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Constitucionalismo monárquico português Constitucionalismo monárquico português Rupturas e continuidades Rupturas e continuidades A historiografia da Revolução tem-na glorificado como A historiografia da Revolução tem-na glorificado como um acto de ruptura. Ficando, nesse sentido, um acto de ruptura. Ficando, nesse sentido, prisioneira da imagem que a maior parte dos prisioneira da imagem que a maior parte dos revolucionários faziam da própria revolução. revolucionários faziam da própria revolução. Para uma discussão, em geral, do assunto, há bibliografia Para uma discussão, em geral, do assunto, há bibliografia geral: v.g. Spang, Rebecca L. Paradigms and Paranoia: How geral: v.g. Spang, Rebecca L. Paradigms and Paranoia: How modern is the French Revolution? in: modern is the French Revolution? in: The American Historical Review, The American Historical Review, 108 (2003), S. 119-147 108 (2003), S. 119-147 No domínio da história constitucional, tende a No domínio da história constitucional, tende a encarar-se o novo constitucionalismo como algo de encarar-se o novo constitucionalismo como algo de inaugural, sem raízes no Antigo Regime nem inaugural, sem raízes no Antigo Regime nem continuidades de Antigo Regime na leitura das novas continuidades de Antigo Regime na leitura das novas ideias. ideias. A crítica mais original à historiografia constitucional comum foi feita A crítica mais original à historiografia constitucional comum foi feita por Fernando Martinez Perez, "Ley expresa, clara y terminante". Orden por Fernando Martinez Perez, "Ley expresa, clara y terminante". Orden normativo y paradigma jurisdiccional en el primer constitucionalismo normativo y paradigma jurisdiccional en el primer constitucionalismo español", español", Historia constitucional. Revista electronica de historia constitucional Historia constitucional. Revista electronica de historia constitucional , 3(Junho , 3(Junho 2002), http://hc.rediris.es/tres/indice.html (20.11.2004)). 2002), http://hc.rediris.es/tres/indice.html (20.11.2004)).

Constitucionalismo monárquico português Rupturas e continuidades A historiografia da Revolução tem-na glorificado como um acto de ruptura. Ficando, nesse

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Constitucionalismo monárquico portuguêsConstitucionalismo monárquico portuguêsRupturas e continuidadesRupturas e continuidades

A historiografia da Revolução tem-na glorificado como um acto de A historiografia da Revolução tem-na glorificado como um acto de ruptura. Ficando, nesse sentido, prisioneira da imagem que a maior ruptura. Ficando, nesse sentido, prisioneira da imagem que a maior parte dos revolucionários faziam da própria revolução.parte dos revolucionários faziam da própria revolução.

Para uma discussão, em geral, do assunto, há bibliografia geral: v.g. Spang, Rebecca Para uma discussão, em geral, do assunto, há bibliografia geral: v.g. Spang, Rebecca L.   Paradigms and Paranoia: How modern is the French Revolution?   in: L.   Paradigms and Paranoia: How modern is the French Revolution?   in: The The

American Historical Review,American Historical Review, 108 (2003), S. 119-147   108 (2003), S. 119-147          

No domínio da história constitucional, tende a encarar-se o novo No domínio da história constitucional, tende a encarar-se o novo constitucionalismo como algo de inaugural, sem raízes no Antigo constitucionalismo como algo de inaugural, sem raízes no Antigo Regime nem continuidades de Antigo Regime na leitura das novas Regime nem continuidades de Antigo Regime na leitura das novas ideias. ideias.

A crítica mais  original à historiografia constitucional comum foi feita por Fernando Martinez A crítica mais  original à historiografia constitucional comum foi feita por Fernando Martinez Perez, "Ley expresa, clara y terminante". Orden normativo y paradigma jurisdiccional en el primer Perez, "Ley expresa, clara y terminante". Orden normativo y paradigma jurisdiccional en el primer constitucionalismo español", constitucionalismo español", Historia constitucional. Revista electronica de historia constitucionalHistoria constitucional. Revista electronica de historia constitucional , ,

3(Junho 2002), http://hc.rediris.es/tres/indice.html (20.11.2004)).3(Junho 2002), http://hc.rediris.es/tres/indice.html (20.11.2004)).

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Continuidades no constitucionalismo ibéricoContinuidades no constitucionalismo ibérico

Supervivência do conceito anterior de soberania como poder supremo, Supervivência do conceito anterior de soberania como poder supremo, mas não exclusivo (a fórmula preambular da Constituição de 1822);mas não exclusivo (a fórmula preambular da Constituição de 1822);

Supervivência da ideia de auto-regulação dos corpos políticos (como a Supervivência da ideia de auto-regulação dos corpos políticos (como a Igreja, ou a família, cada qual absoluto nos limites das suas atribuições Igreja, ou a família, cada qual absoluto nos limites das suas atribuições [jurisdição]), que a ordem constitucional devia incorporar;[jurisdição]), que a ordem constitucional devia incorporar;

Concepção da legislação, não como um Concepção da legislação, não como um acto de vontadeacto de vontade arbitrária, mas arbitrária, mas como a como a revelaçãorevelação de uma ordem anterior e indisponível, como uma de uma ordem anterior e indisponível, como uma deliberação de tipo "judiciário" (englobando um "conhecimento de deliberação de tipo "judiciário" (englobando um "conhecimento de causa" e um "contraditório“) causa" e um "contraditório“) Assimilação das cortes a um "grande Assimilação das cortes a um "grande conselho" de Antigo Regime, decidindo segundo o mesmo processo de conselho" de Antigo Regime, decidindo segundo o mesmo processo de confronto de "votos“;confronto de "votos“;

