Considerações Sobre a Homopaternidade

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    CONSIDERAES SOBRE A HOMOPATERNIDADE in Somos, 3, 1, SP, 2000

    A conquista cada vez maior pelo direito diferena vem, aos poucos, propiciando

    s minorias no apenas uma maior visibilidade como tambm o exerccio pleno da

    cidadania. Dentre as reivindicaes que mais tem causado polmica est a

    questo da adoo de crianas por casais homossexuais, a chamada

    "homopaternidade".

    Alguns pases da Europa, assim como em alguns estados americanos, entendem

    que a qualificao, ou no, para uma adoo deve passar por consideraes outras

    - financeiras, estabilidade psquica, idade... - e no pela orientao sexual do

    cidado.

    Os que so contra a homopaternidade alegam ser de fundamental importncia a

    presena do par homem/mulher para que a criana tenha uma organizao

    psquica equilibrada. Argumenta-se tambm que a famlia se desintegraria e que,

    mais cedo ou mais tarde, isto traria conseqncia catastrficas para a organizao

    social. Juntam-se a isso, as posies religiosas que vem na homopaternidade uma

    ratificao de uma relao - a relao entre pessoas do mesmo sexo - considerada

    contra-natureza.

    O argumento psicolgico, que defende a importncia do par homem/mulher para a

    sade psquica da criana, dificilmente se sustenta. No necessrio lembrar as

    inmeras situaes onde um dos pais, seno os dois, no participa, s vezes nem

    mesmo existe, na vida da criana. Isso sem falar da possibilidade, oferecida j h

    alguns anos, da mulher engravidar-se atravs de um banco de esperma de doador

    annimo. Na clnica infantil, exemplos no faltam onde o problema apresentado

    pela criana traduz a grande confuso dos pais quanto a seus respectivos papis, o

    que pode gerar, conseqentemente, uma indefinio o lugar da criana como filho,

    ou filha.

    No sem interesse, a pesquisa apresentada por uma professora da Universidade

    de Los Angeles. A pesquisa mostra que crianas criadas por uma me que, aps a

    separao, continuou sozinha, apresentam muito mais problemas do que aquelas

    cujas mes vivem, aps a separao, com uma mulher.

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    Tudo isso sugere que o lugar do pai e da me no tem que ser necessariamente

    ocupado por um homem e por uma mulher. A figura do pai e da me, aquilo que em

    psicanlise se chama, funo paterna e materna, no necessita da presena

    concreta do pai e da me. A realidade anatmica de quem cria a criana no um

    elemento fundamental para a construo da subjetividade desta ltima. Esta

    construo est muito mais subordinada organizao psquica daqueles que

    cuidam da criana. Ou seja, de como eles se colocam em relao sua prpria

    sexualidade, fantasia que tm de ser pai e/ou me e, talvez sobretudo, ao lugar

    que aquela criana, adotiva ou no, ocupa no universo psquico dos pais.

    O problema da homopaternidade, com as aflamadas discusses que ele suscita,

    parece ser muito mais uma questo antropolgica do que psicolgica. Os

    argumentos, a favor ou contra, so, antes de tudo, de ordem poltico-social e

    religiosa.

    Entretanto, devido a complexidade e a novidade da questo, e a prudncia que ela

    requer, talvez apenas duas consideraes sejam oportunas. A primeira a de que

    teremos que esperar ainda alguns anos para vermos como sero, que angstias

    tero, as crianas criadas por casais do mesmo sexo, assim como aquelas geradas

    atravs de inseminao de doador desconhecido. A segunda merece uma reflexo:

    at a presente data, todos aqueles que apresentam algum tipo de problema ou

    patologia mental, de comportamentos anti-sociais, tais como a delinqncia,

    marginalidade, sociopatias, e tantos outros distrbios, foram criados por casais

    heterossexuais. Isto significa que o sexo daqueles que se ocupam das crianas no

    traz, a priori, nenhuma garantia. Mas significa, tambm, que devemos estar muito

    atentos toda idealizao da heterossexualidade.

    Paulo Roberto Ceccarelli* e-mail: [email protected] homepage: www.ceccarelli.psc.br Psiclogo; psicanalista; Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanlise pela Universidade de Paris VII; Membro da Associao Universitria de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental;Membro da "Socit de Psychanalyse Freudienne", Paris, Frana; Scio de Crculo Psicanaltico de Minas Gerais; Professor Adjunto III no Departamento de Psicologia da PUC-MG (graduao e ps-graduao).