Consistencia e Extensão Do Pecado de Adão-Ruben Aguilar

Ano 7 | Volume 7 | Nmero 2 | 1 Semestre de 2011

www.unasp.edu.br/kerygma pp. 54-70

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CONSISTNCIA E EXTENSO DO PECADO DE ADO

Ruben Aguilar Doutor em Histria pela USP. Professor de teologia no UNASP, campus de Engenheiro Coelho, So Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]. Resumo: O vocbulo pecado usado s numa esfera restrita do conhecimento humano como a Teologia e a Religio ou disciplinas afins, sendo ignorado ou simplesmente omitido nas outras reas do saber cientfico ou no campo especulativo das cincias chamadas humanas. Ainda mais, a idia de pecado difusa ou inexistente em algumas grandes religies que afloraram atravs dos sculos. Diversos estudiosos da Palavra de Deus concordam na possibilidade de emitir conceitos de pecado baseados em proposies lgicas que permitiria formar um conjunto racional e do qual seria possvel chegar a uma definio especfica. H, na realidade, dois sistemas ou duas vias que possibilitam encarar o problema: o primeiro, mediante o conhecimento do significado restrito ou lexicolgico dos termos bblicos que aparecem nas lnguas originais, hebraico e grego; e o segundo, atravs do significado semntico ou interpretativo que se concede palavra em questo. Palavras-chaves: Pecado; Lei; Obedincia; Morte.

CONSISTENCY AND EXTENSION OF ADAMS SIN

Abstract: The word sin is used only in a limited sphere of human knowledge such as religion or theology and related disciplines; simply being ignored or omitted in other areas of scientific knowledge or speculative science called human. Moreover, the idea of sin is diffuse or nonexistent in some major religions that emerged through the ages. Several scholars of God`s Word agree in the possibility of emitting concepts of sin based on logical propositions that would form a rational set, which would be possible to reach a specific definition. There are actually two systems that enable two-way or face the problem: the first, to acknowledge the significance of restricted or lexical biblical terms that appear in the original languages, Hebrew and Greek, and second, through the semantic meaning or interpretation that is given the word in question. Keywords: Sin, Law, Obedience, Death.

O vocbulo pecado usado s numa esfera restrita do conhecimento humano

como a Teologia e a Religio ou disciplinas afins; sendo ignorado ou simplesmente

omitido nas outras reas do saber cientfico ou no campo especulativo das cincias

chamadas humanas. Ainda mais, a idia de pecado difusa ou inexistente em algumas

grandes religies que afloraram atravs dos sculos. A antiga religio egpcia, por

exemplo, considerava as faltas humanas simplesmente como atos no realizados. As

religies orientais, como o Jainismo, resumia sua tica religiosa ao cumprimento dos

Kerygma - Revista Eletrnica de Teologia Faculdade de Teologia do Unasp 1 Semestre de 2011

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cinco votos para a salvao. O Shikismo desconhece o conceito de pecado e admite

que ser religioso uma constante atividade de aprendizagem. O Taoismo adota vrias

normas elevadas, mas evita seu enunciado como uma obrigao para ser cumprida

servindo unicamente como conselhos. O Shintoismo, a religio nacional do Japo,

simplesmente rejeita qualquer corpo de dogmas ou de mandamentos. O prprio

Islamismo no enfatiza as faltas cometidas pelos seus membros, propalando que a

salvao unicamente na manifestao ritualista da sua f no profeta1.

admissvel a falta de qualquer considerao que possa ser outorgada ao

sentido de pecado entre as diferentes reas do conhecimento humano. E, talvez, seja

intolervel que a indefinio ou mesmo uma afirmao tergiversada sobre o sentido

de pecado no esteja manifesta na expresso doutrinaria de vrias religies. De

qualquer maneira essa gama de incertezas conceituais em relao ao pecado

determina a existncia de um estado de impossibilidade de emitir um juzo

fundamental sobre sua essncia. Johannes B. Bauer admite essa realidade, apesar de

contar com diversos elementos conceituais e de juzo que possam conduzir a

elaborao de uma clara definio de pecado2

Tentativa de conceituar pecado

A primeira idia de pecado nas religies que se fundamentam na Bblia surge

atravs da narrativa onde se descreve o primeiro casal criado por Deus, comendo do

fruto da rvore o qual, clara e previamente havia sido proibido, em pleno cenrio do

Jardim do den. Se esse relato sobre o pecado fosse o nico indcio para estabelecer

um conceito, bastaria considerar que a transgresso enunciada consistiu no ato de

comer o fruto proibido. Mas, segundo enfatiza J. Blinzler, essa narrativa tem um

carter etiolgico3, quer dizer, apresenta a causa ou origem das diversas

manifestaes de pecado no mundo dos seres humanos e no a essncia em si do

1 Maiores referncias e contedos sobre a histria do desenvolvimento de vrias religies, seus dogmas

e tica religiosa pode ser encontrada na obra de Treiyer, H. R. Religiones Comparadas, Parte I: Religiones no Cristianas, editado em Puiggari Entre Rios: Editorial S.E.M. Colegio Adventista Del Plata, Argentina, 1964. 2 Bauer, J. B. editor e autor do tpico Pecado, In: Dicionrio de Teologia Bblica, v. 2. So Paulo:

Loyola, 1983, p. 827. 3 BLINZLER, J., sob o tpico Pecado Original, In: Dicionrio de Teologia Bblica, op. cit. v. 2, p. 844.


