Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulação Comunidade-Escola 2

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    1/27

    conhecimento e cidadania 6tecnologia social earticulao comunidade-escola

    Volume 2

    instituto de tecnologia socialdezembro 2008

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    2/27

    sumrio

    05

    09

    19

    35

    47

    51

    ap

    i

    P g: a P cg l g

    e l P

    c apexp i s c

    c

    r

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    3/27

    5

    aPresentao

    aPresentao aeducao prioridade permanente nas aes do Instituto de Tecnologia Social(ITS Brasil) e est presente em cada atividade que promove, em cada projeto queelabora, em cada publicao que edita. Des de sua undao, quando seu Conselho De-liberativo tinha como membro o doutor Jorge Nagle, proessor, pesquisador em edu-cao, sempre esteve claro para ns o lug ar central que a educao tem no desenvolvi-mento socioeconmico, sobretudo quando este encarado como um caminho para orompimento com as estruturas que perenizam as desigualdades e injustias sociais.

    Em seguida, quando organizamos em 2004 os seminrios que reuniram mais deoitenta organizaes para construir o debate e elaborar coletivamente o conceito de tec-nologia social, discutimos uma srie de experincia s desenvolvidas no campo da edu-cao, alm de outras nos campos da agricult ura amiliar, desenvolvimento local parti-cipativo e tecnologia assistiva. Estes seminrios evidenciaram novamente que a educ a-o no apenas um campo de conhecimento ou rea de atividade, mas uma dimensotransversal no s tecnologia social, mas vida de cada pessoa, de cada cidado.

    Vivemos aprendendo, aprendemos porque vivemos, nos transormamos peloaprendizado enquanto enrentamos as diiculdades e problemas que esto postos

    em nossa realidade. A educao, portanto, entendida no como absoro de conhe-cimentos prontos e vindos de ora, mas como a inveno e reelaborao constante domundo e de si mesmo que cada um empreende durante toda a sua vida, a mais ativae mais presente das dimenses que constituem a tecnologia social.

    por isso que entender o mundo j transorm-lo e tambm participar umpouco mais dele. Entender o mundo signiica apropriar-se dele, sentir-se dentro dele,mais prximo das coisas e das pessoas. Signiica tambm respeitar o mundo e as pes-soas, admirar-se de sua grandeza e mistrio, no para cultu-lo, mas para am-lo econstruir nele uma existncia ntegra, eliz e sustentvel.

    A srie de cadernos que inicialmente resultou dos seminrios, e que prosseguecom a publicao deste volume, recebeu ento o nome de Conhecimento e Cidada-nia. Os dois conceitos esto imbricados: no h c idadania sem conhecimento, se m aconstruo de uma compreenso da realidade que permita atuar de modo consciente

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    4/27

    6

    instituto

    detecnologiasocial

    7

    aPresentao

    e autnomo no espao pblico da sociedade; e o exerccio da cidadania gera semprenovos conhecimentos, que so construdos coletivamente e compartilhados.

    Todas as aes promovidas pelo ITS Brasil abarcam atividades de ormao, emque se criam situaes de intenso aprendizado. A ttulo de exemplo, citamos aqui ametodologia de pesquisa popular para implantao de projetos de desenvolvimentolocal participativo, realizada nos bairros Cidade Ipava (So Paulo, SP), So Sebastio,Itapu e Mestre DArmas (Braslia, DF), incluindo a prpria ormao em meio am-biente que integrou as aes desses projetos; o amplo processo educativo que ocorreno projeto Po Sol, em parceria com a preeitura de Osasc o (SP), uma padaria modeloque unciona como um espao de aprendizado e exerccio da proisso da coneitariae paniicao e gera oportunidades de trabalho e renda, estimulando tambm a din-mica de economia solidria; o curso distncia sobre Direitos Humanos e Mediaode Conlitos, em parceria com a Secret aria Espec ial de Direitos Humanos do governoederal; ou ainda as vrias aes ligadas tecnologia assistiva, extenso universitria,entre tantas outras.

    Assim, quando alamos sobre tecnologia social, surge com toda ora a noo

    de uma educao sistmica, transvers al, presente em cada momento, seja de modoexplcito em atividades de educao ormal, no-ormal e inormal, seja implicita-mente nos aprendizados que acontecem a cada interao humana. H muito que aideia de uma nica matriz de conhecimento (a acadmica) tornou-se obsoleta, masideologicamente continua-se a preterir a s diversas ormas de conhecimento pre-sentes na sociedade e que muitas vez es apresentam as portas de sada para impassesencontrados pela academia.

    Uma educao sistmica signiica tambm a eliminao de certas segmentaese ronteiras artiiciais que em geral apenas azem a manuteno de velhas estrutu-ras de poder. Por que razo no deveria a escola dialogar com a comunidade de seuentorno? Por que a escola deve ter muros? No estar a uma das razes de a escolabrasileira ser to pouco eicaz na educao de nossas crianas e jovens o ato deque ela perdeu o vnculo com a realidade vivida dessas pessoas e o que se procura

    ensinar so contedos que no lhes dizem respeito? Ou t alvez estes contedos atlhes digam respeito, mas so sentidos como coisas totalmente desligadas de suasrealidades. Ser que isso no ocorre justamente porque ao invs de pontes o que seconstri so muros?

    As crianas , como quaisquer pessoas, s aprendem em contexto. O conhecimentos az sentido quando inserido num contexto e conrontado com ele. Esta uma dasrazes da importncia central da articulao entre comunidade e escola, tema destecaderno. Que a escola deixe de ser um lugar de segregao e submisso para ser umlugar de reerncia na ger ao de esperana e alegria s para a comunidade, que a comu-nidade se encontre na escola e que esta seja, de ato, parte da comunidade.

    Este caderno, portanto, representa mais um passo entre tantos que precisam serdados na construo de uma educao pblica de qualidade no Brasil. Recolhemose apresentamos tecnologias sociais de organizao e gesto destinadas articulaocomunidade-escola. No primeiro volume, izemos este lev antamento a partir deuma perspectiva territorial os sistemas de educao ormal dos municpios de So-rocaba e Belo Horizonte e aquilo que se poderia chamar de a comunidade escolar

    da Zona Leste de So Paulo. Neste segundo volume a articulao comunidade-escola vista por meio de iniciativas que tecem suas redes a partir das unidades escolares,sem necessariamente aetar todo o sistema de um municpio so os casos da orga-nizao Gros de Luz e Gri, sediada em Lenis (BA), e do projeto Comunidadesde Aprendizagem, desenvolvido pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar),em So Carlos (SP).

    Estamos prontos a ouvir os comentrios, crticas, opinies e sugestes que pos-sam surgir de sua apreenso desse texto.

    Boa leitura!

    Irma R. Passoni, gerente-executiva do ITS Brasil

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    5/27

    9

    introduo

    introduo este caderno Tecnologia Social e Educa-o:Articulao Comunidade-EscolaVolume 2 completa o nmero anterior. Seaquele procurou trazer ao debate experi-ncias de articulao comunidade-escolaque se desenvolvem a partir de um recorteterritorial, este volume apresenta experi-ncias em que esta articulao ocorre so-bretudo a partir das unidades escolares,ou outros ocos de produo de cultura eeducao. Em um caso, tal se d por meiode uma ao de extenso universitria, nooutro, por meio de uma organizao no-governamental, que encontrou o apoiodo Ministrio da Cultura para ampliar oescopo de sua ao.

    Assim, poderemos conhecer um pou-co melhor como proessores da Univer-sidade Federal de So Carlos esto co-ordenando, nesta cidade do interior doestado de So Paulo, a implementaoda metodologia das Comunidades deAprendizagem, que j conta expe rinciasem outros lugares do mundo, principal-mente na Espanha. E tambm como edu-cadores-artistas em Lenis, na ChapadaDiamantina, Bahia, desenvolveram umametodologia que integra, como poucasvezes se viu, saberes de cultura oral com

    os de cultura escrita, e assim transorma avida de pessoas, comunidades e escolas,estabelecendo novas conexes entre ostempos, espaos e luxos de vida.

    Ambas so tecnologias sociais de altadensidade. Isto, evidentemente, nose d por acaso. Elas tocam no cerne daquesto, no ncleo orte do qual decor-rem todas as caractersticas da tecnologiasocial, que a transormao das pesso-as para a sua autonomia, na assuno deseus destinos e na viso clara da buscade soluo de problemas eetivamenteenrentados. Se a educao um aspectotransversal a toda e qualquer ao no uni-verso da tecnologia social, metodologias

    de educao que oquem a transorma-o social sero sempre essenciais no de-senvolvimento de seus projetos. Antesde entrarmos numa apresentao deta-lhada destes dois projetos, nos captulosa seguir, vejamos em linhas gerais comoa articulao comunidade-escola ativa asdimenses da tecnologia social.

    1. Compromisso efetivo com a trans

    formao social. O verdadeiro dilo-go s pode acontecer quando ambas aspartes envolvidas se expressam e, a seu

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    6/27

    10

    instituto

    detecnologiasocial

    11

    introduo

    modo, so capazes de compreender-seuma outra. Se isso vlido para um di-logo entre duas pessoas, tambm vlidopara duas coletividades como a escola e acomunidade em que est inserida. Logode incio, preciso reavivar a razo de serda escola, relembrar o motivo de ela exis-tir, pois isso pode ter se perdido em meioa tantas diiculdades que a escola enren-ta para manter-se minimamente uncio-nando. Ainal, por que existe a escola?

    Se pensarmos bem, a sua razo deexistir s pode ser a prpria comunida-

    de qual ela est a servio. A escola estali para ormar os cidados de sua comu-nidade para lidar com os desaios que omundo apresenta e torn-los capazesde pensar e transorm-lo em algo maisprximo do mundo em que desejam vi-ver. Estes cidados podem ser crianas ejovens que esto pouco a pouco apren-dendo a participar da sociedade e assu-mindo mais e mais responsabilidades,mas podem ser tambm adultos que, jparticipando de pleno direito e respon-sabilidade da construo deste mundo,por alguma razo tiveram seus estudosinterrompidos e agora veem a oportuni-dade de completar sua ormao escolar.

    Se pensarmos ento a escola tal como

    deveria ser, ela sem dvida deveria seconstruir por meio de um dilogo cons-tante e cotidiano com sua comunidade.Ainal, a comunidade que az a escola.Idealmente, seus proessores deveriamtambm ser dessa comunidade e sentir-se parte dela. Mas na escola real, a esco-la tal como , nem sempre este sentidoest claro. No raro que a comunidadeseja vista, por parte dos proissionais daeducao, como um problema na educa-o dos jovens. Em contraposio, agorapartindo de seu prprio ponto de vista,

    as pessoas da comunidade muitas vezesveem a escola como um lugar que nopromove uma boa ormao aos seus i-lhos e ilhas. Percebe-se ento que h naraiz do problema uma prounda incom-preenso, que gera resistncias e animo-sidades entre aqueles que deveriam serparceiros na sua atuao.

    A compreenso mtua comea semdvida com a escuta. Se no ormos capa-zes de ouvir aquele que e st ao nosso lado,no poderemos atuar juntos, ainda maisem assuntos que dizem respeito a ambos.

