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\ \ CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PARTICIPAÇÃO MAÇÔNICA NA LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS CARMEM GESSILDA BURGERT SCHIAVON* RESUMO Este artigo visa evidenciar o envolvimento de elementos ligados à Maçonaria junto à questão de libertação da mão-de-obra escrava negra no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Maçonaria, escravismo, abolicionismo. A Maçonaria 1 foi uma instituição importante no século XIX, participando de forma atuante nos acontecimentos políticos e culturais do país ao longo do período. Dentro desse contexto, destaca-se sua participação no processo de abolição da servidão negra, principalmente pelo encaminhamento dos projetos de leis referentes ao elemento servil" e através da ação isolada e integrada de membros da Ordem e de suas Lojas" no abolicionismo brasileiro. A partir da década de oitenta do século passado, quando o sistema escravista brasileiro apontava significativas fissuras, decorrentes principalmente da lei de 4 de setembro de 1850 4 , que "aboliu" o tráfico africano, e da lei de 28 de setembro de 1871 5 , a qual libertou o ventre escravo, os membros da Ordem maçônica, de um lado, conscientizados do * Mestre em História do Brasil - PUCRS. 1 Segundo o boletim expedido pela Loja "Fraternidade NQ 111", de Pelotas, Maçonaria uma Instituição cultural, iniciática, filantrópica e de caráter universal, que congrega homens de bons princípios. Tem os ensinamentos divididos em graus e visa proporcionar aos seus membros uma sadia filosofia de vida, a qual redunda em benefício da sociedade onde está inserida". O Templário. Pelotas, n. 27, abr. 1998, p. 2. 2 Todas as leis emancipacionistas e abolicionistas foram apresentadas por elementos maçons. 3 No vocabulário maçônico, Loja significa "a agremiação que confere os três primeiros graus, os chamados graus simbólicos, e efetua ordinariamente seus trabalhos no grau de aprendiz". KLOPPENBURG, Dom Boaventura. Igreja e Maçonaria, conciliação possível? Rio de Janeiro: Vozes, 1982. p. 266. 4 A lei recebeu o número 581 e anunciava em seu título: "declara livres todos os escravos vindos de fora do Império, e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos". Coleção de Leis do Império de 1831. Rio de Janeiro, 1850. t. 3, parte 1, p. 67-80. 5 Esta lei recebeu o número 2040 e apregoava no seu título: "declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei". Coleção das Leis do Império do Brasil de 1871. Rio de Janeiro, 1871. t. 31, parte 1, p. 147. BIBLOS, Rio Grande, 11: 101·106, 1999. 101

CONSIDERAÇÕES ACERCA DAPARTICIPAÇÃO MAÇÔNICA ... · sucedido por George Payne e sucessivamente por J. Th. Désaguliers, e Duque de Montague". CAMINO, Rizzardo da. Dicionário

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CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PARTICIPAÇÃO MAÇÔNICANA LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS

CARMEM GESSILDA BURGERT SCHIAVON*

RESUMOEste artigo visa evidenciar o envolvimento de elementos ligados à Maçonariajunto à questão de libertação da mão-de-obra escrava negra no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Maçonaria, escravismo, abolicionismo.

A Maçonaria 1 foi uma instituição importante no século XIX,participando de forma atuante nos acontecimentos políticos e culturais dopaís ao longo do período. Dentro desse contexto, destaca-se suaparticipação no processo de abolição da servidão negra, principalmente peloencaminhamento dos projetos de leis referentes ao elemento servil" eatravés da ação isolada e integrada de membros da Ordem e de suas Lojas"no abolicionismo brasileiro.

A partir da década de oitenta do século passado, quando o sistemaescravista brasileiro já apontava significativas fissuras, decorrentesprincipalmente da lei de 4 de setembro de 18504

, que "aboliu" o tráficoafricano, e da lei de 28 de setembro de 18715

, a qual libertou o ventreescravo, os membros da Ordem maçônica, de um lado, conscientizados do

* Mestre em História do Brasil - PUCRS.1 Segundo o boletim expedido pela Loja "Fraternidade NQ 111",de Pelotas, Maçonaria "é

uma Instituição cultural, iniciática, filantrópica e de caráter universal, que congrega homens debons princípios. Tem os ensinamentos divididos em graus e visa proporcionar aos seusmembros uma sadia filosofia de vida, a qual redunda em benefício da sociedade onde estáinserida". O Templário. Pelotas, n. 27, abr. 1998, p. 2.

