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 1 CONDIÇÕES DE TRABALHO E SAÚDE DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA/MG Marisa A. Elias USP/Ribeirão Preto Vera Lucia Navarro USP/Ribeirão Preto Resumo: As políticas neoliberais implementadas no país, principalmente a partir de 1990, preconizam a lógica do mercado para a educação e, consequentemente, a redução da atuação do Estado. Tais políticas se dão aceitando as exigências do Banco Mundial na promoção do desenvolvimento de atividades técnicas e científicas voltadas para o aumento da  produtividade do trabalho e têm afetado sobremaneira o trabalho docente. Esta pesquisa teve  por objeto de estudo o trabalho de docentes de Instituições de Ensino Superior Privado. Investigou-se a relação entre as condições de trabalho e a situação de saúde destes  profissionais. A pesquisa é fundamentada no referencial teórico-metodológico do materialismo histórico dialético e na psicodinâmica do trabalho. Os resultados mostraram que estes profissionais enfrentam situações precárias de trabalho, contratos por hora/aula, falta de estabilidade no emprego, pressão das chefias, intensificação do trabalho, etc. Conclui-se que estes profissionais estão expostos a condições precárias de trabalho, sendo submetidos a atividades desgastantes que desqualificam a profissão e aumentam o mal estar físico e  psíquico. INTRODUÇÃO O mundo do trabalho na passagem do século XX para o século XXI foi marcado por inúmeras transformações que afetaram de modo marcante a forma de ser do trabalho. O crescimento do desemprego, a queda do salário real, a diminuição do emprego formal e o crescimento de ocupações informais resultaram em maior precarização do trabalho (BEYNON, 1997). Este conjunto de mudanças é reflexo da crise enfrentada pelo capital, em curso desde os anos de 1970. Harvey (1992) ao discutir esta crise, explicita a nova forma de operar do capitalismo, em termos de um regime de acumulação inteiramente novo, associado a um sistema de regulamentação política e social bem distinto, denominado acumulação flexível . Essa forma de acumulação surge da crise do modelo fordista e do Estado do Bem-Estar ocorrida, sobretudo, na primeira metade da década de 1970. A recessão, a crise criaram oportunidades  para a reestruturação econômica e o reajustamento social e político. As décadas de 1970 e 1980 se caracterizaram pela intensificação da competição global, que conduziu a um período de racionalização, reestruturação e intensificação do controle do trabalho. Conforme Harvey, a acumulação flexível se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Ela se caracteriza pelo surgimento de novos

Condicoes de Trabalho

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CONDIÇÕES DE TRABALHO E SAÚDE DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA/MG

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    CONDIES DE TRABALHO E SADE DE PROFESSORES DO

    ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLNDIA/MG

    Marisa A. Elias USP/Ribeiro Preto

    Vera Lucia Navarro USP/Ribeiro Preto

    Resumo:

    As polticas neoliberais implementadas no pas, principalmente a partir de 1990, preconizam a

    lgica do mercado para a educao e, consequentemente, a reduo da atuao do Estado.

    Tais polticas se do aceitando as exigncias do Banco Mundial na promoo do

    desenvolvimento de atividades tcnicas e cientficas voltadas para o aumento da

    produtividade do trabalho e tm afetado sobremaneira o trabalho docente. Esta pesquisa teve

    por objeto de estudo o trabalho de docentes de Instituies de Ensino Superior Privado.

    Investigou-se a relao entre as condies de trabalho e a situao de sade destes

    profissionais. A pesquisa fundamentada no referencial terico-metodolgico do

    materialismo histrico dialtico e na psicodinmica do trabalho. Os resultados mostraram que

    estes profissionais enfrentam situaes precrias de trabalho, contratos por hora/aula, falta de

    estabilidade no emprego, presso das chefias, intensificao do trabalho, etc. Conclui-se que

    estes profissionais esto expostos a condies precrias de trabalho, sendo submetidos a

    atividades desgastantes que desqualificam a profisso e aumentam o mal estar fsico e

    psquico.

    INTRODUO

    O mundo do trabalho na passagem do sculo XX para o sculo XXI foi marcado por

    inmeras transformaes que afetaram de modo marcante a forma de ser do trabalho. O

    crescimento do desemprego, a queda do salrio real, a diminuio do emprego formal e o

    crescimento de ocupaes informais resultaram em maior precarizao do trabalho

    (BEYNON, 1997). Este conjunto de mudanas reflexo da crise enfrentada pelo capital, em

    curso desde os anos de 1970.

