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CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS EM CAPITAIS AMAZÔNICAS: BOA VISTA, BELÉM, MACAPÁ E MANAUS CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS EM CAPITAIS AMAZÔNICAS: BOA VISTA, BELÉM, MACAPÁ E MANAUS O Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (COHRE) é uma organização não governamental internacional e independente de direitos humanos, estabelecida em 1994, comprometida em assegurar o pleno gozo dos direitos econômicos , sociais e culturais para todos, em todos os lugares, com um foco particular no direito à moradia adequada. Os objetivos principais do COHRE são: a) promover a plena adesão às leis de direitos humanos internacionais por todos os governos e o gozo dos direitos humanos a todas as pessoas; b) assegurar o pleno gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais para todos em todos os lugares, em particular o direito humano à moradia adequada; c) combater e previnir a ocorrência de despejos forçados; d) proteger os direitos à moradia e os direitos humanos das comunidades vulneráveis, em desvantagem ou ameaçadas; e) fomentar a tolerância, a justiça social, a igualdade e o respeito mútuo; f) reforçar a educação popular e a conscientização quanto aos direitos humanos internacionais e ao papel que as comunidades podem exercer para sua promoção e proteção. A presente publicação é resultado de um processo de discussão e análise sobre o tema dos conflitos urbano- ambientais realizado pelo Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (COHRE) em quatro capitais de Estados da Amazônia – Macapá, Belém, Boa Vista e Manaus – que envolveu organizações e movimentos sociais locais, governos dos municípios e Estados, universidade, organizações não-governamentais e consultores no período de Outubro de 2005 a Novembro de 2006. No centro do debate estiveram as estratégias adotadas pelos governos municipais e sociedade civil, traduzidas em políticas públicas e instrumentos, para solucionar os conflitos decorrentes do uso e ocupação de áreas ambientalmente protegidas, para fins de moradia, por população pobre. COHRE Secretaría Internacional 83 Rua de Montbrillant, 1202 Genebra, Suiça Tel: + 41.22.734.1028 Fax: + 41.22.733.8336 E-mail: [email protected] COHRE Programa das Américas Demétrio Ribeiro, 990/202, Porto Alegre, Brasil Tel: + 55.51.3212.1904 Fax: + 55.51.3212.1904 Cel: +55.51.8179.5235 E-mail: [email protected]

CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS EM CAPITAIS … · 1 O Projeto de Lei n. 3057/2000, que institui a Lei de Responsabilidade Territorial, busca prover os municípios de capacidade plena

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CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS EM CAPITAIS AMAZÔNICAS:

BOA VISTA, BELÉM, MACAPÁ E MANAUS

CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS EM CAPITAIS AMAZÔNICAS:

BOA VISTA, BELÉM, MACAPÁ E MANAUS

O Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (COHRE) é uma organização não governamental internacional e independente de direitos humanos, estabelecida em 1994, comprometida em assegurar o pleno gozo dos direitos econômicos , sociais e culturais para todos, em todos os lugares, com um foco particular no direito à moradia adequada.

Os objetivos principais do COHRE são: a) promover a plena adesão às leis de direitos humanos internacionais por todos os governos e o gozo dos direitos humanos a todas as pessoas; b) assegurar o pleno gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais para todos em todos os lugares, em particular o direito humano à moradia adequada; c) combater e previnir a ocorrência de despejos forçados; d) proteger os direitos à moradia e os direitos humanos das comunidades vulneráveis, em desvantagem ou ameaçadas; e) fomentar a tolerância, a justiça social, a igualdade e o respeito mútuo; f) reforçar a educação popular e a conscientização quanto aos direitos humanos internacionais e ao papel que as comunidades podem exercer para sua promoção e proteção.

A presente publicação é resultado de um processo de discussão e análise sobre o tema dos conflitos urbano-ambientais realizado pelo Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (COHRE) em quatro capitais de Estados da Amazônia – Macapá, Belém, Boa Vista e Manaus – que envolveu organizações e movimentos sociais locais, governos dos municípios e Estados, universidade, organizações não-governamentais e consultores no período de Outubro de 2005 a Novembro de 2006. No centro do debate estiveram as estratégias adotadas pelos governos municipais e sociedade civil, traduzidas em políticas públicas e instrumentos, para solucionar os conflitos decorrentes do uso e ocupação de áreas ambientalmente protegidas, para fins de moradia, por população pobre.

COHRE Secretaría Internacional83 Rua de Montbrillant, 1202 Genebra, SuiçaTel: + 41.22.734.1028 Fax: + 41.22.733.8336E-mail: [email protected]

COHRE Programa das AméricasDemétrio Ribeiro, 990/202, Porto Alegre, BrasilTel: + 55.51.3212.1904 Fax: + 55.51.3212.1904Cel: +55.51.8179.5235E-mail: [email protected]

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CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS EM CAPITAIS AMAZÔNICAS:

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Centro pelo Directo à Moradia contraDespejos (COHRE)Secretaria Internacional83 Rue de Montbrillant1202 GinebraSUIÇAtel.: +41.22.734.1028fax: +41.22.733.8336email: [email protected]ágina web: www.cohre.org

Programa de Restituição de Moradiae Propriedade83 Rue de Montbrillant1202 GinebraSUIZAtel.: +41.22.734.1028fax: +41.22.733.8336email: [email protected]

Programa sobre Mulheres e DireitoÀ MoradiaPO Box A 497 LAAccraGHANAtel.: +233.21.238821fax: +233.21.231688email: [email protected]

Programa de Litigio DESC8 N. 2nd Avenue EastSuite 208Duluth, MN 55802EUAtel./fax: +1.218.7331370email: [email protected]

Programa de Direito à Água83 Rue de Montbrillant1202 GinebraSUIZAtel.: +41.22.733.1126fax: +41.22.733.8336email: [email protected]

Programa Global contra DespejosForçadosPostNet Suite 247Private Bag X91183200 PietermaritzburgSOUTH AFRICAtel.: +27.33.3423437e-mail: [email protected]

Programa das AméricasSede BrasilRua Demétrio Ribeiro 990/conj 20290010-313 Porto Alegre, RSBRASILtel./fax: +55.51.3212.1904e-mail: [email protected]

Escritório nos EUASuite 208 Temple Building8 N. 2nd Avenue EastDuluth, MN 55802EUAtel./fax: +1.218.733.1370email: [email protected]: [email protected]

© Copyright 2006Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (COHRE) - Todos os direitos reservados.Conflitos Urbano-Ambientais em Capitais Amazônicas: Boa Vista, Belém, Macapá e Manaus

(ISBN - 13) 978-92 9500437-5O Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (COHRE) está registrado na Holanda, Estados Unidos, Austrália, SriLanka e no Brasil como uma organização sem fins lucrativos.Pesquisa e edição: Jacqueline Menegassi e Leticia Marques Osório. Consultoria local: Socorro Pena. Apoio: Embaixada da Holandano Brasil

Desenho Grafico: Karla MorosoRevisão: Sinara SandriImpressão: Gráfica CalabriaFotos: COHRE2006Programa COHRE Américas

Apoio: Embaixada da Holanda no Brasil

Programa da Ásia e Pacífico(Dirección Postal) PO Box 1160,Collingwood, VIC 3066124 Napier Street,Fitzroy, VIC 3065AUSTRALIAtel.: +61.3.9417.7505fax: +61.3.9416.2746email: [email protected]

Programa da ÁfricaPO Box A 497 LAAccraGHANAtel.: +233.21.238821fax: +233.21.231688email: [email protected]

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO I

1. RELEVÂNCIA DO TEMA E OBJETIVOS

2. ASPECTOS METODOLÓGICOS2.1. Metodologia proposta e o processo realizado em cada município

3. CARACTERIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS PESQUISADOS

CAPÍTULO II

4. O TERRITÓRIO E A CONFORMAÇÃO DOS CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS4.1. Belém4.2. Manaus4.3. Macapá4.4. Boa Vista

5. A ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOSURBANO-AMBIENTAIS5.1.Belém5.2. Manaus5.3. Macapá5.4. Boa Vista

6. PLANOS DIRETORES E ASPECTOS URBANO-AMBIENTAIS6.1.Belém6.2. Manaus6.3. Macapá6.4. Boa Vista

CAPÍTULO III

7. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 O Projeto de Lei n. 3057/2000, que institui a Lei de Responsabilidade Territorial, busca prover os municípios de capacidadeplena para gerir a integralidade de seus territórios, nos aspectos urbanísticos, ambientais, sociais, econômicos, habitacionais,registrais e contratuais relativos ao uso e à ocupação do solo. O PL encontra-se atualmente sob a análise de uma ComissãoEspecial mista, na Câmara Federal, composta por Deputados(as) representantes das Comissões de Desenvolvimento Urbano,Comissão de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor e Comissão de Constituição e Justiça.

APRESENTAÇÃO

A presente publicação é resultado de um processo de discussão e análise sobre o tema dos conflitosurbano-ambientais realizado pelo Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (COHRE) em quatrocapitais de Estados da Amazônia – Macapá, Belém, Boa Vista e Manaus – que envolveu organizações emovimentos sociais locais, governos dos municípios e Estados, universidade, organizações não-governamentais e consultores no período de Outubro de 2005 a Novembro de 2006. No centro dodebate estiveram as estratégias adotadas pelos governos municipais e sociedade civil, traduzidas empolíticas públicas e instrumentos, para solucionar os conflitos decorrentes do uso e ocupação de áreasambientalmente protegidas, para fins de moradia, por população pobre. O momento escolhido para essedebate relacionou-se ao período em que os Planos diretores municipais estavam sendo elaborados ourevisados para que fosse possível não apenas verificar como esses conflitos estavam sendo abordadosno âmbito da legislação municipal de cunho urbano-habitacional, mas também contribuir com propostaspara sua solução. Também é o momento em que Lei Federal do Parcelamento do Solo (n. 6766/79) estásendo profundamente revisada com o propósito articular e integrar as intervenções urbano-ambientais eregular a ação dos agentes públicos e privados nos processos de parcelamento e regularização do solourbano.1 A análise das atuação dos poderes públicos municipais e dos conteúdos dos planos diretoresutilizaram como referenciais teóricos o Estatuto da Cidade, as resoluções do Conselho Nacional dasCidades (ConCidades) sobre planos diretores, o projeto de Lei de Responsabilidade Territorial, a resoluçõesdo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). O referencial para as parecerias de COHREcom ONGs e movimentos sociais locais e regionais para articular e implementar as atividades do projetofoi o movimento pela reforma urbana, articulado nacionalmente no âmbito do Fórum Nacional da

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2 Estas entidades organizaram as quatro oficinas de capacitação e síntese, detalhadas nesse relatório no âmbito da metodologia,nas Capitais analisadas, e participaram dos debates relativos ao tema dessa publicação.

Reforma Urbana e regionalmente no âmbito do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) envolvendo osEstados do Maranhão, Amapá, Tocantins e Pará) e do recém criado Fórum da Amazônia Ocidental(FAOC), formado pelos Estados do Acre, Roraima, Rondônia e Amazonas.

O projeto que deu suporte para a presente publicação, denominado “Moradia e Meio Ambiente: políticaspúblicas e instrumentos legais para a solução de conflitos urbano-ambientais” foi coordenado pelo Centropelo Direito à Moradia contra Despejos (COHRE), com o apoio da Embaixada da Holanda no Brasil ecom a colaboração da FASE/PA (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional), emBelém, da Cáritas Arquidiocese de Manaus, do Fórum Popular em Defesa da Cidade, de Roraima, e doConselho de Associações de Moradores do Estado do Amapá (COAM).2

Além do caráter exploratório da investigação, o projeto teve como propósito promover a interação efortalecimento de grupos, movimentos e redes locais que articulam os temas da reforma urbana, da habitaçãopopular e da participação no processo de revisão dos planos diretores. Também buscou o diálogo comtécnicos, servidores públicos e pesquisadores envolvidos em processos de regularização fundiária esaneamento ambiental e identificar os instrumentos legais, as políticas e os programas municipais sendoutilizados/ aplicados para promover o direito à moradia da população vivendo em assentamentos informais.O estudo identifica limites e potencialidades dessas políticas e dos instrumentos legais e formularecomendações para os municípios e sociedade civil, com base no processo de elaboração/revisão dosplanos diretores nessas Capitais.

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Capitulo iCapitulo i

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1. RELEVÂNCIA DO TEMA E OBJETIVOS

No presente estudo, dois são os temas abordados, o direito à moradia edireito ao meio ambiente. A perspectiva de análise é a expressão dessesdireitos no território urbano de cidades amazônicas, a forma como sãoprotegidos e promovidos por meio de instrumentos legais e políticaspúblicas. O foco do debate é o conflito produzido no momento em queinstrumentos legais de mesma hierarquia e políticas públicas de igualrelevância, de cunho ambiental e urbanístico, são aplicados de formacontroversa nos municípios, gerando efeitos negativos no bem estar dapopulação, no crescimento urbano, no mercado de terras e na preservaçãodos recursos naturais. As ocupações e assentamentos informais precários éum exemplo de resultado da ineficiente e desarticulada gestão urbano-ambiental realizada no Brasil, que tolera a até incentiva a presença de vaziosurbanos em áreas centrais e dotadas de infra-estrutura, ao passo que opoder público é obrigado a construir habitação popular nas periferias e apopulação é forçada a ocupar áreas impróprias. De acordo com o Ministériodas Cidades (2006), no Brasil há um total de cerca de 5 milhões de imóveisdesocupados, ao passo que o déficit habitacional nacional alcança os 7milhões de unidades habitacionais, urbanas e rurais. A concentração deterras é alarmante nesse país, uma das maiores do mundo, ao passo que nopaís a maioria das normas internacionais de direitos humanos tem statusconstitucional e onde existem diversos instrumentos legais de reformaurbana e agrária quer deveriam estar sendo aplicados.3

Entretanto, interesses de grupos econômicos com poder político e setoresda burguesia, que conservam uma visão patrimonialista e absoluta do direitode propriedade e defendem o desenvolvimento econômico com base noagro-negócio, na produção extensiva e de monoculturas, com apropriaçãoinsustentável dos recursos naturais e apropriação ilegal de culturas, têmdado suporte ao latifúndio e a especulação imobiliária. A tecnocracia temsido a escola que vinha orientando o trabalho de muitos técnicosplanejadores, urbanistas, ambientalistas e gestores municipais, vinculadosainda a uma visão centralizadora, empresarial e antidemocrática doplanejamento urbano. Ainda que o Estatuto da Cidade4 tenha estabelecido

3 Os movimentos sociais do campo têm demandado um aumento da desapropriação de terras improdutivas ou que causemdanos ao meio ambiente para fins de reforma agrária. O atual governo federal, apesar de ter aumentado o número médio defamílias assentadas – de 65.548 famílias assentadas mensalmente no período 1995-2003 para 81.430 famílias/mês no período2003-2005 – diminuiu o numero de desapropriações para fins de reforma agrária. Somente 25% das famílias foram assentadasem terras desapropriadas, sendo que as demais foram colocadas em assentamentos já existentes ou naqueles implantados emterras públicas. A falta de políticas agrícolas que fortaleçam a produção familiar expulsa as famílias do campo, cujas terras vêma ser destinadas a outros grupos que aguardam o assentamento. Essa forma de implementar a reforma agrária não contribuipara reverter o incremento da concentração de terras em mãos de poucos proprietários, o que resulta me mais conflitosfundiários.4 Lei Federal do Desenvolvimento Urbano, que regulamenta o art. 182 e 183 da Constituição Federal. De acordo com Prestes(2006) essa Lei criou um sistema de normas e institutos que têm em seu cerne a ordem urbanística, fazendo nascer um direitourbano-ambiental, dotado de institutos e características peculiares, enraizado no texto constitucional, que possibilita a construçãode um conceito de cidade sustentável, com suas contradições, dicotomias, perplexidades, antagonismos e pluralidade.

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um novo marco legal e institucional, em que os municípios tem papel centralna política de desenvolvimento e gestão urbanas e a participação popularna formulação de planos diretores e na gestão de recursos públicos éobrigatória, ainda há muito que fazer para superar a cultura tecnocrática eelitista que ainda orienta a aplicação de instrumentos e políticas públicas.

Os estudos sobre mercado informal de terras têm determinado o caráterda estrutura de propriedade, apontando que em diversos países da AméricaLatina este mercado foi desenvolvido pelos proprietários privados, comomeio de gerar lucro pela não aplicação dos requisitos urbanísticos aosempreendimentos. A falta de acesso a uma moradia digna pelas populaçõespobres está associada ao padrão de urbanização e desenvolvimento dascidades, cujo crescimento, desordenado e excludente, intensificou-se a partirda metade do século XX, impulsionado pelo processo migratório do campopelo início da industrialização. O surgimento e o desenvolvimento dosassentamentos informais se devem a uma série de causas de naturezasdistintas, mas que se relacionam diretamente com o problema dadesigualdade social, econômica, política e ambiental. Dentre as causasmacroeconômicas encontram-se os altos níveis de desemprego, os baixossalários dos trabalhadores urbanos e o aumento da pobreza. Sem poderaquisitivo e sem auxílio estatal, a população carente passa a residir emassentamentos informais. Por outro lado, as políticas de ajustemacroeconômico introduzidas pelas instituições financeiras internacionaise as barreiras comerciais impostas à exportação de produtos de países emdesenvolvimento para os desenvolvidos, têm implicado na retração e naregressividade da ação estatal na implementação de políticas sociais.5 AsLeis urbanas reguladoras do uso e ocupação do solo nas cidades, aprovadaspor municípios para fazer frente à urbanização crescente, tais como osplanos diretores, os códigos de obras, as regras de parcelamento do solo,edificações zoneamento, em sua maioria estabeleceram padrões ideais decidade que geraram diferenciais no preço das terras regulamentadas e bemlocalizadas em relação àquelas das periferias, sem regulamentação. Essediferencial no preço da terra segregou e excluiu territorialmente grandeparte da população que não tinha condições de pagar por um terrenourbanizado e bem localizado. As Leis urbanas tinham a utopia de dirigirordenadamente a ocupação do solo, com regras universais e genéricas,separando e hierarquizando usos, tipologias e padrões. Mas não só aslegislações urbanas produziram a exclusão e a segregação do acesso à terraurbanizada pelas populações pobres e o incremento da irregularidade. ALei civil, cujo conteúdo dirige-se à proteção da propriedade privadaindividual, tem sido o instrumento aplicado pelo Poder Judiciário nosjulgamentos dos processos que tratam de conflitos fundiários, geralmente

5 Os financiamentos imobiliários também não impulsionaram a democratização do acesso à terra, pois os créditos privilegiaramas classes médias e altas. Já as moradias públicas, produzidas pelos governos para a população pobre, eram de má-qualidade,inacessíveis economicamente, mal providas de serviços e infra-estrutura, e geralmente construídas nas periferias das grandescidades. A extensão das redes de infra-estrutura pelos poderes públicos em direção a esses locais distantes acabou valorizandoas áreas vazias localizadas neste trajeto, beneficiando as atividades especulativas e penalizando moradores de periferias econtribuintes que, ao final, pagam por estas obras.

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coletivos e envolvendo movimentos sociais que demandam terra e moradia.O Código Civil, que tradicionalmente opõem posse à propriedade, têmsido interpretados e aplicados pelo Judiciário de forma a privilegiar apropriedade em detrimento da posse quando no conflito há concorrênciae oposição entre elas.6

Do ponto de vista da gestão das cidades, nos aspectos urbano e ambiental,um dos grandes desafios para os gestores públicos é superar as análises esoluções fragmentadas para os diferentes impactos negativos que resultamdas ocupações informais precárias. De um lado, as normas de proteçãoambiental que têm sido colocadas como um impeditivo legal àimplementação de instrumentos de garantia do direito à moradia, como aConcessão Especial para fins de Moradia e o usucapião constitucionalurbano.7 De outro, as propostas para reconhecer, regularizar e recuperaressas áreas ocorrem sem o componente ambiental, ou seja, não apontam aefetiva melhoria da qualidade ambiental dos assentamentos informaisprecários. Conforme Prestes (2006), a abordagem dos conflitos urbano-ambientais no uso e ocupação do solo nas cidades devem levar em contaque: “a) historicamente as cidades não destinaram áreas para a populaçãode baixa renda, seja por falta de previsão, seja pela falta de um mercado queatendesse essa faixa de renda; b) as áreas de preservação ambiental vieramsendo ocupadas com a conivência dos poderes públicos; c) muitos locais jáestavam ocupados antes de se tornarem legalmente Áreas de PreservaçãoPermanente (APPs); d) a ineficácia das normas ambientais contribui parao descontrole atual que leva milhões de brasileiros a morar na ilegalidade,colocando em contraposição o direito à moradia com o direito ao meioambiente equilibrado, como se fossem antagônicos e não interdependentes.”

No que se refere à proteção legal do direito à moradia e do direito ao meioambiente, a Constituição Federal (CF) admite a proteção constitucionalaos direitos reconhecidos através dos tratados internacionais e a prevalênciados direitos humanos como um dos princípios que devem reger as relaçõesinternacionais (art. 4º, II). As normas definidoras dos direitos e garantiasfundamentais têm aplicação imediata nos termos do Parágrafo 1º do artigo5º da CF. O direito à vida, o direito à saúde, à moradia e ao meio ambientesadio são fundamentos das normas internacionais de direitos humanos

7 Um dos argumentos seria a indisponibilidade das terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,necessárias à proteção dos ecossistemas naturais (art. 225 da Constituição Federal); outro seria a necessidade de haver Leifederal para regulamentar a aplicação de instrumentos como a Concessão Especial para fins de Moradia em áreas de propriedadeda União.

6 O art. 1.228 do CC estabelece que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la dopoder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Nos artigos seguintes restam estabelecidas as demais regras querelativizam o direito de propriedade com relação ao cumprimento de sua função social, econômica e ambiental. A legislaçãobrasileira também criminaliza a ocupação de terras e de propriedades, nos termos do art. 161 do Código Penal, sem dialogarcom os dispositivos constitucionais que determinam que a propriedade cumpra uma função social e que reconhece o direitosocial à moradia.

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13Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

assegurados por diversas declarações, convenções e pactos em que o Brasilé Estado parte.8

A interdependência entre direito à vida, o direito à saúde, o direito à moradiae o direito ao meio ambiente, significa que somente se esses direitos foremgarantidos, o direito à vida estará sendo respeitado. Como o direito aomeio ambiente sadio é corolário do direito à vida, o atendimento dasnecessidades básicas das pessoas residentes em assentamentos informaisprecários, de modo a assegurar padrões mínimos de vida, saúde e moradia,é uma medida que está voltada a assegurar o direito a um meio ambientesadio da coletividade. O atendimento às necessidades da população afetadapor conflitos urbano-ambientais, no sentido de terem acesso aos serviçosbásicos e à segurança jurídica da posse, configura-se numa obrigação dopoder público que, ao adotar essa medida, estará simultaneamente atendendoo direito à vida, o direito à saúde, o direito ao meio ambiente sadio, bemcomo o direito à moradia, todos inerentes à pessoa humana.

Por outro lado, a cidadania e a dignidade da pessoa humana comofundamento do Estado Brasileiro (art. 1º, II e III da CF) são preceitosconstitucionais que devem nortear as políticas públicas voltadas a concretizaros direitos da pessoa humana e, por serem normas dirigentes, sãocondicionantes às demais normas relacionadas com as políticas públicas,incluindo nessa ordem a política habitacional e de saneamento. Assim, anoção de cidadania “deve ser fixada com base na abrangência dos direitosde cada segmento social, não podendo ser estática, pois cada momentohistórico terá um significado. Sem dúvida neste final de século o meioambiente sadio e ecologicamente equilibrado é componente da cidadania,da mesma forma que o atendimento das necessidades básicas das presentese futuras gerações é componente do meio ambiente” (Nélson Saule Jr.1999).

A Emenda Constitucional n. 26 reconheceu o direito à moradia como umdos direitos e garantias fundamentais do cidadão, elevando-o à categoriados direitos que devem ser exercidos para o alcance da liberdade, daigualdade, da segurança e da propriedade e do próprio direito à vida (art. 5ºda CF). E a CF, ao reconhecer a existência de desigualdades sociais, conferiuao Estado Brasileiro a tarefa de redução destas desigualdades (art. 3º), atravésda adoção de políticas públicas que possam conferir um tratamentodiferenciado em razão da situação social de um grupo de cidadãos, isto é,em razão do interesse social. Essa compreensão emana do significado doprincípio da igualdade disposto no art. 5º da CF, em que toda a pessoahumana deve ter o mesmo tratamento e o mesmo direito de acesso aos

8 Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento de 1986, Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de1966, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, ConvençãoInternacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação da Mulher de 1979, Convenção sobre os Direitos daCriança de 1989, Convenção Americana dos Direitos Humanos de 1969, Declaração sobre Assentamentos Humanos deVancouver de 1976, Agenda 21 de 1992, Agenda Habitat de 1996.

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14 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

serviços prestados. Com base no princípio da igualdade toda pessoa nãopode sofrer discriminação seja por Lei ou pela ação do Estado, que acarreterestrições ou impeça a satisfação de suas necessidades básicas, pois estariacontrariando um dos fundamentos do Estado Brasileiro que é a dignidadeda pessoa humana.

O equilíbrio entre o direito ao meio ambiente e o direito à moradia deveser alcançado com o princípio da função social da propriedade. E a opçãopela regularização e urbanização para atender o princípio da função socialda propriedade encontra fundamento no próprio artigo 182 da CF, quereza que a propriedade urbana está condicionada a política urbana, executadapelo Poder Público, cujo objetivo é ordenar o desenvolvimento das funçõessociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. O plenodesenvolvimento das funções sociais da cidade significa a obrigação doPoder Público de garantir acesso a todos os que vivem na cidade à moradia,aos equipamentos e serviços urbanos, à saúde, educação, cultura, etc. Enfim,aos direitos urbanos que são inerentes às condições de vida digna na cidade.A CF define um conjunto de políticas públicas necessárias para assegurarque os direitos econômicos, sociais e culturais sejam respeitados. Essaspolíticas, que não se resumem a medidas de ordem econômica, englobamtodas as atuações estatais no campo das políticas sociais. A competênciapara cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e melhorar as condiçõeshabitacionais e do saneamento básico é considerada comum entre a União,Estados e Municípios (art. 23, II, VI e IX da CF). A necessidade depreservação de áreas de interesse ambiental, como praças, Parques Estaduais,Encostas, Jardins Botânicos, mananciais, dentre outros, tem sempresuscitado uma grande litigiosidade, onde estão presentes os interesses dascomunidades que estão na posse de áreas consideradas de proteçãoambiental, utilizando-as para fins de moradias, e o interesse de toda acoletividade de manter a preservação das áreas. Não se pode simplesmenteafirmar que o direito que deve prevalecer é o interesse difuso da coletividadede preservar o meio ambiente, em detrimento do interesse coletivo dascomunidades residentes em assentamentos informais precários de teremsuas necessidades básicas atendidas como moradia e saneamento básico.As pessoas humanas que vivem nas áreas de preservação em razão de boafé ou necessidade social não podem ser privadas de suas necessidades básicas,pois essa privação passa a ser um desrespeito ao direito à vida quefundamenta o direito ao meio ambiente. A forma de eliminar este supostoconflito de interesses é através da conjunção das ações do Poder Públicoem parceria com a coletividade no campo de sua atuação.

A Lei Federal n. 8080/90, que dispõe sobre a política de saúde, estabeleceem seu art. 3º que o saneamento básico é considerado como um dos fatoresdeterminantes e condicionantes da saúde, da mesma forma que moradia, omeio ambiente e o acesso aos bens e serviços essenciais.

No campo da legislação ambiental, os princípios que devem nortear a açãodo Poder Público para a implantação de infra-estrutura básica são

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15Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

estabelecidos na Lei sobre a política nacional do meio ambiente (Lei n.6.938/81). De acordo com o art. 2º, “a política nacional do meio ambientetem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidadeambiental propícia à vida, visando assegurar... à proteção da dignidade davida humana, atendidos os princípios da recuperação de áreas degradadase da proteção das áreas ameaçadas com a degradação”. Por esta norma ficaevidente como nosso ordenamento jurídico incorpora a associação damelhoria e recuperação da qualidade ambiental com a proteção da dignidadeda vida humana.

O conceito de meio ambiente que apenas considera o ambiente natural(água, ar, solo, fauna e flora), e a gestão ambiental que se restringe àdelimitação e proteção de áreas verdes e parques e plantio de árvores nascidades restringe a análise dos problemas decorrentes do processo deurbanização. De acordo com Prestes (2006), os assentamentos informais,por exemplo, sempre foram problemas dos setores responsáveis porhabitação popular, não obstante produzirem esgoto a céu aberto, queimaremlixo e estarem situados em áreas de preservação ambiental.

A regularização e a urbanização dos assentamentos informais precários épauta da agenda das organizações mundiais de direitos humanos e degovernos nacionais, assim como a proteção e a defesa do meio ambiente.Para superar a falsa dicotomia existente entre ambos direitos e assegurarque à população que vive nos assentamentos informais precários sejamgarantidos os direitos à moradia e ao meio ambiente sadio, é fundamentalimpor uma concepção pró-ativa ao direito ambiental, de forma a considerara prevenção dos problemas e buscar soluções sustentáveis, justas edemocráticas.

2. ASPECTOS METODOLÓGICOS

2.1. Metodologia proposta e avaliação do processo realizado nos municípios

Com vista a alcançar o objetivo proposto pela pesquisa - contribuir para osprocessos de elaboração e revisão dos planos diretores no que se refere àsolução dos conflitos urbano-ambientais - foi estabelecido como princípiometodológico promover a qualificação da intervenção dos atores envolvidoscom o tema, através do aprendizado coletivo e da troca de conteúdosadquiridos com a própria pesquisa. Assim, os resultados pretendidos seriam,além da sistematização do processo realizado e de um conjunto derecomendações (diretrizes a serem observadas quando da elaboração /revisão dos planos diretores), também o de promover o empoderamentodos atores locais no que se refere às ações e instrumentos legais para asolução desses conflitos.

Como premissa de trabalho, foi estabelecida a adoção de ferramentasmetodológicas que contribuíssem para a qualificação da intervenção dos

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16 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

atores locais no processo de elaboração e revisão dos planos diretores e nassituações de conflito urbano-ambiental. Na verdade, se busca conhecer,avaliar, apreender, qualificar e instruir processos e agentes. Define-se, destaforma, uma estratégia metodológica processual e participativa. Processualna medida em que se realiza em etapas consecutivas e interdependentesdesdobradas em atividades que alimentam atividades subseqüentesconfigurando um tratamento sistêmico das informações. Participativaporque se desenvolve a partir da proposta de interação com uma rede deagentes constituída por COHRE, de movimentos sociais, universidades ede organizações não-governamentais (ONGs) locais, além do universo deentrevistados.

A pesquisa é desenvolvida a partir de três campos principais de interesse.O primeiro busca reconhecer e avaliar as políticas, programas e projetosimplementados pelas administrações municipais e sociedade civil; o segundoanalisa o arcabouço jurídico-institucional dos municípios relacionados coma matéria, em especial o Plano Diretor; e o terceiro implementa as atividadesde capacitação.

Quanto aos procedimentos, foram determinados por quatro etapasprocessuais ou momentos de desenvolvimento dos trabalhos:reconhecimento da realidade a partir de informações já existentes –diagnóstico inicial; aprofundamento deste diagnóstico através deprocedimentos de pesquisa – questionários e entrevistas; implementaçãodas atividades de capacitação (oficinas) onde são identificadas e apontadasas recomendações. A estas três etapas, denominamos atividades base, meioe fim, como representadas no gráfico seguinte. A quarta etapa faz o registrodo processo e resulta como produto final de divulgação.

Os instrumentos utilizados nas etapas referidas foram: (i) os questionáriospara o levantamento de dados sobre política habitacional, gestão e legislaçãourbana ambiental; projetos e ações governamentais e não governamentaisexistentes; (ii) entrevistas dirigidas para complementação das informaçõesdos questionários e levantamento das questões territoriais; (iii) oficinas decapacitação e síntese9 – instância de consolidação do diagnóstico realizado,de formação e acesso ao novo marco jurídico urbanístico e do direito àmoradia e espaço de debate e reflexão sobre Plano Diretor. A oficina deveriase constituir enquanto principal processo para o empoderamento eresponsabilização social, finalidade primeira do projeto.

