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BRASPEN J 2018; 33 (3): 313-9 313 Unitermos: HIV. Antropometria. Estado Nutricional. Desnutrição. Dieta Saudável. Keywords: HIV. Anthropometry. Nutritional Status. Malnutrition. Healthy Diet. Endereço para correspondência: Amanda Fernandes Pinto Travessa 9 de Janeiro, 3286 – Cremação – Belém, PA, Brasil – CEP: 66065-155. E-mail: [email protected] Submissão 15 de janeiro de 2018 Aceito para publicação 8 de abril de 2018 RESUMO Introdução: A síndrome da imunodeficiência adquirida é uma doença que fragiliza o sistema imunológico e debilita seu portador, favorecendo a ocorrência de infecções oportunistas. O objetivo deste estudo é identificar o perfil nutricional, clínico e alimentar de pessoas vivendo com HIV/AIDS internados no Hospital Universitário João de Barros Barreto. Método: A pesquisa foi realizada na Clínica de Doenças Infecciosas e Parasitárias e tratou-se de um estudo transversal e descritivo, com uma amostra de 54 pacientes, de ambos os sexos, adultos, na faixa etária de 20 a 59 anos, internados no período de abril a outubro de 2014. Utilizou-se formulário próprio para o levantamento das características demográficas, socioeconômicas, antropométricas, clínicas e dietéticas. Para verificação das diferenças de médias, foi realizada a análise de variância (ANOVA), considerando estatisticamente significantes os valores de p<0,05. O grau de associação entre as variáveis foi medido pela correlação de Pearson. Resultados: Prevalência do sexo masculino, os pacientes possuem um nível econômico baixo, assim como baixa escolaridade. Todos as variáveis antropométricas utilizadas: Índice da Massa Corporal (IMC), prega cutânea tricipital, circunferência braquial e circunferência muscular do braço evidenciaram predominância do estado de desnutrição, demonstrando déficit de massa magra e gordura corporal. Encontrou-se ainda significativa correlação linear do IMC com as outras medidas antropométricas compartimen- tadas. Os sintomas gastrointestinais estão associados, com maior prevalência para náuseas com vômitos. Quando comparado com o recomendado à ingestão dietética dos pacientes, verificou-se expressivo consumo de alimentos energéticos, significativo consumo de alimentos construtores e baixa ingestão de alimentos reguladores. Conclusão: A maioria dos pacientes apresentou estado nutricional de desnutrição e o perfil alimentar, de modo geral, caracterizou-se por prevalência de hábitos alimentares saudáveis. ABSTRACT Introduction: Acquired Immunodeficiency Syndrome is a disease that weakens the immune system and its carrier, favoring the occurrence of opportunistic infections. The objective of this study is to identify the nutritional, clinical and dietary profile of people living with HIV / AIDS hospitalized at João de Barros Barreto University Hospital. Methods: The research was carried out at the Infectious and Parasitic Diseases Clinic and it was a cross-sectional and descriptive study, with a sample of 54 patients of both sexes, adults, aged between 20 and 59 years, hospitalized from April to October of 2014. A specific form was used to survey the demographic, socioeconomic, anthropometric, clinical and dietary characteristics. In order to verify the differences of averages, the analysis of variance (ANOVA) was performed, considering statistically significant values of p<0.05. The degree of association between variables was measured by Pearson’s correlation. Results: Male prevalence, patients with a low economic level, as well as a low level of education. All the anthropometric variables used: Body Mass Index (BMI), tricipital cutaneous fold, arm circumference and arm muscle circumference evidenced a predominance of the malnutrition state, demonstrating a deficit of both lean and fat mass. It was also found a significant linear correlation between BMI and other compartmentalized anthropometric measurements. Gastrointestinal symptoms most frequently found were nausea and vomiting. In the analysis of dietary intake of patients, there was significant consumption of energetic and builder foods and low intake of regulator foods compared to recommendations. Conclusion: The majority of patients presented nutritional status of malnutrition and the dietary profile, in general, was characterized by healthy eating habits. 1. Nutricionista, Doutora em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Docente da Faculdade de Nutrição, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil. 2. Nutricionista formada pela Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil. 3. Nutricionista, Doutora em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Técnica do Hospital Universitário João de Barros Barreto. Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil. Conhecendo o perfil nutricional, clínico e dietético de pacientes hospitalizados imunodeprimidos Knowing the nutritional, clinical and dietary profile of hospitalized immunosuppressed patients A Artigo Original Rozinéia de Nazaré Alberto Miranda 1 Luanny Kaísa de Oliveira Kauffmann 2 Amanda Fernandes Pinto 2 Aldair da Silva Guterres 3