    Harvey (1992) ao discutir esta crise, explicita a nova forma de operar do capitalismo,

    em termos de um regime de acumulao inteiramente novo, associado a um sistema de

    regulamentao poltica e social bem distinto, denominado acumulao flexvel. Essa forma

    de acumulao surge da crise do modelo fordista e do Estado do Bem-Estar ocorrida,

    sobretudo, na primeira metade da dcada de 1970. A recesso, a crise criaram oportunidades

    para a reestruturao econmica e o reajustamento social e poltico. As dcadas de 1970 e

    1980 se caracterizaram pela intensificao da competio global, que conduziu a um perodo

    de racionalizao, reestruturao e intensificao do controle do trabalho. Conforme Harvey,

    a acumulao flexvel se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de

    trabalho, dos produtos e padres de consumo. Ela se caracteriza pelo surgimento de novos

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    setores de produo, novos mercados, inovao comercial, tecnolgica e organizacional,

    aumento da competio e da utilizao das novas tecnologias produtivas. Como consequncia,

    ocorre o aumento da flexibilidade e mobilidade que possibilitaram maior controle e presso

    sobre o trabalho. Alm disso, a acumulao flexvel parece implicar nveis relativamente

    altos de desemprego estrutural (...), rpida destruio e reconstruo de habilidades, ganhos

    modestos (quando h) de salrios reais (...) e o retrocesso do poder sindical (HARVEY,

    1992, p. 141). Desta forma, o mercado de trabalho transforma-se, valendo-se de regimes e de

    contratos de trabalho mais flexveis por meio, por exemplo, da adoo do trabalho em tempo

    parcial, temporrio ou subcontratado.

    Este tema tambm abordado por Antunes (1999), que afirma que a crise

    experimentada pelo capital, bem como suas respostas, dentre elas o neoliberalismo e a

    reestruturao produtiva tm acarretado, entre tantas consequncias, profundas mutaes no

    interior do mundo do trabalho. O grande desemprego estrutural, o crescente contingente de

    trabalhadores em condies precarizadas, a degradao na relao metablica entre homem e

    natureza, conduzida pela lgica societal voltada prioritariamente para a produo de

    mercadorias e para a valorizao do capital so, por aquele autor, apresentados como

    exemplos deste estado de coisas.

    Com a acelerao do processo de globalizao econmica ocorrida a partir dos anos

    1990, a palavra de ordem nas empresas reduzir custos. Para isto, os setores mais

    capitalizados fazem investimentos em novas tecnologias e em novas formas de organizar o

    trabalho, em geral, poupadores de mo de obra, sob a gide da adoo de polticas de cunho

    neoliberal. Tais estratgias afetaram diferentes setores produtivos, atingindo inclusive a

    educao.

    Segundo Lima (2007), as polticas neoliberais para a educao preconizam a lgica do

    mercado, sendo portanto, a ao do Estado reduzida. Alm disso, o extremo individualismo,

    proposto por esse modelo, no favorece as polticas democrticas de participao e

    compromisso com a realidade social. Desta forma, o carter capitalista das atuais mudanas

    das sociedades contemporneas, se evidencia no papel subalterno das estratgias brasileiras

    para a cincia e tecnologia e para a educao superior. De acordo com esta autora, ao eleger a

    inovao tecnolgica como eixo central da poltica cientfica e da educao superior, as aes

    governamentais, neste incio de sculo, demarcam uma nova e importante funo:

    desenvolver atividades tcnicas e cientficas correlatas para propiciar o aumento da

    produtividade do trabalho em todo o mundo, aceitando as exigncias do Banco Mundial. Tais

    circunstncias tem provocado mudanas profundas no prprio setor privado, visto o rpido

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    crescimento do investimento deste setor em grandes redes educacionais, em sua maioria de

    carter internacional (SAMPAIO, 2011).

    Conforme Brito (2000), no Brasil mesmo o sistema educacional pblico tem sido

    levado a um quadro de precarizao e degradao. O sucateamento das escolas pblicas

    revela-se no abandono dos equipamentos e instalaes, assim como na crescente depreciao

    das condies de trabalho dos trabalhadores via rebaixamento salarial e pssimas condies

    para a realizao de suas atividades. Importou-se a perspectiva empresarial e seu discurso

    gerencial com novas propostas e experincias racionalizadas. A economia e as

    transformaes no mundo do trabalho se refletem na reestruturao e reforma dos sistemas

    educativos, que iro repercutir na mudana no acesso educao.

    A EXPANSO DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO E A MERCANTILIZAO DA

    EDUCAO

    Barreyro (2008) afirma que s se pode falar em ensino superior privado no Brasil a

    partir da Repblica, pois a Constituio de 1891 ao descentralizar o ensino superior, exclusivo

    do poder central, delegou-o tambm para os governos estaduais e permitiu a criao de

    instituies privadas. Estas instituies eram confessionais ou criadas pela iniciativa privada.

    At ento, o ensino superior era ministrado por escolas isoladas e no por universidades. De

    acordo com esta autora, foi grande o crescimento do ensino superior depois de 1945 e at

    1960, tendo como base a criao de institutos isolados e universidades que aglutinavam

    alguns desses institutos, em resposta demanda de maior escolarizao gerada pelo processo

    econmico, poltico e social daquela poca. Percebe-se que esse crescimento foi uma

    relevante estratgia de reproduo e ampliao da classe mdia, importante mercado

    consumidor no modelo de desenvolvimento econmico associado ao capital internacional e

    fonte de legitimidade do regime militar-autoritrio (SILVA JR E SGUISSARDI, 2001, p.

