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COTIDIANO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL: A PROPSITO DA VIOLNCIA DOMSTICA
DALVA ROSSI 1
.
Os Assistentes Sociais possuem um contedo extremamente importante oriundo
do cotidiano profissional, que merece ser estabelecido e sistematizado teoricamente,
fundamentado com postulados de pesquisadores da rea.
Discutir essa prtica implica refletir sobre a identidade da profisso, o que inclui
a reflexo dos contextos socioeconmico e poltico, e significa pensar sobre os sujeitos
envolvidos nesse trabalho, especialmente a pesquisa como um dos princpios bsicos da
profisso para a produo do conhecimento. Neste sentido, Martinelli afirma:
Discutir a prtica social, falar em construo de prtica coletiva passa, fundamentalmente, pela questo da pesquisa.Nenhuma profisso da rea social conseguir chegar ao final do milnio somente com capacidade operacional. A essa capacidade operacional indispensvel que se somem tambm a consistncia argumentativa, a fundamentao terica, a construo do saber, (1999,pp. 12-13).
A percepo da problemtica existente no cotidiano profissional desafia, instiga e
mobiliza internamente desejos da interpretao dos fenmenos observados, o que exige
dos assistentes sociais a busca incansvel pelo conhecimento, que pode ser traduzido na
busca pela fundamentao terica.
O Assistente Social trabalha com as polticas sociais e com as expresses da
questo social, entendidas como: O conjunto das expresses das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produo social cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriao dos seus frutos mantm-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade, Iamamoto, (1998, p.27).
A relao do assistente social com os sujeitos do seu trabalho permite a construo de
novas formas de pensar e agir, diante dos problemas que surgem e que necessitam da
1 Assistente Social do Centro de Ateno Integral Sade da Mulher CAISM/UNICAMP. Prof Dra do Curso de Graduao de Servio Social da UNISAL-Americana /SP.
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interveno do profissional. Refletir sobre a possibilidade da construo de novas metodologias
de ao frente s problemticas vivenciada
s requer um investimento na construo de pesquisas que possibilitaro a compreenso adequada
da situao.
A construo de pesquisas implica identificar os sujeitos e o que estes tm a falar
sobre os problemas que enfrentam ou vivenciam. necessrio perceber a problemtica
que os assistentes sociais trabalham em seu cotidiano profissional e a partir desta
observao refletir sobre a importncia da sistematizao dos dados, e do objetivo do
trabalho.
pertinente afirmar que o trabalho de investigao fornece elementos
mensurveis, retirados muitas vezes do senso comum e que, com o nosso investimento
terico ancorado em paradigmas de pesquisadores, poder ser transformado em
contedo cientfico, o que certamente poder contribuir para novos olhares e novas
metodologias.
Os assistentes sociais devem utilizar o instrumento da pesquisa para produzir, a
partir do seu trabalho cotidiano, novos conhecimentos e novas teorias.
Como sugere Minayo:
Pesquisa a atividade bsica da Cincia na indagao e construo da realidade. a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente a realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prtica terica, a pesquisa vincula pensamento e ao. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se no tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prtica. As questes da investigao esto, portanto, relacionadas a interesses e circunstncias socialmente condicionadas. So frutos de determinada insero no real, nele encontrando suas razes e seus objetivos (1994,pp.17-18)
A necessidade de investigar e buscar respostas para as situaes instigantes,
vivenciadas no cotidiano profissional, que envolve adolescentes grvidas e tambm as
vtimas de violncia sexual domstica, impulsionou-nos realizao de pesquisas para
compreender melhor o fenmeno e poder agir de forma mais pertinente. Um fenmeno
desta envergadura, cujas consequncias sociais e emocionais so determinates na vida
das adolescentes e das famlias, necessita inegavelmente do trabalho do assistente social
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- no acolhimento e na assistncia - fundamento inegvel na nossa profisso, alm do
estudo e sistematizao dos dados para publicizar o fenmeno e socializar o
conhecimento.
