10
CONOTAÇÃO E DENOTAÇÃO Estes dois conceitos são muito fáceis de entender, se nos lembrarmos que duas partes distintas, mas interdependentes, constituem o signo lingüístico: o significante ou plano da expressão – uma parte perceptível, constituída de sons – e o significado ou plano do conteúdo – a parte inteligível, o conceito. Por isto, numa palavra que ouvimos, percebemos um conjunto de sons (o significante), que nos faz lembrar de um conceito (o significado). A denotação é justamente o resultado da união existente entre o significante e o significado, ou entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. A conotação resulta do acréscimo de outros significados paralelos ao significado de base da palavra (sentido figurado), isto é, outro plano de conteúdo pode ser combinado ao plano da expressão. Este outro plano de conteúdo reveste-se de impressões, valores afetivos e sociais, negativos ou positivos, reações psíquicas que um signo evoca. Portanto, o sentido conotativo difere-se de uma cultura para outra, de uma classe social para outra, de uma época a outra. Por exemplo, as palavras senhora, esposa, mulher denotam praticamente a mesma coisa, mas têm conteúdos conotativos diversos, principalmente se pensarmos no prestígio que cada uma delas evoca. Dessa maneira, podemos dizer que os sentidos das palavras compreendem duas ordens: referencial ou denotativa e afetiva ou conotativa.

Conotação e Denotação

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Conotação e Denotação

CONOTAÇÃO E DENOTAÇÃO

Estes dois conceitos são muito fáceis de entender, se nos lembrarmos que duas

partes distintas, mas interdependentes, constituem o signo lingüístico: o significante ou

plano da expressão – uma parte perceptível, constituída de sons – e o significado ou

plano do conteúdo – a parte inteligível, o conceito. Por isto, numa palavra que

ouvimos, percebemos um conjunto de sons (o significante), que nos faz lembrar de um

conceito (o significado).

A denotação é justamente o resultado da união existente entre o significante e o

significado, ou entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. A conotação resulta

do acréscimo de outros significados paralelos ao significado de base da palavra

(sentido figurado), isto é, outro plano de conteúdo pode ser combinado ao plano da

expressão. Este outro plano de conteúdo reveste-se de impressões, valores afetivos e

sociais, negativos ou positivos, reações psíquicas que um signo evoca.

Portanto, o sentido conotativo difere-se de uma cultura para outra, de uma

classe social para outra, de uma época a outra. Por exemplo, as palavras senhora,

esposa, mulher denotam praticamente a mesma coisa, mas têm conteúdos conotativos

diversos, principalmente se pensarmos no prestígio que cada uma delas evoca.

Dessa maneira, podemos dizer que os sentidos das palavras compreendem duas

ordens: referencial ou denotativa e afetiva ou conotativa.

A palavra tem valor referencial ou denotativo quando é tomada no seu sentido

usual ou literal, isto é, naquele que lhe atribuem os dicionários, ou seja, de sentido

objetivo, explícito, constante. Ela designa ou denota determinado objeto, referindo-se à

realidade palpável. Denotação é a significação objetiva da palavra; é a palavra em

“estado de dicionário”.

Já a conotação é a significação subjetiva da palavra, ocorrendo quando a palavra

evoca outras realidades por associações que ela provoca. Portanto, para além do

sentido referencial (literal), cada palavra remete a inúmeros outros sentidos, virtuais,

conotativos, que são apenas sugeridos, evocando outras ideias associadas, de ordem

abstrata, subjetiva.

O quadro abaixo sintetiza as diferenças fundamentais entre denotação e

conotação:

Page 2: Conotação e Denotação

Denotação Conotação

Palavra com significação restrita. Palavra com significação ampla.

Palavra com sentido comum do

dicionário.

Palavra cujos sentidos extrapolam o

sentido comum.

Palavra usada de modo automatizado. Palavra usada de modo criativo

Linguagem comum. Linguagem rica e expressiva

Exemplos de conotação e denotação (textos 1 e 2)

Nas receitas abaixo, as palavras têm, na primeira, um sentido objetivo, explícito,

constante, ou seja, foram usadas denotativamente. Na segunda, apresentam múltiplos

sentidos, portanto foram usadas conotativamente. Observa-se que os verbos que

ocorrem tanto em uma quanto em outra – dissolver, cortar, juntar, servir, retirar,

reservar – são aqueles que costumam ocorrer nas receitas. Entretanto, o que faz a

diferença são as palavras com as quais os verbos combinam, combinações esperadas

no texto 1, combinações inusitadas no texto 2.