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pecado. Diante desse panorama conceitual no pode faltar a pergunta que surge com

destaque eminente: Em que consistiu o pecado de Ado?

Diversos estudiosos da Palavra de Deus concordam na possibilidade de emitir

conceitos de pecado baseados em proposies lgicas, que permitiriam formar um

conjunto racional e do qual seria possvel chegar a uma definio especfica. H na

realidade dois sistemas ou duas vias que possibilitam encarar o problema: o primeiro,

mediante o conhecimento do significado restrito ou lexicolgico dos termos bblicos

que aparecem nas lnguas originais, hebraico e grego; e o segundo, atravs do

significado semntico ou interpretativo que se concede palavra em questo.

a. Pecado, no hebraico bblico

Nos escritos do Antigo Testamento na lngua hebraica aparecem diversos

vocbulos que mantm uma conotao com a idia de pecado e que com esse

significado ou equivalncia de expresso foi traduzido em outros idiomas. Utilizando

textos que apresentam o significado lexicolgico desses termos, procuraremos dar em

forma sinttica a sinonmia correspondente de cada um desses vocbulos4.

O termo hattat , que aparece 580 vezes no texto do Antigo Testamento, o de

maior frequncia e preferido pelos escritores bblicos. Tem o sentido de errar, errar o

alvo, sair do caminho, tropear, falhar, desviar-se da linha correta. Admite-se tambm

o significado que se d atitude de quem manifesta incapacidade de observar a lei,

desvio da obedincia, onde o ente a merecer tal procedimento Deus ou sua lei.

O vocbulo awn, parece exprimir a idia de falsidade, decepo, vaidade,

envolve tambm a noo de inteno de praticar atos de maldade e, em relao

divindade, adquire o sentido de iniquidade.

A palavra rs tem o significado de culpa. Identifica o mpio ou algum que no

pode estar na presena de Deus. Tambm caracteriza o indivduo que vivencia

4 Para evitar mencionar a referncia de cada um desses termos, e dessa forma cancelar repeties

dispensveis, registramos a referncia das obras consultadas em razo tambm de que cada vocbulo aparece em cada texto na ordem alfabtica. Os textos consultados so: HARRIS, R. L.; ARCHER JR., G. L. & WALTKE, B. K., editores do Dicionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento. So Paulo: Vida Nova, 1998. DAVIDSON, B. The Analytical Hebrew and Chaldee Lexicon. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1979.


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turbulncia mental, sem descanso. Demonstra estado de fraqueza, fora de conjuno,

solto como o mar agitado, com distrbios de toda ordem.

A palavra hebraica sham, que raiz de termos correlatos, tem o sentido

primrio de culpa. Em muitos casos, identifica o indivduo que comete um delito como

culpado, ressaltando um procedimento tico como aparece no livro de Levtico, onde o

pecador considerado uma pessoa culpada. A gravidade do comportamento que

qualifica esse vocbulo est no contexto que considera o culpado como aquele que

comete uma ofensa contra a lei e vista de Deus. Outros autores concedem a esse

termo e seus derivados o sentido de iniquidade, perverso.

No hebraico bblico aparecem outros termos, menos frequentes, os quais,

segundo os lexiclogos, equivalem em sentido ao conceito de pecado. O vocbulo

pasa definido como uma violao premeditada, voluntria, deliberada de uma

norma ou padro. Na sua extenso interpretativa identifica algum que se recusa

submeter-se autoridade legal. O sentido lato da palavra de rebelio ou de revolta

deliberada. E, ao referir-se ao relacionamento com a divindade, expressa um ato de

rebelio contra Deus. Indica tambm uma atitude de quebra de compromisso,

contrato ou acordo.

A palavra shegag, aparece no texto bblico, em forma verbal em 4 ocasies e

como substantivo em outras 19. Seu significado est relacionado ignorncia do

procedimento ou descuido, embora essas atitudes sejam consideradas como

praticadas por negligncia consciente.

O termo que aparece escassamente mencionado no registro bblico iqqes, e

emite um significado de perversidade ou de quem qualificado como perverso. O

perverso, segundo o que esse termo expressa, aquele que mostra desarmonia e falta

de adaptao com as normas estipuladas pela comunidade. tambm perverso quem

no assimila as diretrizes da sabedoria, cujo princpio bsico o temor de Deus.

b. Pecado, no grego bblico

Os autores do Novo Testamento foram prdigos em exprimir termos que

insinuam ou conotam o que pecado. Vrias palavras usadas pelos escritores bblicos


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expressam o conceito de pecado5. Esse conceito que d sentido ou significado s

palavras usadas. Deve-se notar que o grego usado pelos escritores do Novo

Testamento, embora eles sejam de origem judaica, no deixam de refletir a influncia

literria e conceitual da cultura grega. Por essa razo, se observa que vrias palavras

que do significado ao conceito de pecado j foram usadas por autores do classicismo

grego, como Homero, Esquilo, e outros6; mas, concedendo um sentido de erro ou

simples falta.

