Efetuando um movimento de meta-compreensão do interrogado.......................155

REFERÊNCIAS............................................................................................................158

ANEXOS ......................................................................................................................161 Modelo da carta de cessão de depoimentos.............................................................161 Compact disc ............................................................................................................162

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INTRODUÇÃO

Alguns Esclarecimentos

O que é isto, uma pesquisa? Pode parecer estranho iniciar uma dissertação com

uma pergunta. Porém, tudo o que for dito aqui será permeado por essa questão. Afinal,

a maneira como conduzimos uma pesquisa deve ser consoante com o que acreditamos

que ela é. O modo como concebemos pesquisa guiará nossas decisões ao longo do

trabalho.

É importante deixar claro que concebo que pesquisador e pesquisado não se

separam e que é na articulação do pensamento em movimento, mantido na abertura do

diálogo deste e daquele, que a pesquisa emerge.

Desse modo, ao invés de apresentar o projeto de pesquisa já delineado, com

seus objetivos bem fundamentados, tomarei outro caminho, mais orgânico, que envolve

a trajetória de amadurecimento da pergunta que direcionou a pesquisa. Esse percurso

envolve uma região própria do pesquisador, com seus anseios, expectativas, crenças, a

qual chamarei de região subjetiva; uma região de relações dialógicas, seja com textos,

com outros pesquisadores, com a orientadora, com colegas de grupos de estudos, que

chamarei de região intersubjetiva; e uma terceira região, de formalização, localizada no

âmbito da Educação Matemática, como área de pesquisa com uma tradição, a qual

chamarei de região objetiva.

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Esse não é um movimento linear, porém, por motivos organizacionais, escolhi

apresentá-lo na seqüência de dimensões subjetiva, intersubjetiva e objetiva, já que

cronologicamente foram enfatizadas dessa maneira. Contudo, não é possível perder a

dimensão subjetiva em momento algum, visto que o pesquisador que fala sempre está

de um modo: de bom humor, de mau humor, ansioso, preocupado, despreocupado,

tenso, alegre, triste e, sobretudo, intencionalmente dirigido ao que está pesquisando.

Visando explicitar um pouco desses modos de ser, que muito dizem das

escolhas efetuadas ao longo da pesquisa, proponho uma escrita fora dos padrões

acadêmicos, a qual será demarcada por uma fonte que imita manuscritos, em forma de

citação, cuja referência será indicada como “(MIARKA, Devaneios, 2007)”, uma obra

fictícia cujo título já indica a não-obrigatoriedade de manutenção de padrões

consolidados de pesquisa. Assim, para o leitor mais afeito ao formato acadêmico de

expor pela escrita a investigação, basta se esquivar de ler essas passagens e o teor da

pesquisa se assemelhará, em forma, à maioria dos trabalhos acadêmicos.

Quanto à linguagem utilizada, quando empregar um verbo conjugado em

primeira pessoa do singular, refiro-me a um ato pessoal efetuado por mim como

pesquisador e, ao utilizar a primeira pessoa do plural, refiro-me a uma fala articulada

entre mim, a orientadora e os colegas do grupo de pesquisa, aos sujeitos da pesquisa

ou, dependendo do contexto, a uma ação generalizada.

Buscarei também, sempre que possível, escrever utilizando uma linguagem

simples que possa ser lida por um profissional que trabalha em escolas do Ensino

Fundamental e Médio, ao mesmo tempo em que possa trazer subsídios para um

pesquisador da área, de modo a funcionar como um disparador de reflexões, tanto para

um quanto para outro. Creio que, agindo desse modo, estarei abrindo possibilidades a

este trabalho, ao invés de fechá-lo em si mesmo.

Região Subjetiva: trajetória acadêmica e de vida

Para falar um pouco da subjetividade deste trabalho, buscarei partir de minha

trajetória acadêmica e de vida. Considero que todas as minhas vivências se articulam

formando um todo, o que sou, ou melhor seria dizer, o que estou sendo, pois estou e

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sou em constante mudança, paradoxalmente, um ser em permanente devir. Contudo,

tratarei aqui apenas de alguns recortes e articulações de minha vida que considero

diretamente relacionados com este trabalho. São algumas fases que vivenciei e que

foram permeadas por algumas questões e (in)certezas. Longe de ser um modo de

simplificar e fechar esses momentos em contêineres, essas perguntas e afirmações que

destacarei são enfatizadas por conta desse trabalho, mas não são as únicas.

Como primeiro recorte, indico meu Ensino Médio. Estudei em um colégio técnico

para ser um futuro profissional em Mecânica de Precisão. O ensino era conduzido por

meio de série de metas, chamadas de objetivo, um conjunto de alvos bem

estabelecidos que tinha uma quantidade específica de metas a serem atingidas. Se o

objetivo se compunha de quatro metas a serem alcançadas de um total de cinco, então,

zero, uma, duas ou três metas atingidas propiciavam ao aluno uma nota zero, enquanto

quatro ou cinco era valorado com uma nota dez. O ensino assim se apresentava, como

um conjunto de algoritmos, que visavam à produtividade de uma indústria. Não havia

discussões. Talvez não pudesse ser diferente, por ser um curso técnico em Mecânica

de Precisão. O que estava posto era o certo. Naquela época eu tinha a certeza ingênua

de que o conhecimento era linear e acumulativo.

Ano de 2000. Um milênio se acaba e mais um século vai se extinguindo. Iniciei o

curso de bacharelado em Matemática, após quatro anos nesse colégio técnico. Logo no

começo do curso percebi o quanto meus atos e minha postura diante do conhecimento

eram reflexos da minha trajetória escolar anterior à universidade. O curso corroborava

uma visão de conhecimento independente do homem, que apenas o descobria. Porém,

de maneira imperceptível, a princípio, algo vai germinando. Talvez uma dúvida... Uma

certeza... Certeza de uma dúvida. Eram as discussões em que eu me envolvia com

estudantes de outras áreas, especialmente da área de humanas, que me instigavam a

olhar o mundo à minha volta buscando uma ligação, uma relação entre o saber

acadêmico e a realidade cotidiana. Parecia-me tão vazia essa solidez que a “Ciência”1

impunha em um mundo que ela mesma criara, estabelecendo todas as regras e

pretendendo que assim se mantivesse. Este mundo é fechado em um círculo

1 A palavra “Ciência” se refere à concepção de ciência que eu tinha até então, que se revelou com o tempo ser uma concepção de ciência.

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reprodutor. O desarranjo se dá quando alguém que não segue esses preceitos quer

dele participar. As regras se confrontam e a solidez escapa pelos vãos dos dedos.

Segundo ano do curso, almejei ver a Matemática de uma perspectiva mais

humana. Ingressei no curso de licenciatura em Matemática, cursando-o

concomitantemente com o bacharelado. Encontrei algo que muito me agradou:

discussões, possibilidade de se compreender a Matemática de diferentes pontos de

vista, uma Matemática mais humanizada, no sentido de mostrar-se como criação das

relações homem-mundo, mais calorosa, enfim, uma Matemática que tinha mais

significado. Quando me dei conta, já estava envolvido com ela.

Minhas metas mudavam. Começava a buscar pelo significado que Matemática

faz para o homem, as articulações entre o mundo em que vivemos e o mundo da

Ciência Matemática e suas aplicações. Procurava um intercâmbio de pensamentos

entre ambos os cursos. Falávamos de um mesmo objeto, porém de pontos de vista

distintos. Logo, o que mais fazia sentido era tratá-los como faces de uma realidade, não

como saberes disjuntos.

Contudo, sentia que algo ainda faltava. Ainda não entendia por que alguns

estudantes e professores conseguiam colocar em discussão a relação Matemática

/realidade e outros, aparentemente, não. Desse modo, comecei a considerar a relação

de cada um com a Matemática de suma importância, algo extremamente frutífero, uma

Matemática apropriada pelas pessoas, em seus modos de compreensão e nos

contextos de suas práticas. E essa relação era a mais obscura pra mim, pois, ainda que

eu tivesse o mesmo solo de experiências compartilhadas e de tradição histórico-cultural

que o meu co-sujeito, nossos mundos eram diferentes. Cada um “via” o mundo com os

seus olhos.

Após o término da graduação, passei dois anos fora do Brasil, dos quais grande

parte foi em Londres. Esta cidade tem características bastante peculiares: muitos

imigrantes, diferentes línguas, diversos costumes, modos distintos de ver e agir, a

ponto de poder ser considerada uma Torre de Babel dos dias atuais. Gostava muito de

interagir com as pessoas, buscando entender o modo como agiam e a maneira como

viam o mundo do qual participavam.

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Passei esse período longe da área da Educação, da Matemática e da Educação

Matemática, mas creio que há um questionamento dessa época que auxilia na

constituição dessa pesquisa: Os modos como as pessoas agem são consoantes com o

que crêem? Há um pensar sobre isso?

Em seguida ingressei no Programa de Mestrado em Educação Matemática.

Procurando explicitar articulações entre minhas vivências, fui compreendendo a

importância das concepções sobre professores de Matemática, a própria Matemática e

seu ensino, de tal modo que passei a me perguntar sobre a articulação entre essas

concepções e suas concepções de mundo. Assim, passei a indagar sobre as

concepções filosóficas de mundo e as do professor de Matemática.

Região Intersubjetiva: relações dialógicas que se estabelecem

Na busca de articulações entre concepções de mundo e de conhecimento e as

concepções de ensino, senti falta de pensar no não-Eu2. Este não-Eu abarca tudo que

não sou eu, sejam presenças humanas ou não. Desse modo, o não-Eu pode ser

considerado um texto, um livro, um pesquisador, um colega e até mesmo uma entidade

sem uma intenção intrínseca, tal como uma paisagem ou uma cena que possa disparar

um pensar sobre algo.

Pontuarei algumas das relações que se mostraram importantes para o avanço de

minha compreensão do assunto, desde grupos de estudos até a revisão de literatura

efetuada.

Assumi a atitude fenomenológica ao buscar trabalhar com o real vivido. O pensar

fenomenológico não aceita o que está posto sem questionamentos, sem críticas. Desse

modo, quero explicitar que o objetivo da relação dialógica que se estabeleceu não tem

caráter acumulativo. Ela serviu como suporte para explicitar o significado posto para

que pudesse ocorrer a articulação que buscava, mas que deveria ser evidenciada no

que se mostra e não no discurso de outrem.

Para uma compreensão sobre Fenomenologia, que definiria minha postura em

relação a este trabalho, minha participação no grupo de Fenomenologia e Educação 2 O desenvolvimento do conceito de não-Eu pode ser encontrado na obra de Merleau-Ponty (2000).

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Matemática (FEM) foi importante. Nesse grupo estabeleceu-se um espaço de

discussões que ajudou a clarificar o tema da pesquisa. Nas reuniões do grupo,

discutíamos livros sobre Fenomenologia, sobre a atitude fenomenológica, a qual se

delinearia, a princípio intelectualmente e, posteriormente, como atitude de pesquisa e

de vida.

Além desse grupo, participar nos grupos de História Oral (GHOEM) e de História

e/ou suas Relações com a Educação Matemática teve um significado importante, ao

tratar de diferentes posturas de pesquisa e visões distintas de mundo e de

conhecimento, trabalhadas em um espaço de discussões fomentado pela diversidade

de opiniões, de crenças e de concepções.

Como revisão de literatura sobre o tema estudado, indico sua relevância nos

trabalhos de Ponte (1992) e de Thompson (1982).

A primeira investigação importante realizada acerca das concepções dos

professores de Matemática foi feita por Thompson (1982). Esta autora considerou que

muitas das concepções manifestadas pelos professores acerca do ensino têm muito

mais relação com uma adesão a doutrinas abstratas do que com teorias pedagógicas

operatórias, concluindo que as concepções dos professores desempenham um papel

significativo, ainda que sutil, na determinação do estilo de cada professor.

Além disso, Ponte considera que

[...] [As concepções] Actuam como uma espécie de filtro. Por um lado, são indispensáveis pois estruturam o sentido que damos às coisas. Por outro lado, actuam como elemento bloqueador em relação a novas realidades ou a certos problemas, limitando as nossas possibilidades de actuação e compreensão. [...] [Elas] formam-se num processosimultaneamente individual (como resultado da elaboração sobre a nossa experiência) e social (como resultado do confronto das nossas elaborações com as dos outros). Assim, as nossas concepções sobre a Matemática são influenciadas pelas experiências que nos habituamos a reconhecer como tal e também pelas representações sociais dominantes (PONTE, 1992, p. 1).

Concordo com Ponte quando este considera que a relação entre concepções e

práticas é de suma importância, visto que uma influi na outra:

[...] [A] impregnação de elementos sociais no processo de construção do saber reforça a perspectiva de que existe uma relação interactiva entre as concepções e as práticas. As concepções influenciam as práticas, no sentido em que apontam caminhos, fundamentam decisões, etc. Por seu

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lado, as práticas, que são condicionadas por uma multiplicidade de factores, levam naturalmente à geração de concepções que com elas sejam compatíveis e que possam servir para as enquadrar conceptualmente (PONTE, 1992, p.10).

Assim, minhas compreensões acerca do tema se expandiam e antevia a

passagem de uma atitude ingênua para uma atitude de pesquisa então tematizada.

Sentia-me pronto para estabelecer a proposta de pesquisa.

Região Objetiva: pre-ocupação da pesquisa no âmbito da Educação Matemática

Nesta investigação sobre as articulações entre concepções de mundo e de

conhecimento de professores de Matemática, buscamos explicitar sentidos que

concepções sobre mundo e conhecimento fazem para os professores, ou seja, o modo

pelo qual o movimento de meta-compreensão e a relação concepção/meta-

compreensão/prática docente se mostram.

A meta-compreensão envolve um voltar a si mesmo, dar um passo atrás e

buscar uma compreensão sobre a compreensão que se abre a nós mesmos.

Acreditamos que, por meio do estar atento3 às próprias concepções, esse exercício de

meta-compreensão seja possível. A meta-compreensão poderia ocorrer sobre qualquer

compreensão acerca do mundo em que estamos enraizados, porém, procuramos

direcionar essa meta-compreensão para a prática docente do professor, pondo-a sob

foco de indagação.

Essa relação não é obtida pela adição de concepção, meta-compreensão e

prática docente. Elas serão consideradas como uma totalidade, visto que não é em um

movimento linear que elas se estabelecem, mas por meio de uma alimentação em rede.

É importante salientar que este trabalho não visa explicitar as concepções do

professor de Matemática, envolvendo-as em uma redoma. Isto seria inconcebível, pois

elas estão amalgamadas em uma teia de articulações móvel. O pesquisador está pre-

3 Estar atento, no âmbito da Fenomenologia, indica um dirigir-se para algo, focalizando o fenômeno que se mostra de maneira alerta.

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ocupado4 em indicar para onde elas apontam, quando há um debruçar-se sobre as

próprias concepções, ou seja, quando uma meta-compreensão é buscada. Daí o título

do trabalho: Concepções de Mundo de Professores de Matemática e seus Horizontes

Antevistos.

Iniciamos esse movimento de compreensão, explicitando o significado de visão

de mundo e de concepção de mundo.

O dicionário Houaiss (2001) considera visão e concepção de mundo como

sinônimos e os define como

maneira subjetiva de ver e entender o mundo, esp. [especialmente] as relações humanas e os papéis das pessoas e o seu próprio na sociedade, e tb. [também] as respostas a questões filosóficas básicas, como a finalidade da existência humana, a existência de vida (e castigo ou recompensa) após a morte etc.; visão do mundo, cosmovisão (HOUAISS, 2001).

Entendemos que uma visão de mundo não é apenas subjetiva, já que está

enraizada em um solo comum, cujos aspectos culturais hão que ser considerados. Além

disso, uma visão de mundo não precisa ser refletida e explicitada sistematicamente

para se configurar e, ainda assim, fundamentar ações.

Desse modo, concebemos visão de mundo como a maneira de ver e entender o

mundo, quando se está com os outros, de ver e entender as relações humanas e os

papéis das pessoas e o seu próprio na sociedade.

Por sua vez, entendemos concepção de mundo como uma visão de mundo mais

estruturada, isto é, mais organizada e sistematizada, podendo já ser pensada como um

modo filosófico/científico de falar sobre visão, ainda que não explicitado em linguagens

filosóficas e científicas.

Para abordar o tema “Articulações de concepções de mundo e de conhecimento

e concepções de práticas de ensino”, tomamos algumas decisões em nosso percurso,

que indicam o encaminhamento desta pesquisa.

4 Pre-ocupação indica o ‘importar-se com’ o que é ou será efetuado, abarcando, além de preocupações, expectativas, objetivos etc. O significado desse termo será mais bem trabalhado no capítulo “Dos Procedimentos”.

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Primeiramente, pela abrangência do tema, escolhemos um recorte das

concepções de mundo e de conhecimento a serem trabalhadas, de modo a limitarmo-

nos àquelas presentes nas Épocas Moderna e Contemporânea.

Decidimo-nos por discutir esses recortes em um curso transdisciplinar com

professores, formados ou em formação, que abarcasse os temas elencados. Essa

escolha se deu para possibilitar o diálogo, efetuado junto com os alunos, com diferentes

concepções de Ciência e de Filosofia, de modo que o curso se constituísse em um

espaço de discussão.

A decisão por um curso transdisciplinar ocorreu ao considerarmos que

deveríamos partir do modo como as concepções abordadas se mostravam, e não por

meio das disciplinas que as permeavam.

Durante o curso, foram coletadas entrevistas, sínteses e ensaios elaborados

pelos alunos, constituindo nossos dados para a pesquisa, os quais foram

posteriormente analisados, em um movimento atento aos diálogos efetuados entre os

alunos-professores e as concepções discutidas.

Essa análise foi guiada pela seguinte proposta de investigação que, formalizada,

pode ser exposta como:

Explicitar sentidos que as concepções sobre mundo e conhecimento abordadas

no curso fazem para os professores, ou seja, o modo pelo qual o movimento de meta-

compreensão e a relação concepção/meta-compreensão/prática docente se mostram.

Acredito que, ao tentar focar esse tema, estarei abrindo-me para a compreensão

das visões do nosso mundo compartilhado, criando possibilidades de estabelecer um

ambiente de respeito mútuo. Mais que isso, penso que compreender melhor as próprias

concepções nos possibilita a análise e a reflexão de nossas práticas de ensino, visto

que estaríamos no caminho de efetuar uma meta-compreensão sobre nós mesmos e

as concepções que mantemos como importantes e que se constituem alicerces de

nossa ação, da atitude que assumimos com o mundo, com a Matemática, com o outro

com quem somos no mundo.

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CAPÍTULO I: DOS PROCEDIMENTOS

Explicitada a proposta de investigação rigorosa em termos científicos, é

importante que deixemos clara nossa pre-ocupação posta como tema de pesquisa no

âmbito da Educação Matemática.

Dois pontos aqui devem ser destacados e evidenciados: pre-ocupação e

investigação rigorosa. Pre-ocupação é propositalmente grafada com hífen, enfatizando

o prefixo pre, indicador de algo estabelecido anteriormente, no caso, algo em relação

ao fazer que venha a se constituir no conteúdo da ocupação. É uma pre-ocupação com

o que será efetuado e com suas influências e desdobramentos antevistos. E a qual

ocupação me refiro? À ocupação na pesquisa, à busca pela compreensão do

fenômeno5. A pre-ocupação que alimenta o movimento da pesquisa nos remete aos

modos de lançar-nos à pesquisa, modos esses que serão parte do fenômeno, já que

dele também participamos.

A pre-ocupação será guia do rigor, o qual explicitarei por meio das palavras de

Bicudo (2005):

Rigor exprime o cuidado que se tem ao se proceder à busca pelo interrogado ou pela solução do problema proposto. Esse não é um cuidado subjetivo, carregado de aspectos emocionais. Mas é um cuidado que busca a atenção constante do pesquisador para proceder de modo lúcido, analisando os passos que dá em sua trajetória, conseguindo clareza dos seus ‘por quês’ e ‘comos’, o que significa, dos

5 Consideramos como fenômeno o encontro entre aquilo que se mostra e aquele que vê.

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fundamentos de seu modo de investigar e da visão de que modalidade de conhecimento sobre o indagado está construindo, ao proceder do modo pelo qual está encaminhando sua investigação. (BICUDO, 2005, p.11)

Desse modo, a atenção prévia do pesquisador com a ocupação, no caso, o

pesquisar, constituir-se-á em sua pre-ocupação e a análise constante dos passos

efetuados, no rigor de pesquisa. Procurarei deixá-los claro neste capítulo sobre os

procedimentos efetuados.

1.1 Dos Estudos

Estabelecida a proposta de investigação e possibilidades de conduzir a pesquisa,

iniciei estudos específicos sobre concepções de mundo e de conhecimento presentes

nas Épocas Moderna e Contemporânea. A escolha inicial dos autores a serem

estudados se deu por meio da leitura cuidadosa da tese de doutorado de Baier (2005),

que explicita o movimento de mudança de concepções de mundo e de conhecimento

que ocorreu desde Galileu até a Época Contemporânea, com o advento da Teoria da

Relatividade, da Física Quântica e da Teoria do Caos. Alguns temas foram priorizados

por se mostrarem importantes e presentes a algumas dessas concepções. São eles:

- Espaço;

- Tempo;

- Espaço-tempo;

- Falibilidade da ciência;

- Relação parte-todo;

- Causalidade linear;

- Separação sujeito-objeto;

- Concepção de verdade: exatidão e objetividade;

- Verdade como sentido;

- Transdisciplinaridade;

- Totalidade sujeito-mundo-objeto.

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Seguem alguns comentários sobre algumas das obras estudadas, salientando

que os estudos realizados não visavam seu assenhoreamento, mas compreensões e

significados delas no mundo em que vivemos.

O estudo se iniciou com Galileu (1999). Em sua obra, esse autor buscou um

modo de matematizar a natureza, considerando a Matemática como lógica e definidora

de um solo “matemático-geométrico” que viabiliza o tratamento científico. Tempo e

espaço eram concebidos independentemente, consolidados e ampliados com os

estudos posteriores de Newton, que buscava estabelecer princípios universais sobre o

universo, equacionando-o. Essa independência entre tempo e espaço foi incorporada

pela Física Clássica.

Na questão da noção de espaço-tempo trabalhamos com os autores Poincaré

(1984), que indica uma reflexão sobre o assunto; com Heidegger (1995), por tratar de

tempo em uma visão fenomenológica e com Bicudo (2003a), por estudar a questão do

tempo vivido.

A questão da exatidão e da objetividade foi embasada pelo texto The Origin of

Geometry (HUSSERL, 1970), pois neste artigo Husserl explicita a possibilidade da

intersubjetividade que mantém uma identidade de conceitos que podem ser

transmitidos tradicionalmente6, criticando a exatidão e a objetividade do mundo e do

conhecimento consideradas por cientistas como Galileu.

As relações parte-todo e separação sujeito-objeto foram tratadas no foco do

pensamento cartesiano e contrapostas pelos estudos de fenomenólogos como

Heidegger, Merlau-Ponty, Husserl e Bicudo. O tema totalidade foi discutido e embasado

nos trabalhos de Prigogine (1996) e Heisenberg (1999), os quais tratam das

transformações de algumas visões de mundo proporcionadas por descobertas da

Física, tais como a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica.

O estudo das conexões entre diferentes áreas do Saber foi fundamentado em

Baier (2005) e Anastácio (1999). Baier (2005) estudou relações entre Física, Arte,

Ecologia e Matemática, partindo das mudanças acontecidas na visão da Ciência em

decorrência da Física Quântica, desvelando tais relações. Anastácio, por sua vez,

6 Importante salientar que o significado de tradição nesse contexto é o de ‘o que é trazido pela linguagem’.

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descreve em parte de seu trabalho articulações entre racionalidade e contextos em que

está enraizada.

1.1.1 De Fenomenologia

Sendo o objetivo expor os modos pelos quais professores de Matemática

explicitam as concepções de mundo e de conhecimento articuladas com a sua prática

docente, considero a pesquisa qualitativa, com abordagem fenomenológica,

apropriada, pois a Fenomenologia:

[...] como método de investigação, fundamenta procedimentos rigorosos de pesquisa, mostrando de que maneira tomar Educação como fenômeno e chegar aos seus invariantes ou característicos essenciais para que as interpretações possam ser construídas, esclarecendo o investigado e abrindo possibilidades de intervenção no campo da política educacional e da prática pedagógica. [...] A Fenomenologia se mostra apropriada à Educação, pois ela não traz consigo a imposição de uma verdade teórica ou ideológica preestabelecida, mas trabalha no real vivido, buscando a compreensão disso que somos e que fazemos – cada um de nós e todos em conjunto. Buscando o sentido e o significado mundano das teorias e das ideologias e das expressões culturais e históricas (BICUDO, 1999, p. 12-13).

Neste item, buscarei explicitar uma síntese sobre a atitude assumida nesta

pesquisa.

Como o próprio nome já indica, Fenomenologia é o estudo do fenômeno. Em

senso comum, fenômeno é tomado como aquilo que se mostra na natureza (HOUAISS,

2001). O fenômeno do qual falamos aqui possui o significado daquilo que se mostra no

encontro com aquele que o vê7. Essa distinção é muito importante, pois, ao contrário de

uma concepção cartesiana, na Fenomenologia não temos a separação entre sujeito e

objeto. Objeto e sujeito estão no mundo, que não é posto em dúvida, já que nele

sempre estivemos, de modo que não nos é possível conceber algo que neste não

esteja enraizado. Nós, como seres humanos, percebemos esse objeto em suas

manifestações. Nessa percepção, explicita-se o significado de não-separabilidade entre

7 O ver, para a Fenomenologia, não se refere apenas a um dos cinco sentidos humanos, mas ao encontro homem-mundo, no qual a percepção se faz.

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sujeito e objeto, pois uma percepção envolve sempre alguém que percebe e algo que é

percebido em um fundo, contexto sócio-cultural, em que se destaca.

Algumas escolas filosóficas consideram sensação e percepção como sinônimos.

No pensamento usual, a palavra “sensação” envolve os sentidos do ser humano, ou

melhor, o ser humano sentindo por meio de seus sentidos8, que agem como

intermediários, muitas vezes entendidos à moda de uma relação linear de causa e

efeito, onde o ser humano usa seus sentidos para reconhecer um mundo que o rodeia,

em uma direção vetorial mundo-sentido-homem.

Não é o caso da Fenomenologia, que concebe a percepção se fazendo no

encontro homem-objeto no mundo. Aquele que percebe e o que é percebido se

envolvem em uma dança de conhecimento onde todos os sentidos são participantes.

Não percebemos, assim, o objeto por partes, mas o compreendemos como uma

totalidade em que objeto e fundo podem intercambiar de posição e em que o objeto só

adquire contorno e significados em relação ao fundo do qual se destaca.

Além disso, não é apenas o objeto que se mostra a nós, mas nós também nos

mostramos ao objeto, na medida em que intencionalmente o focamos doando-nos em

modos de ver. Assim, desse modo, as forças agem em ambas as direções, em um

movimento de alimentação em rede, se articulando. Nesse movimento, um age no

outro, o outro no um, a totalidade em ambos e ambos na totalidade compreendida.

Essa percepção, no entanto, não ocorre sem que haja uma orientação em

direção ao que se mostra. Chamamos esse voltar-se atento9 sobre o que se mostra de

intencionalidade. Intencionalidade também é entendida no contexto do pensamento

fenomenológico como consciência. É importante ressaltar, contudo, que a consciência

fenomenológica é concebida como um movimento de abertura, de expansão ao que se

mostra, enlaçando o seu entorno, onde a percepção se faz e, portanto, diferentemente

do significado usual do termo, que considera consciência como um recipiente, visto

que, nesta visão, consciência é movimento intencional em direção a...

8 Sentido nesse parágrafo é tomado como um dos cinco sentidos fisiológicos do ser humano, a dizer, olfato, visão, paladar, tato e audição. 9 Atento aqui significa abrir-se ao que se mostra, percebendo suas manifestações em busca de suas compreensões.

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Podemos ainda nos perguntar como a percepção se mantém, visto que é

efêmera, ocorrendo como um estalo que se dá no momento presente, entendida como

uma intuição do que é visto. Uma possível resposta se encontra na concepção de que

percepção é um estalo que pode causar desdobramentos, por meio de atos da

consciência, tais como recordar, imaginar, fantasiar, comparar, raciocinar, analisar,

organizar, articular, expressar, refletir. O ato de refletir, em especial, será explorado

neste trabalho, pois é por meio deste que nos damos conta do que fazemos (BELLO,

2006, p. 31). Este trabalho se atentará ao movimento que o professor realiza ao

debruçar-se sobre a própria compreensão, ou seja, ao efetuar a meta-compreensão,

atualizando sua existência por meio de atos que se atentam ao compreendido, de

modo a refletir sobre os atos efetuados nessa atualização. É um debruçar-se sobre

essa atualização, propiciando aberturas para outras.

Por meio desses atos perceptivos, há possibilidades de nos abrirmos ao sentido

que o visto pode fazer àquele que vê, em um movimento de articulação entre o que já

faz sentido para nós e o significado que está presente no mundo em que vivemos, em

uma compreensão elaborada do que se mostrou na percepção.

Pelo que foi dito, o modo como desdobramos nossa percepção do mundo é

carregado de subjetividade ao apresentar atos da consciência com qualidades

diferenciadas. Essa, no entanto, é uma afirmação perigosa, visto que desconsidera a

intersubjetividade e a objetividade presentes no mundo. É preciso destacar que a

percepção que ocorre, mesmo ocorrendo para alguém, está enraizada em um solo

comum de vivências, de experiências, no qual o modo como a consciência enlaça o seu

entorno se articula.

O sentido que se faz, ainda que carregado de subjetividade, é passível de se

manter. No escopo da intersubjetividade, as convergências entre diferentes sentidos se

destacam. Nessa esfera ocorre um movimento constituinte em que diferentes

experiências subjetivas se encontram, não como uma soma de subjetividades, mas

tecidas por atos de empatia e por atos de comunicação.

A empatia é tomada aqui como o ato em que percebemos, de modo imediato,

que o outro, ser humano, é um ser semelhante a nós mesmos. É sentir o semelhante,

atento a suas possibilidades de ser, de agir, de se mostrar, de se atentar. O outro tem

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modos de ser. Ele não é um ser robótico que segue uma programação pré-estipulada

estabelecida. O outro, assim como nós, é visto como uma totalidade, onde uma série

de articulações se efetua a todo instante, atualizando sua/nossa existência. Assim

sendo, neste trabalho, a atenção à empatia e à dimensão comunicativa é vital para a

busca de compreensão do movimento intersubjetivo.

Em um olhar atento à esfera intersubjetiva, o comum une-se e o diferente

separa-se, em um movimento de compreensão, de modo que invariantes convergentes

podem emergir. Essas convergências, ao manterem certa estrutura, via a dimensão da

linguagem, podem ser consideradas objetivas. A objetividade, assim, é constituída no

movimento subjetividade/intersubjetividade/objetividade.