    178). Estes autores mostram que a expanso foi realizada predominantemente pela iniciativa

    privada, no confessional, com o apoio do Estado e fora dos grandes centros urbanos, sendo

    nestes ltimos onde as classes mdias conseguiam o diploma que lhes permitiria sua ascenso

    social. Surgiram, assim, os empresrios do ensino superior, oriundos de instituies privadas

    de 1 e 2 graus.

    De acordo com Sampaio (2000) o Conselho Nacional de Educao, criado em 1961,

    apesar de ter importante funo como rgo de regulamentao do ensino, sendo tambm

    composto por pessoas do ensino particular, teve tambm importante tarefa na abertura de

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    brechas na legislao em decorrncia da presso dos interesses do ensino privado, mostrando

    ser a fora deste ltimo efetivamente superior e eficaz na arena das decises. Desta forma, foi

    conveniente para este setor, transformar suas instituies em universidades, pois

    com autonomia possvel ter maior flexibilidade na gesto, por exemplo, abrindo ou fechando cursos, segundo a demanda do

    mercado. Paralelamente, continuou a interiorizao do ensino

    superior, ocorrendo o aumento de estabelecimentos particulares no

    Centro-Oeste, Norte e Nordeste (BARREYRO, 2008, p. 20).

    Segundo Silva Junior e Sguissardi (2001), no processo de mercantilizao do campo

    educacional, o financiamento, num primeiro momento assumido pelo capital coletivo, na

    figura do Estado seu representante devido o alto custo desse investimento e a

    impossibilidade de os clientes adiantarem proventos para isto. Num segundo momento, o

    setor de ensino passa a ser explorado pelo capital de servio. So empresas educacionais que

    exploram o setor. O setor de servios tende a se reorganizar segundo a racionalidade do modo

    capitalista de produo, seja na diminuio do custo de produo da mercadoria fora de

    trabalho, seja na dimenso das empresas de ensino. Neste momento, o ensino superior torna-

    se mercadoria e tende a reificar-se. Os autores mostram que nos anos 1980 percebia-se a alta

    concentrao de IES (Instituio de Ensino Superior) isoladas, majoritariamente privadas, nas

    regies Sul e Sudeste, diversamente do que ocorria nos estados do Norte, Nordeste e Centro

    oeste, onde predominavam as IES pblicas, evidenciando a estreita relao entre essa

    categoria IES e nvel de renda ou poder aquisitivo da populao.

    Lima (2007) nos conta que ao longo da dcada de 1990, a educao superior passaria a

    se constituir num potencial campo de explorao para o capital em crise. A privatizao da

    educao superior ocorreu por meio de duas estratgias principais: diversificao das IES e

    dos cursos e diversificao de suas fontes de financiamento. Ela afirma que a

    desresponsabilizao do Estado com a educao superior ocorreu por meio da reduo de

    verbas pblicas para seu financiamento e, simultaneamente, por meio do estmulo ao

    empresariamento deste nvel de ensino (LIMA, 2007, p. 140). Este autor conclui que a

    poltica de privatizao do ensino superior tem na reconfigurao do trabalho docente por

    meio de sua precarizao um de seus pontos fundamentais.

    Oliveira e Dourado (2005) concordam que a partir da segunda metade da dcada de

    1990 ocorreu a expanso acentuada no nmero de IES, especialmente no setor privado.

    Ocorreu tambm a implementao de mecanismos de avaliao e controle do sistema por

    intermdio do Exame Nacional de Cursos, da anlise das condies de ensino dos cursos de

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    graduao e averiguao de processos de autorizao, credenciamento e recredenciamento,

    visando informar aos clientes as caractersticas bsicas do produto que seria consumido.

    Essas alteraes acentuaram, por sua vez, processos de segmentao e distino institucional no campo da educao superior, marcado

    cada vez mais pelo atendimento s demandas e exigncias do mercado

    ou de outros segmentos interessados na produo do trabalho

    acadmico, sobretudo no que diz respeito aos servios, processos e/ou

    produtos tecnolgicos que geram inovaes e vantagens competitivas

    no mundo dos negcios (OLIVEIRA E DOURADO, 2005, p. 58).

    Estes autores consideram que a pesquisa e o ensino foram gradativamente sendo

    submetidos lgica e princpios de mercado, o que intensifica as tenses e conflitos dentro

    das IES. O saber universitrio torna-se uma mercadoria produzida segundo os interesses dos

    consumidores e desta forma, destinada a atender as necessidades e as demandas do mercado.