Supervivência da ideia de que a tradição (não a natureza) gera Supervivência da ideia de que a tradição (não a natureza) gera situações jurídicas (algumas delas constitucionais, que as novas situações jurídicas (algumas delas constitucionais, que as novas constituições devem reconhecer ou com as quais se devem acomodar) constituições devem reconhecer ou com as quais se devem acomodar) (ex.: continuação da dinastia);(ex.: continuação da dinastia);

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Continuidades no constitucionalismo ibéricoContinuidades no constitucionalismo ibérico

Entendimento das atribuições dos poderes, não como resultado de uma Entendimento das atribuições dos poderes, não como resultado de uma definição apriorística, baseada na natureza do Estado - como grande sujeito que definição apriorística, baseada na natureza do Estado - como grande sujeito que "quer", "executa" e "delibera" -, mas como resultado de uma distribuição "quer", "executa" e "delibera" -, mas como resultado de uma distribuição histórico-concreta de competências;histórico-concreta de competências;

Supervivência da ideia de que a manutenção da constituição está, sobretudo, Supervivência da ideia de que a manutenção da constituição está, sobretudo, na reserva das jurisdições, quer das pré-constitucionais, quer das dos novos na reserva das jurisdições, quer das pré-constitucionais, quer das dos novos "poderes” ("poderes” (monarquia limitadamonarquia limitada), garantida por um sistema de contrapesos e de ), garantida por um sistema de contrapesos e de controlos (controlos (checks and balanceschecks and balances, como na Constituição inglesa);, como na Constituição inglesa);

Supervivência da ideia de que qualquer acto do poder pressupõe o acertamento Supervivência da ideia de que qualquer acto do poder pressupõe o acertamento prévio dos direitos envolvidos, pelo que a administração não se pode fazer sem prévio dos direitos envolvidos, pelo que a administração não se pode fazer sem um momento jurisdicional;um momento jurisdicional;

Identificação dos direitos particulares (não necessariamente individuais) com Identificação dos direitos particulares (não necessariamente individuais) com direitos historicamente radicados (adquiridos por uso, por concessão, geral ou direitos historicamente radicados (adquiridos por uso, por concessão, geral ou particular), e não abstractamente naturais particular), e não abstractamente naturais Daí que os direitos não sejam Daí que os direitos não sejam absolutamente invioláveis, mas violáveis desde que se observasse o processo absolutamente invioláveis, mas violáveis desde que se observasse o processo juridicamente devido (de acordo com a natureza da sua génese e, por isso, não juridicamente devido (de acordo com a natureza da sua génese e, por isso, não necessariamente jurisdicional). necessariamente jurisdicional).

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História da Revolução de 1820 e da Constituição de 1822 História da Revolução de 1820 e da Constituição de 1822

24 de Agosto de 1824.24 de Agosto de 1824.

Um movimento militar proclama a Junta de Governo do Porto, encarregada de Um movimento militar proclama a Junta de Governo do Porto, encarregada de convocar Cortes para se fazer uma constituição que, mantendo a religião e a convocar Cortes para se fazer uma constituição que, mantendo a religião e a dinastia, remediasse os males do Reino. dinastia, remediasse os males do Reino.

O governo acede (Instruções de 31.10), sendo obrigado por um pronunciamento O governo acede (Instruções de 31.10), sendo obrigado por um pronunciamento militar a adoptar um sistema directo de sufrágio, igual ao da Constituição de militar a adoptar um sistema directo de sufrágio, igual ao da Constituição de Cadiz (arts. 27 a 103; Instruções de 22.11). Cadiz (arts. 27 a 103; Instruções de 22.11).

As eleições tiveram lugar em Dezembro de 1820 (no ultramar, prolongaram-se As eleições tiveram lugar em Dezembro de 1820 (no ultramar, prolongaram-se até inícios de 1822). até inícios de 1822).

O Projecto de Bases da Constituição (1821) é apresentado como resultado da O Projecto de Bases da Constituição (1821) é apresentado como resultado da reflexão sobre o antigo direito público português, mais do que sobre teorias reflexão sobre o antigo direito público português, mais do que sobre teorias políticas modernas. políticas modernas.

A nova Constituição como “regeneração" da memória da constituição A nova Constituição como “regeneração" da memória da constituição tradicional.tradicional.

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A Nação aparece como a entidade titular exclusiva da soberania A Nação aparece como a entidade titular exclusiva da soberania

A Nação como "a união de todos os portugueses" (art. 20).A Nação como "a união de todos os portugueses" (art. 20). ““Nação” e “Povo”.Nação” e “Povo”. A oposição entre liberdade dos antigos, caracterizada pela "participação política" dos A oposição entre liberdade dos antigos, caracterizada pela "participação política" dos

"cidadãos activos", e a liberdade dos modernos, caracterizada pela garantia de não "cidadãos activos", e a liberdade dos modernos, caracterizada pela garantia de não intromissão do Estado na esfera dos direitos individuais (Benjamin Constant, 1819)intromissão do Estado na esfera dos direitos individuais (Benjamin Constant, 1819)

desvaloriza a participação política universal. desvaloriza a participação política universal.