COHRE, por meio de um consultor local, elaborou um diagnósticopreliminar que buscou identificar as principais intervenções realizadas nassituações de conflito, e as instituições, movimentos e organizaçõesenvolvidas com o tema. Numa primeira visita às cidades pesquisadas, foramdistribuídos os questionários às organizações locais parceiras na realização

9 No mês de Abril de 2006 foram foi realizada uma oficina de capacitação e síntese em cada uma das quatro capitais analisadas,totalizando cerca de 150 participantes, representantes dos diversos segmentos e setores descritos na metodologia.

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17Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

10 As entrevistas foram realizadas junto a representantes dos seguintes órgãos públicos e entidades da sociedade civil: a)Manaus: Serviço de Ação Social, Reflexão e Estudos Sociais (SARES), Sr. Ednei Barroso Salvador; Secretaria de Estado ePolítica Fundiária (SPF)), Secretário Sr. George Tasso Calado; Cáritas – Arquidiocese de Manaus, Dulce, Ribamar e IrmãIriete Lorenzzetti (Coordenadora); Instituto Municipal de Planejamento Urbano (IMPLURB), Diretor-Geral de Planejamento,Sr. Claudemir Andrade; Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), Secretária Sra. Luciana Valente; Unidade de Gestãodo Programa de Saneamento de Igarapés (UGPI/PROSAMIN), Gerente de Estudos e Projetos Sociais, Sra. Bárbara Araújodos Santos; b) Macapá: Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Secretário: Sr. Manoel Barcelar; Empresa Municipal deUrbanização (URBAN), Presidente Sra. Rachirder Elias Aires Lima e Assessor Carlos Henrique da Silva Néri; Secretaria doPlanejamento (SEPLAN), Secretário Municipal: Dr. Alfredo Ramalho; Conselho Nacional das Associações de Moradores

O processo realizado procurou atender à metodologia proposta; contudohouve dificuldades para obter e acessar informações. Não foi possívelidentificar logo de início, as instituições e organizações não governamentaisenvolvidas com o tema para a distribuição dos questionários. De modogeral, a distribuição restringiu-se às prefeituras locais e às ONGs ouinstituições parceiras. O retorno dos questionários preenchidos tambémfoi considerado insuficiente. Somente na etapa das entrevistas, asinformações foram sendo obtidas e os atores mobilizados. É importanteregistrar que o processo obteve níveis diferenciados de participação e deinformação em cada cidade. Em relação às prefeituras e demais instituiçõespúblicas, foram realizadas entrevistas esclarecedoras com os principaissetores envolvidos com a gestão urbano-ambiental e habitacional: Secretariase/ou Fundações Municipais ou Estaduais de Planejamento; do MeioAmbiente; e da Habitação; Gabinete do Prefeito; Gerências da Secretariado Patrimônio da União; Universidades; ONGs; movimentos e entidadesda sociedade civil.10 A prefeitura de Boa Vista foi exceção – as dificuldades

das oficinas de capacitação. Os questionários teriam um duplo papel: levantarinformações e capacitar os agentes identificados para os temas dos direitoshumanos econômicos, sociais, culturais e ambientais, e os instrumentos doEstatuto da Cidade e PL de Responsabilidade Territorial, consideradosessenciais na qualificação da intervenção pública e social.

Projeto

Contribuir naelaboração/revisão dos

Planos Diretorese solução de

conflitosurbanos-

ambientais queafetam o direito

à moradia

Auxiliar nodebate

Contribuir para oempoderamentodos atores locais

Objetivos doprojeto

Produtos

Diagnóstico erecomendações

- Avaliação dapolítica- Avaliação da gestãourbana-ambiental elegislação- Avalaiação dasações da sociedadecivil

AtividadeBase

Conhecimento dasituação existente

Crescimento ecaracterísticas damoradia informal

Caracterização dosconflitos urbanos-ambientais

Intervençõesrealizadas noâmbitoinstitucional esocial

Perfil institucionale ordenamentolegal

Atividades MeioDesenvolvimento Processual e Participativo

Envolvimento deatores locais

Levantamento dasinformações

Complementaçãodas informações

Parceiros: Coleta de dados

ONG parceira narealização das

oficinas

Aplicação dosquestionários

Instituições aserem

pesquisadas

Sistematizaçõesdas informações

Entrevistas eabordagemterritorial

AtividadeFim

Descrição dosagentes locais

Oficina:

Sínteseavaliativa

Capacitação:instrumentos

legais

Recomendações

Processo Metodológico

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18 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

(CONAM), Sra. Aldenora Gonzáles; c) Boa Vista: Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APIRR), Presidente, Sr.Teomar Mota; Prefeitura Municipal de Boa Vista, Secretarias de Gestão Ambiental e Assuntos Indígenas (Secretária Sra.Surita de Motta Macedo); Gestão Participativa e Cidadania (Secretária Sra. Iraci Oliveira Cunha); Comunicação (Sr. EdgarBorges); Extraordinária de Coordenação do Plano Diretor (Secretário Sr. Francisco Matias); Assessoria Parlamentar e InstitutoBrasiLeiro de Administração Municipal (IBA), Sr. Felipe Lago, em 05 de abril 2006); Gerência do Patrimônio da União(GPU), Gerente Sr. José de Arimatéia da Silva Viana; Fórum Popular de Roraima em Defesa da Cidade – Edno Honorato deBrito e Rosa Maria Rodrigues Barroso; d) Belém: Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, Sra. FranciscaLúcia Porpino Telles, Diretora de Meio Ambiente; Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), Secretário Sr. Paulo Queiroze Diretor Financeiro Sr. Haroldo Bastos; Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão (29/03), Secretário Edílson RamosPereira; Companhia de Desenvolvimento Municipal (CODEM), Sr. César Meira, Diretor de Patrimônio; Movimento Nacionalde Luta pela Moradia (MNLM), Sr. Miguel, Daniel, Alessandra, Elisete e Marcelo; Secretaria Municipal de Meio Ambiente(SEMMA), Setor de Educação Ambiental: Sras. Karla Bngston, Angelita Malcher e Fabiana Palermo; Liderança Comunitáriada Vila da Barca, Sra. Socorro; Núcleo do Plano Diretor (SEGEP), Sra. Alice Rodrigues, Coordenadora da Revisão.

Não se pretendeu realizar um estudo minucioso ou de caráter científicopara o que denominamos pesquisa, mas tão somente iniciar um debatecom os agentes locais a partir de situações concretas possibilitando avaliaras intervenções públicas e sociais, sua eficácia e limites, identificando comoo poder público se instrumentaliza diante do novo marco constitucional edo Estatuto da Cidade. O estudo apresenta um conjunto de informaçõesobtidas por meio de diversos instrumentos (estudos existentes, documentosinstitucionais, questionários, entrevistas e oficinas de capacitação e síntese)e está organizado em torno da seguinte estrutura:- o Capítulo I consiste de uma breve caracterização das cidades pesquisadasquanto à sua localização, população, taxas de crescimento, desenvolvimentoe urbanização;

- o Capítulo II registra os conteúdos levantados, organizados de forma apermitir uma compreensão sintética do quadro local considerando aspectosdo território (ambiente natural, planejamento e gestão urbano-ambiental ecaracterização das situações de conflito), principais intervenções (a estruturada instituição pública envolvida com as situações de conflito e suas formasde intervenção) e aspectos da legislação, com ênfase para a elaboração doPlano Diretor e legislação ambiental;

- o Capítulo III avalia o quadro identificado destacando a ação do poderpúblico e a participação social e analisa os resultados alcançados com otrabalho de capacitação, agregando recomendações para a qualificação dasintervenções nas áreas de conflito urbano-ambiental.

criadas pela instituição para repassar informações e para atender a agendamarcada pelo projeto estão registradas no relato que segue, e igualmente asdificuldades encontradas junto às organizações não governamentais e demobilização social. É importante registrar que a participação nas oficinasde capacitação e síntese se deu em acordo com o grau de estruturação eorganização que o movimento expressou em cada cidade. Macapá e BoaVista apresentaram sérios limites, abordados nesse estudo.

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19Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

3. CARACTERIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS PESQUISADOS –DADOS GERAIS

As quatro cidades amazônicas selecionadas para a pesquisa encontram-seinseridas em uma região que ainda hoje conserva as principais característicasdo seu patrimônio natural, social e cultural, o que lhe confere uma identidadesingular no País e no mundo. Segundo a sub-regionalização realizada peloPlano Amazônia Sustentável (PAS), as cidades de Belém e Macapá estãolocalizadas na denominada meso-região do “Arco de PovoamentoAdensado” e as cidades de Manaus e Boa Vista na meso-região da“Amazônia Ocidental”.

O Arco do Povoamento é onde se concentra, atualmente, o cerne daeconomia regional. É polarizada pela cidade de Belém que se constitui emuma metrópole com cerca de 2,15 milhões de habitantes, centro dominanteaté a região de São Felix do Xingu, onde a influência de Goiânia e Brasíliajá se faz sentir. Belém tende a estender sua ação para o Norte, inclusivepara a Guiana Francesa e o Suriname, através de Macapá. É local da pelapresença das maiores densidades demográficas da Amazônia e um dosmaiores índices de renda per capita e de desenvolvimento humano. Noentanto, é dentro de suas cidades onde se verifica maior desigualdade social,pois os serviços e equipamentos urbanos não são acessíveis a todos e grandesparcelas da população vivem em áreas periféricas e insalubres e exercematividades no setor informal da economia gerando movimentosreivindicatórios de cidadania, sobretudo em Belém. Por ter sido a grandeárea de expansão agropecuária, este arco já recebeu também a denominaçãode “Arco do Fogo”, ou do “Desmatamento”, ou ainda “das TerrasDegradadas”.

A meso-região da Amazônia Ocidental de acordo com o documento deconsulta do PAS compreende vastas extensões que, permanecendo distantesdas grandes rodovias implantadas no passado, são ainda comandadas peloritmo da natureza. Possuindo imensa potencialidade, não só em florestascomo em disponibilidade de águas, a que se somam os recursos minerais.Assim como também grande sócio-diversidade representadas pelaspopulações dos estados do Amazonas, Roraima e boa parte do Acre. Nessameso-região, destacam-se as micro-região de “Manaus e entorno” “Fronteirade Integração”.

Na primeira como o próprio nome diz se encontra inserida a cidade deManaus que é hoje uma metrópole regional, com 1,65 milhões de habitantes,dinamizando o entorno. Tendo sua economia dinamizada, devido aimplantação de empresas industriais do Centro-Sul e a imigração de mão-de-obra do Pólo Industrial de Manaus (PIM). O comando de Manausabrange a maior área de influência da Amazônia, estendendo-se pelosEstados do Amazonas, Roraima, Acre e o Oeste de Rondônia, capturandoespaços antes comandados por Belém. A “Fronteira de Integração”corresponde à porção do Estado de Roraima beneficiada pela rodovia BR-

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20 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Renda per capita Média (R$ de 2000)

Proporção de Pobres (%)

Índice de Gini 11

1991 2000

271,00 313,9

29,2 30,00,60 0,65

Fonte: Atlas de IDH do Brasil

Belém - Indicadores de Renda, Pobreza e Desigualdade, 1991 e 2000

11Mede o grau de desigualdade na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita.

174 que estabeleceu a ligação com a Venezuela e a Guiana e pela energiafornecida pela hidroelétrica de Guri na Venezuela. Na prática essas obrasse caracterizam como projetos de integração continental. Difere, portantodas demais fronteiras políticas da região, mais vulneráveis a interessesconflitantes quanto à soberania. A sua densidade demográfica é baixa e apopulação indígena é bastante organizada, o que não impede a presença defortes conflitos relacionados a demarcação de territórios indígenas. A sub-região tem grande potencial econômico, não só florestal e mineral, comoagrícola, baseado na produção de arroz no cerrado, que nos próximos anosdeverá ser convertida para lavoura de grãos (soja). Seu grande centro urbanoé Boa Vista com aproximadamente 240 mil habitantes.

A cidade de Belém é identificada como a segunda metrópole da regiãoAmazônica a nível populacional com 1.280.614 de habitantes e umaestimativa populacional para 2005 de 1.405.871 habitantes (CensoDemográfico, 2000/IBGE). A cidade de Belém disputa com a cidade deManaus, capital do Estado do Amazonas, o título de capital da AmazôniaBrasileira. A variação da taxa de urbanização no período entre os dois últimoscensos está registrada no gráfico abaixo.

Observa-se que no período entre 1991-2000, Belém teve um acréscimo de26,60% na sua taxa de urbanização passando de 78,48% para 99,35% em2000. Sendo ainda que neste último ano, a população do municípiorepresentava 20,68% da população do Estado, e 0,75% da população doPaís. Neste sentido, detendo-se especificamente no processo migratóriodo Estado do Pará, tem-se que a maioria dos migrantes da cidade de Belémsão oriundos de cidades interioranas do próprio Pará, sendo esta a principalcorrente migratória na Região Norte, a denominada “migração cidade-cidade”, ou seja, da cidade pequena para a cidade grande, principalmentepara as capitais dos estados.

1.200.000

1.000.000

800.000

600.000

400.000

200.000

01991 2000

Urbano

População Total, 1991 e 2000

RuralFonte: Atlas do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil

O Município de Macapá é o mais populoso do Estado, concentra 59,38%da população total. Dados do IBGE (censo/2000) indicaram uma população

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21Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Renda per capita Média (R$ de 2000)

Proporção de Pobres (%)

Índice de Gini 11

1991 2000

233,50 253,70

29,2 35,400,56 0,62

Fonte: Atlas de IDH do Brasil

250.000

200.000

150.000

100.000

50.000

0 1991 2000

Urbano

População Total, 1991 e 2000

RuralFonte: Atlas do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil

No período 1991-2000, a população de Macapá teve uma taxa média decrescimento anual de 6,18%, passando de 168.414 em 1991 para 283.308em 2000. A taxa de urbanização cresceu 14,80, Passando de 83,21% em1991 para 95,52% em 2000. Em 2000, a população do municípiorepresentava 59,39% da população do Estado, e 0,17% da população doPaís. Os indicadores de renda, pobreza e desigualdade estão demonstradosa seguir:

A renda per capita média do município cresceu 8,64%, passando de R$233,51 em 1991 para R$ 253,69 em 2000. A pobreza (medida pela proporçãode pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50, equivalenteà metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000) cresceu 21,39%,passando de 29,2% em 1991 para 35,4% em 2000. A desigualdade cresceu:o Índice de Gini passou de 0,56 em 1991 para 0,62 em 2000.

O Município de Manaus está localizado na Região Norte do Brasil, nocentro geográfico da Amazônia. A superfície total do Município é de11.458,5km2 (Lei Municipal n. 279, de 05 de abril de 1995), equivalendo a0,73% do território do Estado do Amazonas, que abrange 1.577.820,2 km2.

de 283.308 habitantes, sendo que 96% dessa população reside na área urbanacontra 4% na zona rural, o que representa uma taxa de urbanização de95,52%, superior a da região norte e a do estado do Amapá que são 69,8%e 89,01 respectivamente. Apresentou no período de 1996/2000 umcrescimento populacional de 6,36% a.a., considerada a mais alta entre osmunicípios do Estado em valores absolutos, e densidade demográfica de43,08 hab/Km².

O grau de urbanização do Município é considerado alto, não fugindo aregra nacional, e se apresentou de forma crescente em comparação com oano de 1991. Em 2000 95,52% da população viviam na zona urbana contraapenas 4,48% da zona rural, ao passo que em 1991, 83,21% eram urbana e14,30% rural.

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22 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Renda per capita Média (R$ de 2000)

Proporção de Pobres (%)

Índice de Gini 11

Fonte: Atlas de IDH do Brasil

Manaus - Indicadores de Renda, Pobreza e Desigualdade, 1991 e 2000

12Outros fatores concorrem para Manaus ser considerada uma cidade-estado. A grande concentração de indústrias na capitalamazonense, acima de 90%, e demais atividades econômicas, possibilitam-lhe essa condição.

1.400.000

1.000.000

800.000

600.000

400.000

200.000

01991 2000

Urbano

População Total, 1991 e 2000

Rural

Fonte: IDH do Brasil

1.200.000 No período 1991-2000, a população de Manaus cresceu a uma taxa médiaanual de 3,87%, passando de 1.011.501 em 1991 para 1.405.835 em 2000.A taxa de urbanização diminuiu 0,16, passando de 99,51% em 1991 para99,36% em 2000. Em 2000, a população do município representava 49,98%da população do Estado, e 0,83% da população do País. Os indicadores derenda, pobreza e desigualdade para a cidade de Manaus estão registrados aseguir:

Situada aos 3º de latitude sul e 60º de longitude oeste. Manaus está assentadasobre um baixo planalto que se desenvolve na barranca da margem esquerdado rio Negro, na confluência deste com o rio Solimões, onde se forma orio Amazonas. A área urbana de Manaus se estende por 377km2,correspondendo apenas a 3,3% do território municipal.

Dentro da rede de cidades brasileiras, Manaus comparece como o 12º maiorcentro urbano, sendo considerada uma metrópole regional apesar de nãoconstituir uma aglomeração conurbada, como as demais 11 metrópoles.Juntamente com Belém, capital do Estado do Pará, Manaus integra um dossistemas urbanos do centro-norte, cujas regiões de influência podem serclassificadas como “redes emergentes e ainda não consolidadas” (Motta,2001). Segundo dados do Censo 2000, Manaus apresenta uma populaçãototal de 1.403.796 habitantes, com uma concentração de 99,35% na áreaurbana – 1.394.724 habitantes, tendo superado a população da cidade deBelém, que na época somava 1.279.861 habitantes. No ano de 2000, Manauspassou a ter metade da população do Amazonas, assumindo uma posiçãopeculiar na rede de cidades Brasileiras, a de cidade-estado12. Assim, emquarenta anos, a população da cidade teve um incremento populacionalque é oito vezes superior à população que possuía em 1960.

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23Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Renda per capita Média (R$ de 2000)

Proporção de Pobres (%)

Índice de Gini 11

Fonte: Atlas de IDH do Brasil

A renda per capita média do município diminuiu 5,24%, passando de R$276,90 em 1991 para R$ 262,40 em 2000. A pobreza (medida pela proporçãode pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50, equivalenteà metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000) cresceu 49,17%,passando de 23,6% em 1991 para 35,2% em 2000. A desigualdade cresceu:o Índice de Gini passou de 0,57 em 1991 para 0,64 em 2000.

A cidade de Boa Vista está situada sobre os campos naturais da bacia doAlto Rio Branco. Entre os anos de 1950 e 2000, a população do Estado deRoraima saltou de 17.247 habitantes para 324.397 habitantes, umcrescimento populacional superior a 1000%. O crescimento demográficoocorreu à custa de ondas sucessivas de migrações. As mais expressivas sederam nas décadas de 70 e 80 com a descoberta do garimpo e com a entregada estrada Manaus/Boa Vista/Venezuela (BR174). No ano de 2000 apopulação do município chegou a 260.568 habitantes (CENSODEMOGRÁFICO, 2000), tendo uma estimativa populacional de 242.179habitantes em julho de 2005, também segundo o IBGE. Ainda em relaçãoà demografia, observa-se na figura a seguir a variação da taxa de urbanizaçãode Boa Vista no período entre os dois últimos censos.

200.000

150.000

100.000

50.000

0 1991 2000

Urbano

População Total, 1991 e 2000

Rural

Fonte: IDH do Brasil

No período 1991-2000, a população de Boa Vista teve uma taxa média decrescimento anual de 4,35%, passando de 138.687 em 1991 para 200.568em 2000. A taxa de urbanização por sua vez cresceu 25,92, passando de78,04% em 1991 para 98,27% em 2000. Sendo que em 2000, a populaçãodo município representava 61,83% da população do Estado, e 0,12% dapopulação do País. Na tabela abaixo apresentam-se indicadores de renda,pobreza e desigualdade em Boa Vista.

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24 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Belém

Boa Vista

MacapáManaus

Belém

Boa Vista

MacapáManaus

A partir da mesma pode se observa que a renda per capita média domunicípio cresceu 2,74%, passando de R$ 291,50 em 1991 para R$ 299,50em 2000. A pobreza (medida pela proporção de pessoas com rendadomiciliar per capita inferior a R$ 75,50, equivalente à metade do saláriomínimo vigente em agosto de 2000) cresceu 0,4%, passando de 24,4% em1991 para 24,8% em 2000. A desigualdade cresceu: o Índice de Gini, oqual passou de 5,7 em 1991 para 6,7 em 2000. Em 2000, o Índice deDesenvolvimento Humano Municipal de Boa Vista era de 0,731. Segundoa classificação do PNUD, o município está entre as regiões consideradas demédio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8).

Os dados da Fundação João Pinheiro (2005) para o cálculo do déficithabitacional e da situação de inadequação da moradia para os quatromunicípios são os seguintes:

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Capitulo IICapitulo II

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26 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

4. O TERRITÓRIO E A CONFORMAÇÃO DOS CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS

4.1. BELÉM

4.1.1. Sitio e ambiente natural

A cidade de Belém está localizada na embocadura de um braço do delta Amazônico, na baia do Guajará,cercada de ilhas que pertencem à parte insular do município, sendo recortada por vários canais, igarapés erios. O relevo é plano ou levemente ondulado constituído por terra de várzea e terra firme. A topografia,pouco variada, é muito baixa em diversas áreas da cidade e parte significativa da porção continental acha-se em áreas de cota inferior a 4 metros, alagadas permanentemente ou sujeitas à inundações periódicas,espaços tradicionalmente conhecidos pela denominação de baixadas.

A área urbana é toda coberta por uma extensa rede de cursos d’água, entrecortada por rios, canais, furos,igarapés, paranás e lagos. Entre os principais acidentes hidrográficos existentes na parte continentaldestacam-se por sua importância e como elementos configuradores do espaço urbano, as bacias do Una edo Tucunduba, além de Val-de-Cães e do Furo do Maguari.

No que se refere à cobertura vegetal do Município, predominam a floresta secundária e as capoeiras. Avegetação dos mangues e sirubais acompanham as porções fluviais e semilitorâneas do setor estuário,enquanto as florestas ombrófilas são dominantes nas margens dos cursos d’água. As imagens LANDSAT– TM/1996 mostram que cerca de 54,73% da cobertura vegetal original do Município de Belém já estáalterada (Belém, 1999).

Fonte: PEMAS, 2001 Fonte: PEMAS, 2001

Fonte: PEMAS, 2001

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As especificidades do relevo tiveram grande importância no processo de ocupação da cidade na medidaem que as áreas de terra firme foram sendo ocupadas pelas camadas de maior renda, enquanto os trechosalagados do sítio urbano, cujas curvas de nível não ultrapassam a cota quatro e chegam a compor cerca de40% da área mais central e valorizada da cidade (Primeira Légua Patrimonial de Belém)13 foram ocupadas,sobretudo, durante as décadas de 1960 e 1970 pela população pobre. As situações de conflito urbano-ambiental têm, portanto, particular relação com a conformação territorial e com a presença dos vários riose igarapés distribuídos pelo espaço urbano, obstáculos naturais para a ocupação, expansão e urbanizaçãoda cidade. Um exemplo desta situação é o “Igarapé do Piri”que impediu o avanço do traçado urbanoinicial dividindo, por muito tempo, a cidade em dois bairros: um a Leste, o Bairro da Cidade (hoje bairroda Cidade Velha), e outro, ao Norte, o Bairro da Campina (Trindade Jr, 1997).

4.1.2. Evolução urbana, planejamento e gestão

Decorrente das limitações do sítio, a ocupação não ocorreu de maneira contínua. A expansão do núcleoinicial seguiu dois vetores principais: um que acompanhava o Rio Guamá e outro ao longo da Baía doGuajará. No primeiro momento, a cidade confunde-se com sua orla, manifestando a influência direta dorio e da baía (Trindade, 1997). Posteriormente, a partir dos anos 50, as baixadas começaram a ser ocupadaspela população de baixa renda, quando as terras altas disponíveis na “Primeira Légua Patrimonial” tornaram-se escassas. Por estarem localizadas próximas ao centro de comércio e serviços da cidade, as baixadas seconstituíram na alternativa mais viável à população de baixa renda, em função da proximidade dos serviçosurbanos e de empregos.

A primeira grande intervenção urbanística deu-se com a superação do obstáculo do Igarapé do Piri, noinício do século XIX, e acresceu importantes porções de terra para sua expansão. Depois houve oaterramento das áreas correspondentes aos igarapés do Reduto e das Armas, realizado entres os séculosXVIII e XIX , a drenagem de uma área que se estende do igarapé do Tucunduba ao de Val de Cães, aconstrução do dique da “Estrada Nova” e da abertura da Avenida Bernardo Sayão já no início do séculoXX (Rodrigues, 1996; Trindade Jr, 1997).

A influência da economia na ocupação do território se revela desde o início. As primeiras medidas voltadasdiretamente à organização do espaço urbano foram tomadas pela administração pública e impulsionadaspela riqueza trazida pela exploração da borracha. A proposta de modernização do espaço urbano direcionouos investimentos públicos e privados para as áreas mais centrais, provocando a valorização das terraslocalizadas nessa parte da cidade e o conseqüente deslocamento dos setores populares para áreas maisdistantes e iniciando o eixo de expansão na direção de Ananindeua.

Já na primeira metade do século XX, a ocupação urbana de Belém tangenciava o limite da Primeira LéguaPatrimonial. Até o final da década de 50, haviam sido ocupados todos os terrenos de terra firme que nãoapresentavam problemas de inundações, iniciando a ocupação das baixadas. Paralelo ao crescimento urbanogradativo, ainda nos anos 30 e 40, o Governo Federal deu início a um processo de aquisição de grandesextensões de terra destinadas ao uso militar e a instituições com fins educacionais e científicos, distribuídasno entorno da “Primeira Légua Patrimonial” o que se convencionou chamar de “cinturão institucional”14

e que condicionou a expansão da cidade (Plano Diretor Territorial Urbano, 1991).

13 A 1ª Légua Patrimonial trata-se de uma porção de 4.110 hectares que em 1628 foi doada, por meio de carta de sesmaria, peloentão Governador do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Coelho de Carvalho à Câmara Municipal de Belém.14 A área ocupada por este cinturão chega a ocupar uma extensão de 19,90 km².

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Com essas especificidades, a estrutura espacial de Belém passou aapresentar como características: o adensamento das áreas centrais maisconsolidadas; a consolidação e a conseqüente incorporação das áreas debaixadas à estrutura da cidade; a ultrapassagem do cinturão das áreasinstitucionais, notadamente pela implantação de indústrias, conjuntoshabitacionais (a partir da segunda metade da década de 60), sítios echácaras; processo de verticalização, iniciado na porção mais central dacidade, onde se localizam os principais estabelecimentos de comércio eserviços. A partir da década de 70, essas tendências se firmam e sãointensificadas nas décadas de 80 e 90. Cresce a formação de aglomeraçõesde serviços fora da “Primeira Légua Patrimonial” e o processo deperiferização prossegue reforçando a conurbação entre Belém eAnanindeua e estendendo-se aos outros municípios da atual RegiãoMetropolitana de Belém (RMB).

A década de 80 foi marcada como a década do “boom” da cidade devido ao êxodo rural e outros fatores.Teve como conseqüência na ocupação o que juristas chamam de “invasão”. Foi grande o número denovas áreas ocupadas, públicas e privadas, em especial áreas alagadas de terrenos da Marinha, Igreja eUniversidade (desta última surgiram cinco bairros). Da segunda metade da década de 70 até os anos 90,mais de 80 áreas foram ocupadas na RMB. Nesse período, especialmente Marituba e Benevides (Institutode Pesquisas e Estudos Avançados, IPEA, 1997).

Os investimentos públicos aplicados na construção de moradias estiveram historicamente a cargo daCOHAB, responsável pela implantação dos primeiros conjuntos habitacionais de Belém, desde o iníciolocalizados além dos limites da “Primeira Légua Patrimonial” (Plano Estratégico Municipal paraAssentamentos Subnormais PEMAS/Belém, 2001). O outro eixo da intervenção pública foi a urbanizaçãodas áreas ocupadas. Segundo Paracampo (2001), durante as décadas de 60 e 70, nas baixadas da PrimeiraLégua, surgiram movimentos populares, mobilizações e manifestações de toda ordem reivindicandourbanização, equipamentos coletivos e regularização fundiária das áreas já ocupadas.

No que se refere às políticas urbanas, verifica-se que estiveram pautadas preponderantemente pelasintervenções na macro-estrutura, especialmente pelos projetos de drenagem e de estruturação viária. Aurbanização das baixadas de Belém, realizadas a partir da década de 80, com as bacias do Una e Tucunduba15

atingem cerca de 40% do município, aproximadamente 550 mil habitantes ou quase 38% da populaçãototal. Nessas áreas, as estratégias de remoção e reassentamento são principal conteúdo das políticashabitacionais até os dias atuais. (Paracampo, 2001).

Quanto aos instrumentos de planejamento, Belém é pioneira na adequação do Plano Diretor aosinstrumentos constitucionais. O Plano, elaborado em 1993, incorporou o conjunto dos instrumentos,hoje regulamentados pelo Estatuto da Cidade, porém teve dificuldades na sua implementação.

4.1.3. Caracterização das situações de conflito urbano-ambientais existentes

15 A Bacia do Una é formada por 18 “canais”, inclusive o do Una, e atinge 11 bairros de Belém (Souza, Marambaia, Benguí,Marco, São Brás, Sacramenta, Pedreira, Telégrafo, Umarizal, Nazaré e Fátima). A Bacia do Tucunduba é formada por seis“canais”, inclusive o do Tucunduba, e atinge cinco bairros (Guamá, Terra Firme, Canudos, São Brás e Marco).

Fonte: PEMAS, 2001

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Embora algumas ações possam ter contribuído para melhorias nas condições de moradia de algumasparcelas da população, foram insuficientes para resolver ou para conter o avanço do déficit habitacional,estimado em 128.312 unidades habitacionais (70.949 unidades referentes à necessidade de novas moradiase 58.872 unidades relativas à necessidade de substituição das existentes – PEMAS, 2001). O poder públicoatua com os conceitos de déficit quantitativo e qualitativo16. No âmbito da presente pesquisa, é o déficitqualitativo que configura as situações de conflito urbano-ambientais. Este déficit está localizadomajoritariamente nas áreas de baixadas e nas áreas de ocupação.

O primeiro estudo sobre as áreas de baixada está registrado no documento “Monografia das Baixadas deBelém”, realizado em 1976 pelo governo do Estado, e avalia a necessidade de drenagem e urbanização dasprincipais bacias. O estudo também identifica e caracteriza as baixadas, descritas como “áreas de ocupaçãosubnormal que acumulam uma série de carências”, tais como:

- “áreas de habitação subnormal, desordenadamente distribuídas e que obstruem, não raro, o escoamentohídrico, em face do deficiente sistema de macro drenagem existente;- um sistema viário deficiente o que impossibilita o desenvolvimento do tráfego normal da cidade eprejudica os serviços de transporte coletivo destinado ao atendimento dessas populações;- circulação interna de pedestres, nas áreas de baixadas, se faz de forma precária, em geral através deestivas de madeira quase sempre em péssimo estado de conservação;- o transporte coletivo se limita a circular, devido a falta de condições para tráfego interno, em sua periferia,obrigando os moradores de tais áreas a realizar, por vezes, grandes deslocamentos diários, a pé, até ospontos de ônibus;- a impossibilidade de implantação do sistema de água potável, de esgotos sanitários e de coleta de lixo;- a impossibilidade de distribuição de energia elétrica através de redes de alta tensão, e por fim;- a carência de equipamentos urbanos de educação e saúde, o que obriga o deslocamento da populaçãoque deles necessita, para áreas de cotas mais altas” (BELÉM apud TRINDADE JR.).