    A fora de trabalho acadmica vendida ou comprada por determinado preo, tornando-se

    cada vez mais, uma mercadoria disponvel para troca. Como explicam Silva Junior e

    Sguissardi (2001), a expanso do ensino superior privado contribuiu para sua prpria

    desestabilizao. A centralizao no ensino, com professores no titulados, trabalhando com

    grandes turmas e sem grandes expectativas de bons resultados contriburam para o descrdito

    em relao a estas instituies. Outro fato digno de nota refere-se profissionalizao da

    gesto das IES privadas como outra tendncia nas transformaes que ocorrem nesse espao

    social e nas suas instituies. H uma significativa relao de subordinao da rea

    acadmica poltica estratgica elaborada pela mantenedora. (...) A delimitada e subordinada

    rea acadmica tende a ser gerida por um novo tipo de profissional da educao superior: o

    gestor acadmico. A ele cabe imprimir uma poltica acadmica (SILVA JUNIOR E

    SGUISSARDI, 2001, p. 212).

    A aproximao com o mercado e com o setor produtivo, aliada ao acirramento da

    concorrncia neste campo, favoreceu e condicionou o empresariamento das gestes, bem

    como a vontade poltica dos gestores de uma autonomia que mais se assemelhe a liberdade de

    mercado, tal qual as demais empresas. Temos a o cenrio da precarizao do ensino superior

    privado.

    A ideologia da educao como panacia apontada por Neves e Fernandes (2002)

    como mais uma estratgia a servio do neoliberalismo. Esta ideologia prega a iluso de que

    quanto mais treinada e educada for a fora de trabalho, melhor o desempenho da economia,

    mais qualificados os empregados e mais justa a distribuio de renda. Ocorre tambm a

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    ideologia da empregabilidade, difundindo a ideia de quanto mais capacitado o trabalhador

    maiores suas chances de ingressar e ou permanecer no mercado de trabalho. Este discurso

    aparece claramente nas propagandas de faculdades particulares que se direcionam aos

    trabalhadores, e do prprio governo, incentivando o FIES (Financiamento do Ensino

    Superior). Seduzida por essas ideologias, a classe trabalhadora investe mais efetivamente na

    melhoria dos seus padres de escolarizao. Como o Estado foca suas aes no ensino

    fundamental e mdio, e ainda assim de forma ineficiente, a concorrncia nos processos

    seletivos das universidades pblicas fez e faz com que boa parte dos trabalhadores

    precisassem custear seus estudos em nvel superior.

    REESTRUTURAO PRODUTIVA E PRECARIZAO DO TRABALHO DOCENTE

    Segundo Maus (2010), no escopo da revoluo tecnolgica que se produz a

    reestruturao produtiva alterando a organizao do processo de produo, modificando a

    estrutura e as relaes do trabalho. Segundo esta autora, o capitalismo em crise desenha um

    novo perfil para a formao e o trabalho docente, buscando atender s exigncias emanadas

    do mercado. neste contexto de crise, de mudanas no mundo do trabalho em funo da

    reestruturao produtiva que comearam efetivamente a ser definidas as reformas na educao

    brasileira que afetaram e afetam o trabalho dos profissionais que atuam na rea.

    De acordo com Dias (2006) e Passos (2007), o crescimento do ensino superior privado

    ocorreu para atender uma demanda do mercado e oferecer cursos e vagas ao grande

    contingente de alunos egressos do ensino mdio. As escolas tornaram-se empresas, com a

    abertura do mercado para criao de faculdades particulares e incentivo fiscal para as

    mesmas. Alm disso, a crescente mercantilizao do setor privado de educao superior afeta

    diretamente o trabalho docente. Enquanto as universidades reduzem gastos, os professores

    sofrem com a precarizao desenfreada, que implica em redues salariais, aumento da carga

    de trabalho, demisses imotivadas e perseguio s prticas sindicais. Barreto (2004) aborda

    tambm esta temtica ao discutir a perda da centralidade da categoria trabalho que ser

    expressa pela substituio do trabalho docente pela prtica docente, materializao discursiva

    do esvaziamento deste trabalho. A prpria designao professor tem cedido espao a

    facilitador, animador, tutor, monitor, etc.

    A educao tornou-se uma esfera altamente lucrativa de aplicao do capital, o que

    passou a influenciar decisivamente os fins e os meios envolvidos; de tal modo que a

    instituio de ensino, no s privada como tambm pblica, passa a ser organizada e

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    administrada segundo a lgica da empresa, corporao ou conglomerado (IANNI, 2004,

    p.33).

    Em consonncia com este fato, Oliveira (2004) mostra que, a partir da segunda metade

    da dcada de 1990, os profissionais da educao foram submetidos a uma poltica de arrocho

    salarial sem precedentes na histria, o que implicou em grandes perdas salariais, que

    decorreram entre outras, da poltica de conteno salarial e de medidas de flexibilizao que

    provocaram mudanas substantivas na legislao do direito do trabalho no Brasil,

    complexificando ainda mais o quadro salarial desses profissionais. O aumento do nmero de

    professores contratados em regime parcial e horistas so exemplos significativos dessas

    mudanas. importante demarcar que a poltica salarial do setor privado no Brasil

    caracteriza-se por uma grande diversidade, marcada por medidas diferenciadoras e

    flexibilizadoras das relaes de trabalho. Dessa forma, os vencimentos dos docentes se

    diferenciam em funo da carreira, do contrato de trabalho - efetivo ou temporrio - do cargo,

    do regime de trabalho, da titulao. Cada vez mais so necessrias mais horas de trabalho para

    manter ou atingir um determinado padro de vida, o professor horista pode atuar em vrias

    instituies e assumir diversas atividades para atingir esta meta.