É importante enfatizar que esse movimento não ocorre em instâncias separadas

e hierarquizadas. Pelo contrário, são dimensões de uma mesma totalidade. Essas

dimensões são entrelaçadas, e estão em movimento constante, não se estagnando, ao

mesmo tempo em que, paradoxalmente, se mantêm. A manutenção da estrutura

objetiva se dá por meio da tradição, não com o significado usual, mas indicando aquilo

que traz. A tradição, em seu modo histórico de ser, é carregada pela linguagem a qual,

ao prolongar-se e manter-se por tempos e culturas diferentes, contribui com a

constituição da objetividade. No movimento de levar adiante interpretações já efetuadas

e explicitadas, abre-se às possibilidades de outras interpretações, adentrando no tempo

histórico.

A tradição e sua condutora, a linguagem, carregam consigo possibilidades de

interpretações e compreensões, de aberturas para o passado histórico e para o futuro

em pro-jetos10, trazendo-os para o presente, desencadeando, assim, ações que podem

constituir novos objetos.

Uma vez constituída essa objetividade, ela pode ser aceita de modo passivo,

sem haver um questionamento sobre ela, de modo que a evidência original11 não está

10 Segundo Bicudo (1999, p.11), pro-jetar é lançar à frente, atualizando-se em ações na temporalidade e na espacialidade mundanas.

11 Evidência original é um termo utilizado por Husserl (1970) indicando uma série de articulações que se amalgamam de modo a expressar um significado que se mantém. Essa emergência de significado não ocorre por meio de um criador, mas em uma conjuntura. Desse modo, não faz sentido falar, por exemplo, em Newton ou Leibniz como criadores do Cálculo, mas em “o cálculo emergente de uma conjuntura, da qual Leibniz e Newton podem ter transcendido de modo a serem disparadores dessa teoria”.

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ativada. Isso pode ocorrer por conta da comunicação de sua estrutura ocorrida

repetidamente, tornando-se um objeto da consciência, constituindo-se em uma

estrutura comum a todos. A linguagem escrita auxilia essa possibilidade, dada a

durabilidade que pode conferir a essa objetividade.

Isso parece acontecer com muita freqüência. Muitas pessoas crêem que o que está escrito é

a verdade’ e que esta ‘verdade’ deve se manter. Teorias são estudadas e transmitidas sem

prestar atenção ao contexto em que se inserem. ‘O Capital’ e ‘Manifesto Comunista’, de Karl

Marx, parecem fazer muito sucesso entre alguns estudantes de Sociologia. Mas como pensar

um modelo proposto para uma organização social no fim do século XIX sem se atentar ao

contexto no qual se insere? O mesmo poderia ser dito da bíblia ou de outros livros de forte

tradição. A escrita transmite informação, mas também pode se prestar à manutenção de

dogmas, bem como, paradoxalmente, à análise e reflexão crítica. (MIARKA, Devaneios, 2007)

Essa evidência original pode ser reativada ao debruçarmo-nos sobre o que se

mostra e refletirmos sobre isso, buscando pelo seu sentido. Isso pode ocorrer, por

exemplo, em uma leitura intencional. Entretanto, essa reativação será sempre

contextualizada, emergindo em um solo experiencial que transporta as produções

sociais, culturais e historicamente constituídas.

Buscaremos, nesta pesquisa, trabalhar com essas reativações, por meio de um

espaço propício para que relações dialéticas ocorram, atentando-nos para a esfera

intersubjetiva, que é a que se mostra devido ao modo como o espaço estará

organizado, a dizer, em uma sala de aula, com alunos discutindo alguns temas

propostos.

1.1.2 De Concepções

Neste item, buscaremos explicitar uma síntese do estudo que efetuamos sobre

alguns significados constituídos histórica e socialmente acerca de alguns modelos

presentes nas Épocas Moderna e Contemporânea.

Utilizaremos, por motivos organizacionais, de modo a facilitar a leitura, uma

estrutura linear, indicando a ressalva de que não consideramos esses modelos, como

Kuhn (1998), de modo paradigmático.

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Kuhn (1998) acredita que a comunidade científica adere a um modelo científico,

defendendo-o, buscando sanar anomalias12 que por ventura venham a ocorrer. Esse

modelo é substituído no momento em que uma anomalia não consegue ser resolvida,

enquanto outra teoria emergente o faz, ocorrendo uma troca paradigmática entre

teorias.

Consideramos, neste trabalho, contrariamente a Kuhn, que essas teorias,

concepções e modelos não são disjuntos. Uma teoria, ao surgir, ocorre por meio de

uma série de articulações já presentes que propiciam esse surgimento e que se

mantém no mundo científico e das crenças, em geral.

Uma imagem de pensamento que me deixa bem clara essa situação são duas mãos com os

dedos abertos em movimento. As mãos se aproximam, ainda vibrando, tocam-se. Os dedos

de ambas as mãos se alternam, se encaixando. Esse enlace faz a vibração diminuir, de modo

a facilitar o fortalecimento do encaixe. Em certo momento, ele se torna tão forte que as

mãos não vibram mais. Os dedos estão alternadamente fixos. Não conseguimos mais

distinguir as mãos sem esforço. Não temos mais duas mãos, mas um novo conjunto, uma

nova articulação, um novo sentido para a posição. O mesmo ocorre com as teorias. Diversos

fatores estão no mundo em vibração. Eles se tocam, se afastam. Contudo, quando a

articulação ocorre, uma nova teoria pode emergir (MIARKA, Devaneios, 2007).

Diferentes modelos se articulam e co-habitam no mesmo espaço. Apesar de,

muitas vezes, serem apresentados com fronteiras fortes, eles se tocam. As pessoas

não seguem modelos rigidamente, mas modelos estão presentes em suas ações.

Iniciaremos nossa apresentação com o modelo galiláico. Galileu (1564-1642)

viveu em uma conjuntura onde a Igreja tinha um grande poder. Deus era considerado o

único criador e controlador do universo. Galileu, contudo, tinha a crença que o ser

humano poderia ao menos conhecer e entender a obra do criador do universo. Esse

universo era considerado objetivo, escrito em linguagem matemática, de modo que

bastava conhecer essa língua para que se pudesse “lê-lo”.

A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas,

12 Anomalias de uma teoria são problemas internos à teoria que ameaçam contradizer alguns de seus preceitos.

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sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras, sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. (GALILEI, 1999, p. 46)

Em nossa interpretação dessa concepção, o universo é objetivo, escrito em

linguagem matemática, de modo que ambigüidades são inexistentes àquele que essa

língua domina. Abria-se, então, uma nova perspectiva, na qual ao homem era possível

conhecer. Compartilhando de tal crença, alguns pensadores começaram a se

questionar sobre a melhor forma de se conhecer. A busca por um método de

conhecimento ocorria.

Um desses pensadores foi Descartes (1596-1650), que desenvolveu um método

de investigação visando garantir uma exatidão no produto gerado, isto é, no

conhecimento assim produzido. A visão subjacente a esse método, que vem a ser

denominado científico ao longo da história, é a de que o pensamento humano é

passível de gerar conhecimento objetivo da natureza. Mais do que isso, cria as fórmulas

para o mundo que rodeia o homem. Assim, por meio de uma busca metódica conduzida

por esse pensamento, todo conhecimento poderia ser alcançado.

Esse método, de formulação simples, indicava que, para conhecer o mundo,

bastava que se seguissem atentamente quatro preceitos que, em suas palavras, são:

O primeiro era não receber nunca coisa alguma como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente ser tal; isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não compreender nada em meus juízos além do que se patenteasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse nenhuma ocasião de o pôr em dúvida. O segundo, dividir cada uma das dificuldades que eu houvesse de examinar em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para resolvê-las melhor. O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir pouco e pouco como por degraus até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não precedem naturalmente uns aos outros. E o último, fazer por toda parte enumerações tão completas e revistas tão gerais, que eu ficasse certo de nada omitir. (DESCARTES, 1989, p. 29-30)

Em seu modelo, Descartes entendia sujeito e objeto como entidades separadas,

as quais chamava de res extensa e res cogitans, coisa pensada e coisa pensante.

Nesse modelo, o homem é visto como um observador de um mundo a ele externo que

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o rodeia. O corpo e sua percepção não são levados em conta e só é admitido como

conhecimento as idéias claras e distintas.

À medida que avança o desenvolvimento do pensamento da Ciência Moderna do

Mundo Ocidental, o conhecimento objetivo, cientificamente aceito, passou a se pautar

na quantificação. Esse foco no que é quantificável, no que é passível de medição, dá

suporte ao desenvolvimento de uma concepção mecanicista e cronológica de tempo, o

qual é concebido independentemente do espaço, como uma sucessão de “agoras”

pontuais, à moda de um relógio, com intervalos de tempo equivalentes, cuja plenitude

conceitual se deu com Galileu ao matematizar a natureza, conferindo a ela um

tratamento geométrico, e ao tempo, concebido como duração de movimento, um

tratamento mensurável (BICUDO, 2003a, p. 26).

Newton (1643-1727) consolida essa concepção, utilizando-a ao estabelecer os

fundamentos da Física Clássica, agora não mais apenas conhecendo o mundo à sua

volta, mas buscando a sua previsão, por meio da equacionalização dos fenômenos da

natureza.

Essa procura parecia bastante promissora, pois, em um mundo objetivo

equacionável, conhecendo-se a equação que rege um fenômeno, poderíamos prever e

manipular o que ocorreria em um instante qualquer em determinado local, concebendo

o mundo de modo determinista e privilegiando as relações lineares causais. Esse é um

período de certezas, onde a Matemática é considerada a “Rainha das Ciências”.

Assim, na Física Clássica, uma matriz tempo versus espaço é construída, onde

cada uma dessas entidades é independente da outra, de modo que a história se torna

prisioneira de um tempo linear e constantemente progressivo. História, com esse

significado, pode ser definida como “[...] os acontecimentos situados nessa matriz, na

qual o tempo discorre linearmente em termos de passado, presente e futuro, sendo

contada em termos de foi, é, será, de modo que nessa matriz situam-se homens,

acontecimentos e objetos físicos, que povoam o espaço, percorrendo o tempo”

(BICUDO, 2003a, p.11).

O tempo, como considerado na Física Clássica, é o cronológico, ou seja, aquele

concebido como ocorrendo com intervalos regulares. Poincaré (1854-1912), em “O

Valor da Ciência” (1995), discorre sobre como esse tempo se mostra e de que modo ele

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pode ser medido, apontando que essa medição é sempre feita por comparação a

referenciais. Em seguida, ele discute a possibilidade de um tempo psicológico, ou seja,

um tempo que envolva as características qualitativas de quem o vivencia. Essa é uma

abertura importante, pois já indica uma visão na qual não se separa tempo de espaço e

que leva em conta as qualidades não-quantificáveis presentes em um fenômeno.

A conjuntura em que Poincaré vivia revela um período de incertezas. O

cartesianismo mostrava suas limitações ao mesmo tempo em que estava cristalizado

nas visões de mundo do homem. Novas teorias começam a ser discutidas, dentre elas,

a Teoria da Relatividade, a Física Quântica e o Princípio da Incerteza.

A Teoria da Relatividade, desenvolvida por Einstein (1879-1955), quebra a idéia

de independência de tempo e espaço, fortalecendo o conceito de espaço-tempo. Por

isso, movimento e duração de movimento dependem de um referencial escolhido, de

modo que, por exemplo, eventos ocorridos simultaneamente de acordo com um

referencial, podem não o ser em relação a outro referencial.

Ao se estudar a escala subatômica, a Física Quântica foi desenvolvida. No

movimento de elementos presentes nos átomos, chegou-se à conclusão de que esse

movimento não era passível de ser equacionado, pois velocidade e massa, nesses

casos, eram grandezas impossíveis de serem mutuamente conhecidas. A posição

desses elementos deixava de ser conhecida por meio de equações, e passava a ser

estimada por meio de probabilidades.

O Princípio da Incerteza, desenvolvido por Heisenberg (1999), se sustenta sobre

essa concepção de mundo fundamentado em probabilidades. As certezas caem. A

concepção de causalidade linear se enfraquece. O mundo é visto como uma articulação

em forma de rede. Uma das teorias importantes que emergiram dessa concepção é a

Teoria do Caos. Essa teoria afirma que, em certos fenômenos, não é possível prever as

conseqüências segundo uma lógica linear a partir de um grupo de causas, porém há a

possibilidade de utilizar-se da probabilidade de ocorrências, considerando que as

pequenas variações nas condições iniciais do fenômeno podem ter grandes

conseqüências no sistema estudado. Indica também que esses fenômenos têm a

tendência de auto-organização, ou seja, uma organização espontânea que converge

para certos padrões.

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A articulação dessas teorias fortalece a concepção de espaço-tempo assumida

na Física Contemporânea. Nessa concepção, “tempo e espaço variam de acordo com o

sistema escolhido. O tempo não é visto como tendo um fluxo único, mas difere

conforme a velocidade do sistema tomado como referência. Nessa concepção, espaço

não é independente dos objetos e tempo não se separa do espaço” (BICUDO, 2003a,

p.29).

Diferentemente da Física Clássica, na concepção da Física Contemporânea,

essas grandezas não podem ser concebidas separadamente, mas vistas como uma

totalidade:

[...] espaço/tempo/seres humanos/objetos formam uma totalidade. O ver tem isso como fundo. Totalidade que é dinâmica e que é vista por perfis, dependendo da posição de quem olha e do sistema em que está posicionado. Porém, aquele que vê também é parte dessa totalidade, e, com isso, todos juntos constituem e constroem a trama. Imbricam-se sujeito, tempo, espaço. (BICUDO, 2003a, p. 12)

Essas mudanças de concepções não se restringiram à Filosofia ou à Física. Um

período de incertezas se mostrou em diversas áreas. Discussões como “o que é

ciência” e “o que é verdade” foram desencadeadas.

Uma das discussões sobre ciência é encontrada no trabalho de Lakatos (1922-

1974). Em “Ciência e Pseudociência” (LAKATOS, 1978), este autor debate sobre as

possibilidades dessa demarcação, por meio da discussão sobre modos de definir

ciência elaborados por outros pensadores.

Ele considera que houve um tempo em que uma teoria, para ser considerada

científica, necessitava estar embasada por fatos. Contudo, isso foi refutado devido à

conjuntura que se estabeleceu no século XX, onde a linearidade de causa-efeito não

mais se verificava, ao constatar-se que os fenômenos da natureza não eram causados

por fatores finitos. Mesmo assim, alguns adeptos de teorias científicas insistiam em

afirmar que estas deveriam ser comprovadas por fatos.

Como definir o que é ciência, considerando que, qualquer que seja a teoria

científica assumida, ela não poderá lidar com um número infinito de fatores? Várias

respostas foram dadas. No século XX, os lógicos indutivos procuraram definir ciência

indicando as probabilidades de diferentes teorias relativas à totalidade dos elementos

probatórios. Se a probabilidade matemática de uma teoria fosse elevada, esta seria

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considerada científica; se fosse baixa ou mesmo nula, a teoria não seria científica.

Assim, o traço distintivo da honestidade científica seria jamais enunciar algo que não

fosse pelo menos altamente provável (LAKATOS, 1978). Segundo essa concepção,

teorias não seguiriam a dicotomia ciência/pseudociência, mas se encontrariam em uma

escala de contrastes que indicaria quais teorias teriam a probabilidade de serem mais

ou menos científicas que outras.

Em 1934, Karl Popper elaborou uma crítica à lógica indutiva, argumentando que

a probabilidade de qualquer teoria, independente da quantidade de elementos

probatórios, é zero, de modo que nenhuma teoria poderia ser comprovável por este

método. Assim, indicou outro critério para avaliar a cientificidade de uma teoria, que

chamou de falsificacionismo. No falsificacionismo, uma teoria, independentemente da

comprovação de fatos, é considerada científica desde que esteja ciente de que existem

experiências cruciais que possam invalidá-la, ou seja, deve estar preparada para

condições observáveis que possam refutá-la. Contudo, utilizando esse critério, não há

como fazer uma distinção entre ciência e pseudociência, mas sim uma distinção entre

método científico e não científico (LAKATOS, 1978).

Além disso, um cientista dificilmente irá aceitar a refutação da teoria em que

acredita. Pelo contrário, ao surgirem anomalias em uma teoria, o esforço que ocorre é

no sentido de sanar essa anomalia, e não de encontrar outra teoria que a substitua.

Assim, Lakatos (1978) considera que o falsificacionismo popperiano também se mostra

insatisfatório.

Thomas Kuhn (1922-1996), por sua vez, acredita que a mudança de adesão de

uma doutrina científica a outra ocorre de modo irracional, quando uma anomalia de uma

teoria se mostra forte o suficiente para enfraquecê-la, de modo que uma teoria paralela

possa fortalecer-se e substituir a primeira, o que chama de Revolução Científica.

Lakatos (1978) discorda dessa posição, por considerar que a teoria kuhniana

sobre revoluções científicas não demarca explicitamente a diferença entre ciência e

pseudociência, não faz distinção entre progresso científico e decadência intelectual e

não tem um padrão objetivo de honestidade.

Esse autor prefere chamar as teorias científicas de programas de investigação,

por serem fruto de uma série de conjecturas e refutações. A característica comum entre

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esses programas é que todos buscam predizer fatos novos. Esses programas poderiam

ser progressivos ou degenerativos. Os programas progressivos são aqueles em que

novos fatos são facilmente preditos. Nos programas degenerativos, contudo, as teorias

são fabricadas meramente para enquadrar fatos conhecidos. Além disso, esses

programas, contrariamente à concepção popperiana, não surgem como teorias

fechadas, considerando que têm um período de amadurecimento, de modo que podem

levar algum tempo para se tornarem progressivos.

Esse autor chama a atenção para a importância da discussão a respeito do que

é ou não considerado ciência. Esse debate permeia nossa civilização, ou seja, a cultura

do mundo ocidental. É por conta dele que a teoria de Copérnico foi considerada

pseudocientífica de 1612 a 1820, que há grande polêmica sobre a validade das

experiências com crianças gêmeas efetuadas pelo médico nazista Mengele durante a

Segunda Guerra Mundial e que pesquisas com células-tronco estão sob suspeita. É um

debate que contempla diferentes dimensões, dentre elas, a política, a social e a ética,

com modos de conceber verdade que direcionam essa discussão.

A concepção de verdade prevalente no cartesianismo é a de uma verdade

absoluta e neutra, pronta para ser descoberta e seguida pela sociedade. A verdade de

um fato é, então, concebida como uma descrição objetiva que, se efetuada de modo

atento, é passível de ser compartilhada por todos que queiram compreender o

fenômeno. Essa é uma perspectiva positivista, onde sentido nada tem a ver com

verdade. Isso é coerente com esse modelo, pois, afinal, a verdade era considerada

universal, ditada por Deus, cuja compreensão era por nós, seres humanos, buscada

(PIETTRE, 2005).

Com o advento da Teoria da Relatividade, da Física Quântica e do Princípio da

Incerteza, essa concepção de verdade é questionada. O ser humano participa da

construção do conhecimento, que abrange concepções de verdade diferentes daquelas

cartesianas de realidade, inclusive naquele que manifesta uma verdade. Verdade deixa

de ser a verdade e passa a ser uma verdade, considerada como sentido e como

evidência, ou seja, como emergente das articulações que um indivíduo elabora entre

suas crenças, o significado que no mundo se mostra e suas próprias experiências,

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agora articuladas em torno do sentido que para ele fazem no mundo, ao estar com os

outros.

Além disso, essas teorias da Física fortalecem uma concepção de mundo

interconectado, no qual as relações causais lineares passam a ser postas em dúvida.

Essa nova concepção, chamada de sistêmica, pode ser expressa do seguinte modo:

A partir das mudanças revolucionárias em nossos conceitos de realidade, ocasionadas pela Física Moderna, uma nova e consistente visão de mundo começa a surgir. [...] Em contraste com a concepção mecanicista cartesiana, a visão de mundo que está surgindo a partir da Física Moderna pode caracterizar-se por palavras como orgânica, holística e ecológica. Pode ser também denominada visão sistêmica, no sentido da teoria geral dos sistemas. O universo deixa de ser visto como uma máquina, composta de uma infinidade de objetos, para ser descrito como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico. (CAPRA, 1982, p.72)

Desse modo, ao invés de linha, rede é uma metáfora possível de ser utilizada

para essa nova organização que se mostra nesse modelo. Uma visão sistêmica de

mundo emerge, articulando-se de modo a estruturar-se em concepção. Capra descreve

bem essa concepção:

A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de unidades menores. Em vez de se concentrar nos elementos ou substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. Os exemplos de sistemas são abundantes na natureza. Todo e qualquer organismo — desde a menor bactéria até os seres humanos, passando pela imensa variedade de plantas e animais — é uma totalidade integrada e, portanto, um sistema vivo. As células são sistemas vivos, assim como os vários tecidos e órgãos do corpo, sendo o cérebro humano o exemplo mais complexo. Mas os sistemas não estão limitados a organismos individuais e suas partes. Os mesmos aspectos de totalidade são exibidos por sistemas sociais — como o formigueiro, a colméia ou uma família humana — e por ecossistemas que consistem numa variedade de organismos e matéria inanimada em interação mútua. O que se preserva numa região selvagem não são árvores ou organismos individuais, mas a teia complexa de relações entre eles.Todos esses sistemas naturais são totalidades cujas estruturas específicas resultam das interações e interdependência de suas partes. [...] As propriedades sistêmicas são destruídas quando um sistema é dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados. Embora possamos discernir partes individuais em qualquer sistema, a natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes. (CAPRA, 1982, p.260)

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Diferentes áreas do saber, pautadas no cartesianismo, começam a ser

questionadas e mudanças são antevistas. Exemplos de tais áreas são a Medicina, a

Economia e a Educação.

Na Ciência Biomédica, fortemente fundada no cartesianismo, a ciência limitou-se

a compreender os mecanismos biológicos envolvidos em alguma doença ou avaria do

corpo pensando neste por partes. Não se pensava no corpo como uma totalidade, mas

como uma “costura” de partes isoladas.

Esses mecanismos são estudados do ponto de vista da biologia celular e molecular, deixando de fora todas as influências de circunstâncias não-biológicas sobre os processos biológicos. Em meio à enorme rede de fenômenos que influenciam a saúde, a abordagem biomédica estuda apenas alguns aspectos fisiológicos. O conhecimento desses aspectos é, evidentemente, muito útil, mas eles representam apenas uma pequena parte da história. A prática médica, baseada em tão limitada abordagem, não é muito eficaz na promoção e manutenção da boa saúde. De fato, essa prática, hoje em dia, causa freqüentemente mais sofrimento e doença, segundo alguns críticos, do que cura. (CAPRA, 1982, p.132)

A Economia, fundamentada em uma visão cartesiana já foi necessária. Contudo,

concordo com Capra quando este põe em dúvida sua validade nos dias atuais:

A abordagem competitiva e auto-afirmativa da atividade econômica é parte do legado do individualismo atomístico de John Locke; na América, ela era vital para o pequeno grupo dos primeiros colonos e exploradores, mas agora se tornou prejudicial, incapaz de lidar com a intricada teia de relações sociais e ecológicas característica das economias industriais maduras. O credo predominante no governo e nos negócios ainda é que o bem comum será maximizado se todos os indivíduos, grupos e instituições maximizarem sua própria riqueza material — o que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos. O todo é identificado com a soma de suas partes, e ignora-se o fato de que ele pode ser mais ou menos do que essa soma, dependendo da interferência mútua entre as partes. As conseqüências dessa falácia reducionista estão se tornando agora dolorosamente perceptíveis, na medida em que as forças econômicas cada vez mais se entrechocam, dilaceram o tecido social e arruínam o meio ambiente natural. (CAPRA, 1982, p. 205)

Em uma concepção sistêmica de Educação, as disciplinas, estabelecidas

anteriormente com fortes fronteiras entre si, se abrem ao diálogo, entrelaçando-se,

assumindo a rede de articulações mundanas. O contexto histórico e social em que o

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aluno está inserido é levado em conta. Conceitos como interdisciplinaridade e

transdisciplinaridade se fortalecem.

A interdisciplinaridade é um movimento no qual as disciplinas se abrem à

possibilidade de diálogo ao redor de temáticas, ainda que mantenham suas fronteiras

bem demarcadas. Entretanto, quando essas fronteiras perdem sua importância, com os

assuntos estudados não sendo mais discutidos a partir de disciplinas, mas permeando-

as, indo além delas, a transdisciplinaridade está sendo efetuada (BICUDO, 2006).

Sobre a fundamentação teórica que subjaz a transdiciplinaridade, assim como

sobre a importância de considerá-la no panorama educacional, D’Ambrosio argumenta:

A fundamentação teórica que serve de base à transdisciplinaridade repousa sobre o exame, na íntegra, do processo de geração, organização intelectual, organização social e difusão do conhecimento. Esse exame depende de uma crítica que emerge, inevitavelmente, da nossa tradição disciplinar. Nesse contexto, poder-se-ia dizer que o projeto transdisciplinar é intra e interdisciplinar, abarcando o que constitui o domínio das Ciências da Cognição, da Epistemologia, da História, da Sociologia, da Transmissão do Conhecimento e da Educação. Somente com a visão do processo cíclico de geração, organização sócio-intelectual e difusão do conhecimento e da dinâmica associada, é que podemos nos situar num contexto mais amplo. Podemos transcender nossa existência, avaliando nossa dimensão como indivíduos na realidade cósmica. Não há, na descrição do conhecimento - tanto o individual quanto o dos grupos e da humanidade como um todo -, um começo, delineado e preciso, nem um fim. E tudo parte de um processo em que o passado e o futuro se encontram para determinar o instante. (D’AMBROSIO, 1997, p. 15, grifos do autor)

É importante clarificar que não é o caso de abandonarem-se as disciplinas,

desprezando-se o conhecimento produzido nelas, mas atentar-nos à complexidade que

se mostra na rede mundana. A complexidade na Educação é estudada por Morin, que

aponta sua importância:

Torna-se necessário tomar consciência deste aspecto que é o menos esclarecido na história oficial das ciências. As disciplinas são plenamente justificadas intelectualmente sob a condição de constituírem um campo de visão que reconheça e conceba a existência de ligações de solidariedade. Mais ainda, só são plenamente justificadas se não ocultarem realidades globais. Por exemplo, a noção de homem se encontra fragmentada entre diferentes disciplinas biológicas e em todas as disciplinas das Ciências Humanas: o psiquismo é estudado de um lado, o cérebro de outro, o organismo alhures, assim como os genes e a cultura. Trata-se, efetivamente, de aspectos múltiplos de uma realidade

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complexa, que só adquirem sentido se forem religados a esta realidade em vez de ignorá-la. Não se pode certamente criar uma ciência unitária do homem, pois ela dissolveria a multiplicidade complexa do que é o humano. O importante é não esquecer que o homem existe e que não é uma ilusão "ingênua" de humanistas pré-científicos, o que poderia conduzir a um grande absurdo (MORIN, 2002, p.46).

Uma proposta de ensino em que os conceitos de complexidade e de

transdisciplinaridade são levados em consideração é a da utilização de um currículo

dinâmico, que seja baseado em três pilares, a dizer, sensibilização, como elemento

motivador para o momento educacional; suporte, que propicia os instrumentos

necessários ao trabalho educacional; e socialização, que corresponde à prática de uma

ação a resultar em um fato, objeto ou aprendizado (D’AMBROSIO, 1997, p.74).

D’Ambrosio aponta ainda modos como esses pilares articulam-se, assim como

sua importância na escola.

A sensibilização se faz através das circunstâncias envolvendo a prática educativa, mediante a análise crítica do que possa despertar interesse e motivação. Essa etapa abre caminho para trabalhos e tarefas em grupo. O trabalho individual, desvinculado de uma ação social, não tem lugar na escola. De modo efetivo, a escola é, coerentemente com a definição de Educação que endosso, a oportunidade de se aprender a agir em comum, socializando conhecimentos e habilidades com um objetivo do grupo, para o que cada indivíduo contribuirá com o que tem a oferecer. As atividades de suporte são aquelas que mais se assemelham aos conteúdos tradicionais, no sentido de se aprender os instrumentos importantes para concretizar a ação comum (D’AMBROSIO, 1997, p.74).

Estudados alguns significados das concepções presentes na época moderna e

contemporânea, pro-jetamos um trabalho de campo, cujos procedimentos serão

explicitados no item a seguir.

1.2 Do Trabalho de Campo

Assumindo a Fenomenologia como um modo de ver o mundo, como uma atitude,

de ser e estar no mundo com os outros, um trabalho de campo mostrou-se como

possibilidade de ver modos pelos quais professores articulam concepções de mundo e

de conhecimento e concepções de ensino.

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Uma pergunta surgiu: “Com quem trabalhar?”. Certamente com pessoas

envolvidas com Educação, seja por estarem em posição de formar/ensinar, seja por

estarem em formação. Onde encontrá-las? A gama de possibilidades evidenciou-se

grande: em escolas da rede oficial de ensino, na própria UNESP etc.

Por fim, decidimo-nos por buscar professores em exercício da profissão de modo

que pudessem se debruçar sobre a própria prática docente, procurando as articulações

destas com os significados das concepções de mundo e de conhecimento abordadas.

Visando estabelecer um espaço de discussões para esses professores de

Matemática, um curso de extensão com 32 horas de duração foi elaborado. O curso

girava em torno de textos recortados de trabalhos de autores que explicitam

concepções de mundo e de conhecimento, relacionados aos autores citados no

Capítulo 1.1.2, com o objetivo de dispararem discussões. Sempre que possível,

priorizamos em nossa seleção textos de autores significativos às concepções

trabalhadas. Por exemplo, um texto de Descartes foi utilizado para disparar uma

discussão sobre o cartesianismo.

Os textos foram organizados tendo como pano de fundo as noções de espaço,

tempo e espaço-tempo em uma seqüência que partisse de concepções que prezavam

uma visão de mundo objetiva, com textos de Descartes e Galileu, passando por um

momento de instabilidade, com o advento da Teoria da Relatividade e da Física

Quântica, para um momento de nova articulação, onde verdade deixa de ser absoluta,

e passa a ser entendida como sentido. Por conta desse movimento, o curso teve como

título “Concepções de Mundo e de Conhecimento: a virada”.

Como objetivos do curso, podemos destacar:

- Discutir e analisar concepções que subjazem visões de mundo e

conhecimento;

- Discutir e analisar as possibilidades do ensino e da aprendizagem

ocorrerem segundo uma postura transdisciplinar;

- Discutir e analisar algumas concepções surgidas ao longo da história

que subjazem os seguintes temas: espaço, tempo, espaço-tempo,

falibilidade da ciência, relação parte-todo, separação sujeito-objeto,

causalidade linear, concepção de verdade (exatidão e objetividade) e

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verdade como sentido, transdisciplinaridade e totalidade sujeito-

mundo-objeto;

- Discutir as concepções de mundo e de conhecimento dos professores

e a relação destas com sua prática docente.

Entendíamos que a importância deste curso para os professores se mostrava na

possibilidade de questionar diferentes concepções de mundo e de ciência.

As aulas foram divididas por eixos temáticos. Cada aula foi organizada em torno

de um assunto definido a ser discutido, disparado por meio do recorte de um texto pré-

selecionado. A seguir apresento a organização do curso, dividido em encontros

temáticos de 2 horas, totalizando 16 encontros.