Excluem-se do voto: Excluem-se do voto:

(i) os menores de 25 anos (ou, se casados, de 2 anos; (i) os menores de 25 anos (ou, se casados, de 2 anos; (ii) as mulheres; (ii) as mulheres; (iii) os sujeitos ao pátrio poder, como as filhos-família, independentemente da idade, a (iii) os sujeitos ao pátrio poder, como as filhos-família, independentemente da idade, a

menos que exercessem ofícios públicos; menos que exercessem ofícios públicos; (iv) os criados de servir que não vivam em casa separada dos patrões (art. 33, II e III); (iv) os criados de servir que não vivam em casa separada dos patrões (art. 33, II e III); (v) os submetidos à autoridade religiosa regular, i.e., os que vivam em comunidades (v) os submetidos à autoridade religiosa regular, i.e., os que vivam em comunidades

monásticas;monásticas; (vi) os socialmente inúteis, que nada aportavam à república, como os vadios (art. 33, IV); (vi) os socialmente inúteis, que nada aportavam à república, como os vadios (art. 33, IV);

aos quais se acrescentariam, no futuro, os analfabetos adultos (art. 33, VI). aos quais se acrescentariam, no futuro, os analfabetos adultos (art. 33, VI).

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Fontes da Constituição de 1822Fontes da Constituição de 1822

Carta constitucional francesa de 1814Carta constitucional francesa de 1814

Constituição espanhola de 1812 (Constituição de Cadiz). Constituição espanhola de 1812 (Constituição de Cadiz).

Bases da Constituição (1821)Bases da Constituição (1821)

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A Nação aparece como a entidade titular exclusiva da soberania A Nação aparece como a entidade titular exclusiva da soberania

Do lado dos que podiam ser eleitos, as restrições ainda eram maiores. Do lado dos que podiam ser eleitos, as restrições ainda eram maiores.

Exige-se renda suficiente, Exige-se renda suficiente,

excluem-se aqueles cujas inclinações naturais (falta de senso, excluem-se aqueles cujas inclinações naturais (falta de senso, irresponsabilidade) ou vinculações sociais podem importar irresponsabilidade) ou vinculações sociais podem importar diminuição da liberdade de opinião: os falidos, os que servem diminuição da liberdade de opinião: os falidos, os que servem empregos da Casa Real, os libertos. empregos da Casa Real, os libertos.

Excluem-se os estrangeiros, ainda que naturalizados, pela Excluem-se os estrangeiros, ainda que naturalizados, pela presumível falta daquele amor à pátria, como coisa orgânica, que só presumível falta daquele amor à pátria, como coisa orgânica, que só os naturais de origem podem ter. os naturais de origem podem ter.

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Liberdade Liberdade

Como dependência exclusiva da lei (liberdade republicana);Como dependência exclusiva da lei (liberdade republicana);

Como resistência (liberdade "liberal" ou "dos modernos");Como resistência (liberdade "liberal" ou "dos modernos");

Como participação (liberdade "dos antigos") Como participação (liberdade "dos antigos")

Repercussão sobre a relação entre “lei” e “direitos”;Repercussão sobre a relação entre “lei” e “direitos”;

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SoberaniaSoberania

Consiste no facto de:Consiste no facto de:

a Nação não ser património de ninguém, a Nação não ser património de ninguém,

em só poder ser representada politicamente pelos seus em só poder ser representada politicamente pelos seus representantes eleitos representantes eleitos

e em ter o exclusivo do poder constituinte e legislativo (cf. arts. 26 e e em ter o exclusivo do poder constituinte e legislativo (cf. arts. 26 e 27)27)

A soberania manifesta-se, antes de tudo, no primado da lei, como A soberania manifesta-se, antes de tudo, no primado da lei, como expressão da autodeterminação da Nação (cf. art. 104: "Lei é a expressão da autodeterminação da Nação (cf. art. 104: "Lei é a vontade dos cidadãos declarada pela unanimidade ou pluralidade vontade dos cidadãos declarada pela unanimidade ou pluralidade dos votos dos seus representantes juntos em Cortes, precedendo dos votos dos seus representantes juntos em Cortes, precedendo discussão pública"). discussão pública").

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Lei e direitoLei e direito

Os representantes eleitos da Nação têm o exclusivo da legislação (arts. Os representantes eleitos da Nação têm o exclusivo da legislação (arts. 27, 102, 105, 110). 27, 102, 105, 110).

Embora não de fixar o direito. De facto, a Constituição não definia as Embora não de fixar o direito. De facto, a Constituição não definia as fontes de direito, deixando esta atribuição livre nas mãos dos juizes. fontes de direito, deixando esta atribuição livre nas mãos dos juizes.

Em Portugal, o conglomerado de ordens normativas que constituíam o Em Portugal, o conglomerado de ordens normativas que constituíam o direito estava definido na Lei da Boa Razão, de 18.8.1769. direito estava definido na Lei da Boa Razão, de 18.8.1769.

Porém, como esta era imprecisa na identificação concreta das fontes Porém, como esta era imprecisa na identificação concreta das fontes direito, a definição destas era feita quase livremente pela doutrina ou, direito, a definição destas era feita quase livremente pela doutrina ou, caso a caso, pelos julgadores. caso a caso, pelos julgadores.

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Manifestações do primado da leiManifestações do primado da lei

Vinculação de todos os poderes, agentes e actividades do Estado em Vinculação de todos os poderes, agentes e actividades do Estado em relação à lei:relação à lei:

o o poder executivopoder executivo tem como finalidade "fazer executar as leis" (art. 122); tem como finalidade "fazer executar as leis" (art. 122);

os os impostosimpostos não são obrigatórios se não tiverem sido votados em cortes não são obrigatórios se não tiverem sido votados em cortes (arts. 224, 234); (arts. 224, 234);

os os funcionáriosfuncionários não são proprietários dos seus ofícios (art. 13), não são proprietários dos seus ofícios (art. 13), respondendo pelas violações da constituição e das leis (art. 14); respondendo pelas violações da constituição e das leis (art. 14);

as as câmarascâmaras estão devem obediência às leis nas matérias de governo estão devem obediência às leis nas matérias de governo administrativo e económico (arts. 216, 218);administrativo e económico (arts. 216, 218);

os os direitos individuaisdireitos individuais são reconhecidos, “nos limites da lei”. são reconhecidos, “nos limites da lei”.