O vocbulo hamartia o mais generalizado e refere atitude de cometer um

erro, no propsito de atingir o alvo. Refere-se tambm a postura de quem vive em

fracasso. Em um significado mais amplo, esse vocbulo tem a conotao de uma

transgresso contra a moralidade, as leis estabelecidas, os homens ou os deuses.

A palavra adikia um antnimo de justia e etimologicamente significa

carncia de justia, ou injusto. Seu uso mais frequente na rea especfica do mundo

jurdico. Nesse ambiente serve para caracterizar o rebelde contra a ordem

estabelecida. Identifica tambm o fazedor de mal ou inquo.

O termo parabasis (e outros correlatos) diz respeito transgresso das leis

impostas e leis naturais da fraternidade. Assim, o impiedoso comete esse delito

porque no manifesta compaixo para com seus semelhantes e se torna transgressor.

A palavra paraptoma pode simplesmente ser interpretada como dar um passo

em falso. Outro sentido do termo a expresso decair do lado de. O termo

caracteriza tambm quem, seguindo uma rota, chega a perder o caminho. Em

expresso franca e sinttica identifica quem fracassa e, em forma mais geral,

representa quem ofende, vive com lapso moral e se omite de responsabilidades.

O vocbulo anomia, segundo sua raiz etimolgica, representa algum que vive

sem lei, que est na ilegalidade. traduzido como iniquidade, no sentido de rebelio

contra as leis.

5 Tal como fizemos com as palavras que do a conotao de pecado no hebraico bblico, procuramos

tambm extrair a simples significao de termos freqentes no grego do Novo Testamento de textos especializados. As obras consultadas so as seguintes: COENEN, L. & Brown, C. Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 2. So Paulo: Vida Nova, 2000. The Analytical Greek Lexicon, with a Grammatical Analysis of Each Word and Lexicographical Ilustration of the Meanings , publicado por Harper & Brothers, Nova York, s/d; GINGRICH, F. W. Lxico do Novo Testamento Grego / Portugus. So Paulo: Vida Nova, 1984. 6 COENEN, L. & BROWN, C., op cit., v. 2, p. 1603 e 1609.


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Outro termo grego cuja interpretao mais inteligvel conhecendo seu

antnimo asebeia, cuja palavra de significao contraria eusbeia, que significa

piedade. O termo asebeia, se refere a toda manifestao de impiedade, que inclui

tambm atitudes de negligncia e ateno em favor de pessoas em circunstncias de

desfavor.

Uma srie de palavras gregas, s quais os lexiclogos do o sentido de pecado,

aparece com escassa frequncia no texto do Novo Testamento. Mas sua interpretao

primria pode contribuir para a elaborao do conceito geral de pecado. A seguir,

faremos meno de cada uma delas, dando seus significados correspondentes. O

termo ptaio significa tropear, fraquejar. A palavra hettema usada para destacar uma

posio de derrota. O vocbulo hysterema serve para destacar uma falta ou falha de

procedimento. O verbo grego plano denota o procedimento de uma pessoa que

verifica seu erro ao transitar por uma via. Sugere a atitude de desviar-se, enganar-se. O

termo agnoeo etimologicamente significa sem conhecimento. Ou seja, determina

como erro o ato de desconhecer, no entender as normas. A palavra parakoe simples e

claramente refere desobedincia voluntria de uma norma. Finalmente, o vocbulo

grego opheilo, denota uma situao de permanecer baixo uma obrigao peremptria

por causa de delito cometido; estar devendo uma obrigao.

c. Pecado e a interpretao literria

A semntica, como parte da Filologia, trata do significado das palavras e de suas

mudanas no decorrer do tempo e, em relao aos estudos teolgicos, tem

contribudo ao esclarecimento de diversos conceitos principalmente quando estes so

exprimidos atravs de um nico vocbulo bblico. A metodologia utilizada na pesquisa

exegtica ao analisar um verso bblico tem permitido ao pesquisador fazer uso dos

instrumentos lingsticos que o conduzem a uma compreenso mais adequada ao seu

propsito. Em geral, esse mtodo no outro seno o estudo lingustico ou a aplicao

da semntica para atingir uma melhor interpretao das palavras do texto em estudo.

A utilizao desse mtodo muito tem favorecido compreenso dos textos bblicos,

principalmente os de difcil interpretao. Igualmente, sua utilidade se acentua na

elaborao de comentrios e outros trabalhos de pesquisa especfica.


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A interpretao literria ou semntica sobre o conceito de pecado nos escritos

de comentaristas e eruditos da Palavra de Deus fornece uma contribuio plausvel e

de muito valor para o esclarecimento dessa questo. necessrio advertir que, em

geral, essas opinies podem ser separadas segundo a natureza do conceito de pecado.

Ou seja, considerando que pecado no somente um ato, mas tambm um estado da

pessoa humana7.