1º ENCONTRO

Apresentação do curso e dos integrantes.

Realidade compreendida pela soma de suas partes e realidade compreendida pela

totalidade

Atividade: Assistir ao filme “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, e debater as questões

apontadas.

ILHA das flores. Direção: Jorge Furtado. Porto Alegre: Casa de Cinema Poá, 1989. (13

min) DVD.

2º ENCONTRO

Concepção galileana: rigor neutralidade e objetividade matemática para descrever

fenômenos da natureza/ Estruturação cartesiana de mundo e de conhecimento:

relação parte/todo, todo entendido como somatória das partes e conhecimento

visto como produzido mediante separação de sujeito e objeto.

Atividade: discussão de textos de

GALILEU, G. O Ensaiador. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores).

DESCARTES, R. Discurso do método. Trad. Elza Moreira Marcelina. São Paulo: Ática,

1989.

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3º ENCONTRO

Concepções de Tempo e Espaço: abordagem cartesiana e abordagem de

Poincaré.

Atividade: discussão de textos de

POINCARÉ, H. O Valor da Ciência. Rio de janeiro: Contraponto, 1984.

4º ENCONTRO

Modelo cartesiano é questionado

Atividade: discussão de textos presentes em

OMNÉS, R. Filosofia da Ciência Contemporânea. São Paulo: Ed. da UNESP, 1996.

5º ENCONTRO

A máquina de Newton e a Teoria da Relatividade

Atividade: discussão de textos de

ANASTACIO, M. Q. A. Três ensaios numa articulação sobre a racionalidade, o corpo e

a educação na Matemática. 1999. 146 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de

Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.

HEISENBERG, W. Física e filosofia. 4. ed. Brasília: UNB, 1999.

6º ENCONTRO

Concepções de Espaço-Tempo: Abordagem advinda com a Teoria da relatividade

Atividade: discussão de textos de

HEISENBERG, W. Física e filosofia. 4 ed., Brasília: UNB, 1999.

BICUDO, M. A. V. Tempo, Tempo Vivido e História. Bauru: EDUSC, 2003a.

7º ENCONTRO

A questão da falibilidade da lógica

Atividade: discussão de textos de

LAKATOS, I. História da Ciência e suas Reconstruções Racionais e Outros Ensaios.

Lisboa: Edições 70, 1978.

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8º ENCONTRO

Concepção de verdade: exatidão e objetividade

FOUCAULT, M. A Verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Ed., 1999.

9º ENCONTRO

Concepção de verdade: verdade como sentido

PIETTRE, B. Vérité et Sens. Revista Pesquisa Qualitativa. São Paulo: v.1, n.1, p.27-72,

2005.

10º ENCONTRO

Relações entre Matemática, Física e Artes

Atividade: discussão de textos presentes em

OSTROWER, F. Universos da Arte. 16 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1983.

11º ENCONTRO

Entrelaçamento do mundo: consciência da existência do todo

Atividade: Assistir ao filme “O Ponto de Mutação”, de Bernt Capra.

O PONTO de mutação. Direção: Bernt Capra. Estados Unidos: Ocean Films, 1990. (106

min) VHS.

12º ENCONTRO

Entrelaçamento do mundo: consciência da existência do todo.

Atividades: debater sobre as idéias marcantes do filme assistido no encontro anterior.

Discussão de textos de

CAPRA, F. O Ponto de Mutação. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 1982.

13º ENCONTRO

A questão da Complexidade e sugestão de ensino.

Atividade: assistir à conferência de Edgard Morin “Educação na Era Planetária”.

EDUCAÇÃO na era planetária. Conferência de Edgar Morin. São Paulo: TV Cultura,

2006.

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14º ENCONTRO

A questão da Complexidade e sugestão de ensino

Atividades: debater sobre as questões apontadas na da conferência assistida no

encontro anterior.

Discussão de alguns trechos transcritos da conferência de Morin e de textos de

MORIN, E. Educação e Complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo:

Cortez, 2002.

15º ENCONTRO

Educação transdisciplinar

Atividade: discussão de textos de

D´AMBROSIO, U. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997.

BICUDO, M.A.V. A Pesquisa Interdisciplinar: uma possibilidade de construção do

Trabalho Científico/acadêmico. Revista Ensaio, 2006. (no prelo)

16º ENCONTRO

Entrelaçamento dos temas abordados no curso

Atividade: discussão envolvendo todos os temas estudados ao longo do curso.

A princípio, o curso estava previsto para ser realizado em uma escola pública

com professores do Ensino Médio. Visitamos algumas escolas, mas certas dificuldades

se mostraram, tais como a falta de interesse por cursos teóricos de Extensão

Universitária, já que a carga horária semanal de trabalho dos professores era alta,

impossibilitando-os de investir tempo com esses cursos. Em uma das escolas, a

coordenadora explicou que alguns professores estavam realizando um curso de

formação oferecido pela rede estadual de ensino, de modo que não haveria

possibilidade de participarem de outros cursos.

Divulgamos o curso para pessoas que trabalhassem com Educação Matemática.

A Universidade Regional da Blumenau (FURB) demonstrou interesse pela realização do

curso para alguns de seus alunos e, por intermédio de uma professora daquela

universidade, os preparativos foram acertados.

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É importante salientar que tomamos a decisão de não realizar o curso com

alunos da Universidade Estadual Paulista (UNESP), visto que eu, que ministraria as

aulas, conheço e tenho vínculos com a maioria dos possíveis alunos, de modo que tal

proximidade poderia dificultar a detecção da movimentação dos modos como

compreendiam suas concepções, assim como a articulação com sua prática docente,

bem como a elaboração das respectivas análises.

Desse modo, o curso foi realizado em Blumenau, com seis integrantes, todos

licenciandos em Matemática, dos quais apenas uma aluna ainda não havia tido

experiência em sala de aula. Como duas alunas, na segunda semana do curso,

necessitaram de um horário diferenciado para a discussão dos textos por motivos

profissionais, não participando das discussões com o grupo todo, apenas analisaremos

os dados coletados dos quatro alunos que participaram de todas as discussões. O

nome dos alunos foi mantido em sigilo e utilizamos um pseudônimo, escolhido por eles

mesmos, a dizer, André, Ana, Mainah e Sophia. Todos assinaram uma carta de

concessão de dados para sua utilização para fins acadêmicos13.

O Curso de Extensão foi condensado em oito dias, com quatro horas diárias de

aulas, no período de 5 a 15 de fevereiro de 2007. Contudo, da maneira pela qual o

curso foi organizado, cada tema era discutido geralmente em 2 horas, de modo que me

referirei a encontros temáticos diferentes, mesmo que ocorridos no mesmo dia. Por

exemplo, em um mesmo dia, foi discutido a Teoria da Relatividade e uma concepção de

espaço-tempo, onde a primeira discussão foi considerada como Encontro 05 e a

segunda, Encontro 06.

Na dinâmica utilizada em sala de aula, cada encontro se iniciava com uma

discussão sobre a contextualização do recorte a ser discutido, já previamente lido pelos

alunos-professores, em que discutíamos um pouco sobre a vida do autor e o momento

histórico em que o texto havia sido escrito. Em seguida iniciávamos um debate acerca

do tema focalizado na aula. Ao fim de uma hora e meia, pedia aos alunos-professores14

que escrevessem uma síntese sobre o tema discutido, explicitando o sentido que este

fazia para eles.

13 Uma cópia da carta de concessão de dados está em anexo. 14 Por vezes chamo os alunos professores apenas de alunos.

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No último encontro, houve uma discussão livre de temas apenas entre os alunos,

da qual eu, como professor, não opinava, de acordo com o combinado anteriormente

com a classe.

Findo os dezesseis encontros, entrevistei os alunos, fazendo apenas uma

pergunta orientadora: “que sentido o curso fez para você?”, deixando-os falar

livremente, gravando as suas respostas.

Além disso, solicitei um ensaio final, a ser entregue após 20 dias, por e-mail.

Dessa forma, considero como dados coletados:

- Sínteses individuais escritas ao fim da discussão de cada tema;

- Discussão do 16º encontro gravada em áudio;

- Entrevista individual gravada em áudio;

- Ensaio individual final.

Priorizamos na análise dessa pesquisa os “Ensaios Individuais Finais”, devido ao

tempo disponibilizado aos alunos para uma possível reflexão, situando-os em uma

região de subjetividade do sujeito, podendo ser indicadores de significados constituídos

intersubjetivamente em nosso espaço de discussões, assim como mostrar o sentido

que o curso fez aos alunos.

Apesar de não analisarmos profundamente os outros grupos de dados coletados,

deles lançamos mão para compreender melhor o que se mostrava nos Ensaios Finais.

Além disso, deixamos esses dados em um CD em anexo, de modo que possam ser

utilizados em uma pesquisa posterior. Antevemos algumas de suas possibilidades, de

acordo com o que se mostrou em nosso contato com esses dados.

As sínteses individuais e a discussão final entre os alunos constituem uma região

de intersubjetividade. As sínteses, apesar de individuais, possuem essa característica,

pois foram escritas logo após o término dos encontros, de modo que as discussões

ocorridas em sala ainda estavam muito presentes nos argumentos dos alunos.

A discussão final, por sua vez, pode ser vista como uma relação dialógica, onde

a dimensão comunicativa e a empatia eram vitais para que os alunos compreendessem

o outro e se fizessem compreender pelo outro, destacando convergências de

significados, onde a comunicação ocorria. Assim, estes dois grupos de dados

contribuem como indicadores do significado do curso.

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Aqui cabe uma explicitação do que em Fenomenologia é chamado de significado

e de sentido, comumente tomados como sinônimos.

Significado é constituído histórica e socialmente, transmitido e mantido vivo

tradicionalmente por meio da linguagem. Apresenta-se como um núcleo mais duro de

sentidos já vivenciados que, uma vez estabelecidas convergências em nível histórico-

social, se mantém no mundo de modo objetivo. O sentido, por sua vez, se dá nos atos

da consciência que trabalham o percebido na percepção, abarcando, portanto, o fundo

em que esse percebido se evidencia e faz sentido, ou seja, mostra-se em harmonia

com o intencionado e o visto em seu fundo. Brota e se instala na articulação entre o

significado interpretado e a intencionalidade de uma pessoa, de maneira que o sentido

sempre se faz para alguém. Desse modo, um significado pode ser aceito de maneira

consensual histórica e culturalmente, mas fazer um sentido diferente para algumas

pessoas, individualmente.

Engraçado... Isso me lembra uma história. Em toda a minha vida usei a palavra ‘nostalgia’

com o significado de ‘excitação’’’’. Por mais que, conscientemente, eu tente não utilizá-la desse

modo, acabo escorregando. Assim, apesar do significado que essa palavra tem na língua

portuguesa formal, o sentido que faz para mim é diferente. Em uma certa época busquei

pensar sobre o por quê desse uso. Não achava a razão. Até que um dia percebi meu pai

usando nostalgia do mesmo modo que eu. Bingo! Como meu pai é alemão e só foi aprender

português aos 24 anos de idade, pouco antes de eu nascer, existem palavras que ele não

utiliza de modo convencional. Uma delas é ‘nostalgia’ (MIARKA, Devaneios, 2007).

1.3 Da Análise

Realizado o curso, recolhidos os dados, com uma proposta de investigação

clara, eles foram organizados, buscando modos de compreender o fenômeno focado

pela pesquisa, ou seja, compreender como concepções de mundo e de conhecimento e

concepções de ensino se articulam.

É importante destacar que nesse movimento, do qual faço parte, minhas

crenças prévias, meus pré-conceitos, minhas próprias concepções estiveram sob

minha atenção. Caso contrário, a análise desses dados não passaria de uma auto-

análise, uma explicitação de minhas próprias concepções. Busquei mais que isso,

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procurando transcender minha esfera de subjetividade, doando-me à pesquisa,

abrindo-me a ela. Quando isso ocorre, o movimento da epoché15 está se dando e

reduções sucessivas vão sendo elaboradas, constituindo-se, então, a pesquisa com

enfoque fenomenológico.

A epoché é um movimento em que coloco em destaque o tema que intenciono

investigar, deixando em suspensão e sob atenção minhas crenças prévias, meus pré-

conceitos, permanecendo atento para o que se mostra. O esforço é feito na direção de

transcender a barreira de fragilidade e ingenuidade de minhas próprias concepções, em

uma atitude de atenção ao mundo que me cerca. Saliento que não se trata de descartar

minhas concepções, à moda de uma veste não apropriada a uma festa, mas estar

atento ao modo como se tornam presentes na compreensão do fenômeno. Esse

movimento é essencial visto que, como indica Bicudo (1999), “pela redução os atos da

consciência expõem-se, ou seja, toma-se ciência deles de modo que, pela reflexão, um

de seus componentes, são explicitadas as raízes cognitivas das próprias afirmações”.

Cabe lembrar que esse movimento de redução foi efetuado apenas com os

Ensaios Finais.

Como primeiro momento da análise, efetuei diversas leituras dos dados obtidos,

focalizando a explicitação dos significados e sentidos que concepções sobre mundo e

conhecimento fazem para os professores. Ou seja, busquei ficar atento aos modos

pelos quais esses sentidos e significados eram expressos, deixando-me conduzir pelo

movimento de meta-compreensão e pela relação concepção/meta-compreensão/prática

docente. Nesse movimento de interpretação, destaquei trechos que me diziam do

fenômeno investigado.

Esses trechos foram, então, codificados por meio de quatro campos e chamados

de Unidades de Significado, abreviados por US. Esses campos foram codificados da

esquerda para a direita da seguinte maneira16:

1 – No primeiro campo temos uma letra representativa do depoente, de modo

que André será representado por D; Ana, por A; Mainah, por M; e Sophia, por S.

15 Epoché, redução e redução trascendental são termos utilizados por Husserl em diferentes obras e são usualmente tomados como sinônimos. 16 Consideramos nessa codificação todos os grupos de dados, de modo que uma pesquisa posterior que não privilegiasse apenas os Ensaios Finais pudesse utilizar a mesma codificação.

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Número de ordem da US do encontro

Número do encontro

Sujeito

2 – No segundo campo, temos o tipo de dado, representado por um número, a

saber, 1 para Síntese, 2 para Ensaio Final, 3 para Entrevista e 4 para Discussão Final.

3 – No terceiro campo temos o número do encontro, podendo variar de 1 a 16,

no caso das Sínteses, por terem ocorrido ao longo de 16 encontros. No caso dos outros

grupos de dados, por serem grupos únicos, convencionamos a utilização do número 1

nesse campo.

4 – No quarto campo temos a ordem em que a US aparece no texto17 do qual ela

foi extraída.

Entretanto, tanto o número do encontro como o número de ordem da Unidade de

Significado poderiam ser constituídos por dois números, de modo que A1123 poderia

ser o código da 3ª US da Síntese de Ana do Encontro 12 ou da 23ª US da Síntese de

Ana do Encontro 1. Para evitar a ambigüidade do código, separamos o código do

número do encontro e a ordem da US por um ponto.

Assim, para uma correta leitura desse código, basta que se leiam os dois

primeiros campos como campos sempre individuais. O que vier a seguir, antes do

ponto, é o número do encontro. O que vier depois do ponto é a ordem da US.

Além disso, algumas sínteses foram realizadas após dois encontros nos quais foi

discutido o mesmo tema. Nesses casos, utilizamos o número do último encontro

realizado.

Abaixo, segue–se um exemplo: a US A21.4, que codifica o trecho referente à 4ª

US do Ensaio Final de Ana.

Tipo de dado

17 Também consideramos como texto as possíveis transcrições das Entrevistas e da Discussão Final.

A 2 1 4

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É importante salientar que, ao ler essas Unidades de Significado, um

movimento hermenêutico, de interpretação, está sendo efetuado, de modo que as

asserções estabelecidas sobre essas unidades são articuladas pelo próprio

pesquisador, que tem como contra-ponto o texto do depoimento. Buscando explicitar

esse movimento de articulação entre o que é lido e como é lido, interpretado, essas

Unidades de Significado foram, a seguir, incluídas em uma tabela de cinco colunas,

onde a primeira coluna é destinada ao código da US; a segunda coluna, ao trecho

retirado do discurso do sujeito; a terceira coluna, às primeiras interpretações sobre os

vocábulos utilizados pelo sujeito; a quarta coluna, a uma asserção articulada por mim,

como pesquisador, buscando explicitar o significado, e por vezes o sentido, da fala do

sujeito por mim percebido, em uma linguagem inteligível e significativa para mim,

pesquisador; e a quinta coluna, a reflexões do pesquisador sobre Matemática e

Educação Matemática disparadas pelos excertos indicados na segunda coluna18.

Segue um exemplo, retirado do Ensaio Final de Ana:

Código da US

Unidade de Significado

Primeiras Interpretações

Linguagem do Pesquisador

Articulações que o pesquisador faz com

a Matemática

A21.9 [...] não se pode mais analisar situações separando-as por partes.

Situação: combinação ou concorrência de acontecimentos em um dado momento; Conjuntura.

Considera que não é mais aceitável analisar situações separando os fatores que as compõem como se fossem disjuntos.

A Matemática, quando não é vista de modo integrado com outras disciplinas, pode ficar fadada a uma estrutura abstrata.

Em alguns excertos, o símbolo [...], colchetes com três pontos internos, é

utilizado para indicar supressões de textos e o símbolo [ a ], colchetes com um texto

interno, é utilizado para indicar inserções feitas pelo pesquisador relativas a possíveis

textos ocultos, objetivando maior clareza do texto. Os parênteses, quando aparecem,

são provenientes do próprio discurso do depoente.

18 Há diversos casos de US que não possuem preenchimento na quinta coluna. Esse é um indicativo de que o referido excerto não disparou reflexões sobre Matemática ou Educação Matemática.

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Para a interpretação dos vocábulos, foi utilizado o dicionário Houaiss (2001) na

busca pelos significados já estabelecidos tradicionalmente de tais palavras. Os

significados dos vocábulos foram explicitados apenas na primeira vez em que

apareceram. Em seguida, foram tomados como da vez anterior, salvo quando

apresentavam um significado ou sentido próprios, conforme texto e contexto. Isso

ocorria, geralmente, quando o vocábulo expressava um sentido diferente do significado

convencional da palavra, desvelado por meio da atenção ao contexto em que ele se

situava. Nesses casos, utilizamos a abreviação ST em frente à palavra, expressando

que, em nossa interpretação, aquele era o sentido explicitado pelo depoente em seu

texto. Segue um exemplo:

Código da US

Unidade de Significado

Primeiras Interpretações

Linguagem do Pesquisador

Articulações que o pesquisador faz com

a Matemática

D21.2 Não consegui mudar o meu modo de agir e a minha forma de pensar, mas agora sei que há uma maneira menos objetiva, exata e talvez até menos parcial de pensarmos.

Parcial: ST imparcial.

Imparcial: 1. que se abstém de tomar partido ao julgar ou ao constituir-se em julgamento. 2. que julga sem paixão.

Saber: ter consciência de.

Considera que não conseguiu mudar seu modo de agir, nem seu modo de pensar, contudo, afirma que agora tem consciência de uma maneira menos objetiva, menos exata e menos imparcial de pensar.

Um modo menos objetivo, exato e imparcial de pensar pode enfraquecer a Matemática quando esta é vista como ciência platônica e absoluta, contudo, reforça a importância dela como produção de conhecimento contextualizado.

Explicitadas essas interpretações estabelecidas pelo pesquisador, atentei-me

às articulações que se mostravam entre essas Unidades de Significado, de modo a

buscar convergências. Em uma nova redução, convergências das convergências foram

explicitadas.

Nesse movimento de redução, estive atento aos invariantes abrangentes que,

mostrando-se com sentido, foram articulados e nomeados em um discurso inteligível,

constituindo as categorias abertas.

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Nessa perspectiva fenomenológica de conduzir a pesquisa, as categorias são chamadas abertas em contraposição às categorias como concebidas aristotelicamente. Categorias são, segundo Husserl, grandes regiões, não apriorísticas, de generalizações (MARTINS e BICUDO, 1989, p. 80-81).

Essas grandes convergências foram, então, expostas em uma configuração de

rede, a qual chamamos de Rede de Significados, interpretando núcleos de

convergência dos significados19 e, se possível, de sentido.

Assim procedendo, foram enfocados os significados e sentidos que as

concepções sobre mundo e conhecimento abordados no curso fazem para os

professores de Matemática, o modo pelo qual realizam o movimento de meta-

compreensão e como percebem a relação concepção/meta-compreensão/prática

docente.

Essas categorias de convergência foram interpretadas, visando transcender às

manifestações individuais e um trabalho de teorização foi realizado, sintetizando as

interpretações das falas dos depoentes, a literatura estudada e as concepções do

pesquisador, expondo possibilidades de forma/ação continuada do professor de

Matemática.

Forma/ação é escrita dessa forma propositalmente, para enfatizar as partículas

forma e ação. Bicudo (2003b) explicita a razão desse destaque:

Colocando em evidência ‘configuração artística e plástica’, que se dá concomitantemente à imagem, idéia ou tipo normativo, como estando presentes em formação, percebo o jogo de forma/ação. Ação, configuração artística e plástica, formatando a imagem. Realiza a plasticidade, o movimento, a fluidez que atuam na forma. Porém, a direção desse movimento não é caótica, mas delineia-se no solo da cultura de um povo, de onde emerge uma linguagem desejada de homem e de sociedade, e que reflete as concepções de mundo e de conhecimento; solo em que a visão de mundo desse povo finca suas raízes; onde a materialidade necessária para que a forma se realize é encontrada. Matéria já impregnada de forma. (BICUDO, 2003b, p. 29, grifos do autor)

19 Por vezes chamamos essas primeiras convergências apenas de Núcleos de Significado, abreviando-as por NS.

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Refletindo...

Esse modo de encarar formação me alivia. Por muito tempo tive receio do significado dessa

palavra. Formação me lembrava formatar, colocar em fôrmas. Isso ficou mais forte ainda

quando um dia, em uma palestra, escutei um pesquisador em Educação Matemática, o prof

Dr Carlos Roberto Vianna, estabelecer uma articulação entre formação, com o significado

de colocar em fôrmas, a Educação que se apresentava e a música do Pink Floyd ’Another

Brick in the Wall’, em cujo videoclipe mostra a escola como um moedor de crianças. -

realmente, crianças moídas são muito mais fáceis de serem enformadas. Com essa concepção

fenomenológica de forma/ação, o foco deixa de ser a fôrma, e passa a ser o movimento

constante de pensar e repensar a ação, em um movimento de ação-reflexão-ação-

reflexão...(MIARKA, Devaneios, 2007)

Chamarei esse trabalho de teorização de Sínteses de Transição. Síntese, por se

tratar de uma articulação dos aspectos significativos dos grupos de dados analisados e

articulados; e de transição, por se tratar de um movimento de compreensão espaço-

temporal que é sendo. Ela não se estagna, está em devir, quando se pensa que ela é,

já foi, se mantendo como expressão na dissertação, mas mesmo assim, passível de

compreensões em movimento, pois a cada leitura, o texto se articula com o leitor. Uma

leitura não se faz apenas de texto, ou de leitor, mas é um fenômeno, um encontro leitor-

humor-texto-local-tempo-etc, no qual o sentido se faz.

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CAPÍTULO II: DA ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, apresentarei as interpretações das Unidades de Significado

selecionadas dos Ensaios Finais, no movimento de reduções sucessivas, e em seguida,

suas convergências, de modo a situar os invariantes abrangentes do fenômeno

estudado.

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2.1 Análise e Interpretação do Ensaio Final

2.1.1 Ana

Código da US

Unidade de Significado

Primeiras Interpretações

Linguagem do Pesquisador

Articulações que o pesquisador faz com

a Matemática

A21.1 Este curso nos trouxe a possibilidade de conhecer as diversas concepções de mundo que se passaram até os dias atuais

Curso: espaço de discussões organizado sistematicamente com um programa de estudos dirigidos.

Trazer: 1. transportar. 2. dar acesso a. 3. acarretar.

Possibilidade: condição do que é possível de acontecer.

Conhecer: 1. adquirir informações sobre algo. 2. tomar consciência de algo.

Diversas: diferentes.

Concepção: maneira de ver e entender algo estruturada em termos científicos.

Mundo: 1. o que há. 2. onde se vive. 3. contexto em que se está inserido.

Passar: ST fazer-se presente.

Dias atuais: 1. atualidade. 2. presente.

Considera que o curso do qual participou possibilitou-lhe tomar consciência de diferentes concepções de mundo que se fizeram presentes até a atualidade.

Assim como concepções de mundo, há diversas concepções de Matemática, situadas histórico-socialmente.

A21.2 ... de compreender o que acontece atualmente com a educação

Compreender: 1. entender. 2. ter consciência.

Educação: 1. processo

Considera que o curso possibilitou-lhe entender o que acontece atualmente com o processo de

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de educar. 2. desenvolvimento metódico de uma faculdade. 3. região ontológica do saber que estuda os processos de educar. 4. sistema em vigor que visa o ensino e a aprendizagem.

educar.

A21.3 [Este curso] nos deu a oportunidade de refletir a respeito de novas possibilidades pedagógicas

Oportunidade: circunstância favorável para que algo se realize.

Refletir: 1. pensar demoradamente. 2. desdobrar pensamentos. 3. Voltar sobre o efetuado, apresentando-o como fato.

Pedagógica: relativo à pedagogia, comumente vista como modos de ensinar.

Considera que o curso possibilitou-lhe refletir sobre novos modos de ensinar.

Há diferentes modos de ensinar Matemática e nestes modos estão imbricadas as concepções que se articularam para emergir suas evidências originais.

A21.4 [...] a educação está sendo realizada através de um somatório de partes

Através: por meio de.

Somatório: 1. reunião. 2. soma.

Parte: qualquer porção do todo.

Considera que o ato de educar está sendo realizado por meio do somatório das partes que formam um todo.

A Matemática participa dessa educação fragmentada, ao ser estudada de modo disciplinar, sem se atentar aos modos como se conecta a outras disciplinas e ao mundo em que é e está.

A21.5 [a educação está sendo realizada através de um somatório de partes,] característica do modelo cartesiano

Característica: 1. Propriedade. 2. o que é relativo a algo. 3. o que ajuda a identificar algo.

Modelo: 1. referencial comparativo. 2. coisa ou pessoa que serve de imagem, forma ou padrão a ser imitado, ou como fonte de inspiração

Considera que o modo como a educação está sendo realizada possui características do modelo cartesiano.

Esse modo de ver a Matemática de modo disciplinarizado pode estar enraizado em uma visão cartesiana de mundo.

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Cartesiano: relativo ao método elaborado por Descartes.

A21.6 Tudo é analisado separadamente,

Tudo: todas as coisas.

Analisar: buscar compreender algo olhando-o atentamente.

Considera que todas as coisas são analisadas separadamente.

A21.7 o sujeito é separado do objeto.

Sujeito: 1. pessoa. indivíduo. 2. consciência. 3. em epistemologia, esp. a partir do cartesianismo e do pensamento moderno, o eu pensante, consciência, espírito ou mente enquanto faculdade cognoscente e princípio fundador do conhecimento.

Objeto: qualquer realidade investigada em um ato cognitivo, apreendida pela percepção e/ou pelo pensamento, que está situada em uma dimensão exterior à subjetividade cognoscente.

Considera que a relação entre sujeito e objeto é fragmentada.

A Matemática é muitas vezes vista como um objeto em si e por si. Muitos concebem-na platonicamente, sem considerá-la como produção humana.

A21.8 O universo, hoje, é subjetivo,

Universo: 1. o conjunto de todas as coisas que existem ou que se crê existirem no tempo e no espaço. 2. a totalidade da Terra; o mundo.

Subjetivo: 1. relativo ao sujeito. 2. pessoal. 3. relativo ao sujeito do conhecimento, à consciência humana, à interioridade espiritual que se apodera cognitivamente dos objetos que lhe são externos

Considera que em concepções atuais o universo é visto como algo dependente dos sujeitos que nele vivem.

Existem tendências da Educação que visam resgatar as características qualitativas da Matemática.

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A21.9 [...] não se pode mais analisar situações separando-as por partes.

Situação: combinação ou concorrência de acontecimentos em um dado momento; Conjuntura.

Considera que não é mais aceitável analisar situações separando os fatores que as compõem como se fossem disjuntos.

A Matemática, quando não é vista de modo integrado com outras disciplinas, pode ficar fadada a se fechar na axiomatização e categorização.

A21.10 É preciso analisar o todo, buscar um sentido

Buscar: ter como meta.

Sentido: articulação que se dá entre o significado social e as crenças de um indivíduo.

Considera que é necessário analisar a situação como um todo, tendo como meta o sentido que se faz.

A busca do sentido da Matemática pode ocorrer quando analisamos os modos como ela se articula com o todo do qual participa.

A21.11 Se as concepções de mundo se modificaram, é necessário que a educação também passe por modificações.

Modificar: alterar. Afirma que, como as concepções de mundo se alteraram, é preciso que a educação também se altere.

As concepções de Matemática parecem ser mais resistentes à mudança.

A21.12 A escola é responsável pela formação dos futuros cidadãos

Escola: instituição que lida com o ensino.

Responsável: 1. aquele tem a responsabilidade por. 2. aquele que deve prover.

Formação: tudo que molda o caráter, a personalidade.

Cidadão: indivíduo que, como membro de um Estado, usufrui direitos civis e políticos garantidos pelo mesmo Estado e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são atribuídos.

Considera que a escola tem a função de formar os futuros cidadãos.

A21.13 e estes, deverão ter o domínio do conhecimento em sua totalidade,

Estes: relativo aos futuros cidadãos

Domínio: 1. conhecimento seguro e profundo. 2. controle.

Conhecimento: 1. saber.

Considera que os futuros cidadão deverão ter controle sobre o conhecimento como uma totalidade.

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2. domínio teórico ou prático de um assunto. 3. estado ou condição de compreender.

Totalidade: condição de ser total, inteiro, completo.

A21.14 (deverão ter o domínio do conhecimento em sua totalidade) para que assim, possam compreender o mundo que os cerca

Cercar: 1. estar ao redor. 2. que insere algo.

Considera que os futuros cidadão deverão ter controle sobre o conhecimento como uma totalidade para poder compreender o mundo em que estão inseridos.

Há concepções que vêem a Matemática como uma linguagem universal.

A21.15 [...] tendo a capacidade de aplicar os conhecimentos adquiridos durante toda uma caminhada escolar.

Capacidade: habilidade física ou mental de um indivíduo.

Aplicar: utilizar.

Adquirir: apropriar-se.

Caminhada escolar: trajetória escolar.

Afirma que o aluno deve ter habilidade de utilizar os conhecimentos apropriados durante a trajetória escolar.

Há uma grande discussão sobre a necessidade de a Matemática escolar ser ou não diretamente aplicável ao cotidiano dos alunos.

A21.16 Uma forma seria trabalhar com a interdisciplinaridade e com a transdisciplinaridade, pois, é preciso ir além das disciplinas na tentativa de ampliar o conhecimento para que haja uma maior compreensão dos conteúdos curriculares

Forma: 1. modo; maneira.