    Barreyro (2008) esclarece que pelo fato de muitos docentes atuarem em mais de uma

    instituio, relevante utilizar o conceito funes docentes para definir a participao dos

    docentes em cada uma das instituies onde desempenham tarefas. Segundo a autora, existem

    diversos regimes de trabalho nas IES: algumas preveem dedicao exclusiva ou de tempo

    integral enquanto outras implicam em dedicao menor (horista, tempo parcial), o que explica

    a noo de funo docente, permitindo o trabalho do professor em vrias instituies. Bosi

    (2007) tambm discute flexibilidade nos regimes de trabalho docente. Apresentando dados do

    Censo do Ensino Superior Privado realizado pelo INEP (Instituto Nacional de Ensino e

    Pesquisas), esta autora mostra que do total de docentes cadastrados pelo censo em 2004,

    apenas 16,9% trabalham em regime de dedicao exclusiva. Este nmero refere-se quase que

    exclusivamente esfera pblica e evidencia uma grande desregulamentao do trabalho

    docente. No caso das IES privadas, conforme Bosi (2007) existiam mais de 118 mil docentes

    em regime horista, o que representava quase 70% de todos os docentes ocupados no ensino

    superior no Brasil. Observa-se uma desregulamentao possibilitada pela legislao

    educacional que estabeleceu parmetros de contratao j bastante flexveis a partir de 1996

    (Lei de Diretrizes e Bases), visto que 7 das 84 universidades pblicas no cumprem a

    exigncia de terem pelo menos um tero do corpo docente em regime de tempo integral. J

    entre as universidades privadas, esse tipo de transgresso muito mais representativa. O

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    crescimento das funes docentes fato observvel em todos os sensos realizados, embora

    estes dados no reflitam necessariamente um aumento do nmero de profissionais, podendo

    ocorrer o contrrio, menos professores em vrias atividades e instituies. Conforme o senso

    do ensino superior (BRASIL, 2009) a quantidade de funes docentes em exerccio no Brasil

    cresceu em 2008. Nesse ano foram observadas 321.493 funes docentes, um acrscimo de

    4.452 em comparao com 2007, ou seja, de 1,4%. J em 2010, o nmero total passa a ser de

    345.335 de funes docentes em exerccio nas instituies de educao superior, embora estes

    dados incorporem a atuao na ps graduao. A tendncia de 2004 se ratifica em 2010,

    apresentando a categoria pblica predominantemente, com regime de trabalho de tempo

    integral. Podese observar que so crescentes os percentuais relativos a tempo integral ao

    longo do perodo, que passa a representar 80,2% em 2010. J na categoria privada,

    prevalecem os horistas, ainda que esses tenham diminudo de 55,8%, em 2002, para 48,0%,

    em 2010. Os regimes integral e parcial aumentam seus percentuais de participao, sobretudo

    de 2008 para 2010. No ano de 2010, 24,0% dos regimes de trabalho so em tempo integral e

    28,0% em tempo parcial (BRASIL, 2010).

    Evidencia-se o papel da organizao do ensino superior privado na precarizao do

    trabalho docente e sua desregulamentao, expondo os professores a condies de trabalho

    causadoras de mal estar e consequentemente afetando sua sade. O trabalho docente sofre um

    profundo processo de proletarizao entendido como a perda gradativa do controle do

    processo de trabalho e de autonomia das aes, em funo da centralizao das decises sobre

    os resultados do mesmo, alm do aspecto relativo venda da fora de trabalho como

    mercadoria (APPLE,1995).

    Outra questo considerada por Oliveira (2004), a respeito de consequncias das

    reformas iniciadas nos anos de 1990 se refere s novas exigncias profissionais para os

    professores, sem a necessria adequao das condies de trabalho e resultaram em maior

    responsabilizao do professor pelo desempenho da escola e do aluno. Aumentou tambm sua

    responsabilidade sobre sua formao, o que os obrigou a buscar constantemente formas de

    requalificao por conta prpria, tais mudanas, por sua vez, repercutem diretamente sobre a

    organizao do trabalho escolar, pois exigem mais tempo de trabalho do professor, tempo este

    que se no aumentado em sua jornada objetivamente, se traduz em intensificao do trabalho.

    Tal condio ressaltada por Maus (2010) ao afirmar que o Grupo de Trabalho de

    Poltica Educacional (GTPE) do ANDES, Sindicato Nacional dos Docentes da Educao

    Superior, em documento de abril de 2005, alertou que as reformas no ensino implicam em

    srias mudanas na organizao do trabalho docente, podendo vir a alterar o status

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    profissional e as relaes de trabalho. Essas polticas educacionais alteram a diviso das

    tarefas, a discriminao das atividades, a diviso dos tempos. Como Oliveira (2003) denuncia;

    O trabalho docente no mais definido apenas como atividade em sala de aula, ele agora compreende a gesto da escola no que se refere

    dedicao dos professores ao planejamento, elaborao de

    projetos, discusso coletiva do currculo e da avaliao. [...] Assim,

    por fora muitas vezes da prpria legislao e dos programas de

    reforma, os trabalhadores docentes se vem forados a dominar

    prticas e saberes antes desnecessrios ao exerccio de suas funes.