    Para ouvir o outro, essencial reservarmoso tempo necessrio para que ele possa seexpressar. Mas isso no basta. necess-rio tambm garantirmos que ele ou elatenha os instrumentos para se expressare, reciprocamente, que tenhamos os ins-trumentos para compreender aquilo queele ou ela quer transmitir. No sentido in-verso, ocorre a mesma coisa, precisamossaber nos expressar e os nossos interlocu-tores precisa m saber noscompreender.

    Tanto as Comunidades de Aprendi-zagem quanto a Pedagogia Gri desen-volvem modos para que as vozes queconstituem o dentro e o ora da esco-la possam ser ouvidas. E isso se d rom-pendo-se a ciso, que nunca deveria ter

    existido entre este dentro e ora. Escola parte da comunidade. Mas para chegara isso, preciso que exista um canal paraque elas possam se maniestar, e ao mes-mo tempo que a sua linguagem se incor-pore no prprio dia a dia da es cola.

    2. O ponto de partida so as reais ne

    cessidades e demandas da popula

    o. Quando a escola se abre e busca odilogo com a comunidade, um cami-nho quase natural o de que as neces-sidades e demandas dessa comunidade

    passem a integrar o cotidiano da escola.A prtica que tradicionalmente se con-solidou no Brasil a inversa: nas assem-bleias das Associaes de Pais e Mestres,discute-se principalmente as necessida-des da escola, e essas reunies se tornamum meio de se levantar recursos parapequenos servios necessrios para amanuteno da escola. Consolidou-se,em muitos municpios, a tradio de secobrar uma taxa da APM, muitas vezesvinculando o seu pagamento partici-pao em atividades extracurriculares

    da escola, embora esta contribuio de-vesse ser, na realidade, voluntria e novinculativa. O objetivo de se integrar aescola e a comunidade num dilogo ,sobretudo, o de sintonizar as necessida-des da escola com as da comunidade. Ouseja, ganhar em transparncia e partici-pao na gesto dos recursos e tambmdas prticas educativas que acontecemno interior da escola.

    Um outro ponto de undamental im-portncia que as necessidades educati-vas da comunidade sejam, de ato, estru-turantes da prtica educativa realizada naescola. Isso signiica que o programa, omaterial didtico e at a metodologia deensino devem ser ormulados localmen-te, com intensa participao dos docen-tes de cada unidade escolar, e nunca re-produzidos na orma de cartilhas ou m-todos produzidos numa esera central

    do sistema educacional. Assim, surgemquestes de gesto importantes: as con-dies para que acontea a produo lo-cal de material, contedo e metodologiadevem ser dadas pelo sistema educativo.Ou seja, os sistemas municipal e estadu-al dos quais as escolas participam devemprever que os educadores disponham detempo e condies materiais para isso.Trata-se de incluir essas atividades nagrade de horrios dos educadores. Umaimportante conquista, neste sentido, oia recente lei do Piso Salarial Nacional,

    que garante que parte da carga horriados docentes seja destinada a atividadesextraclasse, como as de planejamento,por exemplo. O desaio agora assegurarque o Piso seja implementado sem alte-raes, o que no ser realizado sem re-sistncia poltica em vrias instncias.

    A participao dos proessores e co-ordenadores pedaggicos na elaboraodo contedo, programa e materiais nasunidades escolares j um passo im-portante. No entanto, como explicouem entrevista ao ITS Brasil o proessorda Faculdade de Educao da Universi-dade de So Paulo, Elie Ghanem, o cur-rculo escolar algo que deve ser cons-tantemente reelaborado por educandos

    e educadores em conjunto. A cada mo-mento, a comunidade deve reletir e, apartir daquilo que est vivendo, dei-nir quais so as suas reais necessidadeseducativas. Isso signiica que a educaoser tratada como algo que diz respeito atodos e sobre o qual todos podem e de-vem opinar, e no como um assunto deespecialistas. E para tanto, a comunidadetambm ganha se or capaz de se colocarem processo de aprendizado e aprimo-rar-se na qualidade de sua participaocom ormao e inormao.

    a p v

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    7/27

    12

    instituto

    detecnologiasocial

    13

    introduo

    3. Relevncia social. Uma vez que aescola se coloca em movimento na busca por azer corresponder os seusobjetivos educativos s necessidades deormao da comunidade, ela cria maiscondies para tornar-se um lugar deaprendizados que aam sentido paraos educandos. Em primeiro lugar, istoocorre porque uma educao constru-da numa parceria comunidade-escolapropicia uma ampliao do conceito deeducao para alm das prticas ormaisque ocorrem dentro da escola. Ou s eja,

    entende-se que comunidade e escola soespaos tanto de convivncia quanto deeducao, e que tm a possibilidade (e aoportunidade) de complementarem-sena ormao integral dos cidados. Aoeliminar ou pelo menos atenuar a ruptu-ra ou contraste que h entre o dentro eo ora da escola, os espaos e situaeseducativas se multiplicam, e os conte-dos programticos que paream semsentido vm logo tona.

    Alm disso, quando esta articulaocomunidade-escola contempla a pos-sibilidade de que as situaes vividasno cotidiano dos educandos tornem-setemas ou contedos para serem discuti-dos, pesquisados, investigados e apro-

    undados na escola, o conhecimentopassa a ser visto como algo que pr-prio da vida e no algo exclusivo de umambiente escolar. Em outras palavras,o conhecimento tem a possibilidade deressoar diretamente o saber emprico da-quelas pessoas.

    Este sentido do aprendizado podetambm ser construdo no prprio di-logo. Quando alguns tpicos do conhe-cimento no dizem respeito a uma rea-lidade diretamente vivida, mas que nempor isso deixam de ser importantes para

    a ormao integral dos estudantes nolongo prazo em suas vidas, o sentido deaprender aquilo pode surgir por diversasvias. Uma delas a descoberta pelo pr-prio prazer de conhecer e aprender, queexige tambm uma sensibilidade do edu-cador para com o educando. Outra o di-logo a respeito dessa ormao, ou seja,que os educandos tambm sejam capazesde visar sua prpria ormao em maislongo prazo, e assim colocar em perspec-tiva aquilo que num primeiro momentono tenha um sentido direto.

    O undamental que a questo dosentido de aprender e do que aprendermantenha-se viva no dilogo entre a co-munidade e a escola, entre educandos eeducadores, entre coordenadores e pro-essores e assim por diante.

    4. Sustentabilidade ambiental. Tantoa escola como a comunidade so espaospara aprender sobre a sustentabilidadee a qualidade ambiental a partir de umdia a dia pautado por prticas sustent-veis. O aprendizado comea com o azer.Como esto sendo usados os recursosnaturais dentro da escola? E na comu-nidade? E em cada casa? Essas pergun-tas simples, que suscitam pequenas

    pesquisas realizadas pelos educandos,podem ser canais de acesso para todoum questionamento sobre a relao daspessoas com o planeta e tambm entre si.A conscincia planetria a partir de pe-quenos questionamentos e experinciasprticas locais tambm um ator quegera necessidades de aprendizados, e anecessidade sempre o melhor temperopara dar sabor ao saber.

    A ormao ambiental pela prticaecolgica tambm, undamentalmen-te, uma questo tica. Saber at onde vo

    as consequncias de meus a tos a partir deuma conscincia daquilo que eu consu-mo e dos resduos que eu produzo sabercomo eu me relaciono com a sociedadecomo um todo e com o planet a. ao mes-mo tempo desenvolver uma conscinciade si e do mundo em que se vive, umaconscincia plenamente embebida derespeito e cuidado. Na relao comuni-dade-escola a ecologia surge como tematransversal e traz tona a responsabilida-de de todos pelo planeta como algo a seaprender prioritariamente.

    5. Inovao. Sem partir de soluesprontas, e enrentando diretamente osproblemas que de ato existem no dia adia, comunidade e escola veem-se emsituao de inovar, seja pela introduonaquela realidade de tecnologias de-senvolvidas em outros contextos, sejapela criao ou recriao de tecnologiasno prprio processo. A primeira neces-sidade a de criar os mecanismos paraque acontea a prpria interao. Isso in-clui os seus ritos prprios, a construode situaes apropriadas e a ormaodas pessoas. s vezes possvel incluirtambm a criao de instrumentos decomunicao novos (pelo menos novos

    naquele contexto).A inovao, enquanto princpio,ocorre a todo momento. uma decor-rncia da postura de base. No se aplicamsolues prontas, mas so criadas solu-es para os problemas enrentados. Domesmo modo, o esprito inovador devepermear constantemente a construodo contedo ou currculo escolar, o pla-nejamento e replanejamento etc. vi-venciando a educao desta orma que oestudante pode encontrar vias para de-senvolver seu prprio caminho criativo

    e autnomo, inovador e livre.Aprende-se constantemente com

    outras experincias, quanto a isso no hdvidas, e a construo de uma rede decirculao de conhecimento entre as co-munidades e entre as unidades escolares extremamente saudvel, para no dizerindispensvel. Mas, na hora de se aplicarsolues apreendidas de outros contex-tos, torna-se necessrio recri-las a partirdo interior do novo contexto; em outraspalavras, mesmo a aplicao de uma so-luo externa deve ser incorporada e to-

    mada pelo esprito da inovao.

    6. Organizao e sistematizao. Sepor um lado undamental ser criativoe aberto ao novo, por out ro, no h comohaver uma real articulao comunidade-escola consistente, duradoura e eicaz seno orem criados os ritos e rituais pr-prios para isso. No h a uma contradi-o. As estruturas que so criadas para darestabilidade e consistncia ao processoso justamente aquelas pensadas paraacolher constantemente o surgimen-to do novo, do inesperado, do singular.Os mecanismos pelos quais a interaoacontece devem integrar o programapoltico-pedaggico (ou eco-poltico-

    pedaggico, como quer o Instituto Pau-lo Freire) da escola e ser apropriados portoda a comunidade. Esta uma tecnolo-gia social ou o conjunto de tecnologiassociais central neste contexto.

    Desde a grade de horrios dos pro-issionais que trabalham na escola at aprogramao, a orma e o calendrio dasassembleias e reunies para a discussode questes pertinentes e a tomada dedeciso coletiva, cada aspecto que possi-bilita, acilita, induz ou gera a interaodeve ser construdo de modo metdico

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    8/27

    14

    instituto

    detecnologiasocial

    e incorporado numa viso de conjunto.Esta viso de conjunto nada mais doque a concepo de escola que se tem na-quela unidade especica.

    A publicao peridica de material quesistematiza a experincia tambm degrande valia. No seria excelente se cadaunidade escolar produzisse suas prpriaspublicaes consolidando seus debates esuas prticas, publicaes que poderiamcircular em outras unidades escolares eem outros mbitos da comunidade? Poispublicar um excelente meio de tomar

    conscincia dos processos que esto sen-do vividos cotidianamente. Alm de tor-nar-se um instrumento de avaliao, en-tre outras razes, por permitir uma c om-parao entre os nmeros eventualmenteencontrados no decorrer do tempo.