Portanto, a pesquisa surge da necessidade de compreenso do fenmeno que se
apresenta no cotidiano e merece um estudo detalhado, para aprofundar o tema e
melhorar a qualidade de trabalho. Tomar como anlise a realidade trabalhada para a
pesquisa de fundamental importncia para implementar o debate e acrescentar novos
contedos dinmica estabelecida. No caso da violncia necessrio que a anlise leve
em conta os aspectos da macrorrealidade.
As adolescentes vitimizadas esto inseridas no bojo das relaes familiares, onde
na maioria das vezes ocorre o abuso, independentemente do modelo e organizao.
Embora haja atualmente diversidade de organizaes familiares, a famlia nuclear ainda
considerada referncia para muitos modelos, ou seja, a estrutura de poder e autoridade
exercida pelo marido sobre esposa e filhos, a diviso sexual do trabalho e as prprias
relaes afetivas entre os membros, Romanelli (1997). Quando se trata de violncia
domstica, o poder exercido pelo chefe dessas famlias tambm recai sobre as crianas e
adolescentes, e pode ser concretizado com ameaas e castigos fsicos e psicolgicos.
Toda investigao se realiza a partir de uma pergunta ou de um problema
obviamente articulados a teorias anteriores, e que necessitam de outros referenciais
tericos para sua complementao. Especialmente no caso da violncia contra as
adolescentes, alm do fato concreto existiram vrios questionamentos que nos levaram a
sistematizar os dados para uma aproximao da realidade, uma vez que a pesquisa no
finita e novos questionamentos podem surgir a partir de uma observao ou de um
estudo.
Por que as adolescentes so vitimizadas pelos seus familiares? Por que no
existe algum para proteg-las? Qual o papel da famlia? E das polticas de proteo
social? Por que os profissionais no notificam as violncias suspeitadas ou constatadas?
Todas essas questes podero ser respondidas se investigadas, mas tambm
existe uma questo primordial que antecede prpria pesquisa que a compreenso dos
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conceitos que explicam os fenmenos observados. No caso da violncia domstica, pode
ser compreendida como:
Todo ato ou omisso praticado por pais, parentes ou responsveis contra crianas e/ ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano fsico, sexual e/ou psicolgico vtima, implica de um lado numa transgresso do poder/dever de proteo do adulto e, de outro, numa coisificao da infncia, isto , numa negao do direito que crianas e adolescentes tm de serem tratadas como sujeitos e pessoas em condio peculiar de desenvolvimento, Azevedo e Guerra (1995c, p.11 ).
A violncia sexual definida pelas autoras como: todo ato ou jogo sexual,
relao heterossexual ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criana ou utiliz-la
para obter uma estimulao sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa(1989, p.42).
Pensar em violncia significa refletir sobre o papel do Estado, da Sociedade, da
famlia e tambm na condio das crianas e adolescentes vulnerveis, alm da
responsabilidade profissional. Neste sentido importante enfatizar o que o Estatuto da
Criana e do Adolescente sugere em relao aos profissionais. Sobre a notificao, o
ECA (1994) incisivo quando afirma no artigo 245:
Deixar o mdico, professor ou responsvel por estabelecimento de ateno sade e de ensino fundamental, pr-escola ou creche, de comunicar a autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmao de maus-tratos contra criana e adolescente. Pena: multa de trs a vinte salrios de referncia, aplicando-se o dobro em reincidncia.
Um instrumento que tambm fundamental na prtica do assistente social o
Cdigo de tica, que no artigo 13, quando discorre sobre os deveres do assistente social, nas
relaes com Entidades da Categoria e demais Organizaes da Sociedade Civil, diz:
b) denunciar, no exerccio da profisso, s entidades de organizao da categoria, s autoridades e aos rgos competentes, casos de violao da Lei e dos Direitos Humanos, quanto: a corrupo, maus-tratos, torturas, ausncia de condies mnimas de sobrevivncia, discriminao, preconceito, abuso de autoridade individual e institucional, qualquer forma de agresso ou falta de respeito integridade fsica, social e mental do cidado. Bonetti et al., (1996, p..225).