2 Todas as leis emancipacionistas e abolicionistas foram apresentadas por elementosmaçons.

3 No vocabulário maçônico, Loja significa "a agremiação que confere os três primeirosgraus, os chamados graus simbólicos, e efetua ordinariamente seus trabalhos no grau deaprendiz". KLOPPENBURG, Dom Boaventura. Igreja e Maçonaria, conciliação possível? Riode Janeiro: Vozes, 1982. p. 266.

4 A lei recebeu o número 581 e anunciava em seu título: "declara livres todos osescravos vindos de fora do Império, e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos".Coleção de Leis do Império de 1831. Rio de Janeiro, 1850. t. 3, parte 1, p. 67-80.

5 Esta lei recebeu o número 2040 e apregoava no seu título: "declara de condição livreos filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei". Coleção das Leis doImpério do Brasil de 1871. Rio de Janeiro, 1871. t. 31, parte 1, p. 147.

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iminente fim da escravidão, e de outro, pressionados por toda umaconjuntura internacional, que condenava a manutenção da escravidão,passaram a influenciar na formação de Sociedades Libertadoras deescravos e em outros setores da sociedade, no sentido de incentivar o fimda escravidão no Brasil.

Uma das primeiras instituições destinadas à libertação dos escravos,fundada sob a influência da Maçonaria, foi a Sociedade Brasileira Contra aEscravidão, idéia concebida pelo renomado maçom Joaquim Nabuco, em 9de julho de 1880. Esta Sociedade foi organizada na forma de sinais ecódigos secretos para que seus componentes pudessem agir fora da lei semcorrer o risco de serem reconhecidos e posteriormente punidos. OsvaldoOrico informa sobre o caráter dessa Sociedade evidenciando que "seuobjetivo não se limitava a praticar a caridade, proteger e remir escravos (...),destinava-se a ser núcleo de agitação e campo de debates"."

Semelhante órgão, a Confederação Abolicionista, surgiu algum tempodepois, em 12 de maio de 1883, numa sessão solene da Gazeta da Tarde, porindicação do maçom José do Patrocfnio", João Clapp e Manuel JoaquimPereira. Seu caráter era mais radical que a Sociedade Brasileira Contra aEscravidão, e contou, inicialmente, com o apoio de 15 SociedadesAbolicionistas". Segundo Orico, os membros dessa Confederação defendiama abolição na forma pública (através de discursos, palestras, concessão decartas de alforria, etc.), mas destacavam-se no trabalho sigiloso, pois

Seus ,agentes ocultos aconselhavam a fuga das fazendas, criavamesconderijos para os escravos fugidos, despachavam outros para o Ceará,dispunham de cartas de liberdade, mandavam castigar por seus capoeirasos secretas que os queriam prender em flagrante roubo de escravos,cometiam, enfim, uma série de proezas, que entusiasmavam tanto o público,que os seguia com interesse, como os apóstolos, que os realizavam."

Outro acontecimento indicador da presença maçônica no processoabolicionista brasileiro foi a publicação do Manifesto-Programa do Clube dosAdvogados Contra a Escravidão. Até o ano de 1883, raramente os juízesdavam ganho de causa aos escravos quando eles eram levados a

6 ORICO, Osvaldo. O tigre da abolição. Rio de Janeiro: Ed. Gráfica Olímpica, 1956. p. 83.7 Ainda no que diz respeito à figura de José do Patrocínio, salienta-se sua atuação

junto à Gazeta da Tarde (1882-1887), jornal de caráter essencialmente abolicionista.8 A Confederação Abolicionista aglutinou, originalmente, as seguintes Sociedades

Abolicionistas: Clube dos Libertos de Niterói, Gazeta da Tarde, Sociedade Brasileira Contra aEscravidão, Libertadora da Escola Militar, Libertadora da Escola de Medicina, Caixa LibertadoraJosé do Patrocínio, Abolicionista Cearense, Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, ClubeAbolicionista Gutemberg, Clube Tiradentes, Clube Abolicionista dos Empregados no Comércio,Centro Abolicionista Joaquim Nabuco, Libertadora Pemambucana, Abolicionista Espírito-Santense, Sociedade Libertadora Sul-Rio-Grandense, Sociedade Abolicionista Radical, a CaixaEmanci~adora Joaquim Nabuco e a Caixa Emancipadora Vicente de Souza (Orico, op. cit., p. 77).