    7. Acessibilidade e apropriao pela

    populao. Dar visibilidade a todos ostipos de necessidades que existem numacomunidade, mesmo aquelas que soespeciais e que so de um pequeno gru-po ou quem sabe de uma nica pessoa, um importante aspecto do dilogo entrea comunidade e a escola. Um usurio decadeira de rodas, por exemplo, s pode-r realmente ter o seu direito educao

    plenamente respeitado se a escola esti-ver capacitada para receb-lo e, mais queisso, que todo o entorno se transormeem uno disso. No apenas para que elepossa ter um acesso sico escola: comcaladas, nibus e semoros adequadospara vrios tipos de pessoas e no so-mente este ser humano ideal para o qualnossas cidades parecem ser construdas.1

    (Freire, 1982, p. 64). quando a escola se(re)descobre como parte da comunidadeque ela muda sua postura de educadoraunidirecional, aquela que tem tudo a en-sinar e nada a aprender. Se a escola assu-me uma postura aprendente, muda-seo registro do relacionamento. E a comu-nidade tambm se v com a responsabi-lidade de ser mais que um receptculo deinormaes para se tornar tambm ativae presente no processo de educao.

    9. Dilogo entre saberes populares e

    conhecimento cientfico. Este umdos pontos mais ricos e tambm um dosmais diceis para ser trabalhado nessarelao comunidade-escola. Histori-camente, em muitas situaes, a escolateve o perverso papel de introduzir a ig-norncia em comunidades que antes desua chegada eram muito ricas de sabe-res. Isso aconteceu e ainda acontece emmuitas das escolas porque a escola todaestruturada a partir da cultura escrita ede um conhecimento que se pretendeuniversal. Neste contexto, os mestresde tradio oral de uma comunidade, osquais at ento eram as suas principaisreerncias de saber e sabedoria, so ta-xados de analabetos pela escola.

    A escola tradicional (ou seja, aquelaescola que vem de um modelo herdadodo Iluminismo) no est preparada paralidar com a diversidade de saberes, ouaquilo que Boaventura de Souza Santoschamou de diversidade epistemolgi-ca. Muito tem se avanado neste senti-do, pelo menos do ponto de vista da cir-culao das ideias e do incentivo pblico incluso. S a existncia de um rgocomo a Secretaria de Educao Continu-ada, Alabetizao e Diversidade (Secad/MEC) dentro do Ministrio da Educao

    1. i q p p , p q ( ), ( bx), p ( ), p, p . o j, x , , p pq p , p x / p .

    a p p

    Quer dizer, a acessibilidade escola co-mea na comunidade.

    Por outro lado, a escola pode se tornarum interessante rum de debate paraa plena incluso de todas as pessoas navida em comunidade. Nesse sentido, to-

    mando ao contrrio a rase que ac abou deser ormulada, a incluso na comunidadetambm comea na escola. Em resumo,h uma continuidade entre os dois mbi-tos: uma complementaridade e um est-mulo recproco transormao.

    Desse modo, a apropriao compar-tilhada das tecnologias sociais envolvi-das neste processo pelos participantes(tanto os proissionais da escola quantoos membros da comunidade) torna-seum ponto central. Soma-se a isso, comoveremos adiante, os modos participati-vos de planejamento, monitoramento eavaliao. Apropriar-se aqui, quer di-zer, sobretudo, aprender; ou, mais ainda,manter-se em constante aprendizado e

    questionamento sobre as coisas que di-zem respeito educao.

    8. Aprendizados gerados para todos

    os envolvidos. Paulo Freire, em textoclssico que trata da alabetizao, escre-veu que preciso que acreditemos [noseducandos] e, em nossa prtica com eles,nos tornemos seus educandos tambm

    a t g, cp d

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    9/27

    16

    instituto

    detecnologiasocial

    17

    introduo

    j indica um avano importante do pon-to de vista da estrutura do poder executi-vo central. O mesmo se pode diz er da Leide Diretrizes e Bases da Educao (LDB),que tem a diversidade como um tematransversal. Porm, preciso avanar naconcretizao disso na prtica escolar, eneste momento a articulao com as co-munidades , sem dvida, de undamen-tal importncia.

    neste aspecto justamente que nas-ce a Pedagogia Gri, apresentada nestecaderno. Trata-se de descobrir a imensa

    liberdade que poder ser quem se den-tro da escola; em vez de impor um sabercomo correto, construir sem limitaesa priori vias de saber que digam respeitodiretamente s pessoas que, de ato, es-to ali vivenciando o processo educativo,ou seja, com as suas tradies culturais,com os seus saberes ancestrais, com assuas amlias, e ao mesmo tempo com osseus interesses de conhecer outros mun-dos e outras realidades, de desenvolvero saber crtico sem com isso cortar suasrazes, sua identidade. Para retomar ou-tra expresso do Paulo Freire, signiicaabrir-se para ser mais e no diminuir-se e submeter-se a um conhecimento ex-terno, que provavelmente serve a outros

    grupos sociais, econmicos e polticos.

    10. Difuso dos conhecimentos e

    tecnologias desenvolvidos. Diun-dir tambm uma orma de consolidar,principalmente quando alamos de tec-nologias sociais. Quando mais pessoasdetm o conhecimento e aplicam ouimplementam as tecnologias sociais,mais aumenta a rede que permite o seuaprimoramento, a sua recriao em di-erentes contextos em que h dierentesnecessidades. uma viso oposta da

    patente comercial, que existe para res-tringir o acesso e o uso do conhecimentodesenvolvido e aplicado em tecnologias,o que muitas vezes causa grandes preju-zos sociais. Veja o caso de medicamentospara combater doenas que assolam umapopulao e que no podem tornar-sepolticas pblicas porque determinadoslaboratrios controlam sua produo emantm os preos muito altos. No casodas tecnologias sociais, elas so compar-tilhadas e, mais que isso, buscam o seudesenvolvimento em rede.

    A imagem que se tem da diuso podeser aquela de uma antena de rdio ou TVque de um ponto central procura atingirtodos os pontos dentro de um determi-nado raio. Essa imagem no serve para atecnologia social. No caso dela, a melhorimagem para uma rede seria a deste poe-ma de Joo Cabral de Mello Neto:

    Tecendo a manh

    Um galo sozinho no tece uma manh:

    ele precisar sempre de outros galos.

    De um que apanhe esse grito que ele

    e o lance a outro: de um outro galo

    que apanhe o grito que um galo antes

    e o lance a outro; e de outros galos

    que com muitos outros galos se cruzam

    os ios de sol de seus gritos de galo

    para que a manh, desde uma tela tnue,se v tecendo, entre todos os galos.

    E se encorpando em tela, entre todos,

    se erguendo tenda, onde entrem todos,

    no toldo

    (a manh) que plana livre de armao.

    A manh, toldo de um tecido to areo

    que, tecido, se eleva por si: luz balo.

    Uma pessoa, enrentando as diicul-dades, lana uma pergunta, outra pessoad uma resposta, ainda que incompleta;algum complementa com outra per-

    gunta que ser complementada com ou-tras questes, e as respostas vo pouco apouco sendo tecidas, numa rica troca deideias, dvidas, solues, inovaes, me-todologias sem im. A tecnologia social esta luz que cresce pelo esoro e criativi-dade de todos, um toldo onde todos ca-bem, e que eito do conheciment o, comseu tecido areo, mas que, tecido, seeleva por si.

    11. Processos participativos de plane

    jamento, acompanhamento e avalia

    o. Os processos participativos que per-mitam a cada um, de algum modo, exercer

    o seu direito de planejar, acompanhar eavaliar ao mesmo tempo que ser acom-panhado e avaliado so mltiplos. Tradi-cionalmente, podem envolver desde as-sembleias, reunies regulares e runs dediscusso e aprendizado at a promoode eventos na escola e no seu entorno.

    Mas a tecnologia social mais densa aquela que leva a participao para o cen-tro de cada atividade que acontece dentrodo processo em questo. Assim, preci-so que o prprio aprendizado se torneuma prtica constante de planejamento,

    acompanhamento e avaliao, em quecada educador e cada educando possacompartilhar esse processo como sujei-tos. Quer dizer, as prticas educativasdevem ser participativas desde dentro.Neste sentido, a participao az eco comoutro conceito, o da t ransparncia. Ha-vendo transparncia, tambm as trocasde inormaes, impresses e projeescorrem mais luidamente, de um modoque acessvel a todos.

    12. Fortalecimento do processo de

    mocrtico. Em resumo, todo o proces-so de articulao comunidade-escola essencialmente um processo poltico-pedaggico. O processo democrtico seconstri com a participao, com a troca,com o respeito ao direito de cada um demaniestar sua prpria voz. E essa umadas razes por que o processo democr-tico , em si, pedaggico: ele envolve umaprendizado constante, uma criatividadepermanentemente ativa e compartilha-da, de tal maneira que o seu prprio acon-tecer orma as pessoas para a democracia.

    Portanto, a escola pode ser um espaopara a ormao da opresso, da submis-so, da no-criatividade; mas tambmpode ser um espao para vivenciar inten-

    samente a liberdade, a raternidade e ainovao. Na escola, por ser um local vol-tado precisamente para a ormao, essesprocessos so vividos de maneira extre-mamente intensa. Da a importncia deque ela se transorme numa tecnologiasocial organizacional, servio das pes-soas que constituem a sua comunidade.

    a p p p p, , -v; p p p vv , v.

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    10/27

    19

    Pedagogiagri

    n , vEle chega com msica, cantoria e brinca-deira. Os moradores saem de suas casas,as crianas correm para participar e umcortejo vai se ormando. Na sala de aula,dezenas de olhinhos saem das ileiras eespremem-se entre as grades da janela,buscando a melhor viso. Quem estehomem, com suas roupas coloridas e to-cando seu violo, cantando e brincandocom todos que encontra? L est o gri,que conduz a brincadeira e encanta aspessoas, chamando-as a participar deuma roda, ritmada por canes que osmais velhos aprenderam com seus an-

    tepassados e hoje ensinam aos jovens.Proessores, coordenadores, alunos emestres de tradio oral renem-se parabrincar, cantar e contar histrias, mos-trando o que so e o que sabem. O portoda escola no intimida mais ningum.

    Mas quando que essa histria come-ou? H onze anos, na cidade de Lenis,na Chapada Diamantina, Bahia, um proje-to oi criado com o objetivo de aproundara relao entre a escola e os conhecimentospopulares, valorizando a tradio oral comoimportante veculo de transmisso e preser-

    Pedagogia gri:associao e

    Ponto de culturagros de luz e gri

    vao da cultura. Este trabalho tem estimu-lado a construo de atividades em que pro-essores e alunos interagem e descobremnovas ormas de vincular-se ao processoda educao, tendo como ponto de partidasuas histrias de vida e identidades.

    At 2001, era apenas um projeto. Mas anecessidade de autonomia jurdica e admi-nistrativa levou undao, naquele ano, daAssociao Gros de Luz e Gri. Nos anosseguintes, a proposta de educao elabo-rada pela ONG ganhou repercusso noapenas local, mas tambm no resto do pase ora dele, com a participao em redes eestivais dirigidos cultura de tradio oral,a conquista de prmios como o Ita-Unice

    deEducao e Participao, em 2003, e a di-vulgao pela imprensa nacional.A sede da Associao ica no centro

    histrico de Lenis e todos a reconhe-cem ao avistar seu grande porto colori-do. A placa na entrada apresenta a rodade solidariedade que apoia os projetos,incluindo ONGs nacionais e internacio-nais, empresas locais, na maioria agnciasde ecoturismo e hotis, e rgos de gover-no. Do lado de dentro, o galpo divide-seem uma ampla rea ao ar livre, uma cozi-nha e sete salas, algumas delas erguidas

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    11/27

    20

    instituto

    detecnologiasocial

    em mutiro e decoradas com painis queparecem sados da rica.

