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Heidelberg, verão de 1997 ria. Comparações com formas de organização estatais existentes servem mais para evidenciar as diferenças do que para estabelecer semelhanças por analogia. Este livro expõe a história dessa associação regional única, aborda os interesses, as instituições e as políticas públicas dessa aliança entre Estados e trata das especificidades dessa construção integradora mediante a questão abrangente da identidade européia, como pressuposto importante do crescimento conjunto em direção a uma entidade política comum. As circunstâncias históricas particulares do surgimento da UE e as condições políticas específicas estão logo no início do livro. Os motivos e as forças propulsoras de cada Estado são tratados separadamente. Os interesses convergentes de cada Estado-membro são então analisados no contexto marcado por seus respectivos inte- resses nacionais históricos. Estudam-se, ademais, as expectativas de cada país com relação a uma associação regional, pois é a partir de- las que se pode explicar a motivação para associar-se de tal maneira. Para que se entenda o caráter específico da União, descreve-se e explica-se seu complicado sistema constitutivo e sua estrutura institucional, mediante recurso freqüente aos modelos mais familia- res dos sistemas políticos nacionais. O caráter dual da União, por um lado construto comunitário e supranacional e, por outro, entidade intergovernamental-interestatal, é exposto em suas instituições, processos e políticas públicas. A questão importante da identidade européia é tratada em capítulo à parte, pois dela também depende o futuro da União. O capítulo seguinte aborda as políticas públicas mais importantes da União: a agrícola, a econômica e a monetária, a exterior e de segurança, bem como a cooperação em matéria de justiça e política interior; por fim, analisa-se a polítisa de reformas tal como se encontrava no início do ano de 1997. E nesta que se preparam os conteúdos das ações políticas futuras e se processam os interesses nacionais perante a União. A legitimação democrática e a capacidade de atuação constituem o cerne do debate sobre a reforma da União, sobretudo com respeito à expansão com mais uns doze países candidatos. Uma União Européia com 27 membros será por certo outra realidade qualitativa do que a comunidade ori- ginal dos seis fundadores. 14 Frank R. pfetsch UNlCÓPIAS ProlO: \~:;}\ )\)JL' '. GUIsa: Dlsclplma: :1, S~, .. ,:.•.•. N°. Pas\a: t, Capítulo 1 N°.Fls:_~' 1 . emestre \':..,\ \';-';:. 2\. ".-..' Condições históricas da fundação e do desenvolvimento A Europa dispõe de muitas formas de organização estatal. Com o fito de garantir a paz, constatam-se dois tipos distintos de projetos de Europa, que admitem também a constituição de formas mistas: - As alianças federativas clássicas, que têm o equilíbrio europeu por fundamento ou que o querem instituir, entendem os Estados nacionais como unidades que permanecem soberanas. A assim chamada teoria realista das relações internacionais vê nessas alian- ças uma garantia da manutenção da paz (Morgenthau, 1966; Kissinger, 1994). A formação de contrapoderes deve impedir que um Estado se torne demasiado forte e domine outros. Um segundo projeto pode ser caracterizado como interdependên- da mediante integração. Os Estados transferem a uma terceira instância certos direitos soberanos. A ótica da interdependência pode ser encontrada na escola liberal das relações internacionais (Keohane,1984). A União Européia foi organizada no sentido da segunda perspec- tiva. Apenas os projetos com esse conteúdo podem ser considerados predecessores da integração européia na forma da Comunidade Econômica Européia (CEE)/Comunidade Européia (CE)/União Euro- péia (UE). Historicamente, essa linha sempre se esforçou por res- tringir, pela integração, o papel dominante de uma nação.

Condições históricas da fundação do desenvolvimento · A ótica da interdependência pode ser encontrada na escola liberal das relações internacionais (Keohane,1984). A União

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Page 1: Condições históricas da fundação do desenvolvimento · A ótica da interdependência pode ser encontrada na escola liberal das relações internacionais (Keohane,1984). A União

Heidelberg, verão de 1997

ria. Comparações com formas de organização estatais existentesservem mais para evidenciar as diferenças do que para estabelecersemelhanças por analogia.

Este livro expõe a história dessa associação regional única,aborda os interesses, as instituições e as políticas públicas dessaaliança entre Estados e trata das especificidades dessa construçãointegradora mediante a questão abrangente da identidade européia,como pressuposto importante do crescimento conjunto em direçãoa uma entidade política comum.

As circunstâncias históricas particulares do surgimento da UEe as condições políticas específicas estão logo no início do livro.Os motivos e as forças propulsoras de cada Estado são tratadosseparadamente. Os interesses convergentes de cada Estado-membrosão então analisados no contexto marcado por seus respectivos inte­resses nacionais históricos. Estudam-se, ademais, as expectativas decada país com relação a uma associação regional, pois é a partir de­las que se pode explicar a motivação para associar-se de tal maneira.

Para que se entenda o caráter específico da União, descreve-see explica-se seu complicado sistema constitutivo e sua estruturainstitucional, mediante recurso freqüente aos modelos mais familia­res dos sistemas políticos nacionais. O caráter dual da União, porum lado construto comunitário e supranacional e, por outro, entidadeintergovernamental-interestatal, é exposto em suas instituições,processos e políticas públicas. A questão importante da identidadeeuropéia é tratada em capítulo à parte, pois dela também depende ofuturo da União. O capítulo seguinte aborda as políticas públicasmais importantes da União: a agrícola, a econômica e a monetária,a exterior e de segurança, bem como a cooperação em matéria dejustiça e política interior; por fim, analisa-se a polítisa de reformastal como se encontrava no início do ano de 1997. E nesta que sepreparam os conteúdos das ações políticas futuras e se processamos interesses nacionais perante a União. A legitimação democráticae a capacidade de atuação constituem o cerne do debate sobre areforma da União, sobretudo com respeito à expansão com maisuns doze países candidatos. Uma União Européia com 27 membrosserá por certo outra realidade qualitativa do que a comunidade ori­ginal dos seis fundadores.

14 Frank R. pfetschUNlCÓPIAS

ProlO: \~:;}\ )\)JL' '.GUIsa:

Dlsclplma: :1, S~, ..,:.•.•.

N°. Pas\a:t,Capítulo 1 N°.Fls:_~'

1 . emestre \':..,\ \';-';:. 2\. ".-..'

Condições históricas da fundaçãoe do desenvolvimento

A Europa dispõe de muitas formas de organização estatal.Com o fito de garantir a paz, constatam-se dois tipos distintos deprojetos de Europa, que admitem também a constituição de formasmistas:

- As alianças federativas clássicas, que têm o equilíbrio europeupor fundamento ou que o querem instituir, entendem os Estadosnacionais como unidades que permanecem soberanas. A assimchamada teoria realista das relações internacionais vê nessas alian­

ças uma garantia da manutenção da paz (Morgenthau, 1966;Kissinger, 1994). A formação de contrapoderes deve impedir queum Estado se torne demasiado forte e domine outros.

Um segundo projeto pode ser caracterizado como interdependên­da mediante integração. Os Estados transferem a uma terceira

instância certos direitos soberanos. A ótica da interdependênciapode ser encontrada na escola liberal das relações internacionais(Keohane,1984).

A União Européia foi organizada no sentido da segunda perspec­tiva. Apenas os projetos com esse conteúdo podem ser consideradospredecessores da integração européia na forma da Comunidade

Econômica Européia (CEE)/Comunidade Européia (CE)/União Euro­péia (UE). Historicamente, essa linha sempre se esforçou por res­tringir, pela integração, o papel dominante de uma nação.

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Até meados do século XX as experiências históricas da Europaforam marcadas pelo modelo dos Estados nacionais. Só com a fun­dação da Sociedade das Nações a perspectiva da integração tornou­se realidade prática, fracassando, porém, por causa de inúmerasdissonâncias.

1.1 Marcos históricos

A União Européia, que se apresenta hoje como um multiface­tado construto político, interdependente e integrado, por certo tevemuitos projetos precursores. A Comunidade Européia da IdadeMédia caracterizava-se até certo ponto pela comunidade de religião(a Igreja Católica) e de língua (o latim). Com os cismas religiosos,as guerras de religião e o surgimento dos Estados absolutistas, essaunidade desfez-se, passando a ocorrer uma série de guerras intra­européias desde então.

Pode-se considerar como o primeiro defensor de uma concep­ção fundada no equilíbrio de poderes o duque francês Maximilianode Béthune SulIy (1560-1641), conselheiro e ministro de HenriqueIV. Já em começos do século XVII SulIy projetou, em seu grallddessein, a imagem de um equilíbrio europeu entre quinze Estadosigualmente fortes, como garantia da paz. De acordo com essa con­cepção, seria fundada na Europa uma federação na forma de umarepública cristã e sob a liderança da França. Em 1610, no entanto,o próprio Sully acabou vítima das intrigas européias, ao ser demiti­do do cargo de ministro das Finanças e cair em desgraça, após oassassinato de Henrique IV por Maria de Médicis. Pouco mais tar­de foi o jurista holandês Hugo Grotius (1583-1645) que tratou deuma união dos Estados e dos povos, em sua obra principal De jurebelli ac pacis libri tres (Três livros sobre o direito de guerra epaz). Sua teoria das soberanias equivalentes angariou-lhe o epítetode "Pai do direito das gentes".

Um pensador francês, cujas teorias Jean-Jacques Rousseauvirá a discutir intensivamente, surpreende pela terminologia mo­derna. O abade de Saint-Pierre (1658-1743) fala, já em 1713, deuma associação federativa de Estados europeus soberanos. Guiadospelo racionalismo e pelo progresso, escreve Saint-Pierre, os prínci-

pes europeus convencer-se-iam de uma "federação européia" ins­tituída contra a hegemonia absolutista de Luís XIV. Esse projetoprevê a constituição de uma aliança permanente ("República euro­péia") e a realização de encontros regulares em uma assembléia oucongresso federal. O projeto de Saint-Pierre prevê, em seus cincoartigos, uma garantia mútua do status quo territorial e constitucio­nal, uma presidência em rodízio na assembléia federal, uma espé­cie de segurança coletiva no caso de infração ao tratado e "decisõeseuropéias colegiadas por maioria" (Saint-Pierre, abade Ch.-I. Cas­tel de, Projet pour rendre Ia paix perpétuelle en Europe, 1713).

Um manuscrito de Rousseau, "Sobre a federação como meiode combinar as vantagens das pequenas repúblicas com as dosgrandes Estados", perdeu-se. Pode-se considerar como certo, toda­via, que Rousseau ficou impressionado com a tese federalista deSaint-Pierre. Rousseau não se dá por satisfeito, porém, com a mo­tivação do príncipe para renunciar a direitos de soberania, admitidapor Saint-Pierre. Em seu Jugement sur te projet de Ia paix perpé­tuelle (1761), Rousseau afirma que a ambição dos príncipes deexp,andir seus territórios e de aumentar seu poder interno é incom­patível com um projeto federativo. A única possibilidade de criarestruturas federativas, segundo Rousseau, estaria numa revoluçãoque, por sua vez, é altamente problemática.

Uma outra posição pró-federação do século XVIII encontra-seem Immanuel Kant. Em seu escrito Sobre a paz perpétua (1795), arepresentação de uma "organização federal da Europa com Estadosrepublicanos" baseia-se em dois artigos fundamentais, que devempreservar o Estado de paz: 1) A constituição civil de cada Estadodeve ser republicana; 2) O direito internacional deve estar baseadoem um federalismo de Estados livres.

A exigência do utópico francês conde de Saint-Simon (1760­1825), em 1814, de fundar uma comunidade européia com umparlamento supranacional, também tinha caráter normativo. Saint­Simon, cujo nome próprio era Claude-Henri de Rouvroy, defende,em seu ensaio A reorganização da sociedade européia, um "poderuniversal", que deveria promover o progresso e a "comunidadeeuropéia" (cf. Theimer, 1988: 20-23).

Um outro precursor francês da idéia européia é o escritorVictor Hugo (1802-1885), que desenvolveu também intensa ativi-

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dade política. Parlamentar em diferentes instituições em sucessivasetapas (Câmara de Paris, Assembléia Nacional, Senado), Victot'Hugo proclamou, na qualidade de presidente do segundo CongressoInternacional pela Paz, em 1849, os "Estados Unidos da Europa".

No século XX, sobretudo depois da Primeira Guerra Mundial,os projetos de uma Europa unificada ganharam uma nova dimen­são. O Movimento Pan-Europeu, fundado pelo conde austríacoCoudenhove-Kalergi (1894-1972), promoveu, entre outras iniciati­vas, no âmbito do Congresso Pan-Europeu de 1926, uma grandedifusão da idéia da Europa. Também no jornalista, advogado epolítico francês Aristide Briand (1862-1932) encontra-se, em pa­ralelo ao engajamento no Tratado de Locamo e no Pacto Briand­Kellogg, a visão de uma "união federal européia", que reuniria osdiversos Estados em uma união ampla.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a idéia de uma Europa fe­derativa parecia ser, para os políticos europeus impotentes diantede Hitler, um meio de impedir novas guerras. O presidente do Con­selho de Ministros francês, Léon Blum, afirmava, em 14 de outu­bro de 1939:

As soluções em que nós, socialistas, pensamos, são as que trariama Alemanha para uma organização européia - uma organizaçãoque daria garantias efetivas contra o retorno de agressões vio­lentas e que asseguraria os elementos de uma segurança efetivae de uma paz duradoura. Caminhamos assim sempre para asmesmas fórmulas, para a mesma conclusão: a independênciadas nações no seio de uma Europa federativa e desarmada(Gasteyger, 1994: 32).

A resistência alemã também não apostou apenas no afasta­mento de Hitler e na derrubada do nacional-socialismo. O pastoralemão Hans Schõnfeld anunciou, em 31 de maio de 1942, em Es­tocolmo, o programa da "oposição alemã para a Alemanha e a Eu­ropa", que previa a interdependência econômica de uma nação alemã,vivendo com "autonomia administrativa responsável", medianteuma "estreita cooperação entre nações livres". Segundo Schõnfeld,isso culminaria em uma "federação européia de nações livres", comum governo e um exército comuns, incluindo a participação daGrã-Bretanha, da Polônia e da "nação checa" (Gasteyger, 1994: 33).

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~evando-se em conta as etapas esquematizadas até aqui, pode­se artIcular os impulsos da unificação européia em duas linhas demotivação: a busca de equilíbrio e a meta do comprometimento:

1. ~ alianças, no sentido clássico do equilibrio, destinavam-se aeVItar o aumento do poder de uma determinada potência domi­nante. Assim, por exemplo, o duque de Sully agiu contra o cer­co da França pelos Habsburgos, que se haviam instalado

media~te um~ política ~ucessória bem-sucedida, na Espanha:nos Palses BaIXOSe na Austria. Também as reflexões do abadede Saint-Pierre se voltavam contra a dominação de vários Es­tados por uma só potência.

2. Con~eqüentemente, a etapa seguinte do projeto de unificaçãoconSIste no comprometimento de uma potência dominante em

estrut~ras abrangentes. Como exemplo, temos aqui a propostade Bnand de uma "união federal européia" e as reflexões deBlum. As propostas do general De Gaulle, tempos mais tarde,de. u~a aliança com a União Soviética, tinham também porobjetivo uma domesticação suave das tendências expansionis­tas de Stalin.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, inicia-se umanova fase na política européia, embora não se possa traçar uma linha

de de~arca.ção exat~. A concretização dos projetos de integraçãoeuropem fOI favoreclda não apenas pela vontade de determinadospolíticos, mas também pela necessidade política, com o patrocíniodos Estados Unidos e sob a pressão crescente das ameaças de Mos­cou. Até a Segunda Guerra Mundial, os projetos europeus limita­vam-se às relações comerciais bilaterais ou a alianças militares nomais das vezes efêmeras. Os requisitos de índole normativa, talcomo propostos por Kant, Victor Hugo ou Saint-Simon, com opressuposto da renúncia voluntária à soberania, alienaram-se darealidade política do poder, e podem, com isso, ser qualificados deidealistas.