O levantamento realizado pela Companhia de Desenvolvimento Municipal (CODEM), em 1996, relaciona180 assentamentos informais dos quais 22,20% referem-se a ocupações de baixadas e 87,80% a áreas deocupação denominadas de loteamentos irregulares. Cerca de 89 mil pessoas moravam em áreas de baixadae 271 mil em áreas de ocupação. Alguns destes assentamentos encontram-se em áreas consideradas derisco ou de proteção ambiental. Do total de 136 assentamentos localizados em áreas desse tipo, 16 estãoem faixas de domínio de linhas de transmissão de energia elétrica (18.335 domicílios); 112 em áreas insalubres(lixões/alagados) somando 59.685 domicílios; cinco assentamentos em áreas de proteção ambiental (2.420domicílios); um em área de preservação permanente de manancial (380 famílias); e dois em áreas situadasnas proximidades da pista do Aeroporto Internacional de Val de Cães (1.190 domicílios).

No relatório PEMAS (2001) estão classificados como assentamentos subnormais17as “baixadas e as áreasde ocupação”. Sua definição e caracterização são as seguintes:

“... As baixadas são constituídas por terrenos cujas curvas de nível não ultrapassam a cota 4.0m; sãoocupadas por população de baixa renda. Na medida em que os igarapés vão sendo aterrados vão surgindo

16 Déficit quantitativo: refere-se à necessidade de novas moradias para atender às famílias que não dispõem de habitações;déficit qualitativo refere-se à necessidade de substituição das moradias que estão em precárias condições de habitabilidade,sem qualquer serviço básico (Companhia Municipal de Habitação do Pará - COHAB/PA, apud PARACAMPO).17Assentamentos subnormais são definidos no relatório Pemas como “de ocupação desordenada que se faz, quando da suaimplementação, com a ausência de posse da terra ou do título de propriedade”. (PEMAS, 2001)

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os bairros. A rigor, as baixadas são áreas de várzea que compõem as 05 bacias hidrográficas: Una, Reduto,Armas, Comércio e Tuncunduba. É ali que surgem os maiores conflitos fundiários e as principaisintervenções públicas relacionadas à questão da moradia, marcadas por estratégias de remoção ereassentamento. Em termos de estruturação física, as baixadas apresentam fracionamento expressivo edimensões mínimas dos espaços destinados à moradia. Ocupados por famílias numerosas ou por mais deuma família, expressam altas médias de habitantes por domicílio18. Outro fator que contribui para elevar adensidade dessas áreas é a exigüidade dos espaços públicos. O acesso às residências, face à naturezaalagável do terreno é feito por meio de “estivas” (passarelas de madeira) que interligam as habitaçõesinternamente e permitem o acesso às vias pavimentadas. Construídas num nível mais elevado, ultrapassamos obstáculos naturais como valas, córregos e igarapés A estiva funciona como via de acesso principal e éprecursora da via aterrada. Na medida em que as ruas são aterradas, os lotes também vão sendo aterrados,o que facilita a substituição das palafitas por construções mais estáveis, porém ainda carentes de infra-estrutura. A maioria das moradias, nessas áreas, é palafita. “ (IPEA, apud PEMAS, 2001).

18 Em 1996, quando a densidade domiciliar brasiLeira totalizava 3,96 habitantes por domicílio, e a geral de Belém somava 4,58habitantes por domicílio, a densidade, nas áreas de baixadas eram de 4,70 habitantes por domicílio.19Na área de expansão, conjuntos habitacionais acabados ou em fase de acabamento também foram ocupados. É possívelcontabilizar cerca de 20 conjuntos habitacionais invadidos, fato que colaborou para suspensão das linhas de financiamento daCaixa Econômica Federal destinadas à construção de unidades habitacionais no Município de Belém (Belém, 2000).

“...As áreas de invasões constituem-se maciçamente, em terrenos que estão acima da cota 4.0 m e localizam-se, em sua maioria, na área de expansão da malha urbana e pertencem tanto ao poder público (Federal,Estadual, Municipal) quanto a particulares19. As unidades habitacionais, nessas áreas, assim como nasbaixadas, são originariamente de madeira com poucos cômodos. A infra-estrutura básica é implantada emtempo menor do que na baixada. A maioria das habitações conta com energia elétrica fornecida pelaconcessionária oficial, a água consumida vem de poços e há facilidade de construção de fossa sanitária(aberta ou fechada). O desenho da malha urbana é mais regular e as casas de madeira são mais rapidamentesubstituídas por construções em alvenaria” (PEMAS, 2001).

Acesso por estivas e ocupação densa do espaço (PEMAS, 2001)

4.2. MANAUS

4.2.1. Sítio urbano e ambiente natural

O território do Município de Manaus abrange uma superfície de 11.407 km2 e a área urbana com 377km2corresponde a 3,3% do território municipal. Toda a cidade é entrecortada por cursos d’água, rios e igarapés.

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31Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Situada às margens dos Rios Negro e Solimões, apresenta um complexo sistema hídrico formado por trêsgrandes bacias (Puraquequara, Negro, e Taruma) e um conjunto de sub-bacias que, condicionadas pelasituação climática, conferem particularidades ao quadro urbano: as cheias do Rio Negro que ocorremanualmente nos meses de junho e julho determinam freqüentes situações de alerta aos habitantes deManaus, com inundações e desmoronamentos. As populações mais atingidas são principalmente aquelasresidentes nas áreas suscetíveis às inundações, impróprias à ocupação, ou seja, aquelas junto aos Leitos emargens dos igarapés e na orla ribeirinha do Rio Negro.

As transformações sofridas por Manaus a partir da implantação da Zona Franca não foram acompanhadaspor uma política de controle ambiental compatível com seu elevado crescimento urbano. Neste processo,os cursos d’água que cortam a cidade foram ocupados sofrendo alterações e degradação, muitos de formairreversível. Sobre a Bacia do Tarumã se concentra hoje mais de 60% da população de Manaus e mais de80% da renda do Estado.

O levantamento e análise das microbacias dos igarapés do Mindú e Quarenta, e parte da bacia do rioPuraquequara20 revelaram que as nascentes dos igarapés ainda apresentam condições ambientais satisfatóriasapesar dos processos de ocupação já estarem próximos às áreas de suas cabeceiras. Nos trechos ondeocorreram ações antrópicas, as propriedades dos corpos d’água apresentam intensa descaracterização emvirtude do pequeno porte e da pouca capacidade de autodepuração das cargas poluidoras. Os igarapés,quando não são guarnecidos por matas ciliares, permitem o carregamento de grande variedade de detritospara suas calhas através das águas pluviais. Como conseqüência, ocorre o assoreamento dos talvegues e,freqüentemente, a alteração dos canais, além do represamento de águas altamente poluídas junto às margens,onde se instauram ambientes anóxicos (desprovidos de oxigênio) que provocam a exalação de odoresdesagradáveis (Relatório Ambiental Urbano Integrado: Geo-Cidades, 2002).

As alterações neste complexo quadro hídrico pela ocupação inadequada, além dos problemas de alagamentose poluição, também trazem situações de deslizamento de terras. Foram identificadas 12 áreas suscetíveis adeslizamentos, ao longo da orla urbana do Rio Negro.21 São áreas ocupadas, localizadas sobre taludes dealta declividade e amplitudes de 30 metros a 50 metros. À ocupação intensa e/ou desordenada dessasáreas marginais, resultado de freqüentes invasões por população de baixa renda e por atividades portuáriasirregulares, somam-se outros fatores antrópicos que contribuem para o aumento da suscetibilidade dosolo à erosão. Entre esses fatores, destacam-se a realização de cortes abruptos do talude para consolidaçãodas moradias e portos, a retirada da vegetação original e o lançamento indevido de águas pluviais e servidasna encosta.

20 Relatório Ambiental Urbano Integrado, 2002.21 Idem

Fonte: Geo-Cidades, 2002

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Outro grave problema observado em Manaus é o crescimento da ocupação urbana sobre áreas de florestaprimária. Grande parte das ocupações que ocorreram em Manaus nas últimas décadas foi direcionadapara áreas até então preservadas com florestas primárias. Os desmatamentos observados nas últimasdécadas em Manaus têm ocorrido devido às fortes pressões de expansão horizontal e do crescimentointerno da cidade, principalmente em matas de terra firme localizadas dentro da área urbana (RelatórioAmbiental Urbano Integrado: Geo-Cidades, 2002).

Os setores da cidade mais afetados pelos desmatamentos localizam-se nas Zonas Leste e Norte, regiõesonde ocorre intensa ampliação das fronteiras urbanas e o adensamento de áreas ocupadas. Segundo estudoslocais, entre as conseqüências desse processo de desmatamento destacam-se a fragmentação dosremanescentes florestais intra-urbanos, com empobrecimento de sua biodiversidade, e a ameaça àcontinuidade das matas existentes entre a Reserva Ducke e as florestas situadas ao norte da cidade deManaus. A ilustração revela a redução recente da cobertura vegetal (Geo-Cidades, 2002).

Todo este quadro ambiental se agrava com a deficiência dos sistemas de esgotamento sanitário de Manaus,gerada não apenas pelo processo de crescimento intenso e desordenado da cidade, mas também pelaausência de investimentos na manutenção e expansão das redes coletoras e unidades de tratamento,especialmente nas últimas décadas. Dados oficiais registram que o índice de atendimento do sistema é de15% da população total da cidade. No Censo de 2000, foram cadastrados cerca de 350 mil domicíliosurbanos em Manaus e apenas 11 mil economias (que também incluem unidades não domiciliares) estãoatendidas; índice que não excederia a 3% do total. Mesmo dispondo de cerca de 362km de redes coletorasde esgotos, Manaus apresenta um quadro de saneamento extremamente precário, no qual predomina olançamento dos esgotos diretamente nos igarapés ou através das redes de águas pluviais. Mesmo asedificações que dispõem de fossa lançam freqüentemente seus efluentes nos corpos d’água ou nas redespluviais.

4.2.2. Evolução urbana, planejamento e gestão

A história da cidade de Manaus é a história do desenvolvimento da região da Amazônia: tanto ao serassociada aos ciclos de desenvolvimento da borracha, quanto às intervenções de caráter modernizadorrealizadas por diferentes agentes do poder estatal ou do capital nacional e internacional. Com o objetivode integrar a Amazônia ao modelo econômico adotado pelo país, a região foi alvo de uma série de ações

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33Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

estatais que incluem a abertura de rodovias, projetos de colonização e reforma agrária, exploração mineral,geração de energia, visando garantir as condições necessárias para atrair aos grupos capitalistas. Ao produziras condições necessárias ao processo de acumulação e expansão capitalista, estes agentes em uma atuaçãovia de regra associada, também geraram pobreza e desigualdades sociais, transformando a Amazônia numcenário que combina modernização e exclusão social.

A migração é a origem de sua população: no início, índios “catequizados” que deixavam suas terras enordestinos que fugiam das grandes secas; posteriormente um exército industrial de reserva, constituídopor pessoas de várias origens que migram a Manaus em busca de emprego, sobretudo a partir dos anos 70.Com a implantação da Zona Franca, em 1967, teve início um novo ciclo econômico com a instalação deum parque industrial de porte e a consolidação de um setor terciário baseado na comercialização deprodutos importados. Em conseqüência, a população de Manaus cresceu mais de 500%, saltando de 300mil habitantes, na década de 1970, para mais de 1 milhão e 500 mil no ano 2000. Neste período, “a cidadeacumulou um passivo sócio-ambiental de igual proporção que provocou a redução da qualidade de vidada maior parte da população, com reflexos diretos nas condições de saúde, higiene e moradia” (RelatórioAmbiental Urbano Integrado: Geo-Cidades, 2002).

O crescimento acelerado da cidade, a partir da década de 80, provocou a expansão indiscriminada daocupação urbana, com o aumento das ocupações irregulares nas zonas leste e norte, além do agravamentoda situação às margens dos igarapés; a desarticulação da malha viária; a descaracterização ou substituiçãopaulatina de edificações de interesse histórico e cultural; a intensificação da atividade imobiliária em terrenosdesocupados; e a deficiência da infra-estrutura urbana, principalmente dos sistemas de esgotos sanitário,dos serviços e equipamentos sociais básicos (Geo-Cidades, 2002).

Não foram desenvolvidas políticas públicas suficientes para enfrentar essa dinâmica populacional. Asprimeiras preocupações ambientais na cidade foram expressas com a edição do segundo Código de Posturas,em 1872. As normas voltavam-se principalmente para a proteção das águas e para a saúde pública. Ocódigo proibia a escavação de Leitos e margens dos igarapés, assim como o lançamento de lixo, pedras emateriais pútridos que alterassem a qualidade de suas águas. O primeiro plano urbano de Manaus é de1892, quando a cidade já havia firmado sua posição como pólo econômico da Amazônia e porto deexpressão nacional e internacional. O plano apontava para um conjunto de diretrizes urbanísticas e deintervenções físicas capazes de remodelar e estruturar uma nova Manaus - mais condizente com suaimportância política e econômica. A modernização da cidade ocorreu atendeu aos interesses dodesenvolvimento e desconsiderou as necessidades do conjunto da sociedade. Após foi aprovado pela Lei1.213/75 o Plano de Desenvolvimento Local Integrado de Manaus (PDLI), destinado a atender àsnecessidades da população e da cidade nos próximos 20 anos o qual deveria ter sido revisado em 1995.

Durante mais de vinte anos, período no qual a cidade passou por fortes transformações em face dasdinâmicas econômica e populacional decorrentes da instalação da Zona Franca, o PDLI não foi objeto dequaisquer avaliações ou revisões. Após a nova Lei Orgânica do Município, iniciaram estudos para adequaçãoda legislação vigente à realidade municipal. Entre 1995 e 1997, foram editadas novas legislações entre asquais merecem destaque a Lei n. 2.79/95 que altera a divisão territorial do Município (redefinindo oslimites das Áreas Urbanas, de Expansão Urbana e Rural), fixa novos critérios para os processos de produçãodo espaço urbano (instituindo o instrumento do Solo Criado)22 e estabelece as Áreas Especiais de Interesse

22 Solo criado, também denominação da outorga onerosa do direito de construir, previsto no art. 28 do Estatuto da Cidade,refere-se ao direito de construir que poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediantecontrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

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Urbanístico (para aplicação do Solo Criado); e a Lei n. 353/96 que estabelece normas para a regularizaçãode parcelamento do solo para fins urbanos, implantados irregularmente na Área Urbana, e cria as ZonasEspeciais de Interesse Social ou ZEIS (para fins de aplicação dos procedimentos de regularização).

4.2.3. Caracterização das situações de conflito urbano-ambientais existentes

As características do meio físico do território de Manaus representam aspectos de forte vulnerabilidade àocupação e de pressão sobre a sustentabilidade do ambiente natural e da própria condição de vida de parteda população. É neste contexto que as situações de conflito urbano-ambiental no município configuram-se como: avanço descontrolado das fronteiras da área urbanizada, especialmente sobre florestas nativas;ocupação irregular de áreas de preservação ambiental, em especial as margens dos igarapés e de áreasambientalmente frágeis às margens do Rio Negro e outras encostas instáveis; déficit crescente da infra-estrutura no recolhimento e destinação de esgotos sanitários e a insuficiência no sistema de coleta dosresíduos sólidos nas áreas de ocupação irregular.

Dentre elas, a ocupação e poluição dos igarapés parece ser a mais problemática e de maior magnitude.Toda a cidade é entrecortada por cursos d’água, sendo que os menores foram aterrados ou canalizados emuitos são utilizados para despejos de esgoto cloacal e/ou pluvial. Os igarapés derivam de quatro grandesbacias: a bacia do Igarapé 40, Puraquequara, Tarumã e São Raimundo.

Segundo consta no relatório de 2002 de Geo-Cidades “dados não oficiais” indicam que Manaus contacom cerca de 70 mil moradias localizadas em faixas marginais dos cursos d’água, áreas consideradas comode preservação permanente, onde vivem aproximadamente 300 mil pessoas. A maior parte destas moradiascorresponde a palafitas precárias, implantadas sobre espelhos d’água ou em áreas sujeitas a inundações.Muitas constituem construções de alvenaria, localizadas em talvegues secos de antigos igarapés ou emterrenos não alagadiços.

Além da instabilidade e precariedade em que vivem estas pessoas sujeitas às diferentes e constantes situaçõesde risco (contato com águas poluídas, alagamento de áreas ocupadas por chuvas intensas, riscos dedesabamentos, inundações por cheias fluviais), a ocupação indevida destas áreas é fator agravante dacondição de risco e degradação do ambiente. Os fatores que contribuem para maior predisposição àerosão podem ser divididos em duas categorias: fatores físicos e antrópicos. Entre os fatores físicos está ageometria do talude, caracterizada pela alta declividade e amplitude média do relevo entre 30 metros e 50metros e as características do solo que alterna horizontes arenosos suscetíveis à erosão com horizontesargilosos mais resistentes, entre outros. Entre as pressões antrópicas que contribuem para o aumento dasuscetibilidade à erosão estão a realização de cortes abruptos do talude para consolidação das moradias eportos, a retirada da vegetação original, o lançamento indevido de águas pluviais e servidas na encosta que,pela ação concentrada nos terrenos, originam ou aceleram os processos erosivos e a presença de lixo eentulhos (Relatório Ambiental Urbano Integrado: Geo-Cidades, 2002).

Para a prefeitura municipal, estes conflitos urbano-ambientais são originados não apenas no crescimentodesordenado desencadeado pela implantação do distrito industrial nos anos 70, mas também o fato deelementos da cultura ribeirinha como a cidade flutuante e a ocupação dos igarapés terem sido trazidospara a cidade. Associa-se a isso a ocorrência ocupações organizadas de áreas vazias, cujos problemasfundiários impedem ou dificultam uma ação de reintegração de posse. Os líderes dessas ocupaçõesorganizam listas de inscrição para a distribuição dos terrenos a serem demarcados, o que depende depagamento por parte das pessoas que querem ter seu nome incluído entre os que participarão da ocupação.Muitas pessoas entrevistadas referenciaram-se a este processo como “indústria das ocupações”.

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35Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

A pesquisa não teve acesso a dados cadastrais que informam sobre a situação sócio-econômica destaspopulações nem às condições atuais de infra-estrutura existentes nas áreas em situação de conflito. Naverdade, não há certeza sobre a existência destas informações. Segundo consta do relatório Geo-Cidades,“a manutenção ou a erradicação destas ocupações tem se apresentado como um desafio permanente aosGovernos Municipal e Estadual, dada a magnitude do problema e os aspectos sociais envolvidos, mas até2001 não há registros de ações ou medidas mais efetivas da Administração Pública voltadas para oenfrentamento desta questão a não ser intervenções de caráter mais emergencial”.

4.3. MACAPÁ

4.3.1. Sítio urbano e ambiente natural

Situado às margens do rio Amazonas, o território de Macapá é cortado por grande número de cursosd’água como rios, igarapés e lagoas que conformam um quadro local de expressivos recursos hídricos.23

As condições ambientais apresentadas ao longo destes cursos d’água apresentam margens cobertas porflorestas de várzea ou por áreas campestres condicionadas por inundação sazonal. Ressaca é a denominaçãolocal para as zonas alagadiças dos igarapés. As faixas de proteção dos rios e igarapés, as áreas de ressaca, asfaixas de proteção das ressacas são elementos do ambiente natural que condicionaram e condicionam aocupação e a expansão urbana local.

23 Rios e Igarapés atravessam o território do município - Matapí, Curiaú, Ipixuna, Pedreira, Macacoari e Gurijuba, são os rios maisrepresentativos. Entre os igarapés destacam-se Fortaleza, Pedrinhas, da Doca, e das Mulheres. (PEMAS – 2001)

Mapa Sistema Ambiental Urbano (Plano Diretor, PMM, 2004)

LegendaUnidades de Conservação urbana

Áreas de ressaca

Remanescentes de bosques e matas

Área de manejo sustentável

Área de manejo sustentável

Patrimônio Cultural e paisagístico

Zona Urbana

Zona de transição urbana

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Embora os institutos legais que orientam e determinam a preservação destes elementos, a conservaçãodestes recursos naturais configura-se como um dos principais desafios para o manejo ambiental da cidade.As características do território no que se refere aos recursos hídricos, à a existência de grandes glebasinstitucionais24 e ao acelerado processo de ocupação e expansão urbana, conferem particularidades para omanejo do sistema urbano-ambiental especialmente nas áreas de ocupação informais para fins de moradiaque vêm gradativamente sendo expandidas e avançando sobre as áreas de ressaca, situadas dentro doperímetro urbano. De acordo com o PEMAS, 2002, “o Rio Amazonas, as ressacas e os igarapés fazem deMacapá uma ilha, que se torna mais tolhida em sua expansão pela presença de áreas institucionais, quebloqueiam as únicas possibilidades que restariam de ocupação contínua motivo pelo qual, Macapá vemsofrendo tremendas pressões no campo de expansão urbana, enquanto aumentam as tensões sociais,exigindo medidas que amenizem os efeitos do inchaço demográfico”.

A presença de sítios arqueológicos e uma área de remanescente de quilombos também são elementoscomponentes das especificidades locais. O mapa destaca as situações de margens e ressacas ocupadas epressionadas pela ocupação informal de moradias situadas dentro do perímetro urbano.

24 Áreas de propriedade do Exército e da Infraero.

4.3.2. Evolução urbana, planejamento e gestão

A cidade foi formada a partir de um pequeno núcleo de traçado ortogonal com ruas paralelas ao RioAmazonas e avenidas transversais, originadas com o assentamento de famílias açorianas. O lento processode povoamento começou a ser intensificado quando a cidade assumiu a condição de capital do Território,em 1944. Até a década de 70, a malha reticulada de Macapá expandia-se por duas áreas planas e altas, àsmargens do Igarapé da Doca, não havendo problemas maiores de implantação. Com a criação do Estadopela Constituição Federal de 1988 e, particularmente, com a Área de Livre Comércio de Macapá e Santana(ALCMS), em 1991, o Amapá tornou-se um pólo de atração para a população de estados vizinhos. Oaquecimento das atividades comerciais na ALCMS provocou um grande crescimento e a população passoude 4 mil habitantes em 1944 (primeiro governo de Estado) para 283.308 habitantes em 2000, um períodode pouco mais de meio século.

Fonte: Relatório PEMAS, 2002

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37Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

O processo migratório elevou a demanda pela oferta de áreas urbanizadas para a construção de novasmoradias durante o período citado e em especial na década de 90. No território, a ocupação desordenadade áreas ambientalmente frágeis por populações de menor renda, a dificuldade de implantação de ruas eavenidas em áreas alagadiças, a necessidade de aterros e drenagens passaram a integrar os principais desafiosno controle da expansão e urbanização da cidade.

O planejamento urbano de Macapá iniciou com a presença da empresa GRUMBILF DO BRASIL, em1959, quando foi elaborado um primeiro plano para a cidade. Em 1973, a Fundação João Pinheiro elaborouo Plano Diretor Urbano de Macapá em uma ação conjunta do Governo do Território Federal do Amapáe da Secretaria Geral Adjunta do Ministério do Interior, objetivando promover a urbanização local paraintervir no desenvolvimento econômico e social da região. As proposições mais importantes do PDU daFundação João Pinheiro contemplaram o planejamento estrutural da cidade englobando prospecçõespara o zoneamento e sistema viário, a partir da definição das áreas de expansão e do reconhecimento dastendências de crescimento. Três anos depois, o plano foi considerado superado exigindo adequações aocrescimento demográfico e habitacional. Em 1976, foi feito um novo detalhamento do PDU sobre ostemas do Zoneamento, Sistema Viário, Seleção de Áreas Habitacionais e Recreação e Lazer.

A preocupação pública em promover condições de moradia ao expressivo aumento do contingentepopulacional de forma associada às questões urbanas ficou expressa neste detalhamento do Plano. Asáreas indicadas para a implantação de novos núcleos habitacionais recomendavam o atendimento às seguintescondições: (i) topografia plana e adequada para as construções; (ii) distância razoável à área urbana e comadequado acesso, (iii) facilidade para a extensão da infra-estrutura, (iv) obediência do Zoneamento propostopara a cidade servindo apenas os setores indicados para ocupação residencial ou expansão urbana. Narealidade, tais processos confirmaram a prática histórica de periferização das populações de menor rendapelas políticas públicas. As áreas indicadas foram Congós (Buritizal), Lagoa dos Índios, Pedrinhas e Elesbão.A área dos Congós (Buritizal) foi escolhida como prioritária para implantação do programa habitacionaldestinado a absorver as famílias de baixa e média renda.

O bairro Central de Macapá25 permaneceu como área de maior atração da população para aquisição deterrenos urbanizados. Não existindo suficiente oferta pública e privada ou mecanismo para deter o inchaçopopulacional decorrente do crescimento vegetativo e migratório, a demanda insatisfeita e a especulaçãoimobiliária do centro urbano empurraram os contingentes de menor renda para as zonas intermediáriasou periféricas da cidade, na maior parte das vezes, sem condições de habitabilidade.

4.3.3. Caracterização das situações de conflito urbano-ambientais existentes

A falta de moradias e precariedade habitacional fizeram parte do crescimento de Macapá, município queconcentra quase 60% da população do Estado, segundo dados do censo do IBGE de 2000. Com alta taxade urbanização (95,5%) e forte crescimento populacional (6,36% ao ano no período de 1996/2000), abaixa renda das populações migrantes atraídas por oportunidades e melhores condições de vida,conformaram e reproduzem o quadro de precariedade e informalidade habitacional existente. Ocrescimento acelerado e as características do processo migratório provocaram a proliferação dosassentamentos informais e as ocupações de áreas de ressacas ou baixadas, constituindo-se em grave problemaambiental e de saneamento, além da precariedade nas condições habitacionais que, sem dúvida, é o principalconflito urbano-ambiental identificado pela pesquisa. Embora existam poucos dados oficiais na prefeitura

25 A ocupação completou-se com os bairros de Santa Rita e Beirol, e ao Sul surgiu o aglomerado da Vacaria; a Sudoeste, obairro do Buritizal ; a Noroeste os bairros Jesus de Nazaré e Jacareacanga ; ao Norte o bairro do Pacoval (PEMAS, 2002)

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municipal sobre as necessidades habitacionais, o acompanhamento e agravamento deste quadro vêm sendopautados pelas gestões municipal e estadual como grave problema ambiental, tanto pela precariedade dascondições de vida das populações locais como pelo comprometimento do ambiente. Praticamente a únicafonte de registro e dados sobre tal situação é o diagnóstico PEMAS. No documento, foi conceituada asubnormalidade habitacional do Município como a que ocorre fundamentalmente nas “ressacas”. Comeste termo são denominadas as baixadas sujeitas a inundações freqüentes, sem as mínimas condições dehabitabilidade, e constituídas por moradias do tipo palafita, construídas de forma precária com madeira depouca durabilidade e com acessos geralmente frágeis e instáveis.

O quadro seguinte registra os dados resultantes de pesquisa realizada pela Secretaria de Planejamento eCoordenação Geral sobre a situação de moradia nas áreas de Ressacas de Macapá (PEMAS, 2002).

Chico Dias

Beiral

TacacáLagoa dos ÍndiosSá comprimidoLago da Vaca

Lago do PavocalLaguinho Nova esperança

Taxa de domicílios por destino de dejetos humanos

Taxa de abastecimento de energia elétrica (%)

O mesmo relatório PEMAS refere-se ao déficit. O déficit qualitativo é composto pelo conjunto total demoradias sem condições adequadas de habitabilidade no que tange às questões físico-funcionais de infra-estrutura básica (água potável, energia elétrica, coleta de esgotos sanitários) e sanitário-ambientais, compostode 12.899 unidades. O déficit quantitativo refere-se à demanda não atendida por unidades habitacionais,estimado em 21.648 unidades. Este dado envolve co-habitação e domicílios cedidos, alugados ou ocupadossob outra condição. Considerando estes critérios, o déficit habitacional no conjunto do município é de34.547 unidades habitacionais e corresponde a 57% dos domicílios existentes no município.

O expressivo fluxo migratório da última década provocou um crescimento populacional na área urbanaem proporções muito superiores à capacidade do Município de encaminhar soluções. Em 10 anos, apopulação da cidade cresceu em 100 mil habitantes (Secretaria Municipal do Planejamento - SEPLAM).As áreas de várzea e ressaca foram ocupadas predominantemente por migrantes de outros Estados ou dasregiões ribeirinhas (98% das pessoas que ocupam as áreas de ressaca são migrantes de acordo com aSecretaria Municipal de Meio Ambiente.

4.4. BOA VISTA

4.4.1. Sítio urbano e ambiente natural

A cidade de Boa Vista está situada sobre os campos naturais da bacia do Alto Rio Branco. O territórioapresenta o predomínio de solos arenosos sobre rochas e cerrados e campos (lavrados) com fundos aluviais

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de vales de rios e igarapés. O sistema ecológico predominante é a Savana (gramíneo lenhosa) que apresentauma fisionomia campestre com árvores isoladas de pequeno porte que costumam se adensar nasproximidades dos cursos d’água, ladeados por filas de palmeiras e pequenas depressões lagunarestemporárias, elementos que compõem uma densa rede de drenagem formada pelo Rio Branco e seusafluentes, e por igarapés e lagoas de regime permanente (perenes).

Estes sistemas hídricos intermitentes constituem um sistema natural de bacias de acumulação ou áreas deretenção cujo funcionamento permite acumular o excesso de águas pluviais concentradas em cerca dequatro meses26 caracterizando uma época de cheias. É a drenagem vagarosa proporcionada por este sistemaque evita as inundações. Combinados a essas bacias de acumulação naturais, existem outros mecanismosque auxiliam na retenção e infiltração das águas precipitadas. A vegetação natural, principalmente as matasciliares quando devidamente preservadas, proporcionam maior proteção do solo garantindo suapermeabilidade (Diagnóstico Municipal Integrado, IBAM, 2006).

É sobre esse complexo sistema ambiental que se assenta a cidade de Boa Vista. O processo de ocupaçãodesordenado e as precárias condições de urbanização27 resultaram na ocorrência de edificações e moradiasimprovisadas sobre áreas inundáveis, aterros das áreas de lagoa, depósitos de resíduos, lançamento deesgoto “in natura”, abertura de vias e outras atividades sobre áreas impróprias e realizadas sem a preocupaçãocom funcionamento dos sistemas de drenagem, acarretando danos, desaparecimento ou degradação delagoas e igarapés, prejuízos considerados irreversíveis.

Cerca de 50% das lagoas existentes na área urbana desapareceram devido a esta ocupação desordenada.Outras deixaram de ter regime perene e passaram a ser intermitentes (igarapés Mirandinha e Pricumã), ouse tornaram valas negras e depósitos de resíduos e entulho. Atualmente, existem cerca de 30 a 50 lagoas naárea urbana (a maioria, temporária), sendo difícil identificá-las porque a água tem se acumulado em novaslocalizações. Este quadro vem ocasionado sérios desequilíbrios ecológicos e um aumento periódico deinundações (Diagnóstico Municipal Integrado, IBAM, 2006).

A área oeste da cidade é associada ao crescimento desordenado com o predomínio da ocupação irregulare casas construídas nas margens dos igarapés e proximidades dos lagos. Nas zonas sul e sudoeste dacidade se concentram várias formações de lagoas e igarapés ainda preservados ou ainda passíveis derecuperação, onde se concentram as cabeceiras de importantes corpos hídricos da área urbana: IgarapéGrande e algumas cabeceiras de igarapés contribuintes do Rio Cauamé. O estudo realizado pelo IBAMpara elaboração do Plano Diretor registra o impacto ambiental causado nas lagoas, rios e igarapés dacidade.

4.4.2. Evolução urbana, planejamento e gestão

A cidade cresceu à margem do Rio Branco ocupando parte da planície de inundação e se interiorizandopara oeste onde o terreno é plano, tem pouca declividade e apresenta lagos abaciados. Entre 1950 e 2000,a população do Estado de Roraima saltou de 17.247 para 324.397 habitantes, um crescimento populacionalsuperior a 1000%. O crescimento demográfico ocorreu à custa de ondas sucessivas de migrações. As maisexpressivas ocorreram nas décadas de 70 e 80 com a descoberta do garimpo e com a entrega da estradaManaus/Boa Vista/Venezuela (BR 174). Hoje, sabe-se que 40% da população é originária do estado do

26 Período que chove o equivalente a cerca de 60% das chuvas anuais.27 A cidade é das capitais do Norte que apresenta menores índices de saneamento e urbanização, especialmente nos bairromais periféricos e 58% da população vive abaixo da linha de pobreza (Diagnóstico Integrado, IBAM, 2006).