    [...] Os trabalhadores docentes convencidos de que devem responder a

    essas exigncias, diante da constatao de que a realidade deveria ser

    melhor, e no encontrando os meios necessrios para por em prtica

    exatamente o que acreditam que seja esperado deles quer pelo

    governo, pelos alunos, quer pelos pais, quer por seus pares,

    encontram-se diante de enorme insatisfao (OLIVEIRA, 2003, p. 34).

    Segundo o Grupo de Trabalho De Poltica Educacional da ANDES, a combinao

    dessas legislaes levar o docente a uma sobrecarga de trabalho, ultrapassando as horas

    contratadas, o que, em geral, provoca um desgaste fsico e emocional (MAUS, 2010). De

    acordo com esta pesquisadora, um outro efeito das reformas sobre o trabalho docente a

    crescente perda de autonomia, em funo das injunes legais que ditam os procedimentos

    com fins de controle e avaliao dos resultados. Para Maus (2006) o ordenamento jurdico

    atual corrobora para que a educao superior e o trabalho dos docentes estejam subordinados

    s exigncias do capital. Nessa lgica, a competitividade estimulada entre esses

    profissionais e o sistema de avaliao, aprofundado no governo atual, contribui sobremaneira

    para que esse objetivo seja atingido. Os professores so avaliados de forma direta (avaliao

    de cursos) e de forma indireta (avaliao dos estudantes via ENADE Exame Nacional de

    Desempenho dos Estudantes). Dessa forma a presso sobre os docentes passa a ter um carter

    permanente. As exigncias so enormes para que ministrem aulas, coordenem projetos,

    orientem estudantes, participem dos colegiados, publiquem, apresentem trabalhos em eventos

    cientficos. Tais funes so inerentes ao fazer docente, prtica pedaggica. No entanto, as

    mesmas, no caso das IES privadas, no esto includas no trabalho do horista, sendo

    realizado sob presso j que se refere a atividade no paga, trabalho real e no trabalho

    prescrito1. A precarizao do trabalho ganha nesse contexto fora e dimenso, tanto pela

    1 O conceito de trabalho prescrito (ou tarefa) refere-se ao que esperado no mbito de um processo de trabalho especfico, com suas singularidades locais. O trabalho prescrito vinculado, de um lado, a regras e objetivos fixados pela organizao do trabalho e, de outro, s condies dadas. Pode-se

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    quantidade de atividades a serem desenvolvidas quanto pela natureza das mesmas. Maus

    (2006) relata que essa questo nos remete, para a polmica instalada em relao

    proletarizao do docente. Proletarizao essa que significa a no profissionalizao,

    representando a perda da autonomia sobre o processo de trabalho. A perda de autonomia no

    trabalho, ocorreria pela natureza das polticas implementadas nas ltimas dcadas que, para

    atender s demandas do capital internacional, tm centralizado e padronizado algumas das

    atividades inerentes ao fazer docente. Toda essa situao tem tido consequncias para a sade

    e o bem estar do professor.

    Dessa forma, o trabalho docente determinado, no de forma mecnica, mas sofrendo influncias dos seguintes aspectos: (1) pelas

    polticas econmicas, que buscam fazer da educao um dos

    instrumentos que contribua para o ajuste fiscal e para a chamada

    estabilidade econmica, que nada mais do que a possibilidade de

    fazer supervit para pagamento da dvida; (2) pelas polticas pblicas

    educacionais que buscam adequar a educao s demandas do capital,

    isto , da formao de um trabalhador apto para atender s

    necessidades do mercado; (3) pelas polticas de formao docente que

    procuram formar um profissional que seja capaz de cumprir as

    determinaes explicitadas pelos organismos internacionais, sobretudo

    o Banco Mundial; (4) pela natureza das reformas que priorizam a

    eficincia e a produtividade, cujo conceito de qualidade est

    intimamente relacionado com as exigncias do mercado (MAUES, 2006, p. 10).

    A RELAO TRABALHO DOCENTE E SADE

    A relao trabalho e sade foco de estudos em diversas reas do saber a algumas

    dcadas, mas sobretudo nas dcadas de 1990 e 2000, as repercusses psquicas do trabalho

    comearam a ganhar espao nos consultrios (LACAZ, SELIGMAN-SILVA, BERNARDO,

    MAENO, KATO, 2010). Esses agravos sade, at ento no identificados, hoje so

    reconhecidos como relacionados ao trabalho tanto pelo Ministrio da Sade2, como pelo

    Ministrio da Previdncia Social3. O reconhecimento deste tipo de adoecimento pelo trabalho

    evidencia a complexidade que envolve a avaliao da relao entre o processo sade/doena e

    o trabalho.