Apr?ximando-se a criação da primeira organização européiatransnacI?nal, a ~omunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca),um terceIro motivo da integração européia vem juntar-se à buscade equilíbrio e de comprometimento: a prosperidade econômica.

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Em conjunto, esses motivos constituíram, nos anos 1940 e 1950, amassa crítica que possibilitou uma conformação institucional davelha idéia da unidade européia. Em complemento aos motivosfundamentais da busca de equilíbrio e do comprometimento das

potências dominantes têm-se os fatores seguintes:

Essas seis linhas de motivação, distingui das aqui pela análise,

raramente apareceram, na realidade, de forma pura. Amiúde duasou mais dessas metas foram formuladas por seus precursores polí­

ticos. Alguns exemplos podem mostrá-Io sumariamente.A evolução das grandes potências sediadas fora do espaço eu­

ropeu tradicional de poder deram um novo impulso à integraçãoeuropéia. Com a emergência da União Soviética, cujo potencialmilitar representava uma ameaça para as potências da Europa cen­tral, a concepção de uma Europa como "terceira força" ganhou

importância. "A idéia de uma 'terceira força' - de uma Europa cujaordem social e cuja orientação da política exterior fosse eqüidis­tante dos Estados Unidos e da União Soviética e que, dessa forma,

3. As duas principais potências vencedoras da Segunda GuerraMundial tinham pretensões de dominação tradicionais fora doterritório central da Europa. Como reação à ameaça de perda

da posição da Europa, surgiu a concepção de uma "terceiraforça", além dos Estados Unidos e da União Soviética.

4. Os projetos europeus foram considerados pelos políticos ale­mães e por outras personalidades da vida pública tambémcomo instrumentos de solução da divisão da Alemanha.

5. O nacionalismo dos países europeus, que levou a duas guerrasmundiais, tornara-se amplamente obsoleto após 1945 e predis­pôs os Estados da Europa ocidental e, em parte também daoriental, às formas de organização transnacional.

6. Da perspectiva ocidental, o projeto "Europa" foi visto comocontrapeso ao expansionismo soviético. No início dos anos1950, quando esse perigo foi mais intenso, as potências oci­dentais ainda viam o rearmamento alemão com reservas. Umadefesa eventual da Europa ocidental teria que começar, no en­tanto, no território alemão. Por isso, só uma aliança européiapodia formar um verdadeiro contrapeso.

pudesse servir de intermediária entre ambos - foi mais popular naEuropa do pós-guerra do que qualquer outra idéia política" (Loth,1980: 194).

Alguns dos pensadores do período imediatamente posterior àSegunda Guerra Mundial projetaram para a Europa do futuro nãoapenas o papel de um contrapeso geoestratégico aos Estados Unidos eà União Soviética, mas também a realização de uma via social­democrática intermediária entre capitalismo e comunismo. A "or­ganização européia" buscada por Blum tinha, por conseguinte, nãoapenas o objetivo da moderação da União Soviética, mas, igual­mente, a perspectiva de sua inserção em um socialismo sem auto­ritarismo. Propostas semelhantes encontram-se no cientista políticoalemão Richard Lõwenthal, que descreveu a vinculação da Europagovernada pelos socialistas com os países da Europa ocidentalcomo um "poderoso tampão neutro" para evitar o choque entre aspotências mundiais (Lõwenthal, 1947).

Sob a perspectiva alemã, foram elaboradas propostas de uma"terceira via" em função do problema da Alemanha dividida. Tantoos democrata-cristãos quanto os social-democratas, no período ime­diatamente posterior à guerra, acharam atrativa a idéia de umaAlemanha pós-fascista como mediadora entre os blocos da Europaocidental e da Europa do leste, cada vez mais em confronto. Pode­mos lembrar, aqui, da tese da função-ponte do presidente da UniãoDemocrata Cristã (CDU) da Alemanha oriental (inclusive Berlim),Jakob Kaiser (1888-1961). Kaiser, originário do movimento sin­dical cristão como seu vice Ernst Lemmer, é o autor da fórmula:"A Alemanha tem de ser a ponte entre o Ocidente e o Leste" (Kaiser,1946: 17).

O paralelo com as posições social-democratas encontra-se naidéia de Kaiser de um "caminho próprio [...] para uma nova ordemsocial". Tese semelhante foi sustentada em 1945 por Otto Grotewohl(1894-1964), então ainda presidente do Comitê Central de Berlim doPartido Social-Democrata de toda a Alemanha. Grotewohl preconi­zava que se "assumisse, na política interna, uma posição eqüidistantedos partidos burgueses e comunistas e, na política externa, o papelde mediador entre a União Soviética e as democracias burguesasocidentais". Também a "terceira via" de Kurt Schumacher (1895­1952) buscava a eqüidistância dos dois blocos em formação. Por cau-

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22 Frank R. pfetschA União Européia 23

sa da "situação provisória alemã", porém, o caminh~ de Schumacherdirigir-se-ia mais para uma forma de "Estados Umdos da Europa"mais transnacional do que federativa (cf. Pfetsch, 1993: .148).

Apesar de o Partido Social-Democrata (SPD) ter .adendo, afinal, àintegração da Alemanha no Ocidente, o campo social-democrata doimediato pós-guerra contava com uma série de defensores .dopapel intermediário ou mediador da Alemanha. O porta-voz socml­democrata da Renânia-Palatinado, Hans Hoffmann, por exemplo,assim se pronunciou na Assembléia Constituinte:

Não apenas por sua geografia, mas ~ambém~?~ sua atitude fun­damental, a Alemanha é um país mtermedmno, uma terra detransições [...]. O princípio da liberdade pessoal com? eleme_ntoessencial da democracia ocidental recobrou, para nos.alem~es,depois da experiência do Terceiro Reich, importância maIOr.Não deixamos, porém, de apreciar, na concepção de Estado dospaíses do Leste, a arte da subordinação dos indivíduos à von,ta~egeral, a disciplina que foi necessária na Alemanh~ e na R~~s~a[...] A grande oportunidade de a Alemanha ~er a IOt.ermedmnaentre as democracias do Ocidente e do Onente fOi, contudo,desperdiçada por Hitler. Restou-nos a divisão. Almejamos am­bas, liberdade e comunidade, e continuará sendo tarefa dos ale­mães encontrar a síntese entre as duas formas (segundo KIaas,1978: 244).

A experiência de duas guerras. estava por trá~ da posição deWinston Churchill, cujo famoso diSCurso em Zunque, :m 19 .desetembro de 1946, apresentou o projeto europeu de paz: [Re]cnara família européia em uma estrutura regional tal que venha a cha­mar-se Estados Unidos da Europa" (in Gasteyger (ed.), 1994: 40).Esses "Estados Unidos da Europa", de que falou também KonradAdenauer deveriam instituir-se, para Churchill, em uma organiza­

ção regio~al das Nações Unidas e pela constituição d~ um Conse­lho da Europa no âmbito de um sistema federal. Os mteresses ?euma política de poder, mesclados a um id~a1ismo ~u:o?eu, obVia­mente deixavam a Inglaterra e a Comumdade Bntamca fora do

quadro institucional proposto:

O primeiro passo para reconstituir a família européia tem de sera parceria entre a França e a Alemanha. Somente dessa maneiraa França poderá assumir novamente a liderança moral da Euro­pa. Não haverá renascimento algum da Europa sem uma Françae uma Alemanha espiritualmente grandes. A estrutura dos Esta­dos Unidos da Europa, se for bem e legitimamente organizada,deve ser tal que a riqueza material de um determinado país nãotenha tanta importância. As pequenas nações contam tantoquanto as grandes e honram-se pela contribuição para a causacomum (;11 Gasteyger (ed.), 1994: 40).

O general De Gaulle, em 1945, ainda pensava numa aliançacontra a Alemanha, ao propor um ensemble econômico reunindoa Inglaterra, a França, a Bélgica, a Holanda, a Itália e a Suécia.O tratado de aliança de Dunquerque, celebrado em março de 1947entre a Inglaterra e a França e destinado à garantia mútua dos doispaíses contra a retomada, pela Alemanha, de uma política agressi­va, falou uma linguagem ainda mais clara.

Os interesses conflitantes dos aliados já haviam aparecido,com toda clareza, na conferência de Potsdam. Com o aparecimentoda Guerra Fria, foi a União Soviética que assumiu o papel de umacontrapotência, anteriormente pertencente à Alemanha. Em marçode 1946, em Fulton, nos Estados Unidos, Churchill profetizou pelaprimeira vez o surgimento de uma "cortina de ferro" entre Leste eOeste. Já não era mais o fortalecimento da Alemanha que forçavaos países da Europa ocidental a pensar em integração, mas a ten­dência expansionista continuada da União Soviética. Mesmoquanto à Alemanha, a integração posterior da República Federal como Ocidente se deveu essencialmente à ameaça estalinista.

A estratégia da "contenção" (containment), elaborada por GeorgeKennan, presidente do Comitê Americano de Política Exterior, reuniuos países-chaves da Europa no projeto de pôr obstáculos ao avançodo comunismo. Um dos principais partidários europeus dessa polí­tica foi Konrad Adenauer. Já desde 1945 constam declarações deAdenauer sobre a necessidade de opor um bloco ocidental forte aoLeste europeu dominado pela Rússia (cf. Pfetsch, 1993: 144). É de1946 a seguinte declaração de Adenauer:

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22 Frank R. pfetschA União Européia 23

sa da "situação provisória alemã", porém, o caminh~ de Schumacherdirigir-se-ia mais para uma forma de "Estados Umdos da Europa"mais transnacional do que federativa (d. Pfetsch, 1993: .148). ,

Apesar de o Partido Social-Democrata (SPD) ter.adendo, afinal, aintegração da Alemanha no Ocidente, o campo socml-democrata doimediato pós-guerra contava com uma série de defensores .do

papel intermediário ou mediador da Alemanha. O porta-voz socml­democrata da Renânia-Palatinado, Hans Hoffmann, por exemplo,assim se pronunciou na Assembléia Constituinte:

Não apenas por sua geografia, mas !ambém ~?~ sua atitude fun­damental, a Alemanha é um país mtermedmno, uma terra detransições [...]. O princípio da liberdade pessoal com? eleme_ntoessencial da democracia ocidental recobrou, para nos alemaes,depois da experiência do Terceiro Reich, importância maior.Não deixamos, porém, de apreciar, na concepção de Estado dospaíses do Leste, a arte da subordinação dos indivíduos à von,ta~egeral, a disciplina que foi necessária na Alemanh~ e na R~~s~a[...] A grande oportunidadede a Alemanha ~er a mt.ermedmnaentre as democracias do Ocidente e do Onente fOI, contudo,desperdiçada por Hitler. Restou-nos a divisão. Almejamos am­bas, liberdade e comunidade, e continuará sendo tarefa dos ale­mães encontrar a síntese entre as duas formas (segundo Klaas,1978: 244).

A experiência de duas guerras. estava por trá~ da posição deWinston Churchill, cujo famoso dISCurSOem Zunque, ~m 19 .desetembro de 1946, apresentou o projeto europeu de paz: [Re]cnara família européia em uma estrutura regional tal que venha a cha­mar-se Estados Unidos da Europa" (in Gasteyger (ed.), 1994: 40).Esses "Estados Unidos da Europa", de que falou também KonradAdenauer deveriam instituir-se, para Churchill, em uma organiza­

ção regio~al das Nações Unidas e pela constituição d~ um Conse­lho da Europa no âmbito de um sistema federal. Os lOteresses ~euma política de poder, mesclados a um id~alismo ~u:0'peu, obvIa­mente deixavam a Inglaterra e a Comumdade Bntalllca fora do

quadro institucional proposto:

o primeiro passo para reconstituir a família européia tem de sera parceria entre a França e a Alemanha. Somente dessa maneiraa França poderá assumir novamente a liderança moral da Euro­pa. Não haverá renascimento algum da Europa sem uma Françae uma Alemanha espiritualmente grandes. A estrutura dos Esta­dos Unidos da Europa, se for bem e legitimamente organizada,deve ser tal que a riqueza material de um determinado país nãotenha tanta importância. As pequenas nações contam tantoquanto as grandes e honram-se pela contribuição para a causacomum (in Gasteyger (ed.), 1994: 40).

O general De Gaulle, em 1945, ainda pensava numa aliançacontra a Alemanha, ao propor um ensemble econômico reunindoa Inglaterra, a França, a Bélgica, a Holanda, a Itália e a Suécia.O tratado de aliança de Dunquerque, celebrado em março de 1947entre a Inglaterra e a França e destinado à garantia mútua dos doispaíses contra a retomada, pela Alemanha, de uma política agressi­va, falou uma linguagem ainda mais clara.

Os interesses conflitantes dos aliados já haviam aparecido,com toda clareza, na conferência de Potsdam. Com o aparecimentoda Guerra Fria, foi a União Soviética que assumiu o papel de umacontrapotência, anteriormente pertencente à Alemanha. Em marçode 1946, em Fulton, nos Estados Unidos, Churchill profetizou pelaprimeira vez o surgimento de uma "cortina de ferro" entre Leste eOeste. Já não era mais o fortalecimento da Alemanha que forçavaos países da Europa ocidental a pensar em integração, mas a ten­dência expansionista continuada da União Soviética. Mesmoquanto à Alemanha, a integração posterior da República Federal como Ocidente se deveu essencialmente à ameaça estalinista.

A estratégia da "contenção" (containment), elaborada por GeorgeKennan, presidente do Comitê Americano de Política Exterior, reuniuos países-chaves da Europa no projeto de pôr obstáculos ao avançodo comunismo. Um dos principais partidários europeus dessa polí­tica foi Konrad Adenauer. Já desde 1945 constam declarações deAdenauer sobre a necessidade de opor um bloco ocidental forte aoLeste europeu dominado pela Rússia (d. Pfetsch, 1993: 144). É de1946 a seguinte declaração de Adenauer:

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24 Frank R. pfetsch A União Européia 25

A Ásia está às margens do Elba. Só uma Europa ocidental eco­

nômica e espiritualmente saudável, da qual ~ Alemanha nãoocupada pela Rússia é um componen}e essencIal, pode deter aexpansão do poderio e do espírito da Asia.

Além das atitudes dos grandes estadistas europeus, sem cuja

ação a convergência decidida de nações hostis dificilmente seria

compreensível sob a perspectiva contemporânea, "o pensamento

europeu foi sustentado também, nos primeiros anos após a ~erra,sobretudo por organizações européias privadas [...] [que assumIram]

posições de vanguarda" (Gasteyger, 1990: 29). Essa "vanguarda"

pode ser identificada pela etiqueta de "movimentos europeus" (qua­

dro 1.1).

QUADRO 1.1

Movimentos europeus do período do pós-guerra imediato

Junho de 1946 Liga Européia para a Cooperação Econômica (dirigidapelo político belga Paul van Zeeland)Setembro de 1946

Programa de Hertenstein dos federalistas europeus

Dezembro de 1946

União dos Federalistas Europeus (paris)

Janeiro de 1947

Comitê Europeu Unificado ou United European Move-

ment (Londres; patrocinado por Winston Churchill)Setembro de 1947

União Européia de Parlamentares (conde Coudenhove-Kalergi)Maio de 1948

1º Congresso de Haia pela unidade européia

Maio de 1949

Conselho Alemão do Movimento Europeu

Setembro de 1949

Colégio da Europa (Bruges, Bélgica)

Em toda a Europa (ocidental) organizaram-se diferentes asso­

ciações federalistas, que aderiram, conjuntamente, ao Programa deHertenstein dos federalistas europeus, em setembro de 1946.