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40 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Maranhão.28

Em 1988, a nova Constituição Federal transformou os Territórios em Estado e o processo de urbanizaçãoda cidade de Boa Vista foi acentuado. Neste período, ocorreu a inversão entre a população urbana e rural.Na década de 90, o índice de crescimento urbano de Boa Vista chegou a 4% ao ano e a taxa de urbanizaçãopassou de 78,04% para 98,27% entre 1991 e 2000, crescimento que praticamente triplicou a área urbana.

As conseqüências deste quadro de urbanização rápido e intenso não poderiam ser outras: multiplicaram-se os bairros periféricos sem as mínimas condições de habitação, ocorreu uma ocupação desenfreada deáreas de proteção e de risco ambientais, houve um aumento da demanda por serviços públicos comoescolas, hospitais, postos de saúde, transportes e os índices de desemprego e informalidade alcançarampatamares elevados.

A demanda habitacional das populações mais pobres e os novos loteamentos públicos e privados induzema ocupação de áreas ambientalmente frágeis e inadequadas à moradia. Na área central, aumenta aimpermeabilização do solo pela ocupação e as obras estruturadoras também interferem no sistema dedrenagem natural.

No início deste século, a situação de segregação urbana na cidade chega a níveis bastante ostensivos.Conformam-se claramente duas cidades: a consolidada e “supostamente legal”, dotada de melhores padrõesde construção e infra-estrutura urbana; e a irregular, que se expandiu de forma desordenada em áreasambientalmente frágeis, cujo principal vetor de expansão foram os loteamentos irregulares feitos poriniciativa ou indução de políticos em períodos eleitoreiros ou pela própria ação pública. As contradiçõesem relação à estruturação viária, equipamentos, redes de serviços e até a tipologia do lote e da habitaçãosão muito grandes. A cidade central é plana, com traçado urbano moderno, grandes equipamentos earborização. “As avenidas largas convergem para o Centro, num leque urbano planejado nos anos 30 peloarquiteto Alexandre Dernusson, que lembra a antiga Paris”, contrastando com as extensas periferias. Emambas cidades predomina o uso habitacional, sendo expressivo o número de lotes desocupados (32,5% 29

na área oeste e sudoeste da cidade) e grandes glebas institucionais nos setores mais centrais que tambémconcentra os equipamentos urbanos, prédios públicos e setores comerciais especializados (DiagnósticoIntegrado IBAM, 2006).

Nos últimos anos, foram produzidas novas centralidades voltadas para atividades de cultura e lazer, educaçãoe economia local com a melhoria dos mercados populares. Entretanto, permanece a necessidade de umamelhor distribuição dos equipamentos urbanos e de melhoria nos serviços e infra-estrutura nos bairrosperiféricos. Segundo o diagnóstico realizado para a elaboração do novo Plano Diretor, as inadequações noprocesso de ocupação são decorrentes também das ações do poder público: tanto ações para provisão demoradia como o “Conjunto Cidadão” (loteamento promovido Governo do Estado e destinado à populaçãode baixa renda), quanto obras estruturadoras, como o “Anel Viário” (alternativa à rodovia federal que ligaManaus à Venezuela e passa dentro da cidade de Boa Vista).

Roraima apresenta uma característica especial, qual seja a de comportar uma reserva indígena de 1,74milhões de hectares, quase 50% do território estadual. O decreto que homologou de forma contínua aterra indígena Raposa Serra do Sol foi assinado em 15 de abril de 2005 e a reserva, localizada na extremidadenorte do país, fronteira com a Venezuela, é habitada por cerca de 15 mil indígenas das etnias Macuxi,

28 Pesquisa realizada pela Empresa Diagonal em 2003 sobre a situação sócio-econômica da população em 43 bairros.29 Considerados os 43 bairros pesquisados pela empresa Diagonal (Pesquisa não concluída no momento da entrevista).

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Taurepang, Wapixana e Ingaripó. Ficam de fora da reserva Raposa Serra do Sol algumas áreas, como onúcleo urbano da sede do município de Uiramutã (com 4,7 mil habitantes, de acordo com o Ministério daJustiça), os leitos das rodovias públicas federais e estaduais e as linhas de transmissão de energia elétrica. ODecreto estabeleceu o prazo de um ano (vencido em 15/04/2006) para o governo federal retirar e transferiros 565 habitantes de três vilarejos localizados dentro da área indígena (Socó, Mutum e Surumu) e osarrozeiros que exploram terras na margem sudoeste da reserva, bem como para indenizar as benfeitoriasconstruídas de boa-fé. Até a presente data essa transferência ainda não ocorreu e ainda é fonte de conflitosentre índios e ocupantes.30 Na extremidade noroesta de Roraima fica a outra grande reserva indígena doestado, a Waimiri-Atroari, homologada após um processo igualmente conflitivo. De acordo com aAssociação dos Povos Indígenas de Roraima (APIRR), há ainda a reserva indígena legalmente demarcadade São Marcos, com 36 comunidades de índios Macuxi e Ianomâmi, localizada sobre os municípios deBoa Vista e Pacairama. Neste caso, também havia muitos conflitos com os não-índios e cerca de cemposseiros tiveram que ser retirados da reserva de 653 mil hectares. No caso de Boa Vista, 30% de seuterritório é reserva indígena.

4.4.3. Caracterização das situações de conflito urbano-ambientais existentes

A questão das moradias em áreas inundáveis caracteriza-se como principal conflito urbano-ambiental. Apopulação de baixa renda constrói sobre áreas de lagoas no período de seca, vive em precárias condiçõesde saneamento e habitabilidade e agrava o problema das inundações.

O período chuvoso é muito sentido pela população local, principalmente, pela deficiência na rede dedrenagem urbana que acarreta sérios problemas de saúde pública e a multiplicação de casos de doenças deveiculação hídrica. Somente 15% da população urbana é atendida por rede de esgoto, o restante utilizafossas sépticas mesmo em condições de solo inadequadas (solo arenoso e lençol superficial) ou outrassoluções, na maioria das vezes, emergenciais ou improvisadas.

A maioria dos novos loteamentos populares não têm infra-estrutura adequada e 17% da população nãotem nem latrina. São destacados como exemplos de áreas irregulares ocupadas por população de baixarenda a Pintolândia, o Bairro Brigadeiro (ocupação sobre lixão, onde há mais de 60 poços artesianos), obairro Operário, o loteamento Senador Hélio Campos e o conjunto Cidadão, estes últimos em área ondese concentram as lagoas temporárias.

Outras situações também podem ser destacadas: a existência de uma máfia de grilagem de terras, sobretudonos loteamentos iniciados pelo Poder Público Estadual cujos lotes acabam sendo vendidos por políticosou reservados por pessoas que vivem da venda dessas áreas para a população carente; estâncias ou vilasconstruídas na época do garimpo por particulares e agora utilizadas para aluguel apesar das precáriascondições (geminadas, um cômodo com banheiro, uma única janela).

A caracterização do déficit habitacional de Boa Vista é registrada no diagnóstico do Instituto Brasileiro deAdministração Municipal - IBAM como “habitações em áreas de risco e preservação ambiental e sujeitas

30 Em setembro 2006 o Centro Indigenista de Roraima lança a campanha pós-homologação TÎPATA YAPURÎNEN KO´MAMÎTUMURUKOMPE, motivada pela necessidade de garantia e proteção integral das comunidades indígenas, de suas terras e danatureza mediante a retirada dos ocupantes. Em 2004 ocorreram vários conflitos entre os índios da Raposa Serra do Sol e osnão-índios que vivem na região. Em agosto, índios da aldeia Macuxi chegaram a montar uma barreira de fiscalização paraevitar a entrada de armas, combustível contrabandeado e bebidas alcoólicas na reserva. Três meses depois, na mesma região,criminosos utilizaram tratores para derrubar 37 casas, postos de saúde e escolas. Os agricultores são os principais suspeitos doataque (CIR, 2006).

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42 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

a inundações no período das chuvas; faixas de domínio de rodovias; e ocupação sobre o antigo lixão”. Orelatório da Secretaria Municipal de Gestão Ambiental e Assuntos Indígenas refere-se a ‘invasões’ queocorrem no período em que as lagoas estão secas e registra a precariedade da situação:

“... nas chuvas as moradias são alagadas ... Na tentativa de solucionar o problema os moradores aterram oslagos com entulhos e lixo, acelerando o processo de assoreamento e entrofização da lagoa ... muitas vezeso esgoto doméstico e lixo residencial das moradias também são despejados diretamente nos corpos hídricos.”

Outro aspecto destacado é a presença de grupos indígenas tradicionais que habitavam as terras do estadode Roraima desde o início da colonização. Como constatado pela pesquisa socioeconômica realizada pelaPrefeitura Municipal e a empresa Diagonal em 2003, a população indígena representa uma parcelasignificativa do total de habitantes, especialmente em bairros como Raiar do Sol e Pintolândia. Parte dessapopulação tem por característica a sazonalidade de suas habitações, não estabelecendo residência fixa nacidade ou no campo. É cada vez maior a quantidade de índios que encaram a cidade como a possibilidadede propiciar uma vida melhor para os seus filhos, fato que contribui para a permanência desses grupos noambiente urbano. De acordo com o levantamento, o principal motivo para o deslocamento aldeia-cidadeda população indígena diz respeito à busca por uma melhor instrução, seguido de perto pela busca poroportunidades de trabalho.

Alguns dados da população já pesquisada31revelam o perfil da população moradora da periferia da cidadee indicam 13.193 famílias vivendo na linha de indigência e 11.716 famílias em situação de pobreza. Cercade 10.200 famílias habitam casas insalubres, destas 9.504 sem instalação sanitária. Mais de 100 habitaçõesestão sobre áreas de preservação (lagoas), distribuídas em sete bairros. A renda média mensal de 50% dapopulação da cidade situa-se na faixa entre 1 a 3 salários mínimos.

Portanto, os conflitos urbano-ambientais identificados na cidade de Boa Vista, para além das questõesrelacionadas à precariedade ambiental em que vivem a população de menor renda e à insustentabilidadeda expansão dos assentamentos informais sobre áreas ambientalmente frágeis (sobretudo por problemasde drenagem pluvial), a pendência em relação à falta de titulação das posses aumenta significativamente oquadro de conflitos. Nesta conceituação ampliada, acredita-se que bem mais do que 50% da populaçãolocal estaria vivendo em situação de conflito urbano-ambiental (dado estimado pela pesquisa). Nesteaspecto se incluem as questões relacionadas à demanda sazonal de moradia dos povos indígenas no territóriourbano.

31 Pesquisa encomendada pela prefeitura Municipal para cadastrar as famílias moradoras dos bairros populares. A empresaDiagonal havia realizado, até a data das entrevistas, um levantamento em 43 bairros.

5. ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS URBANO-AMBIENTAIS

5.1. BELÉM

5.1.1. Organização institucional

Na tabela a seguir pode ser observada a estrutura e as responsabilidades dos órgãos da Prefeitura Municipalde Belém mais relacionadas com a gestão urbano-ambiental do município:

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43Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Órgão FunçõesSecretaria Municipal deHabitação (SEHAB)

Criada em 1998, é responsável pelo planejamento, coordenação, execução, controle eavaliação das atividades da política de habitação no Município. Como as ações da políticahabitacional eram dividas anteriormente entre vários órgãos da prefeitura, a SEHABenfrenta dificuldades em se estabelecer como a efetiva responsável por este setor.Responsável pela fiscalização de obras de reassentamento e habitação.

Secretaria Municipal deUrbanismo (SEURB)

Criada em 1992 tem como competência o planejamento urbano, com o objetivo de planejar,executar e conservar as obras públicas; analisar, aprovar e fiscalizar projetos de obrascivis, parcelamento e uso do solo, controlar e preservar o meio ambiente geral, inclusiveo patrimônio arquitetônico, histórico e artístico. Responsável pela elaboração e fiscalizaçãode projetos de desenvolvimento urbano e pela aplicação da legislação urbanística.Emitelicenciamentos para construções e loteamentos.

Secretaria Municipal deSaneamento (SESAN)

Responsável pela elaboração e fiscalização dos projetos de saneamento, resíduos sólidos,drenagem urbana e sistema viário. Assume o planejamento, a execução, a coordenação, ocontrole e avaliação da política de saneamento básico e a administração do sistema viáriodo município.

Serviço de Abastec. deÁgua e Saneamento deBelém (SAAEB)

Responsável pelas atividades administrativas e técnicas que se relacionem com os serviçospúblicos de água e esgotos, tem tido uma atuação em áreas específicas dentro do município.

Secretaria Municipal deCoordenação Geral doPlanejamento e Gestão(SEGEP)

Regulamentada em 1994 tem por finalidade “o planejamento, a coordenação e a gestãoda política global do desenvolvimento para o Município” (IBAM, 1999:10). A direçãodesta unidade vem desenvolvendo medidas para trabalhar com suas competências efetivas.Articuladora das ações da Administração Municipal com outros níveis de governo, tema superposição da atribuição estabelecida para CODEM “... subsidiando o processo deplanejamento, supervisão e controle das atividades desenvolvidas pelos órgãos da PMBe entrosamento com Órgãos Federais, Estaduais e Municipais atuantes na área” (ibid.:11).

Companhia deDesenvolvimento eAdministração da ÁreaMetropolitana de Belém(CODEM)

Criada em 1971 com a responsabilidade básica da administração das terras do município,ou seja, a regularização fundiária, sendo a coordenadora da elaboração do mapa básicoaerofotogramétrico e do cadastro multifinalitário. Utilizam a compra e venda e o direitode superfícies como instrumentos de regularização e gerenciam as áreas concedidas sobo antigo sistema de enfiteuse.

Companhia deInformática de Belém(CINBESA)

Tem a responsabilidade de tratar de dados e informações referentes ao planejamentofinanceiros, como os dados orçamentários e imobiliários. Há dificuldades ao acesso destesdados pelos demais órgãos.

A SEMMA foi criada em 2003, substituindo a antiga FUNVERDE, com a proposta deconsolidar a Política Municipal de Meio Ambiente, que consiste em cadastrar, licenciar,monitorar e fiscalizar condutas, processos e obras que causem ou que possam causardegradação da qualidade ambiental; garantir a participação da comunidade no processode gestão ambiental; estimular e realizar o desenvolvimento de estudos e pesquisas decaráter científico, tecnológico, cultural e educativo, objetivando a produção deconhecimento e a difusão de uma consciência de preservação ambiental.

Secretaria Municipal deMeio Ambiente(SEMMA)

A FUNPAPA é a responsável pela elaboração e execução da política de assistência domunicípio para grupos vulneráveis. Nesse sentido a Fundação, durante o PDLS doTucunduba, aportou uma significativa contribuição na elaboração do Subprograma deParticipação Comunitária, criando oportunidades de ampliação e melhoria dos canais decomunicação com as comunidades, substituindo posturas anteriores de Secretarias, comoa própria SESAN em políticas de remanejamento, desapropriação e posteriorreassentamento.

Fundação Papa JoãoXXIII (FUNPAPA)

Fonte: Lima (2001)

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Quadro Síntese do Ordenamento Jurídico – Institucional Municipal relacionado às políticasurbano-ambiental

Nome Lei nº. Ementa

Promulgada em 30 de março de 1990.Lei Orgânica do Município deBelém

Organiza e rege o município de Belém

Lei n. 7.603, de 13 de janeiro de 1994.Plano Diretor Urbano de Belém Dispõe sobre o Plano Diretor de Beléme dá outras providências

Lei complementar n. 2 de 19 de julhode 1999.

Lei Complementar de ControleUrbanístico - LCCU

Dispõe sobre o parcelamento,ocupação e uso do solo urbano domunicípio de Belém e dá outrasprovidências

Lei n. 7.399, de 11 de janeiro de 1988.Lei do parcelamento do solourbano

Dispõe sobre o parcelamento do solourbano do município de Belém

Lei n. 7.055, de 30 de dezembro de 1977.Código de Posturas Dá nova redação ao Código dePosturas de Belém

Lei n. 7.400, de 25 de janeiro de 1988.Lei de Edificações Dispõe sobre as edificações domunicípio e da outras providências

Lei n. 7.709, de 18 de maio de 1994.Lei de Proteção e Preservaçãodo Patrimônio Histórico

Dispõe sobre a preservação eproteção do Patrimônio Histórico,Artístico, Ambiental e Cultural doMunicípio de Belém e dá outrasprovidências

Lei n. 7.806, de 30 de julho de 1996.Lei dos Bairros Dispõe sobre as áreas que compõeos bairros de belém e dá outrasprovidências

Fonte: SEGEP (2002)

5.1.2. Programas, projetos e principais intervenções realizadas

As políticas relacionadas com a provisão da moradia foram majoritariamente implementadas no âmbitoestadual, pela COHAB. Ao final da década de 90, verificamos a permanência desta instituição comopromotora dos programas da CEF, mas verifica-se uma maior atuação do poder local através da SEHABe CODEM com programas que permanecem na pauta das políticas mais recentes. Durante a pesquisa, identificou-se que a CODEM vem efetivamente implementando a regularizaçãofundiária (titulação) de áreas de propriedade do Município ocupadas por população de baixa renda. Segundoo IPEA (1997), a COHAB e a CODEM regularizaram até 1996, 38 áreas de ocupação, atendendo cerca de28.128 famílias. Atualmente, o município utiliza-se da compra e venda ou do direito de superfície onerosoou gratuito, com base no Código Civil. Através de Portaria enquadra as famílias para receberem o titulooneroso ou gratuito, de acordo com diferentes faixas de renda. A alienação é feita por um prazo de 10anos. A Companhia tem atuado também em conjunto com o Ministério das Cidades (Programa PapelPassado) e a urbanização das áreas fica a cargo da Secretaria de Urbanização.32

32 Conforme entrevista com Sr. César Meira, Diretor de

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A SEHAB foi criada há sete anos e atua especialmente com a urbanização de áreas ocupadas e produçãode novas moradias para viabilizar os reassentamentos. A descontinuidade administrativa afetou o setor. Asinformações fornecidas em entrevista pelo atual secretário revelam certa dificuldade na suaoperacionalização. Na atual gestão ainda não foi entregue nenhuma nova unidade habitacional, mas foramrealizadas obras de infra-estrutura. Uma das dificuldades apontadas refere-se à propriedade das áreasinstitucionais - cerca de 40% das áreas públicas pertencem, ao Exército, Marinha e Aeronáutica e cerca de60% está sob o patrimônio da União, ainda em processo de repasse ao município. Atualmente, a Prefeituratem como prioridade a intervenção na vila Riacho Doce (650 famílias), Malvina (Bacia do Uma, 2.200famílias) e Vila da Barca. Entretanto, a Gerência do Patrimônio da União diz que essas áreas são de suapropriedade e a Prefeitura iniciou um processo de negociação.

A administração municipal não tem dados atualizados sobre o déficit de moradias. A SEHAB estima ademanda habitacional de cerca de 180 mil unidades existentes no município em condições de precariedade,entre 60% e 70% da população vive em áreas informais. Na avaliação do Secretário de Planejamento, das220 áreas ocupadas as situações mais graves são Tucunduba e a volta da Perimetral. Dois projetos estãosendo executados no âmbito municipal pela SEHAB: a vila da Barca, onde estão sendo iniciadas obras deterraplanagem para edificação da primeira fase das novas unidades habitacionais, projeto de reassentamentoque vai beneficiar 620 famílias (a primeira etapa beneficia 120); e a urbanização de área doada pelaUniversidade Federal do Pará, destinada ao reassentamento futuro de famílias do projeto de drenagem eurbanização da Bacia do Tucunduba.

Verifica-se que, em função das características físico-geográfica do espaço metropolitano, as ações do setorhabitacional estiveram quase sempre relacionadas ao saneamento básico para promover a ampliação doestoque de terras infra-estruturadas para o mercado imobiliário ou com investimentos na melhoria dascondições de habitação das áreas alagadas mas sempre vinculadas à realização de infra-estrutura física,obras de drenagem, recuperação e abertura de canais. As maiores intervenções ocorrem no âmbito estadual,nos projetos de macro-drenagem realizados em parceria com o poder público municipal e com investimentosexternos.

Destacamos no item seguinte as principais intervenções realizadas neste contexto, uma vez que se trata daprincipal tipologia de conflito urbano-ambiental identificada pela pesquisa. O foco da descrição é a soluçãoda questão da moradia nos projetos de macro-drenagem e urbanização das bacias do Una e do Tucunduba,e também sobre a intervenção municipal junto antiga área de favela constituída por palafitas, a vila daBarca. As macro-drenagens foram concebidas como melhorias efetivas na canalização dos esgotos nascotas baixas, cobrindo 16 bairros e 40% da sua superfície continental. Os projetos, além de desconsideraraspectos fundamentais do processo de reassentamento habitacional das famílias que residiam nasdenominadas palafitas (ao invés de preverem projetos de reassentamentos discutidos com os beneficiáriosefetivavam a indenização das benfeitorias a valores módicos) também não incluíam a construção de unidadesde tratamento dos efluentes, nem de outros mecanismos saneadores mais conseqüentes (Guerra, 2006).Isso num contexto em que apenas 4,8% da população tem acesso à rede de esgotos.33

5.1.3. Atuação sobre as situações de conflito urbano-ambiental

Macrodrenagem da Bacia do Una

Trata-se de empreendimento do Governo do Estado do Pará com participação da Prefeitura Municipal deBelém (PMB). A finalidade é recuperar as baixadas pertencentes à Bacia do Una, através da execução deobras de drenagem pluvial necessárias para solucionar os problemas de inundações que ocorriam numa

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área de 798 hectares, onde residiam cerca de 160 mil pessoas de baixa renda. A obra tem financiamento doBanco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o objetivo central do projeto era a drenagem, retificaçãoe revestimento de canais, prevendo o remanejamento de 2.800 famílias localizadas às margens dos igarapés.

A Bacia do Una compreende 11 bairros e em sua área de influência viviam mais de 500 mil pessoas, umterço da população de Belém. Dos 11 bairros compreendidos pela bacia, nove são atingidos pelo projeto.Ao final do projeto, 4.824 famílias deveriam ser desapropriadas e 2.780 remanejadas. Institucionalmente oProjeto de Macrodrenagem dividiu suas responsabilidades de atuação cabendo ao Estado a gerência geral,além das sub-gerências financeira, jurídica e de água e esgoto. À PMB coube a sub-gerência de relocação,drenagem e sistema viário. A participação da sociedade ocorreu de forma institucionalizada através de umComitê Assessor, constituído por membros do governo qual governo estadual, Prefeitura Municipal deBelém, sociedade civil organizada, representantes das sete sub-bacias e a empresa consultora do projeto.Ao Comitê Assessor caberia dar suporte técnico à gerência geral do Projeto em relação às preocupaçõesda comunidade, servir como órgão de consulta em relação ao desenho e urbanização dos lotes, controledo cumprimento do código de normas mínimas de autoconstrução na produção das casas, escolas, parquese infra-estrutura, ações de educação ambiental.

O Plano de Reassentamento, seguindo as exigências do BID estabelecia que os reassentamentos deveriamocorrer num raio máximo de 1,5 km minimizando efeitos decorrentes, que segundo o banco apontampara o empobrecimento das populações relocadas. Além disso, o plano previa indenização para os usuáriosde imóveis remanejados ou lotes urbanizados que poderiam ainda dispor do aproveitamento do materialdo imóvel demolido ou parte deste. Para viabilizar o transporte do material para o novo lote, no caso doremanejamento total, os usuários receberiam “o apoio de entidades com caráter de ação social”, além de“acomodações para família remanejada durante o período de reconstrução do imóvel” (PROJETO UNAapud Pinheiro e Rocha, 2001).

O Plano teve muitos problemas na sua implementação: o custo da terra nas proximidades da área deintervenção, a dificuldade de atendimento das diversas áreas urbanizadas e a dispersão das famílias relocadase os valores da indenização, entre outros. O plano foi alterado e as famílias passaram a ser remanejadaspara o Loteamento Paraíso dos Pássaros, uma grande gleba localizada nos limites da Primeira Légua, com55 hectares onde foram demarcados 2.057 lotes. As famílias receberam os lotes urbanizados e umaindenização pela suas antigas moradias, em geral com valores muito baixos, pois a maioria das moradiasera de madeira, tipo palafita, em péssimas condições de conservação e sem escritura.Todo o processo de planejamento e execução das obras contou com a participação popular através dosrepresentantes do Comitê Assessor do Projeto UNA. Através de um convênio entre Universidade Federaldo Pará (UFPA), Programa de Apoio à Reforma Urbana (PARU) e COHAB, as famílias receberam assessoriatécnica e social, na produção das novas moradias e na organização comunitária.

“O trabalho de assessoria técnica realizado pela universidade juntamente com os demais órgãos permitiuuma gestão compartilhada de recursos e ações, apresentando inovações em relação as práticas anterioresde remoção e reassentamento de famílias das baixadas. Houve uma preocupação em realizar ações articuladasde várias instituições de diferentes níveis de governo, federal, estadual e municipal, garantindo melhoriassignificativas nas condições de habitabilidade às famílias remanejadas no novo espaço de moradia” (LIMAe PARACAMPO, 2001)

Pesquisa realizada pela FASE e UFPA, publicada em 2001, aponta os impactos sócio-econômicos sobre apopulação reassentada. A avaliação dos moradores quanto à moradia e atendimento pela rede de serviços

33 Barbosa e Silva, 2002 citados por Braz, 2003 e Guerra, 2006.

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urbanos no novo local apresenta aspectos positivos (em relação à casa, escola, coleta de lixo e transporte)e negativos (abastecimento de água, atendimento à saúde, espaços de lazer, esgotamento sanitário) querevelam deficiências graves no projeto implementado. Mas a principal avaliação é de que o reassentamentopara o Loteamento agravou a precariedade das condições de moradia das famílias. O não cumprimento dacláusula que estabelece a distância máxima de 1,5 km para o local de reassentamento, foi um fatordesencadeador de impactos negativos no emprego e renda.

“.... pois registrou-se in loco que a perda dos vínculos com as antigas formas de sobrevivência (especialmentedas mulheres) que complementavam a renda com lavagem de roupa, pequenas atividades manuais, vendasde alimentos nas portas de suas antigas moradias... Tal perda contribuiu terminantemente para oempobrecimento das famílias” (FASE/UFPA, 2001).

Remanejamento Habitacional no Projeto Tucunduba

Trata-se de outra área que sofreu tratamento urbanístico, dessa vez a partir da década de 1990. A referidabacia possui uma área total de 10,55 km2 , a área alagável correspondia a 54% da sua área total. A bacia éconstituída por 13 canais sendo o Tucunduba, 100% em estado natural, o principal canal. A área é definidapelo Plano Diretor Urbano de Belém (PDU) como uma Unidade Ambiental de Moradia cujo traçadocorresponde a um condomínio horizontal, onde o solo é predominantemente habitacional. Por sua vez, asáreas que compõem o Riacho Doce e Pantanal localizam-se na zona urbana do município e encontram-seinseridas em uma Zona Especial de Interesse Social do tipo 1 (ZEIS 1) (LARANJEIRA, 2002). No iníciodas obras de intervenção, entidades populares realizaram um levantamento que diagnosticou a existênciade aproximadamente 1.400 domicílios no Leito e margens direita e esquerda do Canal do Tucunduba.

O Projeto Tucunduba envolveu a realização de operações de remanejamento de habitações precáriaslocalizadas às margens do rio, implementadas pela Secretaria Municipal de Saneamento (SESAN) atravésde Comissão constituída para tal fim, no período de 1999 a 2001. Segundo Pinheiro e Rocha (2001), até oano de 2001, foram indenizadas pela Prefeitura Municipal um total de 468 benfeitorias localizadas na áreade domínio do Projeto Tucunduba. O processo foi feito via indenização das moradias ou pela transferênciadas famílias ao conjunto Eduardo Argelin num lote urbanizado e edificado. Nesta etapa, predominou oprocesso de indenização. De acordo com COHRE (2003) as compensações não excederam o valor de R$2.000,00 por pagos por benfeitoria, o que, à época, era insuficiente para que a famílias pudesse adquiriroutra moradia no mercado formal, mesmo que para a baixa renda. No que se refere ao destino final dasfamílias remanejadas, a Comissão de Remanejamento informou que houve dificuldades em realizar ocontrole total dos novos endereços já que o contato direto com o morador era rompido após a assinaturado acordo e o recebimento do valor da indenização no setor financeiro da SESAN. Entretanto, háinformações de que houve preferência das famílias em permanecer no mesmo bairro, em bairros próximosda área ou, em alguns casos, retornar ao município de origem.

No período de 2001 a 2004, a partir das exigências do Congresso da Cidade,34 foram elaborados Planos deDesenvolvimento Local Sustentável, constituídos de “um conjunto de projetos que se inter-relacionamentre si, afirmando uma forma de se pensar à cidade coletivamente, obedecendo à uma lógica de intervençãoplanejada e tendo como diretrizes básicas: i) a participação e o controle popular; ii) a organização comunitária;iii) a valorização do meio ambiente; iv) o resgate da cultura local; v) a geração de trabalho e renda, e; vi) oreconhecimento dos distintos espaços organizativos existentes e envolvidos no processo”. (BELÉM, 1999).

O Projeto de Desenvolvimento Local Sustentável da Bacia do Tucunduba, elaborado em 2002, procurouavançar em relação às experiências de macrodrenagem, numa perspectiva de universalização da cidadania,

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sustentabilidade urbana e melhoria da qualidade de vida da população residente em suas margens, a partirde ações integradas onde a inclusão social e a gestão participativa na manutenção do espaço urbanizadopassam a compor os objetivos do trabalho (Laranjeira, 2002).

No PDLS Tucunduba foram previstas ainda ações de regularização urbanística, organização comunitáriae participação dos moradores, desenvolvimento comunitário e controle social, geração de trabalho e renda,acompanhamento das famílias remanejadas, educação sanitária e ambiental, monitoramento e avaliaçãodas ações executadas. Por estes aspectos, o PDLS da Bacia do Tucunduba foi escolhido como uma das dezmelhores práticas de gestão local pelo programa “Caixa Melhores Práticas”, da Caixa Econômica Federal,além de ter sido classificado entre as 100 melhores práticas de gestão local em Dubai, nos EmiradosÁrabes. Hoje um terço do Tucunduba está saneado.

Projeto Vila da Barca

A vila da barca está localizada junto à orla da cidade há mais de 50 anos. Apresenta uma configuraçãoespacial estruturada pela continuidade da cidade sobre as águas, para além dos limites de terra firme.Caracterizada por um conjunto de habitações, em sua grande maioria com tipologias palafíticas, estásituada sobre uma área alagada ou alagável e possui um sistema de circulação desenvolvido sobre estivasde madeira que conformam um traçado não regular. Segundo os moradores locais, é a única favela queresistiu no centro da cidade de Belém e conta atualmente com 630 famílias.

A intervenção pública no local é fruto da organização e demanda da comunidade junto à prefeitura. Até2002, as principais intervenções foram a melhoria na infra-estrutura (posto de saúde, serviço de luz e águae manutenção das estivas) e um projeto de Poupança e Crédito Popular para pequenas obras de reformaou recuperação em habitações precárias. Seguindo uma tendência internacional estabelecida, o programade crédito se sustenta em três principais sujeitos: a população e sua organização de base, as organizaçõesnão-governamentais e o governo local. Do universo de 630 famílias deste assentamento, 60 forambeneficiadas pelo Projeto executado pela PMB porque o recurso para financiamento teve um valor irrealperante a realidade de sobrevida da população e acabou tendo pouco impacto no cotidiano. O tipo deintervenção realizada pode ser considerado, de certa forma, inexpressivo, pois se caracterizou por pequenasmelhorias das habitações precárias, reformas e construções. Destaca-se como ponto específico desse projeto,a intervenção da Associação de Moradores da Vila da Barca como principal agente interlocutor entremoradores, ONG e governo local.