    Neste espao acontecem, diariamen-te, oicinas para 140 crianas e adoles-centes, de 7 a 14 anos, em reas comoartes e artesanato, brincadeira, biodana,educao ambiental e audiovisual. Someninos e, principalmente, meninasde amlias de baixa renda, com poucasoportunidades de acesso a uma orma-o complementar escola. comumpassear pelas ruas de Lenis e sermosapresentados a um deles: Esse aqui

    gro!. O apelido vem da expresso grode luz, que remete ao mito dos garim-peiros locais para denominar o diamante(ver PACHECO, 2006, p. 24 e 107).

    Quando completam 16 anos, essesmeninos e meninas podem ormar gru-pos cooperativos de jovens, que uti-lizam reerncias da cultura local paradesenvolver seus projetos e produtos.Atualmente, existem os grupos de arte-sanato em retalhos e em papel reciclado,msica e tradio oral, e turismo de basecomunitria. A vivncia do trabalho e dagesto nos grupos cooperativos uncio-na para eles como ormao pr-prois-sionalizante. Com a venda dos produ-tos, os jovens complementam a renda

    da amlia e comeam a poupar para, nouturo, inanciar os estudos ou a casaprpria. Alguns jovens decidem entrarna aculdade sem passar pelos gruposcooperativos, mas continuam ligados Associao, recebendo uma bolsa queajuda a custear os estudos.

    d A criao de um projeto pedaggico paraas Oicinas Gros de Luz, em 1998, coorde-nado pela educadora Lllian Pacheco, oi o

    primeiro passo para integrar os saberes detradio oral nas atividades da ONG. Emdiscusses semanais de planejamento,realizadas com os educadores, um jeitodierente de ensinar ia sendo proposto,aplicado, avaliado e reeditado. Reern-cias da educao biocntrica, educaodialgica, arte-educao e psicologia co-munitria, trazidas pela coordenadora,oram incorporadas ao projeto.

    Nas salas, nada de ileiras e rigidez mi-litar, mas sim o aprendizado pela vivn-cia, com roda, brincadeira, movimento emsica. A cada ano, escolhe-se um novotema gerador ligado realidade dos alu-

    nos, que permite integrar as cincias davida e o saberes, smbolos, mitos e herisda cultura local. No centro desse processo,a histria de cada criana e a orma comocada uma compreende, sente e comuni-ca seus saberes. Como expresso do queoi aprendido, a inveno de produtoseducativos - desenhos, bonecos, jogos,livros, cordis. Registro criativo do queicou, na memria, na aetividade, na ex-perincia que ser levada adiante, na vida.

    A gente sempre mostrava para a co-munidade o que estava sendo produzi-

    do com as crianas, como resultado dasoicinas e parte do caminho que a genteestava criando em educao. Eram ex-posies e aulas-espetculos, com todosos produtos educativos. Os proessores[da rede pblica] icavam ligados, algunsconvidavam a gente para uma reunio deplanejamento, as prprias crianas ques-tionavam contedos na escola. E aconte-ceu o que a gente queria: criar um dilogocom a educao ormal, a partir da base,conta Lllian Pacheco.

    A experincia das Oicinas Gros de

    Luz chamou a ateno da Secretaria Mu-nicipal de Educao, que props umaparceria para a capacitao de proesso-res, em Lenis e municpios vizinhos.A gente no apresentou uma capacita-o j ormatada. Porque uma parceriacomo esta cria uma expectativa: comoica o currculo pra gente trabalhar? e as-sim no d, perde-se toda a vitalidade doprocesso, airma a educadora. A soluooi inverter a lgica: ir s comunidades,conhecer suas realidades e conviver comos proessores para azerem, juntos, oprocesso de ormao. Assim, em se-tembro de 1999, comeava o ProjetoGri, com inanciamento da secretaria eda Fundao Abrinq.

    As pessoas costumam dizer: a es-cola muito echada. Mas tem o portei-ro, a merendeira, um proessor ou umadministrador mais sensvel, poss-vel entrar pelas brechas e ir ocupan-do espao. O que no d para ocuparespao pelas hierarquias, isso no tema ver com o processo que queremos in-centivar. Porque, se voc entra de cimapara baixo, de repente v que esqueceua criana, perdeu o contato com quemest vivendo o processo da educao,argumenta Lllian.

    a p :

    .m p,

    , p

    v, pv

    p p p

    a p p b g, q , b

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    12/27

    u pQuando a parceria com a Secretaria Muni-cipal de Educao deslanchou, a igura doVelho Gri tornou-se conhecida entre osmoradores da Chapada Diamantina. Depalet e chapu, eneitados com uxicos,itas e bordados, ele caminha de povoadoem povoado, levando instrumentos decorda e percusso e um repertrio de his-trias, versos, danas e cantigas, trocadose recolhidos nos lugares onde passou. Suaescola oram os mestres de capoeira, dosreisados e do jar (culto ligado ao candom-

    bl local), curandeiros, parteiras, garim-peiros, rezadeiras e cantadores da ChapadaDiamantina. O Velho Gri um persona-gem, criado pela Associao Gros de Luz eGri e vivido pelo educador Mrcio Caires,que remete tradio oral da rica negra.

    Mestres e gris so iguras importantesnas sociedades do noroeste aricano, emque a oralidade, e no a palavra escrita, oprincipal meio de manuteno das cultu-ras. Em vez do registro em livros e arquivos, a circulao do conhecimento que garanteque as culturas permaneam vivas.

    De acordo com o malins AmadouHampt B, um dos maiores estudio-sos do tema,

    A tradio oral a grande escola da vida e dela

    recupera e relaciona todos os aspectos. Podeparecer catica queles que no lhe descor-

    tinam o segredo e desorientar a mentalidade

    cartesiana acostumada a separar tudo em ca-

    tegorias bem deinidas. (...) Ela ao mesmo

    tempo religio, conhecimento, cincia natu-

    ral, iniciao arte, histria, divertimento e

    recreao, uma vez que todo pormenor sem-

    pre nos permite remontar Unidade primor-

    dial. (B, 1982, p. 183)

    Segundo ele, os gris (no rancs,griots) so como trovadores ou menes-tris, considerados agentes que do con-

    tinuidade cadeia da transmisso oral.Podem ser msicos; embaixadores queatuam na mediao de conlitos entre asamlias nobres; e poetas, historiadoresou genealogistas que percorrem os pa-ses para descobrir e contar as origens dostroncos amiliares.

    Pelo trabalho da ONG, a igura do griaricano ganhou uma releitura brasileira.Seu papel, aqui, azer a mediao entre aeducao ormal e a no ormal, entre asdisciplinas do currculo e os saberes e a-zeres cultivados pela tradio oral. Logo

    no incio, vimos que o dilogo com as co-munidades entrava em questes tnico-raciais negativas e as pessoas importantesde tradio oral se ixavam em conceitoscomo eu sou uma analabeta ou eu sousem instruo. Esses lugares oram cons-titudos pela relao com a escola. A co-munidade no assumia o lugar do saber,no dizia por si mesma que ela sabia. Nodava para chegar l entrevistando comgravador, com categorias tericas deini-das, pondera Lllian.

    Uma dierena simples e sutil, com-plexa e elaborada marcava essa relaoe, ao mesmo tempo, levantava questio-namentos sobre qual a incluso que sebuscava. Nascida em Jacobina, na Cha-

    pada Diamantina, Lllian percebeu queo desaio passava por uma reinveno dalinguagem.

    Mrcio Caires, tambm nascido naChapada Diamantina e casado com Lllian,costumava visitar as comunidades ruraisda regio e, nos caminhos que levam aoRemanso, Tanquinho, Iuna, Capivara,entre outras, comeou a azer sua prpriatrilha. Nessas caminhadas, havia uma li-gao muito orte com os mestres e umaaprendizagem com as estas, brincadeirase rituais de trabalho, cura, os reisados, os

    saberes de tradio oral. Era algo vivido,conta. Essa orma participante de conhe-cer as comunidades e a convivncia comos mestres de tradio oral ornecerampistas para pensar sua incluso no dilogocom as escolas.

    O que a gente props, ento, oi che-gar nas comunidades como o gri chega,de um jeito muito aprendiz, um jeito queentra numa relao de encantamentocom a tradio oral. E se colocar ness e lu-gar para construir linguagem, construirpedagogia, airma Lllian Pacheco. Agente chega brincando e os proessoresentram na brincadeira, porque eles en-tendem; os diretores, alunos, pais, avs,os brasileiros todos entendem essa lin-

    guagem. E nela que vo nascendo osprocessos de saber.

    a vv pNo centro da praa ou no ptio da escola,na terra batida ou no cho de cimento, aroda da comunidade est ormada. O Ve-lho Gri inicia um ritual regido por m-sica, movimento, contao de histrias.No s azer uma coletnea de c antigase danas e dizer vamos cantar. No umespetculo. H um cuidado e um planeja-

    a vp , v, p, p, rcv

    na tradio oral, todas ascincias se transormam em histriasLLLian Pachecon cp d, b p n d q b j . d p , n x q q p . Q pb, q j p q p p- . n g l g, b p. d d, q p-

    p o g l, q b p n d qb r, . o q p- , p,j p, l, p- b g l.

    nego dgua (DeLvan Dias), n x , n x e P bxm t P p a bd n x

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    13/27

    mento, mas tudo recriado na roda. umavivncia, airma Mrcio Caires.

    tambm uma didtica, que temcomo objetivo ortalecer os vnculos deaetividade, considerados, na educaobiocntrica, a base para um aprendizadointegral, justamente por agregar vriasormas de inteligncia. De acordo com aeducadora Ruth Cavalcante,

    A aetividade possui elementos de conscincia,

    de valores, de compromisso, de componentes

    simblicos, est vinculada percepo e esti-

    mula estruturas cognitivas, avorecendo a cons-

    truo do conhecimento crtico, tendo comobase metodolgica a problematizao, o dilogo

    e a vivncia. (CAVALCANTE, 2001, p. 8)

    O que invisvel para uns a escola da vida para

    outros. Nas capoeiras, candombls, sambas-

    de-roda, tors, cirandas, nas escolas de samba,

    nas caminhadas de reis, nas mos de rendeiras

    e parteiras, no encontro com gris... Vemo-nos

    em rodas, rituais, coros e cantos ancestrais cha-

    mando para responder... Cores e movimentos

    luidos, seguros, quentes e leves como a gua, a

    terra, o ogo e o ar. As idades e os gneros juntos

    em caminhadas e conversas com todas as lingua-

    gens artsticas e aetivas da corporeidade huma-

    na. Contadores de histrias, heris e mitos que

    do sentido aos mistrios de cada idade da vida.