Exemplos de movimentos nacionais são: a Europa-Union (Suíça),o Europeesche Actie (Holanda), o Movimento Federalista Europeo

(Itália) e a Federal Union (Inglaterra). O Programa de Hertenstein,que tomou o nome da localidade em que se realizou o congresso,às margens do Lago dos Quatro Cantões, na Suíça, propugna uma

"comunidade européia de base federativa", cujos princípios reque­

rem uma "construção democrática de baixo para cima" e uma "pro­clamação européia dos direitos do cidadão". Essa "união européia"

vincular-se-ia à Organização das Nações Unidas, e seus integrantestransfeririam "parte de seus direitos de soberania econômica, polí­tica e militar à federação por eles formada". A união seria aberta,

de acordo com o programa, a todos os "povos de essência euro­péia". A organização coordenadora dos federalistas era a Union

Européenne des Fédéralistes (UEF), fundada em dezembro de1946. Em seu primeiro congresso, realizado em abril de 1947 em

Amsterdã, além de assumir a posição de que o futuro da Alemanha

só seria pensável "no âmbito de uma Europa federal", a UEF ado­tou uma declaração programática:

Não queremos uma Europa hesitante, vítima de interesses con­flitantes, dominada por um capitalismo aparentemente liberal,que subordina os valores humanos ao poder do dinheiro, ou porum socialismo de Estado, que utiliza quaisquer meios para im­por sua vontade às custas dos direitos humanos e do direito dassociedades. Queremos uma Europa como sociedade aberta, istoé, disposta à boa vizinhança com o Ocidente e com o Oriente, acooperar com todos.

As posições dos federalistas e de Winston Churchill distinguem­se com toda clareza. Hoje em dia, os federalistas são classificados, em

geral, como inspirados pelo idealismo de atitudes, enquanto a posi­ção do primeiro-ministro britânico é qualificada de pragmática.Essas duas concepções básicas divergiam principalmente quanto ao

caminho a ser encetado para chegar-se à união européia. Churchill ­

como De Gaulle e Adenauer - mantinha como essencial a concepção

dos Estados nacionais soberanos, que se reuniriam em um conselhoeuropeu com fins consultivos e deliberativos. A ruptura entre os

blocos do Leste e do Oeste europeus e a restituição gradual da so­

berania às zonas de ocupação aliadas na Alemanha ocidental eram

consideradas inevitáveis. O Estado federal europeu defendido pelosfederalistas pressupunha a inclusão e o controle da Alemanha.

Quando o movimento europeu reuniu-se, em maio de 1948, noassim chamado Congresso de Haia, a realidade da tomada do poder

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26 Frank R. pfetsch A União Européia 27

pelos comunistas, em Praga, mais as tensões que precederam obloqueio de Berlim, atingiram em cheio as nobres intenções dosfederalistas europeus. Apesar disso, as posições das delegaçõesnacionais no Congresso de Haia, a que pertenciam Uon Blum,Jacques Chaban-Delmas, Edgar Faure, François Mitterrand, JeanMonnet, Robert Schuman e Konrad Adenauer, entraram em cho­que. Os quase mil delegados de dezenove países provinham deParlamentos nacionais, partidos políticos, sindicatos, igrejas e uni­versidades (cf. Masclet, 1994: 4). A tese de que os debates tenhamsido marcados pelo conflito entre as concepções social-federalista econservadora-nacionalista da Europa (Gasteyger, 1990: 31) pareceprecipitada. Pelo menos o exemplo alemão permite demonstrar queo campo conservador assumiu posições mais federalistas e que ossocial-democratas tenderam a atitudes nacionalistas.

Embora o conflito crescente entre o Leste e o Oeste europeustenha restringido a ação dos federalistas, o movimento europeuproduziu impulsos importantes para a constituição do Conselho daEuropa, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e do Colégio daEuropa em Bruges. Entre 1948 e 1949, a maioria das organizaçõeseuropéias listadas na quadro 1.1 fundiu-se no Movimento Europeu(European Movement), que ainda hoje defende o objetivo da fun­dação dos Estados Unidos da Europa.

Levando-se em conta as etapas determinantes das condiçõesdo surgimento de uma comunidade européia, podem-se reconhecertrês modelos de política européia, cujas características se expri­mem em dominação, equilíbrio e interdependência/integração.

a) O modelo da dominação, típico sobretudo das tendências he­gemônicas da União Soviética, tornou-se obsoleto, após 1945,para os países da Europa ocidental. No âmbito do Plano Pleven(ver adiante), no entanto, a França ainda tentou, no início dosanos 1950, tornar-se a potência dominante da Europa ocidentalno plano militar.

b) A aliança entre os Estados nacionais europeus, como a con­cluída em Dunquerque pela França e Inglaterra (estendida aospaíses do Benelux em 1948, pelo Pacto de Bruxelas), corres­ponde à busca de equilíbrio. A contrapotência Alemanha logofoi substituída pela contrapotência União Soviética, como re-

sultado da consolidação do poder comunista na Europa centrale do leste.

c) O modelo da interdependência/integração tem muitos motivos.Fora da Alemanha, buscava-se sua vinculação; internamente,sua reunificação. Adicionalmente, os estadistas europeuspragmáticos viam numa Europa forte um contrapeso à UniãoSoviética. Dessa forma, políticos de procedências as mais diver­sas, como Robert Schuman (vinculação), Jakob Kaiser e KurtSchumacher (reunificação da Alemanha), Konrad Adenauer,George Kennan e Winston Churchill (contenção, terceira via),buscavam o mesmo fim de um construto estatal integrado r nosubcontinente da Europa ocidental.

O modelo da interdependência tem, além da européia, tambémuma variante norte-americana. Já em agosto de 1945 a ForeignEconomic Administration (FEA) elaborou planos de uma Europa

democrática. A administração internacional da região do Reno-Ruhrdeveria tornar-se um "regime internacional" sem limitação no tem­po. Uma fonte estadunidense atribuiu a esse regime o seguinte ob­jetivo: "[Ele] funcionaria para produzir uma reestruturação geral dosistema político europeu, cujo resultado levaria os Estados nacio­nais a perder drasticamente sua importância como unidades [políti­cas]" (cf. Gerhardt, 1996: 28).1 O começo de tal regime teria de sera reconstrução econômica, pois, como afirma um memorando dosociólogo americano Talcott Parsons em 17 de agosto de 1945,"uma economia em expansão facilitará, regra geral, a estabilidadepolítica" (d. ibid. ).2 Em conseqüência, a Alemanha tinha de serinserida em uma economia liberal de mercado. A idéia da Europadefendida por um grupo de jovens economistas e cientistas políti­cos no Departamento de Estado americano desde 1946 desembo­cou pouco mais tarde na perspectiva da unificação política da

Europa presente no Programa de Recuperação Européia (EuropeanRecovery Program - ERP).

1 Em inglês no original: "[11] wo1l1d work inlo a general reslruclllring of lheElIropean political syslem as resllll of which nalional stales as IInits wOllld

2 come to have draslicalfy allered signijicance". (Tradução livre.) (N. do T.)Em inglês no original: "all expalldillg ecollomy wilf, ill general, facilitale políti­cal slabilíty". (Tradução livre.) (N. do T.)

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28 Frank R. pfetseh A União Européia 29

As iniciativas de unificação européia precederam os primeirospassos institucionais da política, especialmente da política exteriore de segurança. Somente mais tarde, quando as questões do desen­volvimento econômico e de sua extensão a novos integrantes influ­enciam o programa da política européia, é que as perspectivaseconômicas e a preocupação com a identidade européia passam aoprimeiro plano. A supremacia da política está presente desde osfundamentos mais remotos da primeira organização supra nacional.A Comunidade Européia do Carvão e do Aço (1951) foi iniciadapor Robert Schuman a partir de considerações sobre a necessidadede neutralizar o conflito histórico em torno da recuperação daregião do Ruhr.

1.2 Fase de incubação (1945-1950)

Até aqui foram apresentados os fundamentos idealizados parao processo de unificação européia iniciado nos anos 1950. Passa-seagora ao esboço das circunstâncias históricas do período do ime­diato pós-guerra. A fase entre o fim da guerra e os primeiros ele­mentos manifestos do processo institucional de integração européiaé entendida, aqui, como incubação de uma unidade européia que seaprofundará mais tarde.

Quase todos os Estados europeus tiveram de sofrer a SegundaGuerra Mundial em seus próprios territórios. A autodestruição pelaguerra acarretou o enfraquecimento da Europa tanto no campo dosvencedores quanto no dos vencidos. A Liga das Nações tinha ten­tado uma primeira experiência histórica de uma segurança mundial,mas principalmente européia. Com cerca de 50 milhões de mortosdurante a guerra, essa tentativa foi mais que um fracasso. O velhosistema dos egoísmos dos Estados nacionais, é a opinião corrente,causou o desastre das duas guerras mundiais. A Europa estava arra­sada, não só moralmente mas também política e economicamente.Em ambos os setores os Estados europeus perderam sua liderançapara as "potências externas" dos Estados Unidos e da União Soviética.

Na Europa do pós-guerra, a guerra sangrenta foi substituída,em poucos anos, pela Guerra Fria. Com o desaparecimento dasrivalidades intra-européias, os Estados Unidos e a União Soviética

preencheram o vácuo de poder, cuja nova divisão foi imposta pelasduas superpotências. O dualismo da Guerra Fria faz lembrar cons­telações históricas comparáveis, no continente europeu: nos séculosXVII e XVIII, a contraposição entre os Habsburgos e a França; noséculo XIX, entre a Prússia e a Áustria; na Primeira Guerra Mundial,entre as potências centrais e os países da Entente; e, durante a guer­ra recém-encerrada, entre as potências do Eixo (Alemanha, Itália) eos aliados da coligação anti-Hitler. O novo conflito pela precedên­cia na Europa, entre as superpotências e seus aliados, viria a domi­nar a segunda metade do século XX.

A prioridade dos Estados europeus, logo após 1945, foram areconstrução que assegurasse o abastecimento básico e a criação deestruturas, para além dos nacionalismos, que impedissem o ressur­gimento da catástrofe que se acabava de viver. O cientista políticoteuto-americano Carl Joachim Friedrich vê três razões para osEstados europeus terem escolhido esses objetivos, com efeitosdiferentes no tempo (Friedrich, 1972: 7-25). Em primeiro lugar,sentia-se a carência de cooperação econômica. O progresso tecno­lógico requeria, segundo Friedrich, um mercado proporcionalmentevasto. Além disso, de acordo com um argumento já bem conheci­do, a ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética fez esvair­

se a prevalência européia, o que se exprimia também em indicado­res econômicos. Uma terceira causa para a convergência da Europaé vista por Friedrich no desmantelamento dos impérios coloniais,pelo qual comunidades antigas (como a British Commonwealth oua Communauté francesa) começaram a esfacelar-se e a perder im­portância. Com tudo isso, as potências européias puderam voltar-semais intensamente para a própria política européia.

A prioridade da reconstrução econômica, no pós-guerra, acar­retou uma cooperação européia crescente. Nesse período surgiu aassim chamada "Europa econômica", apoiada sobretudo pelo PlanoMarshall. Esse plano dispôs de 13 bilhões e 150 milhões de dólaresnorte-americanos (Logne, 1965: 219). O Plano MarshaIl fazia partedo Programa de Recuperação Européia (ERP), lançado em junhode 1947 pelo governo dos Estados Unidos (a aprovação peloCongresso americano deu-se apenas em abril de 1948). Embora aexecução e a administração do Plano MarshaIl estivessem emWashington, a cargo da Agência de Cooperação Econômica (Eco-

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nomic Cooperation Administration - ECA), as propostas de distribui­ção dos recursos aos diferentes países beneficiários eram apresentadaspela Organização para a Cooperação Econômica Européia - OCEE(Organization for the European Economic Cooperation - OEEC).A OCEE foi fundada em 16 de junho de 1948, enquanto sua prede­cessora, a Comissão para a Cooperação Econômica Européia, exis­tia desde julho de 1947.

Com isso, a Europa econômica estava institucionalmente vin­culada aos Estados Unidos. A inserção das economias populareseuropéias no sistema econômico liberal mundial, incentivada so­bretudo pelos Estados Unidos com o acordo monetário de BrettonWoods (1944) e com a fundação do Gatt (1947/48), coincidiu notempo com a integração econômica européia. Do lado europeu, oProjeto Europa tomou sua primeira feição institucional com a fun­dação do Conselho da Europa. Essa organização européia deveriaabranger todos os campos, exceto o da política de defesa. Os de­bates acerca da forma que o Conselho da Europa deveria tomar, nocírculo dos políticos europeus, deixam entrever pela primeira vezas diversas concepções institucionais que influenciarão mais tardea evolução das Comunidades Européias e da União Européia.

Carlo Schmid (1896-1979), ele próprio membro do Conselhoda Europa, conta em suas Memórias que os debates no Conselho daEuropa estavam marcados por três grupos principais: os universa­listas, os constitucionalistas e os funcionalistas.

Os ulliversalistas entendiam a Europa como uma "Europaplena", incluindo os países do Leste e do Oeste europeus. Os COIlS­

tituciollalistas exigiam uma constituição dos Estados Unidos daEuropa, a ser elaborada e votada por uma Assembléia Constituinte,submetida a referendos em cada país e ratificada por um plebiscitogeral da "nação européia". Osfimcionalistas, por fim, não conside­ravam que os requisitos para uma constituição européia estivessemdados. Primeiramente ter-se-ia que criar as condições materiais epolíticas. Somente uma Europa econômica lançaria as bases de umEstado constitucional europeu (Schmid, 1979: 467-468).

Essa última tendência acaba por assumir caráter oficial, com afundação, em 1961, da Organização para Cooperação e Desenvol­vimento Econômico (OCDE) (Organization for Economic Coope­ration and Development - OECD), que sucedeu a OCEE. Durantea fase de incubação, pois, os planos especificamente europeus não

foram itens prioritários da agenda. A integração econômica da Eu­

ropa c~~eçou a tomar .forma por causa de considerações de nature­za polItIca, em especIal da parte dos Estados Unidos. Do ladofrancês havia em primeira linha o objetivo de vincular a Alemanha

a .um sistema :~ropeu. Esse motivo levou à constituição da Comu­mdade Europela do Carvão e do Aço, por iniciativa de RobertSchuman, cujo anúncio marca a transição da fase de incubaçãopara a fase de fundação. Enquanto os interesses norte-americanos

na rec~nstrução da Eu.r?~a tin~am a ver com um contrapeso àf?rmaçao do bloco sovletIco, a mtegração européia servia à polí­tIca francesa como garantia contra uma possível agressão alemã.~ política alemã de Konrad Adenauer, por sua vez, via na integra­çao ?a ~~ropa ocidental a possibilidade de recuperar a soberania ede V~a?III~ar,com o apoio de um Ocidente forte, no longo prazo, areumÍ1caçao.

1.3 Fase de fundação (1950-1957)

Numa comunicação do ministro francês das Relações Exterio­res, Robert Schuman (1886-1963), ao Conselho de Ministros, em9 de maio de 1950, justos cinco anos após o término da Segunda

Guerra ~undial, foi anunciada a criação da Comunidade Européiado Carvao e do Aço (Ceca). A evolução de uma Europa para alémdos nacionalismos delineia-se no horizonte da política européia.Os membros da Ceca eram a França, a República Federal da Ale­

ma.n~a, a Itália e o Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).Ongmalmente, a Ceca deveria ter formado, com a Comunidade

Européia ?e .Defesa (CEI?),. a Comunidade Política Européia (CPE),com o obJ~tIvo de constitUIr uma Europa federal. Esse projeto fra­cassou maIS tarde, quando a Assembléia Nacional francesa emagosto de 1954, rejeitou o debate sobre a CED e o assunto saiu daagenda européia.

A Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca)

A .Comunida~e ~uropéia do Carvão e do Aço (Ceca) é umacomumdade economlca transnacional integrada setorialmente que

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existe ainda hoje dentro da CEIUE. A fusão dos setores nacionaisrespectivos da indústria pesada foi realizada em 1952, cerca de umano depois da assinatura do tratado, em 18 de abril de 1951, emParis. O objetivo principal da Ceca era a abolição gradual das tari­fas aduaneiras e dos contingenciamentos, como instrumentos docomércio internacional entre os países integrantes da Ceca. Com asuperação das restrições monetárias, instituiu-se um sistema depreço duplo, que, mediante instrumentos tarifários, fixou um preçopara a importação de bens da indústria pesada e outro para a vendainterna.

No preâmbulo do tratado da Ceca são indicados os motivos desua instituição: a paz mundial, uma Europa organizada como con­tribuição para a civilização, uma base comum para o desenvolvi­mento econômico, a elevação do nível de vida e a cooperação aoinvés de rivalidades centenárias. Entre as finalidades da Ceca têm-se

a constituição de um mercado comum para o carvão e o aço e umadivisão efetiva do trabalho. Além da proibição de tarifas aduaneirase de contingenciamentos, o tratado da Ceca veda a discriminaçãode produtores estrangeiros e o recurso a subvenções nacionais edeclara-se contra o monopólio no setor da indústria pesada.

O tratado de Paris previu uma Alta Comissão como órgão exe­cutivo da Ceca, composta de nove membros. Oito desses membrossão designados pelos governos e o nono é eleito por seus pares dacomissão. Esse órgão supranacional, fundido em 1967 com a Co­missão da Comunidade Européia, decidia por maioria de votos, emnome do interesse da Comunidade. A Alta Comissão, cujas deci­sões e recomendações possuíam caráter coativo, tinha sua sede emLuxemburgo. Outros órgãos da Ceca: a Comissão Consultiva (de­pois: Comissão de Assuntos Sociais e Econômicos3), a Assembléia(depois: o Parlamento Europeu) e o Conselho de Ministros Restrito(depois: o Conselho de Ministros da UE). A Assembléia compu­nha-se dos deputados designados pelos respectivos parlamentosnacionais. Os representantes dos governos, no Conselho de Minis­tros Restrito, deliberavam, regra geral, por maioria.

3 Preferiu-se utilizar a palavra "comissão" (equivalente ao alemão AlIssclllISS,termo oficial da UE empregado pelo autor) e não a palavra comité, utilizada naversão portuguesa dos documentos da UE e traduzida da terminologia francesa.O mesmo vale para a Comissão das Regiões.

A Comunidade Européia de Defesa (CED)

Como uma comunidade européia de defesa estava obrigatoria­mente vinculada ao rearmamento da Alemanha, seus defensores noperíodo do pós-guerra encontram uma vigorosa oposição. Em1949, o socialista francês Léon Blum sustentara, como defesa con­tra a União Soviética e contra a Alemanha, a subordinação doexército alemão a uma comunidade européia de defesa. Um anomais tarde, Winston Churchill referiu-se à possibilidade de admitirbatalhões alemães em um exército europeu. O alto comissário ame­ricano para a Alemanha entre 1949 e 1952, John J. McCoy, propôsa formação de uma "European Defense Force" com tropas ameri­canas, canadenses e alemãs (d. Loth, 1980: 269-275).

O plano do gaullista francês René Pleven, que propôs em 24de outubro de 1950 a integração de tropas alemãs em batalhões eregimentos (Plano Pleven), foi uma tentativa de restringir a inser­ção da Alemanha ao mínimo possível (cf. Loth, 1980: 275-281).O Plano Pleven continha forte "discriminação dos alemães, a ma­nutenção dos Estados-maiores nacionais e dos ministros da Defesade todos os países, exceto a Alemanha, para as operações externasao pacto do Atlântico Norte, grandes obstáculos à participaçãoalemã no Estado-maior conjunto referente aos batalhões integra­dos, um ministro europeu da Defesa, nos termos propostos, certa­mente indicado pela França [e com isso] a exclusão da Alemanhadas instâncias decisórias da Otan e possivelmente [a] predominân­cia da França na Organização" (ibid.: 276). A Assembléia Nacionalfrancesa aprovou o Plano Pleven. Ele foi rejeitado, no entanto, pelamaioria dos membros da Otan. A oposição entre as necessidades desegurança francesa e alemã só seria superada mediante uma comu­nidade supranacional (ibid.: 277).

A pressão americana já obtivera, ainda antes do Plano Pleven,em setembro de 1950, numa reunião dos ministros do Exterior dospaíses ocidentais, uma posição conjunta sobre a contribuição daAlemanha para as forças armadas, no âmbito de uma comunidadede defesa. Logo após a assinatura do tratado geral para o encerra­mento da ocupação da Alemanha (Tratado da Alemanha), em maiode 1952, foi firmado em Paris o tratado para a fundação da Comu­nidade Européia de Defesa. Em lugar de um ministro da Defesa

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europeu supranacional constituiu-se um comissariado de nove in­tegrantes, cujas decisões dependiam de homologação pelo Conse­lho de Ministros Restrito. Além disso, a CED teria de ser ratificada

pelos diversos Parlamentos nacionais.A CED vinha sendo organizada sem a participação britânica.

A Inglaterra, contudo, havia estendido o Pacto de AssistênciaMútua de Bruxelas à Alemanha. Com o fracasso do Plano Pleven,

a França não conseguiu manter seu projeto de predominância. A idéiade uma "terceira força" malogrou, pois não se conseguira a inde­pendência da força de defesa com relação aos Estados Unidos.Mantiveram-se, todavia, dois motivos fundamentais do processo deunificação européia: de uma parte, a CED baniu, de início, o perigode um renascimento das tendências nacionalistas na Alemanha,

cuja contenção era interesse de primeira ordem para a França. Deoutra parte, o projeto de vinculação entre a Otan e a CED permiti­ria alcançar um potencial máximo de defesa para o mundo ociden­tal - o que era do interesse sobretudo dos Estados Unidos.

As concessões feitas pelo governo francês à Alemanha, noentanto, eram vistas como exageradas tanto pela esquerda francesa

(comunistas, tradicionais opositores da Alemanha) quanto peladireita (gaullistas, grande parte da indústria francesa). Em junho de1954 a Comissão de Defesa da Assembléia Nacional votou contra a

ratificação do tratado da CED e o Parlamento recusou colocar otratado na ordem do dia, em 30 de agosto de 1954, por 319 contra264 votos. Dessa forma soçobrou a Comunidade Européia de Defesa.Em termos de política de segurança, a Europa decidiu-se, um anomais tarde, com a admissão da República Federal da Alemanha naOtan, pela opção transatlântica e, dessarte, pelos Estados Unidos.

A Comunidade Politica Européia (CPE)

O projeto de uma comunidade política européia foi ventilado,em 1952, em uma assembléia específica dos integrantes da Assem­bléia Conjunta da Ceca. A proposta aprovada pela assembléiaconjunta em 10 de março de 1953 previa um Parlamento bicameralcomo órgão deliberativo central da Ceca, amplamente federalizada.O objetivo era a integração da Ceca e da CED em uma organização

política comum. As competências da Comunidade seriam estendi­das à política externa, à defesa, à integração social e econômica e àproteção dos direitos humanos.

Institucionalmente, o Parlamento bicameral seria dividido emuma Câmara de Deputados, representando os cidadãos, e um Sena­do, representando os diversos Estados-membros. A Câmara dosDeputados seria eleita por voto direto, enquanto o Senado seriacomposto por deputados dos parlamentos nacionais.

TABELA 1.1Parlamento projetado para a Comunidade Política Européia

Câmara dosSenadoDeputadosAlemanha

6321Itália

6321

França

7021

Bélgica

3010Holanda

3010

Luxemburgo1204

26887

A tabela 1.1 mostra como se previa a distribuição dos manda­tos por país. O governo da CPE deveria ser exercido por um Con­selho Executivo europeu, responsável perante o Parlamento, c cujopresidente seria eleito pelo Senado. Os doze integrantes do Conse­lho Executivo teriam um mandato com a mesma duração do dosparlamentares: cinco anos. Estavam previstos, ademais, como ór­gãos da CPE, um Conselho de Ministros composto de represen­tantes dos governos nacionais e um Tribunal.

Como o projeto da comunidade política européia estava pre­visto em conjunto com a Ceca e com a planejada CED, o malogrodesta, em agosto de 1954, na Assembléia Nacional francesa, acar­retou também o fim da CPE. A reunião dos ministros do Exterior,ao final de 1954, conseqüentemente, já não tinha a CPE em suaordem do dia.

Durante a fase de fundação da Europa, encontravam-se emconcorrência duas concepções diversas. Nos anos 1950, na linha decontinuidade da polêmica fundamental sobre os limites da integra-

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ção, protagonizada no imediato pós-guerra pelos "federalistas" epelos "pragmáticos", tem-se uma situação nova. Como se disseanteriormente, os pragmáticos acabaram por predominar, diante daameaça efetiva representada pelo expansionismo agressivo do co­munismo na Europa oriental. O peso determinante no processodecisório deslocou-se, pois, sobretudo no âmbito da Ceca, para olado dos políticos europeus pragmáticos, como Konrad Adenauerou Robert Schuman. Mesmo assim, ainda não se tinha uma deci­são clara sobre a questão básica de até onde a integração dos"Seis" deveria ir. A dificuldade maior para os governos e os Par­lamentos estava no grau de renúncia aos direitos nacionais de sobe­rania, como ficou evidenciado na rejeição da CED pela França.

Por princípio, a política alemã estava em uma situação todaespecial. Mesmo depois da suspensão do estatuto de país ocupadono ano de 1952, a República Federal da Alemanha não chegou aser um Estado inteiramente soberano, pois dispunha de uma "auto­ridade plena" que excluía as questões de defesa e de emergência.Como o fim da ocupação estava vinculado ao projeto da Comuni­dade Européia de Defesa, o malogro desta impôs que se encontrasseum outro caminho para engajar a República Federal da Alemanhano sistema de alianças ocidental.

A ação política externa de Konrad Adenauer esteve fortementeorientada pela instituição de plena soberania. Havia, no entanto, napolítica alemã e mesmo dentro do governo democrata-cristão, umfosso de divergências, cujas bordas eram, de um lado, a visão deAdenauer de uma "Europa ocidental política" e, de outro, a posiçãode Erhard de uma "grande Europa econômica". Konrad Adenauer(1876-1967), chanceler federal alemão a partir de 1949 e acumu­lando as funções de ministro das Relações Exteriores de 1951 a1955, defendia uma Europa politicamente integrada em torno doeixo Bonn-Paris. O fracasso da CED fez essa política sofrer umsério revés. Apenas um mês após a Assembléia Nacional francesater-se recusado a tratar da CED, tiveram lugar, essencialmente porinsistência de Adenauer, duas conferências: a primeira em Londres

(de 28 de setembro a 3 de outubro de 1954) e a segunda em Paris(de 9 a 23 de outubro de 1954), nas quais o Pacto de Bruxelasevoluiu para a União da Europa Ocidental (UEO), com a inclusãoda Alemanha Federal e da Itália. Estava dado assim o primeiro

passo para a admissão da Alemanha Federal na Otan. A AlemanhaFederal aceitou determinadas restrições a seu rearmamento e renun­ciou à produção de armas atômicas, biológicas e químicas. O pacotecompleto, também conhecido como "Tratados de Paris", entrou emvigor em 5 de maio de 1955. Sua conseqüência imediata foi o res­tabelecimento da soberania da República Federal da Alemanha nostermos do direito internacional público (com uma exceção: a per­manência de tropas aliadas em seu território). Os Tratados de Parisforam a realização dos objetivos de Adenauer: uma Europa oci­dental politicamente integrada, cujo cerne era franco-alemão.

Diversamente de Konrad Adenauer, Ludwig Erhard (1897-1977),ministro da Economia da Alemanha Federal de 1949 a 1963, de­fendia um "projeto europeu global [...] de liberalização das rela­ções econômicas externas" (cf. Pfetsch, 1993: 159-161). Esse lemacomercial da Escola de Friburgo do liberalismo econômico (ardo)não se coadunava com uma integração econômica baseada inicial­mente apenas em seis Estados. Para Erhard (1994: 9): "A situaçãoda Alemanha caracteriza-se, ademais, por necessitar de parceriascomerciais com todos os países. Não nos podemos contentar com oregionalismo, por amplo que seja".

Enquanto o Plano MarshaIl, o Gatt (General Agreement on Ta­riffs and Trade), o Fundo Monetário Internacional ou o BancoMundial foram criados como instituições abertas universais, a Eu­ropa dos Seis não havia sido pensada para crescer depressa ou paraincluir muitos outros. Erhard, especialista em política econômica,sustentava, no entanto, o primado da economia:

Do meu ponto de vista fica claro porém que não me inclino aver na Europa o fim último e absoluto da ordem econômica.Aqui distinguem-se a política econômica e a política exterior.Para mim, a integração é apenas uma etapa, visível a olho nu,na qual se deve buscar a superação de todas as restrições aocomércio internacional. [...) Se tivermos a esperança de quenossos esforços pela integração econômica do continente sejamo primeiro passo para chegarmos igualmente, em tempo h<Íbil,aformas políticas comuns, então o espírito que inspira a ordemeconômica européia será determinante também de uma políticacomum (Erhard, 1957: 309).

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38 Frank R. PFetsch A União Européia 39

As idéias de Erhard tiveram, na Europa ocidental, apoio dosgovernos da Inglaterra, dos países escandinavos e das repúblicasalpinas neutras (Áustria, Suíça). No entanto, quando a Inglaterra, aNoruega, a Áustria, a Suécia e a Suíça constituíram, em maio de1960, a Associação Européia de Livre-Comércio (AELC/Efta), aintegração dos países da Ceca com a Comunidade Econômica Eu­ropéia já tinha tomado outro caminho. Desde o fracasso da CED,as negociações dos Tratados de Paris acerca do estatuto da Alema­nha e diversas iniciativas da Ceca buscaram relançar o movimentoeuropeu - a assim chamada relance européenne. Fiel à ortodoxiado movimento econômico liberal (Ordo), o ministro holandês doExterior, Johan W. Beyen, afirmava em 1955:

Se quisermos chegar à integração política, precisamos abordar oproblema desde o ângulo da economia global, pois é o poderioeconômico que viabiliza a infra-estrutura necessária à manuten­

ção da unidade política da Europa (citado segundo Gasteyger,1994: 150-151).

Os critérios da união aduaneira e de uma organização destina­da à produção e à utilização de energia nuclear, a serem examina­dos pela cúpula de governos em 1957, foram encomendados ao

ministro belga do Exterior, Paul Henri Spaak (1899-1972), quechefiou igualmente de 1950 a 1955 o Conselho Internacional do

Movimento Europeu. As negociações, que reuniram especialistasem economia e representantes da OEEC e do Conselho da Europa,foram concluídas em Paris em fevereiro de 1957. Os tratados jáhaviam sido elaborados e firmados em Messina, na Sicília, em 1955.A assinatura dos tratados de fundação da Comunidade Européia doÁtomo (Euratom) e da Comunidade Econômica Européia (CEE)foi efetivada em 25 de março de 1957, em Roma. Desde então,esses documentos são conhecidos como os "Tratados de Roma".