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Perfil nutricional de pacientes imunodeprimidos

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Unitermos:HIV. Antropometria. Estado Nutricional. Desnutrição. Dieta Saudável.

Keywords:HIV. Anthropometry. Nutritional Status. Malnutrition. Healthy Diet.

Endereço para correspondência: Amanda Fernandes PintoTravessa 9 de Janeiro, 3286 – Cremação – Belém, PA, Brasil – CEP: 66065-155. E-mail: [email protected]

Submissão15 de janeiro de 2018

Aceito para publicação8 de abril de 2018

RESUMOIntrodução: A síndrome da imunodeficiência adquirida é uma doença que fragiliza o sistema imunológico e debilita seu portador, favorecendo a ocorrência de infecções oportunistas. O objetivo deste estudo é identificar o perfil nutricional, clínico e alimentar de pessoas vivendo com HIV/AIDS internados no Hospital Universitário João de Barros Barreto. Método: A pesquisa foi realizada na Clínica de Doenças Infecciosas e Parasitárias e tratou-se de um estudo transversal e descritivo, com uma amostra de 54 pacientes, de ambos os sexos, adultos, na faixa etária de 20 a 59 anos, internados no período de abril a outubro de 2014. Utilizou-se formulário próprio para o levantamento das características demográficas, socioeconômicas, antropométricas, clínicas e dietéticas. Para verificação das diferenças de médias, foi realizada a análise de variância (ANOVA), considerando estatisticamente significantes os valores de p<0,05. O grau de associação entre as variáveis foi medido pela correlação de Pearson. Resultados: Prevalência do sexo masculino, os pacientes possuem um nível econômico baixo, assim como baixa escolaridade. Todos as variáveis antropométricas utilizadas: Índice da Massa Corporal (IMC), prega cutânea tricipital, circunferência braquial e circunferência muscular do braço evidenciaram predominância do estado de desnutrição, demonstrando déficit de massa magra e gordura corporal. Encontrou-se ainda significativa correlação linear do IMC com as outras medidas antropométricas compartimen-tadas. Os sintomas gastrointestinais estão associados, com maior prevalência para náuseas com vômitos. Quando comparado com o recomendado à ingestão dietética dos pacientes, verificou-se expressivo consumo de alimentos energéticos, significativo consumo de alimentos construtores e baixa ingestão de alimentos reguladores. Conclusão: A maioria dos pacientes apresentou estado nutricional de desnutrição e o perfil alimentar, de modo geral, caracterizou-se por prevalência de hábitos alimentares saudáveis.

ABSTRACTIntroduction: Acquired Immunodeficiency Syndrome is a disease that weakens the immune system and its carrier, favoring the occurrence of opportunistic infections. The objective of this study is to identify the nutritional, clinical and dietary profile of people living with HIV / AIDS hospitalized at João de Barros Barreto University Hospital. Methods: The research was carried out at the Infectious and Parasitic Diseases Clinic and it was a cross-sectional and descriptive study, with a sample of 54 patients of both sexes, adults, aged between 20 and 59 years, hospitalized from April to October of 2014. A specific form was used to survey the demographic, socioeconomic, anthropometric, clinical and dietary characteristics. In order to verify the differences of averages, the analysis of variance (ANOVA) was performed, considering statistically significant values of p<0.05. The degree of association between variables was measured by Pearson’s correlation. Results: Male prevalence, patients with a low economic level, as well as a low level of education. All the anthropometric variables used: Body Mass Index (BMI), tricipital cutaneous fold, arm circumference and arm muscle circumference evidenced a predominance of the malnutrition state, demonstrating a deficit of both lean and fat mass. It was also found a significant linear correlation between BMI and other compartmentalized anthropometric measurements. Gastrointestinal symptoms most frequently found were nausea and vomiting. In the analysis of dietary intake of patients, there was significant consumption of energetic and builder foods and low intake of regulator foods compared to recommendations. Conclusion: The majority of patients presented nutritional status of malnutrition and the dietary profile, in general, was characterized by healthy eating habits.