Trabalhar: utilizar.

Interdisciplinaridade: modo de estudar um tema, estabelecendo relações entre as disciplinas que o permeiam respeitando as fronteiras de cada disciplina.

Transdisciplinaridade: modo de estudar um tema, utilizando-se das disciplinas que o permeiam, não considerando suas fronteiras.

Ir além: transcender.

Ampliar: 1. aumentar. 2. estender.

Considera que um modo de formar o futuro cidadão com as características descritas anteriormente é por meio da interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, apontando como causa a necessidade de estender o conhecimento, possibilitando uma compreensão mais profunda dos conteúdos curriculares.

Em um trabalho transdisciplinar com Matemática, o professor deixa de partir dos conteúdos como metas primeiras, para partir do pressuposto de que a situação tematizada deve ser compreendida e, nessa busca, temas matemáticos podem permear a discussão.

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Maior: 1. mais profunda. 2. mais abrangente.

Conteúdo: tópico ou conjunto de tópicos abrangidos em determinado livro, carta, documento ou anúncio.

Curricular: relativo ao currículo escolar, ou seja, à grade de disciplinas escolares.

A21.17 Poderia se pensar num currículo alternativo, não deixando de lado as especificidades de cada disciplina, mas, poderia se trabalhar paralelamente com a inter e transdisciplinaridade também

Alternativo: que representa uma opção fora das instituições, costumes, valores e idéias convencionais.

Não deixar de lado: 1. não excluir. 2. se atentar a. 3. Incluir.

Especificidade: foco.

Disciplina: ramo do conhecimento.

Paralelamente: concomitantemente.

Inter: abreviação de interdisciplinaridade.

Afirma que uma possibilidade de atingir a formação do futuro cidadão descrita é por meio de um currículo não-convencional, que abrangesse a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade se atentando também, contudo, às especificidades de cada disciplina.

Há uma grande resistência dos professores de Matemática em relação à transdisciplinaridade. Muitas vezes, mesmo que assumam como concepção, colocam-na em segundo plano, ou em um plano paralelo. A disciplinarização da Matemática parece ser uma das mais fortes, possivelmente, por ter sido e ser considerada por muitos como a “Rainha das Ciências”.

A21.18 O aluno deve ser envolvido em diversas atividades, desafios, novas propostas de ensino, a fim de que se sinta motivado a estudar, pesquisar e a compreender o que lhe é proposto

Aluno: estudante inserido em uma instituição escolar.

Estar envolvido: participar.

Atividade: tarefa.

Desafio: 1. problema de difícil resolução. 2. dificuldade. 3. obstáculo.

Proposta: 1. sugestão. 2. projeto proposto para alguma realização que será estudado e

Afirma que o aluno deve participar de diferentes atividades, ser desafiado com problemas, ter contato com outras propostas de ensino, visando sua motivação para estudar, pesquisar e compreender os temas que lhe são sugeridos.

A problematização e tematização de uma situação-problema podem ser fatores indispensáveis para a motivação do aluno para aprender, assim como necessidade para que o estudado faça sentido ao estudante.

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avaliado.

Sentir-se: apresentar-se (em determinada condição física, mental, espiritual não permanente).

Motivado: que sente vontade ou à vontade para fazer algo.

Estudar: buscar conhecimento.

Pesquisar: investigar.

A21.19 o aluno será capaz de aplicar os conhecimentos adquiridos ao sair da escola

Capaz: ser hábil, física ou mentalmente, para fazer algo.

Sair da escola: terminar a fase escolar.

Considera que o aluno formado mediante a descrição anterior será capaz de utilizar os conteúdos estudados na escola fora dela, depois de terminar sua fase escolar.

Conhecimento de Matemática da rua x Conhecimento matemático da escola: o que deve ser priorizado?

A21.20 Esse é o papel da educação escolar atualmente.

Esse: relativo a aplicar os conhecimentos adquiridos ao sair da escola

Papel: função.

Educação escolar: educação realizada na escola.

Indica que a função da escolar é formar o aluno para aplicar o conhecimento escolar em seu cotidiano.

A21.21 É necessário preparar o aluno para o mundo, ele precisa conhecer, compreender e aplicar.

Afirma que é preciso preparar o aluno para lidar com o contexto em que está inserido, de modo que ele conheça, compreenda e tenha possibilidades de aplicar o conhecimento construído no contexto escolar.

Há algumas concepções de ensino de Matemática, nas quais segue-se a linearidade teoria – exemplos – exercícios – aplicação.

A21.22 não será possível modificar o ensino do dia para a noite, e em pontos isolados.

Do dia para a noite: em curto prazo.

Pontos isolados: 1. regiões sem ligação. 2. que não é conjunto.

Considera não ser possível modificar o sistema de ensino em curto prazo e nem de modo fragmentado.

Tudo faz parte de um Tudo: 1. todas as Chama atenção para o

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A21.23 contexto, mas é necessário fazer mudanças.

coisas. 2. todos os fatores.

Contexto: inter-relação de circunstâncias que acompanham um fato ou uma situação.

fato de que todas as coisas e fatores estão inseridos em um contexto.

A21.24 estas, são de responsabilidade de todos os educadores.

Estas: relativo a mudanças.

Educadores: 1. profissionais que lidam com a educação. 2. professores.

Afirma que os professores são responsáveis pelas mudanças que devem ocorrer.

A21.25 Se cada um introduzir novas possibilidades de ensino em seu planejamento, mesmo que seja apenas o trabalho com projetos, de modo que o aluno compreenda o todo, já é um bom começo

Introduzir: inserir.

Planejamento: ato de estabelecer metas.

Projeto: descrição de um empreendimento a ser realizado; Escolha de um tema e de uma problemática a ser solucionada por meio das disciplinas escolares.

Todo: o mundo visto como uma totalidade.

Indica que o professor inserir diferentes possibilidades de ensino por meio de projetos que incitem a compreensão do mundo do aluno como uma totalidade, é um modo de iniciar o movimento de mudança no ensino.

O trabalho com projetos pode ser um meio de trabalhar com a Matemática contextualizada, de modo que o todo da situação não seja desprezado.

A21.26 Temos que nos conformar que as concepções de mundo e conhecimento se transformaram.

Conformar: 1. aceitar de maneira passiva. 2. entrar na forma.

Considera que devemos que aceitar que os modos de estruturar o mundo e o conhecimento se transformaram.

Apesar das concepções de mundo se transformarem, as concepções de Matemática parecem ser mais resistentes a mudanças.

A21.27 Vivemos num mundo subjetivo, e, portanto, a educação deverá acontecer de acordo com essa concepção.

Viver: estar vivo e enraizado em.

De acordo: consoante.

Considera que o solo em que vivemos é um mundo subjetivo e a educação deve se atentar a isso.

Os aspectos subjetivos da Matemática são muitas vezes pouco evidenciados. Há linhas de pesquisa, dentre as quais a Etnomatemática, que buscam ver a Matemática como produção humana, enraizada em um solo histórico-social-cultural.

A21.28 não podemos nos acomodar, pois, acima de tudo educamos para o mundo, para a vida,

Acomodar: 1. pôr(-se) em lugar cômodo ou em posição cômoda ou disposição adequada.

Afirma que não podemos nos resignar com a situação, pois temos que ter em vista

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não apenas para provas de vestibular.

2. acostumar-se ou resignar-se com uma situação, ou não fazer esforço para modificá-la para melhor.

Acima de tudo: ter como prioridade.

Para o mundo: 1. ter em vista uma realidade mundana. para o cotidiano.

Prova: teste.

Vestibular: prova de seleção para instituições de ensino superior.

que educamos o aluno para viver mundanamente e não apenas para testes de vestibular.

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2.1.2 André

Código da US

Unidade de Significado

Primeiras Interpretações

Linguagem do Pesquisador

Articulações que o pesquisador faz com

a Matemática

D21.1 Com este curso conheci uma maneira diferente de ver e analisar o mundo.

Ver: 1. tomar conhecimento de. 2. descobrir. 3. entender. 4. dar-se conta

Afirma que, por meio desse curso, conheceu diferentes modos de ver e analisar o mundo.

D21.2 Não consegui mudar o meu modo de agir e a minha forma de pensar, mas agora sei que há uma maneira menos objetiva, exata e talvez até menos parcial de pensarmos.

Parcial: ST imparcial.

Imparcial: 1. que se abstém de tomar partido ao julgar ou ao constituir-se em julgamento. 2. que julga sem paixão.

Saber: ter consciência de.

Considera que não conseguiu mudar seu modo de agir, nem seu modo de pensar, contudo, afirma que agora tem consciência de uma maneira menos objetiva, menos exata e menos imparcial de pensar.

Um modo menos objetivo, exato e imparcial de pensar pode enfraquecer a Matemática quando esta é vista como ciência platônica e absoluta, contudo, reforça a importância dela como produção de conhecimento contextualizado.

D21.3 Estamos acostumados com o modelo cartesiano, ou seja, com um mundo fixo, objetivo,

Estar acostumado: estar habituado.

Fixo: 1. estipulado com clareza e/ou com antecedência. 2. determinado, definido, preciso.

Considera que estamos habituados ao modelo cartesiano, no qual o mundo é visto como estagnado e objetivo.

A Matemática por muito tempo foi vista como a linguagem propícia para “ler” um mundo fixo e objetivo.

D21.4 estamos acostumados a separar o todo em partes, analisar as partes e por último juntá-las para tentar formar o todo novamente.

Considera que estamos acostumados a separar o todo em partes, analisar essas partes e, então, reuni-las para tentar formar o todo inicial.

D21.5 Para os seres humanos o mundo é assim, mas será que é mesmo?

É mesmo: ST Pergunta ao leitor para contrapor uma afirmação anterior.

Assim: relativo a “visto de modo cartesiano”.

Considera que os seres humanos vêem o mundo de modo cartesiano, mas se pergunta se o mundo realmente é estruturado dessa forma.

D21.6 Com o desenvolvimento de teorias como a teoria

Teoria: conjunto de regras ou leis, mais ou menos sistematizadas,

Afirma que com o desenvolvimento de teorias como a Teoria

As relações lineares de causa e efeito se enfraquecem com a

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da relatividade, a teoria do caos, o princípio da incerteza, podemos analisar o mundo de uma forma diferente, não como uma estrutura rígida, equacionável e previsível, mas sim como algo em eterno movimento, em evolução, ou seja, não como uma máquina, mas como um pensamento.

aplicadas a uma área específica.

Estrutura: organização, disposição e ordem dos elementos essenciais que compõe um ente, corpo ou fenômeno.

Rígida: 1. que não é flexível 2. que não permite frouxidão; exato, rigoroso

Equacionável: passível de ser equacionado e explicado por meio dessa equação.

Como uma máquina: com as características de causalidade linear e de construção da máquina.

Como um pensamento: com as características de não lineares, flexibilidade, de retro-alimentação e de constituição/ articulação do pensamento.

da Relatividade, a Teoria do Caos, o Princípio da Incerteza, podemos analisar o mundo de uma forma diferente, não como uma estrutura rígida, equacionável e previsível, mas como algo em eterno movimento, em evolução, ou seja, não como uma máquina, mas como um pensamento.

Física Contemporânea, ao passo que o conceito de probabilidade se fortalece, por esta ser amplamente utilizada na Física Quântica.

D21.7 é necessário adequar a educação a esse mundo dinâmico e subjetivo onde vivemos.

Dinâmico: que pressupõe movimento, mudança, devir.

Adequar: 1. pôr(-se) ou estar em harmonia. 2. combinar.

Considera que é necessário que a educação esteja em consonância com o mundo dinâmico e subjetivo em que vivemos.

O ensino de Matemática, como participante da Educação, segundo o pressuposto de André, também precisa se adequar ao dinamismo do mundo, contudo, mantém, para muitos, um caráter de estrutura estática e acumulativa.

D21.8 O conhecimento não é mais algo pronto, e o professor não é a única fonte de conhecimento, e muito menos o detentor de todos os conhecimentos.

Pronto: 1. inteiramente feito ou construído, em condições de ser utilizado. 2. concluído, terminado.

Fonte: 1. local de onde vem ou onde se produz algo.

Considera que o conhecimento não é mais algo pronto, que o professor não é a única fonte de procedência do conhecimento, nem é detentor de todos os conhecimentos.

Aqui há a contraposição entre conhecimento a ser descoberto e conhecimento a ser construído. Para os platonistas, o conhecimento é descoberto, ao passo que, para aqueles que

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2. procedência, origem, proveniência.

vêem a Matemática como produção histórico-cultural, ela é construída.

D21.9 Percebeu-se que o todo não é necessariamente igual à soma de suas partes,

Afirma que o todo não é necessariamente obtido reunindo-se as partes que o compõem.

D21.10não adianta separarmos o saber em disciplinas, para que os alunos, “juntando” essas disciplinas formem o saber.

Adiantar: trazer proveito ou benefício.

Juntar: 1. acrescentar (uma coisa) a (outra); adicionar, anexar 2. reunir (coisas), segundo algum critério de organização

Afirma que não há proveito em separar o saber em disciplinas para que os alunos, ao reunirem-nas, formem o saber.

A atual grade curricular da maioria das escolas opera com disciplinas disjuntas, dentre elas, a Matemática. Essa grade se pauta na idéia de que o aluno, tendo acesso às disciplinas separadamente, irá, por si só, sintetizar o aprendido.

D21.11O mais indicado é trabalhar com as disciplinas interligadas, como redes, trabalhando com os pontos específicos de cada disciplina, mas não esquecendo das relações de umas com as outras.

Interligado: 1. em que há ligação entre duas ou mais coisas

Trabalhar: 1. pôr em obra; lavrar, manipular 2. submeter a treinos, exercícios (uma pessoa, uma equipe, um animal etc.) para melhorar ou aperfeiçoar seu desempenho

Ponto: parte ou aspecto de um assunto, de uma ciência, arte etc.

Esquecer: 1. deixar de lado. 2. abandonar.

Considera que o melhor modo de trabalho é manipular as disciplinas interligadas, trabalhando seus aspectos específicos, mas sem deixar de lado as relações entre elas.

Antevê-se aqui a possibilidade de trabalhar com as disciplinas conjuntamente, atentando-se às suas relações, sem perder, assim, nem o todo, nem as especificidades de cada uma delas.

D21.12Com este curso pude entender o que é transdisciplinaridade, e perceber porque ela é um modo mais adequado de educar [...], pois é o modo que trabalha mais próximo da estrutura de mundo em que vivemos

Considera que com este curso foi capaz de entender o que é transdisciplinaridade e ver porque ela é um modo mais adequado de educar, por ser o modo de educar mais próximo da estrutura de mundo em que vivemos.

O mundo em que vivemos não se apresenta compartimentado. Ele é sentido em sua totalidade. Desse modo, um ensino que enfoque a transdisciplinaridade estaria mais próximo de nossas vivências.

não que ela seja Ela: refere-se ao modo Considera que o modo

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D21.13 definitiva, talvez daqui a alguns anos alguém prove que o mundo é mesmo objetivo, e derruba completamente esses modos de pensar

de educar transdisciplinarmente

Provar: demonstrar a verdade, a realidade, a autenticidade de uma coisa com razões, fatos etc

Derrubar: levar (alguém ou algo) a uma situação desvantajosa.

de educar transdisciplinarmente não é definitivo, pois há a possibilidade de ser provado que o mundo é objetivo, levando o modo de pensar transciplinarmente a uma situação desvantajosa.

D21.14ou então alguém surge com outra idéia louca, e precisaremos rever novamente nossas visões de mundo, e adequar nossa forma de pensar a esse modelo.

Idéia louca: 1. uma idéia inovadora. 2. uma idéia impensada até o momento em que emerge.

Considera que há a possibilidade de surgir uma idéia inovadora que nos imponha rever nossas visões de mundo e, por conseqüência, termos que adequar nossa forma de pensar a esse novo modelo emergente.

D21.15acredito que um ensino transdisciplinar é uma alternativa para a educação, é uma proposta que deve ser estudada e aplicada nas escolas.

Acredita que um ensino transdisciplinar é uma alternativa para o modo de educar vigente, o qual deve ser estudado e aplicado nas escolas.

D21.16muitos professores não vão querer deixar de dar as suas aulas, como sempre deram durante muitos anos, mas a partir do momento que verem os resultados e o maior interesse dos alunos pelas aulas dos outros professores, vão acabar mudando também.

Aulas dos outros professores: referente àquelas aulas dadas transdisciplinarmente.

Acredita que muitos professores não vão aceitar a princípio ter que mudar o modo que lecionaram por muitos anos, mas considera que mudarão de idéia ao verem os resultados e o interesse dos alunos pelas aulas obtidos por professores que trabalham transdisciplinarmente.

D21.17Não sei ainda como iria trabalhar com a transdisciplinaridade em uma escola, pois acabo sempre caindo no cartesianismo quando penso nisso

Acabar: ter como desenlace; terminar em.

Cair no: incorrer em erro, falta; incidir

Afirma não saber ainda como trabalhar com a transdisciplinaridade em uma escolar, pois termina sempre incorrendo no erro de pensar sobre isso de modo cartesiano.

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D21.18mas com toda certeza estudar uma forma de aplicar a transdisciplinaridade é algo que vou fazer,

Afirma que estudará modos de aplicar a transdisciplinaridade.

D21.19pois trata-se de uma proposta muito interessante,

Afirma que estudará modos de aplicar a transdisciplinaridade., pois a considera uma proposta interessante.

D21.20um trabalho que vai ser recompensado, ao ver que a Matemática, por exemplo, vai finalmente fazer sentido para os alunos,

Um trabalho: referente ao trabalho com transdisciplinaridade

Recompensa: favor, presente com que se mostra reconhecimento por um obséquio, por uma boa ação; retribuição, prêmio

Considera que o trabalho com a transdisciplinaridade será recompensador, pois acredita que, por meio desta, a Matemática fará sentido para os alunos.

Uma possibilidade antevista de que o aluno atribua sentido à Matemática estudada é por meio de um ensino transdisciplinar, ou seja, partir-se de tematizações e não dos conteúdos disciplinarizados, que podem, no entanto, permear o estudo focalizado.

D21.21e ao contrário do que acontece hoje em dia, eles saberão dizer porque aprendem isso.

Eles: referente a alunos.

Considera que os alunos hoje em dia não vêem sentido na Matemática, mas que por meio da transdiciplinaridade isso pode mudar.

Muitos alunos se queixam de não verem sentido no que estudam de Matemática. Consideram-na por demais abstrata. Estudá-la à medida que sua necessidade é sentida na compreensão de temas focados é uma possibilidade de que esse sentido, antes possivelmente ausente, se faça.

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2.1.3 Mainah

Código da US

Unidade de Significado

Primeiras Interpretações

Linguagem do Pesquisador

Articulações que o pesquisador faz com

a Matemática

M21.1 Existem diversas formas diferentes de ver e interpretar tudo o que acontece no universo.

Considera que existem diversas formas de ver e interpretar tudo o que acontece no universo.

M21.2 Acredito que cada pessoa o faça a seu modo.

O: relativo a ver e interpretar o que ocorre no universo.

Considera que cada pessoa vê e interpreta o universo de um modo pessoal.

M21.3 Tais visões de mundo [...] auxiliaram na evolução dos saberes humanos, na superação de determinados obstáculos e mostraram a grande importância da Matemática e o quanto ela pode contribuir para a humanidade.

Tais visões de mundo: refere-se aos modelos galiláico e cartesiano de estruturação de mundo e de conhecimento.

Auxiliar: que auxilia, que ajuda; subsidiário.

Evolução: todo processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento de um saber, de uma ciência etc.

Saber: 1. soma de conhecimentos adquiridos; sabedoria, cultura, erudição. 2. capacidade resultante da experiência; prática

Considera que as visões de mundo arraigados nos modelos galiláico e cartesiano auxiliaram no desenvolvimento do conhecimento humano, na superação de obstáculos e mostraram a grande importância da Matemática e o quanto ela pode contribuir para a humanidade.

A visão cartesiana de mundo objetivo e seu respaldo matemático foram essenciais para que a humanidade superasse diversos obstáculos.

M21.4 embora (os modelos galiláico e cartesiano) estejam perdendo força e sentido atualmente

Perder: sofrer desgaste ou diminuição de.

Sentido: 1. faculdade de perceber uma modalidade específica de sensações (como o calor, as ondas sonoras, o sabor), que correspondem, grosso modo, a um órgão determinado, cuja estimulação dá início

Afirma que os modelos galiláico e cartesiano têm se enfraquecido, em termos de impacto e em termos de sentido que fazem.

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ao processo interno de recepção sensorial [São cinco os sentidos: tato, visão, audição, paladar e olfato.] 2. encadeamento coerente de coisas ou fatos; razão de ser; lógica, cabimento 3. faculdade humana apta à captação de uma determinada classe ou grupo de sensações, estabelecendo um contato intuitivo e imediato com a realidade, e assentando desta maneira os fundamentos empíricos do processo cognitivo

M21.5 por deixarem de englobar a subjetividade presente no universo, (os modelos galiláico e cartesiano) acabam por apresentar certas limitações e deixam de responder a algumas questões.

Englobar: reunir ou reunir(-se) em um conjunto; aglomerar(-se), conglomerar(-se). ST incluir; abarcar.

Limitação: ação ou efeito de restringir a certos limites; restrição, contenção.

Considera que os modelos galiláico e cartesiano apresentam algumas limitações por não abarcarem a subjetividade presente no universo.

M21.6 (Ao longo dos últimos séculos) o fazer e o compreender a ciência apresentaram diversas mudanças influenciadas tanto pelas novas descobertas quanto pela época e contextos nas quais ocorrem.

Fazer ciência: produzir conhecimento seguindo modelos de rigor científico.

Considera que a produção científica e sua compreensão apresentaram diversas mudanças ocorridas devido a descobertas e à época e contexto em que ocorreram

M21.7 As ciências particulares começam a se fundir,

Ciência particular: refere-se aqui a ciência com fronteiras sólidas; Ciência fragmentada; ciências disjuntas.

Começar: dar início a um processo.

Considera que as ciências, antes disjuntas, iniciam um movimento de fusão.

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Fundir: incorporar (várias coisas em uma só); reunir(-se), juntar(-se); confundir(-se), organizar(-se).

M21.8 não existe mais um único método, tido como perfeito,

Método: Procedimento, técnica ou meio de se fazer alguma coisa de acordo com uma sistemática.

Afirma que não existe mais um método único e perfeito.

M21.9 as percepções de mundo mudaram, bem como a forma de representá-las.

Percepção: articulação com o mundo, na qual o ser humano sente este, está plugado a este. Aqui parece ter o significado de “modo de ver”

Representar: Expressar.

Diz que os modos de ver o mundo mudaram, assim como a forma de representar esses modos de ver.

M21.10as mais diferentes áreas mostram à sua maneira a forma pela qual interpretam o mundo que os cerca.

Área: Região de conhecimento sistematizada em termos científicos.

Considera que diferentes áreas de conhecimento mostram ter modos específicos de interpretar o mundo em que estão inseridas.

M21.11Assim como a arte, também a ciência é uma forma de explicitar uma compreensão do mundo.

Arte: Região de conhecimento que trata da produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana.

Explicitar: Expressar significado, tornando este claro.

Considera que ciência e arte são formas de explicitar compreensões de mundo.

Matemática e Arte têm uma relação muito próxima. As influências que uma tem sobre a outra são notáveis. Alguns exemplos disso são a noção de perspectiva, de proporções etc.

M21.12A visão cartesiana de mundo ainda é muito forte e aceita pela maioria das pessoas em todo o mundo.

Considera que a visão cartesiana de estruturação de mundo continua forte e aceita pela maioria das pessoas do mundo.

M21.13É difícil convencer a todos de que é preciso analisar os fatos de

Convencer: persuadir (alguém ou a si mesmo) a aceitar uma

É difícil convencer todos da necessidade de analisar fatos de um

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outra perspectiva para buscar saídas, melhorias.

idéia ou admitir um fato, por meio de razões ou argumentos bem fundados

Perspectiva: ponto de vista.

Saída: modo de superar uma dificuldade; meio de sair de apuro; recurso, expediente

ponto de vista diferente para buscar modos de superar as dificuldades existentes, assim como melhorias.

M21.14admitindo que algum dia isto acontecerá as pessoas passariam a compreender como não se pode buscar uma única causa para algum problema, como cada ação que temos irá interferir em diversos lugares/fatos, como tudo e todos estão de alguma forma conectados e relacionados.

Admitir: 1. aceitar como verdadeiro. 2. acreditar. 3. ter como hipótese. 4. considerar.

Isto: relativo ao convencimento das pessoas da necessidade de analisar os fatos de outra perspectiva para buscar saídas

Ação: ato ou efeito de agir.

Interferir: afetar.

Acredita que caso as pessoas se convençam algum dia da necessidade de analisar os fatos de outra perspectiva para superar dificuldades, elas passariam a compreender que não se pode buscar uma única causa para algum problema e que cada ação executada irá afetar diversos lugares e fatos, pois tudo e todos estão conectados e relacionados.

Ao ver as relações existentes no mundo em forma de rede, na Matemática, o conceito de padrões se fortalece.

M21.15Perceberia-se ainda que, quando algo é modificado, as coisas tendem a se auto-organizar dentro da nova realidade que lhes é imposta e como esta auto-organização ocorre constantemente gerando padrões que fazem com que, por mais que tudo mude o tempo inteiro, na verdade pareça sempre igual.

Auto-organizar: Modo de organização espontânea.

Realidade: Modos de ser real;

Imposta: Atribuída, sem direito a escolhas;

Padrão: 1. base de comparação, algo que o consenso geral ou um determinado órgão oficial consagrou como um modelo aprovado. 2. formação de configuração nítida, coerente e simétrica

Tempo inteiro:

Acredita que caso as pessoas se convençam algum dia da necessidade de analisar os fatos de outra perspectiva para superar dificuldades, elas passariam a perceber que quando algo é modificado, as coisas tendem a se organizar espontaneamente se adequando à nova realidade. Considera que essa organização espontânea ocorre constantemente, gerando padrões de regularidade, aparentando que, por mais que tudo se altere, aparenta não se modificar.

Ao ver as relações existentes no mundo em forma de rede, na Matemática, o conceito de padrões emerge e se fortalece.

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Constantemente.

Na verdade: Mas; Contudo.

Igual: 1. que, em uma comparação, não apresenta diferença quantitativa. 2. que, em uma comparação, não apresenta diferença qualitativa. 3. que não se modifica.

M21.16Deixaríamos de ver o mundo como uma máquina para enxergarmos como um organismo vivo.

Como uma máquina: com as características de causalidade linear e de construção da máquina.

Organismo: conjunto de elementos materiais ou ideais organizados e inter-relacionados; sistema.

Vivo: que produz efeitos, se faz sentir; ativo, brilhante, forte, intenso.

Acredita que caso as pessoas se convençam algum dia da necessidade de analisar os fatos de outra perspectiva para superar dificuldades, deixaríamos de ver o mundo como se fosse uma máquina para vê-lo como se fosse um organismo vivo.

M21.17A educação, da forma que se encontra atualmente, mostra os conhecimentos aos alunos de forma fragmentada, esquecendo de lhes ensinar de que forma aquelas informações podem ser religadas e assumir algum sentido.

Fragmentado: Particionado.

Informação: 1. o conhecimento obtido por meio de investigação ou instrução; esclarecimento, explicação, indicação, comunicação, informe 2. conjunto de conhecimentos reunidos sobre determinado assunto

Religar: articular.

Assumir: 1. tomar para si, avocar, apropriar-se.2. vir a ter, alcançar, atingir.

Considera que, atualmente, a educação mostra os conhecimentos ao aluno de modo fragmentado, deixando de lhes ensinar de que modo esses conhecimentos específicos podem ser articulados de modo a virem a ter algum sentido.

Partindo da suposição de Mainah, o sentido da informação se dá quando está contextualizada e conectada a um todo.

De nada vale conhecer De nada vale: ser Considera que é inútil A aplicabilidade da

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M21.18 inúmeras teorias da Física, saber aplicar outras tantas fórmulas matemáticas e decorar infinitas datas na aula de história se fora do âmbito escolar todas estas informações não tiverem aplicabilidade, se o discente não puder ver uma ligação entre elas e sua presença em todo o mundo.

inútil.

Inúmeras: várias.

Poder ver: estabelecer articulações.

Decorar: guardar na memória; memorizar, gravar.

Infinita: 1. que não tem limite; infindo. 2. cujo número, valor, duração, intensidade é ou parece ser de ordem ou grandeza incalculável. ST número muito grande.

Presença: 1. fato de (algo ou alguém) estar em algum lugar; comparecimento. 2. fato de (algo ou alguém) existir em algum lugar; existência.

conhecer várias teorias da Física, saber aplicar fórmulas matemáticas e decorar um número muito grande de datas na aula de história se fora do âmbito escolar essas informações não se mostrarem aplicáveis, se o discente não puder ver uma articulação entre elas e suas existências em todo o mundo.

Matemática é algo bastante polêmico no ensino. Deveríamos ensinar apenas o que pode ser aplicado no dia-a-dia do aluno? Mas isso não seria limitar suas possibilidades de transcendência, mantendo-o em uma esfera ôntica?

M21.19Esta forma de ensinar, abordando diferentes perspectivas, mostrando as ligações entre as disciplinas e incentivando o aluno a “ver” os fatos/objetos traria um maior significado ao estudo e facilitaria na aprendizagem e no desenvolvimento e aprofundamento dos conhecimentos.

Abordar: começar a tratar de; levantar, versar sobre (tema, assunto, questão, proposta, idéia etc.).

Incentivar: dar incentivo a; despertar o ânimo, o interesse, o brio de; encorajar, estimular, incitar.

Ver: ST olhar para algo tentando deixar seus pressupostos em suspensão [discutido em sala de aula].

Fato: aquilo que acontece por causas naturais ou não, dependentes ou independentes da vontade humana; ocorrência, sucesso.

Considera que ensinar abordando diferentes perspectivas, mostrando as articulações entre as disciplinas e incentivando o aluno a ver os objetos e os acontecimentos buscando deixar seus pressupostos em suspensão traria um significado para o estudo e facilitaria a aprendizagem e o desenvolvimento e aprofundamento dos conhecimentos.

Um ensino tematizado que abordasse o conhecimento por meio de diversas perspectivas, em que a Matemática poderia perpassar por algumas delas, pode ser um modo de incentivar a atribuição de significados ao conhecimento construído.

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Objeto: 1. coisa mental ou física para a qual converge o pensamento, um sentimento ou uma ação. 2. coisa material que pode ser percebida pelos sentidos. 3. assunto sobre o qual versa uma pesquisa ou ciência.

M21.20[...] para que isto ocorra, será necessário que primeiro os educadores mudem suas concepções e posturas para somente depois buscarem inovações em sala de aula, ainda que de forma lenta.

Isto: referente a um modo de ensinar abordando diferentes perspectivas, mostrando as articulações entre as disciplinas e incentivando o aluno a ver os objetos e os acontecimentos buscando deixar seus pressupostos em suspensão.