    O grupo como colo, ninho, amlia, comunida-

    de e o princpio da partilha como economia. A

    palavra como poder divino e o universo comoexpresso, ala, orma, msica e dana da vida

    em evoluo. (PACHECO, 2006, p.83)

    Ao longo de 2002, as caminhadas doVelho Gri aconteceram em 15 comu-nidades da Chapada Diamantina. Essaexperincia, assim como as pesquisas eprticas desenvolvidas nas oicinas Grosde Luz, subsidiaram a criao de uma me-todologia, a Pedagogia Gri, de autoriade Lllian Pacheco, mais tarde registradano livro Pedagogia gri a reinveno

    da roda da vida. Foi a juno da tradiooral aricana, o gri que caminha, ensina,aprende e az a rede de continuidade des-sa tradio, e a educao biocntrica. Issod liga. Claro que muita coisa a gente az,avalia e volta pra azer de novo, de outrojeito. Os processos vo se reormulan-do, comenta a autora.

    Essa metodologia enatizou, ainda, otema das relaes tnico-raciais positivaspara trabalhar a identidade e reservou ummomento especial, nas vivncias, para ouso da palavra a contao de histrias, os

    jogos de versos , aproximando-a do sen-tido que tem na tradio oral [leia mais naentrevista na pg. 26]. So alguns exem-plos de inovaes em relao s prticasde educao biocntrica, que reportam, atodo momento, ligao do projeto como contexto local, onte permanente de re-lexo e criatividade.

    A srie de encontros de ormao deproessores, realizada entre 1999 e 2005,permitiu que a vivncia dessa pedagogiase recriasse tambm no ambiente das es-colas, desta vez como parte dos plane- jamentos pedaggicos. Trabalhamoscom os educadores a liberdade de criaodos processos de educao. So eles queazem educao e poltica de educao.

    Porque nunca pode ser pedagogia semuma poltica, sem uma viso de mundo,sem uma opo de ormao, destacaLllian. Um dos resultados alcanadosnesse processo oi o maior engajamen-to dos proessores na revitalizao daeducao local, dentro e ora das salasde aula. Em Lenis, eles criaram umaassociao municipal, reestruturaram oConselho Municipal de Educao e luta-ram para a abertura de concursos pbli-cos, entre outras aes. [veja entrevistana pg. 26]

    u Em 2006, esse movimento local passou ainspirar uma ao em rede, espalhada portodo o pas. A parceria entre a AssociaoGros de Luz e Gri e a Secretaria de Pro-gramas e Projetos Culturais do Minist-rio da Cultura originou o programa AoGri Nacional. Seu objetivo estimular acriao de projetos pedaggicos que valo-rizam os saberes de mestres e gris e vin-culam educadores, escolas e universida-des s comunidades onde esto inseridos.O programa dirigido, prioritariamente,

    a pontos de cultura que tm propostas re-lacionadas tradio oral.Atualmente, a Ao Gri Nacional

    articula 150 pontos de cultura e entida-des, selecionados por meio de dois edi-tais, lanados no inal de 2006 e 2008.Os editais preveem bolsas de incentivomensais para os mestres e gris-apren-dizes no valor de R$ 380, pelo perodode um ano.

    A proposta que cada escola e cadaponto de cultura aa do seu jeito, crian-do sua linguagem e sua pedagogia paraintegrar educao ormal e tradio oral.Temos uma sistematizao, mas no po-demos capacitar duzentos gris no Bra-sil e eles aplicarem isso. Porque mata o

    processo. Reerncia sim, multiplicaono, airma Lllian Pacheco.

    t pp p; P gp b

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    14/27

    26

    instituto

    detecnologiasocial

    27

    Pedagogiagri

    its brasil: no que consistia o Projeto gri

    e sua interao com as escolas municiPais

    da cidade de lenis?

    lllian Pacheco:A gente criava um plane-jamento pedaggico, nas Oicinas Grosde Luz, que se integrava com os saberesda comunidade, em diversas linguagens:msica, pintura, desenho, otograia,brincadeiras, reciclagem, qualquer lin-guagem artstica ou artesanal. Cada oi-cina estudava um tema importante paraa comunidade, como gnero, a gua naChapada Diamantina, tradio oral, rela-es tnico-raciais e tnico-culturais.Dentro daquele tema, a gente pesquisa-va na comunidade e azia o planejamento

    pedaggico e as avaliaes, em reuniessemanais e mensais. Da saa um resulta-do do processo das oicinas, apresentadopara a comunidade.

    Com as caminhadas do Velho Gri,as oicinas comearam a ir para as esco-las. O Velho Gri caminhava com aulasvivenciais nas escolas, criando vnculoatravs do encantamento e mobilizandoa comunidade dentro de um tema gera-dor e das oportunidades pesquisadas evivenciadas nas oicinas. uma aprendi-zagem da prpria comunidade com sua

    entrevista comlllian Pacheco

    Esta entrevista oi concedida por LllianPacheco em Lenis, no dia 25 de outu -bro de 2008, a Juliana Lopes, mestran-da em Bens Culturais e Projetos Soci-ais no Programa de Ps-Graduao emHistria, Poltica e Bens Culturais (CP-DOC) da Fundao Getlio Vargas doRio de Janeiro. O ttulo de seu projeto depesquisa Tecendo os os entre culturae educao: o caso da A ssociao Grosde Luz e Gri.

    o p pp . s v- p , .q p , - .

    tradio oral e com outras reerncias, daeducao biocntrica, educao paraasrelaes tnico-raciais positivas, psico-logia comunitria e educao dialgicade Paulo Freire.

    A gente passava em todas as escolas,caminhando, brincando, azendo surpre-sas e criando esse jeito de chegar educa-o ormal. Depois disso, os educadoresse inscreviam na capacitao da PedagogiaGri. Disso saa o projeto pedaggico dosproessores, individualmente, em grupoou todo mundo da escola, conorme cadainstituio ou proessor queria. O pro-essor trabalhava nas aulas esse projeto,dialogando muito com as Oicinas Gros

    de Luz. No inal do processo, todo mundoapresentava seus produtos coletivos paraa comunidade. A gente azia, ainda, umapremiao coletiva e cooperativa. Todomundo recebia um prmio de incentivopor ter vivido todas as ases da capacitaoe ter apresentado seus resultados.

    its brasil: de que orma se daVa a integra-

    o dos saberes de tradio oral ao ensino

    ormal da escola?

    lllian: H vrios exemplos. Quando ascrianas estudaram a capoeira, junto es-

    tudaram a histria do Brasil, geograiae, pelas ladainhas, portugus. E tinhamaulas de capoeira dentro da escola, sem-pre azendo processos vivenciais e bus-cando reerncias na Pedagogia Gri, decriar aulas abertas com rodas e incluir aexpresso artstica desse vivencial. Noa arte enquanto aula de arte. Mas a aulaenquanto um momento de expressodo seu saber, do que voc est vivendoe aprendendo. A ideia era integrar es-sa expresso artstica em todas as disci-plinas, nos contedos que se est apre-ndendo. Da entravam vrios assuntos.As crianas estudaram a matemtica daeira, as unidades de medida ormais e

    aquelas do povo da eira, para azer com-paraes e clculos. Porque o povo daeira az medidas de brao, saco, bacia,potinho. Ento, as crianas aziam esselevantamento. Quantos quilos tem umsaco de arinha? Porque o saco de arinhano uma medida, um saco. Que neg -cio esse de quantos quilos tem um sa-co de arinha? A iam aprender sobre asbalanas tambm, aqueles litrinhos, quegeralmente no so litros. Como queeles trabalham as unidades ormais den-tro da eira?

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    15/27

    28

    instituto

    detecnologiasocial

    29

    Pedagogiagri

    Outro exemplo a integrao demitos sobre a criao do universo com ahistria do Big Bang, a questo das par-teiras com a cincia das ervas e do parto,nascimento e reproduo. A entramtambm questes polticas, do partohumanizado e da industrializao doparto. Discutiam essas questes tam-

    bm com suas mes. A histria de DomOb mobilizou todas as escolas. Todomundo estudou a histria e a geograiada rica, recriou a histria em cordise, depois, virou uma msica da banda

    Gros de Luz. A gente tambm estudouas brincadeiras do Boi e da Mulinha(bumba meu boi, boi de janeiro, boizi-nho e outras), por meio do mapa do Bra-sil, vendo como era a expresso do mitoem dierentes lugares. Ento se estudavadesenhando, pintando, brincando. Nes-se caso, juntava-se a histria e a geograiado Brasil com o mito do Boi. Esses soexemplos que dialogam com os saberescomunitrios de tradio oral.

    its brasil: no dilogo com a rede municiPal

    de educao de lenis houVe uma altera-

    o do currculo da escola?

    lllian: Os educadores azem o currcu-lo, azem educao. No comeo, nosso

    projeto era ormalizar um currculo die-rente na escola, uma lei curricular. Mas,depois, vi que voc vai criar um [currcu-lo], criar outro e, por mais lindo e libertoque seja, ele continua sendo um currcu-lo. Uma grade curricular. Ento, o que agente queria criar no era isso. Uma grade.A gente descobriu que existe lei suicien-te no Brasil que d ao educador a liber-dade com o currculo da escola. A Con-stituio est l. E a gente trabalhou issocom os educadores: liberdade. Liberdadede criao de processos de educao. A

    escola pode criar seu projeto poltico-pedaggico. Quando descobrimos issonos sentimos livres com os educadores,ento, vamos trabalhar e azer educao.Foi isso que a gente ez e que os proes-sores aprenderam, que eles podem criar.Eles podem inventar.

    its brasil: Vocs izeram algum sistema de

    aValiao de resultados?

    lllian: Ns nos interessamos mais pe-los resultados de processo. O resultadode processo da gente assim: educado-

    res que se conhecem, que ressigniicamsua prtica pedaggica e seu vnculo comas crianas. Isso uma porcentagem mui-to alta. Educadores vinculados politica-mente para criar uma associao, batalharpor umconselho, iscalizar as contas, es-se outro resultado orte.

    A gente identiica claramente doisindicadores. Primeiro, muda completa-mente o interesse e envolvimento dascrianas, nesses nveis que o educadortambm muda, de vnculo com a escola,conscincia de grupo, paixo pelo grupo egosto por estudar. Por isso, um indicadorimportante esse: crianas que seriamas excludas da escola [esto] mais apai-xonadas pela escola. So crianas que,

    geralmente, tm uma histria orte coma comunidade e a tradio oral, maiordo que os outros. E so excludas, so asrueiras. Elas podem no saber sobre Na-poleo Bonaparte ou Dom Pedro II. Mas,quando a gente vai trabalhar as ervas, osreisados, a capoeira, so elas que mais sa-bem. Ento, o vnculo dessas crianas coma escola muda muito. Na verdade, ns notrabalhamos indicadores de repetncia ouevaso. Esses so os indicadores altosque, em geral, os programas de educaotrabalham e crescem a 70%, 80% ou mais.

    Mas h 15% dos meninos que nunca iriam ser

    atingidos e so estes que a gente mais atinge.

    So processos de incluso de pessoas que se

    excluem. Negam a escola porque ela no o

    espao deles.

    Outro indicador orte o planeja-mento. Os proessores aprendem a cul-tura do planejamento: planejar, avaliar,reletir, dialogar, compartilhar, azer asexposies, querer criar junto. Construirprocessos de educao junto com a co-munidade e as crianas. A gente trabalhacom a vivncia. Ento, o que ica de sen-

    tido para o educador e para as crianas soos grandes resultados. So reerenciais eaprendizados de vida que se constroem e,dentro deles, tm contedos de histria,geograia, matemtica, cincias...

    its brasil: quais so as PrinciPais reern-

    cias tericas da Pedagogia gri?

    lllian: Ns trabalhamos com a reern-cia da educao biocntrica de RolandoToro e Ruth Cavalcante, educao pa-ra as relaes tnico-raciais positivas deVanda Machado, psicologia comunitriade Cezar Wagner de Lima Gis e a relaodialgica de Paulo Freire.