1. Nutricionista, Doutora em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Docente da Faculdade de Nutrição, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil.

2. Nutricionista formada pela Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil.3. Nutricionista, Doutora em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Técnica do Hospital Universitário João de Barros Barreto. Universidade

Federal do Pará, Belém, PA, Brasil.

Conhecendo o perfil nutricional, clínico e dietético de pacientes hospitalizados imunodeprimidosKnowing the nutritional, clinical and dietary profile of hospitalized immunosuppressed patients

AArtigo Original

Rozinéia de Nazaré Alberto Miranda1

Luanny Kaísa de Oliveira Kauffmann2

Amanda Fernandes Pinto2

Aldair da Silva Guterres3

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Miranda RNA et al.

INTRODUÇÃO

A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) é a manifestação clínica extrema pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)1. Caracterizada por uma doença de espectro amplo, degenerativa, crônica, com curso clínico variável, progressiva supressão do sistema imunológico, indução a infecções oportunistas recorrentes, alterações nutricionais, debilitação progressiva e morte1.

O HIV pode originar no seu portador um acentuado e contínuo estado de desnutrição devido a uma ingestão alimentar diminuída, ao aumento das necessidades ener-géticas, à alteração da absorção e do metabolismo dos nutrientes, influenciando a competência imunológica, tornando o soropositivo mais suscetível a infecções oportu-nistas e redução na eficácia do tratamento2.

Os sinais e sintomas da desnutrição mais característicos são a perda de peso, perda de massa magra e massa gorda, déficit em micronutrientes (vitaminas e minerais) e compe-tência imunitária diminuída2.

É fundamental uma avaliação nutricional criteriosa nesses indivíduos, investigando as deficiências nutricionais de forma global ou isolada, sendo necessário um estudo dos índices antropométricos, clínicos, dietéticos e bioquímicos3. A manu-tenção do estado nutricional depende de uma combinação de fatores como ingestão apropriada de alimentos, absorção eficiente de nutrientes e metabolismo adequado4.

O papel da nutrição é fundamental para melhorar o estado nutricional do doente por meio da avaliação, diag-nóstico, intervenção e monitorização nutricional, devendo fornecer ao doente uma terapia nutricional individualizada e aconselhamento nutricional, a fim de evitar a desnutrição, promovendo a saúde e qualidade de vida dos mesmos2.

O presente estudo teve por objetivo avaliar o perfil nutri-cional, clínico e dietético de portadores de HIV-1 internados em um hospital universitário.

MÉTODO

Tratou-se de um estudo com delineamento transversal, prospectivo, descritivo, com 54 pacientes que estavam conscientes, orientados, de ambos os sexos, adultos de 20 a ≤ 60 anos, internados na clínica de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário João de Barros Barreto, Belém, PA, que depois de informados sobre o estudo a ser realizado, concordaram em participar da pesquisa e assi-naram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foi elaborado um formulário próprio para coleta de características demográficas (idade e sexo), socioeconômicas (estado civil, escolaridade e renda familiar), antropométricas (Índice de Massa Corporal - IMC), prega cutânea tricipital (PCT), circunferência braquial (CB) e circunferência muscular

do braço (CMB), presença ou não de alterações gastroin-testinais (vômitos, náuseas diarreias, distensão abdominal) e dietéticas (questionário de frequência alimentar – QFA) e aplicadas no período de maio a agosto de 2014, por demanda espontânea de internação.