Em 2003, um financiamento do Ministério das Cidades iniciou o projeto de urbanização da Vila da Barca.O projeto da Vila da Barca refere-se à reconstrução de novas unidades habitacionais para a população quevive nas palafitas e está sendo executado pela Prefeitura. Segundo lideranças locais, o Ministério das Cidadesas procurou para fazer um projeto mais amplo, envolvendo a comunidade e a Prefeitura, resultando naurbanização de uma área contígua a vila, onde serão construídas unidades habitacionais. Cerca de 90% dacomunidade está de acordo com o novo projeto cuja primeira etapa prevê a construção de 150 casas.

5.1.4. Articulação institucional e participação social

34 O Congresso da Cidade, lançado em 1998 como a instância de participação no planejamento e gestão da cidade de todos ossegmentos sociais, consolidou-se como ente norteador da gestão municipal pautado por diretrizes estratégicas (PEMAS,2001).

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No âmbito municipal, verifica-se a articulação das secretarias em trono dos grandes projetos, com limitaçõesna participação efetiva por parte de algumas secretarias. Relatório do IBAM (1999) aponta dificuldades deatuação na área de recursos humanos, organização de competências, aparelhos de informática e nível deinformatização dos órgãos inclusive com acesso restrito entre as próprias unidades. Deste modo, a criaçãode equipes interdisciplinares desencadeou conflitos como falta de conhecimento da legislação urbanísticae a falta de disponibilidade técnica dos órgãos, resultando em carência de profissionais em muitos programase desqualificando o tratamento e o andamento dos projetos (LIMA, 2001 e 2003).

A CODEM é responsável pela urbanização de áreas mediante convênio com terceiros e pela atuaçãocomo agente promotor no planejamento e execução de obras ou serviços financiados com recursos doFundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Orçamento Geral da União (OGU). Essa atribuiçãodeveria ser repassada à SEHAB, como órgão responsável pela política habitacional. Conforme o IBAM(1999), com a inserção da SEHAB em 1998 deveria ter havido uma revisão nas funções entre os órgãosenvolvidos para promover a readequação de competências. Devido aos problemas de recursos humanosenfrentados, de forma diferenciada pelas unidades administradoras (SEGEP, CINBESA, CODEM), muitasações são realizadas em conjunto, especialmente nos setores habitacionais, saneamento e desenvolvimentourbano. No entanto, o desenvolvimento dos projetos é realizado através de contratações de terceiros soba forma de consultoria ou prestação de serviços, restando às unidades o cargo de coordenadoria. Nestescasos, a SEHAB assume o papel de coordenadora dos programas e estudos de caso.

No âmbito estadual, a Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente é a principal instânciana gestão pública dos conflitos urbano-ambientais. A Secretaria atua mais efetivamente desde 1995, masa estrutura de meio ambiente montada em 1993 está defasada. Possui como competências as atividades decomando, controle, licenciamento e fiscalização. Tem como objetivo a descentralização da gestão ambientalcomo forma de relacionamento com os municípios. Pelo menos seis municípios no Pará estão bemestruturados para executar as atribuições de competência exclusiva do Município em atividades de impactolocal. A Secretaria trabalha para fortalecer os demais municípios para essa gestão por meio de convêniosde capacitação técnica (Resolução 237 do CONAMA). Nenhum dos seis municípios tem competênciapara licenciar parcelamento do solo, pois nesses convênios essa atribuição não foi repassada a eles. Osmaiores problemas ambientais são: nascente do Rio Paracuri, as várzeas do Rio e desmatamento.

Em relação à Prefeitura de Belém e às atividades desenvolvidas no município, a Secretaria foi responsávelpela aprovação do estudo de impacto da macro-drenagem do UNA. No caso da macro-drenagem doTucunduba, a Secretaria solicitou à Prefeitura, no âmbito do licenciamento do empreendimento, os critériosque estavam sendo aplicados para as indenizações e aprovou o condomínio para a relocação de parte dapopulação das palafitas do Tucunduba. Na revisão do PD, a Secretaria foi procurada pela Prefeitura paraavaliar o caso da Unidade de Conservação do Parque Ambiental de Belém, pois os limites foram modificadosem função da existência de ocupações de população de baixa renda na área de mananciais. A Secretarianão possui o mapeamento das áreas habitacionais em situação de risco. As ilhas de Belém são de competênciamunicipal no aspecto da gestão do uso do solo, com exceção da ilha do Cundú que é Unidade deConservação Estadual.

É forte a organização social em torno das questões ambientais e da moradia, envolvendo várias organizaçõesinstitucionais e não governamentais. O quadro seguinte foi elaborado a partir da pesquisa de campo35 eregistra as principais entidades ligadas à questão sócio-ambiental em Belém:

35 Diagnóstico Preliminar realizado por COHRE em março de 2006

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Centro de Estudos e Práticas de Educação Popular - CEPEPOCentro Universitário do Estado do Pará - CESUPAConfederação Nacional dos Centros Comunitários e Associações de Moradores - CONANConselho da CidadeConselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREAFederação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASEGerência de Apoio ao Desenvolvimento Urbano (GIDUR) da Caixa Econômica Federal - CEFInstituto de Estudos Superiores da Amazônia - IESAMInstituto Saber-Ser Amazônia Ribeirinha - ISSARMovimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLMMovimento de MulheresSindicato dos Urbanitários do Estado do ParáUniversidade do Estado do Pará - UEPAUniversidade da Amazônia - UNAMA

A SEHAB informou em entrevista ter bom diálogo com o Movimento Nacional de Luta pela Moradia(MNLM) e outros movimentos sociais. Periodicamente, a Secretaria realiza assembléias com os moradores.Existe o Fundo Municipal de Habitação e o Conselho Municipal de Habitação criado por Lei, mas aindanão implementado na prática já que falta dar posse aos seus membros. O Conselho tem caráter deliberativoe possui 18 conselheiros. A SEURB e a SESAN elaboram os projetos de desenho urbano e/ou arquitetônicose também realizam a fiscalização de obras. Os projetos são acompanhados pela população através doCOFIS (Comissão de Fiscalização de Obras).

É histórica a importância da organização das comunidades e suas assessorias na demanda e no controle dagestão pública sobre a questão habitacional. Desde a década de 70, a população das baixadas se organizaexigindo a intervenção pública para a melhoria das condições de moradia. Alguns destaques da entrevistaconcedida em 29 de março pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) reforçam estaafirmação:

“... a história da ocupação das terras em Belém demonstra que a ocupação desordenada não é resultadoda atuação de movimentos sociais e de invasões de terras por migrantes do nordeste. Ela é resultado denegociações de terras entre políticos que tinham muito poder em função do ciclo da borracha (Belém eraa capital da borracha). Os bairros populares se formavam para fornecer mão-de–obra barata à extraçãoborracha. A COHAB atuou na produção de interesse social, antes mesmo das principais intervenções demacro-drenagem periferizando a cidade com a implantação de conjuntos além da Primeira LéguaPatrimonial.

... Na época da macro-drenagem do Una, a proposta da antiga Comissão de Bairros de Belém era que osreassentamentos fossem feitos no máximo a 1 km de distância, só que houve manobras na conformaçãodo conselho gestor do projeto e aí a sociedade civil não conseguiu fiscalizar o projeto. O reassentamentode mais de 1 mil pessoas dos 9 bairros do Una foi realizado no conjunto habitacional Paraíso dos Pássaros(área da antiga Cia. Das Docas) onde hoje há apenas 20% dos moradores originais. O conjunto EduardoAngelim recebeu moradores do Tucunduba em casas de 20m2, em uma área que era de preservação deárvores castanheiras ...... O Conselho Municipal de Habitação, de composição paritária, foi criado com o apoio do Município edo Partido da Social Democracia BrasiLeira (PSDB) que só tem uma Secretaria no governo municipal, ade Habitação. O MNLM conseguiu colocar na cota governamental um representante da Secretaria dePatrimônio da União, da Caixa Econômica Federal (CEF) e da UFPA, o que dá mais peso para a sociedadecivil...”

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51Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Órgão FunçõesCriada pela Lei Municipal n.. 2.021, de 12 de julho de 1989, com a atribuição de formulare executar a política municipal de desenvolvimento e meio ambiente da cidade de Manausem consonância com as diretrizes estabelecidas pela política nacional de desenvolvimentoeconômico, científico, tecnológico e de meio ambiente. Em outubro de 2001, o Decreton. 5.875 aprovou sua reorganização estrutural. Além dos órgãos de assessoramento e deatividade-meio, a estrutura organizacional da SEDEMA dispõe de três departamentosvoltados para as atividades-fim. São eles: o de Estratégia Ambiental, o de ControleAmbiental e o de Arborização e Paisagismo.

Secretaria Municipal dedesenvolvimento e meioAmbiente (SEDEMA)

Criada pela Lei Municipal n. 175/93, tem como atribuições a formulação e execução,direta e indireta, de obras e serviços de infra-estrutura e saneamento básico, objetivandoa conservação do sistema viário, a efetivação do transporte coletivo e a contínua limpezada cidade, a fim de melhorar a qualidade de vida da população.

Secretaria Municipal deObras, SaneamentoBásico e ServiçosPúblicos (SEMOSB)

Criada pela Lei Municipal n. 1.242/75, tem por atribuição o atendimento dos programasde equipamento urbano e infra-estrutura do Município, bem como prover os meiosnecessários à operação dos serviços públicos; elaborar e encaminhar ao chefe do Executivoos estudos para implantação do Plano Diretor de Manaus; promover estudos e pesquisaspara o planejamento integrado do desenvolvimento do Município; propor medidasadministrativas ou legais com vistas a sanear e urbanizar os igarapés e promover aurbanização da cidade.

Empresa Municipal deUrbanização (URBAN)

O IMPLURB surgiu em função do PD com a concepção de que o Instituto deveconcentrar-se no tema do planejamento urbano enquanto as funções relativas ao controleurbano devem ficar a cargo da futura Secretaria de Desenvolvimento Urbano, quepretendem instituir na reforma administrativa que será implementada.

Instituto Municipal dePlanejamento Urbano(IMPLURB)

A participação na oficina de capacitação e síntese realizada em Belém é outro indicador desta mobilização.Foi apresentado pelo Fórum dos Lagos e o Centro de Estudos e Práticas em Educação Popular (CEPEPO)o trabalho que vem sendo desenvolvido junto às ocupações do Parque Ambiental de Belém – 1,340hectares em torno dos lagos Bolonha e Água Preta – no interior da APA de 10 mil hectares. Neste entornovivem 30 mil pessoas distribuídas pelos bairros Castanheira, Águas Lindas, Parque Utinga. As ocupaçõesestendem-se pelos municípios de Belém e Ananindeua. Além de moradias de baixa renda, há tambémempresas de ônibus, clubes e imóveis comerciais sobre o local.

A COHAB tem implementado um projeto de retirada e indenização de 1.300 famílias. Os valores dasindenizações não são aceitos pelos moradores. A preservação dos lagos não deve ser apenas física, comoé a proposta de construção de um muro ao redor dos lagos; é necessário um plano de gestão ambiental ea formação de um comitê de bacias. Os moradores que necessitam sair querem um preço justo pelasindenizações. A CEPEPO trabalha com a comunidade local em ações de educação ambiental eesclarecimento da população. A agenda colocada para o Estado é a exigência do cumprimento da legislaçãofederal mediante a constituição do comitê gestor da APA Belém, previsto no Decreto que criou a APA em1993, mas até agora não instalado.

5.2. MANAUS

5.2.1. Organização institucional

Na tabela a seguir podem ser observadas a estrutura e as responsabilidades dos órgãos da PrefeituraMunicipal de Manaus relacionadas à gestão urbano-ambiental do município.

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52 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Plano Diretor Urbano eAmbiental de Manaus

Lei n. 671, de 04 de novembro de 2002.

Conselho Municipal deDesenvolvimento Urbano(CMDU)

Lei n. 644, de 8 de março de 2002. Tem funções normativas, disciplinarese deliberativas sobre as questõesrelativas aos sistemas, serviços eordenação do espaço urbano. Foiinstituído pela Lei Orgânica doMunicípio de Manaus.

Fundo Municipal para oDesenvolvimento e MeioAmbiente (FNDMA)

Lei Municipal n. 219/93. Tem por finalidade criar condiçõesfinanceiras e de gerência de recursosdestinados ao desenvolvimento dasações e serviços relativos ao meioambiente.

Fundo Municipal deDesenvolvimento Urbano

Lei Municipal n. 2.570/94. Tem como atribuições a execução deinvestimentos em infra-estrutura ur-bana nas redes de drenagem pluvial,energia elétrica e iluminação pública, naconstrução de habitações populares eem outros investimentos definidos peloConselho Municipal deDesenvolvimento Urbano.

Regulamenta o Plano Diretor Urbanoe Ambiental, estabelece diretrizes parao desenvolvimento da Cidade deManaus e dá outras providênciasrelativas ao planejamento e à gestão doterritório do Município.

Fonte: Prefeitura Municipal de Manaus

Quadro Síntese do Ordenamento Jurídico – Institucional Municipal relacionado às políticasurbano-ambiental

Nome Lei nº. Ementa

Lei Orgânica do Município deManaus

Promulgada em 5 de abril de 1990 eatualizada através de emenda em 23 demarço de 2004.

Organiza o exercício do poder efortalece as instituições democráticas eos direitos da pessoa humana

Lei do perímetro urbano Lei n. 644, de 8 de março de 2002 Regulamenta o perímetro urbano noMunicípio de Manaus e descreve oslimites da cidade, conforme as diretrizesdo Plano Diretor Urbano e Ambientalde Manaus.

Lei do Parcelamento do SoloUrbano

Lei n. 665, de 23 de julho de 2002 Regulamenta parcelamento do solourbano no município.

Código Ambiental doMunicípio de Manaus

Lei n. 605, de 24 de julho de 2001. Institui o Código Ambiental doMunicípio de Manaus e dá outrasprovidências. O Código Ambiental de-fine a política ambiental do Município,seus objetivos e instrumentos, além dedeterminar instâncias e instrumentosda gestão ambiental.

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53Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

5.2.2. Programas, Projetos e principais intervenções realizadas

A atuação do município sobre as áreas de conflito urbano-ambiental é recente. Ela se dá de forma maisefetiva a partir da elaboração e aprovação do novo Plano Diretor, em 2002, e está principalmente vinculadaàs políticas de gestão ambiental e saneamento.

Até 2001, o Programa SOS Igarapés era uma das ações de maior repercussão ambiental da Prefeitura deManaus. Executado pela SEDEMA e pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DEMULP),desde 1999, foi criado com o objetivo de agir na retirada do lixo de cursos d’água e mobilizar as comunidadespara a mudança de hábitos em relação ao descarte do lixo. Para a mobilização das comunidades, o ProgramaSOS Igarapés envolveu mais de 100 instituições e recebeu a adesão de 3 mil voluntários que aturam comoagentes no desenvolvimento de alternativas para o lixo e como agentes multiplicadores para a sensibilizaçãoda comunidade (Geo-Cidades, 2002).

O Plano Plurianual do Município de Manaus, 2002/2005, colocou em destaque as questões ambientais eurbanas ao enunciar as diretrizes orientadoras da ação de governo para o período. Para a diretriz relativa àMelhoria da Gestão Ambiental, o Plano Plurianual (PPA) define, entre outras, as ações de ampliação dafiscalização ambiental, proteção de nascentes e mananciais, preservação de áreas verdes e recuperação deáreas degradadas, além da implantação de novas Unidades de Conservação. Para a diretriz de Expansão eAperfeiçoamento da Infra-estrutura Urbana, o PPA enfatiza a necessidade da cidade oferecer estruturasde apoio logístico para que Manaus possa desempenhar o papel de porta de entrada do Brasil, na AmazôniaOcidental. As ações devem se voltar para a melhoria da malha viária e dos sistemas de energia, transportede passageiros e carga, além dos serviços de limpeza urbana, coleta e disposição final de resíduos sólidos.O PPA 2002/2005 fixou as orientações estratégicas para os órgãos municipais responsáveis pela execuçãodos programas e projetos urbanos e ambientais (Geo-Cidades, 2002).

De modo geral, o Município atua aplicando a legislação correspondente. Institui Área Especial de InteresseSocial (AEIS) para regularização fundiária e em áreas vazias, para novos projetos de habitação de interessesocial (HIS) para o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) do governo federal. Para áreas vazias,não há uma política deliberada de indução de uso para fins de HIS; a instituição de AEIS depende derequerimento do empreendedor que, na grande maioria das vezes é o poder público (Estadual, nos casosdos conjuntos Cidadão e Nova Cidade, que são os empreendimentos mais recentes de HIS). Tambéminstituem AEIS para a recuperação ambiental, como no caso do igarapé 40, em que todo o seu leito foigravado como AEIS, cuja destinação está vinculada à preservação ambiental e ao uso público de determinasáreas reurbanizadas do leito.

O Departamento de Gestão Territorial da Secretaria Municipal de Meio Ambiente é quem trata dosrecursos hídricos e das áreas de preservação. A Sub-Secretaria Municipal de Habitação tem um funcionáriocedido a este departamento em função dos conflitos de moradia existentes nas bacias e igarapés de Manaus.A Sub-Secretaria de Habitação está implementando o programa de regularização fundiária das áreasmunicipais, o programa Papel Passado, em conjunto com o Ministério das Cidades, para entregar títulosdefinitivos registrados. Cerca de 10 mil títulos de Concessão Especial para fins de Moradia foram entreguesem 2005, com vigência por um prazo de 10 anos, ao final do qual o beneficiário pode transferir o lote.

As duas principais intervenções relativas à solução de conflitos urbano-ambientais são implementadaspelo Governo Estadual, o Programa de Saneamento de Igarapés (PROSAMIN) e o Programa deRegularização Fundiária das Áreas Estaduais. A ocupação dos igarapés por população de baixa renda foia principal situação de conflito urbano-ambiental identificada por esta pesquisa. Configuram-se quadros

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54 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

onde se somam precariedade da moradia e degradação do ambiente com problemas de saúde, saneamentoe irregularidade que afetam as famílias locais, o saneamento e a drenagem da cidade.

5.2.3. Atuação sobre as situações de conflito urbano-ambiental

Programa PROSAMIN

É a intervenção pública de maior abrangência nestas áreas e se dá no âmbito do Governo do Estado, comrecursos do Ministério das Cidades e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) O projetopossui cinco componentes: engenharia, meio ambiente, desenvolvimento institucional, jurídico e social.O objetivo do projeto, financiado pelo BID, é a requalificação ambiental e social dos igarapés denominadosManaus, Mestre Chico, Bitencourt e Quarenta, tendo este último sido priorizado para iniciar a intervenção.

A UGPI (Unidade de Gestão do Programa de Saneamento de Igarapés) gerencia o projeto e trata do setorsocial do PROSAMIN, cuja principal tarefa é o remanejamento das famílias e o desenvolvimento deprojetos de geração de trabalho e renda para a sua sustentação após o reassentamento. A unidade degestão do projeto tem status de Secretaria e está vinculada ao Gabinete do Governador.

Segundo a instituição, o projeto está estruturado da seguinte forma: O plano de remanejamento é feitopor igarapé e as soluções apresentadas para as moradias que precisam ser remanejadas (palafitas e moradiaprecárias dentro da faixa de APP que varia entre 30 e 50m) são uma indenização, um bônus moradia ouuma unidade habitacional no conjunto Nova Cidade. Para as famílias que residem em casas avaliadas ematé R$ 21 mil, a alternativa é o bônus moradia que viabiliza a obtenção de outro imóvel no mercadohabitacional formal até um valor máximo de R$ 21 mil.36 Caso o valor da casa a ser demolida supere essevalor, a modalidade utilizada é a indenização. Se a família afetada vive em condição de aluguel ou em casacedida, a modalidade prevista é o seu reassentamento em uma unidade habitacional no conjunto NovaCidade ou Conjunto Cidadão. Em qualquer dessas modalidades, a família beneficiária torna-se proprietária.A modalidades bônus moradia e o reassentamento incluem o pagamento da mudança e auxílio para oingresso das crianças na rede pública de ensino básico e médio (os conjuntos de reassentamento nãopossuem equipamentos de saúde e educação adequados). Está prevista a remoção de 1.856 famílias doIgarapé 40 e 2.400 famílias dos outros três igarapés atingidos pelo projeto.37

No que se refere à capacitação econômica dessas famílias, são realizados cursos de capacitação, porém,mas não há programa que facilitem o acesso a equipamentos ou créditos para iniciar um pequeno negócio.Foi realizado mais recentemente um convênio com a Agência de Fomento do Estado do Amazonas(AFEAM) e com o Bradesco para propiciar créditos a juros de 2% ao ano para as famílias desenvolverempequenos projetos de geração de renda.

A participação das famílias no projeto se dá via um plano local em que são constituídos um comitê derepresentantes e grupos de apoio que acompanham a implementação do PROSAMIN. Há também umfórum de gestão formado por representantes do entorno quando a obra inicia. O grupo de apoio local eo Comitê de Representantes são formados somente por pessoas atingidas pelo projeto.

36 O financiamento é até R$ 21 mil por unidade habitacional porque o BID financia um máximo de US$ 7 mil por unidade,valor que a ná época do convênio correspondia a R$ 21 mil.37 Para definir esse número, utilizam a quota 30 de alagamento do Rio Negro e os 30 m definidos para APPs. Além disso, ocomponente viário das obras nos igarapés também determina os reassentamentos.

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55Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Quanto aos reassentamentos, existe pouca aceitação da comunidade quanto ao local de destino. Estãosendo edificados 1.600 apartamentos de 53 m2, que não são repassados em regime de condomínio, e mais15 mil casas de diferentes padrões que têm servido a projetos habitacionais também destinados a funcionáriospúblicos estaduais, reassentamentos de populações de outras áreas e aos reassentamentos do PROSAMIN.Não há diferenciação no número de cômodos nas casas e apartamentos para considerar famílias menos oumais numerosas.

O Estado pretende repassar as áreas destinadas ao uso público que resultam da intervenção e as faixas deAPPs para o Município, o que implica em fazer um levantamento mais abrangente, semelhante ao realizadopara os igarapés em processo de urbanização, para chegar a uma solução conjunta com o MinistérioPúblico.

Programa de Regularização Fundiária

A irregularidade habitacional avança também sobre áreas de preservação com vegetação primária e constituio segundo conflito identificado pela pesquisa. Sua expansão ocorre no sentido norte, em áreas estaduais,onde foram implementados dois grandes empreendimentos habitacionais pelo governo do estado e ondeocorreram e ocorrem muitas ocupações. Atualmente, estas situações estão sendo regularizadas pela Secretariade Estado e Política Fundiária (SPF). A Secretaria foi criada em 2003, em substituição a um Departamentovinculado à Secretaria de Terras e Habitação (SETHAB) que havia substituído o Instituto de Terras doAmazonas, em 2002. Sua principal proposta é efetivar a regularização fundiária de loteamentos jáimplantados e das áreas estaduais ocupadas informalmente, não criar novos loteamentos. A Secretariapretende expedir 30 mil títulos de propriedade definitiva individual.

O Programa de Regularização Fundiária pretende a instituição de Zonas Especiais de Interesse Social(ZEIS) pelo município, pois a maior parte das áreas não atende às exigências legais. Por exemplo, noParque São Pedro, uma ocupação de mais de 10 anos, o lote mínimo é de 70 m2. Quando existem áreas derisco ou sujeitas a alagamento dentro das áreas de propriedade estadual em processo de regularização, aSecretaria não atua junto às famílias. O programa só trabalha com a regularização física (projeto de divisãodos lotes e arruamento) e regularização jurídica (titulação). Somente em alguns casos, estão urbanizandoáreas consideradas já consolidadas e, portanto, dotadas de certo grau de urbanização e infra-estruturabásica. A proposta é atender o que é possível.

Quanto à titulação, no caso de áreas de até 250m2 ocupadas por famílias com renda mensal familiar de até3 salários mínimos, a outorga do direito de propriedade é gratuita (doação). Para áreas acima de 250m2,ocupadas por famílias com renda familiar de 15 salários mínimos, haverá o pagamento de 100% do valordo imóvel de acordo com a avaliação. Entre o primeiro e o segundo parâmetro, há uma escala que considerao tamanho do terreno ocupado e a renda mensal auferida para estabelecer o valor a ser pago pela família.

38A forma de obtenção das moradias era intermediada por corretores de imóveis que faziam a busca e o enquadramento dascasas a serem adquiridas (houve um acordo entre a Prefeitura e o Conselho Regional de Corretores, que não evitou a fraude naavaliação dos imóveis denunciada na Folha de SP e a supervalorização de imóveis). Com o imóvel identificado, agora é feitauma análise jurídica e uma avaliação do setor de engenharia da Secretaria da SUHAB.

Atualmente, os problemas enfrentados pelo projeto, segundo UGPI, passam principalmente pela dificuldadede obter uma moradia adequada ao custo de R$ 21 mil no entorno dos igarapés38, pois o início dasintervenções provocou uma inflação no mercado local. A CEF foi posteriormente procurada pela Prefeiturapara ajudar a encontrar os imóveis disponíveis.

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56 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Essa escala é definida por um Decreto ou Portaria que regulamenta a titulação de áreas ocupadas que sãode propriedade Estadual.

Sobre o processo em implantação em 12 áreas, o Secretário informa que são adotadas as seguintes etapas:a) Requerimento firmado pelo beneficiário solicitando a regularização; b) vistoria do imóvel pela Secretariapara verificar as condições do lote, da moradia, dimensões, uso, etc.; c) aplicação do cadastro sócio-econômico; d) levantamento topográfico e memoriais; e) publicação da decisão aprovando a regularizaçãoa partir dos documentos e informações colhidos nas etapas anteriores com prazo de 30 dias paracontestações; f) expedição do título individual. Em relação ao registro no Registro de Imóveis foi informadoque a Secretaria firmou um convênio com a ANOREG (Associação Nacional dos Registradores). OEstado entrega os títulos sem registro.

As áreas de risco, localizadas no interior de área maior em processo de regularização, deverão ser repassadasao Município para que busque uma solução. A justificativa é que, geralmente, essas áreas de risco ocupadasse referem às Áreas de Preservação Permanente (APPs) ao longo dos igarapés e igapós ou às praças quedeverão vir a pertencer à municipalidade, após a regularização do parcelamento do solo.

5.2.4. Articulação institucional e Participação Social

Manaus apresenta um conjunto significativo de organizações governamentais e não governamentais queatuam em situações de conflito urbano-ambiental. A articulação entre as instâncias governamentais e aatuação integrada dos setores municipais na solução dos conflitos urbano-ambientais ainda são um desafio.No âmbito municipal, o Instituto de Planejamento (IMPLURB) surgiu em função do Plano Diretor coma concepção de atuar somente com o planejamento urbano, mas ainda não recebeu o repasse de funçõesrelativas ao controle urbano porque a Secretaria de Desenvolvimento Urbano não foi implementada comoprevisto pela reforma administrativa. O governo do estado permanece com situações de sobreposição deatividades e um certo desacordo quanto aos encaminhamentos e soluções adotadas. Um exemplo é a faltade diálogo em relação às situações de risco nos projetos em implementação (PROSAMIM e RegularizaçãoFundiária) que serão repassadas ao município. Não existe ainda convênio entre as secretarias estadual emunicipal de Meio Ambiente para estabelecer e delimitar as competências para licenciamentos ambientaisem Manaus. O Município enviou uma minuta para o Estado no início de 2005, mas até o momento dasentrevistas não havia obtido respostas. O Ministério Público tem ajudado o Município na definição dascompetências.

As instâncias de participação social são os Conselhos (Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano). Apesquisa não obteve informações sobre a atuação efetiva destas instâncias. Está sendo conformado o 1oComitê da Bacia do Tarumã, na zona oeste, que abrange 133 mil hectares. Quanto à atuação das comunidadese organizações sociais nos projetos em andamento ou nas ações que incidem sobre situações de conflitourbano ambiental, a pesquisa procurou identificar, através de entrevistas e seminário, as entidades queatuam nas situações de conflito e sua avaliação quanto ao que vem sendo executado. As principaisexperiências apresentadas na oficina de capacitação e síntes apontaram:

1- A comunidade, organizada em torno do projeto PROSAMIM, é acompanhada pela Cáritas e pelosFóruns de Habitação e Orçamento, e faz muitas críticas ao projeto, destacando como principais:

- na proposta apresentada pelo Governo do Estado ao BID, o Programa asseguraria o reassentamento dapopulação nas proximidades da área afetadas, em condições dignas de habitação, num raio máximo de500m, o que de fato não está ocorrendo. A proposta também dizia que haveria o aterramento de locais

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57Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

para criar solo e ali manter as famílias, mas o que se observa é que esse solo será futuramente ocupado porpopulação de alta e média renda. No que se refere às famílias que concordariam em retornar ao seu localde origem (antes de vir a se estabelecer nos igarapés), o conceito adotado no Programa é muito vago poispoderia significar o retorno de pessoas ao Maranhão, por exemplo.- pelo projeto inicial, a urbanização das áreas dos igarapés contemplava majoritariamente ações de paisagismojunto às beiras dos igarapés ou nas áreas aterradas. Entretanto, durante o desenvolvimento do projetooutros usos foram indicados como no caso do igarapé Manaus onde as áreas recuperadas serão usadaspara estacionamento. A UniNorte (Universidade do Norte) tem comprado muitas áreas no entorno paraconstruir prédios;- o BID financia projetos desse tipo sem haver uma diretriz maior sobre a solução habitacional oferecidanos projetos que envolvem construção de infra-estrutura e conseqüente reassentamento de famílias;- a tipologia proposta é baseada em modelo do antigo BNH, com o fechamento completo do igarapé econstrução de conjuntos habitacionais.

Para a comunidade, o projeto PROSAMIM deveria ter como foco principal o social e o ambiental, masacaba sendo contraditório, pois as condições de moradia e as condições ambientais resultantes da intervençãonão melhoram nem a qualidade de vida da população nem a dos igarapés. A Associação de Moradores doIgarapé da Cachoeira foi a responsável pelo início da luta pela drenagem e agora entrou com umaRepresentação no Ministério Público Estadual solicitando uma auditoria no programa PROSAMIN. Nadrenagem do Igarapé Quarenta, as famílias da comunidade Cachoeirinha estão sendo reassentadas naNova Cidade e no Conjunto Cidadão, 10 mil unidades habitacionais construídas pelo PROSAMIN. Ascondições de reassentamento são bastante precárias e o material de construção usado é de baixa qualidade,.Não há saneamento básico nem acesso a equipamentos urbanos de saúde e educação. (comunidade daCachoeirinha).

2- Em 2003, houve a ocupação das áreas da SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) e,na oportunidade do pedido de reintegração, a juíza solicitou a manifestação do Ministério Público Federal.A comunidade se articulou com professores e estudantes da UFAMA e elaboraram um diagnóstico dasituação sócio-econômica daquela ocupação entrevistando cerca de 3.400 famílias. Os dados levantadosdemonstraram que 60% dos moradores das áreas eram crianças na faixa etária de 0 a 3 anos. Os pais dessascrianças eram jovens entre 17 e 23 anos e, na sua maior parte, vinham de bairros próximos. Estascaracterísticas evidenciam uma segunda geração de famílias sem moradia e demonstram um problemacrônico do município: a falta de políticas de inclusão, que não necessariamente decorrem da falta derecursos, tendo em vista que o Amazonas é um Estado rico. Os últimos condomínios construídos têmmais de 20 anos. A exceção é o conjunto Nova Cidade que é mais recente, mas apresenta péssima qualidadede vida. Um morador falou sobre a sua situação de informalidade na ocupação da terra onde vive: “eu nãome considero fora da lei pelo seguinte: porque nós não somos as únicas pessoas que invadiram terra paranós ter um direito de ter um canto para poder viver. Se existem tantas pessoas como nós, há alguma coisaerrada, e não somos nós os errados”.

3- O Projeto Igapó é desenvolvido com as crianças de uma escola localizada nas suas proximidades. Aoutilizar computadores e recursos de Internet para elaborar projetos que reflitam suas preocupações com apreservação do meio ambiente, pretende despertar posições mais críticas capazes de resultar na soluçãode conflitos e problemas que afetam o meio ambiente e a cidade.

