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3/5/2015 ConJur Cautelares em ADI, decididas monocraticamente, violam Constituição http://www.conjur.com.br/2015jan31/observatorioconstitucionalcautelaresadidecididasmonocraticamenteviolamconstituicao?imprimir=1 1/4 OBSERVATÓRIO CONSTITUCIONAL 31 de janeiro de 2015, 8h01 Por André Rufino do Vale Nos últimos anos, tem aumentado o número de decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal que concedem medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. O fenômeno passou a ser mais perceptível a partir de 2009, quando se tornou recorrente a prática dessas decisões[1] . Elas são proferidas, comumente, em dias que antecedem os períodos de recesso e férias do tribunal (próximos aos dias 19 de dezembro e 1º de julho). O motivo alegado normalmente como justificativa — nem sempre exposto na fundamentação das decisões — é o de que o conhecido congestionamento da pauta de julgamentos do Plenário da Corte não tem permitido, ou pelo menos não tornou possível no semestre específico a que faz referência, o julgamento da medida cautelar nas sessões ordinárias e extraordinárias realizadas pelo tribunal todas as quartas e quintas-feiras. Assim sendo, a solução encontrada é a decisão monocrática, lançada dias antes das pausas nas atividades judicantes do tribunal, quando a competência para proferir esse tipo de decisão é então assumida (legitimamente) pelo Presidente da Corte. Em artigo publicado em edição anterior do Observatório Constitucional, no ano de 2012, escrito em conjunto com o professor e ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes[2] , já alertávamos para a ilegalidade (porque descumpre patentemente a Lei 9.868/1999) e, sobretudo, para a inconstitucionalidade (porque viola claramente a regra constitucional da reserva de plenário, artigo 97) das decisões monocráticas que, sem estar justificadas por alguma circunstância jurídica muito excepcional, suspendem a vigência de leis e atos normativos. Em tempos mais recentes, em sua coluna publicada nesta ConJur (em 4 de dezembro de 2014), o professor Lenio Streck também denunciou essa prática, ressaltando o frequente descumprimento, por parte do STF, da Lei 9.868/1999 e da regra do full bench prevista no artigo 97 da Constituição[3] . Os problemas que tornam gravíssima a prática de algumas dessas decisões monocráticas decorrem de dois fatores principais. O primeiro está na ausência, na maioria das decisões[4] , de uma excepcional urgência que justifique a atuação monocrática, fora dos períodos de recesso e férias do Tribunal, para suspender a vigência de uma lei. Cautelares em ADI, decididas monocraticamente, violam Constituição

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    OBSERVATRIO CONSTITUCIONAL

    31 de janeiro de 2015, 8h01

    PorAndr Rufino do Vale

    Nos ltimos anos, tem aumentado o nmero de decises monocrticas de ministrosdo Supremo Tribunal Federal que concedem medida cautelar em ao direta deinconstitucionalidade. O fenmeno passou a ser mais perceptvel a partir de 2009,quando se tornou recorrente a prtica dessas decises[1]. Elas so proferidas,comumente, em dias que antecedem os perodos de recesso e frias do tribunal(prximos aos dias 19 de dezembro e 1 de julho). O motivo alegado normalmentecomo justificativa nem sempre exposto na fundamentao das decises o deque o conhecido congestionamento da pauta de julgamentos do Plenrio da Corte notem permitido, ou pelo menos no tornou possvel no semestre especfico a que fazreferncia, o julgamento da medida cautelar nas sesses ordinrias e extraordinriasrealizadas pelo tribunal todas as quartas e quintas-feiras. Assim sendo, a soluoencontrada a deciso monocrtica, lanada dias antes das pausas nas atividadesjudicantes do tribunal, quando a competncia para proferir esse tipo de deciso ento assumida (legitimamente) pelo Presidente da Corte.

    Em artigo publicado em edio anterior do Observatrio Constitucional, no ano de2012, escrito em conjunto com o professor e ministro do STF Gilmar FerreiraMendes[2], j alertvamos para a ilegalidade (porque descumpre patentemente a Lei9.868/1999) e, sobretudo, para a inconstitucionalidade (porque viola claramente aregra constitucional da reserva de plenrio, artigo 97) das decises monocrticas que,sem estar justificadas por alguma circunstncia jurdica muito excepcional,suspendem a vigncia de leis e atos normativos. Em tempos mais recentes, em suacoluna publicada nesta ConJur (em 4 de dezembro de 2014), o professor Lenio Strecktambm denunciou essa prtica, ressaltando o frequente descumprimento, por partedo STF, da Lei 9.868/1999 e da regra do full bench prevista no artigo 97 daConstituio[3].