Inovação: aquilo que é novo, coisa nova, novidade.

Acredita que, para que esse ensino (em que se aborde diferentes perspectivas, mostrando as articulações entre as disciplinas e incentivando o aluno a ver os objetos e os acontecimentos buscando deixar seus pressupostos em suspensão) ocorra, é necessário que, primeiramente, os educadores mudem suas concepções e posturas para, então, buscarem inovações em sala de aula, mesmo que de modo lento.

M21.21ainda que nos últimos anos, a idéia de que o conhecimento não pode mais ser abordado de forma fragmentada está crescendo, na prática, as mudanças ainda são isoladas e quase imperceptíveis.

Ainda que: mesmo que.

Idéia: concepção.

Crescer: se difundir.

Imperceptível: 1. que mal dá para se perceber; ínfimo, diminuto; de pouca importância, insignificante.

Na prática: na realidade, o que acontece de fato.

Afirma que, nos últimos anos, a concepção de que o conhecimento não pode mais ser abordado de modo fragmentado está se difundindo; mas o que acontece de fato é que as mudanças ainda são isoladas e difíceis de serem percebidas.

M21.22O trabalho com as relações, introduzindo a

Aparecer: começar a manifestar-se; surgir,

Considera que o trabalho com as

Na transdiciplinaridade, as relações são

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idéia de que os problemas devem ser vistos como um todo aparecem na inter e transdisciplinaridade.

suceder, ocorrer. relações, introduzindo a concepção de que os problemas devem ser vistos como um todo se se manifesta na inter e na transdisciplinaridade.

enfatizadas e a Matemática, nesse caso, mantém-se como um núcleo de significado e sentido, como um fluxo que pode auxiliar na compreensão da rede de conhecimento.

M21.23Implantar qualquer um destes métodos é difícil, isto por depender da aceitação da direção escolar, dos pais, dos professores, do comprometimento tanto do corpo docente quanto do discente da instituição, por afetar o ego de alguns profissionais que se julgam detentores absolutos do saber e ainda por interferir na hierarquização das disciplinas que ocorre naturalmente em toda escola.

Implantar: iniciar e promover o desenvolvimento de (algo ou de si mesmo); estabelecer(-se), fixar(-se).

Destes: referente a inter e transdisciplinaridade.

Direção escolar: indivíduo ou grupo de indivíduos que exerce a função administrativa em uma escola; diretor, diretoria, cúpula

Comprometimento: ação ou fato de tomar parte ou envolver-se em.

Corpo docente: conjunto de professores de um estabelecimento de ensino

Corpo discente: conjunto de alunos de um estabelecimento de ensino

Instituição escolar: estabelecimento destinado ao ensino, à educação; escola, instituto, educandário.

Afetar: causar abalo em; afligir.

Ego: ST orgulho.

Orgulho: sentimento egoísta, admiração

Acredita que implantar a inter ou a transdisciplinaridade é difícil por depender da aceitação da direção escolar, dos pais dos alunos, dos professores, do comprometimento do corpo docente e do corpo discente da instituição, por afetar o orgulho de alguns profissionais que se supõem detentores absolutos do saber e por interferir na hierarquização das disciplinas que normalmente ocorrem em toda escola.

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pelo próprio mérito, excesso de amor-próprio; arrogância, soberba, imodéstia.

Se julgar: supor(-se), imaginar(-se), considerar(-se), pensar.

Hierarquização: ato de classificar, de graduação crescente ou decrescente, segundo uma escala de valor, de grandeza ou de importância.

Naturalmente: normalmente.

M21.24são dificuldades que, acredito, valem a pena serem enfrentadas.

Dificuldades: referente às dificuldades de se implantar a inter e a transdisciplinaridade.

Valer a pena: 1. merecer (alguma coisa), o trabalho, o sacrifício, o preço que tenha custado a esse alguém.

Enfrentar: bater-se contra; atacar de frente.

Acredita que as dificuldades em se aplicar a inter e a transdisciplinaridade merecem ser atacadas de frente.

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2.1.4 Sophia

Código da US

Unidade de Significado

Primeiras Interpretações

Linguagem do Pesquisador

Articulações que o pesquisador faz com

a Matemática

S21.1 na maioria das escolas da atualidade, a concepção de mundo mais adotada ainda é a de Descartes, onde são seguidos seus quatro preceitos básicos.

Preceito: aquilo que se recomenda praticar; regra, norma.

Afirma que a maioria das escolas atuais ainda adota o modelo cartesiano, seguindo seus quatro preceitos básicos.

Na Matemática, pode-se perceber também que os preceitos cartesianos são amplamente utilizados.

S21.2 As disciplinas ainda são divididas, não havendo uma interligação entre elas.

Dividida: ST separada. Afirma que as disciplinas ainda são vistas como separadas, não havendo uma articulação entre elas.

S21.3 Continua-se trabalhando com os conteúdos de modo que os mais simples são vistos antes dos mais complexos.

Simples: de menor dificuldade para compreensão.

Ser visto: ser estudado.

Complexo: de maior dificuldade para compreensão.

Afirma que continua-se trabalhando de modo que os conteúdos de menor dificuldades são estudados antes dos conteúdos de maior dificuldade.

A grade curricular é um exemplo desse movimento que vai do simples ao mais complexo, de modo cumulativo.

S21.4 a idéia de cuidar para que nada seja omitido ainda é uma constante na educação, pois o que se vê são currículos com uma quantidade elevada de conteúdos para a carga horária destinada àquelas disciplinas.

Cuidar: 1. tomar cuidado. 2. estar preocupado com.

Nada: referente a conteúdo.

Omitir: passar por cima de, deixar de lado.

Constante: referente a preocupação constante.

Currículo: referente a grade curricular.

Afirma que o cuidado de não deixar nenhum conteúdo de lado ainda é uma preocupação constante na educação, pois as grades curriculares têm uma quantidade elevada de conteúdos em relação à carga horária que as disciplinas dispõem para que estes sejam ensinados.

Com uma grande carga de conteúdos matemáticos presentes na ementa da disciplina, o tempo vivido do aluno não é, geralmente, respeitado, e o como fazer dos conteúdos se sobrepõe ao por quê fazer, de modo que os algoritmos são enfatizados.

S21.5 muitos desses conteúdos podem ser irrelevantes para a turma em questão, se não fizer sentido o estudo para elas.

Irrelevante: que não tem ou tem pouca importância.

Desses conteúdos: referente aos conteúdos abarcados

Considera que muitos dos conteúdos abarcados pelas grades curriculares não têm importância para a classe caso o seu estudo não fizerem

Uma discussão em pauta é sobre quais conteúdos deveriam ser indispensáveis na grade de Matemática. Quais são os critérios para essa escolha?

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pelo currículos.

Turma: conjunto dos estudantes que seguem o mesmo curso, ano a ano, freqüentando a mesma sala; classe.

Em questão: de que se vem falando, de que se trata, a que se está a referir; em pauta, em apreço.

sentido para os alunos. Todos os conteúdos devem ter relevância no dia-a-dia do aluno? Números complexos, por exemplo, se mantêm na grade por quais motivos?

S21.6 os conteúdos devem fazer sentido para o que aluno consiga aprendê-lo.

Considera que os conteúdos devem fazer sentido para o aluno, para que este consiga aprende-lo.

S21.7 É preciso que o aluno esteja motivado a aprender e que este aprendizado seja útil em sua vida.

Considera que é preciso que o aluno esteja motivado a aprender e que este aprendizado seja útil em sua vida.

Se o aprendizado deve ser útil à vida do aluno, por que, no ensino de Matemática, as abstrações são almejadas?

S21.8 não se quer dizer que o professor deve apenas explicar assuntos do cotidiano do aluno, e sim que deve trabalhar com diversos conteúdos, mas que tenham algum significado e alguma utilidade para o aluno.

Cotidiano: que se passa no dia-a-dia.

Assunto: aquilo sobre o que se conversa ou se discorre (verbalmente, por escrito, em artes plásticas etc.); matéria, tema, objeto.

Considera que o professor não deve se ater apenas aos temas relativos ao cotidiano do aluno, mas que deve trabalhar com diferentes conteúdos, que devem ter algum significado e alguma utilidade para o aluno.

S21.9 Nas escolas, esse tempo psicológico do aluno não é levado em conta.

Tempo psicológico: 1. tempo subjetivo que não pode ser quantificado. 2. tempo vivido, experienciado.

levar em conta: não omitir, não desprezar; ter em mente; considerar.

Afirma que na escola o tempo psicológico não é considerado.

S21.10quando o aluno está em uma aula que não lhe chama a atenção, ela parece passar mais devagar e, este aluno

Chamar atenção: despertar, atrair o interesse (de alguém).

Tender: ter tendência,

Afirma que quando o aluno está em uma aula que não lhe atrai o interesse, ela parece passar mais devagar e,

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tende a ficar disperso a maior parte do tempo.

inclinação, pendor ou disposição para alguma coisa.

Disperso: desatento.

este aluno tem a tendência de ficar desatento a maior parte do tempo.

S21.11Já os conteúdos com que esse aluno tem mais afinidade, parecem passar mais depressa e prendem a atenção desse estudante por mais tempo.

Afinidade: atração, simpatia, originadas na identidade de interesses.

Prender: manter.

Afirma que os conteúdos que o aluno tem mais afinidade parecem passar mais depressa e mantêm a atenção desse estudante por mais tempo.

S21.12Diversos docentes se queixam que seus alunos estiveram dispersos em sala de aula. Uma das explicações para tal fato ter ocorrido pode ser a falta de interesse dos estudantes por este conteúdo, por não ter sido tratado de maneira atrativa àquela classe.

Queixar-se: reclamar. Afirma que diversos docentes reclamam que seus alunos estiveram dispersos em sala de aula e que, uma explicação para isso, é a falta de interesse dos estudantes pelo conteúdo abordado, que pode não ter sido tratado de modo atrativo para aquela classe.

S21.13O professor deveria ficar mais atento ao tempo psicológico do aluno, pois se este último estiver motivado a participar da aula, a tendência é que fique menos disperso e mais participativo.

Acredita que o professor deveria ficar mais atento ao tempo psicológico do aluno, pois se este último estiver motivado a participar da aula, a tendência é que fique menos disperso e mais participativo.

S21.14não cabe somente ao professor proporcionar aos discentes uma aula mais prazerosa. Os estudantes também devem se esforçar em colaborar com o professor.

Caber: ser adequado ou compatível. ST ser função de.

Proporcionar: dar a (alguém) a oportunidade de (algo); oferecer, promover, propiciar.

Prazeroso: que causa prazer; que proporciona momentos agradáveis.

Esforçar-se: fazer

Afirma que não é função apenas do professor proporcionar aos discentes uma aula mais agradável, pois os estudantes também devem se esforçar para colaborar com o professor.

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esforço(s), aplicar o máximo de sua capacidade para conseguir (algo); dar o máximo de si.

Colaborar: efetuar trabalho de cooperação.

S21.15O professor, ao explicar um conteúdo, também precisa se preocupar com a bagagem cultural do aluno.

Bagagem cultural:: a experiência de vida, valores da cultura e a soma de conhecimentos de um indivíduo.

Considera que o professor também precisa se preocupar com a experiência de vida, valores da cultura e de conhecimentos do aluno ao explicar um conteúdo.

A Matemática, vista como produção humana histórico-social, preza o passado do aluno, que irá pode efetuar articulações próprias, ainda que enraizadas em solo comum com os outros alunos e professor, para atribuir significado ao que é estudado.

S21.16os fatos acontecidos no passado do educando influenciam seus atos presentes e seus anseios futuros.

Educando: que ou aquele que está sendo educado; aluno.

Anseio: desejo intenso.

Considera que os fatos acontecidos no passado dos educandos influenciam seus atos presentes e seus anseios futuros.

S21.17O tempo, pelo professor, não deve ser visto como algo linear: o que aconteceu no passado não tem relação com o presente e não influenciará no futuro. Isso é mentira. Fatos do passado do aluno podem sim influenciar a atitude dele agora ou no futuro.

Tempo linear: Ela explicita o significado que utiliza: o que aconteceu no passado não tem relação com o presente e não influenciará no futuro.

Agora: momento presente.

Considera que o professor não deve conceber o tempo como linear, visto que fatos do passado do aluno influenciam sua atitude no momento presente ou no futuro.

S21.18Os docentes também não podem acreditar que são detentores da verdade absoluta.

Afirma que os docentes não podem acreditar que são detentores da verdade absoluta.

S21.19hoje em dia se fala em verdade como sentido, ou seja, não mais uma verdade absoluta e sim uma verdade que faça sentido para quem acredite nela.

Descreve que verdade como sentido é uma verdade que não é absoluta, mas uma verdade que faz sentido para quem acredita nela.

Por que um algoritmo ensinado pelo professor é considerado uma verdade para o aluno? Imaginamos que, nesse caso, a resposta seja a de que o professor pode agir como

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legitimador. Contudo, diferentemente de algumas décadas passadas, a informação é obtida pelo aluno de maneira muito fácil, especialmente por conta da Internet. Ele escolhe onde ele quer buscá-la. Desse modo, o papel do professor como legitimador não se mantém para o aluno. Ele pode validar ou invalidar a informação por meios próprios.

S21.20Ao tomar consciência disso, os professores devem aceitar as idéias e os questionamentos dos alunos e educá-los para que não recebam tudo o que lhes é imposto sem haver indagações e reflexões.

Tomar consciência: perceber com clareza (a importância, a gravidade, o perigo etc.); compreender, conscientizar-se.

Disso: referente a verdade como sentido.

Dever: ST possibilidade futura.

Receber: admitir ou ter (alguém ou algo) por legítimo; acolher.

Indagação: ato ou efeito de indagar(-se), de perguntar(-se), de procurar saber, tentar descobrir ou investigar (a respeito de algo ou alguém).

Acredita que os professores, ao compreenderem verdade como sentido, aceitarão as idéias e os questionamentos dos alunos e procurarão educá-los de modo a não aceitarem tudo o que lhes é imposto sem questionarem e refletirem.

Com a facilidade de busca de informações, o professor pode deixar de considerar-se um legitimador e propiciar situações em que o aluno possa se interrogar sobre a informação obtida, refletindo sobre ela. A Matemática Crítica é uma linha da Educação Matemática que pesquisa sobre isso.

S21.21O que é dito por outro só pode ser aceito se fizer sentido para o indivíduo.

Outro: referente a outra pessoa.

Considera que o que uma pessoa diz para outra só deve ser aceito se fizer sentido para a última.

A aceitação da informação sem que o sentido se faça é reprodução. Uma reprodução pode ser bem sucedida, o que viabiliza sua manutenção, contudo, a reprodução sem significado de conteúdos e algoritmos matemáticos dificulta a utilização deles no dia-a-dia do aluno.

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S21.22Só assim a idéia de saber-poder, onde quem detém o saber também tem o poder, será derrubada e só terão poder aqueles que realmente querem fazer algo pelo bem da humanidade.

Assim: referente ao modo de considerar verdade como sentido.

Saber-poder: relação entre saber e poder, onde estes não podem ser separados, pois representam uma situação de retroalimentação.

Acredita que a relação saber-poder apenas poderá ser quebrada considerando-se verdade como sentido e que, quebrada essa relação, o poder será daqueles querem fazer algo pelo bem da humanidade.

A Matemática Crítica trabalha com a relação saber-poder da Matemática presente no mundo.

S21.23Pelo fim dessa verdade absoluta, as ciências começaram a trabalhar em conjunto, rompendo com o modelo cartesiano.

Romper: posicionar-se contra; reagir, opor-se, resistir.

Em conjunto: juntamente (com alguém ou algo).

Considera que as ciências, pelo fim da verdade absoluta, começaram a trabalhar conjuntamente, rompendo com o modelo cartesiano.

S21.24Passou-se a ver agora o mundo e o ser humano não mais como uma máquina, e surgiu a idéia de um mundo sistêmico, em que tudo está interligado.

Passou-se a ver: referente ao modo de ver com a queda do modelo cartesiano.

Mundo sistêmico: que envolve o mundo como um todo ou em grande parte.

Considera que , com a queda do modelo cartesiano, o mudo e o ser humano deixaram de ser vistos como máquinas e surgiu a concepção de um mundo sistêmico, onde tudo está interligado.

S21.25Algumas escolas também estão tentando quebrar com os paradigmas de Descartes e trabalhar de modo conjunto com as matérias.

Quebrar: romper com.

Paradigma: regras estruturais de um modelo.

Matéria: conteúdo específico daquilo que é o objeto de um ensino. De modo conjunto: interdisciplinarmente.

Afirma que algumas escolas estão tentando romper com o paradigma cartesiano e trabalhar com conteúdos interdisciplinarmente.

S21.26O governo também tem se preocupado com essa questão e, por este motivo, tem pregado em seus documentos de educação a idéia de interdisciplinaridade.

Governo: complexo de órgãos responsáveis pela realização da administração pública, através do exercício dos poderes delegados pelo povo, sem perder de vista a soberania deste.

Essa: referente a

Considera que o governo também tem-se preocupado com a questão da interdisciplinaridade e, por isso, tem sugerido-a em seus documentos de educação.

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interdisciplinaridade.

Pregar: falar (algo) com o intuito de ajudar, ensinar; dirigir, passar.

Documento: recomendação escrita feita a outrem; aviso.

S21.27Todos esses métodos (inter, multi e transdisciplinaridade) serão eficazes se o professor tiver conhecimento de como proceder e acredite que aquilo realmente é o melhor para os seus alunos.

Eficaz: bom ou ideal para causar um resultado pretendido; útil

Proceder: conduzir-se (de determinada maneira); agir, atuar, haver-se com

Aquilo: referente a inter, multi e transdiciplinaridade.

Acredita que a inter, multi e transdisciplinaridade causarão os efeitos desejados se o professor tiver conhecimento de como atuar e acreditar que esses métodos realmente são os melhores para seus alunos.

S21.28É impossível dizer qual é o melhor método de ensino [...]

Considera impossível definir qual é o melhor método de ensino.

Dependendo da concepção de Matemática, poderão haver diferentes métodos de ensino. Para valorá-los é importante que se estabeleça o objetivo de um certo ensino.

S21.29Serão inúmeros os pedagogos e psicólogos que defenderão as teorias.

Afirma que inúmeros pedagogos e psicólogos defenderão as teorias.

Apesar disso, há costume de defenderem-se as teorias da aprendizagem por si, sem ater-se aos objetivos visados para tal educação.

S21.30para que a teoria dê certo na prática é preciso que o professor esteja motivado a utilizá-la e a defendê-la.

Dar certo: ser bem sucedido.

Na prática: Ao ser aplicado.

Defender: sustentar (argumento, opinião, ponto de vista etc.), expondo as razões.

Acredita que, para uma teoria ser bem sucedida quando aplicada, é preciso que o professor esteja motivado a utilizá-la e a defendê-la.

É importante que o professor tenha consciência da sua prática de ensino de matemática e que articule isso com suas concepções.

S21.31Caso contrário nenhuma teoria terá êxito.

Caso contrário: referente ao estado contrário de o professor estar motivado a utilizar

Considera que, caso o professor não estiver motivado a utilizar e a defender uma teoria,

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e defender uma teoria.

Ter êxito: Ser bem sucedido.

nenhuma terá êxito.

S21.32A chave do sucesso está na mão do professor.

Chave: elemento essencial para o equilíbrio, a firmeza, a eficiência de um sistema, uma organização, uma teoria.

Na mão: sob controle.

Acredita que o elemento essencial para o sucesso está sob controle do professor.

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2.2 As Reduções

A seguir será apresentado um quadro com as reduções realizadas. Na primeira

coluna, apontamos um número que representa as primeiras convergências, também

chamadas de Núcleos de Significado (NS) ocorridas na primeira redução, explicitadas

na segunda coluna. A terceira, quarta, quinta e sexta colunas indicam as Unidades de

Significado englobadas por essas primeiras convergências, separadas por depoente. A

última coluna aponta a segunda redução, ou seja, as convergências ocorridas entre os

temas surgidos nas primeiras convergências. A segunda redução expõe cinco

categorias, que foram nomeadas de A, B, C, D e E, que serão explicitadas no próximo

capítulo.

Número representativo dos Núcleos

de Significado obtidos na primeira redução

Sujeito

1ª Redução

A21 D21 M21 S21 2ª Redução

01 Percepção de possibilidades de abertura a diferentes concepções

A21.1 D21.1; D21.2; D21.6; D21.9; D21.12

M21.8; M21.16

S21.20 A, E

02 Abertura à compreensão de Educação

A21.2 B

03 Abertura à reflexão sobre possibilidades pedagógicas

A21.3 M21.23 S21.20 B

04 Constatação de como a educação está sendo realizada

A21.4 M21.17 S21.9; S21.12

B

05 Constatação de que a educação se dá hoje segundo o modelo cartesiano

A21.5 M21.17 S21.1; S21.2; S21.3; S21.25

B,C

06 Explicitação do modelo cartesiano

A21.6; A21.7

M21.5 A

07 Explicitação de um modo de ver o universo e o conhecimento

A21.8; A21.9; A21.10

A

08 Compreensão de que há articulação entre concepção de

A21.11; A21.10; A21.15;

D21.7; D21.8; D21.17

S21.20; S21.22; S21.25

C

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mundo e educação A21.27; A21.28

09 Explicitação de concepção de escola

A21.12; A21.20

S21.13; S21.14

B

10 Compreensão da formação do aluno

A21.13; A21.14; A21.15; A21.19; A21.21

S21.8 B

11 Percepção de modos de trabalho didático diferenciados mediante inter e transdisciplinaridade

A21.16; A21.17; A21.18; A21.25

D21.11; D21.15; D21.19; D21.20

M21.22 S21.26; S21.27

B

12 Percepção de que a mudança na educação é difícil e paulatina

A21.22 D21.16 M21.20; M21.23

E

13 Percepção de que a mudança na educação não é pontual

A21.22; A21.23

E

14 Constatação da necessidade de mudança

A21.23; A21.25; A21.26

M21.24 S21.20; S21.22

E

15 Constatação de que a mudança é responsabilidade do educador

A21.24 M21.20 S21.32 B, E

16 Percepção da própria compreensão cartesiana de mundo

D21.3; D21.4

D

17 Exposição de dúvida sobre concepção de mundo

D21.5 E

18 Percepção de que as concepções não são definitivas, mas estão em devir

D21. 13; D21.14

A

19 Percepção de não saber trabalhar de modo diferenciado, mas aceita a possibilidade de mudar

D21.17; D21.18

B, D, E

20 Percepção de que trabalhar com interdisciplinaridade nas aulas de Matemática pode

D21.20; D21.21

M21.19 S21.27 C

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levar o aluno a perceber o sentido da Matemática e de outros conhecimentos estudados

21 Constatação de que hoje, com o ensino tradicional cartesiano, o aluno não atribui sentido ao que aprende

D21.21 M21.17; M21.18

C

22 Constatação da existência de diferentes concepções de mundo e de conhecimento

M21.1; M21.2; M21.8

A

23 Constatação da articulação entre concepções e a evolução do mundo e da Matemática

M21.3; M21.4; M21.6

C

24 Constatação da mudança de concepção em uma esfera intersubjetiva

M21.4; M21.5; M21.6; M21.9

S21.25; S21.26

E

25 Constatação da fusão entre as disciplinas

M21.7 S21.23; S21.25

C

26 Constatação que diferentes áreas do saber interpretam o mundo de diferentes modos

M21.10; M21.11

A, C

27 Constatação da aceitação do modelo cartesiano pelas pessoas

M21.4; M21.12

A

28 Percepção da dificuldade de mudança de concepções

M21.13; M21.23

E

29 Pro-jetando a mudança e suas conseqüências

M21.14; M21.15; M21.16

E

30 Constatação da conexão de tudo em forma de rede e da auto-organização

M21.14; M21.15

S21.24 C

31 Constatação de que a mudança na prática não acompanha a mudança de

M21.21 C, E

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concepções 32 Preocupação com o

conteúdo na educação

S21.4; S21.10; S21.11; S21.12; S21.15

B

33 Preocupação com o fazer sentido

S21.5; S21.6; S21.7; S21.19; S21.21;

B

34 Percepção de que os modos de ser dos alunos em sala de aula afetam sua educação

S21.10; S21.11; S21.12; S21.13

B

35 Percepção da necessidade de se ver o aluno como pre-sença20

S21.13; S21.15; S21.16; S21.17

B

36 Constatação de que alguns professores se consideram detentores da verdade

S21.18 B

37 Compreensão de que as práticas devem ser consoantes com as concepções

S21.27; S21.29; S21.30; S21.31

C

38 Percepção da impossibilidade de se valorar métodos de ensino

S21.28 B

20 Pre-sença é grafada desta maneira para indicar que se trata do termo heideggeriano que indica “ser intencional”, que se volta a ...

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2.3 Invariantes Abrangentes e suas Interpretações

Interpretando as reduções apresentadas na primeira coluna do Quadro

apresentado no item anterior, mediante um trabalho de reunião de significados, ou seja,

de deixar o logos mostrar-se no movimento do próprio pensar, elaboramos as segundas

reduções, indicando que as idéias presentes nas Unidades de Significado convergiram

para cinco categorias. Estas categorias foram nomeadas de: “Do Significado de

Concepções de Mundo”, “Do Significado de Concepções de Educação”, “Da Articulação

entre Concepções”, “Da Percepção da Própria Concepção” e “Da Mudança de

Concepções”.

É importante indicar que as Unidades de Significado que fazem parte de cada

categoria estão interconectadas, de modo a formar uma rede de significados, como

indicado no capítulo “Dos Procedimentos de Análise”. Contudo, a escrita não dá conta

de explicitar a rede, que será apresentada em forma de figura, apontando as

articulações que se mostram entre os Núcleos de Significados. Para interpretá-los, não

importa por que parte da rede iniciar. Um caminho é escolhido pelo pesquisador, de

modo a permear as idéias presentes em diferentes Núcleos de Significado, buscando

fidelidade ao que se mostrava das percepções dos professores-alunos participantes da

pesquisa.

Ao indicar a fala deles, o fizemos de três maneiras. O primeiro modo, como

citação direta, indicando o excerto em itálico entre aspas e, ao final, o código da US

entre parênteses. A segunda forma foi utilizando o excerto no texto corrente entre

aspas, com o código da US no final, entre parênteses. A terceira maneira foi

parafraseando a idéia nuclear presente na US do depoente, indicando entre parênteses

o seu código.

Apresentaremos a seguir, divididos por categoria, a rede de significados por

categoria, indicando as articulações dos Núcleos de Significado obtidos na primeira

redução com uma linha mais espessa. Além disso, colorimos as US de cada depoente

com uma cor diferente, de modo a tornar claro de que modo as idéias desses

depoentes se presentificam na rede. Em seguida, apresentamos o caminho percorrido

na rede para, então, interpretá-lo.

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2.3.1 Categoria A: Do Significado de Concepções de Mundo

Essa categoria mostra modos como concepções de mundo e de conhecimento

estão presentes na vida dos professores e no mundo que os cerca. Desponta-se um

pensar sobre o tema, no qual articulações são explicitadas. O Outro e o mundo são

postos em foco, em busca de compreensões de modos de articulações que se

evidenciam.

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2.3.1.1 Rede de Significados que se mostra na categoria “Do Significado de Concepções de Mundo”

Número Representante

Núcleo de Significado

01 Percepção de possibilidades de abertura a diferentes concepções 06 Explicitação do modelo cartesiano 07 Explicitação de um modo de ver o universo e o conhecimento 18 Percepção de que as concepções não são definitivas, mas estão em devir 22 Constatação da existência de diferentes concepções de mundo e de conhecimento 26 Constatação que diferentes áreas do saber interpretam o mundo de diferentes modos 27 Constatação da aceitação do modelo cartesiano pelas pessoas

A21.6

A21.7M21.5

A21.8

A21.9 A21.10

M21.10

M21.11M21.12

M21.4

M21.1

M21.2 M21.8

D21.13

D21.14

D21.1

A21.1 D21.12

D21.2 M21.16

D21.6 S21.20

D21.9 M21.8

Sophia

Ana

Mainah

André

Depoente

01

06

07

18

22

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2.3.1.2 Caminho percorrido na rede

M21.10

M21.11M21.12

M21.4

A21.8

A21.9 A21.10

M21.1

M21.2 M21.8

A21.6

A21.7M21.5

D21.13

D21.14

D21.1

A21.1 D21.12

D21.2 M21.16

D21.6 S21.20

D21.9 M21.8

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2.3.1.3 Interpretando o caminho percorrido na categoria “Dos Significados de Concepções de Mundo”

Ao se atentar para o mundo em que vivemos, os depoentes constataram que há

diferentes maneiras de vê-lo. Essa constatação já indica uma abertura de

compreensões que consideramos importantes, pois evidenciam possibilidades de virem

a se abrir ao outro, ao mundo.

“Existem diversas formas diferentes de ver e interpretar tudo o que acontece no

universo.” (M21.1)

Abrindo-se ao mundo, há a possibilidade de abrir-se a diferentes modos de ver

ciência, não mais de maneira determinista e estagnada, à moda de dogmas a serem

religiosamente seguidos. A idéia de sua movimentação se fortalece.

“[...] não existe um único método, tido como perfeito.” (M21.8)

Além disso, essas concepções são por vezes explicitadas, evidenciando a

subjetividade que carregam:

“Acredito que cada pessoa o faça a seu modo.” (M21.2)

Essa postura contrapõe visões de absolutismo e de objetividade, que muitos de

nós carregamos. Essa objetividade parece estar enraizada em um modelo cartesiano

que persiste, tradicionalmente, sem sofrer grandes questionamentos.

Há um método arraigado a esse modelo, com quatro preceitos que, se seguidos

constantemente, tem a pretensão de ser uma porta para a compreensão do mundo.

São eles:

1) Dividir o todo em partes,

2) Começar a resolver as partes mais simples para, então, partir para

as mais complexas;

3) Reunir as soluções parciais, de modo a obter solução para o todo;

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4) Ficar atento para que nenhuma parte do problema tenha sido

deixada de lado.

Os depoentes apontaram o quão forte o modelo cartesiano está presente em

nosso cotidiano, destacando seus preceitos de divisão do todo em partes e de

separação entre sujeito e objeto.

“Tudo é analisado separadamente,” (A21.6)

“[...] o sujeito é separado do objeto.” (A21.7)

Essa separação entre sujeito e objeto é criticada pelas teorias da Física

Contemporânea. A Física Quântica indica que o observador de um fenômeno participa

deste, de modo que o próprio termo “observador” se torna obsoleto.

A questão de analisar-se o todo pelas suas partes é questionável e pode ser

polemizado. Isso porque nós, seres humanos, não temos capacidade de abarcar o

todo. O que propomos aqui não é um abandono das partes que o compõe, mas uma

atentividade às articulações que se fazem presentes entre as partes. É um movimento

de trabalhar com as partes, atentando-se aos modos como estão articuladas, cientes de

que não são desconexas, mas que se interligam em uma rede complexa.

Tão perigoso quanto analisar somente as partes é analisar apenas o todo. Um

livro encontrado nas seções de literatura infantil chamado Zoom (1995), ilustrado por

Istvan Banyai, mostra de modo simples e claro que ambos os extremos podem ser

falhos.