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Igualdade perante a lei (art. 9)Igualdade perante a lei (art. 9)

Por ora, ainda não se declaram contrários à Constituição outros Por ora, ainda não se declaram contrários à Constituição outros aspectos da desigualdade própria da sociedade de ordens:aspectos da desigualdade própria da sociedade de ordens:

como os direitos senhoriais;como os direitos senhoriais;

a desigualdade dos sexos;a desigualdade dos sexos;

a relevância legal da religião;a relevância legal da religião;

os títulos nobiliárquicos, a escravatura). os títulos nobiliárquicos, a escravatura).

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Divisão de poderes Divisão de poderes

Carácter funcional à defesa da liberdade.Carácter funcional à defesa da liberdade.

Consistindo a liberdade na "exacta observância das leis" (art. 2), a Consistindo a liberdade na "exacta observância das leis" (art. 2), a questão da divisão de poderes - que a doutrina constitucional com questão da divisão de poderes - que a doutrina constitucional com origem em Montesquieu e na experiência constitucional inglesa origem em Montesquieu e na experiência constitucional inglesa considerara como pedra de toque do constitucionalismo moderno considerara como pedra de toque do constitucionalismo moderno - passa necessariamente para um segundo plano.- passa necessariamente para um segundo plano.

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Poder legislativoPoder legislativo

Uma única câmara, eleita de acordo com o sistema eleitoral já descrito Uma única câmara, eleita de acordo com o sistema eleitoral já descrito (arts. 32 ss.). (arts. 32 ss.).

As legislaturas duravam dois anos (art. 41), com sessões anuais de três As legislaturas duravam dois anos (art. 41), com sessões anuais de três meses (art. 83). meses (art. 83).

Cada deputado representava toda a Nação (art. 94). Cada deputado representava toda a Nação (art. 94).

As atribuições essenciais das Cortes eram as legislativas (a iniciativa, As atribuições essenciais das Cortes eram as legislativas (a iniciativa, discussão e votação das leis, sua interpretação e revogação; o controlo discussão e votação das leis, sua interpretação e revogação; o controlo da observância da Constituição e das leis)da observância da Constituição e das leis)

Mas também de governo: a promoção do bem geral da Nação; a Mas também de governo: a promoção do bem geral da Nação; a fixação anual dos efectivos militares; a fixação anual dos impostos e as fixação anual dos efectivos militares; a fixação anual dos impostos e as despesas públicas; a criação e supressão de empregos públicos, bem despesas públicas; a criação e supressão de empregos públicos, bem como a fixação dos respectivos ordenados; a avaliação da como a fixação dos respectivos ordenados; a avaliação da responsabilidade (política, criminal e cível) dos secretários de Estado e responsabilidade (política, criminal e cível) dos secretários de Estado e demais funcionários (arts. 102 e 103 e ss.). demais funcionários (arts. 102 e 103 e ss.).

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Poder executivoPoder executivo

O poder executivo (residual ...) residia no rei e tinha como atribuições O poder executivo (residual ...) residia no rei e tinha como atribuições gerais "fazer executar as leis; expedir os decretos, instruções e gerais "fazer executar as leis; expedir os decretos, instruções e regulamentos adequados a esse fim e prover tudo o que for regulamentos adequados a esse fim e prover tudo o que for concernente à segurança interna a externa do Estado, na forma da concernente à segurança interna a externa do Estado, na forma da Constituição" (art. 122).Constituição" (art. 122).

Esta fórmula genérica concedia ao executivo um âmbito muito vasto de Esta fórmula genérica concedia ao executivo um âmbito muito vasto de atribuições, em parte concorrente com algumas das atribuições atribuições, em parte concorrente com algumas das atribuições confiadas ao Legislativo;confiadas ao Legislativo;

Os resíduos da Os resíduos da royal prerogative royal prerogative ou do ou do princípio monárquicoprincípio monárquico..

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Poder judicialPoder judicial

A Constituição revela, nesta matéria, uma tensão entre dois pólos. A Constituição revela, nesta matéria, uma tensão entre dois pólos.

Por um lado, o de garantir a independência dos tribunais, que Por um lado, o de garantir a independência dos tribunais, que corresponde à ideia do seu papel central na defesa do sistema corresponde à ideia do seu papel central na defesa do sistema constitucional e na defesa pública, imparcial e neutra dos direitos dos constitucional e na defesa pública, imparcial e neutra dos direitos dos cidadãos.cidadãos.

Mas, por outro lado, a Constituição coloca os juizes e oficiais de justiça Mas, por outro lado, a Constituição coloca os juizes e oficiais de justiça sob estrita vigilância, quanto a abusos e prevaricações, o que sob estrita vigilância, quanto a abusos e prevaricações, o que corresponde à imagem popular de uma justiça arbitrária, corrupta e corresponde à imagem popular de uma justiça arbitrária, corrupta e corporativa.corporativa.

Medidas suplementares visavam aumentar a confiança popular na Medidas suplementares visavam aumentar a confiança popular na justiça. Uma delas era o júri eleito (cf. art. 178), julgando sobre a justiça. Uma delas era o júri eleito (cf. art. 178), julgando sobre a matéria de facto, previsto, tanto para as causas criminais - expressa e matéria de facto, previsto, tanto para as causas criminais - expressa e especialmente referida é a sua intervenção no julgamento dos delitos especialmente referida é a sua intervenção no julgamento dos delitos de abuso da liberdade de imprensa -, como para as cíveis. de abuso da liberdade de imprensa -, como para as cíveis.