    A financeirizao ou mundializao financeira modifica o papel das instituies. O

    capital quem determina a funo dos aparelhos, submetendo todos os setores, transformando

    dizer, de forma sucinta, que indica aquilo que se deve fazer em um determinado processo de trabalho. (PEREIRA, 2008) 2 Portaria n 1339/GM, de 18 de novembro de 1999. 3 Decreto n 3048, de 1999.

  • 11

    inclusive a educao em mercadoria. O empresariamento da educao promove profundas

    mudanas no ensino superior que alteram a vida acadmica e modifica a funo do docente e

    conduzem a intensificao e precarizao do trabalho. No entanto, as repercusses

    psicossociais destas condies, seus aspectos sociais, econmicos e organizacionais sobre a

    subjetividade do docente, so minimizados ou ignorados pelo sistema.

    Freitas e Cruz (2008) relataram que pesquisas realizadas no final dos anos de 1990 e

    incio dos 2000, indicaram a existncia de verdadeiras epidemias de doenas relacionadas ao

    trabalho. Contudo, dados a respeito de doenas relacionadas ao trabalho na educao se

    tornaram mais frequentes somente a partir do ano 2000. Autores como Esteve (1995), Codo

    (1999), Delcor (2003), Bueno e Lapo (2003), Oliveira (2001), Reis (2004), Arajo et al.

    (2005), Gasparini (2005) e Lemos (2005) realizaram estudos que buscaram identificar como

    as transformaes sociais repercutem no trabalho do professor e verificaram que as

    modificaes no contexto social das ltimas dcadas alteraram significativamente o perfil do

    professor e as exigncias pessoais e do meio em relao sua atividade. Estudos como os de

    Codo (1999) e Esteve (1999) apontaram que dentre os fatores que contribuem para a perda da

    qualidade da sade dos professores est a no valorizao e o no reconhecimento do trabalho

    docente expressos, genericamente, pela percepo de desrespeito por parte dos alunos e da

    sociedade, as condies salariais (que no condizem com a responsabilidade social do

    professor), a necessidade de ampliao da jornada de trabalho para recompor o salrio, os

    aumentos expressivos de alunos em salas de aula, alm da luta permanente para se manter no

    emprego.

    Os professores sofrem presses em relao ao desempenho, ao mesmo tempo em que

    precisam acumular mais horas de trabalho para obter o mnimo retorno financeiro necessrio

    sua sobrevivncia, o que reflete em mal estar e alteraes sua sade fsica e psquica. Salim

    (2009) relata em levantamento com 2484 professores de Minas Gerais, que 92,84% deles

    referem cansao fsico e mental relacionando-os s condies de trabalho executadas, seja o

    barulho ou a ameaa de violncia frequentes. Mendes, Chaves, Santos e Ramos (2007) em

    pesquisa sobre significado do trabalho e sofrimento na profisso docente universitria,

    concluem que, apesar de a profisso de docente ser gratificante, o sofrimento no trabalho dos

    professores entrevistados, foi muito evidente e, em grande parte, relacionado com a instituio

    e seus problemas. A atividade de ensinar existe mesmo antes das instituies de ensino,

    anterior ao sculo XI, quando se tem registro da primeira universidade embora, na atualidade,

    a profisso de mestre tenha perdido seu status simblico de essencial para a sociedade e luta

    pela valorizao e reconhecimento social do seu trabalho (LEMOS, 2005).

  • 12

    H que se considerar que o sistema de ensino evoluiu do ponto de vista material. Ao

    longo desses sculos foram desenvolvidas tcnicas, mtodos e ferramentas que ajudaram levar

    conhecimentos a grande parte da populao mundial. Por outro lado, a atividade do professor

    acabou se tornando alvo para diminuir os custos do ensino e manter sua expanso. O

    desenvolvimento tcnico muitas vezes se reflete em intensificao do trabalho resultando em

    mais horas de trabalho realizado fora da instituio, como na exigncia do uso das tecnologias

    e ferramentas digitais. Tal qual o trabalhador de qualquer empresa, o docente v-se forado a

    cumprir metas, prazos e atender demandas institucionais que o obrigam a ficar disponvel

    online 24 horas por dia.

    Irnico saber que os professores, a maior categoria profissional do mundo, com 59

    milhes de profissionais, nem por isso a mais protegida, so expostos a riscos biomecnicos,

    psicossociais e de uso vocal abusivo, como afirma Reis (2006). Segundo a autora, a atividade

    educacional estressante, e seus trabalhadores so submetidos a ambientes conflituosos, com

    altas exigncias de desempenho e de sobrecarga de trabalho decorrente da grande jornada e

    acmulo de tarefas intra e extraclasse. Arajo et al. (2005) relacionam as mudanas

    significativas na estruturao e valorizao social das atividades docentes com o processo de

    adoecimento desta categoria. Eles afirmaram que a desvalorizao do professor pela

    sociedade, as precrias condies materiais de trabalho, o aumento das exigncias e a

    fragmentao do trabalho podem facilitar o surgimento do adoecimento. Muitas demandas

    apresentadas ao professor no podem ser por ele resolvidas dado que eles no detm meios e

    nem condies para tal, o que pode conduzir a auto-intensificao do trabalho, causa de

    sofrimento, insatisfao, doena, frustrao e fadiga.