Esse livro de 60 páginas, apenas com ilustrações, podendo ser lido de trás para

frente ou de frente para trás, apresenta uma seqüência de 31 fotos. Se lido de frente

para trás, a primeira foto mostra apenas uma imagem vermelha. Na segunda, vemos

que a imagem da página anterior correspondia a uma crista de galo. Foto a foto, um

afastamento ocorre. O galo se mostra primeiro de brinquedo, a seguir, parte de um

outdoor, e assim por diante. A última imagem é a do planeta Terra. Assim, nenhuma

das partes, nem o todo representado pela terra, podem ser vistas isoladamente na

busca de compreensão de um fenômeno.

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Além disso, alguns professores-alunos expressaram falhas no modelo

cartesiano, principalmente no que diz respeito à sua recusa em assumir os aspectos

subjetivos do ser humano na compreensão do universo.

“[...] por deixarem de englobar a subjetividade presente no universo, [os modelos

galiláico e cartesiano] acabam por apresentar certas limitações e deixam de responder

a algumas questões.” (M21.5)

Ainda assim, os professores consideram que esse modelo, apesar de sua vasta

aceitação (M21.12), tem se enfraquecido, pois não causa o impacto e não faz o sentido

que outrora fazia (M21.4).

Essa afirmação de Mainah é interessante, por mostrar que a necessidade de um

modelo está ligada a um contexto. Muito se critica o cartesianismo. Falar a alguém

“Você é cartesiano demais” se tornou uma ofensa. Assim o cartesianismo se apresenta

onticamente, sendo tomado inclusive por alguns como responsável por muitos dos

males da humanidade atual, principalmente no que se refere a problemas ecológicos.

Contudo, o problema não é o modelo em si, mas o fato que ele já não supre todas as

necessidades atuais. Desse modo, outras visões de mundo fazem-se necessárias, sem

desmerecer as que, tal como o cartesianismo, foram vitais para o passado da cultura

ocidental e ainda são importantes para se compreender certos aspectos da realidade.

Outros modos de se ver o universo fizeram-se presentes. Foram enfatizados

nessas concepções os aspectos subjetivos do universo (A21.8), contrapondo alguns

preceitos cartesianos, dentre eles, a separação do todo em partes e a separação entre

sujeito e objeto (A21.9). Em uma concepção em que sujeito e objeto não se separam,

eles participam do mesmo fenômeno, afetando e sendo afetados ao mesmo tempo.

Desse modo, busca-se uma compreensão voltada para o holístico, para o todo,

respeitando as articulações entre suas partes (A21.10).

Ao pensarmos em conhecimento, o paralelo é visível. O modo de conhecer o

mundo é um modo de interpretá-lo e, como toda interpretação, não é único. Uma das

depoentes explicita que “as mais diferentes áreas mostram à sua maneira a forma pela

qual interpretam o mundo que as cerca” (M21.10). Arte e Ciência são exemplos dessa

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interpretação do mundo por meio de diferentes áreas do conhecimento (M21.11).

D’Ambrosio (1996) fala desses modos de ver o mundo em diferentes dimensões: a

Matemática em uma dimensão mais racional e a Arte em uma dimensão mais intuitiva.

[...] o conhecimento científico é favorecido pelo racional, e o emocional prevalece nas Artes. Naturalmente essas dimensões não são dicotomizadas nem hierarquizadas, mas são complementares. Desse modo, não há interrupção, [...] as dicotomias corpo/mente, matéria/espírito, manual/intelectual e outras tantas que se impregnaram no mundo moderno são meras artificialidades (D`AMBROSIO, 1996, p. 21 - 22).

As concepções de mundo estão em constante movimento. Concepções são

modos de organizar e estruturar o universo. Elas acompanham a dinamicidade do

mundo em que vivemos, já que neste estão enraizadas. Não há como determinar uma

concepção suprema, que seja melhor que as outras, visto que são interpretações.

“[...] não que ela [refere-se a uma concepção que assuma a subjetividade

humana] seja definitiva, talvez daqui a alguns anos alguém prove que o mundo é

mesmo objetivo, e derrube completamente esses modos de pensar” (D21.13) “[...] ou

então alguém surge com outra idéia louca, e precisaremos rever novamente nossas

visões de mundo, e adequar nossa forma de pensar a esse modelo”. (D21.14)

Esse excerto indica a necessidade de um movimento circular, ao modo do círculo

existencial hermenêutico, de ação-reflexão-ação-reflexão... Essa é uma visão crítica

atenta ao que se mostra.

Esse movimento pode ser disparado por uma discussão, em um atentar-se ao

tema. No caso desta pesquisa, o disparador utilizado foi um curso sobre concepções de

mundo, que funcionou como um espaço propício para a discussão de temas presentes

a essa temática. Essa possibilidade mostrou ter atingido sua meta, pois, como

explicitam os depoentes:

“Este curso nos trouxe a possibilidade de conhecer as diversas concepções de

mundo que se passaram até os dias atuais.“ (A21.1)

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“Com este curso conheci uma maneira diferente de ver e analisar o mundo.”

(D21.1)

As concepções e visões de uma pessoa estão amalgamadas junto a suas

experiências de vida, tradições que compartilham, em um solo histórico, social e

cultural. Seria ingenuidade pensar que essas concepções seriam desfeitas com

facilidade. Porém, ao debruçarmo-nos sobre as próprias concepções de modo atento e

reflexivo, nossas atitudes podem ser repensadas e novos horizontes podem ser

antevistos.

“Não consegui mudar o meu modo de agir e a minha forma de pensar, mas

agora sei que há uma maneira menos objetiva, exata e talvez até menos [im]parcial de

pensarmos.” (D21.2)

Os alunos também articularam diferentes concepções de mundo com áreas do

saber e com a realidade mundana na qual vivemos, indicando que essas articulações

apontam para uma abertura a diferentes concepções.

“Com o desenvolvimento de teorias como a Teoria da Relatividade, a Teoria do

Caos, o Princípio da Incerteza, podemos analisar o mundo de uma forma diferente, não

como uma estrutura rígida, equacionável e previsível, mas sim como algo em eterno

movimento, em evolução, ou seja, não como uma máquina, mas como um

pensamento.“ (D21.6)

“[Com essas teorias,] Percebeu-se que o todo não é necessariamente igual à

soma de suas partes,” (D21.9)

“[...] não existe mais um único método, tido como perfeito,” (M21.8)

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Com as discussões, um pensar sobre a articulação entre Educação e

concepções foi efetuado, com um olhar atento a maneiras como o mundo se apresenta,

pensando em posturas e metas para o professor em sala de aula:

“Com este curso pude entender o que é transdisciplinaridade, e perceber porque

ela é um modo mais adequado de educar [...], pois é o modo que trabalha mais próximo

da estrutura de mundo em que vivemos” (D21.12)

“Deixaríamos de ver o mundo como uma máquina para enxergarmos como um

organismo vivo.” (M21.16)

“Ao tomar consciência disso, os professores devem aceitar as idéias e os

questionamentos dos alunos e educá-los para que não recebam tudo o que lhes é

imposto sem haver indagações e reflexões.“ (S21.20)

Vemos, nessa categoria, que uma preocupação com a Educação se mostra,

assim como aberturas para uma necessidade de mudança. A articulação entre esses

Núcleos de Significado será expressa na Rede de Significados que engloba todas as

cinco categorias.

A seguir apresentamos a interpretação das quatro outras categorias que

obtivemos para, então, elaborar em nossa Síntese de Transição a interpretação da

totalidade da rede.

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2.3.2 Categoria B: Do Significado de Concepções de Educação

Esta categoria nos fala de significados atribuídos para aspectos relacionados à

Educação. Por vezes, esse significado é posto como núcleos objetivos, constituídos no

movimento subjetividade/intersubjetividade/objetividade e mantidos no modo da

tradição por meio da linguagem. Outras vezes, há a explicitação de núcleos de sentido

do depoente, constituídos, por sua vez, na articulação do significado atribuído com as

crenças e suas experiências vividas.

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2.3.

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2.3.2.3 Interpretando o caminho percorrido na categoria “Do Significado de Concepções de Educação”

Iniciamos a análise dessa categoria com a afirmação de Ana de que, com o

curso, foi possível “compreender o que acontece atualmente com a Educação” (A21.2).

A partir deste excerto podemos inferir que o espaço de discussões estabelecido, tendo

como foco as concepções de mundo e de conhecimento e suas articulações com a

prática docente, mostrou-se como possibilidade para os alunos de voltarem-se sobre as

próprias práticas e crenças, de modo a se movimentarem do ôntico, aquilo que se

mostra, ao ontológico, abertura de sentidos e significados possíveis. Esse movimento

indica uma busca de compreensão do fenômeno, no caso, a Educação.

Nesse movimento de compreensão, ao se debruçarem sobre os modos como a

Educação se apresenta para eles, os alunos explicitaram algumas constatações que já

apontam para uma compreensão que transcende os aspectos ônticos do fenômeno,

uma vez que já buscam tematizar esse assunto e refletir sobre ele.

Indicam que “[a educação está sendo realizada através de um somatório de

partes,] característica do modelo cartesiano” (A21.5).

Essa constatação é corroborada ao voltarmo-nos ao modo como a estrutura

escolar é organizada. A grade curricular não incentiva o trabalho das disciplinas em

conjunto. As disciplinas são tratadas como partes disjuntas de um todo, a dizer, o

conhecimento escolar. O diálogo entre diferentes disciplinas não é priorizado. É

esperado do aluno que, ao final de sua fase escolar, tenha um conhecimento

abrangente, composto pelas diferentes partes/disciplinas, ao qual foi submetido.

Contudo, Mainah indica que há problemas ao se trabalhar com as disciplinas dessa

maneira, pois:

“A Educação, da forma que se encontra atualmente, mostra os conhecimentos

aos alunos de forma fragmentada, esquecendo de lhes ensinar de que forma aquelas

informações podem ser religadas e assumir algum sentido.” (M21.17)

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Além disso, na escola, os aspectos qualitativos da aprendizagem não são

valorizados. O tempo de aprendizagem é um exemplo. Podemos chamar esse tempo

inerente a cada um de tempo psicológico21. Sophia indica que este tempo não é

considerado:

“Nas escolas, esse tempo psicológico do aluno não é levado em conta.” (S21.9)

As aulas têm duração fixa. O número de aulas semanais não é flexível. Os

conteúdos a serem estudados são preparados atendo-se, principalmente, ao tempo

quantitativo disponível. O tempo vivido pelos alunos torna-se secundário.

Sophia afirma ainda que “quando o aluno está em uma aula que não lhe chama a

atenção, ela parece passar mais devagar e este aluno tende a ficar disperso a maior

parte do tempo” (S21.10). Como conseqüência, diz que “diversos docentes se queixam

que seus alunos estiveram dispersos em sala de aula. Uma das explicações para tal

fato ter ocorrido pode ser a falta de interesse dos estudantes por este conteúdo, por

não ter sido tratado de maneira atrativa àquela classe.” (S21.12).

Esse aspecto apontado por Sophia, fala da motivação como possibilidade de

trabalhar com o tempo psicológico dos alunos, ao invés de tratá-la apenas no aspecto

de disparador para a aprendizagem.

Essas constatações indicam uma aproximação da atual estrutura escolar com o

modelo cartesiano, visto que os aspectos subjetivos inerentes à aprendizagem são, por

vezes, desprezados. Dentre esses aspectos podemos indicar os modos de estar dos

alunos, que se articulam com o tempo por eles vivenciados, o modo como articulam

significados, como o sentido se faz etc.

No espaço de discussões, destacou-se a aproximação da escola com o modelo

cartesiano, como já apontado nos excertos anteriores, corroborados pelos que se

seguem:

“Na maioria das escolas da atualidade, a concepção de mundo mais adotada

ainda é a de Descartes, onde são seguidos seus quatro preceitos básicos.” (S21.1)

21 Termo utilizado pelos alunos que consideramos ser similar a tempo vivido, utilizado por Bicudo (2003a).

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“As disciplinas ainda são divididas, não havendo uma interligação entre elas.”

(S21.2)

“Continua-se trabalhando com os conteúdos de modo que os mais simples são

vistos antes dos mais complexos.” (S21.3)

Essa organização cartesiana na escola pode ser vista inclusive na estrutura

física dessas instituições.

No entanto, Sophia indica que não se pode generalizar, pois existem escolas que

não seguem essa estrutura ou que, ao menos, buscam flexibilizá-la:

“Algumas escolas também estão tentando quebrar com os paradigmas de

Descartes e trabalhar de modo conjunto as matérias.” (S21.25)22

A concepção cartesiana presente em muitas escolas não parece ser própria da

instituição, mas compartilhada com os professores que nelas atuam. Um jargão muito

utilizado referente a isto é a do professor detentor da verdade. Essa expressão

representa o professor que considera a verdade de modo estático e coisificado. Nessa

concepção, a verdade é apreendida e pode ser transmitida ao aluno. Verdade não é

relativa a um sistema de verdades, a um referencial adotado, mas segue um ideal

platônico de verdade imutável, já existente aprioristicamente ao processo de abertura

sujeito-mundo.

Sophia considera que os professores devem seguir uma concepção que não

essa ao dizer que:

22 O dito pela depoente encontra sustentação no exemplo dado pela Escola da Ponte, localizada na Vila das Aves, em Portugal. Fundada em 1976, nesta escola, os alunos não são agrupados homogeneamente, visto que não há classificação por turmas, nem por tempo de escolaridade. Quanto ao espaço físico, a escola encontra-se em uma área aberta, os alunos não têm lugares fixos, nem salas de aula. Além disso, não há professores encarregados para determinados grupos. Em vez disso, todos os professores trabalham com todos os alunos e vice-versa. Em seu projeto de institucionalização da escola, é enfocado o objetivo de que a criança ganhe “consciência de si como ser social-com-os-outros” (AVES; NEGRELOS, 2003). Assim, os espaços de debate são postos em destaque, constituindo-se espaços férteis para o ensino e a aprendizagem.

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“Os docentes também não podem acreditar que são detentores da verdade

absoluta.” (S21.18)

Essa concepção de Sophia, apesar de apresentada de maneira dogmática, é

apenas mais uma concepção. Podemos valorá-la positiva ou negativamente,

dependendo do modo como se articula com os significados que atribuímos à escola, o

sentido que Educação faz para nós, nossas crenças, experiências vivenciadas etc.

Desse modo, é importante voltarmo-nos às nossas concepções, para nos

atentarmos ao modo como percebemos as concepções do outro que conosco con-

vive23.

Alguns depoentes explicitaram sua visão de escola, indicando, por exemplo, que

“a escola é responsável pela formação dos futuros cidadãos” (A21.12) e que “esse é o

papel da educação escolar atualmente” (A21.20).

Ao falar do professor, apontam que este “deveria ficar mais atento ao tempo

psicológico do aluno, pois se este último estiver motivado a participar da aula, a

tendência é que fique menos disperso e mais participativo.” (S21.13).

É comum, no entanto, que a responsabilidade da Educação, formação e mesmo

convívio em sala, seja concebida como sendo majoritariamente do professor em sala.

Tal visão fortalece a estrutura cartesiana na escola, em que o professor é detentor do

conhecimento, da verdade e do poder em sala de aula. Sophia, contudo, discorda de tal

posição, ao dizer que “não cabe somente ao professor proporcionar aos discentes uma

aula mais prazerosa. Os estudantes também devem se esforçar em colaborar com o

professor.” (S21.14)

Além disso, outras contraposições ao modelo cartesiano em sala de aula foram

explicitadas. A partição do conhecimento em partes para a sua posterior junção é

questionada, quando Ana diz que “[os alunos] deverão ter o domínio do conhecimento

em sua totalidade” (A21.13). Ela indica que, por meio da consciência da totalidade, os

alunos “poderiam compreender o mundo que os cerca” (A21.14), de modo que teriam “a

23 Con-vive está grafado com hífen propositalmente, para enfatizar a partícula con, indicando que nos referimos ao viver com o outro em um solo comum.

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capacidade de aplicar os conhecimentos adquiridos durante toda uma caminhada

escolar.”(A21.15)

É muito forte a concepção de que o saber escolar do aluno deve ser consoante

com o mundo em que vive, como se percebe no excerto abaixo:

“É necessário preparar o aluno para o mundo, ele precisa conhecer,

compreender e aplicar.” (A21.21)

E, caso a escola atinja seus objetivos, “[...] o aluno será capaz de aplicar os

conhecimentos adquiridos ao sair da escola.” (A21.19)

A escola parece ser, desse modo, um preparatório para o mundo, como um

simulador para o piloto treinar antes que fique frente aos perigos de um vôo real, no

caso, o dia-a-dia do aluno.

Sophia, mesmo não divergindo dessa concepção, indica um fator a mais. Ela não

separa o conhecimento do aluno. Ela preza a possibilidade de o aluno atribuir ou não

significado ao conteúdo estudado:

“Não se quer dizer que o professor deve apenas explicar assuntos do cotidiano

do aluno, e sim que deve trabalhar com diversos conteúdos, mas que tenham algum

significado e alguma utilidade para o aluno.” (S21.8)

A preocupação de Sophia com o conteúdo estudado se mostrou bastante forte.

Ela indica, inclusive, que o tempo destinado às disciplinas não é suficiente para a

administração dos conteúdos:

“A idéia de cuidar para que nada seja omitido ainda é uma constante na

Educação, pois o que se vê são currículos com uma quantidade elevada de conteúdos

para a carga horária destinada àquelas disciplinas.” (S21.4)

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Ela se atenta, ainda, ao modo como o aluno pode vivenciar o ensino e a

aprendizagem do conteúdo estudado, focando o tempo-vivido pelo aluno:

“Diversos docentes se queixam que seus alunos estiveram dispersos em sala de

aula. Uma das explicações para tal fato ter ocorrido pode ser a falta de interesse dos

estudantes por este conteúdo, por não ter sido tratado de maneira atrativa àquela

classe.” (S21.12)

“Já os conteúdos com que esse aluno tem mais afinidade, parecem passar mais

depressa e prendem a atenção desse estudante por mais tempo.” (S21.11)

Além disso, ela percebe a importância do Outro, ao destacar que sua experiência

de vida e crenças se articulam na constituição do sentido que algo faz para o aluno.

Desse modo,

“O professor, ao explicar um conteúdo, também precisa se preocupar com a

bagagem cultural do aluno.” (S21.15)

Para ela, a relevância dos conteúdos estudados está relacionada ao fazer

sentido, de modo que deixa transparecer entendimento de que não há aprendizagem se

o sentido não se faz:

“Muitos desses conteúdos podem ser irrelevantes para a turma em questão, se

não fizer sentido o estudo para elas.” (S21.5)

“Os conteúdos devem fazer sentido para o que aluno consiga aprendê-lo.”

(S21.6)

Ela considera que, para haver a constituição desse sentido, é necessário que o

aluno esteja motivado e, nesse caso, motivação é vista como disparadora da

aprendizagem:

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“É preciso que o aluno esteja motivado a aprender e que este aprendizado seja

útil em sua vida.” (S21.7)

É evidenciada uma situação de transcendência de sentido como fenômeno.

Deixando a temática Educação, Sophia abre possibilidades de compreensão de

sentido, articulando-o com uma concepção de verdade:

“Hoje em dia se fala em verdade como sentido, ou seja, não mais uma verdade

absoluta e sim uma verdade que faça sentido para quem acredite nela.” (S21.9)

Nessa concepção, sentido deixa de ser coisificado e passa a ser constituído pelo

sujeito para quem o sentido se faz, em uma articulação entre significados postos no

mundo, crenças, experiências vividas etc.

E o sentido pode ser transmitido? Consideramos que não, pois sentido se faz

para a pessoa que, de modo atento, indaga pelo que é dito no mundo. Ela pode

expressar o sentido que para ela se faz, mas ao outro, essa expressão precisa estar em

sintonia com sua intencionalidade, se articular com suas crenças, experiências vividas,

significados que atribui etc., de modo a constituir novo sentido:

“O que é dito por outro só pode ser aceito se fizer sentido para o indivíduo.”

(S21.12)

O tempo vivido do aluno é um aspecto destacado pelos depoentes ao indicarem

uma abertura ao outro. Alguns indicativos dos modos de vivenciar a aprendizagem pelo

aluno são apresentados, por exemplo, quando o aluno está disperso na aula, pois

“quando o aluno está em uma aula que não lhe chama a atenção, ela parece passar

mais devagar e, este aluno tende a ficar disperso a maior parte do tempo” (S21.10),

enquanto que em uma situação em que o aluno tenha afinidade com os conteúdos

estudados, seu tempo vivido é mais rápido e sua atenção se volta ao tema estudado

por mais tempo (S21.11).

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Quando o professor se atenta ao tempo vivido pelo aluno, ele pode compreender

como os alunos se interessam ao conteúdo estudado (S21.12), o quê atribuem de

significado, o sentido que o conhecimento faz ao aluno, as possibilidades que esse

conhecimento abre etc. Ao lidar com essas manifestações, Sophia crê que um dos

aspectos que o professor pode trabalhar é a motivação do aluno, que o incentivaria a

participar mais da aula, tornando-o mais participativo(S21.13).

Esse voltar-se ao aluno, em seus modos de ser, pode ser entendido como um

abrir-se ao outro, entendendo-o como pre-sença.

Como pre-sença, o aluno tem um solo histórico de experiências vividas a ser

levado em conta (S21.15) que, articuladamente com os significados tradicionais

discutidos em sala de aula e com as concepções que têm, se amalgamam em uma rede

em que o sentido se constitui e se evidencia.

Presente, passado e futuro do aluno não são vistos mais de modo linear causal.

Sophia considera que são articulados e que o professor deve estar atento a isto:

“Os fatos acontecidos no passado do educando influenciam seus atos presentes

e seus anseios futuros.” (S21.16)

“O tempo, pelo professor, não deve ser visto como algo linear: o que aconteceu

no passado não tem relação com o presente e não influenciará no futuro. Isso é

mentira. Fatos do passado do aluno podem sim influenciar a atitude dele agora ou no

futuro.” (S21.17)

Nessa concepção, passado, presente e futuro não se fecham em si. O passado

não se perde, mas se mantém, ao ser incorporado à rede de vivências do aluno. Esse

passado está no presente e em seu futuro, pois participa na elaboração de pro-jetos,

que se lançam à frente.

Alguns participantes do curso indicaram a importância do curso como um espaço

de discussões que lhes “deu a oportunidade de refletir a respeito de novas

possibilidades pedagógicas” (A21.3), com ênfase àquelas em que o aluno é visto como

pre-sença, de modo que as idéias e questionamentos dos alunos devam ser levados

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em conta pelo professor e a Educação caminharia no sentido de que os alunos não

recebessem a informação de maneira passiva, mas que evidenciassem seu significado,

por meio da reflexão(S21.20).

No entanto, Mainah argumenta que uma mudança de postura em sala de aula,

que viesse a acarretar uma implementação de métodos pedagógicos não usuais “é

difícil, isto por depender da aceitação da direção escolar, dos pais, dos professores, do

comprometimento tanto do corpo docente quanto do discente da instituição, por afetar o

ego de alguns profissionais que se julgam detentores absolutos do saber e ainda por

interferir na hierarquização das disciplinas que ocorre naturalmente em toda escola.”

(M21.23)

É interessante essa constatação de Mainah, pois ela percebe que uma mudança

não é dada de modo linear, mas que envolve uma totalidade, composta de uma série

de fatores articulados.

Se, por um lado, alguns dos participantes da discussão consideraram que

qualquer mudança na escola deve envolver diversos fatores, por outro lado, outros

dizem que a responsabilidade de mudança é do educador. (A21.24)

“A chave do sucesso está na mão do professor.” (S21.32)

Mainah aponta uma linearidade para essa mudança ao indicar que, embora de

modo lento, para ocorrer um ensino abordando diferentes perspectivas, no qual as

articulações entre as disciplinas são explicitadas e os alunos são incentivados a ver os

objetos e os acontecimentos deixando seus pressupostos em suspensão, é necessário,

primeiramente, que os educadores mudem suas concepções e posturas para, então,

buscarem inovações em sala de aula. (M21.20)

Algumas das possibilidades pedagógicas discutidas que destacam a visão da

totalidade no ensino e aprendizagem são a inter e a transdisciplinaridade, pois nestas o

trabalho com as inter-relações de assuntos é efetuado, introduzindo a idéia de que os

problemas devem ser vistos como um todo (M21.22). Ana considera também que “[...]

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é preciso ir além das disciplinas na tentativa de ampliar o conhecimento para que haja

uma maior compreensão dos conteúdos curriculares.” (A21.16)

André considera que “um ensino transdisciplinar é uma alternativa para a

Educação, [que] é uma proposta que deve ser estudada e aplicada nas escolas.”

(D21.15)

Ao se pensar em modos de se trabalhar essas posturas pedagógicas, Ana

destaca a possibilidade de haver alterações no currículo:

“Poderia se pensar num currículo alternativo, não deixando de lado as

especificidades de cada disciplina, mas, poderia se trabalhar paralelamente com a inter

e transdisciplinaridade também” (A21.17)24

É importante notar que um ensino que preza a totalidade no conhecimento não

precisa e nem deve desprezar as especificidades de cada disciplina. André aponta um

modo de como isso pode ser feito na sala de aula:

“O mais indicado é trabalhar com as disciplinas interligadas, como redes,

trabalhando com os pontos específicos de cada disciplina, mas não esquecendo das

relações de umas com as outras.” (D21.11)

A depoente ainda indica algumas potencialidades quando o ensino segue uma

estratégia transdisciplinar:

“O aluno deve ser envolvido em diversas atividades, desafios, novas propostas

de ensino, a fim de que se sinta motivado a estudar, pesquisar e a compreender o que

lhe é proposto” (A21.18)

24 Nota-se aqui a ocorrência de idéias sobre currículo que vão ao encontro do currículo dinâmico de D’Ambrosio, que está explicitado no Capítulo 1.1.2 “De Concepções”.

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“Se cada um introduzir novas possibilidades de ensino em seu planejamento,

mesmo que seja apenas o trabalho com projetos, de modo que o aluno compreenda o

todo, já é um bom começo.” (A21.25)

André crê que a transdisciplinaridade é “um trabalho que vai ser recompensado,

ao ver que a Matemática, por exemplo, vai finalmente fazer sentido para os alunos”

(D21.20) “e, ao contrário do que acontece hoje em dia, eles saberão dizer porque

aprendem isso.” (D21.21)

Sophia indica que o governo já tem tido a preocupação com a totalidade do

conhecimento, de modo que tem incluído a necessidade de trabalhos inter e

transdisciplinares em seus parâmetros curriculares (S21.26), contudo, argumenta que

um ensino que siga esse viés apenas será eficaz “[...] se o professor tiver conhecimento

de como proceder e acredite que aquilo realmente é o melhor para os seus alunos.”

(S21.27)

Entendemos que essa afirmação de Sophia é importante, pois revela que, caso

um discurso seja aceito sem um pensar sobre, é possível que se torne dogmático,

podendo se estagnar e fechar-se em uma redoma à moda do ensino ao qual critica.

Neste ponto a importância de voltar-se sobre as próprias concepções se evidencia.

Sophia diz que “é impossível dizer qual é o melhor método de ensino.” (S21.8)

Essa compreensão é importante por indicar que não se tem mais um referencial fixo

que servirá de modelo aos demais. Um modelo é bom dentro de certo regime de

verdade, de acordo com certos objetivos, beneficiando certas pessoas.

Quanto à adequação das práticas às concepções, os depoentes revelaram que a

mudança de postura pode ser difícil, por envolver um conflito com o que nós mesmos

estamos habituados a agir. É um brigar com a própria rotina, discordar das próprias

práticas.

Alguns participantes da discussão apontaram vontade de mudar, mas que são

traídos por sua própria prática:

“Não sei ainda como iria trabalhar com a transdisciplinaridade em uma escola,

pois acabo sempre caindo no cartesianismo quando penso nisso” (D21.17)

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E para mudar essa prática, André afirma que estudará formas de aplicar a

transdisciplinaridade (D21.18).

Aqui se evidenciam horizontes de significação de concepções de ensino. Há um

voltar-se sobre as concepções de Educação e um pro-jeto de mudança.

Ontologicamente, foi compreendido que essa mudança não se efetua isoladamente e

não é apenas uma questão de tomada de decisão. Há diversos fatores incluídos, dentre

eles, a força da rotina, o peso da tradição, o risco de se mudar etc.

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2.3.3 Categoria C: Da Articulação entre Concepções

Esta categoria nos fala da articulação entre concepções de mundo, de

conhecimento e de Educação.

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2.3.

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2.3.3.3 Interpretando o caminho percorrido na categoria “Da Articulação entre Concepções”

Os participantes da discussão reconheceram a importância de visões de mundo

na história da humanidade. Ao invés de contraporem e valorarem modelos,

hierarquizando-os, indicam a importância que tiveram para a construção dos saberes

humanos:

“Tais visões de mundo [...] auxiliaram na evolução dos saberes humanos, na

superação de determinados obstáculos e mostraram a grande importância da

Matemática e o quanto ela pode contribuir para a humanidade.”(M21.3)

Mainah indica que esses modelos emergem pela necessidade vivenciada em

determinado contexto histórico:

“[Ao longo dos últimos séculos,] o fazer e o compreender a ciência apresentaram

diversas mudanças influenciadas tanto pelas novas descobertas quanto pela época e

contextos nas quais ocorrem.” (M21.6)

Mesmo que esses modelos permaneçam no mundo em que emergem, sua

evidência original pode não ser reativada, mantendo-se no mundo por conta da

tradição. Assim o foi com os modelos galiláico e cartesiano, contudo, Mainah afirma que

eles têm se enfraquecido, em termos de impacto e em termos de sentido que fazem.

Além do contexto histórico e social, é apontado que diferentes áreas do saber

têm diversas perspectivas e visões de mundo inerentes a si:

“As mais diferentes áreas mostram à sua maneira a forma pela qual interpretam

o mundo que os cerca.” (M21.10)

“Assim como a Arte, também a Ciência é uma forma de explicitar uma

compreensão do mundo.” (M21.11)

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Uma articulação entre as concepções de Educação e de mundo e conhecimento

é evidenciada pelos participantes da discussão, de acordo com os excertos abaixo:

“Se as concepções de mundo se modificaram, é necessário que a Educação

também passe por modificações.” (A21.11)

“[os futuros cidadãos deverão ter o domínio do conhecimento em sua totalidade]

para que assim, possam compreender o mundo que os cerca” (A21.14)

“Vivemos num mundo subjetivo, e, portanto, a Educação deverá acontecer de

acordo com essa concepção.” (A21.27)

“É necessário adequar a Educação a esse mundo dinâmico e subjetivo onde

vivemos.“ (D21.7)

Nesses trechos fica claro que os participantes da discussão consideram

necessário a atenção aos aspectos subjetivos da Educação, características que foram

suprimidas e deixadas em segundo plano por visões de mundo que se aproximam do

cartesianismo.