    A educao biocntrica surgiu da

    biodana. Em sua tcnica, a biodana uti-

    liza msica, movimento, sentimento e osentido da vida que nos rege. A educaobiocntrica incorpora como reerenciaisa vida e sua conexo com o universo, aidentidade humana e a vivncia. O princ-pio biocntrico entende o universo comosistema vivo. Por isso, eu volto s culturastradicionais no trabalho do Gros de Luze Gri, porque nas culturas tradicionaistambm h esse entendimento, com amsica e o movimento como uma coisas e parte do universo vivo e da prpriacincia da ormao do universo.

    n P g, x p

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    16/27

    30

    instituto

    detecnologiasocial

    31

    Pedagogiagri

    Quando comeamos a estudar mais aeducao para as relaes tnico-raciaispositivas, a gente passou a ter um olhar euma leitura mais aproundados sobre osmitos, principalmente de origem arica-na. Essa leitura e a redescoberta da rica,seus smbolos e seu lugar histrico, cul-tural e poltico, assim como a importnciade vrios grupos tnico-raciais, tnico-culturais, que inluenciam nossa histria,oram passos essenciais para o nosso tra-balho. Tem um smbolo aricano, o Coa,que o pssaro que bica o rabo, no sentido

    de dizer que nunca tarde para olharpara trs, buscar aquilo que deixou cair,sua ancestralidade. Essa leitura oi muitoimportante, no s para a Pedagogia Gri,mas para a minha vida e de cada educadordo Gros de Luz e Gri, para cada crianae cada jovem. Saber que existiu o impriode Oy, originado com um cara chamadoXang, e que Dom Ob, nascido aqui(provavelmente em Lenis), oi neto doltimo rei que manteve este imprio, issomuda tudo na vida de crianas, jovens ede todos ns. uma mudana radical. Eacho que vale para qualquer brasileiro,independente de que histria ele venha.Porque Xang uma lenda na nossa ca-

    bea. E a histria de Dom Ob era desco-

    nhecida dos livros didticos, das escolase mesmo dos mestres de tradio oral deLenis. Aproundar a histria da rica,sua relao com o Brasil e o mundo es-sencial no s para a cultura negra nem spara a cultura brasileira. essencial para odesenvolvimento da humanidade.

    Na educao dialgica a gente prioriza aorma como o dilogo constri uma relaoque no seja baseada somente em uma opo-sio, mas no princpio biocntrico tam-bm. um dilogo que tem vnculo aetivo,construdo e vivenciado. Nesse dilogo, a

    gente v a complementaridade das contra-dies, aprende a olhar e escutar o outro, avincular de verdade para poder alar a pa-lavra que vem de dentro, que tem sentido,a palavra geradora. Tudo isso muito im-portante para a Pedagogia Gri: azer umaroda e as pessoas saberem dialogar, teremreverncia para escutar um ao outro, dar otempo para ouvir tudo do outro, ter escutae pacincia. A pacincia pedaggica.

    Na psicologia comunitria, o grandereerencial para nosso trabalho entendero lugar da comunidade, como se do as

    relaes, as oras polticas, organizacio-nais e as lideranas na educao. Aprendique o trabalhador um arqutipo muitoimportante. A gente logo olha para o tra-balhador para entender as oras em tornodele e a economia do lugar. Por exemplo,na comunidade quilombola do Remanso,o pescador muito importante. Em tornodele, mitos e histrias acontecem, cin-cias e tcnicas so produzidas. Ento, lo-calizar o trabalhador daquela comunidadee sua produo muito importante paraintegrar os mitos com os cantos, danas,estas, histrias e cincias da comunidade.A gente aprendeu a olhar isso com muitocarinho e cuidado.

    its brasil: quais so os PrincPios seguidosPela associao gros de luz e gri Para

    criar a ViVncia, uma das Prticas Pedag-

    gicas mais imPortantes do gruPo?

    lllian: So vrios princpios que segui-mos para criar uma vivncia. Queramoscriar uma linguagem que se voltasse dire-tamente para as culturas tradicionais, deonde, na verdade, a biodana bebeu. Fuicriando um acmulo de vivncias a partirdos princpios da biodana. Por exemplo,o princpio de autorregulao do grupo, detrabalhar os trs nveis de vnculo comi-

    go, com o outro e com o grupo; o princ-pio da progressividade, de cuidar para queas pessoas entrem devagar no processo,vinculando-se consigo e com o outro eentregando-se sua prpria vivncia, seuprprio sentido; o princpio do respeitoao processo e ritmo do outro, a histria co-mo ele conta, sua verdade. Essas so algu-mas coisas que a gente vai reelaborando, nojeito de azer a vivncia. Substituindo, porexemplo, os exerccios de dana e as msi-cas da biodana pelas danas e cantos tradi-cionais e do prprio grupo, integrando as

    histrias de vida e a palavra na vivncia. Avivncia a ora do ritual, o ritual da comu-nidade, das culturas de tradio oral. Este um dos princpios da Pedagogia Gri. Essalinguagem e esses saberes so muito troca-dos. Trocar para todo mundo se apropriarde seus rituais, mitos e histrias.

    O gri o pesquisador principal da gen-te. Ele possibilita colocar a vivncia comomtodo principal. Um mtodo vivencial.Se voc quer aprender a cantar, que cheguecantando. Quer aprender as histrias dacomunidade, chegue abrindo uma roda decontao de histrias e conte uma histria.Vamos azer a vivncia, porque na vivnciatudo acontece, a onda da vida. O importan -te que a gente saiba cantar msica e contar

    histria, com a memria da tradio oral, econtinue com a rede. Gravar no nosso cor-po o principal e cantar como o povo canta,aprender a contar histrias junto com eles,como eles contam. E recriar dentro disso.

    its brasil: as histrias de Vida tambm so

    um dos Pilares da Pedagogia gri?

    lllian:Sim. As histrias de vida integrama identidade da pessoa por meio de umprocesso cultural, social, poltico, pe-daggico e educacional. Tem voc e suahistria, mas tem voc e sua histria den-

    gri aPrendiz, grie mestre de tradio oralo b ag n p p -p p, pp, q pp pj p. d 2008, q- p :

    n gri aPrendizP xp pq b -

    , p; / pp p - q -b ; p p

    b p p( ), ; p - xp , , , p-, , j ; p;pp / ; - .

    n gris de tradio orall / pp p - - q b / pp ; p p b p p ; ; p q , j ; 40 .

    n mestres de tradio oralP

    p b p , b p p ; - , - ; p q b ; 50 .

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    17/27

    33

    Pedagogiagri

    tro de seu contexto e cultura e a ormacomo voc relaciona tudo isso. A voccompreende muito mais a vida, o ser hu -mano, voc mesmo. As reerncias icammais diversas. Porque muita coisa no dpara compreender, veio da cultura an-cestral, do processo poltico e histricodo mundo. Os educadores do Gros pes-quisam as histrias de vida das crianase adolescentes para elaborar os projetospoltico-pedaggicos das oicinas. Ho-je, as crianas e jovens do Gros olhama histria de vida com arqutipo, mito e

    cincia, percebendo a integrao com acultura local comunitria.

    its brasil:no que consiste o Programa ao

    gri nacional, em Parceria com o minist-

    rio da cultura (minc), no mbito do Progra-

    ma cultura ViVa?

    lllian: A Ao Gri Nacional tem comoreerncia o trabalho que ns realizamosem Lenis. Por meio da gesto compar-tilhada entre a Associao Gros de Luze Gri e a Secretaria de Programas e Pro-jetos Culturais do MinC, lanamos doiseditais pblicos e, por eles, contempla-mos projetos de tradio oral em todo oBrasil. Cada projeto apresentado indicauma parceria com escolas ou universi-

    dades pblicas. Esta parceria completa-mente aberta, livre, com vrias possibili-dades de dilogo entre educao ormale tradio oral, com a mediao do griaprendiz. H um trip entre o ponto decultura, a escola e a comunidade. Isso uma reerncia bsica. Ento, os proje-tos pedaggicos devem dialogar com es-ses universos. O contedo dos projetos,a didtica e a orma do dilogo so livres,cada ponto de cultura elabora seu or-mato. A Ao Gri Nacional vivida emuma rede de 150 pontos e sete regionais.

    Isso possibilita a troca de prticas e ree-rncias com todo mundo e a aprendiza-gem. Realizamos encontros regionais deplanejamento, avaliao e sistematiza-o, um encontro anual e encontros pa-ra azer as assessorias pedaggicas. Essasassessorias auxiliam os pontos de culturano dilogo entre a tradio oral e a escolae a integrao do gri aprendiz como me-diador, avaliando e repensando as vivn-cias e estratgias com cada grupo. Nesseprocesso, a relao com o educador devnculo e no para substituir seu lugar na

    escola. O objetivo criar uma relao deinterao com muitas trocas de saberes,aprendizagens e vivncias.

    P pp p,

    q b

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    18/27

    35

    comunidadesdeaPrendizagem

    aproposta de transformao e dedesenvolvimento de uma escolaem uma Comunidade de Aprendizagem decorrente de estudos sociolgicos,antropolgicos, psicolgicos e educacio-nais, em busca de respostas ao contextoatual de excluso e das novas necessida-des ormativas geradas pela sociedade dainormao. Foi elaborada pelo CentroEspecial de Investigao em Teorias e Pr-ticas Superadoras de Desigualdade (Crea),da Universidade de Barcelona, na dcadade 1980. No Brasil, os estudos, a diuso eo acompanhamento sobre Comunidadesde Aprendizagem tm sido realizadospelo Ncleo de Investigao e Ao Social

    e Educativa (Niase), da Universidade Fe-deral de So Carlos (UFSCar), desde 2002.A transormao da escola, nesta pro-

    posta, acompanha as refexes a respeitoda necessidade de ampliar o dilogo e acomunicao entre prossionais e cole-tivos, que permitam o estabelecimentode instituies e espaos sociais melho-res para todas as pessoas. Reconhece-se,neste sentido, que o dilogo processode aprendizagem permanente e necess-rio para tal, nele se entrelaando saberesespecializados e saberes populares. Tal

    comunidades deaPrendizagem

    perspectiva coincide com o que indicamautores como Ramn Flecha e UlrichBeck sobre a realidade ampla que hojevivemos mundialmente, e que se desdo-bra da necessidade de estabelecimento denovos consensos dialogados e refexivos,

    j que os consensos tcitos, decorrentesdas hierarquias das relaes tradicional-mente estabelecidas, no mais se susten-tam com acilidade. Porm, estabelecer odilogo eetivo entre dierentes sujeitos,instncias, grupos e instituies no tarea cil. Isso porque as prticas sociaisnas quais omos educadas e educadosso hierrquicas e normativas; assim, aotransormar prticas sociais, temos, tam-

    bm, de nos educar para elas.Tratando-se da unidade escolar, dizerde uma escola que se abra ao dilogo com asamlias, seus estudantes e o entorno, e quecom eles se proponha a azer ao comuni-cativa para modicar o contexto hierrqui-co e segregador no qual se estabeleceu eque ajudou a estabelecer algo que precisatanto de sonho como de cincia, como nosensina Paulo Freire, em sua obra sombradessa mangueira. Comunidade de Apren-dizagem caminho metdico para apoiar aconsecuo de tal empreitada.