1.4 Fase de consolidação e de crise (1958-1969)

Quando os Tratados de Roma entraram em vigor, em janeirode 1958, já existiam a Ceca, a Euratom e a CEE, conhecidas comoComunidades Européias. Destas, foi a CEE que se desenvolveu

com maior dinamismo. Os Tratados de Roma haviam criado uma

comunidade econômica que abrangia muitos setores, diferentementedo que acontecia com a indústria pesada ou atômica (a Euratomocupava-se sobretudo do uso pacífico da energia nuclear). A uniãoaduaneira instituída ao mesmo tempo liberalizou a maior parte docomércio intracomunitário e construiu gradativamente uma barreiraalfandegária contra o resto do mundo (diversamente do que veio afazer, dois anos mais tarde, a zona de livre-comércio Efta).

O preâmbulo do tratado da CEE enuncia os objetivos da Co­munidade: a integração sempre maior dos povos europeus, a metado progresso econômico e social, a melhoria das condições de vidae de trabalho, a unificação e o desenvolvimento harmonioso daseconomias, assim como a preservação e a consolidação da paz pelaaliança do poderio econômico. Como tarefas programáticas daCEE foram estabelecidas a criação de um mercado comum no pra­zo de doze anos e a harmonização gradativa da política econômicados Estados-membros. Além da criação do mercado comum, foramadotadas diversas medidas que aboliram obstáculos à livre circula­ção de pessoas, capitais e serviços entre os Estados-membros einiciadas as políticas comuns na agricultura, na concorrência e nostransportes. Foram criados os seguintes organismos comunitários:o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão Européia, o Tribu­nal Europeu de Justiça, a Comissão Econômica e Social e o Tribunalde Contas Europeu (cujas características serão tratadas mais adiante,no capítulo sobre as instituições).

As declarações de intenção dos seis Estados-membros da Co­munidade implicaram, em vários campos da política, um grau deintegração que requeria restrições aos direitos de soberania dosEstados nacionais. Na pessoa do general De Gaulle, de retorno à

cena política desde fins de 1958, com a V República, a França ele­vou-se veementemente contra qualquer diminuição de seus instru­mentos de poder. De Gaulle praticava a política de uma uniãoeuropéia de Estados, cuja intenção era fazer recuar as ambiçõessupra-estatais. Para a prossecução de seus fins, De Gaulle não he­sitava em utilizar as instituições européias. Em particular, opôs-seà federalização, à renúncia à soberania e à admissão da Inglaterrana Comunidade.

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40 Frank R. Pfetsch A União Européia 41

Uma conferência de cúpula em Bonn, em julho de 1961, con­fiou a uma comissão presidida pelo francês Christian Fouchet(1911-1974) a tarefa de elaborar um plano de expansão da integra­ção política. O primeiro Plano Fouchet, de 2 de novembro de 1961,previa uma "união de Estados" (Zl1IiOIl d'États) baseada no "res­peito à personalidade dos povos e dos Estados-membros". A uniãoseria, pois, uma aliança de países independentes, sem instituiçõesjurídicas próprias. As instituições previstas pelo Plano Fouchet I eramum Conselho composto pelos chefes de governo, uma AssembléiaParlamentar européia e uma Comissão, com atribuições meramenteadministrativas, sediada em Paris. A competência da união incluiriapolítica exterior, segurança e defesa, nos campos em que o interessefosse comum. Ademais, pertenceria à competência da união pro­mover a cooperação científica e cultural bem como a política dedefesa dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da de­mocracia.

O Plano Fouchet I provocou fortes objeções, sobretudo quantoà supranacionalidade anunciada, quanto à política comum de defe­sa e quanto à adesão da Inglaterra às Comunidades (cf. Masc1et,1994: 41).

- Com respeito à supranacionalidade, advertiu-se quanto à falta deespecificação da transição parcial para a regra da decisão por mai­oria. Ela não deveria conduzir a uma revisão dos Tratados de

Roma, de acordo com as críticas da Assembléia Européia. Para en­fatizar as intenções do projeto de Fouchet, fez-se a proposta de re­batizar a "União dos Estados" em "União dos Povos".

- No caso da política de defesa, havia conflitos crassos com a reali­dade existente na Otan e na UEO. A Holanda, em particular, ex­primiu seu receio de que a Otan pudesse ser enfraquecida peloplano.

- Em agosto de 1961, a Inglaterra havia apresentado o requerimentode adesão às Comunidades, logo seguida pela Dinamarca, Noruegae Irlanda. Por causa da posição da Inglaterra na Commonwealth ede sua relação privilegiada com os Estados Unidos, ressurgiu oconflito entre a concepção de uma zona de comércio para além docontinente europeu e a de uma Europa politicamente integrada.

A situação complicou-se ainda mais por causa da posição algoambígua da França, que defendia a supranacionalidade na versãode Fouchet, mas que, por outro lado, com De GaulIe, tendia a pre­servar uma grande fatia de política nacional independente. Duranteos debates sobre o Fouchet I, a Bélgica e a Holanda defenderamum sistema mais liberal, com a participação da Inglaterra, e opuse­ram-se à criação de uma secretaria da "União dos Estados", peça­mestra da supranacionalidade. É certo que o medo de uma hegemoniafranco-alemã na Europa dos Seis desempenhou, aqui, um certo papel.Esse receio não era de todo injustificado, como demonstrou a brus­ca interrupção das negociações em torno da adesão da Inglaterra,provocada por De GauIle em 14 de janeiro de 1963. Quase ao mesmotempo, em 22 de janeiro de 1963, De GauIle promoveu assinaturado tratado de amizade franco-alemão, no qual uma vez mais se

reforçava o princípio da soberania nacional dos Estados.O Plano Fouchet 11, divulgado em 18 de janeiro de 1962, leva­

va em conta as críticas ao Fouchet I e especificava as políticas queestariam na competência da nova união. Enquanto a política dedefesa continuava vaga, pois continuava-se a não mencionar aOtan, as políticas exterior, econômica e cultural foram explicita­mente mencionadas no planejamento. As demais modificações,como a proposta de um Comitê de Ministros, além do Conselho deChefes de Governo, ou o abandono do fortalecimento do Parla­mento Europeu, inicialmente proposto, não bastavam para com­pensar as profundas divergências entre os seis Estados-membros.Os planos Fouchet acabaram dando em nada.

Enquanto os planos Fouchet tratavam do futuro das Comuni­dades Européias, a política agrícola constituiu um campo concretono cenário político no qual as posições básicas - integração verslIssoberania nacional - se confrontaram. A abrangência e o alcance

da política agrícola comum (PAC) decidida em 14 de janeiro de1962 nunca puderam ser resolvidos de forma consensual, como,por exemplo, para a garantia comum de preços mínimos. Em 1965,a agenda do Conselho de Ministros previa a passagem do princípiodas decisões por unanimidade para o da maioria. No conjunto dedezessete votos no Conselho (F 4; RFA 4; 14; B 2; H 2; L 1), doze,isto é, a maioria de dois terços, deveriam bastar para decidir. Outras

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42 Frank R. pfetsch A União Européia 43

Melhoria do nível de vida

Pleno empregoExpansão econômica

QUADRO 1.2Metas e objetivos da CE

Euratom/CEA

Fomento da indústria nuclearmediante:

pesquisa e difusão dosconhecimentos

normas unificadas de

segurançafomento dos investi·mentos

abastecimento de mine·rais e combustíveiscontroles

exercfcio do direito de

propriedade dos com·bustíveis

criação de um mercadocomum de energia nu·clear

fomento das relaçõesexteriores

CEE

Criação de um mercado co·mum mediante:

• supressão das tarifasaduaneiras e das restri·

ções quantitativas eequivalentes

• adoção de tarifas adua·neiras comuns

• politica comum de co·mércio exterior

• garantia da livre circula­ção de pessoas, capitais eserviços

• política agrícola comum

• política comum de trans·portes

• introdução de um siste­ma comunitário de con·corrência

• coordenação das políticaseconômicas nacionais

• uniformização legal

Ceca

Distribuição racionaldos bens mediante:

• garantia do abaste·cimento do mercadocomum com carvão

e aço

• garantia do livreacesso à p rod ução

• regulação de preços

• aumento da capaci·dade de produção

• melhoria das condi·

ções de vida e detrabalho dos traba·Ihadores

• fomento do comér·cio

• fomento dos inves­timentos

ao fortalecimento das instituições comunitárias, em detrimento dosEstados-membros, no que ficou conhecido como a "política dacadeira vazia". Essa política queria demonstrar e reiterar que aFrança não estava disposta a renunciar a seus direitos soberanos.

A política da cadeira vazia foi praticada por De Gaulle até oassim chamado Compromisso de Luxemburgo, de 30 de janeiro de1966. O Compromisso previa que, doravante, em todas as questõesconsideradas essenciais para uma nação (intérêts tres importants),os debates continuariam até que se pudesse tomar uma decisãounânime. A partir de então, o Conselho de Ministros praticamentedeixou de tomar decisões por maioria. As atividades da Comu­nidade voltaram, no entanto, ao normal. Em 1Q de julho de 1967,a fusão das três comunidades, CEE, Euratom e Ceca, decidida em1965, efetivou-se na Comunidade Européia. As metas e objetivosda Comunidade Européia estão resumidos no quadro 1.2.

Comparativamente, o processo de unificação da ComunidadeEuropéia passou o pior momento de sua história a partir de 1962(Plano Fouchet lI). Masc1et (1994: 62) descreve o período de1962 a 1969 como "a etapa mais decepcionante de seu itinerário"de integração. A França só veio a modificar sua posição após arenúncia do general De Gaulle ao mandato de presidente da Repú­blica, em abril de 1969. Em maio de 1967, De Gaulle vetara umavez mais a entrada da Inglaterra na CE. Mais tarde, ele chegoumesmo a parecer disposto a sacrificar a Comunidade em benefíciode uma zona de livre-comércio e de uma união política de quatroEstados: França, Alemanha, Itália e Inglaterra, malgrado sua con­cepção de uma Europa das pátrias.

1.5 Ampliação e estagnação (1969-1985)

Fonte: Teske, 1990: 15.

proposições da comissão da CEE previam, ademais, que a Comu­nidade poderia vir a ter receita própria, para não depender ex­clusivamente das contribuições dos Estados-membros. Ambas aspropostas iam na direção de um projeto de comunidade cada vezmais supranacional. A partir de 30 de julho de 1965, De Gaullepassou a evitar sistematicamente as decisões que conduziriam

Em 1969, Charles de Gaulle deixou a cena política. Seu suces­sor como presidente da República, Georges Pompidou, adotou umapolítica européia mais moderada. O primeiro passo foi a desistên­cia francesa de vetar a entrada da Inglaterra na CE e permitir queoutras iniciativas fossem adotadas na reunião dos chefes de Estado

e de governo em Haia, em dezembro de 1969. Isso ficou claro so­bretudo na assim chamada primeira vaga de adesões, a partir de

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44 Frank R. pfetsch A União Européia 45

1973, que carreou para a CE a Inglaterra, a Dinamarca e a Irlanda.Nos oito anos subseqüentes, a Comunidade compreendia, pois,nove integrantes, até que a segunda vaga de adesões, nos anos1980, promovesse a admissão da Grécia (1981), da Espanha e dePortugal (1986).

A Cooperação Política Européia (CPE)

Também no campo da política exterior foram tomadas inicia­tivas. A reunião dos ministros do Exterior em 19 de novembro de

1966 tratou das possibilidades de uma cooperação política e lançouas bases da CPE. Após o malogro de tentativas anteriores de umaintegração da política européia exterior e de defesa (CED, PlanosFouchet), a CPE, na condição de cerne de uma política exteriorcomum, tinha a despretensiosa meta de uma mera coordenação.A evolução desse instrumento, concebido inicialmente como me­

canismo de consulta, passou por Haia (dezembro de 1969), Paris(outubro de 1972, projeto da "União Européia"), Copenhague (de­zembro de 1973) e Londres (outubro de 1981).

Retrospectivamente, pode-se caracterizar a evolução da CPEde duas formas. De um lado, a coordenação intensificou-se comencontros cada vez mais freqüentes dos ministros do Exterior emesmo dos chefes de governo. De outro, a CPE foi sendo amplia­da, ao longo dos anos, incluindo a política de segurança. Os meca­nismos de funcionamento da CPE foram consagrados no Relatóriode Luxemburgo, elaborado pelo diplomata belga Étienne Davignonpor determinação dos ministros do Exterior dos Seis, também co­nhecido como Relatório Davignon e publicado em 20 de julho de1970. As posições comuns em questões de relevância deveriamdoravante ser acertadas em consultas regulares. Essas posiçõesforam, a partir de então, definidas de comum acordo: as relaçõescom os Estados Unidos, o conflito no Oriente Médio, o diálogoEuropa-mundo árabe, as sessões da Conferência para Segurança eCooperação na Europa (CSCE), as relações econômicas entre Lestee ,oeste, a política mediterrânea e a cooperação com os países ACP(Africa, Caribe, Pacífico).

No quadro do Ato Único Europeu (AUE), a CPE foi inscritaem 1986, nos tratados, como política externa e de segurança co­mum (Pesc). Ainda hoje as abreviaturas CPE e Pesc continuam aser utilizadas por vezes em paralelo. Nos anos 1970, a CPE pôdeutilizar com eficiência e êxito a estrutura dos ministérios do Exte­

rior para realizar a CSCE e para definir as posições comuns emquestões internacionais. Na perspectiva de hoje, ela pode ser en­tendida como um elemento flexível de coordenação e harmoniza­ção das posições em questões de política externa. No entanto, aCPE mostrou-se menos eficiente na gerência das crises. Uma análi­se histórica e institucional mais aprofundada da CPE encontra-seno Capítulo 5 ("Políticas públicas").

Ampliação gradual da Comunidade Européia

A primeira vaga de ampliação em 1973 foi um marco na histó­ria das Comunidades Européias. A Inglaterra foi sem dúvida o paísde maior importância a aderir. Para o Reino Unido, a CE era inte­ressante sobretudo por significar uma expansão do campo de suaatuação política. No Livro branco sobre a adesão à Comullic!adeEuropéia, em 1971 (ill Gasteyger, 1990: 289-293), o governo bri­tânico publicou os argumentos apresentados 110 requerimento deadesão. Entre eles, o interesse comum dos Estados-membros da CEna segurança externa, na economia e no social. De acordo com seusredatores, o poder e a influência de uma Comunidade Européiaampliada seriam maiores que os de cada país separadamente. O desen­volvimento dos procedimentos comunitários também para as questõesde política exterior era apresentado como uma das metas daComunidade Européia que a Inglaterra não tencionava seguirincondicionalmente. Nesse momento, as regras previstas pela UEOrepresentam o ponto máximo a que o governo britânico estava dis­posto a chegar. Também quanto à união econômica e monetária,o Livro branco sobre a adesão deixava abertas todas as opçõesfuturas:

Mesmo se não aderirmos, nada impedirá que a Comunidade dos.Seis progrida tanto no campo econômico como no político.

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46 Frank R. pfetsch A União Européia47

Com isso, as opções que restarão aos governos futuros estarãolimitadas sem que tenham qualquer possibilidade de participardo processo decisório (Arquivo Europeu, 1971: D 360).