4- A Cáritas da Arquidiocese de Manaus é uma das principais organizações não governamentais queatuam na questão da moradia. Participa do Fórum de Habitação, criado em 2004. O Fórum é um instrumentode articulação com associações comunitárias e outros fóruns, mas o debate sobre direito à moradia é

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58 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Órgão

Estabelecer a política dedesenvolvimento urbano e sócio-econômico do Município de Macapá,compatibilizando com as Diretrizes dogoverno federal e municipal.

Desenvolvimento de políticas urbanas eplanejamento municipal estabelecendodiretrizes em consonância com que tratao Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257 de10 de julho de 2001.

Atribuições / AtividadesLegais Efetivamente

Secretaria de PlanejamentoMunicipal e CoordenaçãoGeral (SEPLAM)

Coordenar, controlar, orientar enormatizar as atividades dePlanejamento Municipal

Aperfeiçoamento dos métodos eprocessos de planejamento,acompanhamento e avaliação das açõespúblicas - Modernização do Sistema deInformação, investimento em capacitaçãotécnica e infra-estrutura administrativa

Elaborar os planos de desenvolvimentodo município e promover a cooperaçãoe assistência técnica ao governomunicipal.

Ordenamento e desenvolvimento dasfunções sociais da cidade e da propriedadeurbana trabalhada de acordo com osinstrumentos que respaldam as açõesgovernamentais – Plano Anual deTrabalho; Plano Plurianual; LDO; LOA ePlano Diretor este em fase execução.

recente em Manaus. Segundo a Cáritas, os movimentos sociais de ocupação de terras, o MSTL (Movimentodos Sem Teto do Leste) e o MSTN (Movimento dos Sem Teto do Norte) organizam listas de famíliasinteressadas em ocupar áreas, por necessidade de moradia ou por interesse em fazer negócios, que pagamuma taxa para entrar nestas listas. A questão da grilagem de terras no Amazonas é tema presente e recorrente,tendo havido uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembléia Legislativa Estadual sobre a questão.

5- O Fórum do Orçamento era quem inicialmente trazia alguns debates sobre investimentos em projetoshabitacionais. O Fórum do Orçamento Público trabalha com a apresentação de emendas ao orçamento àCâmara Municipal para garantir investimentos em habitação para obras de saneamento ambiental emfavor das famílias que vivem nos igarapés. Em 1997 e 1998, as emendas foram rejeitadas, mas em 2000obtiveram a aprovação de uma emenda de 1 milhão de reais para beneficiar as famílias do Igarapé doCachoeirinha. A obra não foi iniciada em função de justificativas do governo municipal de que o volumede recursos era pequeno e haveria impedimentos como a existência de uma camada de sete metros delama e a vigência do período de inverno. O Fórum iniciou uma mobilização social para levar os vereadoresaté a comunidade e discutir a demanda pela drenagem. Estão fiscalizando as obras no Igarapé Cachoeirinhae acompanham a comissão de moradores. Chegou a ocorrer o desabamento de 11 casas no Igarapé. OFórum participou da II Conferência Nacional das Cidades (2005) e está articulado com o Fórum Nacionalde Reforma Urbana.

5.3. MACAPÁ

5.3.1. Organização institucional:

A tabela indica a estrutura e as responsabilidades dos órgãos da Prefeitura Municipal de Macapá relacionadasà gestão urbano-ambiental do município.

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59Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Coordenar e orientar a elaboração deplanos complementares, supletivos ousubsidiários para realçar ou ampliar osresultados e efeitos dos planos dedesenvolvimento. Bem como analisarprojetos, planos e programas que lhesão submetidos à apreciação

Empresa Municipal deUrbanização (URBAM)

Planejar, controlar e supervisionar osetor urbano, bem como, a fiscalizaçãorelacionada a essasatividades

- Realização de cadastros de lotes urbanosde Macapá, visando atualizar a planta devalores;- Projeto de reordenação da utilização doespaço urbano e padronização dosequipamentos utilizados pelosambulantes, com retirada de áreasocupadas indevidamente;- Atividade de legitimação de lotes, comexpedição de títulos de domínio aosmunícipes, através de realinhamento dopreço dos lotes, com objetivo de reduçãodos valores para facilitar aquisição.

Executar programas de obras dedesenvolvimento de áreas urbanas eplanos de renovação daquelas emprocesso de deterioração.

Execução de obras de recuperação econservação de edificações públicasmunicipais.

Analisar, aprovar e fiscalizar projetosde obras civis, parcelamento e uso dosolo.

- Atividades de análise, aprovação efiscalização de projetos de obras civis.- Controle de parcelamento, da ocupaçãoe uso do solo urbano

Empresa Municipal deDesenvolvimento eUrbanização de Macapá(EMDESUR)

Implantar direta ou indiretamenteprojetos de urbanização e de serviçospúblicos de caráter lucrativo ouautofinanciável, parcial ou totalmente.

Promover a melhora da oferta dahabitação no município, através daimplantação de projetos habitacionaiscom recursos próprios ou através dautilização das linhas de financiamentosexistentes nas diversas entidades quequerem a política habitacional no país.

Administra integralmente os imóveisfinanciados pelo extinto BNH eatualmente vinculados à CaixaEconômicas Federal dos ConjuntosHabitacionais Buritizal I, II e FICAM

Executar a recuperação e reciclagem deedifícios em processo de deterioração,de inadequação de uso, do ponto de vistaurbano.

Empresa muniipal detransportes urbanos(EMTU)

Gerir, planejar e fiscalizar o Sistema deTransporte de passageiros nasmodalidades Coletivo-Convencional eAlternativo, escolar, individual,fretamento, e no que couber otransporte de carga no âmbito municipal

Idem coluna ao lado.

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60 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

Promover, executar os serviços delimpeza da cidade, coleta de lixodomiciliar e hospitalar, bem comosupervisionar os serviços de destinaçãofinal dos resíduos.

Secretaria Municipal deObras e Serviços Públicos

Execução de a coleta regular do lixo;limpeza da cidade (capina, varrição, podade árvores, pintura de meio-fio e postes elimpeza de canais).

Supervisionar a execução dos serviçosde manutenção do sistema de esgotopluvial.

Manutenção do sistema de galerias deáguas pluviais.

Dirigir, coordenar supervisionar,executar e controlar as atividadesrelativas a obras de construção civil eobras de saneamento.

ÓrgãoAtribuições / Atividades

Legais Efetivamente

Promover o desenvolvimento do meioambiente urbano e rural, da educaçãoambiental, dos recursos naturais, doturismo, da implantação doZoneamento Ecológico-Econômico edo controle ambiental do Município deMacapá.

- Atividades de revitalização, melhoria econtrole de áreas verdes e praças comtrabalhos paisagísticos.- Atividades de desenvolvimento doturismo; projetos de Municipalização doTurismo;- Sinalização turística do município.

Planejar, implantar e executar diretrizespara preservar, conservar, fiscalizar,monitorar os recursos do MeioAmbiente.

Execução, acompanhamento, controle eavaliação através do plano de gestãoambiental urbano.

Coordenar, executar, controlar e avaliaras atividades relativas ao meio ambiente.

Execução, controle e avaliação através doPlano de Gestão Ambiental Urbano.

Fiscalizar, controlar atividades visandoa proteção ambiental.

- Fiscalização e monitoramento deatividades que possam causar danos aomeio ambiente.Disque denúnciaambiental.

Secretaria Municipal deObras e Serviços Públicos

Coordenar, executar, orientar einspecionar as atividades concernentes àsobras e serviços públicos do município.

Construção reforma, adaptação econservação de prédios e própriosmunicipais.

Planejar, elaborar e executar programase projetos de atividades rodoviárias domunicípio; construção e pavimentaçãode estradas de rodagem municipal e viasurbanas.

Construção, manutenção e conservação damalha viária do município através dapavimentação e calçamento.

Planejar, ordenar e executar os serviçosde sinalização viária.

Idem a coluna do lado.

Gerir as atividade relacionadas a políticamunicipal de meio ambiente e turismoem consonânica com as diretrizesestabelecidas pela política nacional deMeio Ambiente.

Gerenciamento de políticas e açõesrelativas ao meio ambiente e turismo nomunicípio de Macapá

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61Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

O relatório aponta o quadro deficitário com que o município atua na gestão e desenvolvimento urbano ena questão habitacional referindo a inexistência de instrumentos institucionais e de capacitação gerenciale operacional que preparem e organizem o município de modo permanente e eficaz para a sua atuaçãonessa área.

Sinaliza para a necessidade de constituição de um Sistema Integrado de Planejamento e DesenvolvimentoUrbano do Município referindo ao Programa de Mapeamento e Hierarquização do Atendimento dosAssentamentos Subnormais, ao Cadastro Imobiliário vinculado a um sistema geo-referenciado, e anecessidade de compatibilização e atualização da Legislação Territorial e Urbana com o Plano Diretor,articulados e em consonância com a nova ordem legal instruída pelo Estatuto da Cidade.

Em abril de 2005, período de entrevistas do presente projeto, o Plano Diretor de Macapá já havia sidoelaborado e aprovado pela Lei Complementar n. 026/2004; o cadastro imobiliário geo-referenciado e omapeamento dos assentamentos estavam sendo executados. As entrevistas realizadas permitiram aprofundare atualizar as informações sobre o quadro institucional, suas principais articulações no campo das políticasurbanas, e sobre projetos e ações em desenvolvimento nas áreas de conflito urbano-ambiental, aspectosabordados no item seguinte.

Quadro Síntese do Ordenamento Jurídico – Institucional Municipal relacionado às políticasurbano-ambiental

Nome Lei nº. Ementa

Lei Complementar do Uso eOcupação do solo domunicípio de Macapá

Lei n. 029/2004 – PMM, de 24 dejunho de 2004

Institui as normas de uso eocupação do solo no município deMacapá e dá outras providências

Lei do Parcelamento do solourbano do município deMacapá

Lei n.. 030 - PMM, de 24 de junho de2004

Dispõe sobre o parcelamento do solourbano do município de Macapá e dáoutras providências

Lei do Perímetro Urbano domunicípio de Macapá

Lei complementar n. 028 - PMM de 24de junho de 2004

Dispõe sobre o perímetro urbanodo município de Macapá e descreveos limites da cidade de Macapá

Lei de licenciamento, autorizaçãoefiscalização das atividadessocioeconômicas do municípiode Macapá

Lei complementar n. 027 - PMM, de 24de junho de 2004

Dispõe sobre o licenciamento,autorização e fiscalização dasatividades socioeconômicas domunicípio de Macapá e dá outrasprovidências.

Código de obras e instalações domunicípio de Macapá

Lei complementar n. 031/2004 - PMM,de 24 de junho de 2004

Institui o código de obras einstalaçõesdo município de Macapá edá outras providências.

Plano Diretor deDesenvolvimento Urbano eAmbiental de Macapá

Lei complementar n. 026/2004-PMM,de 20 de janeiro de 2004

Institui o Plano Diretor deDesenvolvimento Urbano eAmbientaldo município de Macapá edá outras providências.

Fonte: Prefeitura Municipal de Macapá (2005)

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62 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

5.3.2. Programas, projetos e intervenções realizadas nas situações de conflito urbano-ambiental

Inicialmente, é necessário registrar alguns aspectos relacionados às características do crescimento urbanoocorrido na última década em Macapá e às especificidades da situação fundiária do município que dificultama atuação municipal sobre os assentamentos precários em situação de conflito urbano-ambiental..

O território é constituído por duas grandes glebas ainda de propriedade da União, uma se refere à áreaurbana e outra corresponde à área de expansão urbana segundo o zoneamento do Plano Diretor de 1973.A União repassou as duas matrículas para o domínio do Município (ressalvadas a de domínio particular),mas o município ainda não tem a propriedade. Existem muitos títulos de enfiteuse (domínio útil de áreasde marinha) e de aforamento (relativos à posse). Segundo dados do relatório PEMAS (2002), cerca de85% dos lotes de Macapá não estão regularizados. As áreas integradas ao território urbano pelo novoplano e as áreas dos distritos também estão pendentes de regularização.

A ocupação acelerada, desordenada e com possibilidades de intervenção municipal limitadas pelos entravesfundiários acarretou a precariedade da urbanização. Atualmente, segundo informações da SecretariaMunicipal do Planejamento (SEPLAM), somente 5% do esgoto é tratado e o saneamento existenteconcentra-se na área central. Além disso, foram gerados grandes vazios institucionais e muitos loteamentosprivados foram iniciados e não concluídos, por falta de compradores, enquanto a ocupação informal parafins de moradia se expandiu sobre as áreas de ressaca. As áreas de várzea e ressaca foram ocupadaspredominantemente por migrantes de outros Estados ou das regiões ribeirinhas. Segundo dados da SecretariaMunicipal do Meio Ambiente, 98% das pessoas que ocupam as áreas de ressaca são migrantes.

Tal quadro é apontado pelo poder público como um dos principais entraves para a ação municipal demodo geral e para a gestão do território. A questão fundiária torna difícil a expansão urbana planejada. Aproposta é que a União doe as terras ao Município. Para isto a Prefeitura está realizando um levantamentopara atualizar o cadastro fundiário e verificar a quem pertencem as propriedades. Constituída uma Comissãopara a Regularização do Perímetro Urbano, a Prefeitura contratou o geoprocessamento do território e aelaboração do cadastro multifinalitário.

Um projeto de desenvolvimento urbano a ser destacado é o denominado “Planejamento e ExecuçãoParticipativos”. Implementada desde 2001, a iniciativa reúne técnicos do Governo do Estado e da Prefeiturade Macapá e representantes das 14 regiões administrativas do município para discutir soluções para asprincipais necessidades da comunidade.

A Prefeitura Municipal não dispõe de setor específico para tratar do tema habitacional. Historicamente, asiniciativas e investimentos habitacionais realizados derivaram dos programas implantados pelo Estadocom apoio do Governo Federal. As informações obtidas demonstram uma pequena atuação municipal noperíodo de 1998 a 2000, quando foram aplicados investimentos no valor de R$ 1.927.943,00 na construçãode moradias e lotes urbanizados pelo Setor Público, envolvendo a parceria do Município com recursos doEstado e da União. Estes investimentos produziram 343 unidades habitacionais no padrão embrião e 250lotes urbanizados. As áreas da produção pública do período consolidaram o processo de periferização eprecariedade. Desde 1999, não há loteamentos novos implantados pelo setor privado.

No campo habitacional algumas ações de estímulo à produção e incentivos a regularização estão sendoimplementadas. Vale registrar o incentivo à habitação popular, com oferta de projeto gratuito, isenção detaxas e isenção de “habite-se”. Como cerca de 85% dos lotes de Macapá não estão regularizados, paraincentivar a legalização do registro de terra, a Empresa Municipal (URBAM) lançou o programa Terreno

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Legal oferecendo descontos de 35% a 75% para que os moradores atualizem sua situação fundiária coma compra do título de propriedade de seus terrenos. Mais recentemente, o Município vem viabilizando umprograma habitacional que prevê a construção de 800 casas populares com recursos do Ministério dasCidades. Entretanto, estas 800 habitações têm como destinação prioritária os servidores municipais e nãoa população que vive nas áreas de ressaca.

5.3.3. Atuação sobre as situações de conflito urbano-ambiental

A principal situação de conflito, as áreas de ressaca, é de responsabilidade da Secretaria Estadual do MeioAmbiente. O governo do Estado é quem executa a construção de passarelas que viabilizam o acesso eredes de luz e água para atender as populações assentadas. Apesar da intervenção, o déficit qualitativo éainda muito grande. Não há um levantamento completo das áreas de ressaca ocupadas. Estima-se queexistam cerca de 500 famílias morando em áreas de preservação ambiental. Estudos realizados para o PDsobre as áreas de ressaca indicam muitas áreas em processo de ocupação progressiva, além de muitas áreasque já não apresentam mais capacidade de recuperação. O PD prevê a regularização fundiária nas áreas deressaca onde não é mais possível promover a recuperação ambiental.

Há um financiamento do Habitar-Brasil BID (HBB) para o PEMAS (Plano Estratégico Municipal paraAssentamentos Sub-Normais), cuja unidade executora se localiza na URBAM. Estão aprovados 300 milreais do programa HBB para urbanização de áreas subnormais em 2006 e há recursos para desenvolvimentoinstitucional com a capacitação de servidores, identificação de assentamentos sub-normais, desenvolvimentoda área de controle urbano, licenciamento e divulgação do Plano Diretor.

A prefeitura tem grandes restrições de ordem orçamentária e por isso se apóia nos programas no Ministériodas Cidades. Neste ano, foram apresentadas oito cartas-consulta visando elaborar um plano municipal deregularização fundiária sustentável e a regularização e urbanização de assentamentos informais de baixarenda, mas ainda estão sem aprovação. Pode-se afirmar que ainda não há uma política habitacional deregularização fundiária para as famílias que vivem nas ocupações informais ou áreas de ressaca consolidadas,nem políticas de reassentamento. O município tem muita dificuldade em viabilizar a aquisição de áreaslivres para a previsão e implementação de novas moradias. A cidade conta com muitos loteamentosirregulares promovidos por proprietários particulares em áreas particulares e em áreas de domínio daUnião. A conseqüente irregularidade fundiária e a precariedade ambiental nas áreas ocupadas de ressacasão avaliadas como os problemas mais graves pelos moradores locais.

A inoperância municipal neste setor é apontada pelo próprio poder público como decorrente da falta deuma política mais ofensiva para obrigar aos proprietários de imóveis não edificados, subutilizados ou nãoutilizados a promover seu adequado aproveitamento, e/ou para desapropriar áreas urbanas para finshabitacionais de interesse social e pela deficiência institucional ainda presente.

No âmbito das políticas ambientais a Secretaria adota como prioridades de intervenção: a arborização epaisagismo de praças; a educação ambiental para prevenção de danos ambientais e proteção ao meioambiente (ação realizada em conjunto com o Ministério Público); e fiscalização e monitoramento decanais, margens do Rio Amazonas e áreas de ressaca (em parceria com o governo estadual). O processo defiscalização e retirada de novos ocupantes que invadem as áreas de ressaca é a atuação mais efetiva epermanente do poder poder público sobre as situações de conflito urbano-ambiental. Prevê uma etapa deconscientização, em que a Secretaria de Meio Ambiente informa sobre os riscos para a saúde e para apreservação ambiental; uma etapa seguinte de notificação para que o ocupante deixe a área voluntariamente;a derrubada das casas e a expulsão do morador caso a notificação não seja atendida. Não é oferecido um

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local alternativo de moradia para a população expulsa das áreas de ressaca e o despejo é realizado sem odevido processo legal. A Secretaria diz que a grande maioria dos ocupantes das áreas de ressaca tem paraonde ir após a expulsão (casas de parentes, local anterior onde vivia, pagamento de aluguel, etc.).

5.3.4. Articulação institucional e Participação Social

O planejamento urbano, segundo o atual secretário da Secretaria do Planejamento Municipal é feito como envolvimento de todas as Secretarias. Especificamente na área habitacional e de preservação ambientalpara as ações em andamento e para a implementação de políticas previstas no Plano, a prefeitura iniciouum trabalho com o Ministério Público através da Promotoria da Cidadania. Os setores mais envolvidosatualmente com as situações de conflitos urbano-ambientais e na provisão da moradia de interesse socialsão a URBAM e Secretaria de Meio Ambiente.

A URBAM é a principal instância municipal atuando com questões relativas a processos de urbanização eregularização fundiária. É responsável pelo licenciamento urbanístico dos parcelamentos do solo e para aslicenças de regularização fundiária (alienações e transferências). Também faz o controle e supervisãourbana da parte fundiária dos parcelamentos do solo. A execução de obras é de responsabilidade daSecretaria de Obras. A URBAM é hoje totalmente consumida pela demanda de aprovação e regularizaçãode parcelamentos. A Secretaria Municipal de Urbanismo e Planejamento já foi instituída por lei municipal,mas ainda não foi implementada. Os técnicos da URBAM entendem que seria fundamental criar umInstituto de Planejamento que fosse responsável por planejar e “pensar” a gestão da cidade. A Secretariado Meio Ambiente, conforme já referido, fiscaliza e atua junto às comunidades moradoras de áreas deressacas.

Sobre o licenciamento urbanístico e ambiental de novos parcelamentos do solo, as informações recolhidasfazem referência a hierarquias e prioridades de procedimentos: a licença primeiramente é expedida pelaSecretaria Municipal do Meio Ambiente (licença prévia e de instalação); num segundo momento oempreendimento é licenciado pelo Estado (licença final de operação).As principais instâncias de participação da sociedade no planejamento e gestão urbano-ambiental são osconselhos gestores. O Conselho Municipal de Gestão, com competência para implementar, revisar e alteraro PD está em fase de implantação. Possui poderes deliberativos e composição paritária entre governo esociedade civil e ainda deverá ser regulamentado através de Lei específica, com escolha e posse dosconselheiros. O Conselho Municipal do Meio Ambiente também está em fase de criação mediante leiespecífica prevendo a representação paritária entre governo e sociedade civil e com poderes deliberativossobre matéria de proteção ao meio ambiente.

Os Conselhos gestores Locais e o Conselho de Gestão Territorial, previstos pelo Plano Diretor, ainda nãoforam implementados. Para a regularização fundiária de áreas de baixa renda, a URBAM vem trabalhandoatravés da organização de comissões locais. Não há nenhuma ONG que trabalhe com a questão habitacionalem Macapá.

Durante a oficina de capacitação e síntese realizada em Macapá, as soluções para os conflitos urbano-ambientais apontadas pelos participantes relacionaram-se mais com “evitar novas ocupações”. As sugestõesremetem à tentativa de isolar as áreas de preservação por meio de cinturões de isolamento e ao aumentoda fiscalização para preservação de áreas de preservação ambiental. Pedem agenda positiva para a questãohabitacional e para a implementação do Plano Diretor.

Quatro pontos foram identificados para que o Município avance na política habitacional e solução de

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conflitos urbano-ambientais: (i) a possibilidade de o município gerir o território, mediante a regularizaçãodas terras da União em nome do Município; (ii) a informação/capacitação da sociedade civil; (iii) políticahabitacional integrada a outras políticas (meio ambiente, planejamento, geração de emprego e renda); (iv)institucionalizar a política habitacional (criar Secretaria Municipal de Habitação e programas de regularizaçãoe de produção de loteamentos de interesse social), dar posse ao Conselho Municipal de Gestão Territorial,previsto no Plano Diretor; ampliar o financiamento da política habitacional de interesse social (acesso arecursos federais, da CEF, taxação de vazios urbanos, etc.).

5.4. BOA VISTA

5.4.1. Organização institucional

A tabela seguinte apresenta o perfil dos órgãos públicos envolvidos na gestão urbano-ambiental do municípiode Boa Vista.

ÓrgãoAtribuições / AtividadesLegais Efetivamente

Secretaria Extraordinária doPlano Diretor

Planejar e coordenar as açõesrelacionadas à elaboração e aprovaçãodo Plano Diretor do Município de BoaVista.

Idem ao lado.

Secretaria Municipal deGestão Ambiental eAssuntos Indígenas

Planejamento, formulação e execuçãodas políticas de preservação e proteçãoambiental de áreas urbanas, rurais eindígenas do Município;desenvolvimento de pesquisasreferentes à fauna e à flora;levantamento e cadastramento de áreasverdes; fiscalização das reservasnaturais urbanas e rurais; combatepermanente à poluição ambiental;execução e manutenção de serviçospaisagísticos, de jardinagem e dearborização de parques, praças, áreas delazer e vias públicas; definição eimplementação da política de limpezaurbana, através do gerenciamento efiscalização da coleta, destinação,reciclagem e disposição de resíduos, poradministração direta ou através deterceiros; articulação para a execução emanutenção de obras e serviços deabastecimento de água tratada, coleta,tratamento e destinação final deefluentes líquidos, diretamente ou porconcessão ou permissão; administraçãoe manutenção de cemitérios e serviçosfunerários; e outras atividadescorrelatas.

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Órgão Atribuições / Atividades

Empresa deDesenvolvimento Urbano eHabitacional do Municípiode Boa Vista (EMHUR)

Responsável juntamente com aSecretaria Municipal de Obras eUrbanismo pela promoção de ações dedesenvolvimento urbano e habitacional.Cabendo à Empresa as ações deplanejamento e definição de políticase, à Secretaria de Obras e Urbanismo aimplementação de programas eexecução de obras.

Fonte: IBAM, 2005.

Segundo o Relatório do IBAM sobre o quadro institucional de Boa Vista, feito como subsídio paraelaboração do novo Plano Diretor, a já referida Lei n. 774/04 autorizou também a efetivação e as adequaçõesnecessárias à nova estrutura. Ou seja, a criação das unidades de menor nível hierárquico de cada Secretariaatravés de decreto, desde que sem aumento de despesa. Permanece a necessidade de adequação interna eda estrutura administrativa das Secretarias e de redistribuição das atividades exercidas que, em algunscasos, ainda não refletem as competências aprovadas pela Lei n. 774/04. O relatório cita como exemplo ofato do artigo 26 listar, entre as competências da Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, a execuçãoe fiscalização da legislação do uso do solo e do código de posturas municipais, funções que na prática sãoexercidas pela EMHUR e pela Secretaria Municipal de Finanças.Outras limitações apontadas foram: o fato do cadastro imobiliário estar vinculado à Secretaria Municipalde Finanças, utilizado essencialmente para cálculo do IPTU e não para subsidiar o planejamento urbano;a ausência de um sistema integrado de informações gerando maior lentidão no atendimento à demandados processos e também na gestão; e a insuficiência de fiscais (obras, posturas e meio ambiente). Estasquestões incidem diretamente no aumento do processo de periferização e do quadro de ocupação de áreasinadequadas.

Secretaria Municipal deObras e Urbanismo

Fiscalização do cumprimento das Leisdo parcelamento do solo e código deposturas municipais

No cotidiano, a fiscalização doparcelamento do solo tem sido realizadapela Empresa de Desenvolvimento Urbanoe Habitacional do Município de Boa Vista(EMHUR) e a fiscalização do código deposturas é realizada pela SecretariaMunicipal de Finanças.

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Legislação municipal vigente até o momento da pesquisa relacionada às políticas urbano-ambiental

Nome Lei nº. EmentaLei Orgânica de Boa Vista De 1992

Código de Postura de Boa Vista

Organiza e rege o Município de BoaVista

Lei n.º 18/74, de 21 de agosto de 1974. Dispõe sobre o Código de Postura daPrefeitura Municipal de Boa Vista e dáoutras providências.

Lei do Parcelamento do solo deBoa Vista

Lei n. 244, de 06 de Setembro de 1991. Atualmente, está em fase deatualização, devido à revisão do PlanoDiretor. Dispõe sobre o parcelamentona área urbana e de expansão urbanade Boa Vista.

Lei de Cadastramento eTitulação definitivo

Resolução n° 07, de 12 de setembro de2001.

Dispõe sobre instrução dos processosde cadastramento e título definitivo edá outras providências.

Plano Diretor de Boa Vista Lei n. 244, de 06 de Setembro de 1991.Atualmente, está em fase de revisão combase no Estatuto da Cidade.

Dispõe sobre a promoção dodesenvolvimento urbano, zoneamento,uso e ocupação do solo, sistema viário,parcelamento do solo e dá outrasprovidências.

Fonte: Prefeitura Municipal de Boa Vista (2006).

5.4.2. Programas, projetos e intervenções realizadas nas situações de conflito urbano-ambiental

O diagnóstico da situação habitacional da cidade de Boa Vista revela um quadro de precariedade dascondições de moradia das populações de menor renda e de degradação ambiental decorrente do crescimentoacelerado, desordenado e irregular sobre áreas impróprias. A cidade cresceu sem respeitar condicionantesambientais; as baixas densidades e vazios urbanos marcam a paisagem local; a provisão da moradia atravésdas políticas públicas limitou-se à produção de pequenos conjuntos habitacionais periféricos planejadospara funcionários do antigo Território; recentemente, novos conjuntos na periferia e assentamentosinformais foram induzidos por práticas políticas e/ou resultaram da insuficiência do atendimento público.

Os primeiros conjuntos destinados a funcionários públicos e militares originaram os bairros São Vicente,São Francisco, Aparecida, Caimbé e Jardim Floresta. A partir da década de 90, novos conjuntos promovidospelo governo estadual transferiu a ocupação para a periferia da zona Oeste onde predominam as lagoastemporárias. Bela Vista, Operário, Jóquei Clube, Jardim Tropical, Olímpico, Pintolândia, Silvio Botelho,Santa Luzia, Hélio campos, Sílvio Leite, Alvorada, Equatorial e Cidade Satélite são localidades onde asituação de precariedade e degradação ainda permanece. Nem todos os conjuntos foram comercializadose apresentam pendências de regularização fundiária e infra-estrutura. Nestes conjuntos, os terrenosinstitucionais foram, na maioria, ocupados por habitações e comércios. Em 2003, ocorreu um novo processode periferização decorrente da ação pública, o Conjunto Cidadão com 1000 unidades habitacionais.

Além da questão ambiental, da precariedade das condições de habitabilidade pela ausência de serviços eredes de infra-estrutura e pela inadequação das moradias, a regularização fundiária se impõe como oprincipal problema nestes conjuntos, sendo a principal demanda dos moradores locais.

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68 Direito à Moradia e Meio Ambiente nas Capitais Amazônicas

De modo geral, a atuação pública nas três esferas pode ser apontada como um dos elementos indutoresdeste processo de ocupação irregular e de degradação do sistema ambiental. Quer pelas ações de provisãosobre áreas inadequadas, quer por ações políticas indevidas ou ainda pela omissão diante de tais processos.Soma-se a isto a pendência de soluções quanto à propriedade da terra que permanece no âmbito dogoverno federal e questões relacionadas à demarcação dos territórios indígenas, apenas recentementeencaminhada pelo governo federal.

No que se refere à regularização fundiária, a Prefeitura implementa o programa Morar Legal, criado em2001 e por meio do qual o domínio útil daqueles que possuem os antigos títulos de aforamento, muitosem imóveis pertencentes à União, face à constituição da enfiteuse que repassa o domínio útil do imóvel. APrefeitura, por meio do Morar Legal expede o título definitivo, por meio da Secretaria Municipal deFinanças, para aqueles que apresentarem o título de aforamento, além de comprovante de pagamento deIPTU nos últimos três anos. Todas as custas do procedimento administrativo devem ser arcadas peloproponente, o que inclui taxa de reconhecimento de assinatura, taxa da certidão negativa de imóveis nocartório de registro de imóveis, imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI), custas do registro dotítulo definitivo no registro de imóveis; taxa de serviços administrativos à EMHUR, estipulado em R$0,128 por metro quadrado.39

5.4.3. Atuação sobre as situações de conflito urbano-ambiental

Atualmente, o carro chefe da Prefeitura é o Projeto Braços-Abertos que abrange o desenvolvimento dediversos projetos sociais como o cadastramento da população dos loteamentos irregulares e das ocupações.Entre as ações para situações de risco e auxílio para viabilizar melhorias sobre o quadro de precariedadehabitacional estão previstas melhorias na infra-estrutura e habitação; módulos sanitários e substituição demateriais precários, com apoio de programas do Ministério das Cidades. A principal demanda é porintervenções de regularização fundiária, necessária para 49,5% dos imóveis. A Gerência do Patrimônio daUnião em Boa Vista está realizando o levantamento e mapeamento das terras da União. O INCRA pretendedoar as áreas rurais para o Município de Boa Vista, cerca de 50 mil hectares40 e celebrar um acordo decooperação técnica com o município para regularizar essas áreas.

Não foi possível identificar com maior clareza quais são efetivamente as ações desenvolvidas no âmbitomunicipal nas situações de conflito urbano-ambiental. Não existem programas institucionalizados emrelação à moradia. Algumas ações estão destacadas nos relatórios do IBAM e referem-se à atuação emáreas de risco e ações para o plano de habitação. Em relação às situações de risco estão contemplando:cadastro das famílias e/ou sua atualização; orientação de deslocamento para casas de parentes em caso deemergência; articulação com novos parceiros – defesa civil, Forças Armadas, secretarias do município. Asações para o Plano de Habitação prevêem o remanejo para áreas próximas e seguras, recuperação dasáreas degradadas, fiscalização preventiva e o PPA Saneamento, projeto para evitar alagamentos.