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    19/27

    36

    instituto

    detecnologiasocial

    Atualmente, h na Espanha 64 es colasque se transormaram em Comunidadesde Aprendizagem. No Chile h duas. NoBrasil, na cidade de So Carlos (SP), h trsescolas da rede municipal que so Comu-nidades de Aprendizagem.

    a A escola , atualmente, na sociedade brasi-leira, uma instituio que recebe a maioriada populao. Pode-se dizer, neste sen-

    tido, que o espao mais democrticodesta sociedade. Assim sendo, na escola,evidencia-se a rica diversidade de nossopas, mas tambm a extrema desigualdadesocial nele produzida historicamente.

    No atual contexto, o da sociedade da in-ormao, h demanda crescente de dom-nio de habilidades para buscar, selecionar,utilizar, criticar e produzir conhecimento.Assim, a escolaridade pe-se, mais quenunca, como instrumento de proteosocial para cada sujeito. Se, por um lado, onovo contexto traz possibilidade de geraode novas alternativas por parte de grupos,sujeitos, governos, ele tambm traz riscospermanentes de agravamento da explora-o e das desigualdades sociais, atingindo

    mais diretamente os grupos historicamen-te marginalizados. preciso, portanto, res-saltar-se a importncia de uma escola quegaranta aos grupos populares acesso eetivo lngua escrita, matemtica, a outros idio-mas, a novas tecnologias de inormao ecomunicao, como instrumentos eetivosde emancipao e de criao.

    Qualidade de ensino, neste contexto,implica ampliao de meios e de intera-es para diversicar ontes de aprendiza-gem. Implica, igualmente, criar e estenderredes de apoio lateral, enquanto redes de

    solidariedade e de conhecimento. Nestaperspectiva, o conhecimento escolar eo conhecimento prossional devem serabertos ao conhecimento popular, para atransormao das escolas em Comunida-des de Aprendizagem.

    Pp c apComunidade de Aprendizagem umatransormao social e cultural de e scolasde educao inantil, ensino undamen-

    tal, ensino mdio ou educao de jovense adultos e de seu entorno. Supe a arti-culao de pessoas, processos e ontes deconhecimento na construo de relaesrespeitosas e que valorizem a diversidade,

    bem como que garantam aprendizagemdos contedos instrumentais necessrios igualdade de proteo social na socieda-de da inormao.

    Para buscar elementos eetivos deprticas e teorias que garantam tais metas,pesquisadores do Crea dedicaram-se aestudos tericos e empricos (sobre ex-perincias bem-sucedidas em dierenteslugares do mundo). Destes estudos che-garam a quatro princpios comuns, pre-sentes nas prticas bem-sucedidas:

    na presena das amlias e da comunidadena escola imprescindvel: participao

    e responsabilidade dos proessores eproessoras, amiliares, estudantes e co-munidade;

    n prticas cooperativas e solidrias dentroe ora da sala de aula: ampliao e diversi-cao de interaes;

    nomento das expectativas positivas deaprendizado de todos;

    ndedicao aprendizagem escolar semdiscriminao de gnero, cultura ouclasse social.

    Assim, a orientao geral decorrentedesses princpios no a justicao dapartilha desigual da aprendizagem esco-lar, camufada por discursos de respeitos dierenas individuais ou grupais preciso transormar os discursos dbiosque produzem e mantm acesso desigual escolaridade a dierentes grupos. Trata-sede transormar o contexto competitivo esegregador das escolas, com a participaode toda a comunidade (prossionais, es-tudantes, amiliares, entorno). As apren-dizagens instrumentais que queremos

    para nossas lhas e lhos devem estarao alcance de todas as crianas e todos osjovens, j que se trata de instrumentos deproteo social numa sociedade desigual.

    Para tanto, somente em interaocomunicativa, amlias, prossionais daeducao, o bairro e a sociedade podemconstruir um projeto educativo til. preciso superar os enganos do currculoda competio (aquele que historica-mente deende que apenas alguns tmcapacidade de aprendizagem escolar) eigualmente os enganos gerados pelo cur-rculo da elicidade (que com argumentosde aparncia contrria ao currculo dacompetio justicam a oerta de escolase de resultados bastante desiguais quanto

    aprendizagem escolar).Comunidade de Aprendizagem no uma metodologia de ensino, mas um ca-minho metdico para avorecer o estabe-lecimento de relaes dialgicas e comu-nicativas na escola. H um conceito centralem Comunidades de Aprendizagem, ode aprendizagem dialgica (conceito deRamn Flecha, apresentado no seu livroCompartiendo palabras), cujos princpiosso orientadores das aes, relaes, deci-ses e criaes na escola, seja no mbito dagesto, seja no mbito pedaggico:

    o c apemeB P. d g : v q q!

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    20/27

    39

    comunidadesdeaPrendizagem

    nDilogo Igualitrio: o dilogo iguali-trio quando considera as dierentes con-tribuies em uno da validade de seusargumentos, e no pela posio de poderde quem as realiza.

    nInteligncia Cultural: todas as pessoastm as mesmas capacidades para partici-par de um dilogo igualitrio, mesmo quecada uma possa demonstrar essas capaci-dades em ambientes distintos.

    n Transormao: aprendizagem dia-lgica transorma as relaes entre aspessoas e o seu entorno. As pessoas que

    participam de processos como os de Co-munidades de Aprendizagem acabampor transormar o sentido de sua exis-tncia e, com isso, tambm transormamo seu entorno.

    n Dimenso Instrumental: a aprendiza-gem instrumental de conhecimentos ehabilidades undamental para a sobre-vivncia no atual contexto social. O dia-lgico no se ope ao instrumental, seno colonizao tecnocrtica da aprendiza-gem (ibid., p.33).

    n Criao de Sentido: A escola deve serum espao para conversar e no p aracalar. Isso porque o sentido s ressurgequando as pessoas podem dirigir suasprprias interaes.

    n

    Solidariedade: as prticas educativasque se propem igualitrias e dialgicass podem undamentar-se em concep-es solidrias, pois acreditam que, nolugar do poder, podemos apostar naora das redes de solidariedade e lutarcoletivamente por uma sociedade maisjusta e democrtica.

    n Igualdade de Dierenas: a aprendiza-gem dialgica se orienta para a igualdadede dierenas, pois a verdadeira igualdadeinclui o mesmo direito que cada pessoatem de ser e viver de orma dierente.

    Com base nesses princpios da apren-dizagem dialgica, escolas em dierenteslugares vm se transormando em Co-munidades de Aprendizagem, a partir dedilogo entre prossionais, estudantes,amiliares, voluntariado, tomando suasprticas nas prprias mos.

    c ap s cSo Carlos oi a primeira cidade a acolhera proposta de Comunidades de Aprendi-

    zagem, estudada por Roseli Mello juntoao Crea, em um estgio de ps-doutora-do que ali realizou. Retornando ao Brasil,a proessora criou o Ncleo de Investi-gao e Ao Social e Educativa (Niase),vinculado Universidade Federal de SoCarlos (UFSCar). No Ncleo, junto deoutros pesquisadores e pesquisadoras daUFSCar, bem como estudantes de ps-graduao e de graduao, passou-se aestudar e a diundir sistematicamente osprocessos de transormao de escolasem Comunidades de Aprendizagem.Neste percurso, a Preeitura Munici-pal de So Carlos, atravs da SecretariaMunicipal de Educao (SME), abraoua ideia divulgando semestralmente a

    proposta junto s unidades escolares doensino undamental.A Escola Municipal de Educao B-

    sica (EMEB) Antnio Stella Moruzzi oia primeira a maniestar o desejo de trans-ormar-se em Comunidade de Apren-dizagem. No nal de 2004, ao mudar deunidade escolar, a ento diretora da EMEBA. S. Moruzzi, como conhecida a escola,levou a ideia para a EMEB Pro. JaneteMaria Martinelli Lia, que se transormounuma Comunidade de Aprendizagem em2005. Aps ver os resultados, apresenta-

    dos por gestoras, proessoras, amiliarese estudantes das duas escolas, no I Encon-tro de Comunidades de Aprendizagemrealizado em So Carlos, em conjuntopela SME e pelo Niase/UFSCar, outra es-cola assumiu o desao de transormar-seem uma Comunidade de Aprendizagem:a EMEB Pro. Dalila Galli.

    No II Encontro de Comunidades deAprendizagem, ocorrido em So Carlosnos dias 7 e 8 de novembro de 2008, astrs escolas, juntamente com o Niase,mais uma vez divulgaram os rutos da

    mudana, agora tambm sistematizadospor meio de pesquisa nanciada pela Fun-dao de Amparo Pesquisa do Estado deSo Paulo (Fapesp) Melhoria do EnsinoPblico e pelo Conselho Nacional deDesenvolvimento Cientco e Tecno-lgico (CNPq). A pesquisa coordenadapelo Niase e conta com a participao de 21proessoras e um proessor das trs escolasem processos de investigao.

    P c apO processo de transormao de uma es-cola em uma Comunidade de Aprendiza-

    gem envolve duas grandes ases: ingressoe consolidao da transormao. Noingresso, h a sensibilizao, tomada dedeciso, sonhos, seleo de prioridades eplanejamento. No processo de consolida-o da transormao, necessrio que semantenha permanentemente a ormaodos dierentes agentes da Comunidade deAprendizagem, avaliao dos processosimplementados e alcance das metas tra-adas entre todos e pesquisa dos impactosda transormao, de temas a estudar, deagentes a envolver nos processos.

    o p q p c ap p

    pp

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    21/27

    40

    instituto

    detecnologiasocial

    Afase de sensibilizao o momentodedicado a inormar as amlias, os pro-ssionais das escolas, a administraocentral (preeitura, diretorias de ensinoetc.), estudantes, voluntariado e agentessociais sobre os princpios bsicos das Co-munidades de Aprendizagem. Em trintahoras intensivas de trabalho, pesquisado-res e pesquisadoras alm de uma equipede prossionais da escola se renem paraestudar e discutir as bases tericas daproposta. Em seguida, em assembleiasde sensibilizao, so apresentados os

    mesmos contedos aos amiliares dosestudantes e pessoas da comunidade,buscando-se diversidade de horrios edias para que todos possam conhecer aproposta. Para essas assembleias, eitoum plano de divulgao no bairro undamental que a comunidade do bairroesteja por dentro do que se pass a e do quese passar na escola.

    De posse das inormaes necessriase das implicaes que a transormao daescola pode trazer para aquela institui-o, entra-se, ento, nafase de tomada dedeciso. Proessoras e proessores tm de

    buscar um consenso em torno da trans-ormao, dialogando sobre seus desejos,preocupaes, receios. Os gestores da

    escola tm de assumir publicamente queesto de acordo com a transormao.O conselho de escola tem de aprovarormalmente a transormao. Nas as-sembleias organizadas pela Associaode Pais e Mestres (APM) e pelo Conselhode Escola, a maioria dos amiliares tem deestar de acordo com a transormao. Aadministrao central tem igualmente dedeclarar apoio transormao da escolanuma Comunidade de Aprendizagem.