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Carta Constitucional (1826). História da CartaCarta Constitucional (1826). História da Carta

A Carta constitucional esteve em vigor durante 84 anos, até ao fim da A Carta constitucional esteve em vigor durante 84 anos, até ao fim da monarquia, embora com monarquia, embora com lapsoslapsos: : insurreição miguelista (13.03.1828-26.05.1834);insurreição miguelista (13.03.1828-26.05.1834); reposição em vigor da Constituição de 1822, depois da Revolução reposição em vigor da Constituição de 1822, depois da Revolução

de Setembro (10.9.1836-4.4.1838de Setembro (10.9.1836-4.4.1838 vigência da Constituição de 1838 (4.4.1838-27.1.1842).vigência da Constituição de 1838 (4.4.1838-27.1.1842).

e e modificaçõesmodificações, que resultaram das várias revisões constitucionais que , que resultaram das várias revisões constitucionais que originaram outros tantos actos adicionais originaram outros tantos actos adicionais 05-07-1852, 05-07-1852, 24-07-1885, 24-07-1885, 03-04-1896, 03-04-1896, 23-12-1907. 23-12-1907.

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Fontes da Carta ConstituconalFontes da Carta Constituconal

A Carta constitucional é promulgada sob o impacto filosofia política A Carta constitucional é promulgada sob o impacto filosofia política liberal-aristocrática de Benjamin Constant e de François Guizot. liberal-aristocrática de Benjamin Constant e de François Guizot.

Nela se mantém a generalização da cidadania a todos os nacionais Nela se mantém a generalização da cidadania a todos os nacionais (agora entendidos como todos os nascidos em território português, do (agora entendidos como todos os nascidos em território português, do Reino ou dos seus domínios (arts. 1 e 7) (o que incluiria, Reino ou dos seus domínios (arts. 1 e 7) (o que incluiria, nomeadamente, as populações não europeias das colónias). nomeadamente, as populações não europeias das colónias).

No entanto, esta generalização corresponde apenas à generalização da No entanto, esta generalização corresponde apenas à generalização da capacidade de gozo dos direitos civis, cuja base a Carta define como capacidade de gozo dos direitos civis, cuja base a Carta define como sendo "a liberdade, a segurança individual e a propriedade" e que sendo "a liberdade, a segurança individual e a propriedade" e que garante a todos os cidadãos (art. 145). garante a todos os cidadãos (art. 145).

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A cidadaniaA cidadania

Porém, já ao tratar dos direitos de participação política, a Carta - Porém, já ao tratar dos direitos de participação política, a Carta - assume implicitamente a distinção de B. Constant entre cidadãos assume implicitamente a distinção de B. Constant entre cidadãos activos e cidadãos passivos.activos e cidadãos passivos.

Apenas reconhece direitos políticos (pelo menos na sua vertente de Apenas reconhece direitos políticos (pelo menos na sua vertente de direitos eleitorais, cf. artº 63) - a alguns:direitos eleitorais, cf. artº 63) - a alguns:

nomeadamente em função da sua renda (Cf. arts. 65 a 68 (de nomeadamente em função da sua renda (Cf. arts. 65 a 68 (de 100$00 para ser eleitor a 400$00 para ser elegível como deputado). 100$00 para ser eleitor a 400$00 para ser elegível como deputado).

O sufrágio indirecto, consagrado nestes artigos da Carta (só substituído O sufrágio indirecto, consagrado nestes artigos da Carta (só substituído pelo sufrágio directo pelo Acto adicional de 1852) era outro meio de pelo sufrágio directo pelo Acto adicional de 1852) era outro meio de "filtrar" a vontade dos menos capazes pela mediação dos mais "filtrar" a vontade dos menos capazes pela mediação dos mais capazes.capazes.

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Os direitos e a Constituição.Os direitos e a Constituição.

No seu último artigo, a Carta No seu último artigo, a Carta garante os direitos civis e políticosgarante os direitos civis e políticos: :

"Art. 145 - A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos "Art. 145 - A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses, que têm por base a liberdade, a segurança individual e a Portugueses, que têm por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira propriedade, é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira seguinte". seguinte".

Concepção de direitos Concepção de direitos próxima do modelo liberal da Europa continentalpróxima do modelo liberal da Europa continental

Os direitos são Os direitos são garantidos, e não criadosgarantidos, e não criados pela Constituição ("têm por base pela Constituição ("têm por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade". a liberdade, a segurança individual e a propriedade".

São os direitos da sociedade naturalSão os direitos da sociedade natural, fundados na própria natureza do , fundados na própria natureza do homem, mas tutelados, agora, pela sociedade civil.homem, mas tutelados, agora, pela sociedade civil.

Esta tutela legal é dada, ao mesmo tempo, pela Constituição e pelas leis Esta tutela legal é dada, ao mesmo tempo, pela Constituição e pelas leis ordinárias, designadamente pelas leis civis e pelas leis penais.ordinárias, designadamente pelas leis civis e pelas leis penais.

"Art. 145 - A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos "Art. 145 - A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a Portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade,propriedade, é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira seguinteseguinte: [...]".: [...]".