William Dyrness, ao extrair o conceito de pecado nos escritos dos profetas,

sintetiza da seguinte maneira: para Ams, pecado ingratido; para Osias,

hostilidade interna e averso; para Isaas, autoexaltao; para Jeremias, profunda

falsidade. No entanto, ele mesmo d sua opinio ao respeito, afirmando que pecado

um desvio pessoal e voluntrio de uma norma direcionado contra Deus e contra a

perfeio da Sua natureza manifestada na lei divina8.

Na concepo de Leon Morris, ao dissertar sobre a religio do Antigo

Testamento, assevera que pecado primariamente uma ofensa contra Deus.

Representa uma falha de comportamento segundo as normas estabelecidas por Deus9.

Parecer semelhante o de Johannes B. Bauer ao declarar que pecado ferir e

ofender a Deus10. No muito distante dessa apreciao a definio de J. Blinzler, ao

dizer que pecado uma ofensa contra o legislador e governador moral, fazendo uma

explcita referncia a Deus11.

J. Hering coloca em relevo a tica do procedimento correto que deve ser

extrada das pginas do Livro Sagrado, para poder diferenciar daqueles atos incorretos

ou pecaminosos. Um ato bom aquele que harmoniza com as normas divinas e um

ato oposto a essa regra mau e pecaminoso. O prprio autor projeta essa posio

7 Ver a opinio de William Dyrness, em Themes in Old Testament Theology. Illinois: Intervarsity Press,

1979, p. 107. Ver tambm John M. Fowler, no artigo Sin, em Handbook of Seventh-day Adventist Theology, Commentary Reference Series, v. 12, Hagerstown: Review and Herald Publishing Association, 2000, p. 247. 8 DYRNESS, W., op. cit., p. 107-109.

9 MORRIS, L. Glory in the Cross. A Study in Atonement. Grand Rapids: Baker Book House, 1979, p. 25.

10 BAUER, J. B., op. cit., p. 830.

11 BLINZLER, J., op. cit., p. 847.


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plenitude da personalidade do qual se aceita que uma ao boa produto de um

homem equilibrado e uma ao m, de uma pessoa sem sanidade real12.

John M. Fowler sistematiza diversos conceitos de pecado, os quais so

fundamentados com textos bblicos. Vrios desses conceitos na realidade do uma

definio do que o pecado . E outros tantos registram a consequncia como produto

da transgresso. Para esse autor, pecado uma classe especfica de maldade, uma

atitude errnea contra uma norma; transgresso da lei; manifesta expresso de

orgulho e egosmo; um poder que escraviza o individuo; manifesta indiferena ao

cumprimento do dever; gera poluio13.

O pecado, alm de ser considerado um ato, tambm um estado da

personalidade humana. A pessoa em pecado apresenta um desequilbrio das suas

emoes, dos seus pensamentos, que inibe sua vontade. Ellen G. White, ao tratar

sobre o mistrio da origem do pecado, afirma que foi um desejo de exaltao prpria

que cresceu em Lcifer14, e que o conduziu a manifestar franca rebelio15 contra Deus.

O conceito de pecado como um estado de rebeldia tambm se encontra na exposio

de Fowler, que fundamenta sua afirmao com o texto da declarao do profeta

Daniel ao confessar o pecado do povo como uma rebelio (Dn 9:5) e a prpria

condio do povo de Israel na travessia do deserto (Dt 9:7).16

O estado de rebelio contra Deus implica na quebra do relacionamento divino-

humano, proposto originalmente na criao e concretizado no Jardim do den. Com

base nessa asseverao, R. N. Champlin identifica o pecado como afastamento daquilo

que Deus considera ser a conduta ideal para o homem ideal, exemplificado em Jesus

Cristo17. O estado de pecado como rebelio contra a divindade provoca a separao de

12

HERING, J., sob o tpico:Pecado, em Von Allmen, J. J. Vocabulrio Bblico. So Paulo: ASTE, 2001, p. 434. 13

FOWLER, J. M., op. cit., p. 247-251. 14

WHITE, E. G. Patriarcas e Profetas. Tatu: Casa Publicadora Brasileira, 1990, p. 15. 15

ibidem, p. 21. 16

FOWLER, J. M., op. cit., p. 244. 17

CHAMPLIN, R. N. & BENTES, J. M. Enciclopdia da Bblia Teologia e Filosofia, v. 5. So Paulo: Candeia, 1997, p. 145.


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Deus (Is 59:2), condio humana pela qual a compreenso da necessidade de

reconciliao com Deus18 base ou princpio da salvao.

Essa gama de significados dos termos hebraico e grego, relativos ao sentido de

pecado, e a diversidade de sinnimos admissveis na interpretao desses vocbulos e,

ainda mais, a variedade de juzos declarados com os recursos da semntica,

configuram um ambiente frondoso de conceitos sobre o pecado. Mas a questo que

aflora e ainda permanece : Em que consistiu o pecado de Ado?