    Os problemas que tornam gravssima a prtica de algumas dessas decisesmonocrticas decorrem de dois fatores principais. O primeiro est na ausncia, namaioria das decises[4], de uma excepcional urgncia que justifique a atuaomonocrtica, fora dos perodos de recesso e frias do Tribunal, para suspender avigncia de uma lei.

    Cautelares em ADI, decididas monocraticamente,violam Constituio

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    A Lei 9.868/1999 no deixa qualquer espao para decises individuais dos ministrosdo STF nas aes diretas de inconstitucionalidade. A nica exceo encontra-se nopoder conferido ao Presidente do Tribunal para decidir cautelarmente nos perodosde recesso e de frias (artigo 10, caput), a qual se justifica no apenas em razo docarter urgente de eventual medida, mas tendo em vista a impossibilidade prtica dereunio de todos os membros do colegiado. No decorrer do ano judicirio, pressupe-se que sempre haver a realizao peridica das sesses plenrias ordinrias eextraordinrias, que constantemente oferecem a oportunidade para o julgamento enbanc das medidas cautelares urgentes e necessrias.

    A nica via aberta para a deciso liminar monocrtica em ADI, durante as atividadesordinrias do ano judicirio, encontra-se nos casos em que se verifique que a esperapelo julgamento da Sesso Plenria seguinte ao pedido da cautelar leve perda desua utilidade[5]. Essa possibilidade no decorre, portanto, diretamente da sistemticada Lei 9.868/99, mas de um poder geral de cautela do Relator para evitar aconsolidao de situaes irremediveis e preservar o resultado til da ao. Seriapossvel conceber, tambm, em alguma medida, a aplicao analgica do artigo 5,pargrafo 1, da Lei 9.882/1999, referente arguio de descumprimento de preceitofundamental, que permite a deciso cautelar monocrtica em caso de extremaurgncia ou perigo de leso grave.

    preciso deixar claro e ressaltar, no obstante, que essas hipteses sero sempreexcepcionalssimas, pois a prpria Lei 9.868/1999 prev um mecanismo para se evitarperecimento de direito e assegurar o futuro pronunciamento definitivo do Tribunal,que a possibilidade de concesso da medida liminar com efeitos ex tunc, parasuspender a vigncia da norma atacada desde a sua publicao. Dessa forma, se ocolegiado, no julgamento da medida liminar, pode fazer uso da tcnica da modulaodos efeitos da cautelar, ficam praticamente eliminadas as hipteses em que sejanecessria a atuao monocrtica urgente do Relator. Restariam apenas as demaishipteses, de muito difcil ocorrncia, em que a imediata suspenso da vigncia danorma impugnada seja impretervel em razo da necessidade de se paralisar, antesmesmo da prxima reunio colegiada, a produo de eventuais efeitos irreversveis.

    O segundo fator problemtico na concesso individual dessas cautelares que, emalguns casos, elas sequer chegam a ser submetidas ao referendo do Plenrio doTribunal. Seja qual for a razo existente para tanto congestionamento da pauta dejulgamentos, eventual falta de organizao e planejamento dos trabalhos internos degabinetes, etc. , o fato que hoje possvel identificar medidas cautelares em ADI,concedidas monocraticamente, que produzem h meses (ou at anos) os seus plenosefeitos, sem nunca terem sido devidamente apreciadas pelo rgo colegiado.

    Em seu artigo (acima mencionado), Lenio Streck bem mencionou o exemplo da ADIdos Royalties (ADI 4.917/RJ), cuja medida cautelar est h quase dois anos sem sersubmetida ao julgamento plenrio. Mas existem casos ainda mais graves. Apenascomo exemplo, ressalte-se a deciso liminar na ADI 4.598 (que suspende a Resoluo

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    CNJ n. 130, de 2011), monocraticamente concedida no dia 1 de julho de 2011, e que athoje portanto, passados mais de trs anos e meio no foi submetida ao referendo doPlenrio da Corte. inconcebvel que, durante todo um ano judicirio (ou mais deum, para os referidos exemplos), no seja possvel ao Plenrio, apesar de todos osreconhecidos problemas da agenda de julgamentos, referendar uma medida liminar.