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A garantia de direitosA garantia de direitos

O primeiro dos meios de garantia de direitos era - na continuação do O primeiro dos meios de garantia de direitos era - na continuação do direito de Antigo Regime - direito de Antigo Regime - a garantia, em relação ao Estado, das a garantia, em relação ao Estado, das esferas jurídicas dos particulares protegidas pelo direitoesferas jurídicas dos particulares protegidas pelo direito (pelas (pelas leis), assegurando a sua intangibilidade ou, pelo menos, o dever de leis), assegurando a sua intangibilidade ou, pelo menos, o dever de indemnizar por parte dos poderes públicos que as ofendam. indemnizar por parte dos poderes públicos que as ofendam.

Quanto ao âmbito (aos actos administrativos recorríveis e ao Quanto ao âmbito (aos actos administrativos recorríveis e ao fundamento e resultado do recurso), fundamento e resultado do recurso), o recurso contencioso contra o recurso contencioso contra actos da administração era, apenas, um contencioso "de actos da administração era, apenas, um contencioso "de legalidade",legalidade", escapando-lhe o domínio dos actos do poder que, ofendendo escapando-lhe o domínio dos actos do poder que, ofendendo

direitos, não pudessem ser arguidos de ilegalidade, ou seja, que se direitos, não pudessem ser arguidos de ilegalidade, ou seja, que se situassem no domínio das opções politicas ("poder discricionário da situassem no domínio das opções politicas ("poder discricionário da administração"). administração").

E, por outro lado, o recurso produziria apenas a anulação do acto E, por outro lado, o recurso produziria apenas a anulação do acto administrativo recorrido, e nunca a sua substituição por um outro administrativo recorrido, e nunca a sua substituição por um outro correspondente à legalidade (ou seja, tratava-se de um recurso de correspondente à legalidade (ou seja, tratava-se de um recurso de mera anulação). mera anulação).

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A garantia da legalidadeA garantia da legalidade

Numa primeira fase (Decreto nº 23, 1832), a possibilidade de apelo reduzia-se aos actos Numa primeira fase (Decreto nº 23, 1832), a possibilidade de apelo reduzia-se aos actos administrativos administrativos lesivos de direitos patrimoniaislesivos de direitos patrimoniais..

Em 1835 (CL 35.4), as questões contenciosas (relativas, portanto a ofensas de direitos Em 1835 (CL 35.4), as questões contenciosas (relativas, portanto a ofensas de direitos pela administração) pela administração) são devolvidas aos tribunais comunssão devolvidas aos tribunais comuns, solução que se mantém com , solução que se mantém com o Código Administrativo de 1836.o Código Administrativo de 1836.

O Código Administrativo cabralista de 1842 O Código Administrativo cabralista de 1842 organizou de novo tribunais organizou de novo tribunais administrativosadministrativos para conhecer dos recursos dos actos da administração; para conhecer dos recursos dos actos da administração; embora agora embora agora com fundamento em qualquer tipo de ilegalidadecom fundamento em qualquer tipo de ilegalidade, mesmo que não se ofendessem , mesmo que não se ofendessem direitos patrimoniais. direitos patrimoniais.

Em 1870, o Conselho de Estado político separou-se do administrativo, dando-se a este o Em 1870, o Conselho de Estado político separou-se do administrativo, dando-se a este o nome de Supremo Tribunal Administrativo.nome de Supremo Tribunal Administrativo.

Esta tibieza no reconhecimento de direitos dos cidadãos contra o Estado e na Esta tibieza no reconhecimento de direitos dos cidadãos contra o Estado e na institucionalização de meios de os tornar efectivos era o produto de uma longa tradição. institucionalização de meios de os tornar efectivos era o produto de uma longa tradição.

Não tanto a tradição do direito comum do Antigo RegimeNão tanto a tradição do direito comum do Antigo Regime. Mas, sobretudo, . Mas, sobretudo, a tradição a tradição combinada do absolutismo monárquico setecentista (e, mesmo, oitocentista) e do combinada do absolutismo monárquico setecentista (e, mesmo, oitocentista) e do jacobinismo revolucionáriojacobinismo revolucionário. Perante o interesse público - fosse ele representado pelo . Perante o interesse público - fosse ele representado pelo rei ou pelo parlamento - o indivíduo poucos direitos teria. rei ou pelo parlamento - o indivíduo poucos direitos teria.

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A garantia da constitucionalidade. Fundamentos A garantia da constitucionalidade. Fundamentos

O princípio mais comumente aceite era o de que o poder estava O princípio mais comumente aceite era o de que o poder estava limitado pela Constituição: limitado pela Constituição:

A Carta tinha sido outorgada pelo rei, como representante da Nação (cf. A Carta tinha sido outorgada pelo rei, como representante da Nação (cf. art. 12), nele residindo o poder constituinte originário e o dever primeiro art. 12), nele residindo o poder constituinte originário e o dever primeiro de "observar e fazer observar a Constituição" (art. 76). de "observar e fazer observar a Constituição" (art. 76).

Daí que: Daí que: (i) (i) as cortes não pudessem alterar a constituição sem o acordo do as cortes não pudessem alterar a constituição sem o acordo do

reirei, que devia sempre sancionar as reformas constitucionais, , que devia sempre sancionar as reformas constitucionais,

(ii) que (ii) que a necessidade de sanção real das leis constituísse a a necessidade de sanção real das leis constituísse a primeira defesa em relação à omnipotência do legislativoprimeira defesa em relação à omnipotência do legislativo. .

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A garantia da constitucionalidade. Argumentos literais.A garantia da constitucionalidade. Argumentos literais.