Em que consistiu o pecado de Ado

Identificar o pecado de Ado com o ato de comer do fruto proibido no

contribui positivamente para a expectativa de se obter mais revelao e conhecimento

teolgico. De outro modo, harmonizar o ato pecaminoso de Ado com cada um ou

com todos os vocbulos que aparecem nas lnguas originais da Bblia, que do o

sentido de pecado, pode gerar uma concepo generalizada, evitando tratar a

singularidade do caso. Finalmente atribuir ao pecado de Ado qualquer uma das

interpretaes semnticas emitidas ao respeito pode ter utilidade conceitual. Mas

pode tambm ser um desvio da construo teolgica pretendida.

Se existe uma possibilidade de adquirir uma noo do que consistiu o pecado

de Ado aquela sugerida pelo apstolo Paulo, ao estabelecer, na sua Epstola aos

Romanos, o evidente paralelismo entre Ado e Cristo. Paulo, ao fazer esse paralelismo,

procura fortalecer sua argumentao em favor da justia pela f em Cristo. E destaca

alguns efeitos que transcendem da atuao de Ado e de Cristo.

O apstolo Paulo, ao expor sua argumentao sobre o tema pretendido, o faz

mediante frases que evoluem no formato de uma sequncia de silogismos, que devem

conduzir a uma concluso lgica. Paulo declara que ... por um s homem entrou o

pecado no mundo, e pelo pecado, a morte (Rm 5:1). Essa afirmao patenteia o ato

original da introduo do pecado no mundo, que no pode ser outro que o pecado de

18

FORD, D. Right With God, Right Now, How God Save People, As Shown in the Bible. Book of Romans. New Castle: Desmond Ford Publications, 1999, p. 87. Ver tambm: LARONDELLE, H. Christ Our Salvation. What God Does for Us and in Us. Mountain View: Pacific Press Publishing Association, 1980, p. 22.


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Ado. Seguindo o propsito perseguido, o apstolo contrasta o ato pecaminoso de

Ado e seu resultado, com a justia de Cristo, caracterizada por uma existncia

impoluta, pela qual veio a graa, ... que d vida (Rm 5:18).

Ao efetuar seu depoimento sobre a introduo do pecado no mundo, atribuda

a Ado, o autor da Epstola aos Romanos enuncia essa premissa, sustentando que o

pecado de Ado, como qualquer objeto abstrato, tem, na profundidade do seu ser,

uma essncia ou substncia19 que a determina. Fazer meno ao pecado de Ado,

sem dar indcios da sua essncia, seria como fazer referncia aos mares e lagos,

ignorando a essncia que determina a existncia desses objetos, a qual a gua. Sem

gua no existiriam mares nem lagos. Paulo parece estar consciente desse detalhe

necessrio para validar seu pensamento em relao ao pecado de Ado.

a. A essncia do pecado de Ado

O apstolo Paulo, na plenitude do seu raciocnio para chegar ao conhecimento

da substncia da transgresso do primeiro homem, faz uso novamente do recurso da

analogia entre Ado e Cristo, mtodo usual no pensamento grego, para definir a

essncia do pecado de Ado. Desmond Ford destaca a influncia da forma de pensar

dos gregos nas epstolas paulinas. Mas esclarece que, embora a lngua e ideias sejam

gregas, o autor hebreu e impe sua consonncia com os escritos judeus20. Para o

autor da Epstola aos Romanos realar o contraste entre Ado e Cristo meritrio e

possibilita a compreenso do fim da existncia humana, o qual vida ou morte. O

pecado de Ado provoca morte, porm a justia de Cristo promove vida. Assim, sem

mais argumentao, Paulo deixa clara a essncia do pecado de Ado, a qual a

desobedincia. Esse qualificativo se fortalece quando o apstolo o deixa exposto

frontalmente com a atitude de obedincia de Cristo e suas implicaes: Porque,

como, pela desobedincia de um s homem, muitos se tornaram pecadores, assim

tambm, por meio da obedincia de um s, muitos se tornaro justos (Rm 5:19).

19

A palavra pecado um termo que denota apenas uma qualidade do ser humano, mas para ser inteligvel preciso conhecer sua substncia ou essncia. Mais pormenores sobre o significado de Substncia e implicaes sobre a natureza dos seres encontrado em Mora, J. F. Diccionario de Filosofia Abreviado. Texto preparado por Eduardo G. B. & Ezequiel, O. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1974, p. 394-400, sob o tpico Substancia. 20

FORD, D., op. cit., p. 87.


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A sentena positiva que Paulo pronuncia sobre a desobedincia praticada pelo

primeiro homem, confirma a definio da consistncia da transgresso de Ado.

Agora, parece vivel confirmar que o pecado de Ado consiste na desobedincia. A

gravidade dessa ao s possvel compreender quando verificamos que foi uma ao

voluntria, individual, sem efeito de qualquer influncia, nem mesmo a de Satans que

levou Ado a tal ao21. Esse parecer consolida a opinio de que a desobedincia de

Ado a essncia do seu pecado, pois colocou sua vontade acima da vontade de

Deus22.