A avaliação antropométrica foi realizada mediante aferição das medidas de peso (kg), estatura (m), PCT (mm) e CB (cm). As medidas de peso e estatura foram realizadas em balança e analisador corporal digital científico Wiso Care W721, com medidor de altura por ultrassom, capacidade para 180 kg e precisão de 100 g.

Para a pesagem, o paciente foi colocado no centro da plataforma da balança, em posição ortostática (ereta e com os braços estendidos ao longo do corpo), sem sapatos, casacos ou quaisquer tipos de acessórios. A altura foi medida com o paciente em posição ereta, com os pés juntos e olhando para frente, em posição de Frankfurt.

O IMC foi calculado a partir dos dados de massa corporal e estatura, através da fórmula IMC = Peso kg/m2, seguindo o padrão de referência para adultos e classificados conforme os parâmetros estabelecidos pela World Health Organization (WHO)5.

A PCT foi aferida no ponto médio, entre o acrômio e o olecrano, realizados em triplicata e obtida a média aritmética das medidas, determinando-se o valor final. A análise da PCT foi comparada com o padrão de referência de Frisancho6.

Para a medida da CB, foi utilizada fita métrica inelástica, seguindo a técnica para mensuração, segundo Augusto et al.7 e Kamimura et al.8, verificada no ponto médio, entre o acrómio e o olecrano do braço não dominante. O valor encontrado foi confrontado com os valores de referência estabelecido por Frisancho6 segundo os gêneros e idade.

A CMB foi utilizada para determinação da massa muscular (Kamimura et al.8, utilizando-se as medidas CB e PCT, através da fórmula: CMB = CB – (0,314 x PCT).

Sua interpretação realizou-se segundo o padrão de normalidade de Frisancho6 e os resultados classificados por meio dos valores de referência adaptados de Blackburn & Thorntor9, citados por Kamimura et al.8.

Foram coletadas informações sobre a evolução clínica do paciente referente a alterações gastrintestinais possíveis de serem vivenciadas durante o período de internação, como vômitos, diarreias, distensão abdominal, cólicas abdominais e monilíase oral.

A identificação de hábitos alimentares foi realizada com o QFA adaptado de acordo com a regionalidade. Classificados em grupos: leite e derivados, energéticos (arroz, macarrão e farinha), proteínas (carne de gado, frango, peixe e ovos), reguladores, açúcares e ultraprocessados. O questionário apresentou quatro opções de frequência (diário, semanal, mensalmente e raramente ou nunca) e a análise foi feita

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segundo as recomendações da pirâmide alimentar e Guia Alimentar da População Brasileira10.

Os dados da pesquisa foram compilados e armazenados em um banco de dados do programa Excel versão 2007 e posteriormente analisados no programa Bioestat 5.011. Tabelas e figuras foram elaboradas no programa Microsoft Excel. Para verificar as diferenças de médias, foi realizada a análise de variância (ANOVA). Foram considerados estatis-ticamente significantes os valores de p<0,05.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário João de Barros Barreto de acordo com a resolução nº466 /2012 do Conselho Nacional de Saúde, sob o número de 637.225/2014.

RESULTADOS

Dos 54 pacientes que participaram do estudo, houve predominância do sexo masculino (53,7%), com idade entre 20 e 40 anos (72,2%). A renda familiar de 88,9% dos pacientes encontrava-se entre 1 a 3 salários mínimos mensais e, em relação à escolaridade, a maioria dos pacientes (66,7%), apresentou de 1 a 8 anos de estudo (Tabela 1).

A classificação do estado nutricional com valores médios e desvio padrão, segundo faixa etária, é apresentada na Tabela 2. Em relação ao IMC, 55,5% apresentaram desnu-trição, seguidos de 38,9% com eutrofia. As demais variáveis compartimentadas apresentaram predominância de desnu-trição, sendo PCT 92,6%, CB 79,6% e CMB 55,5%.

Tabela 1 – Distribuição percentual dos aspectos socioeconômicos e de-mográficos de portadores de HIV/AIDS, Belém-PA.