Idem, p. 77,

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julgamentos ou moviam alguma ação contra seus proprietários mas a partir deabril do citado ano, a categoria publicou o Manifesto-Programa do Clube dosAdvogados Contra a Escravidão, cujos signatários visavam "proporcionar aosinfelizes, que têm por si a lei, meios fáceis e prontos de tornarem efetivos osseus direitos''!" e, acabaram por fazer um "balanço nas omissões no meio dasdespreocupações dos interessados em puro desfavor das leis garantidoras daliberdade e do pleno gozo dos dtreitos de cldadão"!'. O manifesto foi assinadopelos maçons Joaquim Saldanha Marinho e Joaquim Nabuco, entre outros.Esse passo representou, sem dúvida, um grande avanço no sentido dalibertação dos escravos, tendo em vista que era justamente a ala mais radicaldo abolicionismo - representada por Saldanha e Nabuco - a que pertenciamos maçons infiltrados no manifesto dos advogados.

Passados alguns anos, o maçom Martinho Prado Júnior contribuiucom um grande passo para o término da escravidão no Brasil. Ele fundouem 2 de julho de 1886 a Sociedade Promotora da Imigração, que tinha porobjetivo a introdução de imigrantes na Província de São Paulo, como formade substituição da mão-de-obra escrava pela livre '2. Esta iniciativa acaboucolaborando para a substituição do trabalho realizado pelos escravos pelamão-de-obra do imigrante em outras Províncias, além de São Paulo, namedida que provocou "uma crise fundamental dentro do escravismo, criandoas condições objetivas para a emergência do movimento abolicionista,circunscrevendo, porém, seu trlunto"."

Outro maçom muito ilustre que colaborou de forma significativa para adesarticulação da escravidão brasileira foi o Marechal Deodoro da Fonseca,primeiro presidente do Clube Militar (fundado em 25 de julho de 1887).Deodoro, influenciado pelos princípios positivistas de Augusto Comte,convocou uma reunião do Clube, em outubro de 1887, com a finalidade dedeliberar sobre o trabalho de perseguição aos escravos fugitivos. Através dainfluência do marechal, o Clube julgou inconveniente e indigna a missão decaptura aos escravos fujões e a categoria resolveu não mais realizar estatarefa. Esse foi o ato jurídico mais decisivo de um maçom no cenário brasileiroem prol da extinção do trabalho servil, pois a partir desse momento, sem maisa fiscalização do Exército e a punição com açoite (abolida em outubro domesmo ano), a fuga de escravos aumentou consideravelmente, contribuindode modo relevante para o fim do sistema escravista brasileiro.

A influência da Maçonaria chegou, inclusive, à Igreja Católica. Ela seprocessou através do maçom Joaquim Nabuco, o qual foi o responsável

10 VIANNA, Hélio, Estudos de história imperial. São Paulo Companhia EditoraNacional; 1950. p. 297.

Idem, p. 303.12 Através da Sociedade Promotora da Imigração foi estabelecido um contrato com a

Província de São Paulo, referente à promoção da entrada de cerca de 30.000 imigrantes em1887, e, em fevereiro do ano seguinte, mais 100.000 imigrantes. BEIGUELMAN, Paula. A crisedo escravismo e grande imigração. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 18.

13 Idem, p. 18-19.

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pela tentativa do maior engajamento dos católicos junto à causaabolicionista. Essa busca deve-se ao fato de que "o Cristianismo nãocondenou expressamente a escravidão, não aboliu nem intentou aboli-Iadiretamente,,1'\ como expressou Dom Oscar de Oliveira. Diante dessaconstatação, Nabuco foi pessoalmente a Roma, a fim de solicitar ao PapaLeão XIII o seu apoio ao movimento abolicionista brasileiro e, desseencontro (ocorrido em 10 de fevereiro de 1888), obteve a promessa do enviode uma encíclica pela qual o Papa condenaria a manutenção da escravidão.Mas esta só chegou ao Brasil em junho de 1888 (um mês após apromulgação da Lei Áurea). Abaixo segue um trecho do discurso deJoaquim Nabuco, no qual solicita o apoio do Papa Leão XIII:

Pensei que antes de tudo devia vir a Roma pedir a Vossa Santidade quecompletasse a obra daqueles prelados, condenando, em nome da Igreja, aescravidão. Conseguindo isto de Vossa Santidade, nós, abolicionistas,teríamos conseguido um ponto de apoio na consciência do tagem para arealização completa da nossa esperança."