A desobedincia como ato voluntrio, por si s j seria razo suficiente para

definir a transgresso (Mt 5:28). Mas no caso de Ado a sua falta no ficou s na

expresso da sua vontade, j que teve projees de consumao do ato. Essa era a

considerao que dava o monge britnico Pelgio, quando desenvolveu sua idia

antropolgica do ato de pecar. Para ele todo ato precisa de trs elementos, os quais

so identificados com os vocbulos latinos: posse, poder, velle, vontade, e esse,

execuo. Pelgio ensinava que Ado teve condies para pecar, desenvolveu sua

vontade para essa finalidade e finalmente consumou a transgresso23.

Por outro lado necessrio reconhecer que a desobedincia, como ato

voluntrio do indivduo, no determina nenhum efeito se no estiver indicado o seu

objeto. No caso da desobedincia de Ado, o objeto desse ato a lei de Deus. Ado

desobedeceu a lei divina. A vigncia dessa norma j fora imposta, segundo declarao

de Ellen G. White, mesmo antes da criao do homem24. O conhecimento da lei por

parte de Ado e Eva veio imediatamente aps serem criados: Deus fez conhecer a

eles Sua lei. Ela no foi escrita, porm, foi repetida a eles por Jeov.25 Dyrness

tambm contribui com opinio semelhante ao interpretar a expresso conhecimento

21

FOWLER, J. M., op. cit., p. 242. 22

ibidem , p. 243 23

Pelgio aplicou a condio de Ado a todo ser humano, declarando que o homem peca porque deseja pecar, assim nega a graa salvadora e reduz o sacrifcio de Cristo a um simples exemplo. Shelley, B. L. Church History in Plain Language. Waco: Word Books Publisher, 1983, p. 145,146. Sheldon, H. C. History of the Christian Church The Early Church, v. 1. Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1988, p. 435-437. 24

WHITE, E. G. Christ in His Sanctuary. Mountain View: Pacific Press Publishing Association, 1969, p. 20. 25

ibidem.


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do bem e do mal (Gn 3:5) como sendo conhecimento moral ou aptido para

discriminar o bem do mal,26 o qual se realiza mediante a lei.

b. A Obedincia de Cristo

O paralelismo elaborado pelo apstolo Paulo, entre a experincia de Ado e de

Cristo, contribui para definir a consistncia do pecado de Ado e ainda a revelar sua

essncia, a qual a desobedincia. Talvez, pelos sistemas de estudos teolgicos, a

exegese lingustica, a anlise histrica e literria e outros meios de revelao no seja

possvel compreender plenamente a gravidade do pecado de Ado. Mas, um enfoque

maior sobre a prtica da obedincia de Cristo possibilitar, por contraste, ter uma idia

mais plena do real significado da desobedincia do primeiro homem.

A vinda do Filho de Deus a este mundo estava sujeita ao cumprimento da sua

misso segundo a vontade do Pai: Eis aqui estou para fazer Deus, a tua vontade

(Hb 10:7, 9). O Filho de Deus foi enviado na plenitude do tempo..., nascido de

mulher, num ambiente sujeito ao cumprimento da lei (Gl 4:4). Como homem, devia

aprender a obedincia aos ditados da lei e embora sendo Filho, aprendeu a

obedincia pelas coisas que sofreu (Hb 5:8). A obedincia era o elevado princpio da

sua misso; tinha carter imperativo to necessrio a sua vida como o era o prprio

alimento: A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou (Jo

4:34).

A obedincia de Cristo era total, manifestada em cada dia, cada hora e em cada

circunstncia, tanto no fazer como no falar: ... nada fao por mim mesmo; mas falo

como o Pai me ensinou (Jo 8:28; 12:49). S dessa maneira, com tal sentido de

obedincia, podia ele vencer a tentao e ser o nico sem pecado, o nico santo de

Deus27.

A obedincia de Cristo vontade de Deus um tema da mais alta relevncia

para entender a magnitude do processo da salvao, em contraste com a

profundidade nefasta da desobedincia de Ado. O texto que o apstolo Paulo expe

(Rm 5:19) para comparar a atitude do primeiro Ado com o ltimo Ado, tem maior

26

DYRNESS, W., op. cit. p. 100. 27

BERKOUWER, G. C. The Work of Christ, da srie Studies in Dogmatics. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1980, p. 315.


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significado ao compreender a obedincia de Cristo, cumprindo os requisitos mnimos

impostos ao seu papel redentor, para satisfazer as exigncias da lei. Berkouwer sugere

positivamente que a obedincia de Cristo pode ser vista em duas facetas diferentes:

obedincia ativa e passiva.28 Em Cristo a obedincia ativa est relacionada com sua

misso de proporcionar alivio aos sofredores, alimentar os famintos, renovar a sade

aos incapacitados, devolver a vida aos que jazem extintos, aconselhar os

desamparados, ensinar a doutrina da salvao, orar pelos fracos de f, perdoar o

pecador arrependido. Sua participao franca e extensiva a todos era uma

demonstrao da sua vida de obedincia vontade de Deus.

A obedincia passiva de Cristo est relacionada com o cumprimento da lei,

aceitando ao longo da sua vida o sofrimento e castigo imposto pelo pecado de Ado

como manifestao da ira de Deus. Para o cumprimento dessa forma de obedincia a

si mesmo se humilhou, tornando-se obediente at a morte e morte de cruz (Fp 2:8).