Variáveis N=54 (%)

Sexo

Masculino 29 53,7

Feminino 25 46,3

Idade

20ǀ----41 39 72,2

41ǀ----60 15 27,8

Estado Civil

Sem companheiro (a) 36 66,7

Com companheiro (a) 18 33,3

Renda Familiar (SM)

1 a 3 48 88,9

4 a 7 5 9,3

Mais de 10 1 1,9

Escolaridade

1 a 8 anos de estudo 36 66,7

9 a 11 anos de estudo 14 25,9

Mais de 12 anos de estudo 4 7,4

Tabela 2 – Classificação das variáveis antropométricas segundo faixa etária em portadores de HIV/AIDS, Belém-PA.

Antropometria N (%) κ (DP) Anova

IMC

Desnutrição 30 (55,5) 16,3a (±1,7)

Eutrofia 21 (38,9) 21,0b (±1,9) 0,037

Sobrepeso 2 (3,7) 27,0c (±0,8)

Obesidade 1 (1,9) 37,0**

PCT

Desnutrição 50 (92,6) 6,2a (±3,1)

Eutrofia 2 (3,7) 11,5b (±2,1) 0,002

Obesidade 2 (3,7) 17,0c (±1,4)

CB

Desnutrição 43 (79,6) 22,2a (±3,8)

Eutrofia 10 (18,5) 28,5a (±2,1) 0,948

Obesidade 1 (1,9) 43,0**

CMB

Desnutrição 30 (55,5) 19,6a (±3,7)

Eutrofia 18 (33,4) 23,27a (±3,8) 0,282

Excesso de peso 6 (11,1) 26,65a (±5,6)

IMC=Índice de massa corporal; PCT=Prega cutânea tricipital; CB=Circunferência do braço; CMB=Circunferência muscular do braço; ** Não há desvio padrão, pois apresenta somente um indivíduo; abc Letras diferentes entre linhas representam diferença significativa entre médias pelo teste Anova.

Tabela 3 – Distribuição dos sintomas gastrointestinais associados, encon-trados em pacientes internados com HIV/AIDS, Belém-PA.

Sintomas Gastrointestinais N=54 %

Náuseas + vômitos 14 25,92

Distensão abdominal + monilíase oral 8 14,81

Diarreia + distensão abdominal 5 9,25

Diarreia + monilíase oral 4 7,40

Náuseas + vômito + distensão abdominal + diarreia

4 7,40

Distensão abdominal + náuseas + vômito + monilíase oral

4 7,40

Monilíase oral 3 5,55

Náuseas + vômito + diarreia 2 3,70

Distensão abdominal 2 3,70

Náusea + diarreia + distensão abdominal 2 3,70

Náusea + vômito + distensão abdominal 2 3,70

Náusea + diarreia 1 1,85

Náusea + vômito + diarreia + monilíase oral 1 1,85

Vômito + diarreia + distensão abdominal 1 1,85

Vômito + diarreia + monilíase oral 1 1,85

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As associações entre os sintomas gastrointestinais descritos relataram náusea associada a vômito em maior percentual (25,92%) nos pacientes, conforme a Tabela 3.

Analisando o QFA (Figura 1), de acordo com a fre quência relativa da ingestão de alimentos, observa-se que os alimentos energéticos, como pão, arroz e farinha, são consumidos diariamente, seguidos de batata, macarrão e biscoitos, semanalmente. Alimentos construtores, como o leite, se fazem presentes diariamente na refeição dos pacientes, assim como o feijão, seguido de carnes, peixes,

aves e ovos, semanalmente. Alimentos reguladores, como verduras, legumes e frutas, são consumidos diariamente e/ou semanalmente; ausência de consumo de alimentos gordurosos e embutidos.

DISCUSSÃO

Estudo realizado por Grangeiro et al.12 e Pieri et al.13 encontraram resultados semelhantes (85,6% e 62%, respecti­vamente), ao encontrado neste estudo (53,7%) em relação

Figura 1 - Frequência de consumo de alimentos energéticos, construtores e reguladores encontrados em pacientes internados com HIV/AIDS, Belém-PA.