Ressalta-se, ainda, que a participação da Maçonaria no processoabolicionista brasileiro não se restringiu ao envolvimento de elementosmaçons junto à formação de Sociedades Libertadoras de escravos; tambémocorreu dentro das Lojas da Instituição. Marcos Santiago confirma esseposicionamento ao reproduzir uma carta do Chefe de Polícia, o Sr. CaetanoJosé de Andrade Pinto, ao Grão-Mestre 16Visconde do Rio Branco, datadado dia 15 de junho de 1875. A carta expõe a situação do escravo Apolinário(28 anos), de propriedade de Alberto Ferreira da Silva Santos, e roga pelaintervenção da Maçonaria na libertação do dito escravo, argumentando que"convencido da philantropia desenvolvida, em casos tais, pelas Sociedadessob a direção superior de V. Exa., vou rogar a V. Exa. toda a benevolência afavor do infeliz Apolinário, certo de que aquelas Sociedades apreciarão oensejo de forem em prática a elevada missão da beneficência aosdesvalidos,,1 . O mesmo documento mostra o despacho do Grão-Mestrepara o Secretário, Dr. Luiz Antonio da Silva Nazareth, determinando queajudasse o escravo no que fosse possível para a compra de sua carta dealforria. Consta que, após a arrecadação da quantia necessária para aalforria, entre as diversas Lojas do Rio de Janeiro (em torno de 35), a carta

14 OLIVEIRA, Dom Oscar de. O que fez a Igreja no Brasil pelo escravo africano.Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 326, p. 316, 1980.

15 Jornal O Novo Maçon. Rio de Janeiro, abr.-maio-jun. 1958, p. 4.16Segundo o vocabulário maçônico, Grão-Mestre representa o "chefe supremo de uma

Potência Maçônica Simbólica. A primeira vez que surgiu essa designação foi em 1717, quando dafundação da Primeira Grande Loja da Inglaterra, sendo o primeiro Grão-Mestre Anthony Sayer,sucedido por George Payne e sucessivamente por J. Th. Désaguliers, e Duque de Montague".CAMINO, Rizzardo da. Dicionário Filosófico de Maçonaria. São Paulo: Madras, 1997. p. 79.

17 SANTIAGO, Marcos H. de A. A participação da maçonaria no movimentoabolicionista. Cadernos de Pesquisas Maçônicas n" 1. Londrina: A Trolha, 1989, p. 165.

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de liberdade foi entregue a Apolinário, em 1Q de agosto de 1875.18Em outubro do mesmo ano, o Visconde do Rio Branco novamente

escreveu para o Secretário Dr. Luiz Nazareth, pedindo semelhante auxíliopara outro escravo. Isso leva a crer que era uma prática comum o empenhoda Maçonaria junto à libertação de escravos, através da compra de alforrias,como demonstra o trecho da carta de Rio Branco, a seguir:

Recebi anteontem, quando ia embarcar para Petrópolis, o ofício junto do Sr.Chefe de polícia da Corte, pedindo-nos auxílio igual ao que, há pouco,prestamos em favor de um escravo. Rogo a V. Exa. que reuna osVeneráveis, e outros Irm.: que tanto fizeram da outra vez, a fim de ver o quepodemos oferecer. Contem com a minha assinatura. Precisamos dar quantoantes uma resposta decisiva ou provisória. De V. Exa.Atento amigo, Irm. e criado,V. do Rio Branco.19

Uma vez que o relato feito por Marcos Santiago não faz referência aofinal dessa história, ignora-se o seu desfecho. Mas acredita-se que oescravo tenha obtido sua libertação, pois em seguida o mesmo autordivulgou outro caso semelhante aos anteriores (o que indica o favorecimentoda Ordem em tais situações).