Todo sofrimento na vida de Cristo no foi ocasional, nem ocorrncia acidental. Tudo

estava escrito nas profecias (Is 53:2-10) e revelado na intimidade da sua natureza

divino-humana, pois para Ele h uma relao profunda entre o ouvir e o obedecer.

Cnscio do derradeiro sacrifcio, essa final tarefa a torna pblica diante dos seus

discpulos, como vestgio da sua obedincia passiva ao afirmar: ... eu dou a minha vida

para a reassumir (Jo 10:17). A frequncia imposta por este desgnio se faz patente nas

diferentes formas literrias que Cristo usa, como na metfora onde faz referncia aos

dias em que lhes ser tirado o noivo (Mc 2:20), clara aluso a sua morte; e na

analogia da experincia do profeta Jonas, que d razo para afirmar: Assim, o Filho do

Homem estar trs dias e trs noites no corao da terra (Mt 12:40).

Por outra margem de consideraes possvel ver que o sofrimento de Cristo,

como demonstrao da sua plena obedincia ao plano redentor traado por Deus,

corrobora a essncia da designao ebed Yahveh, servo do Senhor, revelada nos

escritos do profeta Isaas (42:1; 49:3). O servo do Senhor aquele que padece, sofre

e morre para promover a salvao da humanidade. O papel desempenhado nesse

processo da mais alta transcendncia, pois, ocupa o ponto mais exponencial do

significado da obedincia de Cristo ao plano elaborado. A eficincia desse plano

28

ibidem, p. 318-320.


67

depende da obedincia irrestrita do servo do Senhor, que determina as duas mais

importantes operaes da redeno: a primeira, restabelecer a aliana (berith) entre

Deus e Seu povo (Is 42:6 e 49:8), e a segunda, fazer recair o cruento sofrimento da

humanidade sobre o servo do Senhor (Is 53:4,5).

Oscar Cullmann, no seu estudo sobre o ministrio de Cristo, ressalta a relao

que existe no contexto das duas expresses, onde bed a prpria berith, em

pessoa29. Assim mesmo, no se deve ter em menor conta a operao substitutiva do

castigo que devia recair sobre os seres humanos, mas que o Messias aceita sofrer com

passiva obedincia.

O texto explicativo do apstolo (Rm 5:19) fica agora mais elucidativo.

Certamente no inteno do autor contrastar a desobedincia de Ado com a

obedincia de Cristo, fundamentado num nico ato de prova. Essa maneira de pensar

isentaria o ltimo Ado do cumprimento de outras obrigaes da lei. Paulo deseja

impressionar sobre a consistncia do pecado do primeiro homem. Pois a obedincia de

Cristo, manifestada em cada momento do seu ministrio at sua final consumao no

sacrifcio do Calvrio, contrasta vividamente com a desobedincia de Ado.

A extenso do pecado de Ado

A consistncia do pecado de Ado, baseada na declarao textual de Paulo aos

crentes de Roma (Rm 5:12, 19), a desobedincia praticada contra a lei de Deus. A

pr-existncia da lei fundamental como regra ou orientao de vida para o homem,

j que o pecado no levado em conta quando no h lei (Rm 5:13). Essa declarao

paulina se harmoniza plenamente com a definio de pecado dada em uma das

epstolas do apstolo Joo, onde se l que o pecado a transgresso da lei (1Jo 3:4).

Assim, se entende que a imposio da lei anterior a toda criao.

A primria e simples anlise do texto de Joo, em consonncia com seu

correlato encontrado no texto de Paulo, induz a concordar que o pecado de Ado

consistiu na desobedincia do Declogo divino. Assim, a extenso do pecado de Ado

estaria restrita ao processo pecaminoso de desobedincia aos Dez Mandamentos. No

entanto, o paralelismo que Paulo faz entre a desobedincia de Ado com a obedincia

29

CULLMANN, O. Cristologia do Novo Testamento. So Paulo: Liber, 2001, p. 92.


68

de Cristo demonstra uma diferena de atitude das duas pessoas, a qual possibilita

compreender muito mais sobre a lei que foi transgredida. Onde Ado desobedeceu,

Cristo obedeceu. No entanto no se deve desconsiderar que a obedincia de Cristo foi

em todas as circunstncias da sua vida, vivendo em estrita obedincia a todas as leis

impostas por Deus para preservar sua existncia, inclusive o Declogo, desde sua fase

de criana at sua maturidade oferecida em sacrifcio.

A expresso a lei, quando se reconhece como princpio da vida de Cristo, no

pode estar limitada aos Dez Mandamentos, porque Sua vida de obedincia transcende

a todas as leis, sejam naturais, ou as estabelecidas pelas sociedades civis e religiosas.

Ele sabia o que devia fazer em harmonia s leis vigentes. Se assim no fosse, os

inimigos de Cristo teriam razes vrias para acus-lo como transgressor, pois, aquele

que sabe que deve fazer o bem e no o faz nisso est pecando (Tg 4:17).