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à predominância do sexo masculino. Ainda hoje se observa que os casos da infecção pelo HIV entre homens são maiores, o que se fundamenta no fato dos mesmos preocupar-se pouco com sua saúde, principalmente no que diz respeito à prevenção de doenças. Porém, com a feminização da doença e a dificuldade que as mulheres encontram de negociar o uso do preservativo com o seu parceiro, este cenário vem mudando13.

A maior incidência de pacientes com a doença foi encon-trada na faixa etária de 20 a 40 anos, também observado por Motta et al.14. Esta incidência maior é compreendida por um período de maior atividade sexual, associado a um maior descuido no modo de prevenção, como o uso de preservativos e, consequentemente, a falta deste compro-misso leva a uma maior capacidade de adquirir e propagar a doença14.

No perfil socioeconômico, encontramos supremacia de pacientes com nível econômico baixo, associado também à baixa escolaridade. Esses resultados são semelhantes ao achado obtido por Motta et al.14, que observaram que o número de pessoas infectadas pelo HIV com baixo padrão socioeconômico está aumentando. A baixa escolaridade encontrada torna-se relevante, pois a compreensão sobre a enfermidade requer um nível satisfatório de escolaridade. Populações com mais anos de estudo têm maior acesso à informação, métodos de prevenção e compreensão do impacto positivo do tratamento na evolução clínica da doença12.

A maioria dos pacientes relatou não possuir companheiro, resultados corroborado com os dados de Pieri et al.13, que descrevem que, após o indivíduo descobrir que foi infectado pelo HIV, ele acaba sendo abandonado pelo companheiro.

A desnutrição é uma das alterações nutricionais mais comumente relatadas em portadores do HIV/AIDS, sendo de grande significância para o prognóstico da evolução da doença15.

O IMC revelou predomínio de estado de desnutrição nestes pacientes. Estudo de desenho semelhante realizado por Ribeiro16 observou elevada predominância de baixo peso em pacientes hospitalizados por HIV/AIDS, comprometendo a função imunológica e qualidade de vida dos mesmos.

Neste estudo, também foi relatada desnutrição na avaliação nutricional utilizando as medidas comparti-mentadas (PCT, CB e CMB). Esta desnutrição é explicada devido ao fato de a perda de peso ser a complicação mais visível e significante ao longo da evolução da infecção pelo HIV17.

Ladeira & Silva18 demonstraram em seu estudo que a maioria dos pacientes apresentou uma baixa reserva de gordura subcutânea (PCT), corroborando com a pesquisa. A classificação da CB evidenciou ocorrência de desnutrição,

semelhante ao encontrado por Feitosa & Cabral19, que encontraram valores altos de desnutrição usando esse parâmetro. Segundo Guterres20, a CB representa a soma das áreas constituídas pelos tecidos gorduroso, muscular e ósseo, portanto, valores baixos de CB relacionam-se a um déficit nutricional geral.

A CMB avalia a magnitude da massa muscular corporal. Neste estudo, foi detectada presença de desnutrição, seme-lhante ao estudo feito por Silva et al.21, o qual apontou 64,3% de pacientes com desnutrição ou déficit de adequação.

A perda de massa magra, considerada a massa celular, está vinculada a um pior prognóstico da doença22. De acordo com Moutinho et al.15, diversos mecanismos podem estar relacionados à ocorrência de desnutrição em pacientes com AIDS, tais como: baixa ingestão calórico-proteica, alterações metabólicas, diarreias, infecções oportunistas, alterações neurológicas, fatores psicológicos, interação droga-nutriente e deficiência de vitaminas A, C, B12, B6 e minerais, como zinco e selênio.

É muito comum em pacientes com HIV/AIDS a presença de sintomas gastrointestinais. Os sintomas clínicos especí-ficos de cada doença e os efeitos colaterais decorrentes do tratamento com múltiplas drogas podem ter influência direta sobre a ingestão proteico-calórica, afetando o apetite dos pacientes, com a presença de sintomas como náuseas, vômitos, diarreia, distensão abdominal e monilíase oral.