Algumas partes do Livro branco inglês constituem ainda hojeuma análise da Comunidade Européia digna de ser lida. Seus auto­res estavam diante da difícil tarefa de justificar, para uma culturajurídica desenvolvida ao longo de séculos e que produzira igual­mente uma compreensão própria da política, o ingresso em umaconstrução já parcialmente supranacional (cf. Fetscher, 1968). Pararevidar o principal argumento dos opositores britânicos à adesão, oLivro branco remetia ao Compromisso de Luxemburgo, segundoo qual as decisões em questões consideradas de interesse nacionalvital somente poderiam ser tomadas unanimemente. Apesar dacompetência do Tribunal Europeu de Justiça em questões de direitocomunitário, afirmava-se a continuidade da vigência da commOl1

lawe do habeas cO/pus. Insistia-se também que a adesão continua­da às cláusulas dos Tratados de Roma era voluntária.

Ainda antes de seu ingresso na CE, a Inglaterra reafirmouexpressamente suas reservas quanto à ampliação da tendência inte­gracionista. Mesmo assim, a adesão da Inglaterra tinha motivossobretudo econômicos. Enquanto os objetivos políticos foram tra­tados de forma genérica, as metas econômicas foram expressas comtoda clareza:

Os custos da adesão à Comunidade - tal como apresentados noLivro branco - são o preço que se teria de pagar para obtervantagens políticas e econômicas. Essas vantagens mais do quecompensariam os custos, desde que saibamos aproveitar aspossibilidades de um mercado interno muito maior que se abrirá.Se o fizermos, alcançaremos o que os Seis já conseguiramdesde afundação da Comunidade: substancial incremento do comércio,estímulo para o crescimento e para os investimentos, aumentoreal dos salários e do nível de vida, mais do que nos últimosanos ou que seria possível se ficarmos fora da Comunidade(Arquivo Europeu, 1971: D 363).

A Inglaterra passou a ver os interesses comuns dos países daCE em comparação com a rápida diminuição de sua influência na

Commonwealth. Só nos anos 1960 Chipre, Jamaica, Trinidad e

Tobago, Rodésia, Nigéria, Serra Leoa, 1!ganda, Quênia e Gâmbiadeclararam independência. Também na Asia central e no Sudoesteasiático a Inglaterra abandonara praticamente todos os seus prote­torados. Já nos anos 1970 o volume das exportações do ReinoUnido - sempre de acordo com o Livro branco - para os Estados­membros da CE era maior do que para os países da Common­wealth. Era preciso ser adivinho para nutrir a expectativa de uma

expansão adicional do comércio. A esperada integração dos. mer­cados comunitários representava igualmente uma oportull1~~deímpar de recuperar a importância cadente da Inglaterra na pO~It1Cacomercial que, vista da perspectiva histórica, provavelmente nao serepetiria.

Com a adesão da Dinamarca, da Irlanda e da Inglaterra, em

1º de janeiro de 1973, a Europa dos Seis tornava-se a Europa d~)sNove. Também a Noruega teria querido aderir, mas a populaçao

norueguesa manifestou-se~ no. pl~biscito de setet.?bro de 197~,contra o ingresso na CE. A pnmeIra vaga de adesoes logo segUiunova série de negociações acerca da ampliação da CE, des.sa vezem direção à Europa do sul, notadamente com o restabelec1l11el~toda república na Grécia, em 1974. Cerca de três anos_de nego~I~­ções depois, em 1979, foi assinado o tratado de ~de~ao da GreCIaà Comunidade, quando as negociações para a admIssao de Port~g:11e da Espanha já se encontravam em curso. ~ tra.tado ~o.m a GrecIaentrou em vigor em 1981. O discurso do pnmeIro-mll1Istro greg~,Constantino Caramanlis, deixou claro que a motivação pa:a :ldenrera fortemente política, mas também econômica, o que valIa Igual­mente para os demais candidatos da Europa do sul.

A Grécia adere à Europa convencida de que a s~lida:iedad~ eu­ropéia representa para todas a~ partes. a consolJdaçao ~a. Inde­pendência nacional, a ~arantIa da !lb~rdade democratlca, aaceleração do desenvolVImentoeco_nomlco.e o progresso. ec?­nômico e social mediante cooperaçao multI1~te:aI.(...] ? Isol~l­cionismo, as barreiras aduaneiras e a autarqUla,~nalcanç,:ve~saofases historicamente ultrapassadas da ação polJtl~o-ec~nomlcaeconstituem uma forma passiva de contrapor-se a !"ealJdade.Osproblemas atuais da Europa e de toda a humal1ld~depressu­põem a lógica dos grandes espaços e do~ wandes nu~eros paraserem corretamente solucionados. As dIficuldades nao podem

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48Frank R. Pfetsch

A União Européia 49

se; .superadas por isolacionismos concorrentes, mas, pelo con­tra!"lO,somente pela aceleração do processo de unificação (Ar­qUIvo Europeu, 1979: D 456).

Enquanto o Livro branco britânico havia sido concebido comodefes.a da decisão desejada pelo governo, a proclamação de Cara­manhs assume um tom bem mais eufórico: a unificação da Europaer~, a se~,.ver, "o ~a!or acontecimento da história do nosso continen­te , 9ue mfluencIara.a evolução de toda a humanidade". A Grécia,contInuava C:arama~hs, estava decidida a "empreender as mudan­ç.as ~,~trutu:aIs_e as Inovações institucionais" que fossem necessá­nas .a reahzaçao da idéia de uma Europa unificada" (in Gasteyger,1994. 296). En~en~endo-se, na Comunidade Européia, como media­dora para os Balcas .e para o espaço do Mediterrâneo, como "postoavançado da fronteIra européia", como "balcão mediterrâneo do

mer~ado comum", a Grécia poderia contribuir, com sua grandemannha mercante, para a "promoção da idéia de Europa".

Política monetária

, A CED, .os Planos Fouchet de união política ou em parte tam­bem a CP~ ,tInham em comum. um mesmo modelo. Os esforços dealguns, ~ohtIcos europeus pela mtegração em determinados camposda pohtIca foram coroados por decisões comuns, mas acabaram porfracassar por caus.a .de certos governos, que não estavam dispostosa dar o, ~asso decI~I~o da renúncia à soberania nacional. O campoda pohtIca, monetana, no qual o espaço de decisão mesmo dos~randes pmses da CE estava-se reduzindo por causa da crescentemterdependência do capital internacional, definiu-se no final dos

anos ~960 como um setor novo da política européia, em que sepodena aprofundar a integração.

O assi~ ~hamado Plano Barre de 1969 foi o precursor do gru­po. de .espec.Ia!Istas que se constituiu, em 1970, sob a presidência dopn.~eIro-m!lll~tro luxem~u:guês Pierre Werner, para planejar auma~ e~on~mIca e monetana. O Plano Werner previa uma políticaeconomIca Integrada como pressuposto de uma política monetáriaco?!um, ~u.e se tornaria, após um período de transição, o cerne daullla~ P?htIca. O plano sintetizava diversas concepções de políticaeconomIca (cf. Gaddum, 1994: 195):

- uma posição "econômica", representada sobretudo pela Alema­nha e pela Holanda, que previa uma aproximação gradativa daspolíticas econômicas nacionais como pressuposto de uma políticaeconômica e monetária comum ("teoria do coroamento", pois apolítica comum seria o coroamento da convergência de princípiosanteriormente obtida);

- a França e a Bélgica esperavam que taxas fixas de câmbio fizes­sem pressão sobre a economia ("teoria da locomotiva").

o Plano Werner foi adotado pelo Conselho da Europa, em1971, sob a forma de uma variante diluída, que apenas recomenda­va a coordenação das políticas monetária e orçamentária. Em 1972,os Seis - o ingresso dos novos membros só ocorreu em 1973 ­deliberaram criar o sistema monetário europeu, também conhecidocomo "serpente monetária". Desde 1944 estava em vigor o sistemamonetário internacional de Bretton Woods, nome de uma pequenalocalidade no nordeste dos Estados Unidos. De acordo com o sis­

tema de Bretton Woods, a moeda-padrão mundial era o dólar ame­ricano, lastreado em ouro. Por diversas razões (dentre as quais ocrescente déficit comercial dos Estados Unidos e a vulnerabilidade

das economias nacionais à inflação importada), o sistema de BrettonWoods e o princípio do lastro em ouro caíram rapidamente emdescrédito já no fim dos anos 1960. Ao desmoronar, em 1973, osistema monetário internacional causou dificuldades imprevistaspara a "serpente monetária". A banda de variação de 2,25% haviasido projetada dentro do sistema de Bretton Woods, que previa umíndice de variação das diversas moedas de apenas 1% com relaçãoao dólar americano. Com o abandono de Bretton Woods, as diver­

sas moedas passaram a "flutuar" com relação ao dólar americano,ou seja, passou a vigorar um sistema de taxas de câmbio flexíveis.Com o desaparecimento da moeda-padrão, desapareceu também aâncora de estabilização das paridades entre as moedas da CE entresi, com o que rapidamente se evidenciou que a banda de 2,25% erademasiado estreita. As novas inseguranças foram acentuadas pelochoque do aumento brutal do preço do petróleo em 1973, ao qualos países reagiram de forma muito diferente, induzindo-os a taxasde inflação extremamente divergentes.

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50 Frank R. pfetsch A União Européia 51

Os novos membros da CE, Inglaterra e Irlanda, assim como a

Itália, ficaram fora da "serpente monetária". Depois de certo tempo,só a Dinamarca, os Estados do Benelux e a Alemanha participavamainda da "serpente". O objetivo da união monetária, que obvia­mente não se conseguiu alcançar, foi cancelado em uma decisãodos chefes de Estado e de governo em 1974. De forma algo maissutil do que nas tentativas anteriores, ficou claro, uma vez mais,que faltou disposição aos governos nacionais para avançar noprocesso de integração. Na "serpente monetária" permaneceramapenas os países que se encontravam direta (Alemanha) ou indire­tamente (Dinamarca, Benelux) na esfera de influência do BancoCentral Alemão. Como os governos desses países só podiam inter­ferir limitadamente na política monetária, a "serpente monetária"não significava abandono de qualquer tipo de competência. A deli­beração de 1972, com base na variante diluída do Plano Werner, detransformar o conjunto das diversas relações existentes em umaunião econômica e monetária até o fim da década, acabou reduzidaa uma política de meras declarações, por força da atitude reservadada maioria dos Estados.

Em 1978, o chanceler federal alemão Helmut Schmidt (nas­cido em 1918) e o presidente francês Valéry Giscard d'Estaing(nascido em 1924) tomaram, na reunião dos chefes de Estado e degoverno, a iniciativa de criar o sistema monetário europeu. Diver­samente da "serpente monetária", que era em princípio aberta, oSME era um sistema restrito aos países da CE, de paridades fixas,mas adaptáveis, entre as moedas.

TABEU1.2

Composição da ECU (Europeull Currellcy UIli! - Unidade

Monetária Européia) na entrada em vigor do SME (13/3/1979).Composição da cesta de moedas (em %) e contravalor de uma

ECU em 13/3/1979

Moeda marcolibrafrancoliraf10rimfranco francocoroalibraalemão inglesafrancês italianaholandêsbelgaluxem-dinamar-irlan-

bUHmêsauesadesaPercentual 32,913,419,99,510,59,20,43,11,1k::ontravalor 2,10,665,801,1482,7239397,090,66

O denominador comum da fixação das paridades foi a recém­criada unidade monetária européia ECU (European CurrencyUni!). A ECU, semelhantemente ao direito especial de saque doFundo Monetário Internacional, é equivalente a uma cesta contendodeterminados valores fixos das moedas dos países da CE. A parti­cipação respectiva foi estabelecida com base na capacidade eco­nômica e no desempenho do comércio exterior de cada país.

Modificações ou ajustes das paridades na cesta de moedas doSME só podiam ser efetuados após deliberação comum no Conse­lho de Ministros. As diversas moedas oscilam dentro de certa tole­

rância. Ultrapassados determinados limites, os bancos centrais estãoobrigados a intervir. Essa política de intervenções devia manter aflutuação do mercado de divisas dentro da banda de oscilação(regra geral 2,25% da taxa fixa da ECU; a Inglaterra, a Itália e aEspanha foram beneficiadas temporariamente com margens excep­cionais de até 6%). O sistema de intervenções do SME entrou emvigor em março de 1979, com efeito retroativo a 1º de janeiro, econtinua funcionando, embora com uma margem de 15% desde1993. A união econômica e monetária montada nos anos 1990 é

examinada em pormenor no Capítulo 5 ("Políticas públicas").A política monetária dos anos 1970 mostrou, com o malogro

da "serpente monetária" e do Plano Werner, que ainda não era che­gado o tempo de uma integração maior no plano da política econô­mica e monetária. Alguns progressos parciais foram realizados pormeio de acertos institucionais, sem conseqüências políticas diretas.

Progresso ins!itucional e euroesclerose

Os chefes de Estado e de governo decidiram, em 10 de dezembrode 1974, em Paris, que se reuniriam regularmente a cada seis meses.As reuniões de cúpula dos chefes de Estado e de governo passariama chamar-se doravante "Conselho Europeu". A presidência dessegrêmio deveria ser exerci da em rodízio semestral. O Conselho Eu­ropeu tornou-se promotor do desenvolvimento ulterior das institui­ções européias e referencial para as posições políticas dos governosdos diversos Estados-membros. Uma evolução gradual do Com­promisso de Luxemburgo acabou conduzindo à adoção parcial da

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52 Frank R. pfetschA União Européia 53

deliberação por maioria. A unanimidade continuou requerida paraas questões vitais que fossem do interesse nacional dos Estados­membros. A cúpula de Paris decidiu também pela eleição direta doParlamento Europeu (até então os deputados eram designados pelosparlamentos nacionais).

Com a constituição de um grupo de trabalho sob a coordena­

ção do primeiro-ministro belga Leo Tindemans (nascido em 1922),a cúpula de Paris deu novo impulso à união política. O RelatórioTindemans de 1975, em comparação com seus predecessoresmalogrados, apresentou propostas pragmáticas. Sem fornecer umprojeto final integralmente elaborado, o Relatório Tindemans pro­pôs a substituição da cooperação dos países integrantes da CPE poruma política exterior comum. Para contornar os previsíveis blo­queios das decisões, Tindemans previu uma transição para a deci­são por maioria também no Conselho de Ministros. O Relatórionão teve efeitos imediatos, pois o Conselho Europeu não adotousuas conclusões.

Esse novo malogro "frio" de uma iniciativa fomentadora deintegração evidenciou a aparente imunidade da política comunitá­ria contra tentativas de aprofundamento. De meados dos anos 1970até a segunda metade dos anos 1980, tornou-se corrente falar de

uma "euroesclerose". A esclerose (rigidez doentia) resultou em parteda própria ampliação. Tanto a Inglaterra quanto a Dinamarca não

esconderam, em momento algum, que se oporiam a qualquer pro­jeto maior de federalização. A persistência do Compromisso deLuxemburgo protegeu as instituições existentes de acertos queconduzissem a uma integração maior.

Como o exemplo da Grécia mostrou, os requerimentos de ade­são no final dos anos 1970, por parte dos países meridionais, ti­nham motivação sobretudo política. A transição para a democraciaapós a supressão dos regimes autoritários tinha de ser assegurada erapidamente consolidada. À discrepância dos indicadores econô­

micos entre os "Nove", parcialmente devida ao choque do petróleode 1974, acrescentou-se a partir de 1981 também um desequilíbrioentre o norte e o sul da CE.

A euroesclerose atacou principalmente as políticas públicasque já conheciam alguma integração e menos os setores totalmentenovos. A política agrária provocou controvérsias cada vez mais

freqüentes. As negociações em torno do orçamento tornaram-secada vez mais difíceis e eram constantemente complicadas porreclamações da Inglaterra. A união econômica parou de avançar.Outras políticas públicas, como transporte, indústria ou desenvol­vimento regional, também se paralisaram. À "rigidez" que conta­minou esses setores contrapuseram-se inovações institucionais emoutros campos: o Conselho Europeu foi erigido em instância dire­tora; a eleição direta do Parlamento Europeu; o SME foi criadocomo substituto da impossível união monetária.