(i) o art. 140, ao estabelecer um processo legislativo especial para (i) o art. 140, ao estabelecer um processo legislativo especial para alterar as matérias constitucionais da Carta, alterar as matérias constitucionais da Carta, implicitamente separava implicitamente separava o poder constituinte do poder legislativo ordinárioo poder constituinte do poder legislativo ordinário, retirando a este , retirando a este último a faculdade de emitir leis anti-constitucionais;último a faculdade de emitir leis anti-constitucionais;

(ii) o art. 139 dispunha que "as cortes gerais no princípio das suas (ii) o art. 139 dispunha que "as cortes gerais no princípio das suas sessões examinarão se a Constituição do Reino tem sido exactamente sessões examinarão se a Constituição do Reino tem sido exactamente observada, para prover como for justo"; observada, para prover como for justo";

(iii) as autoridades e titulares de cargos públicos tinham que jurar (iii) as autoridades e titulares de cargos públicos tinham que jurar "cumprir e fazer cumprir a Constituição"; "cumprir e fazer cumprir a Constituição";

(iv) todo o Cidadão podia "apresentar por escrito ao Poder Legislativo, e (iv) todo o Cidadão podia "apresentar por escrito ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer ao Executivo reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a autoridade a efectiva infracção da Constituição, requerendo perante a autoridade a efectiva responsabilidade dos infractores" (art. 145, § 28)responsabilidade dos infractores" (art. 145, § 28)

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A questão especial da inconstitucionalidade das leisA questão especial da inconstitucionalidade das leis

Podia dizer-se que Podia dizer-se que uma decisão das cortes que obtivesse maioria uma decisão das cortes que obtivesse maioria parlamentar e sanção real tinha passado por dois crivos de parlamentar e sanção real tinha passado por dois crivos de apreciação da sua constitucionalidadeapreciação da sua constitucionalidade, ambos eles revestidos da , ambos eles revestidos da dignidade de representantes da Nação (as cortes e o rei). dignidade de representantes da Nação (as cortes e o rei).

Como Como o rei detinha também o poder moderadoro rei detinha também o poder moderador, "chave de toda a , "chave de toda a organização política", a quem competia velar "incessantemente sobre a organização política", a quem competia velar "incessantemente sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos", e que a sanção das leis era uma atribuição deste poder (e políticos", e que a sanção das leis era uma atribuição deste poder (e não do executivo, cf. art. 74, § 3), a firmeza das leis aprovadas pelo rei não do executivo, cf. art. 74, § 3), a firmeza das leis aprovadas pelo rei ainda ficava mais reforçada.ainda ficava mais reforçada.

Percebe-se, portanto, que se manifestasse uma resistência séria em Percebe-se, portanto, que se manifestasse uma resistência séria em admitir que outro órgão de soberania - nomeadamente, os tribunais - admitir que outro órgão de soberania - nomeadamente, os tribunais - pudessem invalidar ou desaplicar por inconstitucional um acto pudessem invalidar ou desaplicar por inconstitucional um acto legislativo legislativo     O único controlo do legislativo seria, portanto, O único controlo do legislativo seria, portanto, políticopolítico. .

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As garantias institucionais da constitucionalidadeAs garantias institucionais da constitucionalidade

Desde os anos '30 que alguma jurisprudência e alguma doutrina Desde os anos '30 que alguma jurisprudência e alguma doutrina propunham um controle judicial difuso da constitucionalidade.propunham um controle judicial difuso da constitucionalidade.

Isto não representava nenhuma inovação em relação aos sistema de Isto não representava nenhuma inovação em relação aos sistema de controlo da legitimidade das leis e dos actos de poder em vigor no controlo da legitimidade das leis e dos actos de poder em vigor no Antigo Regime. Antigo Regime.

Os argumentos doutrinais:Os argumentos doutrinais: Os juízes, como todas as autoridades públicas, tinham jurado - no Os juízes, como todas as autoridades públicas, tinham jurado - no

acto de posse "cumprir, e fazer cumprir" a Carta e, por isso, não acto de posse "cumprir, e fazer cumprir" a Carta e, por isso, não deviam poder aplicar legislação que a contrariasse, do ponto de deviam poder aplicar legislação que a contrariasse, do ponto de vista material, orgânico ou formal.vista material, orgânico ou formal.

A jurisprudência variou, sendo difícil avaliar a orientação dominante na A jurisprudência variou, sendo difícil avaliar a orientação dominante na prática judicial quotidiana: se (i) o acatamento da lei inconstitucional, se prática judicial quotidiana: se (i) o acatamento da lei inconstitucional, se (ii) a sua desaplicação, por contrariar a constituição (desde logo a (ii) a sua desaplicação, por contrariar a constituição (desde logo a constituição formal, mas também a constituição material).constituição formal, mas também a constituição material).

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A divisão de poderesA divisão de poderes

A Carta foi uma das poucas constituições oitocentistas que se A Carta foi uma das poucas constituições oitocentistas que se afastou da clássica tripartição de poderes. afastou da clássica tripartição de poderes.

Partindo do princípio de que "a divisão e harmonia dos Poderes Partindo do princípio de que "a divisão e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o Políticos é o princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efectivas as garantias" (art. 10), mais seguro meio de fazer efectivas as garantias" (art. 10),

a Carta estabelece quatro poderes (o legislativo, o moderador, o a Carta estabelece quatro poderes (o legislativo, o moderador, o executivo e o judicial), executivo e o judicial),

dos quais um (o moderador) é definido como "a chave de toda a dos quais um (o moderador) é definido como "a chave de toda a organização política" (art. 71) organização política" (art. 71)

todos menos um (o judicial) estão nas mãos dos "representantes todos menos um (o judicial) estão nas mãos dos "representantes da Nação portuguesa" ("o rei e as cortes gerais", art. 12).da Nação portuguesa" ("o rei e as cortes gerais", art. 12).