    O investimento no ensino superior ganhou novos contornos e se tornou importante

    ferramenta para agregar valor para produtividade e crescimento como desejam os rgos

    internacionais Banco Mundial, UNESCO construindo a ideologia de que o investimento

    neste nvel de ensino fundamental para construir uma sociedade do conhecimento. Elabora-

    se assim uma nova arquitetura acadmica e social, o ensino operacional (CHAU, 1999),

    voltado para si mesmo e distanciado da pesquisa. Ao alterar a identidade da universidade

    altera-se o papel do docente, vinculado ao mercado, aparece a figura do professor

    empreendedor impelido na vivncia acadmica a aceitar a exigncias mercadolgicas para

    realizar seu trabalho e suas pesquisas. A consequncia mais visvel da intensificao do

    trabalho o aparecimento das doenas.

    Desta forma, parece cada vez mais evidente o fato de que as condies de trabalho s

    quais os docentes das instituies privadas esto submetidos na atualidade so potencialmente

  • 13

    causadoras de sofrimento e adoecimento mental, resta-nos denunciar tais fatos de forma a

    desmistificar tal realidade para que no seja naturalizada.

    Como afirma Maus (2010) esta uma realidade criada e como tal, num processo

    dialtico, pode ser desconstruda e construda ou reconstruda. Os caminhos para esta

    desconstruo passam tambm pelo movimento docente organizado, sobretudo o sindicato.

    necessrio retomar a defesa da educao como um direito humano fundamental e contribuir

    para que o trabalho enquanto centralidade da vida humana possa ser realizado em condies

    de respeito sade fsica e psquica dos trabalhadores.

    O TRABALHO E A SADE DOS DOCENTES DE UBERLNDIA

    Foram entrevistados cinco professores do ensino superior privado que atuam na cidade

    de Uberlndia. Estes profissionais atuam na docncia h pelo menos cinco anos. Ao relatarem

    a respeito de seu trabalho mostraram que o ensino por eles percebido como uma tarefa com

    alto valor simblico. Por outro lado tambm apareceu nos relatos um desencanto em relao a

    esta atividade. Desta forma, contraditoriamente, a profisso perde seu encanto mas preserva

    elementos de idealizao. A profisso docente carrega as marcas de uma construo histrica

    e ideolgica que caracteriza esta atividade como sacerdcio, misso com alto valor subjetivo.

    No entanto, na atualidade, a desregulamentao provocada pelos efeitos do neoliberalismo e

    globalizao, promove perdas e intensificao das atividades. A ideologia da profisso como

    misso tambm serve ao sistema para manter o profissional preso a condies de trabalho

    precarizadas, visto que apesar delas ele dever cumprir o seu papel. O sentimento de

    desqualificao ao perceber seu ofcio ser tratado como mercadoria constante no discurso

    dos profissionais. O ensino como trabalho vincula o professor a uma responsabilidade e a um

    compromisso com o valor e o sentido de sua atividade, o que possibilita a intensificao das

    atividades.

    As condies de trabalho so relatadas tambm de forma contraditria, visto que de

    um lado so em geral oferecidas as condies mnimas para execuo da tarefa: pincel, giz,

    quadro e sala. De outro, so exigidas muitas tarefas que devem realizadas fora do horrio de

    aula e que no so pagas. A contratao por hora aula tambm outro elemento importante no

    processo de precarizao e intensificao das atividades. O contrato de trabalho varivel de

    semestre a semestre o que no possibilita estabilidade e segurana ao profissional e permite s

    instituies novas formas de manipulao do docente.

  • 14

    As condies de sade sofrem as consequncias da precarizao das condies de

    trabalho. Apesar de a princpio no reconhecer o mal estar e desequilbrio emocional, os

    professores apresentam diversos sintomas tpicos de estresse. Dores de cabea, dores de

    estmago, nervosismo, ansiedade e sintomas psicossomticos como as alergias, ocorrem com

    frequncia. A prpria percepo do adoecimento est comprometida pela tentativa de

    preservao dos elementos positivos do trabalho ao utilizarem a negao do sofrimento como

    recurso defensivo. Busca-se preservar a positividade da atividade profissional em detrimento

    da prpria sade.

    Conclui-se que na atualidade, a mercantilizao da educao a desqualifica e

    transforma seus profissionais em meros reprodutores de tcnica, retirando o sentido do

    trabalho e provocando mal estar e desencanto com a atividade profissional. O trabalhador da

    educao arca com as consequncias da perda de sentindo em seu fazer, com a desvalorizao

    e a precarizao, manifestando em seu corpo e psiquismo os efeitos deletrios deste sistema

    desumano.

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