Desmond Ford lembra que algumas expresses, escritas em grego por autores

judeus, devem ser interpretadas com o significado que a lngua hebraica transmite.

Assim, por exemplo: a palavra muito em hebraico significa os muitos; a palavra

todos significa cada um.30 Enquanto em uma lngua a expresso tem o sentido de

quantidade, em outra lngua adquire o sentido de qualidade ou variedade de espcies

do mesmo objeto. De igual maneira, a palavra a lei aplicada observncia por parte

de Cristo, pode ser interpretada como uma expresso que faz referncia as leis

estabelecidas pela divindade, j que o Filho de Deus veio para cumprir a vontade do

Pai em tudo, com irrepreensvel obedincia, tanto passiva como ativa.

O sentido de pluralidade dado a palavra lei como objeto de prova de

obedincia aparece extensiva s vrias leis vigentes desde a criao de todos os seres

do Universo. Ellen G. White declara que Lcifer justificava sua rebelio propalando que

Deus no era justo ao impor suas leis, exigindo submisso e obedincia de Suas

criaturas.31 A mesma autora faz uma aluso clara s leis fsicas da natureza que

devem ser obedecidas, ao declarar que a harmonia da Criao depende da perfeita

30

FORD, D., op. cit., p. 87, 88. 31

WHITE, E. G. Patriarcas e Profetas, p. 24.


69

conformidade de todos os seres, de todas as coisas, animadas ou inanimadas, com a lei

do Criador.32

A referncia feita harmonia da criao implica na observncia das leis naturais

(fsicas, qumicas, biolgicas) com a mesma acuidade que se deve ter com o Declogo

divino. O descuido ou indiferena mantida na observncia dessas leis pode acarretar

sofrimento e morte. A morte em ltima instncia demonstrao da transgresso da

lei divina; porque o salrio do pecado a morte (Rm 6:23). J. Hering reflete bem esse

pensamento quando assevera que toda ao que se ope preservao da vida

pecado. E faz um adendo, ao afirmar que Deus estabeleceu leis para assegurar a vida

normal do seu povo. Transgredi-las constitui-se em rebelio contra Deus33 e, causa de

facto, da prpria morte.

A morte, como consequncia ou salrio do pecado, pode ser vista em duas

facetas: a primeira, quando atravs dela se esclarece sua origem, a qual no outra

seno o resultado da desobedincia de Ado (Rm 5:12); a segunda, onde se estabelece

a causa ou as diferentes causas da morte, as quais esto relacionadas com a

transgresso das leis naturais impostas por Deus (Rm 6:23). Por ter sido originada na

desobedincia de Ado, todos os homens em forma universal devem sofrer a morte.

Por outro lado, o descuido na observncia das leis naturais ser a causa da morte de

alguns.

Para entender o significado dessas afirmaes e, consequentemente, verificar a

relao da origem e causa da morte, apresentamos alguns detalhes da seguinte

ocorrncia. Uma pessoa com poucos conhecimentos da lei da eletricidade ou agindo

deliberadamente sem as precaues necessrias sofre um choque eltrico violento

que determina uma alterao no seu sistema nervoso e paralisa rgos vitais; pelo

que, inexoravelmente, vem a falecer. Realizando uma interpretao desse incidente,

para destacar a relao da origem e causa da morte, v-se que essa morte teve sua

origem na desobedincia do primeiro homem. Mas a causa dessa morte est na

transgresso das leis fsicas que regem a eletricidade. A mesma interpretao deve ser

aplicada quando ocorre desobedincia s leis alimentares, do descanso fsico, do

32

ibidem, p. 44. 33

HERING, J., op. cit., p. 435.


70

trabalho, do uso de instrumentos ou mquinas, da presso dos gases, da massa fsica,

das reaes de substncias qumicas, da exposio aos raios ultravioletas do sol, da

fora gravitacional, das alteraes de temperatura e presso, do uso de substncias

cidas ou bsicas e de qualquer outro mecanismo ocasional ou acidental que gere

morte fsica. Essa atitude pecado porque causa morte, conforme a sentena

apostlica (Rm 6:23).

Cristo teve uma vida de obedincia a todas as leis estabelecidas por Deus, tanto

as que regem a natureza e as que promovem o relacionamento humano com Deus e

com os semelhantes. Qualquer desacato a uma insignificante disposio divina poderia

ter sido causa de um infeliz ou letal incidente na vida do Redentor. O paralelismo

exposto pelo apstolo Paulo entre Ado e Cristo no permanece restrito ao

cumprimento do Declogo divino, como prova de obedincia a Deus, mas procura

expor a justia alcanada pelo Filho de Deus ao declarar que sua obedincia foi em

tudo. Cristo obedeceu todas as leis, tanto naturais como as morais e, dessa maneira,

mostrou a extenso do pecado de Ado. O prottipo da raa humana, com sua

desobedincia, no somente transgrediu o Declogo divino; a extenso do seu pecado

alcana os limites de todas as leis naturais impostas por Deus.

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Consistencia e Extensão Do Pecado de Adão-Ruben Aguilar