A mudança de concepções também se mostrou natural, visto que estão

enraizadas em um mundo em movimento. No entanto, apesar da dinamicidade das

concepções, evidenciou-se a percepção dos depoentes de que há certa resistência na

Educação, de modo que as escolas insistem em seguir referenciais cartesianos:

“Na maioria das escolas da atualidade, a concepção de mundo mais adotada

ainda é a de Descartes, onde são seguidos seus quatro preceitos básicos.” (S21.1)

Algumas características que corroboram essa afirmação são:

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“As disciplinas ainda são divididas, não havendo uma interligação entre elas.”

(S21.2)

“Continua-se trabalhando com os conteúdos de modo que os mais simples são

vistos antes dos mais complexos.” (S21.23)

“[a educação está sendo realizada através de um somatório de partes,]

característica do modelo cartesiano” (A21.5), tratando “os conhecimentos dos alunos de

forma fragmentada, esquecendo de lhes ensinar de que forma aquelas informações

podem ser religadas e assumir algum sentido.” (M21.17)

Como apontado por Mainah e já discutido um pouco na categoria Do Significado

de Concepções de Educação, ao se seguir os preceitos cartesianos, não há

preocupação com o fazer sentido do quê é estudado. Mainah valora isso

negativamente:

”De nada vale conhecer inúmeras teorias da Física, saber aplicar outras tantas

fórmulas matemáticas e decorar infinitas datas na aula de história se fora do âmbito

escolar todas estas informações não tiverem aplicabilidade, se o discente não puder ver

uma ligação entre elas e sua presença em todo o mundo.” (M21.18)

Consideram que, ao voltar às suas próprias práticas e concepções, há uma

mudança de atitude:

“O conhecimento não é mais algo pronto, e o professor não é a única fonte de

conhecimento, e muito menos o detentor de todos os conhecimentos.” (D21.8) e “ao

tomar consciência disso, os professores devem aceitar as idéias e os questionamentos

dos alunos e educá-los para que não recebam tudo o que lhes é imposto sem haver

indagações e reflexões.” (S21.20)

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Sophia considera que esse passo é vital para que o círculo retro alimentador

saber-poder seja rompido:

“Só assim a idéia de saber-poder, onde quem detém o saber também tem o

poder, será derrubada e só terão poder aqueles que realmente querem fazer algo pelo

bem da humanidade.” (S21.22)

Essa opinião de Sophia vai ao encontro de D’Ambrosio (1997), quando este

afirma que:

a atual proliferação das disciplinas e especialidades acadêmicas e não-acadêmicas conduz a um crescimento incontestável de poder associado a detentores desses conhecimentos fragmentados. Esse poder contribui para agravar a crescente iniqüidade entre indivíduos, comunidades, nações e países. (D’AMBROSIO, 1997, p. 10)

Apesar dessa resistência de mudança de alguns profissionais e instituições,

Sophia indica que algumas escolas têm tentado se desvincular um pouco do modelo

cartesiano:

“Algumas escolas também estão tentando quebrar com os paradigmas de

Descartes e trabalhar de modo conjunto com as matérias.” (S21.25)

Ela indica ainda que essa tendência de “fusão entre disciplinas particulares”

(M21.7), que constitui uma ruptura com o modelo cartesiano, visa, dentre outros

objetivos, o fim de uma visão de verdade absoluta (S21.23).

A ruptura com o modelo cartesiano na Ciência e na Educação abre

possibilidades para o ser humano de valorizar os aspectos sensíveis dos fenômenos

vivenciados:

“Passou-se a ver agora o mundo e o ser humano não mais como uma máquina,

e surgiu a idéia de um mundo sistêmico, em que tudo está interligado.” (S21.24)

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Mainah vislumbra algumas possibilidades caso essa ruptura ocorresse,

principalmente no que se refere ao enfraquecimento das relações lineares de causa e

efeito. Ela acredita que, caso as pessoas se convençam algum dia da necessidade de

analisar os fatos de outra perspectiva para superar dificuldades, elas passariam a

compreender que não se pode buscar uma única causa para algum problema e que

cada ação executada irá afetar diversos lugares e fatos, pois tudo e todos estão

conectados e relacionados. (M21.14)

E, deste modo, “perceberia-se ainda que, quando algo é modificado, as coisas

tendem a se auto-organizar25 dentro da nova realidade que lhes é imposta e como esta

auto-organização ocorre constantemente gerando padrões que fazem com que, por

mais que tudo mude o tempo inteiro, na verdade pareça sempre igual.” (M21.5)

A seguir, serão apresentadas algumas possibilidades pedagógicas discutidas,

que podem revelar o entendimento dos participantes da visão holística de

conhecimento.

Um modo de trabalhar sem a separação do todo para, posterior junção, é o da

transdisciplinaridade:

“Esta forma de ensinar, abordando diferentes perspectivas, mostrando as

ligações entre as disciplinas e incentivando o aluno a “ver” os fatos/objetos traria um

maior significado ao estudo e facilitaria na aprendizagem e no desenvolvimento e

aprofundamento dos conhecimentos.” (M21.19)

André considera que o trabalho com tal método de ensino, “vai ser

recompensado, ao ver que a Matemática, por exemplo, vai finalmente fazer sentido

25 Esse princípio de auto-organização é estudado na Teoria do Caos. Por mais caótico que um sistema pareça, ele tem a característica de se auto-organizar após certo número de iterações. São sistemas em movimento, mas que mantêm um padrão, uma estrutura. Essa estrutura pode ser vista como um aspecto objetivo do sistema, que é dinâmico e constante ao mesmo tempo. Ele se movimenta, mas tem uma estrutura que o caracteriza.

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para os alunos,” (D21.20) “e ao contrário do que acontece hoje em dia, eles saberão

dizer porque aprendem isso.” (D21.21)

No entanto, Sophia aponta que esse trabalho envolve a necessidade de saber o

como proceder e deve ser consoante com as concepções que o professor tem de

mundo e de conhecimento:

“Todos esses métodos [inter, multi e transdisciplinaridade] serão eficazes se o

professor tiver conhecimento de como proceder e acredite que aquilo realmente é o

melhor para os seus alunos.” (S21.27)

André compartilha da preocupação de Sophia acerca do como trabalhar a

transdisciplinaridade:

“Não sei ainda como iria trabalhar com a transdisciplinaridade em uma escola,

pois acabo sempre caindo no cartesianismo quando penso nisso.” (D21.17)

A razão para tal afirmação pode ser compreendida a partir de algumas

constatações de André durante as discussões ocorridas, em que ele indicava que a

base do pensamento ocidental estava impregnada do modelo cartesiano,

tradicionalmente mantido. Logo, como integrante dessa sociedade, considera natural

que essas influências se evidenciem.

Um momento em que isso ficou marcante foi quando, ao ser pedido para

sintetizarem na lousa os temas estudados, os alunos começaram a fazê-lo de modo

linearmente cronológico. André levantou-se e disse: “Como fica claro o quão cartesiano

nós somos. Criticamos a linearidade e o conhecimento sem aspectos qualitativos, mas

são exatamente esses os aspectos que estamos enfocando”.

A consonância entre práticas e concepções foi um aspecto forte apontado pelos

participantes da discussão. (S21.27)

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Sophia indica que alguns defenderão teorias como dogmas ao dizer que serão

“inúmeros os pedagogos e psicólogos que defenderão as teorias” (S21.29), mas que,

“para que a teoria dê certo na prática, é preciso que o professor esteja motivado a

utilizá-la e a defendê-la.” (S21.30) Ela é enfática ao dizer que “caso contrário nenhuma

teoria terá êxito.” (S21.31)

Ao voltar-se para o cotidiano, Mainah considera que, mesmo que as concepções

de mundo e de conhecimento estejam mudando, essa mudança não é acompanhada

necessariamente pela prática:

“Ainda que nos últimos anos, a idéia de que o conhecimento não pode mais ser

abordado de forma fragmentada está crescendo, mas, na prática, as mudanças ainda

são isoladas e quase imperceptíveis.” (M21.21)

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2.3.4 Categoria D: Da Percepção da Própria Concepção

Nesta categoria são interpretadas as aberturas que os participantes da discussão

efetuaram em relação à sua própria concepção. O voltar-se às nossas concepções,

colocando-as em destaque como se mostram a nós mesmos, ao Outro, no mundo em

que vivemos e no-mundo-com-os-outros, indica o movimento de reflexão, de auto-

conhecimento e de compreensão refletida das concepções assumidas ou que estão a

caminho de serem assumidas.

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2.3.4.1 Rede de Significados que se mostra na categoria “Da Percepção da Própria Concepção”

2.3.4.2 Caminho percorrido na rede

Sophia

Ana

Mainah

André

Depoente

D21.3

D21.4

D21.17

D21.18

Número

Representante Núcleo de Significado

16 Percepção da própria compreensão cartesiana de mundo 19 Percepção de não saber trabalhar de modo diferenciado, mas aceita a possibilidade de mudar

D21.3

D21.4

D21.17

D21.18

16 19

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2.3.4.3 Interpretando o caminho percorrido na categoria “Da Percepção da Própria Concepção”

Essa é uma categoria que muito nos diz do porquê da dificuldade de mudança

de concepções e da mudança na prática ser consoante com essas concepções.

A força da prática tradicionalmente efetuada, como dificultador de mudanças é

evidenciada por André, ao constatar a influência do modelo cartesiano em suas

próprias concepções:

“Estamos acostumados com o modelo cartesiano, ou seja, com um mundo fixo,

objetivo.” (D21.3)

“Estamos acostumados a separar o todo em partes, analisar as partes e por

último juntá-las para tentar formar o todo novamente.” (D21.4)

André ainda aponta um horizonte de possibilidades de mudanças em sua prática,

um horizonte antevisto, onde lança seus pro-jetos de mudança. Indica, contudo, a

dificuldade de lançamento desse pro-jeto devido ao seu mundo-vida26, que foi

constituído com forte apelo cartesiano.

“Não sei ainda como iria trabalhar com a transdisciplinaridade em uma escola,

pois acabo sempre caindo no cartesianismo quando penso nisso.” (D21.17)

Apesar de tal dificuldade, ele antevê a possibilidade de a mudança ocorrer e

considera que estudar os modos de como aplicar a transdisciplinaridade em sala de

aula faz parte de seu pro-jeto de mudança:

26 Mundo-vida é entendido como o campo onde ocorrem todas as nossas experiências. É onde o corpo-próprio realiza as ações, é o campo de todos os pensamentos e de todas as percepções explicitas(Bicudo, 2000, p.30).

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“Com toda certeza estudar uma forma de aplicar a transdisciplinaridade é algo

que vou fazer.” (D21.18)

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2.3.5 Categoria E: Da Mudança de Concepções

Esta categoria tratará das mudanças antevistas pelos participantes do curso.

Nela, eles falam de suas próprias concepções, sobre o voltar-se a elas, sobre o pro-jeto

de mudança e da mudança-com-o-outro-no-mundo.

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2.3.

5.1

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2.3.

5.2

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2.3.5.3 Interpretando o caminho percorrido na categoria “Da Mudança de Concepções”

Ana considera que o espaço de discussões foi propício para conhecer diferentes

concepções de mundo que se passaram até os dias de hoje (A21.1). Esta constatação

evidencia o espaço intersubjetivo como uma possibilidade de abertura ao Outro, sendo

este Outro não apenas constituído como pre-sença, mas em todo o não-Eu, em cuja

concepção podemos considerar aquelas que não as próprias.

Ao abrir-se ao outro, voltar-se ao mundo, Ana indica que “tudo faz parte de um

contexto, mas é necessário fazer mudanças” (A21,23) e que temos “que nos conformar

que as concepções de mundo e conhecimento se transformaram.” (A21.26)

Todos os participantes constatam a necessidade de mudança de concepções e

de práticas condizentes com a percepção da realidade e com as concepções em uma

dimensão intelectual. Sophia, por exemplo, indica que a relação saber-poder apenas

poderá ser quebrada considerando-se verdade como sentido e que, quebrada essa

relação, o poder será daqueles que querem fazer algo pelo bem da humanidade.

(S21.22)

Ao indicarem modos de se propiciar essa mudança, os participantes efetivaram

diversas articulações com a Educação e consideraram majoritariamente a

transdisciplinaridade como um meio de movimentarem-se para essa direção. Ana, ao

apontar possibilidades de valorização do todo, diz que “se cada um introduzir novas

possibilidades de ensino em seu planejamento, mesmo que seja apenas o trabalho com

projetos, de modo que o aluno compreenda o todo, já é um bom começo” (A21.25)

Sophia indica ainda que é fundamental um trabalho com os alunos de modo que

eles possam encarar os conteúdos de modo mais crítico, em que os professores

aceitem seus questionamentos, deixando de lado a idéia de transmissão de verdades.

(S21.20)

Mainah, por sua vez, acredita que a implantação de novas metodologias, como a

transdisciplinaridade em sala de aula, envolve muitas dificuldades, mas que estas “[...]

valem a pena serem enfrentadas.” (M21.24)

Ela ainda pro-jeta as mudanças de atitude das pessoas, motivadas pelas

mudanças de concepções, a dizer, de uma concepção cartesiana de mundo e de

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conhecimento para uma concepção contemporânea, em que a linearidade e

causalidade cartesiana são rompidas:

“Admitindo [-se] que algum dia isto acontecerá as pessoas passariam a

compreender como não se pode buscar uma única causa para algum problema, como

cada ação que temos irá interferir em diversos lugares/fatos, como tudo e todos estão

de alguma forma conectados e relacionados.” (M21.14)

“Perceberia-se ainda que, quando algo é modificado, as coisas tendem a se

auto-organizar dentro da nova realidade que lhes é imposta e como esta auto-

organização ocorre constantemente gerando padrões que fazem com que, por mais

que tudo mude o tempo inteiro, na verdade pareça sempre igual.” (M21.15)

“Deixaríamos de ver o mundo como uma máquina para enxergarmos como um

organismo vivo.” (M21.16)

Exceto André, todos os participantes explicitaram que a responsabilidade de

mudanças em sala de aula é dos educadores:

“[As mudanças que devem ocorrer] são de responsabilidade de todos os

educadores.” (A21.24)

Mainah acredita que, para que esse ensino - em que se abordem diferentes

perspectivas, mostrando-se as articulações entre as disciplinas e incentivando o aluno

a ver os objetos e os acontecimentos buscando deixar seus pressupostos em

suspensão - ocorra, é necessário que, primeiramente, os educadores mudem suas

concepções e posturas para, então, buscarem inovações em sala de aula, mesmo que

de modo lento. (M21.20)

A mesma opinião é compartilhada por Sophia, que diz que “a chave do sucesso

está na mão do professor” (S21.32).

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Quanto ao modo como essa mudança ocorreria, os participantes pro-jetam as

possíveis dificuldades:

“Não será possível modificar o ensino do dia para a noite, e em pontos isolados.”

(A21.22)

“Tudo faz parte de um contexto, mas é necessário fazer mudanças.” (A21.23)

“[...] para que isto ocorra, será necessário que primeiro os educadores mudem

suas concepções e posturas para somente depois buscarem inovações em sala de

aula, ainda que de forma lenta” (M21.20), mas André crê que “muitos professores não

vão querer deixar de dar as suas aulas, como sempre deram durante muitos anos, mas

a partir do momento que verem os resultados e o maior interesse dos alunos pelas

aulas dos outros professores, vão acabar mudando também.” (D21.16)

André, neste momento, percebe a força das práticas tradicionalmente mantidas,

mas antevê possibilidades de mudança. Ao contrário dos demais, ele indica que a

responsabilidade de mudança é também do educando.

Mainah considera as dificuldades que podem aparecer na efetivação de

mudanças no ensino e na aprendizagem:

“Implantar qualquer um destes métodos é difícil, isto por depender da aceitação

da direção escolar, dos pais, dos professores, do comprometimento tanto do corpo

docente quanto do discente da instituição, por afetar o ego de alguns profissionais que

se julgam detentores absolutos do saber e ainda por interferir na hierarquização das

disciplinas que ocorre naturalmente em toda escola.” (M21.23)

A razão para isto é apontada por ela mesma ao indicar que “é difícil convencer a

todos de que é preciso analisar os fatos de outra perspectiva para buscar saídas,

melhorias.” (M21.23)

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Ela indica que as mudanças na prática não acompanham as mudanças de

concepções:

“Ainda que nos últimos anos, a idéia de que o conhecimento não pode mais ser

abordado de forma fragmentada está crescendo, na prática, as mudanças ainda são

isoladas e quase imperceptíveis.” (M21.21)

Apesar dessa constatação, ela antevê a mudança, apontando a razão de sua

necessidade:

“[Ao longo dos últimos séculos)] o fazer e o compreender a ciência apresentaram

diversas mudanças influenciadas tanto pelas novas descobertas quanto pela época e

contextos nas quais ocorrem.” (M21.6)

“As percepções de mundo mudaram, bem como a forma de representá-las.”

(M21.9)

“Por deixarem de englobar a subjetividade presente no universo, (os modelos

galiláico e cartesiano) acabam por apresentar certas limitações e deixam de responder

a algumas questões.” (M21.5)

André, pro-jeta a mudança na própria prática, admitindo a dificuldade que se

opera ao se articular concepções de mundo e de conhecimento e a mudança em sua

prática como educador:

“Não sei ainda como iria trabalhar com a transdisciplinaridade em uma escola,

pois acabo sempre caindo no cartesianismo quando penso nisso.” (D21.17), “mas com

toda certeza estudar uma forma de aplicar a transdisciplinaridade é algo que vou fazer.”

(D21.18)

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André, ao voltar-se sobre as próprias concepções e práticas, transcende-as, de

modo a atentar-se ao mundo-vida, questionando-se sobre a articulação entre as

maneiras de se perceber o mundo e as concepções de quem o percebe.

“Para os seres humanos o mundo é assim, mas será que é mesmo?” (D21.5)

Essa exposição de dúvida pode ser vista como uma busca pelo ontológico, tal

como um ritual de passagem, em que um estalo se dá e um ver claro de manifesta.

André contesta os significados postos sobre o que se mostra, em um indício de visão

crítica. A dúvida é um indicativo de movimentação do ôntico para o ontológico: a dúvida

sobre o que se mostra, buscando possibilidades de compreensão da estrutura do

fenômeno.

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CAPÍTULO III: APRESENTANDO INTERPRETAÇÕES À MODA DE UMA SÍNTESE

Interpretadas as categorias abrangentes, voltamos nosso olhar para a totalidade

da rede que se mostra, articulando a percepção da fala dos depoentes, a fala do

pesquisador, da orientadora, dos grupos de pesquisa e os conceitos estudados na

literatura considerada relevante ao tema, em busca da compreensão do interrogado

nesta pesquisa.

Iniciaremos explicitando a Rede de Significados em sua totalidade, que se

mostrou para o pesquisador, para, então explicitar a compreensão do pesquisador

sobre o interrogado.

A rede é composta pelos Núcleos de Significado (NS) representados por discos,

numerados de acordo com a tabela de reduções do Capítulo 2.2. Cada disco é colorido

de acordo com a categoria que o NS que representa participa e, no caso de integrar

duas categorias, será colorido com ambas as cores. A espessura de um disco indica

sua densidade, ou seja, o número de Unidades de Significado que convergem para o

Núcleo de Significado que representa.

Em seguida, um maior descolamento é efetuado e vislumbram-se possibilidades

de compreensão sobre Matemática e Educação Matemática que se abriram com a

compreensão do interrogado. Encerramos este trabalho com uma meta-compreensão

do pesquisador acerca de sua trajetória de pesquisa.

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3.1

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138

3.2 Expondo o pensar sobre as categorias de convergência

O objetivo nesta síntese não é o de homogeneizar, nem de fixar ou de considerar

o trabalho terminado. Desse modo, o título conclusão não retrataria bem o que visamos

neste capítulo. Considerações Finais tampouco nos parece apropriado, pois este

capítulo busca uma articulação pensada e refletida, e não um mero perambular por

meio dos dados, pois se poderia caminhar por eles sem perseguir seu sentido e

significado de modo refletido. Não é o caso.

Esta síntese, que também poderia ser chamada de Síntese de Transição, se

trata de uma compreensão dada espaço-temporalmente. Cada pessoa que leia o

trabalho, assim como a fala dos depoentes, poderá estabelecer articulações próprias,

de modo que o sentido que a pesquisa faz poderá ser diferente, possibilitando

diferentes compreensões que serão, também, transitórias, pois somos seres dinâmicos,

em constante devir. Compreensões se abrem, escolhas são efetuadas, horizontes de

possibilidades são antevistos, pro-jetos são lançados. Cada vez que a dissertação for

aberta, a cada momento que houver um debruçar-se sobre ela, novas possibilidades

se abrem e um mundo novo se apresenta.

Com isto, ao invés de fechar esta dissertação em uma redoma, assumo sua

transitoriedade. Ela não tem a pretensão de fechar-se em si, de esgotar o assunto

tematizado, mas de abri-lo a compreensões, propiciar um terreno fértil de discussões,

minhas, do professor que a leia, minhas-com-o-professor-que-a-leia. Poderia ainda

incluir muitos outros hífens nesta expressão, tais como orientadora, grupos de

pesquisa, literatura relevante, experiências de vida, crenças etc, uma vez que o Outro,

o não-Eu, foi tão importante quanto o Eu nesta pesquisa.

Na busca pelo interrogado, nos movimentamos em um espaço de discussões,

interpretamos hermeneuticamente as falas dos depoentes, selecionamos Unidades de

Significado que nos auxiliassem na compreensão do fenômeno, analisamos

convergências, obtendo categorias, para, então, interpretá-las agora. É o momento de

sintetizar o trabalho elaborado com as falas dos depoentes, nossas leituras,

discussões, experiências de vida etc, em um discurso inteligível, perseguindo o

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interrogado, a dizer, o modo pelo qual o movimento de meta-compreensão e a relação

concepção/meta-compreensão/prática docente se mostram.

Inicialmente, pressupúnhamos uma forte relação das práticas docentes com suas

concepções. Considerávamos que essa relação era amalgamada, que concepções e

práticas pro-jetavam-se juntas.

Falávamos das concepções do outro, mas até que ponto pensávamos na nossa?

Tínhamos e temos crenças, mas tínhamos uma compreensão ontológica sobre elas?

Considerávamos um ideal a ser seguido em sala de aula como prática pedagógica. O

cartesianismo era criticado. Mas somos ou não cartesianos? Precisamos ou não ser

cartesianos? E em relação ao nosso modo de ver a Educação, não seria este tão

dogmático quanto o modo de ver do o mais tradicionalista de muitos professores?

Essas eram algumas questões que apareceram durante nosso processo de

maturação da pesquisa e de compreensão do fenômeno que interrogávamos. O

deslanchamento desse processo ocorreu em um constante movimento de ir e vir, com

um olhar atento e crítico às leituras que fazíamos, ao trabalho efetuado com os alunos,

aos nossos pressupostos, às nossas crenças, enfim, ao nosso modo de pensar naquele

momento, ou seja, buscávamos manter o processo de análise refletida, colocado em

epoché, ocorrendo.

Compreendemos que as concepções não se organizam em modelos estáticos,

mas que se movimentam. Apresentam uma dinamicidade com o mundo. Essas

sistematizações buscam se manter, acabando por constituírem-se em modelos, co-

habitando-no-mundo.

Para muitos, não se apresentam estáticas e não parecem ser vivenciadas

paradigmaticamente. Assim, para estes que valorizam e assumem o movimento do

acontecer e rejeitam posições estáticas, e nós com eles, o cartesianismo não é aceito.

Afirmam visões sistêmicas e holísticas.

Porém, o cartesianismo está presente em nossas práticas científicas,

pedagógicas e do cotidiano. Ao mesmo tempo, concepções holísticas não seguem pari

passer as práticas. Não vivemos o cartesianismo ou uma concepção contemporânea de

totalidade, mas nossas práticas são perpassadas por visões cartesianas, visões de

totalidade etc. Essas visões, modelos, concepções não são por si, nem para si. São

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140

produções humanas no mundo com os outros. São contextualizadas e isso é um

indicativo do por quê não somos nossas concepções, mas-com-elas-estamos.

Consideramos concepções como visões de mundo mais estruturadas, isto é,

mais organizadas e sistematizadas, podendo já ser pensadas como modos

filosófico/científicos de falar sobre visões, ainda que não explicitado em linguagens

filosóficas e científicas. Assim compreendendo, perguntamos: do que elas falam?

Uma visão de mundo indica um modo de conceber o mundo em que estamos,

uma maneira de estruturá-lo, uma lógica na qual nos pautamos em nossas vivências.

Ela é um indicativo de como explicamos o ocorrido, das atitudes que tomamos no

presente, do que esperamos no futuro. É um modo de lançarmos pro-jetos, pois desse

modo, podemos direcioná-los, em uma comunhão entre passado, presente e futuro. Na

direção da manutenção dessas visões, de sistematização delas, as concepções são

estruturadas e modelos são delineados.

Buscaremos explicitar modos como o significado atribuído pelos depoentes às

concepções discutidas em sala de aula podem se articular com o que cremos, com o

que lemos e com o que pro-jetamos.

Alguns temas emergiram com mais força do que outros em nosso espaço de

discussões. Tentamos priorizar aqueles cujo enfoque foi mais explícito, entendendo que

isto se deu devido à importância atribuída pelos depoentes a estes no movimento que

buscávamos, a dizer, o movimento de meta-compreensão e a relação concepção/meta-

compreensão/prática docente.

Dentre os depoentes, ficou explícita a crença de que a estrutura educacional

atual segue majoritariamente padrões cartesianos, mesmo que os preceitos cartesianos

estejam há algum tempo sendo questionados. Uma das razões apontadas pelos

depoentes foi a força das práticas tradicionalmente realizadas. Mas como uma prática

se origina? Por que e como se mantém?

Husserl (1970) considera que em certo momento histórico-cultural, uma série de

articulações pode ocorrer de maneira que algo possa emergir, de modo novo, original.

Ele chama essa ocorrência de evidência original27 e exemplifica com a Geometria. Uma

vez no mundo, ali se mantém, não necessariamente necessitando do sentido que se fez

27 Veja Capítulo 1.1.1 De Fenomenologia.

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na evidência original. Desse modo, podemos pensar a Geometria como algo posto,

utilizando-a sem a reativação da evidência que a originou. Seu significado pode, neste

caso, ficar em segundo plano e, pela repetição bem sucedida, sua importância como

corpo de conhecimentos estático se fortalece. A manutenção deste conhecimento

ocorre por meio da tradição e é veiculado pela linguagem, com o sentido daquilo que

traz. O significado deste conhecimento pode ser reativado a qualquer momento, porém

sempre de modo contextualizado, pois essa reativação está enraizada no mundo-vida

de quem o interroga. Desse modo, uma reativação sempre possui um significado

próprio, contextualizado, e, ainda que ligado de alguma maneira ao original, não é uma

mera repetição.

Cremos que, tal como Husserl fez com a Geometria, podemos pensar o mesmo

de uma prática. Uma prática surge como evidência, em um amalgamento de fatores em

direção à operacionalização de atos que visam solucionar impasses. Seu sucesso, no

âmbito do almejado, conduz a repetições. Estas podem ser bem sucedidas como

reproduções; porém, podem ser repetidas acompanhadas do movimento de análise e

reflexão sobre o seu para quê. Logo, seu significado pode ou não estar ativado. A ação

pode ser tradicionalmente mantida sem que a significação ocorra. O fato de uma

evidência original não ser reativada não implica que não seja adequada à atividade

proposta ou que deva ser abolida. Porém, ter clareza do para quê da efetivação de uma

prática pode fortalecê-la, torná-la viva, dinâmica, em processo de atualização, abrindo

possibilidades de inovações significativas para a situação vivenciada.

O modelo cartesiano também teve a sua origem, no sentido de surgimento

mediante articulações sucessivas. Foi e é importante para o mundo onde estamos. Ao

não considerar os aspectos sensíveis do ser humano, esse modelo homogeneíza,

lineariza, simplifica. Teríamos nós necessidade de sermos cartesianos em alguns

momentos de nossas vidas? Como viver em uma sociedade em que os aspectos

sensíveis e subjetivos sejam enfatizados a todo o momento? Marcar uma hora para se

encontrar com um amigo e condicionar-se a ter um número fixo de refeições em

determinados horários mostram como a quantificação está presente no nosso cotidiano

e indicam aspectos da linearidade cartesiana em nossa sociedade.

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No entanto, vemos hoje em dia que a supervalorização do cartesianismo trouxe

conseqüências drásticas para o mundo em que vivemos. As relações lineares mostram-

se ineficientes no que se refere às ocorrências no meio ambiente. Eventos não se dão

isoladamente. Intensificam-se em diferentes direções. Arrisco-me a dizer que em

infinitas direções, como em um jogo infinito de dominós dispostos no chão de modo

que, uma vez que um deles é derrubado, os outros começam a cair, uns sobre os

outros, ocasionando um movimento em cadeia cujo sistema voltará, inclusive, a tocar o

dominó inicial.

Em tal concepção, as relações lineares são vistas como locais e a permanência

nestas linhas de força não são suficientes para o entendimento do sistema de que

participam. A totalidade do sistema destacou-se como importante de ser discutido e

levado em consideração ao se agir no sistema, visto que a parte afeta o todo e o todo

parte.

Os debates acerca desse tema mostraram-se bastante fecundos no “espaço de

discussões”. Consideramos significativo o conceito de totalidade, estudado por Morin

(2002), por estabelecer conexões com essa visão e possibilidades educacionais para

ela. Morin aponta que, no ideário das escolas elementares, as articulações na teia

complexa da totalidade são quebradas. O complexo é reduzido ao simples, o múltiplo e

diversificado é unificado e homogeneizado, desordens ou contradições são mal vistas.

Essa concepção fortalece os grandes desempenhos por setores, concebidos como

máquinas artificiais, que, com sua lógica determinista mecanicista, quantitativa e

formalista, ignora, oculta e dissolve tudo o que é subjetivo, afetivo, livre e criador.

Partindo desse pressuposto, Morin frisa que a complexidade deve ser trabalhada

na Educação, sem, no entanto, desprezarem-se as especificidades de cada disciplina,

visto que assim como a parte não é, nem está sem o todo, o todo tampouco é, ou está

sem as partes. O ser humano é limitado. Não tem como apreender o todo. Precisa se

mover por meio dele e, neste caminho, as especificidades mostram seu potencial.

Contudo, Morin frisa que as articulações que existem entre as partes do todo devem ser

destacadas.

Essa concepção é valorada positivamente pelos participantes das discussões

nos encontros tratados por esta pesquisa, que discutem ocorrências nas diversas

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ciências que a fortalecem. A Física Contemporânea é concebida como grande

propulsora dessa concepção, porém foi discutido que a mesma estrutura pode ser vista

em diferentes áreas do conhecimento, com destaque para a Arte, mais amplamente

discutida em sala.

Apesar de a Arte ser muitas vezes vista como um pólo do conhecimento

diametralmente oposto às ciências consideradas objetivas, tal como a Física e a

Matemática, em nossos encontros, levantamos a conjectura de que a Arte muitas vezes

preconiza concepções que só foram desenvolvidas por outras áreas muito mais tarde.