    O fato da existncia de leis e atos normativos com vigncia suspensa (h anos) pordeciso judicial de apenas um indivduo deveria ser motivo de muita preocupao,especialmente do prprio Supremo Tribunal Federal. A manuteno dessas decisesenseja um estado de coisas inconstitucional, que afronta especialmente a regraconstitucional da reserva de plenrio, mas que tambm significa uma afronta a todoo sistema de diviso funcional de poderes e, enfim, prpria democraciarepresentativa. Enquanto a teoria e a filosofia do direito e da poltica permanecemdiscutindo a fundo sobre a (i)legitimidade democrtica do poder conferido a umgrupo de juzes para suspender e/ou anular (com efeitos gerais) os atos polticos dosdemais Poderes, certo que no resta mais a menor dvida de que, em umademocracia, um nico juiz no deve deter todo esse poder.

    Por isso, na prxima segunda-feira (2 de fevereiro), com o incio de mais um anojudicirio, duas metas (uma de curto e outra de mdio prazo, respectivamente)deveriam prioritariamente ser fixadas pelo Tribunal. Primeiro, como medidaprimordial e urgente, fazer um levantamento exaustivo de todas as medidas cautelaresdecididas monocraticamente nas aes diretas de inconstitucionalidade, que aindaesto pendentes do referendo do Plenrio da Corte, para que sejam includas, o maisrpido possvel, no calendrio das sesses ordinrias e extraordinrias de julgamentodeste primeiro semestre. Em segundo lugar, seria importante que os Ministros, ante oquadro atual, discutissem sobre a necessidade de se regulamentar o uso do podergeral de cautela pelo Relator nas aes do controle abstrato de constitucionalidade, demodo que as hipteses excepcionalssimas pudessem ser bem delimitadas e definidasno Regimento Interno do Tribunal.

    Esta coluna produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatrio daJurisdio Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Pblico (IDP).Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).

    [1] Essa constatao j havia sido feita no artigo Questes atuais sobre medidascautelares no controle abstrato de Constitucionalidade, escrito em conjunto com oProfessor Gilmar Ferreira Mendes, publicado no Observatrio da JurisdioConstitucional, ano 5, 2011/2012 (acesso:http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/observatorio/article/view/661/454).Em rpido levantamento (no exaustivo) realizado naquele artigo, aps o advento daLei 9.868/99, identificaram-se as seguintes decises: ADI-MC 2.849, Rel. Min.Seplveda Pertence, DJ 3.4.2003; ADI 3.273-MC, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em16-8-04, DJ de 23-8-04; ADI-MC 4.232, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 25.5.2009; ADI4.190-MC, Rel. Min. Celso de Mello, deciso monocrtica, julgamento em 1-7-09, DJE

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    de 4-8-09; ADI 4.307-MC, Rel. Min. Crmen Lcia, deciso monocrtica, julgamento em2-10-09, DJE de 8-10-09; ADI-MC 4.451, Rel. Min. Carlos Britto, DJe 1.09.2010; ADI-MC4.598, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 2.8.2011; ADI-MC 4.663, Rel. Min. Luiz Fux, decisoproferida em 15 de dezembro de 2011; ADI-MC 4.638, Rel. Min. Marco Aurlio, decisoproferida em 19 de dezembro de 2011; ADI 4.705, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisoproferida em 19 de dezembro de 2011.

    [2] MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, Andr Rufino do. Questes atuais sobre medidascautelares no controle abstrato de constitucionalidade. In: Observatrio da JurisdioConstitucional, ano 5, 2011/2012.

    [3] http://www.conjur.com.br/2014-dez-04/senso-incomum-decisao-ministro-stf-valer-medida-provisoria

    [4] Essa verificao j havia sido realizada no mencionado artigo Questes atuaissobre medidas cautelares no controle abstrato de Constitucionalidade.

    [5] Como ocorreu, por exemplo, na deciso proferida pela Ministra Crmen Lcia naADI-MC 4.307.

    Andr Rufino do Vale editor chefe do Observatrio da Jurisdio Constitucional.

    Revista Consultor Jurdico, 31 de janeiro de 2015, 8h01