Os conjuntos apontados como prioritários para regularização (segundo o relatório) são Gov. AquilinoDuarte, Bela Vista, Operário, Jóquei Clube, Jardim Tropical, Olímpico, Pintolândia e Camolândia (HélioCampos) e Bairro Alvorada, todos do governo do Estado. Para os loteamentos privados, a prioridade édos loteamentos Alvorada, Jardim Equatorial e Cidade Satélite. A Prefeitura pretende dar um prazo para

39 As informações aqui mencionadas foram obtidas no site http://www.boavista.rr.gov.br/template_detalhes_acao.php nadata de 26/11/2006. O site indica que informações podem ser obtidas no setor de Regularização Fundiária da EMHUR:3623-7670 ou para a Central 156 da Prefeitura.40 A Lei Federal 5.945 dá competência ao INCRA para doar áreas de expansão urbana quando é para municípios ou Estados.

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a regularização através de notificação. Em caso de não haver regularização, a Prefeitura faria oencaminhamento legal com as custas remetidas ao proprietário nos casos de loteamentos privados. Segundoinformações obtidas nas entrevistas através do Programa More Legal governo do Estado estão sendoconcedidos 3.200 títulos de propriedade. O processo de regularização dos loteamentos irregulares está emfase inicial na Prefeitura. A previsão é regularizar 1.026 títulos através do Plano Plurianual de Urbanismo.A revisão da legislação urbanística para loteamentos de baixa renda e a elaboração do parcelamento socialprevistos no escopo do Plano Diretor estratégico também são parte das ações institucionais. (relatóriopreliminar da leitura técnica da cidade realizado pelo IBAM).

O mesmo relatório aponta a necessidade de manter uma estrutura organizacional própria para área dehabitação, além de instrumentos normativos e operacionais de apoio às suas atividades e recursos einstrumentos de promoção, fiscalização e controle urbano mais condizentes com a realidade local. OPlano de Habitação deveria ser encaminhado junto com o novo Plano Diretor, mas até o momento dasentrevistas realizadas pelo projeto o plano habitacional não havia sido apresentado.

5.4.4. Articulação Institucional e Participação Social

Poucos dados foram obtidos pela pesquisa com a prefeitura municipal41 o que limitou não só a identificaçãodas ações em implementação, mas especialmente a forma de atuação do poder local em relação à sociedadee à participação das camadas populares na gestão de tais processos. Das oito unidades colegiadas referidas,duas relacionam-se com o tema: o Conselho Municipal de Meio Ambiente e o Conselho ImobiliárioMunicipal, composto por dois vereadores e por representantes da sociedade. Não foram obtidas informaçõesa respeito das atribuições, competências e efetividade da participação nestes conselhos.

Quanto às articulações realizadas dentro da prefeitura pelas suas secretarias e departamentos, sabe-seapenas que estão por analisar a Resolução n. 82, de 13/09/05, quanto à viabilidade de distribuição doscustos de infra-estrutura com as concessionárias de serviços públicos. Não foi obtida qualquer informaçãoa respeito de atuações integradas na solução de conflitos urbano-ambiental. A atuação pública, quandoocorre, é uma ação de ordem curativa do campo habitacional ou para preservação e recuperação doambiente degradado. Ações preventivas e articuladas ainda estão no campo das propostas, conformeverificado no relatório do IBAM e também no relatório “Degradação ambiental das lagoas naturais domunicípio de Boa Vista”, realizado pela Secretaria Municipal de Gestão Ambiental42 em resposta aoMinistério Público.

Na articulação com outras instituições, identificou-se que a Secretaria Municipal de Gestão Ambiental eAssuntos Indígenas tem um convênio tripartite com o IBAMA e o Estado de Roraima para licenciar

41 Desde o início do trabalho de campo, iniciado em janeiro de 2006, COHRE tentou agendar entrevistas com as diversasSecretarias Municipais relacionadas ao tema do presente estudo (Meio Ambiente, Habitação, Planejamento Municipal).Entretanto, elas sempre foram negadas pela Prefeitura que alegava dificuldades na agenda ou remetia para decisão do Gabineteda Prefeita, que nunca dava resposta definitiva sobre o agendamento das entrevistas solicitadas. Quando a equipe técnica deCOHRE chegou ao Município, em 03 de Abril, novas tentativas de marcar entrevistas foram feitas, sem sucesso. Todas aschefias de gabinete das Secretarias Municipais, inclusive o coordenador técnico da elaboração do Plano Diretor, Sr. FranciscoMatias, alegavam que deveria ser obtida a autorização do Coordenador de Comunicação da Prefeitura, Sr. Edgar Borges, paraa realização das entrevistas. Mesmo após diversos contatos com o Sr. Edgar, COHRE não obteve resposta. Somente apósCOHRE ter realizado contatos com o IBAM (que também integra a coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana)e após ter sido publicado no jornal local um artigo sobre a realização da oficina de capacitação e síntese contendo uma críticado Fórum Popular sobre o processo de elaboração do Plano Diretor, é que o Coordenador de Comunicação agendou aentrevista solicitada. A entrevista foi concedida por todas as Secretarias Municipais em conjunto, mediante a apresentação donovo Plano Diretor através de informações gerais e sintéticas.

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empreendimentos de baixo impacto e de impacto local.

Na entrevista realizada com a Gerência do Patrimônio da União (GPU), também não foi verificada qualquerintegração da prefeitura municipal. A GPU está realizando o levantamento e mapeamento das terras depatrimônio da União. Todo o passivo do antigo Território de Roraima passou ao domínio da União,inclusive as dívidas. A Gerência administra somente as áreas urbanas da União, as rurais são de competênciado Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). Na entrevista, soube-se que o INCRA pretende doarpara o Município de Boa Vista cerca de 50 mil hectares. A Lei Federal 5.945 dá competência ao INCRApara doar áreas de expansão urbana para municípios ou estados.

A GPU pretende firmar um acordo de cooperação técnica com a Prefeitura de Boa Vista para regularizaras áreas da União ocupadas por moradias de população de baixa renda e analisar os pedidos de cedênciapara verificar se estão de acordo com os fins solicitados. Para as áreas vazias, pretendem dar usosinstitucionais.

Não foram identificadas outras instituições privadas ou não governamentais atuando mais efetivamentena questão dos conflitos urbano-ambientais ou moradia. Percebe-se que a mobilização social e comunitáriaem torno destes temas é bastante incipiente e foi iniciada recentemente pelo Fórum Popular de Roraimaem Defesa da Cidade. O próprio processo de elaboração do novo Plano Diretor ocorre neste contexto departicipação popular insuficiente, gerado pelo processo desenvolvido pela prefeitura ou pela pequenacapacidade de mobilização do setor.

Em conjunto com o Fórum, foram visitados os bairros populares Pintolândia, Conjunto Cidadão e bairroBrigadeiro para conhecer a realidade enfrentada pela população de baixa renda. As condições de moradiasão precárias e a distância do centro da cidade é grande. Não há infra-estrutura e serviços públicos enquantoa área central, onde predominam enormes vazios urbanos que não cumprem a função social da propriedade,é bem servida de equipamentos de infra-estrutura.

6. PLANOS DIRETORES E ASPECTOS URBANO-AMBIENTAIS

6.1. BELÉM

6.1.1. Concepção e processo de elaboração

O Plano Diretor Urbano do Município de Belém, em vigor à época da pesquisa, data de janeiro de 1993.Dispõe sobre um conjunto de diretrizes gerais e específicas que orientam o desenvolvimento urbano esócio-econômico do município, instruindo sobre a produção e organização do espaço urbano, políticassetoriais de habitação, transportes urbanos, meio ambiente, abastecimento alimentar, saneamento básico,saúde pública e educação básica. O plano traz também o desenho de um sistema municipal de planejamentoe gestão. O Plano foi desenvolvido atendendo a Lei Orgânica do Município de Belém, num contextofavorável à reforma urbana e, embora anterior a aprovação do Estatuto da Cidade, instituiu boa parte dosinstrumentos posteriormente regulamentados pela Lei 102572001. Entre os instrumentos incorporadospelo Plano, destacam-se as ZEIS, os instrumentos constitucionais para o cumprimento da função socialda propriedade urbana e a outorga onerosa, entre outros. Entretanto, a ausência de regulamentação pelopoder municipal e também em nível federal até 2001, além da falta de um maior empenho para a utilização

42 Relatório elaborado ,segundo consta na capa, em resposta ao ofício encaminhado pelo ministério público que solicitaprovidências ao município em relação às lagoas naturais.

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do modelo espacial definido pelo plano não permitiram a efetivação do proposto (conforme entrevistacom Alice Rodrigues).

Com a necessidade de adequação ao Estatuto, em janeiro de 2003, a prefeitura criou um Grupo de Trabalhointer-setorial, coordenado pela Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão,para revisar o Plano Diretor Urbano e adequá-lo à Lei federal. O grupo iniciou seus trabalhos em tornodas seguintes questões: (i) Plano Diretor como instrumento de gestão democrática; (ii) regularização fundiáriae urbanística como condição para melhoria das condições de habitabilidade; (iii) reversão da dominaçãodo capital imobiliário na cidade que provoca a inoperância de instrumentos urbanísticos; (iv) financiamentode políticas públicas; (v) operacionalização dos dispositivos de gestão não implementados; (vi)municipalização de serviços incluídos nas políticas públicas de caráter redistributivo.

Na primeira etapa da revisão, entre 1997 e 2004, não houve a constituição de um fórum permanente eespecífico para tal finalidade. Realizou-se uma série de oficinas de trabalho com a presença de gestoresmunicipais de vários níveis, além de reuniões com representantes do mercado imobiliário e entidadescomunitárias. Das organizações sociais, apenas a Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional(FASE) teve uma contribuição mais destacada. Segundo a coordenadora do Núcleo de Elaboração doPlano Diretor sua presença foi de fundamental importância para contextualizar o debate ocorrido naelaboração do plano em 1991. Já os representantes do mercado imobiliário mantêm um olhar atento econstante sobre o tema do controle urbanístico, visando manter posições conquistadas no plano de 1993e na Lei Complementar de Controle Urbanístico de 1999 (LCCU, que dispõe sobre o parcelamento,ocupação e uso do solo urbano) e garantir oportunidade de alterar índices urbanísticos e o própriozoneamento como ocorreu com as aprovações de Leis de iniciativa do legislativo em 1998 (Lei n. 7.877/98).

O processo de revisão foi iniciado pela Leitura técnica, etapa praticamente concluída à época da pesquisa,devendo então ser iniciado o processo participativo. O processo foi instituído por decreto do executivo eteve a manifestação contrária do movimento social quanto às representações e à proposta de peso de votopor não atender os acordos iniciais. A equipe do núcleo gestor tenta fazer a mediação entre o executivo emovimento. A metodologia proposta para o debate com a sociedade também está gerando problemas. Acomunidade registra a diminuição do número de seminários a serem realizados nos distritos, mas a equipeinformou que serão realizados os oito seminários propostos e os dois seminários gerais.

6.1.2. Conteúdos referentes à política habitacional e relacionados à solução de conflitos urbano-ambientais

O plano diretor vigente (1993) foi concebido como um plano de princípios, estabelecendo novosinstrumentos de gestão urbana para atender as necessidades sociais, ambientais e de desenvolvimento, deacordo com a nova Constituição. O plano criou mecanismos fiscais, administrativos e de gestão do solocom o principal objetivo de promover a urbanização de bairros de baixa renda e reduzir as diferenças nascondições da infra-estrutura existentes. Para maior eqüidade na cidade, o plano estabelece também estratégiase instrumentos para tratar da especulação imobiliária, através de impostos em áreas extras construídas,que podiam ser comprados por construtores de acordo com mecanismos de transferência dos direitos deconstrução e mecanismos reguladores. Traz como questões centrais as restrições ao direito de propriedade,através da regulamentação do direito de construção e o redirecionando das prioridades de investimentopara as áreas carentes.

O plano diretor está estruturado a partir de capítulos que orientam as políticas e instruem quanto aosinstrumentos. No que se refere à política habitacional, o plano estabelece como meta a redução dos custos

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de urbanização para atender ao objetivo de atendimento da demanda habitacional da população de baixarenda (art. 41) e define a prioridade na aplicação do investimento público em setores mais carentes dacidade (art.42). Os principais instrumentos para a implementação da política habitacional são as ZEIS, osplanos de urbanização e o Fundo de Desenvolvimento Urbano.

Na verdade, o direito universal ao solo urbanizado e a ampliação do acesso à moradia perpassam toda aLei. O Plano Diretor aponta as providências físicas e institucionais necessárias para alcançar um melhorequilíbrio na função social e no desenvolvimento da cidade. Segundo Alice Rodrigues essa foi a primeiravez que as instruções físicas para o planejamento foram relacionadas a princípios sociais, em especial,quanto ao provimento de habitação e melhoria das ações a implementar em áreas carentes, identificadascomo Zonas Especiais de Interesse Social.

O Plano apostava também nas Operações Urbanas para promover a melhoria das condições de acessibilidadee habitabilidade nas áreas de baixadas ocupadas, com intervenções que permitissem a manutenção dapopulação residente no local e evitassem que a melhoria na infra-estrutura acabasse revertendo em lucrosreais somente para uma pequena fração da sociedade. A aplicação do instrumento exige a definição claradas regras e dos papéis de cada parceiro envolvido, a implementação de políticas de geração de empregoe renda e a exata definição das áreas a serem beneficiadas (onde os recursos gerados pelas OperaçõesUrbanas serão aplicados).

Contudo o plano carecia de um modelo de uso do solo para a aplicação das novas normas e instrumentos.Mesmo posteriormente, com o modelo de uso e ocupação definido pela LCCU/1999, não foi possívelassegurar a aplicação dos instrumentos disponibilizados no PDU, já que alguns deles necessitavam deregulamentação específica como é o caso das ZEIS e dos mecanismos de regularização fundiária. Naavaliação Rodrigues, algumas disposições da LCCU obtiveram impactos diferentes do previsto, reforçandoo adensamento das áreas com melhor infra-estrutura (como no caso dos Corredores de Comércio eServiços (CCS) e dos Corredores de Tráfego (CTT), especialmente com o uso habitacional de alta renda).

Somente a partir do Estatuto da Cidade, foi possível avaliar a adequabilidade dos instrumentos às condiçõesinstitucionais e urbanísticas do município. Desta forma, na avaliação da equipe, a reformulação dosconteúdos do atual plano deverá se dar em torno da redefinição de índices de aproveitamento, utilizaçãoou não da outorga onerosa do direito de construir, destinação dos recursos e gestão do fundo dedesenvolvimento, identificação das áreas irregulares a serem gravadas como ZEIS, entre outros.

O Núcleo de Reformulação do Plano Diretor considera que, apesar do Plano Diretor ter avançado bastantena regulamentação das ZEIS, o fato de ter vinculado a definição de todos os critérios de ocupação egestão a planos de urbanização específicos para cada ZEIS resultou na falta de um parâmetro comum paraa realização de tais planos e na necessidade de definição de um sistema de gestão mais detalhado, onde aparticipação da população local e dos demais interessados estivesse assegurada. Para suprir esta lacuna,foram elaborados um Diagnóstico Preliminar e uma proposta de Projeto de Lei para Regularização dasZEIS, com a participação de técnicos das diversas secretarias Municipais, sob coordenação da Secretariade Urbanismo (SEURB), nos quais buscou-se suprir a lacuna do Plano Diretor e da LCCU, que tambémnão apresentou avanços sobre este aspecto, e estabelecer critérios comuns para a definição de parâmetrospara a regularização das ZEIS. Entretanto, esta proposta não chegou a ser debatida com a sociedade.Contudo, é real a possibilidade deste estudo ser inserido nos debates deste processo de revisão do PlanoDiretor.

A avaliação geral é que, em relação às questões da moradia, os principais problemas enfrentados referem-

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se à inexistência de áreas urbanizadas ou urbanizáveis para a produção da habitação de interesse social jáque os espaços disponíveis são de propriedade da Marinha do Brasil e da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária; falta de critérios para gravame e implementação de ZEIS (adequação da escala);necessidade de regulamentação do direito de preempção e de soluções para as áreas com conflitos ambientais(projetos de recuperação das áreas de ressaca, reassentamentos e regularizações). As principais estratégiasna revisão do plano deverão apontar para a consolidação destas áreas colocando infra-estrutura e para oadensamento e verticalização de alguns setores para habitação social.

Alice Rodrigues destaca a especificidade local, alertando para a fragilidade econômica de uma cidadepraticamente desprovida de indústrias e com uma estratégia de desenvolvimento econômico alicerçada noturismo, atividade que ainda necessita desenvolver estruturas adequadas. Essa necessidade dedesenvolvimento da construção civil acarreta contradições com o estabelecido pelo plano. Um forte lobbydestes setores determinaram a alteração da proposta especialmente em relação a índices de aproveitamentoe alturas (entrevista com Alice Rodrigues, Coordenadora da Revisão, 2006)

6.2. MANAUS

6.2.1. Concepção e processo de elaboração

A Lei Orgânica do Município de Manaus, promulgada em 1990 e elaborada em consonância com osnovos preceitos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, orientou o processo de elaboração doPlano Diretor. A Carta Municipal não somente definiu um conjunto de normas básicas e diretrizes para aproteção do meio ambiente, como estabeleceu sua articulação com os instrumentos voltados para odesenvolvimento urbano, avançando no entendimento e no tratamento associado das questões urbanas eambientais.

No Título V (Das Políticas Públicas), Capítulo I (Da Política Urbana), a Lei Orgânica do Município deManaus tratou da necessidade de dotar a cidade de instrumentos que garantissem o crescimento equilibradodeterminando as novas atribuições relativas à proteção e à recuperação do patrimônio ambiental, naturale construído. A Carta Municipal define os principais aspectos que devem ser observados no processo deplanejamento urbano, entre eles: (i) o estabelecimento de áreas destinadas à construção de moradia popular;(ii) a fixação de normas sobre zoneamento, parcelamentos, loteamentos, uso expansão e ocupação dosolo, contemplando áreas destinadas às atividades econômicas, áreas residenciais, lazer, cultura e desporto,reservas de interesse urbanístico, ecológico e turístico; (iii) a proibição de construções em áreas de saturaçãourbana, risco sanitário ou ambiental, áreas históricas e reservadas para fins especiais, áreas verdes, bemcomo áreas de preservação permanente; (iv) a delimitação, reserva e preservação de áreas verdes.

Durante a década de 1990, foram realizadas diversas tentativas de atualização e complementação do PlanoDiretor Local Integrado de Manaus (PDLI), em vigor desde 1975, que resultaram num conjunto de maisde uma dezena de Leis e decretos, complementados por inúmeras resoluções normativas que estabeleceramnovos conceitos e parâmetros para o direcionamento do crescimento urbano de Manaus.

Somente em 2001 a Prefeitura Municipal produziu um novo Plano Diretor Urbano Ambiental para Manausque incluiu a atualização de instrumentos para a gestão territorial do Município e o planejamento dacidade. A elaboração do Plano Diretor foi conduzida por uma equipe de dirigentes e técnicos daadministração local, com o assessoramento do IBAM, em um processo aberto que contou com acontribuição de diversos segmentos da sociedade civil, através de dois seminários públicos e inúmeras

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reuniões de caráter consultivo. Os produtos finais do trabalho se consubstanciaram em novas seis Leis: (i)Lei do Plano Diretor Urbano e Ambiental; (ii) Lei de Perímetro Urbano; (iii) Lei de Parcelamento do SoloUrbano; (iv) Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano; (v) Lei do Código de Obras e Edificações; (vi) Leido Código de Posturas.

A concepção estratégica do novo plano e de um processo de gestão participativo e partilhado com oconjunto da sociedade visando a sustentabilidade ambiental está expressa na justificativa que apresenta aLei:

“... Daí a necessidade da Administração Municipal adotar um modelo de gerência do território urbano-ambiental que permita a integração, de modo sistêmico, da sustentabilidade às atividades de planejamento,baseada na participação intensa dos atores sociais envolvidos, tanto em fase de elaboração quanto deimplantação da nova política de desenvolvimento e controle urbano. A condução da política urbanísticaexige novas formas de atendimento à elevada dinâmica da organização espacial e às atuais tendências desubstituição dos sistemas de gestão territorial por modelos que privilegiam a adoção de códigos voluntáriosde conduta auto-regulação, auto-gestão e de instrumentos econômicos” (PDUA / 2002).

6.2.2. Conteúdos referentes à política habitacional e relacionados à solução de conflitos urbano-ambientais

O Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus, aprovado em 2002, “procurou dotar o município de umconjunto de instrumentos considerados mais adequados para a gestão territorial, com o objetivo deminimizar o comprometimento do patrimônio ambiental da cidade, decorrente dos processos de expansãodas atividades econômicas e da ocupação desordenada do território” (IBAM). A ênfase ambiental que oplano adota fica registrada quando da Leitura dos relatórios que o precederam. Segundo alguns entrevistados,o Plano Diretor não reflete o déficit habitacional de Manaus, cuja estimativa atual é de 75 mil habitações,onde residem famílias com teto mas sem-terra.

O documento-base do Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus enunciou, além dos princípiosorientadores do desenvolvimento urbano e ambiental, um conjunto de proposições que abrangem estratégiasde desenvolvimento; a macro-estruturação do município; a estruturação do espaço urbano; o sistemamunicipal de planejamento urbano.Dentre as estratégias, três estão diretamente relacionadas ao tema da pesquisa: a qualificação ambiental, ouso do solo e a construção da cidade. A primeira contempla os aspectos mais relacionados a políticas deproteção das áreas consideradas ambientalmente frágeis e políticas de recuperação das áreas já degradadas,especialmente no território urbano, enfatizando o programa de proteção e valorização dos cursos d’água,remetendo ao plano de saneamento, drenagem e sua integração à paisagem. Não são referidas as ocupações.A estratégia de uso do solo propõe o controle da expansão horizontal da cidade, visando preservar oambiente natural e o adequado uso da infra-estrutura.

A estratégia de construção da cidade contempla os programas relacionados à política de habitação deinteresse social. Nela, estão previstas ações de regularização dos assentamentos consolidados junto àsmargens dos igarapés e de reassentamentos “quando necessários”, sempre em locais dotados de infra-estrutura. Também estão previstas ações para ampliação da oferta e do acesso à moradia para as populaçõesde menor renda, parcerias, operações urbanas e regularizações, que compõem o leque da concepçãoestratégica e redistributiva proposta para a solução dos conflitos urbano-ambientais.

O principal instrumento que o plano instrui para estes casos são as Áreas de Especial Interesse Social,definidas como as áreas destinadas à implantação de políticas e programas para promoção da habitação de

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interesse social. O Plano Diretor demarca áreas já identificadas, instrui quanto à delimitação de novasáreas e veda o gravame para situações em conflito com o plano ambiental:

“...Não serão declaradas Áreas de Especial Interesse Social em zonas ou áreas de proteção ambientaldefinidas pelo Código Ambiental de Manaus ou legislação ambiental complementar”.

As AEIS até hoje instituídas foram as identificadas pelo Plano Diretor

Fonte: Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus

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6.3. MACAPÁ

6.3.1. Concepção e processo de elaboração

O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Macapá foi aprovado em fevereiro de 2004pela Lei complementar 0026. A Lei foi apresentada à sociedade com o objetivo de, além de constituir-seem principal instrumento orientador das políticas de desenvolvimento e ordenamento territorial urbano,constituir-se também como “referencial às reflexões acerca da evolução histórica do município, de suaspossibilidades de desenvolvimento sócio-econômico e da participação de cada munícipe na definição dacidade e do município desejados” (PDDUA, 2004).

Com forte enfoque ambiental, teve como princípios orientadores para a sua elaboração os seguintespressupostos: i) indissociabilidade das questões ambiental, social e territorial; ii) amplo processo participativo;iii) adoção de estratégias de divulgação das informações e comunicação como início de um processo decapacitação dos atores sociais para o planejamento participativo (PDDUA,2004).

O plano foi concebido tendo por base a Leitura da cidade que destacou, entre os temas debatidos aspectosda estruturação do município, da morfologia e paisagem urbana, da mobilidade intra e intermunicipal, doambiente natural e cultural, das condições de moradia para as populações de baixa renda e da gestãoterritorial.

A participação, segundo os registros, ocorreram em reuniões, debates e seminários realizados para colherinformações, avaliar processos, levantar demandas e definir propostas. Foram quatro seminários, sendoque três foram feitos na forma de audiência pública. O primeiro seminário levantou informações e demandas;o segundo objetivou o debate e a avaliação das propostas, o terceiro avaliou o projeto de Lei do PlanoDiretor elaborado e o quarto avaliou as Leis complementares incluídas no processo (perímetro urbano,parcelamento do solo e uso e ocupação do solo). A participação da sociedade foi, durante todo o processo,predominantemente na forma representativa, através de lideranças, sociedade civil organizada e Câmarade Vereadores.

Segundo informações do Núcleo do Plano Diretor de Amapá, apesar das três audiências públicas realizadasdurante a elaboração do plano de Macapá, em 2004, a participação não foi efetiva pois as pessoas nãoopinavam nem apresentavam propostas. Doze entidades fazem parte do Núcleo do PD: três Prefeituras(Laranjal do Jarí, Santana e Macapá), organizações não-governamentais e movimentos sociais. O Núcleodo PD foi montado no final de 2005 e não acompanhou as discussões de elaboração do Plano Diretor, em2004.

No final de 2005, a Prefeitura enviou um projeto de Lei para a Câmara Municipal alterando vários pontosdo PD, entre eles, os índices urbanísticos. O Núcleo do PD reclama que a discussão não foi democráticae nem realizada com todos os setores. Até o momento da pesquisa, estes projetos ainda não haviam sidoaprovados.

6.3.2. Conteúdos referentes à política habitacional e relacionados à solução de conflitos urbano-ambientais

O Plano Diretor de Macapá foi estruturado em quatro partes. A primeira refere-se às estratégias dedesenvolvimento, temas prioritários a serem tratados por Macapá; princípios, objetivos, diretrizes e medidaspara a intervenção constituem o escopo desta parte. No caso da promoção da habitação de interesse social(HIS), a Estratégia para a Promoção da Habitação Popular determina e instrui sobre a implementação de

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uma política fundiária e uma política habitacional para Macapá referindo entre seus objetivos específicosdois temas relacionados à intervenção nas situações de conflito urbano-ambiental. O inciso II do parágrafoprimeiro do artigo 21 refere à “implantação de infra-estrutura e equipamentos nas áreas urbanas ocupadaspor população de baixa renda”; o inciso III refere-se a “prever e corrigir efeitos gerados por situações quedegradam o ambiente urbano e comprometem a qualidade de vida da população”. As diretrizes apontamrecomendações tanto de ordem corretiva das situações consolidadas com a regularização urbanística efundiária, a delimitação de AEIS, reassentamentos somente para “casos excepcionais por motivos ambientaisou de risco à saúde”; quanto recomendações de caráter mais preventivo como as questões que referemfinanciamento da população de menor renda e da produção pública, utilização dos mecanismos indutoresda ocupação territorial, e aspectos relacionados à legislação urbanística e agilidade dos procedimentospara ampliar a produção privada da HIS.

No plano, chama atenção o artigo 25 que trata exclusivamente das ocupações das áreas de ressaca e oscritérios para a definição pela regularização, estabelecendo que “serão regularizadas aquelas áreas jácomprometidas com aterramento e próximas ao centro, indicando também para o fornecimento dosserviços públicos nas áreas em que o reassentamento se prolongar minimizando o impacto ambientalexistente”.

A segunda parte da Lei trata da estruturação municipal e urbana. Aí está proposto o macrozoneamento domunicípio e o modelo urbano onde é possível identificar a ênfase ambiental adotada pelo plano para todoo território municipal com a adoção dos conceitos de sistema referenciais estruturadores para o ambientee para a mobilidade. Na área urbana, destacam-se os zoneamentos classificados como subzonas prioritáriaspara a implantação de infra-estrutura incluindo as áreas ocupadas por população de baixa renda; as subzonasde Fragilidade Ambiental que incluem as áreas de ressaca já ocupadas, e as subzonas de Proteção Especialque prevê a recuperação de ressacas consideradas recuperáveis.

Na terceira parte da Lei, estão contemplados os instrumentos de controle urbano e os instrumentosindutores do desenvolvimento urbano. O Plano incorpora a grande maioria dos instrumentos propostospelo Estatuto da Cidade. Na questão habitacional, o gravame de AEIS 1 de “regularização dosassentamentos” reconhece loteamentos e ocupações diversas em várias áreas da cidade e as ocupações emáreas de ressaca próximas a área central da cidade já com aterros realizados. As demais deverão ser objetode estudo para definição do grau de comprometimento ambiental em que se encontram. Também estãoreconhecidos pelo Plano alguns assentamentos em áreas consideradas de fragilidade ambiental, mas jácomprometidas pela ocupação e com facilidades para a integração à malha. As AEIS 2, destinadas aempreendimentos habitacionais, não foram demarcadas, mas sua aplicação foi normatizada.

A quarta parte da Lei estabelece o sistema municipal de gestão territorial. Nele, a participação socialocorre através do Conselho Municipal de Gestão Territorial e os Comitês Gestores Locais, ambos nãoregulamentados pelo Plano.

A Lei do parcelamento do solo também insere conteúdos pertinentes à solução dos conflitos urbano-ambientais. Inclui um capítulo que se refere exclusivamente às questões da regularização dos assentamentosinserindo mecanismos que facilitam o processo de regularização como padrões específicos a partir dogravame de AEIS e o que couber, conforme consta do artigo 71 em relação à doação das áreas públicas edemais exigências legais:

§ 3º - O Município poderá estabelecer, ouvido o Conselho Municipal de Gestão Territorial e mediante aaprovação de Lei, parâmetros específicos para os empreendimentos a serem regularizados, utilizando-se,

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sempre que possível, de instrumentos urbanísticos que permitam a compensação por parâmetros menosrestritivos que os previstos nesta Lei Complementar para: I - dimensão dos lotes; II - dimensão dasquadras; III - sistema viário.

De forma preventiva estabelece no artigo 1º como diretriz na aprovação dos parcelamentos “a destinaçãode lotes para habitação de interesse social sempre que possível”.

6.4. BOA VISTA

6.4.1. Concepção e processo de elaboração

O Plano Diretor, vigente à época da pesquisa, era a Lei 244 de 1991 que dispõe sobre a promoção dodesenvolvimento urbano, zoneamento, uso e ocupação do solo, sistema viário e parcelamento. O diagnósticorealizado pelo IBAM destaca que este plano incorpora alguns avanços nos seus conteúdos, em especialnos conceitos pós-constituição relacionados ao cumprimento da função social da cidade e propriedade,porém sem instrumentos adequados para alcançá-la. O equilíbrio ambiental e preservação dos sistemasnaturais aparecem como objetivo das políticas de desenvolvimento urbano. A regularização de loteamentostambém aparece como tema prioritário e busca, através da normativa, assegurar padrões e procedimentosespeciais, conferindo forte conteúdo normativo ao plano vigente.

O processo de revisão e elaboração para um novo plano, exigência legal para a adequação aos conteúdosdo Estatuto da Cidade, adota a concepção estratégica e de sustentabilidade ambiental e inicia com fortepropósito de elaboração participativa43. No desenvolvimento do processo, são mantidas a ênfase estratégicae a concepção ambiental na elaboração da nova Lei, mas o processo participativo não atende as expectativasda população local.

A estratégia de participação social proposta na metodologia apresentada pelo IBAM previa discutir juntocom a sociedade as temáticas para incorporar a visão dos vários segmentos, definir conjuntamente propostase ações prioritárias e elaborar o modelo espacial. Segundo informações da Prefeitura, o Projeto BraçosAbertos foi estratégico para a participação facilitando o processo de discussão do Plano Diretor com asociedade. Além disso, foram realizadas três audiências públicas e reuniões em bairros para discutir oplano, com mais de 9 mil convites para a participação. Após este processo, a prefeitura encaminhou àCâmara de Vereadores três projetos de Lei: o Plano Diretor, a Lei de Parcelamento do Solo e Lei de Usoe Ocupação do Solo. Ainda, em elaboração e parte deste conjunto, segundo a proposta de trabalho doIBAM, o projeto de Lei sobre Empreendimentos de Habitação de Interesse Social (EHIS).