Nos campos em que uma transferência de competências na­cionais para os organismos comunitários seria realmente necessárianão aconteceu praticamente nada na década de 1970. A CPEtinha pés de barro e dependia da boa vontade de cada Estado­membro. A continuidade da integração econômica teve de esperaraté a proposta de implantação do mercado interno, em 1985, porJacques Delors. A solene declaração de 1972, de transformar aComunidade em uma União Européia até o final da década, só foilevada a efeito no início dos anos 1990, com os Tratados deMaastricht.

1.6 Novo impulso (a partir de 1986)

A fase da euroesclerose e da inevitável estagnação foi supera­da pela adoção do Ato Único Europeu (AUE). Esse tratado, firma­do em 28 de fevereiro de 1986 e que entrou em vigor em 1987,pode ser considerado como a base dos Tratados de Maastricht de1992 e da terceira vaga de adesões de 1995, com a admissão daSuécia, da Áustria e da Finlândia. O AUE manteve a coordenaçãointergovernamental da política externa e de outros campos da polí­tica: o Conselho Europeu, por exemplo, continuou sem poder fir­mar acordos internacionais. A CPE e o Conselho Europeuganharam, contudo, com o AUE, seu fundamento jurídico.

O novo impulso de integração já se delineava desde o iníciodos anos 1980. Uma iniciativa conjunta dos ministros do Exterioralemão Hans-Dietrich Genscher (nascido em 1927) e italiano Emi­lia Colombo (nascido em 1920), em 1981, propusera o fortaleci­mento da CPE (Iniciativa Genscher-Colombo). Cerca de dois anos

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54 Frank R. PFetsch A União Européia55

depois, a reunião do Conselho Europeu em Stuttgart, durante a qualos então dez Estados-membros reiteraram a meta de uma Europaunificada, produziu a "Declaração Solene sobre a União Européia".Uma comissão sob a presidência do irlandês Iren James Doogerecebeu a tarefa de planejar a reforma das instituições européias.O Relatório Dooge, apresentado ao Conselho Europeu em 1984,não caiu em esquecimento, como ocorrera com boa parte de seuspredecessores. O relatório final de março de 1985 veio a tornar-sea base das negociações do Ato Único Europeu (AUE).

A iniciativa dos governos em direção do AVE foi acompanhadade uma outra também do Parlamento Europeu. Uma ComissãoParlamentar sob a presidência do deputado italiano Altiero Spinellihavia começado a preparar desde 1981 um projeto de tratado daUnião Européia (cf. Toulemon, 1994: 58-60). Composto de 81artigos, esse projeto foi votado pelo Parlamento Europeu, em feve­reiro de 1984, como se tratasse de uma Assembléia Constituinte.Ele previa - semelhantemente à CPE dos anos 1950 - a federaliza­ção da CE e a transferência de competências, sobretudo em políticaexterna e de defesa, para os organismos europeus. O Conselho Eu­ropeu e um Parlamento formariam, de acordo com esse projeto, oLegislativo europeu. A Comissão, enquanto órgão executivo, seriainvestida pelo Parlamento, como ocorre nos diversos Estadosnacionais.

Spinelli, que assumira o mandato de deputado europeu pelalista dos comunistas italianos, previra também um mecanismo inte­ressante para a ratificação do projeto que levou seu nome (cf.Toulemon, 1994: 60). O projeto estaria aprovado se dois terços dapopulação de toda a Comunidade votasse "sim" em um referendo.Os Estados cujos governos não aceitassem ratificar o tratado rece­beriam a proposta de um contrato de associação. Esse mecanismodeveria evitar, de um lado, que um único país pudesse bloquear oprocesso (pensava-se particularmente na Inglaterra) e, ele outrolado, tencionava, mediante a legitimação pelo voto popular, impe­dir que ocorresse regressão no processo de integração e coopera­ção. Embora o projeto de Spinelli não tenha sido levado muito asério, teve a virtude de movimentar, às vésperas do AUE, com aaprovação pelo Parlamento Europeu, o debate fundamental acercado futuro do processo de unificação européia.

O AUE entrou em vigor no dia 1º de julho de 1987. O teor dotratado do AUE reflete a nova dimensão da integração política. No

preâmbulo fica estabelecido que a União Européia que se buscaestá baseada "na totalidade das relações entre os Estados [euro­

peus]". O "aprofundamento das políticas comuns" dá-se com cons­ciência "de se engajar a falar sempre com uma só voz e a agirunida e solidariamente". O objetivo da União Européia apareceuma vez mais no artigo 1º:

ARTIGO1º AVE

As Comunidades Européias e a Cooperação Política Européia

têm por objetivo contribuir em conjunto para fazer progredirconcretamente a União Européia. [...]

O efeito integrador do Ato pode ser apreendido em três dife­rentes planos.

Em primeiro lugar, o AUE dá um novo impulso à política eco-nômica da Comunidade. Um mercado comum deveria estar insta­lado até o final de 1992. A concepção desse mercado interno previa

quatro liberdades: de pessoas, de bens, de capital e de serviços.A energia motara proveio do novo presidente da Comissão deselejaneiro de 1985, Jacques Delors. Para esse título do AUE, ele. fezpublicar em junho de 1985 um Livro branco contendo 276 medidasrelativas ao mercado interno, representando o roteiro para se che­

gar a esse mercado comum. Em princípio, o mercado interno re­queria a ampliação da competência comunitária nos campos dapesquisa e desenvolvimento (P&D), meio ambiente, política social,política regional e política econômica e monetária. A dinâmica daintegração econômica ganhou notável impulso por causa da cons­ciência intracomunitária crescente de que o desenvolvimento euro­

peu estava ameaçado de ficar para trás em comparação com osEstados Unidos e com o Japão. O Relatório Cecchini, encomenda­

do pela Comissão em 1988, desempenhou aqui também um certopapel. Esse relatório concluiu que a não-realização do mer~adointerno acarretaria um crescimento menor, um desemprego maIOr einflação mais alta (the cost ojnon-Europe: o custo da não-Europa).

Em segundo lugar, o AUE induziu uma maior eficiência ins­titucional dos organismos comunitários. Na maior parte das ques-

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56 Frank R. pfetsch A União Européia 57

tões relativas ao mercado interno, o Conselho de Ministros podiadecidir por maioria. As competências executivas da Comissão Eu­ropéia foram ampliadas. Também ao Parlamento Europeu foramreconhecidas mais prerrogativas do que até então. De um lado, deacordo com o art. 8º do AVE, a admissão de novos membros e acelebração de tratados internacionais (tratados de associação) pas­saram a depender da aprovação do Parlamento. De outro, aumen­tou a participação do Parlamento na adoção de normas de direito.Para o campo de aplicação do mercado interno foi definido umprocedimento de colaboração entre o Executivo (Comissão e Con­selho de Ministros) e o Legislativo, segundo o qual o Parlamentopoderia influenciar a adoção de normas de direito aplicáveis aomercado interno mediante dois turnos de votação (d. Schmuck,1994: 189-190). De acordo com o texto do AVE, todavia, a maioriado Conselho de Ministros poderia derrubar resoluções do Parla­mento. O AVE criou ainda um "Tribunal de Primeira Instância da

CE" (Tribunal de Instância), vinculado ao Tribunal Europeu deJustiça (TEJ), em outubro de 1988. A criação desse tribunal serviusobretudo para desafogar o TEJ, mas reforçou o objetivo de umdireito válido para toda a Europa em questões do mercado interno.Por fim, o AVE reorganizou também a composição do ConselhoEuropeu. A prática, existente de fato, de assegu,rar aos chefes degoverno a assistência dos ministros do Exterior e de um integranteda Comissão, foi transformada em norma jurídica no art. 2º do AVE.

Em terceiro lugar, o AVE possibilitou que a integração fizesseprogressos 110 campo da política externa. As Declarações de Lu­xemburgo (Relatório Davignon, 1970), de Copenhague (2º RelatórioCPE de 1973) e de Londres (1981) foram inscritas como normas.As questões de defesa foram mencionadas, pela primeira vez, emum documento oficial europeu. Em Bruxelas foi criada, na presi­dência rotativa da CE, uma secretaria da CPE, de cuja atividade aComissão também participou.

O tratado do Ato Único Europeu foi o primeiro de uma sériede muitos outros passos concretos na via da integração. Em primei­ra linha foram as diversas iniciativas do presidente da Comissão,Jacques Delors, nos mais diferentes campos da política, que prepa­raram as reformas institucionais. O Pacote Delors I, elaborado eapresentado pela Comissão Européia em 1987, conduziu à reforma

da política agrária, à reformulação da política de infra-estrutura e àreestruturação do orçamento. O pacote constituiu a ordem do diada sessão do Conselho Europeu em 11 e 12 de fevereiro de 1988em Bruxelas. Para superar a crise financeira européia, deliberou-senessa reunião que os Estados-membros teriam de transferir para aComunidade, além de percentuais do imposto sobre o valor agre­gado e das receitas aduaneiras, 1,4% do produto interno bruto. Asdespesas com agricultura foram limitadas em resolução do Conse­lho e o Fundo de Infra-estrutura foi recapitalizado.

Em junho de 1989 Jacques Delors apresentou um plano emtrês etapas para implantar a união econômica e monetária determi­nada pelo AUE. O Conselho Europeu fixou a efetivação da primei­ra etapa da união monetária para o dia 1º de julho de 1990. Essafase (coordenação reforçada) deveria durar até a implantação domercado interno. A segunda fase (instalação do Banco Central Eu­ropeu) estava prevista para 1994-1996 e a terceira (efetivação daunião econômica e monetária) para 1997-1999. Também os critériosde convergência, posteriormente inscritos nos Tratados de Maastricht,já se encontravam esboçados no Relatório Delors (cf. Capítulo 5,"Políticas públicas").

Como presidente da Comissão, Delors não estava sozinho emseus esforços por levar adiante a unificação européia. Na primaverade 1990, na seqüela das imensas mudanças por que passou a Euro­pa depois da falência dos Estados socialistas do Centro e do Leste

europeu, a Alemanha e a França tomaram uma nova iniciativa de"união política". O presidente francês François Mitterrand e ochanceler federal alemão Helmut Kohl propuseram o fortalecimentoda legitimação democrática, instituições mais eficientes, unidade ecoerência das ações da União nos campos da economia e da moe­da, assim como no da política externa e de segurança.

Em 19 de junho de 1990 foi assinado em Luxemburgo o se­gundo Acordo de Schengen - o primeiro datava de 1985 - peloqual se concretizou a livre circulação das pessoas mediante a su­pressão dos controles de identidade e das alfândegas nas fronteirasinternas. A Alemanha, a França e os países do Benelux foram osprimeiros signatários. Mais tarde aderiram ao acordo a Itália, aEspanha e Portugal, logo seguidos pela Suécia, Dinamarca e Fin­lândia. O Acordo de Schengen definiu as medidas que os Estados

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signatários tinham de adotar para a entrada em vigor das estipula­ções do tratado, que afinal se deu em 26 de março de 1995. Alémda supressão dos controles fronteiriços, o acordo previa uma maiorintegração no campo da segurança interna, como, por exemplo, nocaso da política de migração e asilo, na luta contra o crime e asdrogas, na cooperação em questões de direito civil e penal, nasinvestigações policiais e na colaboração aduaneira. A aplicação doacordo em todos os Estados signatários encontra, todavia, aindahoje, dificuldades (cf. Capítulo 5, "Políticas públicas").

A sessão do Conselho Europeu em dezembro de 1990 emRoma reafirmou uma vez mais a resolução geral de levar celere­mente adiante a União Européia. Na primeira fase antes do Tratadode Maastricht sobre a União Européia esboçavam-se duas concep­ções concorrentes da integração, conhecidas como o "esquema daárvore" e o "esquema do templo". A Bélgica, a Holanda, a Alemanhae a Itália queriam uma ampliação das competências dos organismoscomunitários com diferentes modalidades de decisão e execução.

FIGURA 1.1As três colunas do Tratado de Maastricht (o "templo" da DE)

União Européia

Comunidades PolíticaCooperaçãoEuropéias

exlerna e deem matéria

segurança

de política

comum

interna e

justiça

CE

PescCPU

Tanto a política externa e de segurança quanto a política desegurança interna deveriam integrar-se organicamente com institui­ções como a Comissão e o Parlamento, como se fossem os ramos de

uma árvore. As instituições comunitárias criadas pelos tratadosganhariam significação maior em tal estrutura orgânica - nenhumgalho de árvore pode sobreviver, no longo prazo, separado do tronco.

Outros Estados-membros, como a França, a Inglaterra, a Di­namarca e os três países meridionais, Grécia, Espanha e Portugal,preferiam a inclusão de novos campos da política segundo o mo­delo das colunas de um templo. A dimensão intergovernamental,por exemplo, da política externa e de segurança prevalecia nessaconcepção. Nos resultados afinal fixados no Tratado de Maastricht,a tendência dos "templários" ganhou da dos "botânicos". A UniãoEuropéia, tal como desenhada no Tratado de Maastricht firmado

após quase trinta anos de negociações em dezembro de 1991, podeentão ser representada graficamente sob a forma de um templo comtrês colunas (cf. figura 1.1).

O Tratado da UE foi assinado em 7 de fevereiro de 1992. A rati­ficação pelos doze Estados-membros acabou sendo mais cheia deobstáculos do que se pensava. Na Dinamarca, o povo recusou aforma original dos Tratados de Maastricht em 2 de junho de 1992.Só depois que algumas cláusulas especiais relativas à Dinamarcaforam incluídas no Tratado de União é que o povo dinamarquês oaprovou, em um segundo referendo em maio de 1993 (cf. Capítulo 2:"Os Estados da União Européia"). Mas ocorreram problemas tambémno referendo francês e no processo de ratificáção na Câmara dosComuns britânica. A Alemanha foi o último país a ratificar o trata­do, pois teve de esperar um acórdão do Tribunal Federal Constitu­cional, publicado apenas em 12 de outubro de 1993. O acórdãoenfatizou sobretudo a manutenção da autoridade do ParlamentoFederal nos procedimentos de transferência compulsória de sobe­rania para os organismos comunitários, previstos pelos Tratados deMaastricht. Os Tratados de Maastricht foram definitivamente rati­ficados pelo Parlamento Federal alemão em 1º de novembro de 1993.

Com a entrada em vigor dos tratados, a União Européia repou­sa sobre três colunas: as Comunidades Européias (Títulos lI, III eIV do TUE), a política externa e de segurança comum (Título V doTUE), sucessora da CPE, e a cooperação em matéria de políticainterna e justiça (Título VI do TUE). A primeira coluna (CE), comsua concepção supranacional, determina sobretudo a atuação con-

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60 Frank R. pfetsch A União Européia 61

QUADRO 1.3Os sete títulos do Tratado da União Européia

4 A versão portuguesa nos documentos da UE utiliza a fórmula: "cooperação emmatéria de justiça e de assuntos internos", inspirada na expressão francesa. Se­guiu-se aqui o texto original alemão e sua correspondência com os termos cor­rentes no Brasil. (N. do T.)

junta na política econômica e monetária. A segunda e a terceiracolunas operam com base no princípio da atuação intergoverna­mental. O mecanismo de negociação estabelecido pelos Tratadosde Maastricht representa um compromisso que reflete a história daunificação européia: o setor econômico, que desde o Plano Schuman,a Ceca e a CEE constituía o cerne dos esforços de integração daEuropa, continuou sendo o setor mais evoluído entre todos, na transi­ção para o supranacionalismo. Os campos da política externa, internae de segurança, desde o fracasso da CED em 1954, controversos,continuaram sob responsabilidade dos respectivos governos.