No que se refere ao empenho das Lojas da Instituição, destaca-se,ainda, o ocorrido na Loja "Piratininga", na sessão do dia 14 de setembro de1887, quando foi aprovada a deliberação (com um substitutivo do IrmãoMartim Francisco Ribeiro de Andrada 111) de proibição da entrada de novosIrmãos ou filiandos que fossem proprietários de escravos, ou que mais tardeviessem a possuí-Ios; caso não acatassem a deliberação da Loja, seriammultados e as quantias arrecadadas transformadas em fundos de

. - 20ernancipaçao.Com relação à importância que a Ordem maçônica assumiu no

processo abolicionista brasileiro, há que se evidenciar, também, o papeldesempenhado pelas testas" da Instituição do século passado, para a

18Idem, p. 165-166.19Idem, p. 167-168.20 CASTELLANI, José. História do Grande Oriente do Brasil. Brasilia : Gráfica e Editora

do Grande Oriente do Brasil, 1993. p. 164.21 Dentro da Instituição maçônica existem dois tipos de festas: a primeira visa à

solenização da iniciação maçônica, a mudança de graus dentro da Instituição ou outros fatosligados à Instituição na sua organização interna; são festas pertinentes à ritualistica maçônicae ocorrem dentro do templo da Loja, fechadas ao denominado "mundo profano". O segundotipo, as chamadas "festas brancas", são abertas ao público em geral e constituem momentosde confraternização e de união da "grande família maçônica" com a sociedade; são momentosem que a Ordem participa à comunidade os seus fins filantrópicos e publicamente faz práticadesses principios. No século passado, era nesse tipo de festa que ocorriam as libertações dosescravos. Essa distinção foi estabelecida pela autora deste trabalho, durante a pesquisareferente ao tema de sua Dissertação de Mestrado, intitulada "Maçonaria, abolição e festas: ocaso do Brasil meridional".

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libertação dos escravos. Estas consistiam numa prática comum dentro daMaçonaria, como informa Rizzardo da Camino:

(...) não havia festividade maçônica ou evento histórico que fossecomemorado sem que um maçom não colocasse dentro do 'Saco deBeneficência' uma carta de alforria de um escravo; essa prática, rara noinício, foi-se repetindo com mais freqüência até que nos últimos anos,consistia um motivo de grande júbilo quando eram contadas, no fim de cadacoleta, o número das cartas de alforria.22

Como se pôde constatar, uma das práticas mais tradicionais daMaçonaria consistia na libertação de escravos durante os eventos festivos. Estaslibertações eram efetuadas como uma forma de "abrilhantar' as festascomemorativas à fundação e/ou regularização de Lojas, visitas de celebridadesmaçônicas, posse de novas diretorias, etc., como se verifica a seguir:

Em uma festa solene que teve lugar anteontem na loja maçônica Segredo,por ocasião de tomarem posse as respectivas dignidades, foi entregue pelamesma loja 22 cartas de liberdade.Esta loja instalada em 1864 tem concedido até hoje 52 cartas demanumissões.O benefício não se limita a isto, a loja Segredo vela constantemente pelosindivíduos que liberta e encarrega-se de sua educação e ínstrução."

Salienta-se que diante da falta de propagação dos meios decomunicação e do acentuado número de crenças que circundavam a Ordemmaçônica no século anterior, as festas representavam, ainda, o momentoem que a Instituição tinha a oportunidade de se mostrar à sociedade, comovoltada à prática do bem e da filantropia, desmistificando as crendices e aimagem negativa, atribuída por seus críticos e opositores.

Resulta daí a preocupação em organizar grandes festas, bemabrangentes e comentadas, e em externar ao público presente o maior númerode ações filantrópicas. Portanto, na época, diante do calvário da escravidão,nada melhor que a libertação dos escravos, para atingir este objetivo. Por isso,as grandes festas da Maçonaria, do século anterior, eram momentossignificativos e privilegiados com a concessão de cartas de alforria a escravos.

Concluindo este trabalho, constata-se que a partir do momento emque a perpetuação da escravidão começou a apresentar sérios problemas,tendo em vista que já não entravam escravos, nem nasciam mais cativos noBrasil, a Ordem maçônica posicionou-se de forma contrária à manutençãoda escravidão, atuando em diversos segmentos da sociedade brasileira paraatingir este objetivo e privilegiou as grandes festas da Instituição para aconcretização do ideal abolicionista.

22 CAMINO, Rizzardo da. Introdução à Maçonaria. Rio de Janeiro: Aurora, 1972. v. 2,p.163-164.

23 ECHO DO SUL. Rio Grande, 10 jul. 1871, p. 2.

106 BIBLOS, Rio Grande, 11: 101·106, 1999.

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