Para o Fórum Popular de Roraima em Defesa da Cidade não houve a devida participação popular noprocesso de discussão e elaboração do PD, pois apesar da participação ter sido massiva, contemplou amaioria de servidores públicos municipais e não foi qualificada, já que a população não recebeu informaçõessobre a Leitura técnica e as propostas da Prefeitura. Além disso, o Núcleo Gestor do Plano Diretor,responsável pela coordenação do processo de elaboração, só tinha representantes da Prefeitura e dosempresários, não contemplando a participação de representantes de sindicatos, associações de moradores,ONGs, entidades profissionais, etc. A composição desse Núcleo Gestor desrespeita a Resolução do

43 São princípios metodológicos de elaboração do Plano Diretor: (I) participação da prefeitura em todas as etapas do processo;(II) participação da população como contribuição efetiva nas definições do Plano Diretor; (III) a incorporação da visãoestratégica e ambiental no Plano Diretor; (IV) tratamento temático das informações. (IBAM)

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ConCidades que estabelece o processo participativo de elaboração e revisão dos PDs, em que a sociedadecivil deve estar presente em todos os níveis de decisão e não apenas nas audiências públicas e discussõestemáticas. Como não houve participação de diversos setores da sociedade no Núcleo Gestor, o Fórumavalia que não houve uma associação entre as propostas levantadas nas audiências públicas e o conteúdodo projeto de Lei do PD, até então era desconhecido. O Fórum também aponta que não foi realizada aLeitura comunitária da cidade, pelo menos não de forma sistematizada que pudesse resultar na conformaçãode propostas palpáveis em relação aos temas básicos do PD como habitação, transporte, saneamento,meio ambiente, etc. Além disso, os conteúdos da proposta de PD, conformados a partir das consultas àsociedade civil nas audiências públicas e nas reuniões temáticas, não foram tornados públicos, o que levouo Fórum a demandar ao Ministério Público Estadual, que solicitasse tais materiais à Prefeitura. O MinistérioPúblico acatou a solicitação do Fórum e, em 03 de abril, disponibilizou o material entregue pela Prefeitura,o qual continha a Leitura e os diagnósticos técnicos da cidade e as atas e convocatórias das audiênciaspúblicas, os projetos de Lei do PD, de Uso e ocupação do solo e de parcelamento do solo. Foi somentefrente a essa disponibilidade do Ministério Público que foi possível a análise dos documentos pelo Fórum.

A partir do conjunto das informações obtidas, identificamos que foram contemplados os seguintes temasno processo de elaboração do novo Plano Diretor de Boa Vista: a Leitura técnica da cidade contemplandoo meio físico, biótico, social e econômico; a caracterização urbana priorizando os temas da habitação,saneamento, mobilidade e transporte; a Leitura popular/comunitária que contemplou a realização deseminários de apresentação da Leitura técnica, oficinas temáticas, audiências públicas. A metodologia daprimeira audiência pública foi a discussão livre sobre os problemas da cidade, sem haver nenhumaapresentação de diagnóstico técnico ou comunitário prévio para os participantes. A segunda audiênciapública trabalhou sobre temas prioritários (não informaram quais) e, na terceira, houve a apresentação deproposições pelo Município. Técnicos da Universidade Federal de Roraima e da Universidade de Brasíliaparticiparam da elaboração do relatório técnico. A falta de continuidade na discussão dos conteúdos foi aprincipal componente da insatisfação da sociedade quanto ao processo participativo.

6.4.2.Conteúdos referentes à política habitacional e relacionados à solução de conflitos urbano-ambientais

O foco do plano diretor é o desenvolvimento sustentável com ênfase na questão ambiental e na adequadaocupação territorial. Define para isto sete estratégias. Entre elas, a promoção do desenvolvimento econômicosustentável, a qualificação ambiental do município, o ordenamento e a estruturação urbana e a regularizaçãofundiária e urbanística são as mais relacionadas ao tema da pesquisa. Neste escopo, a definição das novaszonas de expansão urbana do município foi tema de consenso. A proposta é estancar o crescimento asudoeste da cidade (onde estão as lagoas e as Áreas de Preservação Permanente) e instituir gravame deUnidade de Conservação. Os vetores de crescimento da cidade deverão ser induzidos rumo a Alto Alegre(Oeste) e a Norte, em direção à Venezuela.

A estratégia de qualificação ambiental objetiva promover “a proteção e valorização do ambiente natural”e o “planejamento e gestão municipal com respeito aos condicionantes do meio físico e biótico”. Ocapítulo da qualificação ambiental é, sem dúvida um dos mais completos do projeto de lei do planodiretor, com o macrozoneamento municipal e urbano realizado sobre os condicionantes ambientais eamplo espectro de programas e ações. Dentre eles, está destacada uma política de “gradativo reassentamentoda população residente no Leito dos igarapés e lagoas temporárias e permanentes e seu entorno”.

Na estratégia de ordenamento e estruturação territorial, está permitida para a Área Urbana Parcelada(AUP) a identificação de áreas passíveis de regularização. O gravame de AEIS está previsto, mas não sesabe se alguma área em situação de conflito foi previamente identificada. Segundo o artigo 28 do projeto

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de Lei apresentado, o macrozoneamento urbano está descrito em Lei ordinária.

A estratégia de produção e regularização fundiária é a mais frágil no projeto de Lei apresentado. Seuconteúdo não ultrapassa as usuais proposições, incluídas enquanto diretrizes gerais e objetivos, e umconjunto de ações “a serem desenvolvidas”. Inclui também os instrumentos previstos pelo Estatuto daCidade para a regularização das posses, mas nenhum avanço concreto é proposto. O gravame de AEIStambém não está normatizado, o que deixa incompleta a própria proposta no zoneamento. A própriaestruturação de um sistema de Habitação Municipal foi incluída no projeto do plano apenas como diretrizda estratégia de produção e regularização.

Cabe destacar que o projeto de Lei sobre Empreendimentos de Habitação de Interesse Social (EHIS),embora não incluída no conjunto de Leis que acompanha o plano diretor, teve o diagnóstico concluídopelo IBAM apontando um conjunto de fatores que deveriam balizar as propostas do novo plano: a revisãodos limites urbanos, de expansão e rural; a indução de novos vetores de crescimento para a preservaçãodas áreas das lagoas e igarapés; a avaliação dos resultados da legislação vigente que permitia três níveisdiferenciados de urbanização; a verificação de instrumentos mais adequados para enfrentar as questões deregularização fundiária avaliada como necessária em mais de 50% da área da cidade.

O debate neste campo foi conduzido de forma a identificar: as alternativas de contenção do processo deocupação irregular; aproveitamento de áreas para o desenvolvimento de projetos habitacionais de interessesocial; ocupação de terrenos ociosos e subutilizados; formas de incentivo a realização de parcerias público-privado; redução dos custos finais de produção da habitação de interesse social (HIS); identificação defontes de recursos disponíveis; aumento da eficácia da fiscalização; gerenciamento da implementação doplano de HIS; regulamentação de padrões construtivos de EHIS. O resultado deste processo teve pequenaparcela das proposições incluídas no Plano Diretor, mas o produto a ser contemplado pela Lei EHIS nãofoi concluído.

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7. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O problema da ocupação de áreas ambientalmente frágeis ou inadequadasà urbanização tem nestas quatro capitais as especificidades já levantadas nocapítulo anterior. Mas de uma maneira geral pode-se afirmar que o processoé um só: restrições territoriais à ocupação devido aos rios, igarapés e cursosd’água; urbanização e ocupação inicial do território nas áreas mais aptas;um processo acelerado de urbanização da população ocasionado porprocessos migratórios induzidos quer por ciclos de desenvolvimento querpor estímulos à ocupação das fronteiras; a incapacidade pública de provera urbanização; grandes vazios urbanos localizados em áreas comacessibilidade e dotadas de infra-estrutura (sobretudo em Macapá e BoaVista); a ocupação de áreas inadequadas e impróprias à moradia peloscontingentes populacionais mais pobres. Esse processo resulta em cidadesque se conformam internamente desiguais, revelando inúmeros setores cominadequadas condições de habitabilidade, famílias habitando em situaçõesde risco, e graves problemas de saneamento ambiental que afetam toda apopulação. No âmbito da gestão e planejamento urbano-habitacionaltambém não se modifica o quadro: políticas públicas insuficientes,fragmentadas, e que acentuam o problema ao não conseguirem rompercom a exclusão que as práticas usuais promovem pelo próprio processo deprodução da urbanização do espaço. Na produção da cidade também seproduz e reproduz a informalidade habitacional e o aumento das situaçõesde conflito urbano-ambientais. Além das limitações territoriais à ocupaçãoimpostas pela presença dos recursos hídricos nas quatro cidades, adificuldade de acesso à terra pela população pobre é agravada pela formacomo o território vem sido gerido pelo poder público até o processo atualde elaboração ou revisão de seus planos diretores.

A presença da União no sistema de distribuição e regularização de terras,devido ao fato de ser grande proprietária de terras nessas cidades, sobretudoMacapá e Boa Vista; a existência de grandes extensões de áreas, urbanas erurais, sob gerência do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, muitas dasquais vazias ou sem utilização; a falta de políticas e programas coordenadosentre municípios e União para o gerenciamento e regularização de terras;os interesses imobiliários e patrimonialistas que tem mantido grandes glebasvazias em áreas centrais e dotas de infra-estrutura têm sido determinantesno agravamento da situação de moradia da população pobre. Ainda quehoje haja uma perspectiva de mudança dessa forma de gestão pelosmunicípios, com os novos instrumentos que foram incorporados aos planosdiretores, os desafios colocados impõem a necessidade do poder públicorepensar o uso, a ocupação e a gestão do território, de forma a integrar osaspectos urbanísticos, ambientais, econômicos, culturais e sociais, no âmbitourbano e rural, de forma a superar a visão fragmentada das análises e dassoluções.

O Estatuto da Cidade veio promover novas condições jurídico-institucionaisque podem contribuir para a reversão desses processos. A adequação dos

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municípios às exigências constitucionais através da revisão de seus planosdiretores tem sido colocada como grande expectativa para a mudança. Nessesentido, a pesquisa realizada buscou conhecer os procedimentos ecaracterísticas dos processos desenvolvidos na formulação e revisão dosplanos diretores municipais das quatro capitais. Procurou tambémcompreender as práticas desenvolvidas nos projetos implementados porque,para além da promoção das condições legais, a mudança se faz pela ação –a mudança se efetiva pela implementação das novas políticas e práticas queo instrumental promove.

Todas as quatro cidades pesquisadas tiveram seus planos diretores elaboradosapós a Constituição Federal – Boa Vista em 1991, Belém em 1993, Manausem 2002 e Macapá em 2004 – sendo que as duas últimas já incorporaramas diretrizes do Estatuto da Cidade. Belém e Boa Vista, ainda não concluíramo processo de revisão de seu plano diretor. O plano diretor de Belém haviaincorporado, já em 1993, instrumentos que depois vieram a ser objeto doEstatuto da Cidade, tais como o cumprimento das funções sociais da cidadee da propriedade, e novas estratégias de planejamento do uso e ocupaçãodo solo com um foco redistributivo e participativo. A regulamentação departe deste instrumental se deu em 1999 com a definição de um modeloespacial e na expectativa de sua implementação. O plano de Manaus temforte ênfase ambiental o plano insere a questão da moradia e a falta deacesso ao urbano como questão estratégia para o desenvolvimentosustentável. Ações articuladas, parcerias, operações urbanas, regularizaçõese reserva de áreas para habitação de interesse social, compõem o leque dasconcepções de cunho mais estratégico e redistributivo para a solução eprevenção de conflitos urbano-ambientais. No caso de Macapá, a estratégiade proteção ao meio ambiente articula-se com a estratégia de geração deemprego e renda, no sentido de buscar a sustentabilidade nos processoseconômicos de utilização e exploração dos recursos naturais, sobretudo dafloresta Amazônica. A estratégia habitacional no plano diretor prevê aconclusão da urbanização de áreas de ressacas já comprometidas comaterramento e próximas à área central; soluções emergenciais para as áreasde ressacas com ocupação muito intensa e que não podem ter residentesremovidos de imediato; e reassentamento das famílias que habitam nasáreas de risco segundo a localização, a degradação ambiental e os riscossócio-ambientais, com participação popular. O plano diretor de Boa Vista

Todos os três planos buscaram, portanto, promover um novo entendimentoe condições legais para novas práticas inserindo um conjunto deinstrumentos especialmente direcionados para a atuação nas áreas desituação de conflito da moradia e ambiente. Contudo, uma breve avaliaçãoquanto aos formatos da intervenção pública, especialmente no que se refereà gestão habitacional, urbana e ambiental permite verificar que, na prática,as mudanças são ainda muito restritas e diretamente relacionadas à adoçãode linhas políticas de cunho redistributivo, mais comprometidas com ademocratização da gestão pública e voltadas à organização social para ademanda, controle público e participação na gestão.

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Belém apresenta-se como uma cidade que, historicamente, constituiu umamobilização social bastante forte em torno da conquista dos espaços damoradia popular, organizada em movimentos sociais, ONGs e Fórunsespecíficos (Fórum da Reforma Urbana e Fórum da Amazônia Oriental).A demanda por melhorias e urbanização nas áreas de baixadas ocupadaspelas populações de menor renda ocorreu nas décadas de 60/70. Emparalelo e posteriormente, o adensamento das áreas centrais, o processo deexpansão para além dos limites do cinturão institucional, demandas porverticalização na porção central por comércio e serviços, começaram aexigir a consolidação e a conseqüente incorporação das áreas de baixadas àestrutura da cidade, não exatamente para as populações ali residentes, masquase sempre relacionadas ao saneamento necessário para promover aampliação do estoque de terras infra-estruturadas para o mercadoimobiliário. As maiores intervenções têm sido implementadas pelo GovernoEstadual, nos projetos de macro-drenagem realizados em parceria com opoder público municipal e e com investimentos de agentes financiadoresexternos.

A evolução verificada nas políticas e nos procedimentos que priorizavamos reassentamentos e as indenizações (conforme ocorrido na drenagem doUNA e nos primeiros tempos da drenagem do Tucunduba) para a açãointegrada do Plano de Desenvolvimento Local, que passa a remanejar e aregularizar no local as famílias moradoras na área de intervenção do projetoTucunduba, representa, sem dúvidas, avanços na gestão dos conflitosurbano-ambientais na cidade de Belém. Ainda que problemas para a atuaçãointegrada da Prefeitura em políticas e programas e a articulação com asdemais instituições governamentais e não governamentais possam ter sidoreferidos no presente estudo, tem-se que a constituição do escritório locale a participação efetiva da comunidade conferem à intervenção um novoviés. Esse reconhecimento consolida-se quando essa experiência éreconhecida como exemplo de melhores práticas. Foi fundamental oprocesso de democratização da gestão da cidade alcançado pelas instânciasinstauradas em especial o Congresso da Cidade. O projeto de regularizaçãoda Vila da Barca que consolida a população no seu local de origem com asubstituição das palafitas por novas moradias em área contígua, também éresultado alcançado por este processo de organização social e da prioridadedada às políticas redistributivas.

Entretanto, verifica-se na atual gestão a descontinuidade desse acúmuloprogramático e democrático obtido na gestão anterior e o atual processode revisão do plano diretor e aprovação de legislações municipais urbano-ambientais.44Além disso, há a descontinuidade dos processos, a falta deinformações e de integração entre as Secretarias, provocando mudanças

44 Por exemplo, a lei que institui a Política e o Sistema Municipal de Meio Ambiente (Lei n. 8.489/2005) estabelece como umdos princípios da política municipal do meio ambiente a função sócio-ambiental da propriedade urbana e rural, mas nãoarticula seus instrumentos com o plano diretor municipal e nem considera o plano setorial de habitação no processo deelaboração do plano de gestão ambiental integrado, ainda que considere os planos setoriais de uso e ocupação do solo urbanoe o de proteção ambiental.

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no quadro de intervenção. A descontinuidade administrativa afetou oprocesso e a implementação das políticas.

Quanto ao processo de revisão do Plano Diretor – os 10 anos passados dasua aprovação torna obrigatória sua revisão até outubro de 2006 –, tambémapresenta restrições por parte da sociedade. No momento da pesquisaestavam sendo concluídos os diagnósticos técnicos e iniciava a leituracomunitária. Ainda que a equipe técnica local manifestasse totalcompromisso com os conteúdos que avançam para a promoção de umsistema de planejamento e gestão sustentável e includente, o processorevelou limites que podem acarretar afastamento destes pressupostos. Adificuldade maior está em constituir-se um processo efetivamenteparticipativo que possibilite que contrariedades se explicitem e se constituamacordos, garantindo a primazia do interesse coletivo sobre o interesseprivado. A nova gestão ainda não havia traduzido tais intenções em fatosconcretos, tais como a constituição de um conselho gestor da revisão doplano diretor com formato democrático, abrangente dos diferentessegmentos sociais.

Quanto às estruturas administrativas, capacidade de operacionalização dosprojetos, produção e disponibilização das informações o que pode serverificado é que a cidade de Belém apresenta uma situação bastantefavorável. As dificuldades ocorrem ainda por falta de regulamentações doordenamento jurídico-institucional.

A cidade de Manaus reflete na precariedade habitacional e nas condiçõesurbanas inadequadas em que habitam parcelas significativas da população,a insuficiência das ações e a inoperância das intervenções publicas nassituações de conflito urbano-ambiental. Na verdade, a atuação do municípioneste sentido é bastante recente. Ela se dá de forma mais efetiva a partir daelaboração e aprovação do novo Plano Diretor em 2002, e ainda estávinculada preponderantemente às políticas de gestão ambiental esaneamento. Até 2001 a principal intervenção ocorria com o projeto SOSIgarapé – de concepção limitada com foco para a limpeza local e educaçãoambiental. Com a ausência de políticas habitacionais e a ineficiência dapolítica urbana, a cidade acumulou um passivo sócio-ambiental de grandesproporções. Registrou intenso crescimento horizontal nas últimas décadas,com a abertura de loteamentos populares em áreas distantes do centrohistórico e ocupações realizadas tanto em glebas urbanas quanto em terrenosconquistados pela derrubada de floresta - quase sempre na periferia dacidade. A irregularidade presente na cidade, fruto desta ausência pública, éverificada tanto nas ocupações ocorridas, em especial nas áreas mais frágeisambientalmente, como nos loteamentos produzidos - onde quase 40%apresentam algum tipo de irregularidade e não possuem saneamentoambiental adequado. Agravando o quadro, ao lado desta irregularidadeconvivia uma grande quantidade de lotes não ocupados (equivalente à cercade 20% do universo total de lotes cadastrados na Prefeitura) o querepresentava quase 50% do total da área urbanizada do território.

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O Plano Diretor de 2002 não só veio instrumentalizar o poder públicomunicipal para uma atuação mais efetiva na gestão territorial como permitiue promoveu o debate sobre o desenvolvimento sustentável, consideradasvocação econômica, demandas sociais e características ambientais domunicípio. O novo plano insere a temática da moradia dentro de umaconcepção estratégica e articulada às questões urbano-ambientais.

O que se verifica, entretanto, é que embora a concepção estratégica donovo plano diretor reflita uma articulação entre instrumentos e políticaspara intervenção nos conflitos, a Prefeitura de Manaus permanece atuandopontualmente e somente na demanda que lhe corresponde legalmente –aplicação da legislação municipal para instituição de AEIS e regularizaçãofundiária de áreas municipais, e em áreas vazias para novos projetos dehabitação de interesse social com base no Programa de ArrendamentoResidencial do governo federal. Não há uma política deliberada de induçãode usos para fins de HIS, de incentivo a novas formas de produçãohabitacional e de estratégias mais efetivas para avançar nas regularizações,reassentamentos e melhoria das condições ambientais das populaçõesmoradoras de áreas em situação de conflito.

A ênfase do plano diretor e da intervenção municipal é ainda prioritariamentevoltada para o ambiental. Na avaliação dos setores que participaram dasoficinas de discussão, o plano não reflete (porque não prioriza) o déficithabitacional de Manaus e os assentamentos informais consolidados. Destaforma, as políticas habitacionais e urbanas que incidem sobre o quadro deconflitos urbano-ambientais também não são priorizadas no sentido dapromoção do direito à moradia. A Sub-Secretaria de Habitação inicia aimplementação do programa de regularização fundiária das áreas municipais- o programa Papel Passado, em conjunto com o MinCidades.

As intervenções de maior magnitude estão se dando no âmbito do GovernoEstadual, por meio do Programa PROSAMIN, que estabelece oreassentamento e as políticas de indenização para as pessoas moradoras àsmargens dos igarapés que estão sendo recuperados e urbanizados peloprojeto; e o Programa de Regularização Fundiária das áreas estaduais, queregulariza a posse dos atuais ocupantes. Ambos os programas apresentamlimitações enquanto solução das situações de conflito.

O programa de regularização tem limites na falta de urbanização das áreas(que o projeto não contempla) e na indefinição das situações de risco quese apresentam nas áreas em regularização e que não podem ser regularizadas.Não existe sequer a previsão de um remanejo, reassentamento ou qualqueroutra solução para estas famílias.

O PROSAMIN, que apresenta uma super estrutura para sua implementação(ver descrição no capítulo anterior) foi muito criticado pelas comunidades.O reassentamento tem sido a principal alternativa proposta - e a localizaçãoda nova moradia além de muito afastada não apresenta boas condições de

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saneamento e infra-estrutura. Na verdade, permanecem as políticastradicionais de periferização e redução de padrões habitabilidade quandose trata do atendimento da população de baixa renda. Parece não ter sidoainda assimilado a necessidade de tratar o acesso à moradia de formaarticulada às politicas de solo e políticas fiscais capazes de promover umpouco mais de equilibro nos processos de urbanização.

Embora a Prefeitura tenha capacitado parte dos seus setores técnicos e seinstrumentalizado com legislação, sistema de informações, estruturas ecomissões, ainda é necessário avançar muito, especialmente no que se refereàs políticas de provisão da moradia.

Macapá apresenta os piores índices referentes ao quadro de necessidadeshabitacionais, considerados os dados da FJP. Fruto de um processo aceleradoe muito intenso de crescimento populacional ocorrido nas últimas décadas,as condições gerais de urbanização apresentadas no território urbano sãodeficitárias. As situações mais críticas são as das famílias moradoras nasáreas de ressaca, e a irregularidade da terra tem sido uma das principaisdemandas. Existem muitos títulos de enfiteuse e de aforamento, segundoos dados levantados cerca de 85% dos lotes de Macapá não estãoregularizados.

A par desta situação encontramos um ambiente institucional bastanteprofícuo às mudanças. O Novo Plano Diretor aprovado em 2004. O Planoincorpora um conjunto de diretrizes, estratégias e instrumentos que, seimplementados, poderão conformar uma política habitacional bastanteefetiva para transformar a situação existente. Mais uma vez o desafio vai sedar no âmbito da implementação das políticas.

Além do Plano Diretor aprovado, a Prefeitura buscava instrumentalizar-semediante a elaboração do cadastro imobiliário geo-referenciado e domapeamento dos assentamentos informais. A estrutura também foi revisadae as adequações necessárias foram aprovadas por lei, mas ações concretasainda não foram implementadas. A Prefeitura Municipal não dispõe desetor específico para tratar do tema habitacional. O PEMAS está sendoapontado como uma das formas do município se instrumentalizar e secapacitar para a implementação das políticas e programas habitacionaispautados no plano diretor.

Historicamente as iniciativas e investimentos habitacionais realizadosderivaram de programas levados a cabo pelo Estado com apoio do GovernoFederal A principal situação de conflito – a preservação e manejo das áreasde ressacas é de responsabilidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.Serviços de infra-estrutura têm sido executado, mas a questão daregularização das posses, visando a uma solução definitiva para o saneamentodas áreas, ou mesmo reassentamentos, não são contemplados. Um dosprincipais entraves apontados pelos gestores é a falta de terras disponíveis,as quais na sua maioria ainda estão sob propriedade da União. Em Macapá

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uma das principais questões identificadas pela pesquisa foi a ausência demobilização popular na demanda por moradia ou mesmo de instituiçõesou ONGs com programas e ações voltadas para este tema.

Em Boa Vista, à época da pesquisa de campo (abril/06), a Prefeiturarecentemente havia finalizado o projeto de lei do plano diretor para suaremessa à Câmara Municipal. Dadas as grandes dificuldades em se obterinformações atualizadas e concretas sobre o projeto de lei e os programasurbano-habitacionais que vinham sendo implementados pelo município, aanálise mais aprofundada de seus objetivos e resultados ficou prejudicada.

Com base nos documentos obtidos à época via Ministério Público Estadual,por meio de uma demanda do Fórum Popular de Roraima em Defesa daCidade, verificou-se que as propostas para regularização fundiária previstano ante-projeto de lei do parcelamento do solo não possui uma abordagemque contemple o interesse social das populações que vivem em áreas ondeincidem conflitos urbano-ambientais e possui um grau de exigência depadrões técnicos e de recursos que elevam custos e inviabilizam aregularização. Por exemplo, a substituição de áreas públicas na área a serregularizada fica condicionada à doação de terreno em área próxima, aconstrução de equipamento comunitário em área indicada pelo Município,em terreno a ser doado ao município ou público municipal; ao pagamentoem moeda corrente, a ser destinado ao Fundo Municipal de Habitação.Além disso, a exigência de execução de todos os itens da infra-estrutura(pavimentação de vias, esgoto pluvial, sistema de água, esgoto sanitário,rede de energia elétrica, arborização de vias e meio-fio), sem a previsão daimplantação progressiva, praticamente inviabiliza a regularização jurídica,que deveria ser assegurada independentemente da urbanização. Além disso,não está claro se seria de competência do município a implantação da infra-estrutura, ou se também ficaria a cargo daqueles que a demandam. A visãopredominante no ante-projeto de lei de parcelamento não separa os direitose deveres de ocupantes/adquirentes de boa-fé e aqueles que implantaramo parcelamento irregular, deixando a descoberto o direito de moradia dapopulação de baixa renda. O município não assume a regularizaçãofundiária, mas sim cobra por ela, inclusive por meio de compensação nocaso de fixação de parâmetros urbanísticos menos restritivos, em ÁreasEspeciais de Interesse Social, valendo-se, para isso, de instrumentosurbanísticos.

O site oficial da Prefeitura não informa sobre a existência de programas deregularização fundiária sendo implementados com base nos instrumentosdo Estatuto da Cidade. O Programa Morar Legal, implementado desde2001, objetiva regularizar um titulo arcaico, que já caiu em desuso no novoCódigo Civil de 2002, o título de aforamento. Além disso, na descriçãooficial do programa no site há uma clara separação entre o que seria decompetência do Estado de Roraima regularizar e o que seria de competênciado município, ainda que constitucionalmente a implementação de programassociais de moradia seja de competência comum da União, Estados e

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municípios. É informado que o trabalho de regularização fundiária emalgumas áreas da cidade são de responsabilidade do Estado: o bairro dosEstados, Liberdade, Pricumã, Bela Vista, Operário, Senador hélio Campos,Pintolândia, Santa Luzia e parte dos bairros Caimbé e São Francisco. Otítulo definitivo das propriedades situadas nessa área é feito pelo órgãoresponsável do Governo Estadual. Para as demais áreas da cidade, odocumento de posse plena deve ser obtido na Prefeitura de Boa Vista.Nessas áreas foram identificados diversos conflitos entre as áreas de moradia,o aterramento indevido das lagoas e a falta de saneamento ambiental,comprometendo a saúde da população moradora e o meio ambiente.

O conteúdo do plano diretor e o seu processo de elaboração tem sidosistematicamente questionado pelo Fórum Popular de Roraima em Defesada Cidade, composto por organizações não-governamentais, sindicatos,entidades profissionais e movimentos sociais. Um dos principais pontos éa ausência de referência a um dos principais problemas fundiáriosenfrentados por Boa Vista, qual seja a questão das áreas de propriedade daUnião, sua identificação, destinação, regularização e cumprimento da funçãosocial. As regras restritivas da legislação de regularização fundiária, a faltade investimentos públicos e de um mercado habitacional para a populaçãopobre vai continuar resultando na ocupação das áreas periféricas da cidade,onde não há infra-estrutura mas onde se localizam muitos dos principaisrecursos hídricos da cidade, as lagoas.

Frente às análises e conclusões realizadas, COHRE apresenta as seguintesrecomendações aos gestores locais e à sociedade civil:

1. É necessária a interação entre a legislação e as políticas urbano-ambientais,que compreendem o direito a cidade em todas as dimensões e não somenteem relação ao urbano. Por outro lado, as políticas habitacionais e de uso eocupação do solo urbano devem considerar a escassez dos recursos naturais,a demanda por infra-estrutura e o cumprimento da função social dapropriedade.

2. O processo de formulação e tomada de decisão sobre planos, políticas eprogramas de gestão urbana e ambiental precisam ser democratizados, deforma a facilitar acesso a informações, a promoção de consultas públicas,audiências populares e o reconhecimento dos diversos agentes sociais queatuam no processo de desenvolvimento urbano.

3. A aplicação dos planos diretores e da legislação de uso, ocupação eparcelamento do solo não pode restringir-se ao aspecto físico-territorial,devendo incorporar os aspectos da gestão democrática. Da mesma forma,as políticas, planos e programas ambientais não podem restringir-se aoaspecto da preservação e proteção dos recursos naturais, devendo consideraraspectos relativos aos impactos e efeitos da urbanização, de forma a buscaro tão almejado desenvolvimento e manejo sustentável das cidades e seusrecursos naturais.

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4. Implementar políticas públicas e instrumentos que visem democratizar,financiar e subsidiar o acesso da população a terra e à moradia adequadas:criação de fundos públicos de financiamento e subsídio; maior dotaçãoorçamentária para os fundos existentes; criação de conselhos democráticose com a participação direta da população para a gestão desses recursos;regularização fundiária, titulação e urbanização de assentamentos informaisurbanos e rurais; demarcação dos territórios indígenas e quilombolas e decomunidades tradicionais; desapropriação de terras para fins de urbanaconsiderando critérios ambientais, culturais e sociais.

5. No caso de reassentamentos, garantir remédios efetivos e de aplicaçãoimediata, tais como compensação e indenização em valor suficiente paraadquirir moradia e terra em condições semelhantes à anterior, no caso depopulação já removida, devido processo legal, assistência jurídica gratuitapara defesa/ação judicial, reassentamento adequado, restituição de moradiae propriedade, inclusive nos casos em que a violação seja cometida pelopróprio Estado.

6. Os municípios devem abster-se de obter financiamentos para a políticahabitacional e fundiária advindos de órgãos nacionais e internacionais eagências multilaterais, tais como Banco Mundial, Banco Interamericano deDesenvolvimento, Banco Nacional de Desenvolvimento, cujos programase projetos resultem no reassentamento forçado, deslocamento ou despejode famílias e comunidades pobres e de grupos vulneráveis.

7. Os municípios devem atualizar os cadastros de terras e registros públicosrelativos à propriedade imóvel visando à retomada de terras que foramgriladas ou apropriadas ilegalmente e sua destinação para fins de reformaurbana e agrária, e disponibilizar as informações cadastrais para órgãos eentidades públicas afetas à questão habitacional e fundiária.

8. Os municípios devem realizar consultas à população, grupo oucomunidade que vive em área em conflito urbano-ambiental, em relaçãoaos projetos de deslocamento ou reassentamento, mesmo que em condiçõesexcepcionais, para obtenção de seu consentimento, que deve ser concedidolivremente e com conhecimento de causa.

9. Os municípios deverão estabelecer procedimentos visando simplificar eintegrar os processos de aprovação, licenciamento urbanístico e ambientale execução dos planos de regularização fundiária, prestar assessoria técnicae jurídica e aplicar os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade pararegularizar áreas públicas e privadas.

10. A legislação internacional de direitos humanos, relativa ao direito àmoradia adequada e ao direito ao meio ambiente, deve balizar as legislações,políticas, planos e programas a serem adotados e implementados pelosgovernos municipais, estaduais e nacional para solucionar os conflitosurbano-ambientais.

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