    Tomada a deciso sobre a transorma-o da escola, passa-se imediatamente

    fase dos sonhos. A pergunta que guia ossonhos de todas as pessoas : que escoladesejo para meus lhos e lhas e que este-ja ao alcance de todas as crianas e jovens?A condio que no seja colocado limiteno sonho de ningum. Sonham pros-sionais da escola em reunio pedaggica;sonham estudantes durante suas aulas;sonham amiliares e pessoas do entornoem assembleias de sonho, oerecidas emdierentes horrios e em vrios dias.

    A ttulo de exemplo, vale mencionaralguns dos sonhos das crianas e jovens

    que estudam nas trs Comunidades deAprendizagem de So Carlos.Sonhos de estudantes:

    n mais pessoas ajudando em sala de aula;

    n dormir na escola uma noite e azer ex-curses;

    npiscina;

    nmais computadores;

    nquadra coberta para esportes;

    nmenos brigas entre os estudantes;

    nmais livros na biblioteca;

    n aulas de ingls e de espanhol etc.Sonhos de proessoras e proessores:

    nespao de ormao para amiliares dosestudantes;

    nmelhoria na convivncia entre estudantese tambm entre proessoras e proessores;

    n

    mais voluntrios na escola;n maior participao de amiliares na vidada escola;

    n reoro escolar;

    n abertura da biblioteca escolar todas asnoites etc.

    Sonhos de amiliares de estudantes:

    n aulas de ingls e de espanhol tambmpara amiliares;

    n aulas de computao para amiliares;

    n ampliao do horrio da escola;

    n abertura da biblioteca escolar todas asnoites;

    noerta das sries nais na mesma escola;

    n cursinho pr-vestibular na escola;

    n aulas de reoro escolar;

    n aulas de alabetizao para amiliaresnos horrios de aula de suas crianas; etc.

    De posse dos sonhos, constitui-se umacomisso mista, entre prossionais daescola, estudantes e amiliares, para que aseleo de prioridades seja eita. Nesta ase,os membros de tal comisso azem umaanlise do contexto atual da escola e tam-

    bm das potencialidades da instituio,do seu entorno e da cidade, contrastando

    sonhos e realidade e sugerindo uma prio-rizao dos sonhos rente s necessidadesmais urgentes e que tragam imediatamen-te melhoria na aprendizagem e na valori-zao da convivncia na diversidade. Estacomisso agrupa os sonhos por modalida-des e elabora propostas de sua consecuo,considerando as potencialidades da escolae do entorno. Coloca, porm, e m ordem deprioridade, as metas a atingir, bem comosugere prazos para alcan-las. Exemplosde priorizao de sonhos que ocorreramnas trs Comunidades de Aprendizagemde So Carlos, estabelecendo-se rapida-mente tais atividades:

    ngrupos interativos em sala de aula (partici-pao de amiliares e voluntrios em ativi-

    dades de sala de aula, uma vez por semana);n biblioteca tutorada (aberta noite, coma presena de amiliares e voluntrios paraler com as crianas, contar-lhes histrias,acompanhar suas tareas);

    n aulas de inormtica para estudantes epara amiliares;

    n aulas de ingls e de espanhol para estu-dantes e para amiliares;

    naulas de reoro de matemtica e de portu-gus com estudantes das universidades;

    n tertlia literria dialgica, tertlia

    musical dialgica e tertlias plsticas

    dialgicas em sala de aula e em ocinasextracurriculares.

    Por m, na primeira grande ase detransormao da escola em Comuni-dade de Aprendizagem, vm o plane-

    jamento e a consecuo das atividades.Tal ase permanente e implica umaorganizao democrtica das relaes.No um modelo rgido. Est baseada naparticipao, na gesto compartilhadadas prioridades consensuadas por todosem assembleia eita com tal nalidade.Sabendo-se aonde se quer chegar (ase

    dos sonhos) e quais so as prioridades aatender (ase de priorizao), h que seestabelecer um plano de transormaoda escola. Em assembleia, a comisso depriorizao apresenta suas sugestes,que so dialogadas e consensuadas portodos. Compem-se, ento, comissesmistas (prossionais, amiliares e es-tudantes) por temas ou metas e que se

    basearo nas prioridades consensuadas,tendo autonomia para encaminharaes, mas que devem sempre ser cor-roboradas pelo Conselho de Escola. Re-presentantes de cada uma das comissesmistas, junto da direo da escola, com-pem o que em Comunidade de Apren-dizagem se intitula Comisso Gestora.

    Cada comisso elabora uma srie depropostas actveis nos prazos que cadatema demanda, sendo apresentadas aoConselho de Escola, que as discute, azsugestes e as aprova.

    Importante ter em conta que a partici-pao eetiva de amiliares e de pessoas doentorno na escola depende de alguns ato-res revelados em estudos sobre o tema:

    n a realizao de reunies em horriosadequados para aquela comunidade;

    n pontualidade em dar incio e em encer-rar as reunies, que devem ter horrio

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    22/27

    42

    instituto

    detecnologiasocial

    43

    comunidadesdeaPrendizagem

    previamente estabelecido e divulgado;

    ngarantia de que todas as pessoas tenhamchance de se expressar;

    n que as reunies sejam produtivas, che-gando-se a decises e encaminhamentosao seu nal;

    n que os prossionais cuidem para secomunicar com as pessoas no-prossio-nais, explicando-lhes ou substituindo ostermos tcnicos que usam.

    preciso lembrar que dialogar no impor, mas sim que envolve ouvir e ar-gumentar, buscando-se contemplar nas

    decises tomadas as dierentes preocu-paes expressas nas reunies. Tambm importante que protagonismos comcaractersticas competitivas sejam evi-tados nas comisses ou nas interaesnuma Comunidade de Aprendizagem, jque o protagonismo rompe o se ntimentode solidariedade e cultiva as hierarquiasentre as pessoas. Ao contrrio disso, preciso ortalecer e respeitar cada pessoana relao, educando-se, cada qual, paraa apreciao da diversidade e a garantiada igualdade de proteo social. Por m,numa Comunidade de Aprendizagem,

    busca-se superar a cultura da queixa e as-sumir a cultura da transormao comodizia Paulo Freire, h que se transormar

    diculdades em possibilidades.No processo de consolidao da trans-ormao, a comisso gestora e as comis-ses mistas devem continuar seu trabalho,animando e coordenando a construo daComunidade de Aprendizagem.

    A cada semestre, deve-se prever erealizar ormao de prossionais, ami-liares e voluntariado nos princpios e nasdinmicas de uncionamento de Comu-nidades de Aprendizagem, bem comoem temas que se mostrarem importantespara que o convvio respeitoso entre to-

    dos e a aprendizagem de mxima qualida-de (estabelecendo-se o mesmo ponto dechegada com base em altas expectativas)se estabeleam. A ormao de amiliares,em demandas que lhes so prprias paramelhora nas suas condies de vida, decriao dos lhos e de trabalho tem de serpreocupao constante.

    Igualmente, nestas comisses, hque se pensar ormas de avaliar constan-temente processos implementados ealcance das metas traadas entre todos.Redirecionar aes, promover novos

    momentos de sonhos, acompanhar arealizao dos sonhos que j tinham sidotraados azem parte dos cuidados e doomento permanentes Comunidade deAprendizagem.

    avaliao e redirecionamentos deladecorrentes podem juntar processos depesquisa em dois sentidos: para aproun-dar e gerar conhecimentos sobre a realida-de vivida e as transormaes conseguidas,bem como sobre temas undamentais parase continuar caminhando no sentido dese-jado por aquela comunidade.

    Nesta ase, para alm de apoios aca-dmicos (extenso universitria) e inte-grao de estudantes universitrios navida da Comunidade de Aprendizagem

    (via estgios ou voluntariado, por exem-plo), as universidades podem juntar-seaos coletivos das escolas para realizarpesquisas sobre os impactos gerados nosprocessos desenvolvidos, bem comooutras que se mostrem necessrias para oortalecimento daquela Comunidade deAprendizagem. A comisso gestora podeser o gr upo responsvel por encaminhara demanda s universidades.

    exPerincia interatiVaem so carlos

    1.gruPo interatiVo em sala de aula

    Pessoas da comunidade entram na sala deaula para apoiar os estudantes em peque-nos grupos, com atividades elaboradaspela proessora ou pelo proessor. Eminteraes diversas, reoram e aproun-dam seus conhecimentos. So quatro oucinco grupos com atividades dierentese que recebem todos os estudantes em

    rodzio. Os grupos so ormados pelaproessora, de maneira mais heterogneapossvel, j que quanto maior a diversida-de, maior a aprendizagem.

    2. biblioteca tutorada

    A biblioteca ica aberta o mximo de tem-po possvel, com a presena de volunt-rios da comunidade que acompanham aleitura das e dos estudantes, apoiam a rea-lizao de tareas e ajudam nas p esquisas.

    3. tertlia literria dialgica

    So encontros semanais com durao deuma a duas horas, com dia, horrio e lo-cal ixos. Nos encontros, so realizadosdilogos a partir de trechos de romances,

    contos ou crnicas de literatura consagra-da (obras de reerncia mundial, regionalou nacional), que o grupo decidiu ler.

    H uma pessoa moderadora que a res-ponsvel por anotar as inscries de ala egarantir que todos escutem e tenham suaala respeitada. Ela tambm estimula aspessoas participantes para que destaquemos pargraos, trechos ou palavras, queinspiraram ao leitor ou leitora lembranasda vida, relao com algo visto nos meiosde comunicao ou vivenciados pela pr-pria pessoa, que lembram outras leituras,

    1

    2

    3

  • 8/6/2019 Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulao Comunidade-Escola 2

    23/27

    44

    instituto

    detecnologiasocial

    45

    comunidadesdeaPrendizagem

    que tenham causado espanto, indignao,admirao, ou outra reao.

    A pessoa que quer azer o destaque,aps ler o trecho em voz alta para o grupo,explica o que o trecho lhe inspirou.

    O moderador ou moderadora indi-ca aos participantes que o importante a expresso do pensamento de cadapessoa a partir de trecho, pargrao oupalavra que destaca para o g rupo, com-partilhando sua relexo. As discordn-cias, concordncias, ou complementosdevem se reerir s ideias apresentadas e

    no pessoa que as apresentou. Ao inal,o moderador da tertlia literria dialgi-ca az uma sntese dos temas tratados nodia, sem mencionar quem disse o qu. Ainteno compartilhar palavras e noalimentar protagonismos.

    Originada na Espanha em salas de edu-cao de pessoas adultas e centros cultu-rais e comunitrios, no Brasil a Tertlia Li-terria Dialgica vem sendo desenvolvidatambm em salas de aula do ensino un-damental nas escolas que se transorma-ram em Comunidades de Aprendizagem.

    4. tertlia musical dialgica

    Variao da Tertlia Literria Dialgica.Audio e cantoria (quando h letra)

    de msicas consagradas de vrios estilosmusicais. A apreciao se d de maneiracompartilhada e dialogada, relacionandomundo da vida e msica.

    A dinmica a mesma da Tertlia Lite-rria Dialgica.

    5. tertlia de artes Plsticas dialgica

    uma variao