Texto I

Bolo de arroz

3 xícaras de arroz

1 colher (sopa) de manteiga

1 gema

1 frango

1 cebola picada

1colher (sopa) de molho inglês

1colher (sopa) de farinha de trigo

1 xícara de creme de leite salsa

picadinha

Prepare o arroz branco, bem solto.

Ao mesmo tempo, faça o frango ao

Texto II

Receita

Ingredientes

2 conflitos de gerações

4 esperanças perdidas

3 litros de sangue fervido

5 sonhos eróticos

2 canções dos beatles

Modo de preparar

Dissolva os sonhos eróticos

nos dois litros de sangue fervido

e deixe gelar seu coração.

Leve a mistura ao fogo,

Page 3: Conotação e Denotação

molho, bem temperado e saboroso.

Quando pronto, retire os pedaços,

desosse e desfie. Reserve.

Quando o arroz estiver pronto, junte a

gema, a manteiga, coloque numa forma

de buraco e leve ao forno.

No caldo que sobrou do frango, junte a

cebola, o molho inglês, a farinha de

trigo e leve ao fogo para engrossar.

Retire do fogo e junte o creme de leite.

Vire o arroz, já assado, num prato.

Coloque o frango no meio e despeje

por cima o molho.

Sirva quente.

(Terezinha Terra)

adicionando dois conflitos

de gerações às esperanças perdidas.

Corte tudo em pedacinhos

e repita com as canções dos

beatles o mesmo processo usado

com os sonhos eróticos, mas desta

vez deixe ferver um pouco mais e

mexa até dissolver.

Parte do sangue pode ser

substituído por suco de

groselha, mas os resultados

não serão os mesmos.

Sirva o poema simples

ou com ilusões.

(Nicolas Behr)

Exemplo de texto denotativo (texto 3)

Os textos informativos (científicos e jornalísticos), por serem, em geral,

objetivos, prendem-se ao sentido denotativo das palavras. Vejamos o texto abaixo, em

que a linguagem está estruturada em expressões comuns, com um sentido único.

Texto 3 – texto técnico-científico.

Canibalismo entre insetos

Seres que nascem na cabeça de outros e que consomem progressivamente

o corpo destes até aniquilá-los, ao atingir o estágio

adulto. (...) Esse é um enredo que mais parece de ficção científica. No

entanto, acontece desde a pré-história, tendo como protagonistas as

vespas de certas espécies e as paquinhas, e é um exemplo da curiosa

relação dos ‘inimigos naturais’, aproveitada pelo homem no controle

biológico de pragas, para substituir com muitas vantagens os inseticidas

químicos. (Revista Ciência Hoje, nº 104, outubro de 1994, Rio, SBPC)

Page 4: Conotação e Denotação

Exemplo de texto conotativo (texto 4)

Além dos poetas, os humoristas e publicitários fazem um amplo uso das

palavras no seu sentido conotativo, o que contribui para que os anúncios despertem a

atenção dos prováveis consumidores e para que o dito humorístico atinja o seu objetivo

de fazer rir, às vezes até com certa dose de ironia.

Exemplo de conotação

Os provérbios ou ditos populares são também outro exemplo de exploração da

linguagem no seu uso conotativo. Assim, “Quem está na chuva é para se molhar”.

Traduzindo: “quando alguém opta por uma determinada experiência, deve assumir

todas as regras e consequências decorrentes dessa experiência”. Do mesmo modo,

“Casa de ferreiro, espeto de pau”, que significa o “que a pessoa faz fora de casa, para

os outros, não faz em casa, para si mesma”.

A respeito de conotação sugeri, portanto, um estado de espírito, uma opinião,

um juízo, um sentimento, que variam conforme a experiência, o temperamento, a

sensibilidade, a cultura e os hábitos do falante ou ouvinte, do autor ou leitor.

Conotação é, assim, uma espécie de difusão de sentido, graças à faculdade que nos

permite relacionar coisas análogas ou semelhantes. Esse é, em essência, o traço

característico do processo metafórico, pois metaforização é conotação.