Por exemplo, a articulação entre observador e observado, na qual ambos se tornam co-

participantes de um fenômeno, já pode ser percebido no expressionismo no fim do

século XIX. Esta concepção só foi sistematizada pela Física no século XX, com o

advento da Teoria da Relatividade e da Física Quântica.

No expressionismo, os aspectos subjetivos do pintor são valorizados, em um

movimento de idas e vindas entre a subjetividade e a intersubjetividade enraizadas em

um solo histórico-cultural. Ostrower (1983) diz que:

Na forte inquietação que emana de obras expressionistas, o evento individual é elevado ao superindividual, reconduzindo assim, novamente, ao âmbito da experiência coletiva. O conteúdo expressivo visa o instável na vida, o excepcional, destacando a transformação em vez da permanência (no Idealismo, como vimos, a ênfase é dada à permanência). Na intensidade emocional, a atitude interior do artista ao elaborar seu trabalho passará a ser mais subjetiva (o "subjetivo" devendo ser sempre entendido dentro dos padrões culturais históricos possíveis e, por outro lado também, dentro da ‘deformação’ indispensável, imposta pelos termos da linguagem que o artista use). (OSTROWER, 1983, p. 316, grifos do autor)

O pintor, ao se propor pintar o Outro, deixa de ter a pretensão de objetividade.

Nesse momento, na Arte, passa-se a valorizar a percepção de quem percebe. A pintura

é um encontro entre pintor, o visto, o mundo em que são e estão. A apreciação da

pintura tampouco será objetiva. Manterá o mesmo movimento subjetividade-

intersubjetividade constituído na percepção de quem vê. Cada apreciação em cada

momento, em cada local, será uma percepção em um mundo/horizonte. O conceito de

espaço-temporalidade se destaca.

Nas articulações que os participantes efetivaram em relação à Educação, a

espaço-temporalidade se mostrou uma pre-ocupação marcante. O tempo psicológico do

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aluno, entendido por nós como tempo vivido, foi diversas vezes citado, como algo a ser

levado em consideração no ensino-aprendizagem, apesar de comumente não ser

priorizado.

Alunos vivenciam o tempo cada qual à sua maneira. Eles têm modos de estar na

“sala de aula” que estarão diretamente articulados com a potencialidade do

aprendizado. Nas discussões, há claras indicações de que o professor, atento às

manifestação de como o aluno vivencia seu tempo, pode trabalhar com o tempo vivido

deste, de modo a abrir possibilidades de aprendizagem. Alguns exemplos de

manifestações do tempo vivido dos alunos são: distração, ansiedade, impaciência,

postura física etc. Na discussão havida com os sujeitos, algumas possibilidades de o

professor trabalhar com o tempo vivido do aluno foram apontadas. A maioria delas girou

em torno de aspectos motivacionais, ainda que de duas qualidades distintas.

A primeira diz da motivação como disparador de situações interessantes para o

aluno de modo a atrair sua atenção. A segunda diz da motivação como parâmetro

constante diretamente relacionado com o modo de o aluno vivenciar o seu tempo.

Nesta primeira acepção, o ensino e a aprendizagem parecem seguir um padrão linear

para que ocorram, em um movimento de causa e efeito, em que há um motivador que

causa a possibilidade da aprendizagem. Já na segunda, o ensino e a aprendizagem

apresentam-se articulados com a motivação do aluno. Conforme entendemos, estão em

consonância com sua intencionalidade e um dos fatores possíveis de serem

considerados é que, neste caso, o conhecimento apresenta-se como passível de

atribuição de significado pelo aluno.

Buscando explicitar a potencialidade do tempo vivido do aluno, além de sua

concepção como motivador, lançaremos mão da pesquisa de Bicudo (2003) sobre este

tema. Esta autora afirma que:

É com o tempo vivido que a proposta educacional deve se preocupar. Cada pessoa vive o tempo de modos específicos que revelam seus humores, seus processos cognitivos, sua capacidade de haver-se no trato com os outros, de enfrentar dificuldades. Revelam, também, o ímpeto vital que a impele a agir, descortinando possibilidades de vir-a-ser.(BICUDO, 2006)

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Além disso, Bicudo ainda explicita razões para o educador explorar esse aspecto

na educação, indicando o embricamento espaço-tempo, e modos como isso pode ser

feito:

Atentos ao tempo vivido, os educadores têm a possibilidade de exercer o cuidado, fundo da ação formadora, sendo solícitos em relação aos caminhos que se abrem pala ação do educando que expande sua espacialidade, mas carece de sustentação para que se concretize temporal e espacialmente. Atentos ao tempo vivido pelas diferentes equipes e grupos, enfocando os modos pelas quais as ações são efetuadas e a obra produzida, podem antecederem-se, antecipando o futuro, ao viabilizar caminhos possíveis consoantes ao ímpeto vital que nutre suas atividades e ao pensar pedagógico imperante na escola. (BICUDO, 2006, p. 58-59)

A discussão sobre atribuição de significado pelo aluno ao que é estudado

também se mostrou bastante forte entre os participantes. Todos apontaram a

necessidade de que conteúdos estudados façam sentido para o aluno. No entanto, não

concebemos que sentido possa ser transmitido para o outro. Sentido se faz para cada

um intencionalmente na articulação entre significados postos no mundo, crenças,

experiências vividas etc. O professor, de acordo com essa concepção, pode propiciar

situações em que o aluno seja solicitado a efetivar tais articulações. Uma pergunta

emerge: e como se dá a comunicação em sala, se o sentido se faz individualmente?

Uma possível resposta é que a comunicação pode ser possibilitada pela

convergência desses sentidos, que, ao se manterem no mundo por meio da linguagem,

podem constituir-se em Núcleos de Significados, destacando que isso só é possível

porque essa constituição sempre se dá com-o-outro.

Essa objetividade não se mantém sem o outro, ela é constituída-com-o-outro e

mantida nos modos de expressão, notadamente o da linguagem. A importância do outro

é explicitada na discussão. É nesse atentar-se ao outro, que, na sala de aula, os modos

de estar do aluno e professor, enfim, das pessoas presentes, revelam sua importância.

O aluno, como outro, é intencionalidade. Ele vivencia a aula e assim dão-se também

atos de aprender.

Esse voltar-se ao aluno, em seus modos de ser, pode ser compreendido como

um abrir-se ao outro, entendendo-o como pre-sença, como um ser de possibilidades e a

Educação, como um suporte para liberação de seu ser.

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Como pre-sença, aluno e professor assumem seus modos de estar espaço-

temporalmente em sala de aula. Assumem que o ensino e a aprendizagem ocorrem em

um encontro situado. Encontro entre aluno, professor, conteúdo estudado e outros

aspectos importantes para essas atividades, em certo momento, de certo modo, em

certo lugar. Esse encontro é único. O fenômeno se faz e se mostra em perspectiva e de

modo dinâmico. Deste modo, uma atenção constante ao Outro mostra sua importância

e passa a incorporar a pre-ocupação do professor.

O professor se pre-ocupa, pensando em sua prática, no como fazer. O pre-

ocupar-se envolve um lançar-se à frente em pro-jetos, abarcando conscientemente o

futuro, atentamente considerando as co-presenças atuantes. As co-presenças não são

apenas os alunos, pois o movimento educacional não se fecha entre quatro paredes,

mas todos os envolvidos em uma instituição, desde os faxineiros à direção. Poderíamos

inclusive expandir essa idéia e pensar na Educação como constituída por toda uma

sociedade, ocorrendo em um solo comum, no mundo-vida conforme a concepção

husserliana.

Enfocando o conceito do Outro, o professor também se mostra como Outro ao

aluno, assim como os outros alunos. No que diferencia, então, o outro-professor do

outro-aluno? Ambos têm suas crenças, experiências vividas, seus pressupostos, suas

concepções etc, contudo, a intencionalidade do professor se volta à educação do aluno.

Podemos diferenciá-los pelas suas experiências vividas e propósitos. Nas experiências

vivenciadas pelo professor em sua formação, houve a tematização da Educação, o que

pode ser uma vantagem ao professor no direcionamento de atividades propícias ao

ensino e aprendizagem. Assim, essa característica é um indicativo da autoridade do

professor em sala de aula. Autoridade esta conferida por conta das tematizações que

realizou durante sua formação como educador, pelo respeito com que se dirige ao

outro, ao tema trabalhado etc.

É importante diferenciarmos aqui professor como autoridade de professor

autoritário. Como autoridade ele busca a liberação do estudante em suas possibilidades

de ser, por meio do ensino e da aprendizagem. O professor autoritário, contudo, não se

abre ao outro, não considera o aluno como co-presença. Sua atenção é, segundo a sua

postura, a prioritária na tarefa de ensinar, se vê como agente e o aluno como

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paciente28, ou seja, em sua concepção, o ensino é vetorializado, partindo do professor,

tendo como conseqüência direta o aprendizado do aluno.

Os “participantes da discussão” apontaram a valorização do aluno como co-

presença. Indicaram que, atualmente, muitos professores não o fazem e nisso se

incluem, antevendo a possibilidade de mudança de concepções e de práticas em sala

de aula.

Nesse movimento de mudança antevisto, em que o Outro se destaca, assim

como o solo compartilhado e a teia de relações que se articula, uma meta-compreensão

se mostrou quando os participantes da discussão enfatizaram que essa mudança

envolve aspectos subjetivos, intersubjetivos e objetivos, em um movimento presente no

solo em que se apresentam.

A mudança não depende apenas da vontade subjetiva do sujeito, mas de uma

articulação-com-o-outro, que ocorre na intersubjetividade. A mudança tampouco ocorre

se seu vislumbrar não se materializar de modo bem sucedido, de modo a se manter

uma estrutura objetiva no mundo, passível de ter seu significado reativado por aqueles

que se interrogam sobre a possibilidade de mudança.

Essa mudança não parece ser algo fácil de ocorrer, e muito menos de se manter.

Todos os depoentes que participaram da discussão expressaram a vontade de mudar.

Mudar de concepções, mudar de práticas. Consideram que muito do que crêem está

impregnado de visões cartesianas e almejam trabalhar com uma concepção que

priorize a totalidade. Frisam, contudo, que essa mudança não é fácil. Ela é lenta, não é

pontual e envolve a sociedade como um todo.

Ao atentarmo-nos aos nossos depoentes individualmente, percebemos que há

uma grande dificuldade de assumirem uma postura. Em geral, lançam a

responsabilidade sobre o outro, muitas vezes condensada na figura do educador e de

autoridades institucionais. Isso se explicita em falas do tipo “o outro precisa mudar de

concepções”, “o outro não tem práticas consoantes com suas concepções de mundo”

etc.

Mainah, Sophia e Ana são exemplos disso. Elas não assumem a necessidade de

mudança de concepções para si. Elas indicam constantemente que “o professor deve 28 Utilizamos pacientes com o significado de “aquele que espera”, ou seja, aquele que sofre a ação de outrem.

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mudar”, que “o professor é a chave para a mudança” etc. Assim, as concepções e

práticas antevistas passam a fortalecer a idéia de um professor simbólico, idealizado,

imaginário. Dessa maneira, ao assumir a mudança de concepções para esse ser

simbólico, os depoentes parecem se encontrar em uma região de limbo, em que podem

efetivar essa mudança, ao se assumirem como esse professor simbólico, ou

retrocederem, mantendo-o na idealidade, como um pressuposto teórico que se

distancia da prática. Essa inferência é corroborada por um paradoxo percebido nas

falas de Mainah.

Ela primeiramente argumenta que uma mudança de postura em sala de aula que

viesse a acarretar uma implementação de métodos pedagógicos não usuais “é difícil,

isto por depender da aceitação da direção escolar, dos pais, dos professores, do

comprometimento tanto do corpo docente quanto do discente da instituição, por afetar o

ego de alguns profissionais que se julgam detentores absolutos do saber e ainda por

interferir na hierarquização das disciplinas que ocorrem naturalmente em toda escola.”

(M21.23)

Apesar de indicar essa totalidade no movimento de mudança, ela também

aponta uma linearidade para essa mudança ao indicar que, mesmo que de modo lento,

para que um ensino em que se aborde diferentes perspectivas, mostrando as

articulações entre as disciplinas e incentivando o aluno a ver os objetos e os

acontecimentos buscando deixar seus pressupostos em suspensão ocorra, é

necessário que, primeiramente, os educadores mudem suas concepções e posturas

para, então, buscarem inovações em sala de aula. (M21.20)

André, no entanto, diferencia-se dos demais depoentes ao voltar-se para as

próprias concepções, ao antever a mudança e ao pro-jetá-la. Nesse processo, ele

explicita um movimento autêntico de busca pelo sentido ontológico da mudança,

assumindo um pro-jeto, suas concepções, a dissonância com suas práticas, as

dificuldades envolvidas etc.

Ao se atentar a esses fatores, André percebe a impossibilidade de valorar

diferentes modelos de modo absoluto. As valorações devem sempre ser em relação a

um referencial, de modo que não faz sentido criticar um modelo se não indicamos em

relação ao que ele é ruim ou em que ele pode ser benéfico.

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Nessa postura, as concepções a serem assumidas perdem a sua aura dogmática

e reforça-se uma atitude de ação-reflexão-ação em relação às próprias concepções.

Além disso, tão importante quanto essa compreensão, é sua consonância com as

práticas em sala de aula.

Desse ponto de vista, um professor com fortes concepções cartesianas é

coerente ao ministrar aulas consideradas tradicionais e expositivas. Sua prática condiz

com sua ação, de modo que não há razão para mudar suas práticas, caso não veja

necessidade em mudar suas concepções. Contudo, quando percebe que suas

concepções, postas em nível intelectual, mudaram, é momento de se questionar sobre

as atitudes em sala de aula. É o que percebemos da fala de Sophia, quando esta diz

que “Todos esses métodos [pedagógicos] serão eficazes se o professor tiver

conhecimento de como proceder e acredite que aquilo realmente é o melhor para os

seus alunos.” (S21.27). Ana também fortalece a afirmação anterior, transcendendo essa

visão para a Educação como um todo:

“Se as concepções de mundo se modificaram, é necessário que a Educação

também passe por modificações.” (A21.11)

Os depoentes afirmam, contudo, que essa mudança de postura nas práticas

pode ser difícil, por envolver um conflito com o que nós mesmos estamos habituados a

praticar. Há uma briga com a própria rotina. Há discordância com as próprias práticas.

Um dos fatores apontados pelos depoentes responsáveis por essa dificuldade de

mudança da prática pode ser a força da tradição. Ações que costumamos repetir

cotidianamente têm a tendência de manterem-se sem, no entanto, terem o seu sentido

original reativado. Isso ficou claro quando discutimos acerca da transdisciplinaridade,

como possibilidade pedagógica que priorizasse a totalidade do mundo.

Pre-ocupações com o como mostraram-se mais fortes do que com o por quê.

Inferimos que, possivelmente, isso se dê em razão de os “participantes da discussão”

compreenderem a mudança como concepção, já anteverem a mudança, abrindo-se a

ela. Não sabiam, contudo, como operacionalizá-la, considerando, sobretudo, que o

modelo cartesiano que estavam impregnados era um obstáculo, como explicita André:

“Não sei ainda como iria trabalhar com a transdisciplinaridade em uma escola,

pois acabo sempre caindo no cartesianismo quando penso nisso.” (D21.17)

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André explicita a importância de si no movimento de mudança no todo. Nesse

movimento, ele não assume o professor simbólico. Ele assume a mudança como

postura para si. Indica a importância do movimento como um todo, mas não despreza

as partes que nele se articulam, a dizer, o Outro, o não-Eu, e sobretudo, ele mesmo.

Antevê que nesse processo, diferentes fatores se articulam, mas que ele é o disparador

para que isso aconteça, atentando-se para si mesmo, e vendo como isso se articula

com o todo e, a partir daí, buscar uma mudança nas próprias atitudes, em um constante

movimento de ação-reflexão-ação-reflexão...

3.3 Compreensões de Matemática e de Educação Matemática que se abrem com o interrogado

Neste item, buscaremos explicitar algumas articulações, reflexões, questões e

possibilidades que se abriram com a atenção ao interrogado. Os disparadores para tal

discussão podem ser encontrados na quarta coluna de nossa tabela de interpretação

hermenêutica do Capítulo 2.1 – Análise e Interpretação do Ensaio Final. É importante

ressaltarmos que os excertos ali encontrados não se referem a uma interpretação do

que foi falado pelos depoentes, mas à articulação entre o que foi falado com modos

como a Matemática e o ensino de Matemática se mostram ao pesquisador.

Assim como existem diversas concepções de mundo e de conhecimento

situadas histórico-socialmente, o mesmo ocorre com a Matemática. Dentre essas

concepções, percebemos uma forte contraposição entre conhecimento a ser

descoberto e conhecimento a ser construído.

Para os platonistas, que concebiam o corpo de conhecimento de modo

apriorístico, pertencente ao mundo das ‘idéias”, a Matemática já existia de modo

perfeito e imutável, de modo que aos seres humanos facultava a possibilidade de des-

cobrir29 esse conhecimento. Nessa concepção, a Matemática é vista como um objeto

em si e por si, sem ser considerada como produção humana.

29 Des-cobrir está propositalmente grafado com hífen para enfatizar as partículas que o compõem. Des-cobre-se, tira-se o véu da Matemática, quando concebe-se que ela já exista e está coberta.

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Há ainda concepções – algumas de acordo com o platonismo – que concebem a

Matemática como uma linguagem universal, propícia para “ler” um mundo fixo e

objetivo, o que foi reforçado com as visões de mundo galileana e cartesiana.

Por outro lado, para aqueles que vêem a Matemática como produção histórico-

cultural, ela é construída e dependente do ser humano, e respectivo contexto histórico-

cultural, que atribui ou não significado para ela.

Além disso, dependendo da concepção de Matemática, seus aspectos subjetivos

são pouco evidenciados, de modo que se torna uma ciência estruturalista e quantitativa,

aproximando-se do ideal platônico.

Nos modos como o ensino de Matemática se apresenta, percebemos junto aos

depoentes que os aspectos objetivos da Matemática são priorizados. Seus aspectos

qualitativos não são levados em conta e, por vezes, desacreditados. Desse modo,

Matemática é considerada uma ciência por si, exata, chamada por alguns de “Rainha

das Ciências”.

Esse modo de ver a Matemática de modo absoluto e disciplinarizado pode estar

enraizado em uma visão cartesiana de mundo, colaborando com a fragmentação da

Educação, ao ser estudada de modo disciplinar, sem se atentar aos modos como se

conecta a outras disciplinas e ao mundo em que é e está, com uma grade curricular que

vai dos conteúdos mais simples aos mais complexos.

Apesar de um possível tom pejorativo ao se falar da Matemática com forte

influência cartesiana, esta visão cartesiana de mundo objetivo e seu respaldo

matemático foram essenciais para que a humanidade enfrentasse diversos

obstáculos30. A questão que emerge é se apenas essa maneira de ver Matemática e de

incluí-la no currículo escolar é significativa para a formação do aluno.

A atual grade curricular da maioria das escolas opera com disciplinas disjuntas,

dentre elas, a Matemática. Essa grade se pauta na idéia de que o aluno, tendo acesso

às disciplinas separadamente irá, por si só, sintetizar o aprendido.

No entanto, o mundo em que vivemos não se apresenta compartimentado. Ele é

sentido e vivido em sua totalidade. Desse modo, um ensino que enfoque a

30 O avanço tecnológico e da Ciência Biomédica são exemplos de áreas do conhecimento responsáveis pela melhoria de qualidade de vida que apenas foram possibilitadas devido à forte sistematização de acordo com os preceitos cartesianos.

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transdisciplinaridade estaria mais próximo de nossas vivências, ao passo que quando

não é vista de modo integrado com outras disciplinas, a Matemática pode ficar fadada a

se fechar na axiomatização e categorização.

Muitos alunos se queixam de não verem sentido no que estudam de Matemática.

Consideram-na por demais abstrata. Estudá-la à medida que sua necessidade é

sentida na compreensão de temas focados é uma possibilidade de que esse sentido,

antes possivelmente ausente, se faça.

Em um trabalho transdisciplinar que envolva Matemática, o professor deixaria de

partir dos conteúdos como metas primeiras, para partir do pressuposto de que a

situação tematizada deve ser o alvo primeiro de compreensão e, nessa busca, temas

matemáticos poderiam permear a discussão. Assim, a tematização e problematização

de uma situação-problema podem ser fatores indispensáveis para a motivação do aluno

em aprender, assim como necessidade para que o estudado faça sentido ao estudante,

de modo que o sentido de Matemática possa se fazer quando esta se mostra articulada

com o todo.

Uma possibilidade antevista de trabalho transdisciplinar é por meio de projetos,

trabalhando-se as disciplinas conjuntamente, atentando-se às suas relações, mas não

fortificando suas fronteiras, sem perder, assim, nem o todo, nem as especificidades de

cada uma delas.

Existem tendências da Educação Matemática que visam resgatar as

características qualitativas da Matemática. Uma delas é a Etnomatemática, que busca

ver a Matemática como produção humana, enraizada em um solo histórico-social-

cultural. D’Ambrosio, considerado por muitos como seu fundador, indica que o principal

motivador para um programa de pesquisa em Etnomatemática é a procura pelo

entendimento do “saber/fazer matemático ao longo da história da humanidade,

contextualizada em diferentes grupos de interesse, comunidades, povos e nações”

(D’AMBROSIO, 2002 p.17). Este autor afirma ainda que a Etnomatemática pode ser

vista como um modo de sustentar um currículo relevante para os dias atuais, com a

possibilidade de mudar um currículo fixo e estático, aproximando-o da experiência

matemática de determinadas culturas (D’AMBROSIO, 1985).

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Apesar das concepções de mundo se transformarem, as concepções de

Matemática parecem ser mais resistentes às mudanças. Os professores, por exemplo,

são reticentes em relação à transdisciplinaridade. Muitas vezes, mesmo que a

assumam em um nível de compreensão intelectual, colocam-na em segundo plano, ou

em um plano paralelo. A disciplinarização da Matemática parece ser uma das mais

fortes, possivelmente, por ter sido e ser considerada por muitos como a “Rainha das

Ciências”.

A Física Contemporânea vem de encontro à idéia de Matemática estática,

própria para estruturar e predizer situações. As relações lineares de causa e efeito se

enfraquecem, ao passo que o conceito de probabilidade se fortalece, por esta ser

amplamente utilizada na Física Quântica. Assim, a necessidade de um ensino de

Matemática de acordo com o dinamismo do mundo parece emergir, visando a

consonância com a percepção da totalidade e do dinamismo da realidade e, também,

com concepções que, aos poucos, comparecem no cenário do real, presentes na teoria

da Física Contemporânea.

Ao se atentar às relações existentes no mundo em forma de rede, na

Matemática, o conceito de padrões emerge e se fortalece, o que corrobora a busca pela

transdisciplinaridade, já que esta prioriza as relações que se mostram e a Matemática,

nesse caso, mantém-se como um núcleo de significado e sentido, como um fluxo que

pode auxiliar na compreensão de aspectos da rede de conhecimento.

Além disso, podemos nos questionar sobre a legitimação do conhecimento

construído pelo aluno. Por que, em algumas concepções, um algoritmo ensinado pelo

professor é considerado uma verdade para o aluno, mesmo sem que este faça sentido

para ele? Imaginamos que, nesse caso, a resposta seja a de que o professor pode agir

como legitimador. Contudo, diferentemente de algumas décadas passadas, a

informação é obtida pelo aluno de maneira muito fácil, especialmente por conta da

Internet. Ele escolhe onde quer buscá-la. Desse modo, o papel do professor como

legitimador não se mantém para o aluno. Ele pode validar ou invalidar a informação por

meios próprios.

Com essa facilidade de busca de informações, o professor pode deixar de

considerar-se um legitimador e propiciar situações em que o aluno venha a se

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interrogar sobre a informação obtida, refletindo sobre ela. A atitude fenomenológica se

atenta a isso, pois tem como foco a percepção do percebido e movimentos de dar-se

conta do pensado e do refletido.

A Matemática Crítica também atua nessa direção, trabalhando com a relação

saber-poder da Matemática presente no mundo, não no sentido de apontar os fatores

que compõem a crise do mundo moderno, mas lançando um olhar crítico ao que se

mostra, buscando maneiras de compreendê-lo e solucionar a situação da maneira que

for possível. (SKOVSMOSE, 2007)

Também podemos nos questionar sobre a importância que sentido e significado

de conteúdos matemáticos têm para o aluno.

A Matemática, vista como produção humana histórico-social, preza o passado do

aluno, que poderá efetuar articulações próprias, ainda que enraizadas em solo comum

com os outros alunos e professores, para atribuir significado ao que é estudado.

A aceitação da informação sem que o sentido se faça é reprodução. Uma

reprodução pode ser bem sucedida, o que viabiliza sua manutenção. Contudo, a

reprodução sem significado de conteúdos e algoritmos matemáticos dificulta a utilização

deles no dia-a-dia do aluno.

Há, ainda, uma grande discussão sobre a necessidade de a Matemática escolar

ser ou não ser diretamente aplicável no cotidiano dos alunos. Deveríamos ensinar

apenas o que pode ser aplicado no dia-a-dia do aluno? Mas isso não seria limitar suas

possibilidades de transcendência, mantendo-o em uma esfera ôntica? Por outro lado,

se o aprendizado deve ser útil à vida do aluno, por que, no ensino de Matemática, as

abstrações são almejadas?

Cremos que a matemática do dia-a-dia do aluno é importante, na medida que

colabore com um dos objetivos que acreditamos de maior importância na Educação:

entender o aluno como ser-de-possibilidades.

Outro perigo com o qual nos pre-ocupamos é a possibilidade de que práticas de

ensino sejam concebidas como dogmas a serem seguidos, sem que se atente a elas

em um movimento constante de ação-reflexão-ação-reflexão..., de modo que teorias de

ensino e aprendizagem priorizem os objetivos visados para tal Educação, de modo

contextualizado.

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Uma maneira menos objetiva, exata e imparcial de se pensar Matemática, por

exemplo, pode enfraquecê-la quando esta é vista como ciência platônica e absoluta,

contudo, reforça a importância dela como produção de conhecimento contextualizado.

Como conseqüência, dependendo da concepção de Matemática, poderá haver

diferentes métodos de ensino. Para valorá-los é importante que se tenha claro o

objetivo maior da Educação e nele a importância da Matemática. Isso só pode ocorrer

quando o professor tem ciência da sua prática de ensino de Matemática e dos modos

como esta se articula com suas concepções.

3.4 Efetuando um movimento de meta-compreensão do interrogado

Lançado o pro-jeto e perseguido o interrogado, compreensões e possibilidades

se abriram, escolhas foram efetuadas, sempre se articulando com o pesquisador que,

junto-com-a-pesquisa compreendia, não só o fenômeno focado, mas também a própria

pesquisa como um todo e, sobretudo, a si mesmo. Compreensão de suas próprias

concepções, do ser pesquisador, do ser-humano-e-pesquisador.

Nesse momento, dou um passo atrás e lanço novo olhar ao compreendido,

buscando compreender algumas articulações possíveis e as possibilidades que se

abriram, em um exercício de meta-compreensão do processo de pesquisar.

Durante o percurso, uma constante preocupação era em relação à pergunta: “Por

que incluir esse trabalho na região de inquérito da Educação Matemática”. Nunca

duvidei de sua inclusão, contudo, a resposta envolve concepções de pesquisa, de

mundo e de conhecimento. Não creio que uma pesquisa deva lidar com conteúdos

matemáticos para ser incluída no escopo da Educação Matemática. Este pensar estaria

de acordo com os preceitos de disciplinarização cartesiana, que não são os meus.

Uma metáfora que gosto muito de utilizar é a do braço. Os pêlos são a parte

mais visível do braço, contudo, um braço não é constituído apenas de pele e pêlos. Por

baixo da pele esses pêlos se entrelaçam a um tecido não visível que os direciona.

Podemos apenas olhá-los após saírem dos poros da pele, mas também tempos a

possibilidade de buscar compreendê-los, atentando-nos às suas bases. Essa foi nossa

escolha: buscar a base desses pêlos, atentando-nos ao direcionamento que tomam.

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Essa pesquisa pode ser considerada de Educação Matemática por lidar com

articulações do professor de Matemática que podem subjazer sua prática, ou melhor,

que em uma unidade concepções-de-mundo-e-de-conhecimento manifestam-se em sua

prática.

Esse trabalho mostra como, tão importante quanto se olhar ao redor, é ver a si

mesmo como parte desse todo, parte articulada em devir, articulando-se com uma

totalidade e junto com ela se movendo. Essa dinâmica se constitui junto com a

intencionalidade de quem dela participa.

O pesquisador, ao se atentar para o modo como os professores de Matemática

do curso articulavam suas concepções de mundo e de conhecimento com sua prática

docente, efetuou o mesmo movimento, a princípio de modo imperceptível. No entanto,

com o andar da pesquisa, esse movimento se fortaleceu, de modo que suas crenças e

pre-conceitos foram abalados. Nesse repensar, uma nova construção foi realizada, em

que modelos aparentemente disjuntos no início da pesquisa, se mostraram

participantes de uma unidade. Esses modelos estão presentes em nossas concepções

e podem, inclusive, ser contraditórios em relação a nossas práticas. Afinal, não há uma

relação linear de causa e conseqüência entre o que cremos intelectualmente e o que

praticamos. Aí reside uma das dificuldades da mudança de práticas.

Em relação ao processo investigativo, a Fenomenologia se revelou uma postura

bastante satisfatória. Preceitos como o de nos atentarmos ao que se mostrava, às

manifestações do fenômeno, e o de não buscarmos a compreensão do fenômeno por

meio de teorias já assumidas e legitimadas pela academia foram vitais para uma

compreensão do que ocorria e não uma mera adequação entre o que aconteceu e o

que acreditávamos.

Além disso, como metodologia de pesquisa, ela foi de grande valia na

organização dos dados. As reduções se mostraram como um procedimento bastante

rigoroso que nos permitiu estarmos atentos ao que o fenômeno dizia e às nossas

concepções que indicavam como o dito era escutado.

A princípio, a Fenomenologia era compreendida por mim, como pesquisador, de

modo intelectual. Contudo, com o amadurecimento da pesquisa, essa compreensão

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cada vez mais se tornou existencial. Ela deixou de ser um método de pesquisa para

abrir possibilidades existenciais. Tornou-se uma postura de vida.

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ANEXOS

Modelo da carta de cessão de depoimentos

Eu ________________________________________________, concordo em

disponibilizar para fins acadêmicos as minhas composições, entrevistas e gravações

feitas no curso de extensão “Concepções de Mundo e de Conhecimento: a virada”,

realizado no período de 05 a 15 de fevereiro de 2007 na Universidade Regional de

Blumenau – FURB.

Blumenau, 15 de fevereiro de 2007

_______________________________

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Compact disc

CD contendo:

- Ementa do curso “Concepções de Mundo e de Conhecimento: a virada”;

- Textos utilizados no curso “Concepções de Mundo e de Conhecimento: a virada”;

- Dados coletados no curso (Entrevistas, Ensaios finais, Sínteses e Discussão Final);

- Cópia digital da dissertação.