Em estudo feito por Castro et al.17, as alterações gastroin-testinais foram tidas como principais causas de internação em 31% dos pacientes. Neste estudo, foi relatada a presença de vários sintomas gastrointestinais nos pacientes, acome-tendo todos, sem exceção. Estes sintomas comprometeram a ingestão total ou parcial de alimentos, em todas as suas consistências, levando os pacientes a ter consequências nutricionais negativas.

O bom estado nutricional é uma condição fundamental para a melhora na qualidade de vida desses pacientes. Muitos dos sintomas gerados pela doença, como diarreia, perda de peso, náusea ou vômitos, são possíveis de manejo com uma apropriada nutrição23.

Analisando a ingestão dietética, pelo QFA, por grupos de alimentos, observou-se que, no grupo dos alimentos energé-ticos, o consumo de cereais, massas e tubérculos é bastante expressivo, ressaltando o consumo diário de alimentos como arroz, farinha e pão. O nível socioeconômico baixo dos pacientes reflete a escolha destes alimentos, que são os mais baratos dentro da pirâmide alimentar.

Verificou-se baixa frequência de consumo de alimentos gordurosos e industrializados, para a maioria dos pacientes do estudo, demonstrando ser um resultado satisfatório, indicando que os pacientes hospitalizados pesquisados, quando realizam sua consulta no Serviço de Atendimento

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Especializado (SAE) a nível ambulatorial, recebem orientação do profissional nutricionista sobre reduzir estes alimentos, confirmando terem conhecimento básico do que seria uma alimentação saudável, assim como são também alimentos mais caros.

A alteração no metabolismo dos lipídios é frequente em pacientes que vivem com HIV, independentemente do uso da Terapia Antirretroviral de Alta Potência (TARV), pois somente a infecção pelo vírus já é capaz de causar dislipidemias em 50% dos casos, principalmente pelo HDL baixo, sendo muito importante um controle de alimentos gordurosos24.

O grupo dos alimentos construtores apresentou consumo diário de leite e feijão. Dentre as carnes, o frango apresentou o maior consumo semanal, seguido de peixe. Segundo o Guia Alimentar da População Brasileira9, as tendências nacio-nais de consumo desses grupos de alimentos, especialmente das carnes, são crescentes.

O menor poder aquisitivo desses indivíduos não possibilita uma grande aquisição de alimentos variados, levando-os a ter uma alimentação mais básica e tradicional, que por sua vez apresenta itens de boa qualidade nutricional, a exemplo do arroz e feijão. Pessoas com maior renda costumam se alimentar fora de casa e tendem a consumir alimentos mais gordurosos, como refrigerantes, frituras e fast food.

Aos alimentos reguladores, referidos no estudo, como as frutas, verduras e legumes, salienta-se que mesmos apre-sentam um consumo diário, entretanto, a ingestão ainda é pequena, não cobrindo o que preconiza a pirâmide alimentar de 3 a 5 porções de frutas e hortaliças de cores variadas, assim como quando comparado ao consumo recomendado pelo Guia Alimentar da População Brasileira9. Comprova-se o baixo consumo de frutas regionais, com exceção do açaí e alimentos protetores como farelos.

Realizada em 2008 e 2009, a Pesquisa de Orçamento Familiar25 apontou que o arroz, feijão, carne bovina e pão apresentaram maiores frequências de consumo. Na Região Norte, destaca-se o consumo de farinha de mandioca, peixes frescos e de açaí, mostrando similaridade com os resultados encontrados nesse estudo.

CONCLUSÃO

Este estudo mostrou que a maioria dos pacientes encon-trou-se desnutrida, com perda de massa magra e gordura corporal. Ressalta-se a importância da utilização do IMC combinado com outras variáveis antropométricas para um diagnóstico mais eficaz do estado nutricional. Os sintomas gastrintestinais observados são um aspecto clínico impor-tante para a manutenção do estado de desnutrição. O perfil alimentar, de modo geral, se caracterizou por prevalência de hábitos alimentares saudáveis dos mesmos.

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Local de realização do estudo: : Hospital Universitário João de Barros Barreto, Belém, PA, Brasil.

Conflito de interesse: Os autores declaram não haver.