Page 5: Conotação e Denotação

As funções da linguagem

A linguagem sempre varia de acordo com a situação, assumindo funções que

levam em consideração o que se quer transmitir e que efeitos se espera obter com o que

se transmite.

Assim, analisando qualquer texto, pode-se depreender que suas linguagens

funcionam para se atingir um objetivo. Não existe comunicação neutra, portanto há

sempre um contexto, uma necessidade, uma situação pessoal determinando o que se diz,

por intermédio de um discurso que pode ser informativo, autoritário, apelativo ou

poético. Assim, pode-se falar em funções da linguagem.

Analisar as funções da linguagem nos textos alheios ajuda-nos a descobrir os

objetivos que direcionaram sua elaboração. Aplicá-las aos nossos textos ajuda-nos a

planejar melhor a comunicabilidade e a eficiência comunicativa.

As funções da linguagem organizam-se em torno de um emissor (aquele que

transmite), que envia uma mensagem (conteúdo) a um receptor (aquele que recebe),

usando um código (tipo de linguagem), que flui através de um canal (suporte físico). As

funções da linguagem são:

Referencial ou denotativa: seu objetivo é traduzir a realidade, informando com o

máximo de clareza possível. Nos textos científicos e em alguns jornalísticos, essa

função predomina. Por exemplo:

“Em 1665¸ Londres é assolada pela peste negra (peste bubônica) que dizimou grande

parte de sua população, provocando a quase total paralisação da cidade e acarretando o

fechamento de repartições públicas, colégios etc. Como conseqüências desta catástrofe,

Newton retornou a sua cidade natal, refugiando-se na tranqüila fazenda de sua família,

onde permaneceu durante dezoito meses, até que os males da peste fossem afastados,

permitindo seu regresso a Cambridge” (MÁXIMO, Antônio; ALVARENGA, Beatriz.

In. Curso de Física. São Paulo: Harbra, 1992. p. 196).

Emotiva ou expressiva: o objetivo é expressar emoções, sentimentos, estados de

espíritos. O que importa é o emissor. Daí o registro em primeira pessoa. Como no

seguinte exemplo: “estou tendo agora uma vertigem. Tenho um pouco de medo. A que

Page 6: Conotação e Denotação

me levará minha liberdade? O que é isto que estou te escrevendo? Isto me deixa

solitária.” (Clarice Lispector)

Conativa ou apelativa: o objetivo é convencer o receptor (leitor ou ouvinte) a ter

determinado comportamento, por intermédio de uma ordem, uma invocação, uma

súplica etc. Os anúncios publicitários abusam dessa linguagem, além do discursos

autoritários (políticos, por exemplo).

Fática: o objetivo é apenas estabelecer, manter ou prolongar o contato (através do

canal) com o receptor. As expressões usadas nos cumprimentos, ao telefone e em outras

situações apresentam este tipo de função.

“— Como vai, Maria? — Vou bem. E você? — Você vai bem, Maria? — Já disse que sim! — Eu também. Está tão bonita!”— Ah, bem, é que eu... — Ah, é.”

(Dalton Trevisan)

Metalinguística: o objetivo é o uso do código para explicar o próprio código. A língua,

por exemplo, é um código. Os sinais de trânsito são outro tipo. Neste texto, estamos

analisando mecanismos da linguagem usando a própria linguagem. É o que acontece

com textos que interpretam outro, como os dicionários, textos literários tais como

poemas que falam da poesia (o poema “Procura da poesia”, de autoria de Carlos

Drummond de Andrade) etc.

“Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.Não há criação nem morte perante a poesia.Diante dela, a vida é um sol estático,não aquece nem ilumina.As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.Não faças poesia com o corpo,esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

[...]” (Carlos Drummond de Andrade)

Page 7: Conotação e Denotação

Poética: o objetivo é dar ênfase à elaboração da mensagem. O emissor constrói seu

texto de maneira especial, realizando um trabalho de seleção e combinação de palavras,

de ideias ou de imagens, de sons e/ou de ritmos. Explora-se bastante a conotação.

As funções da linguagem não existem isoladas. Embora uma delas acabe predominando,

elas convivem, mesclam-se, entrecruzam-se a todo o tempo, produzindo de suas

combinações os mais diferentes efeitos. Num texto publicitário, combinam-se a função

referencial (informações sobre o produto), a fática (texto, disposição na página,

ilustrações etc.) e conativa (nos elementos de persuasão).