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Para aprofundar o conhecimento frente ao fenmeno observado, importante o
projeto de pesquisa que possibilita ao profissional a organizao de seu trabalho. Partindo de nossa experincia, as pesquisas surgiram do nosso campo de trabalho
quando, no atendimento realizado com as adolescentes vitimizadas, nos propusemos a
entender minimamente este fenmeno que assola muitas crianas e adolescentes e, que
infelizmente, os dados estatsticos no retratam a realidade, uma vez que os registros
tambm no so realizados com efetividade.
Uma das pesquisas teve como objetivo compreender por que as adolescentes no
interrompiam a gestao, quando vitimizadas em seus prprios lares, se possuam
respaldo legal para procedimento. No entra aqui nenhum posicionamento da
pesquisadora no sentido de considerar o que a adolescente e sua famlia devam fazer,
mas, sim a discusso por direitos estabelecidos legalmente. O argumento de que a
gestao estava avanada, portanto, inviabilizava um procedimento mdico. Este fato
nos indicou outro questionamento: por que o abuso e consequentemente a gravidez no
so detectados precocemente?
Os resultados da pesquisa mostraram que um fator preponderante e decisivo para
o avano da idade gestacional nas situaes pesquisadas foi o silncio imposto pelo
agressor. Houve casos de ameaa de morte se a vtima revelasse o abuso. A adolescente
que j enfrenta a crise natural fase - que envolve dvidas, medos anseios - quando
ameaada se cala diante da figura ameaadora do agressor. Outro fator relevante que
pode impedir que o abuso se concretize no espao familiar a comunicao entre me,
filha e familiares. Se a comunicao for deficitria, inviabiliza a abertura de dilogo para
que as vtimas encontrem apoio, evitando os abusos e consequentemente a gravidez.
Um fato importante que a partir da nossa prtica surge um novo problema, que
necessita de nova investigao; portanto, o movimento de busca dialtico e possibilita
um avano sequencial na produo de conhecimentos. A questo sobre a notificao
da violncia domstica, praticada contra crianas e adolescentes, por parte dos
profissionais como alternativa para interromper o ciclo da violncia.
Portanto, a perspectiva de aprofundar o conhecimento acerca da notificao
necessita de nova pesquisa para conhecer este procedimento, cuja legitimidade est
respaldada no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), e que pode se materializar
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no cotidiano dos profissionais que atuam nas diferentes reas como instrumento de sua
interrupo e preveno, quando notificado aos rgos responsveis pela proteo de
crianas e adolescentes. A notificao j indicada no ECA como dever dos profissionais,
posta como desafio para uma investigao aprofundada sobre a sua concretizao.
As questes que envolvem esse debate podem configurar-se sob vrias vertentes,
que no justificam a existncia do problema, mas promovem uma reflexo centrada nos
fatores geradores e reprodutores do fenmeno.
Forward e Buck (1989) enfatizaram que o incesto, que uma violncia sexual,
ocorre geralmente no seio das famlias e no responsvel pela desorganizao destas,
mas um sintoma claro de sua desorganizao anterior.
No Ambulatrio de Pr-Natal de Adolescentes do Centro de Ateno Integral
Sade da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rossi et
al. (1994), detectaram que no perodo de abril de 1989 a janeiro de 1993, de 665
adolescentes grvidas atendidas, 11 foram vtimas de violncia sexual tendo a gravidez
como consequncia, e o maior ndice de violncia foi praticado no interior dos lares.
A preocupao de profissionais de diferentes categorias e autoridades em
interromper a violncia domstica praticada contra crianas e adolescentes, pressupe a
notificao como elemento primordial no combate ao problema.
Sobre a notificao, o ECA (1994) incisivo quando afirma no artigo 245: deixar o mdico, professor ou responsvel por estabelecimento de ateno sade e de ensino fundamental, pr-escola ou creche, de comunicar a autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmao de maus-tratos contra criana e adolescente. Pena: multa de trs a vinte salrios de referncia, aplicando-se o dobro em reincidncia.
A notificao aos rgos que cuidam da proteo s crianas e adolescentes, nestas
situaes, pode contribuir para diminuir essa violncia. Neste sentido, associar dados da
realidade pesquisada aos conceitos tericos pode contribuir para a compreenso de
condutas e, em um movimento dialtico, subsidiar propostas para modificar
procedimentos.