A coluna da união econômica e monetária compõe-se de cincoinstituições: a Comissão Européia, o Conselho de Ministros, o Con­selho Europeu, o Parlamento Europeu e o Tribunal Europeu de Justi­ça. Essa construção institucional, que de certo modo vale para apolítica comunitária desde os Tratados de Roma de 1957, não sofreualterações significativas no AUE ou no Tratado da UE. No interiordessa configuração institucional, contudo, pode-se constatar um forteaumento da importância da Comissão, do Parlamento e do Tribunal.

Título I:

Título 11:

Título II1:

Título IV:

Título V:

Título VI:

Título VII:

Disposições comunsarts. A-FDisposições modificando o tratado da CEEar!. GDisposições modificando o tratado da Cecaart. HDisposições modificando o tratado da CEAart. IDisposições relativas à política externa e de segurançacomum (Pesc)arts. J, J.1-J.11Disposições relativas à cooperação em matéria depolítica interna e justiça (CPIJ)4arts. K, K.1-K.9Disposições finaisarts. L-S

Como o Ato Único Europeu, o Tratado da UE também é umtratado-quadro, que reúne diversos elementos e tem uma funçãoestruturante. Formalmente, o tratado está dividido em um preâm­bulo e sete títulos (ver quadro 1.3). A hierarquia das disposiçõesdistribui os artigos de A a S entre os sete títulos. Cada artigo é sub­dividido em dispositivos, numerados seqüencialmente (por exemplo:art. K,8 (2». Além disso, foram anexados ao tratado 17 protocolos ­entre os quais as cláusulas de exceção relativas à Dinamarca e oestatuto do Banco Central Europeu - e 33 declarações.

O preâmbulo do Tratado da UE vai além das declarações ge­néricas dos tratados da CE. Além das proclamações de crença naliberdade, na democracia, nos direitos humanos, na solidariedadeentre os Estados-membros, no progresso social e econômico, eleenuncia também a cidadania comum da União, a identidade e aindependência da Europa e o princípio da subsidiaridade como osfundamentos da União Européia. Nas cláusulas comuns, a UE écaracterizada como "uma nova etapa da união cada vez mais forteentre os povos da Europa" (art. A). Outras formulações do Título I,destinadas a enfatizar a nova intensidade que o crescimento co­mum alcançou, são a "moeda única", a "preservação integral dograu de desenvolvimento alcançado pela Comunidade", a "cidada­nia da União" (todas no art. B), o "quadro institucional único" (art. C)e os "objetivos políticos comuns" (art. D). O princípio da subsidia­ridade, um dos dispositivos mais importantes, está formulado nanova redação do art. 3-B do Tratado da CE:

ARTIGO3-B TCE

A Comunidade atuará nos limites das atribuições que lhe sãoconferidas e dos objetivos que lhe são cometidos pelo presenteTratado.

Nos domínios que não sejam das suas atribuições, a Comunida­de intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiarida­de, se e na medida em que os objetivos da ação prevista nãopossam ser suficientemente realizados pelos Estados-membros epossam, pois, em virtude da dimensão ou dos efeitos da açãoprevista, ser mais bem alcançados, no nível comunitário. [...)

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Inovações institllcionais nos Tratados de Maastricht

Toda nova norma de direito criada pelo Tratado da UE foienunciada no próprio corpo do tratado ou inserida, pelas disposi­ções dos Títulos lI-IV, no Tratado da CE. No âmbito da Comuni­dade, ou seja, da "primeira coluna", deram-se diversas inovaçõesreferentes ao equilíbrio institucional, que passaram a influenciá-loem boa parte (cf. Capítulo 4):

- o Parlamento Europeu participa doravante da investi dura da Co­missão da CE;

- por um procedimento específico inserido no art. 189-B do Trata­do da CE, o Parlamento é associado ao Conselho Europeu noprocesso decisório comum referente a determinados setores;

- o mandato da Comissão passa a coincidir com o do ParlamentoEuropeu;

- é criada uma Comissão das Regiões, cuja audiência é obrigatóriapara as decisões que afetem o desenvolvimento regional;

- a cidadania da União consagra o direito de ir e vir e de instalar-selivremente dentro do território da Comunidade. São reconhecidos

aos cidadãos da CE a proteção diplomática quando em países ter­ceiros e o direito eleitoral ativo e passivo nas eleições municipaise européias, em seus respectivos lugares de residência dentro daUE. Todo cidadão pode dirigir petição ao Parlamento Europeu(ar1. 138-D TCE) ou queixar-se ao omblldsman, mediador nome­ado pelo Parlamento (art. 138-E);

- a união econômica e monetária, sob a condição de determinadoscritérios de convergência (excluídas a Inglaterra e a Dinamarca),havia sido prevista para 1º de janeiro de 1997. No mais tardar em1º de janeiro de 1999 todos os países que preenchessem os ditoscritérios de convergência - eventualmente apenas alguns dosEstados-membros da CE - deveriam adotar uma moeda comumcom taxas de conversão fixas. O nome da moeda comum foi ini­

cialmente mantido ECU (Ellropean Cllrrency Unir), que, além desua função como unidade contábil dos sistemas monetários euro­

peus, era também conhecido como nome de uma antiga moedafrancesa.5 Pensou-se igualmente em outros nomes alternativos

ECU (écu) = escudo; nome igualmente da moeda portuguesa. (N. do T.)

para a moeda única. Na reunião de cúpula do Conselho da Euro­pa em dezembro de 1995 deu-se o acordo em torno de uma solu­ção de compromisso: "euro", nome com o qual se poderia aindaconstruir complementos com os designativos das diversas moe­das européias: "euromarco", "eurofranco", "eurolira", etc. Se adesignação simples de "euro" virá a afirmar-se depende ainda dofuturo (cf. Capítulo 5, "Políticas públicas");

- o Banco Central Europeu foi projetado pelos governos comoindependente, no protocolo sobre o estatuto do sistema europeude bancos centrais e do Banco Central Europeu. O BCE tem umadiretoria composta de um presidente, um vice-presidente e quatrooutros membros, nomeada pelos governos do Estados-membrosde comum acordo com o Conselho Europeu, com o Parlamento ecom o Conselho do BCE (composto da diretoria deste e dos pre­sidentes dos bancos centrais nacionais). Todos os membros dadiretoria são nomeados para um mandato de oito anos, sem pos­sibilidade de recondução;

- onze Estados-membros da CE (com exceção da Inglaterra) queriamque O Protocolo de Política Social levasse adiante a Carta Socialvotada em 1989. O ar1. 1º do protocolo previa, entre outros, osobjetivos do aumento do emprego, melhoria das condições devida e de trabalho, proteção social adequada, diálogo social, altonível de emprego e combate à exclusão. Nesses campos, o Con­selho Europeu tem competência para expedir instruções sobre osrequisitos mínimos (art. 2º). O art. 4º do Protocolo de Política So­cial inclui a possibilidade de os parceiros sociais europeus torna­rem suas decisões obrigatórias.

A política social exemplifica a reorganização por que a Comu­nidade ("primeira coluna") passou. Para compatibilizar a complicadacompartimentação dos direitos nacionais com o direito comunitárioa entrar em vigor, o ar1. 2º do Protocolo de Política Social definiudois procedimentos para a realização dos objetivos comuns (d.também Strohmeier (org.), 1994: 170-171). De acordo com o art.189-C do Tratado da CE, o Conselho Europeu, em conjunto com oParlamento Europeu, decide por maioria qualificada sobre as questõesrelativas à proteção social (saúde, segurança), às condições de tra­balho, à formação e participação dos trabalhadores, à igualdade deoportunidades de homens e mulheres, bem como à inserção profis-

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sional das pessoas excluídas do mercado de trabalho. De outraparte, a decisão sobre as questões abaixo teria de ser unânime:

- segurança e proteção social dos trabalhadores;- garantias ao término dos contratos de trabalho;- defesa dos interesses dos parceiros sociais, inclusive co-gestão;- condições de emprego para os cidadãos de terceiros países;- contribuições financeiras para o incentivo à criação de emprego.

Quanto mais um assunto estiver no âmbito de interesse nacio­nal de um país, como no caso das negociações salariais na Alema­nha, por exemplo, tanto menos haveria probabilidade de que elepudesse vir a ser regulado, por decisão majoritária, por algum co­legiado comunitário. Quanto mais genérica e pouco coercivamentefossem definidos os âmbitos de ampliação, tanto mais se aceitavaabrir mão da regra da unanimidade. A política social desenvol­ve-se concretamente, todavia - como em geral no caso de todosos campos políticos da "primeira coluna" - em direção à supra­nacionalidade. Cada vez mais todo cidadão da UE goza, em qual­quer dos países integrantes da UE, dos benefícios da proteção social:os regimes sociais desvinculam-se gradativamente do territórionacional (Leibfried/Pierson, 1996: 196). Antes de o Conselho Eu­ropeu tomar qualquer decisão no campo da política social - citadaaqui novamente apenas como exemplo -, a Comissão, o Parla­mento e a Comissão Econômica e Social, conforme o caso, têm deser ouvidos.

Os Tratados de Maastricht igualmente introduziram inovaçõesno campo da cooperação da União Européia:

- no campo da política externa e de segurança comum ("segundacoluna"), como se mencionou anteriormente, a política de segu­rança, com o objetivo de formular uma política comum de defesa,foi inscrita na agenda da unificação européia. No quadro institucio­nal até então vigente da cooperação em assuntos de políticaexterna, a inovação tomou a forma do direito de iniciativa daComissão em matérias de decisão comunitária;

- no campo da justiça e da política interior ("terceira coluna"), oart. K.1 do TUE previu, como de interesse comum, medidas refe-

rentes à política de asilo, à passagem pelas fronteiras externas daUE, à imigração, à repressão às drogas, à repressão à fraude, à

cooperação judiciária em matéria cível e penal, assim como à co­operação aduaneira e policial.

"E a caravana passa ..."

Embora o Tratado de Maastricht - mais exatamente: o Tratado

sobre a União Européia - seja um passo decisivo para a Europapolítica, é necessário indicar em que consiste a continuidade doprocesso europeu de unificação. As dores do parto do processo deratificação, a aceitação de cláusulas de exceção para a Dinamarca ea Inglaterra (defesa, política social, união econômica e monetária),entre outros, dão testemunho de que continuam a subsistir idéiasdiferentes sobre o desenvolvimento da Comunidade. Em muitos

campos, a "Europa de velocidades diferentes" é uma realidade.Os principais promotores da unificação européia continuam sendoos Estados nacjonais e seus respectivos governos. Em caso deconflito de interesses dos governos com projetos comunitários emdeterminados campos da política, a decisão é tomada amiúdeem benefício dos Estados nacionais.

Mesmo depois de Maastricht, a União Européia continua regi­da, nas questões de interesse nacional, pelo princípio da atuaçãointergovernamental. Isso ficou especialmente· claro nas negocia­ções em torno da formulação dos princípios e objetivos da União.O art. A do Tratado da União deveria ter sido assim formulado:"Este tratado marca um novo estágio no processo que conduz gra­dualmente à União com um objetivo federal".6 Objeções da Ingla­terra obtiveram que a expressão "com um objetivo federal" fosseretirada da redação final do tratado. Tampouco os novos fundos decoesão (para as regiões mais desfavorecidas) e de investimento(para o crescimento econômico) - ambos inovações reforçadorasda integração - chegaram a reverter a tendência de resistência àrenúncia a direitos nacionais de soberania. As soluções dadas a

Ó Em inglês no original: "This treat)' marks a new stage in the process leadinggmdllall)' to a Vnion with afederal goal". (N. do T.)

Page 28: Condições históricas da fundação do desenvolvimento · A ótica da interdependência pode ser encontrada na escola liberal das relações internacionais (Keohane,1984). A União

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outras questões, como por exemplo a das sedes das instituiçõeseuropéias (como no caso do BCE, que após longas divergênciasacabou sediado em Frankfurt/Meno, na Alemanha) ou a ampliaçãoda Comunidade em direção às novas democracias da Europa cen­tral e do leste, permitem reconhecer que o processo de unificaçãoeuropéia ainda está longe de terminar. A vontade dos Estados naci­onais e o peso próprio das instituições européias determinarão aevolução ulterior da integração.

1.7 Conclusão

Passo a passo e em constante oscilação entre supranacionali­dade e atuação intergovernamental, foram estruturadas instituições,ampliadas competências, integrados novos membros, desenvolvidaa parlamentarização e transferidos novos campos políticos ao âm­bito da Comunidade, que anteriormente só estavam organizadosem cada Estado ou se haviam institucionalizado em paralelo. Esseprocesso gradual de enriquecimento e de integração conduziu aalguma falta de transparência político-constitucional. É de se espe­rar que, com a consolidação econômica e política, surja um novoperfil constitucional unificado. Apesar das conferências intergover­namentais a partir de 1996, o tempo parece ainda não estar maduropara uma unificação constitucional maior.

O sistema organizacional europeu pode ser caracterizado maiscomo a decisão de uma elite do que como um processo de baixo

~ara cin:a. Se os procedimentos tivessem sido mais amplos, umaI?tegraçao com todo esse alcance te:ia sido provavelmente impos­slvel. De outra parte, o processo de mtegração sempre contou comgrande aceitação da opinião pública. No entanto, a pressão parauma abertura de maiores possibilidades de participação vai certamenteaumentar no futuro. Isso está claro nos resultados apertados que seobtiveram em referendos nos Estados-membros da UE. A Uniãoterá de se abrir ao cidadão.

A ampl.ia.ção constante tornou a Comunidade mais heterogêneae menos eflcIente. A fraqueza da DE com respeito aos conflitosna Europa do leste e do sul é patente. A concepção de uma "Euro­pa de velocidades diferentes", a adoção das decisões por maioria e

a incorporação de questões de política externa e de segurança po­dem ser interpretadas como respostas à heterogeneidade crescenteda Comunidade. O retorno a um processo mais rígido de decisãoparece inevitável, se se quiser impedir que novas ampliações acar­retem a ingovernabilidade.

As idéias que os Estados-membros têm da estrutura política daUnião continuam divergindo tanto quanto antes e revelam suasdivergências quanto aos objetivos. O processo de formação da co­munidade na Europa esteve e está caracterizado por visões utópicas("Estados Unidos da Europa"), de um lado, e por uma políticapragmática - por exemplo, nos "Relatórios" encomendados pelasinstituições da CE/UE - de outro. Com base na experiência acu­mulada até agora, pode-se falar de uma "Europa carolíngea", poisos Estados promotores da construção européia são a França, aAlemanha, a Itália e os países do Benelux.

A energia motriz do processo europeu de unificação, no início,

foram sobretudo as considerações de ordem política. Após a "guerrados trinta anos" de 1914 a 1945, prevaleceu a vontade de promovera paz pela cooperação e pela integração. O tempo transformou emcooperação o conflito entre os Estados nacionais europeus. Institu­cionalmente, o processo de unificação começou no campo econô­mico, pois a primeira associação supranacional ocorreu no setoreconômico, com a produção de carvão e aço. Essa integração esta­va motivada, contudo, antes de mais nada, politicamente.

Esse novo tipo de instituição foi estendido a toda a economia,embora nos anos 1950 tenham sido determinantes motivos de natu­reza estritamente econômica, como a criação de mercados maioresou a exploração das possibilidades de uma economia de escala.Como não se instituiu uma área de livre-comércio, mas sim a Co­munidade Européia, fica claro que a perspectiva de uma comuni­dade política jamais foi perdida de vista.

No Capítulo 2 ("Os Estados da União Européia"), examinar­se-ão com mais vagar os países-membros da União Européia e seusinteresses com relação a ela.