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O exerccio da cidadania enfatizado por Silva (2001), quando em pesquisa
realizada com profissionais da Rede Municipal de Sade do Rio de Janeiro sobre
notificao de maus-tratos contra crianas e adolescentes, constatou que os profissionais
que decidem notificar o problema asseguraram s vtimas a possibilidade de garantia de
seus direitos e ao profissional o respeito, e o compromisso tico e poltico.
Nos quatro tipos de violncia, um dado fundamental que est ligado a essa
conduta o poder que os adultos exercem sobre as crianas e adolescentes. O poder
instalado nas sociedades, e perpetuado atravs dos hbitos culturais, pode ser uma das
formas de reproduo da violncia domstica.
O Ministrio da Sade, atravs da Secretaria de Assistncia Sade (Brasil, 2002),
definiu o que significa uma Notificao:
Uma informao emitida pelo Setor Sade ou por qualquer outro rgo ou pessoa, para o Conselho Tutelar, com a finalidade de promover cuidados scios sanitrios voltados para a proteo da criao e do adolescente, vtimas de maus-tratos. O ato de notificar inicia um processo que visa a interromper as atitudes e comportamentos violentos no mbito familiar e por parte de qualquer agressor. A palavra maus-tratos aqui empregada de modo amplo, genrico, como sinnimo de violncia social (2002,p.14).
A violncia domstica, fenmeno de grande importncia, envolve uma srie de
delicadas situaes que determinam dificuldades para sua interpretao e preveno.
Com frequncia, por acontecer no mbito familiar, tm sua existncia acobertada pelos
habituais agentes desencadeadores, tornando-se difcil de ser percebida e, quando
observada, pouco denunciada. Muitos aspectos da violncia so levantados pelos
profissionais, mas no so entendidos pela famlia como um problema.
Os resultados da pesquisa para detectar se a notificao realizada pelos
profissionais indicaram que uma parcela significativa dos que suspeitaram ou atenderam
os casos de violncia no notificaram, porque no souberam como faz-lo. Assim como
os profissionais que no atenderam ou suspeitaram da violncia, se atendessem ou
suspeitassem tambm no notificariam, porque no saberiam como proceder.
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Os profissionais de diferentes categorias e reas de ao, entretanto, nem sempre
esto preparados para oficializar a notificao de uma violncia constatada ou suspeitada.
Muitos no possuem conhecimento do fenmeno, outros ficam em dvida se possuem o
direito de intervir na famlia, tm medo de ameaas e das consequncias tanto para as
vtimas como para si prprios. Quando a formalizao da notificao no efetivada,
podem ser inviabilizadas as estratgias de interrupo e de preveno da violncia.
A violncia domstica cultural. A histria se encarrega de reproduzi-la e at de
criar condies para o seu avano, quando no proporciona que os sujeitos tenham acesso
educao, lazer, sade e cultura. Como afirmam Roque e Ferriani (2002), em pesquisa
com operadores do Direito, os profissionais ainda no discutem os fatores geradores da
violncia domstica como produtos de uma sociedade capitalista e geradora da violncia.
Essa uma questo que ainda necessita de elementos tericos e prticos, alm da
discusso ampliada.
Os motivos que impedem os profissionais de notificar merecem ser debatidos e
compreendidos. A notificao no simples de ser realizada; existem medos, dvidas e
complexidades que necessitam ser entendidos.
O assistente social trabalha com os sujeitos, com a famlia, com a comunidade,
com as mltiplas expresses da questo social. A violncia contra crianas e
adolescentes um espao que necessita urgentemente de profissionais comprometidos
com a construo de uma nova ordem social e que preconize aes prioritrias de
preveno.
Os Assistentes Sociais, que trabalham com as diversidades e com os mais
variados fenmenos sociais, precisam assumir uma postura ousada e de envolvimento
especialmente com este problema, lembrando que a tcnica fundamental, mas a
emoo e o afeto devem caminhar e juntos na mesma proporo para condutas mais
humanizadas.
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