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O poder moderador. CompetênciasO poder moderador. Competências

No sistema da Carta (art. 74), as atribuições do poder moderador são: No sistema da Carta (art. 74), as atribuições do poder moderador são:

a nomeação de pares sem número fixo; a nomeação de pares sem número fixo; a convocação extraordinária das cortes "quando assim o pede o a convocação extraordinária das cortes "quando assim o pede o

Bem do Reino", Bem do Reino", a sua prorrogação, adiamento ou dissolução; a sua prorrogação, adiamento ou dissolução; a sanção dos decretos das cortes, para que tenham força de Lei; a sanção dos decretos das cortes, para que tenham força de Lei; a livre nomeação e demissão dos ministros; a livre nomeação e demissão dos ministros; o perdão de penas e a amnistia.o perdão de penas e a amnistia.

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Poder moderador. CríticasPoder moderador. Críticas

No entanto, esta hegemonia do poder moderador supunha o prestígio da No entanto, esta hegemonia do poder moderador supunha o prestígio da instituição real.instituição real.

Na sua falta, surgem críticas de natureza teóricaNa sua falta, surgem críticas de natureza teórica, questionando a , questionando a hierarquização dos poderes do Estado sob a hegemonia do rei.hierarquização dos poderes do Estado sob a hegemonia do rei.

Uns pronunciam-se, Uns pronunciam-se, ou pela ou pela supremacia do legislativosupremacia do legislativo, de acordo com a lógica representativa, , de acordo com a lógica representativa, ou do judicialou do judicial, como poder naturalmente especializado na resolução de , como poder naturalmente especializado na resolução de

diferendos. diferendos.

Outros críticam a Outros críticam a confusão entre funções do Executivo e funções do confusão entre funções do Executivo e funções do ModeradorModerador que, na prática, significavam a rentabilização pelo executivo das que, na prática, significavam a rentabilização pelo executivo das prerrogativas do poder moderador.prerrogativas do poder moderador.

De facto, depois do estabelecimento do rotativismo parlamentar (maxime nos De facto, depois do estabelecimento do rotativismo parlamentar (maxime nos anos 1851-1865; mas sobretudo 1878-1890), a existência de um poder anos 1851-1865; mas sobretudo 1878-1890), a existência de um poder moderador, mal se justificava, até porque o Acto Adicional de 1896 sujeitou os moderador, mal se justificava, até porque o Acto Adicional de 1896 sujeitou os actos do poder moderador à referenda ministerial.actos do poder moderador à referenda ministerial.

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O poder legislativo. A Câmara dos Deputados.O poder legislativo. A Câmara dos Deputados.

O poder legislativo residia nas cortes e no rei ("[…] compete às Cortes, com a sanção do O poder legislativo residia nas cortes e no rei ("[…] compete às Cortes, com a sanção do rei", art. 13). As cortes compunham-se de duas câmaras - a Câmara dos Pares e a rei", art. 13). As cortes compunham-se de duas câmaras - a Câmara dos Pares e a Câmara dos Deputados.Câmara dos Deputados.

A Câmara dos Deputados era constituída por um número de deputados - originalmente A Câmara dos Deputados era constituída por um número de deputados - originalmente nomeados por eleição indirecta (art. 63) e censitária - proporcional à população das nomeados por eleição indirecta (art. 63) e censitária - proporcional à população das circunscrições eleitorais.circunscrições eleitorais.

A eleição indirecta era apresentada como uma forma de compatibilizar um certo A eleição indirecta era apresentada como uma forma de compatibilizar um certo alargamento do direito de sufrágio com a fiabilidade das escolhas: o povo participava, alargamento do direito de sufrágio com a fiabilidade das escolhas: o povo participava, mas apenas confiando a pessoas mais capazes a designação definitiva dos seus mas apenas confiando a pessoas mais capazes a designação definitiva dos seus representantes. representantes.

A Carta (bem como a Const. de 1838) estabelecia um sufrágio restrito, em que o direito de A Carta (bem como a Const. de 1838) estabelecia um sufrágio restrito, em que o direito de voto apenas era concedido aos maiores de 25 anos que tivessem um rendimento mínimo voto apenas era concedido aos maiores de 25 anos que tivessem um rendimento mínimo de 100 000$00. Para dar uma ideia do que isto podia significar, um elemento de de 100 000$00. Para dar uma ideia do que isto podia significar, um elemento de referência: uma jorna diária, pelos meados do séc., era de c. 650 rs... Em termos referência: uma jorna diária, pelos meados do séc., era de c. 650 rs... Em termos europeus, não se tratava de um valor muito elevado.europeus, não se tratava de um valor muito elevado.

O Acto Adicional de 1852 inaugurou um outro modelo, em que o rendimento mínimo podia O Acto Adicional de 1852 inaugurou um outro modelo, em que o rendimento mínimo podia ser suprido por habilitações literárias mínimas ou, mais tarde (1878), também pela ser suprido por habilitações literárias mínimas ou, mais tarde (1878), também pela qualidade de chefe de família. Em qualquer caso, o universo dos votantes ficava muito qualidade de chefe de família. Em qualquer caso, o universo dos votantes ficava muito aquém de abranger toda a população. aquém de abranger toda a população.

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O poder executivoO poder executivo

O poder executivo residia no rei, que o exercia pelos seus ministros (ou O poder executivo residia no rei, que o exercia pelos seus ministros (ou "secretários") de Estado (art. 75).  "secretários") de Estado (art. 75).  

Todas estas atribuições eram da responsabilidade do rei. Todas estas atribuições eram da responsabilidade do rei.

No entanto, sendo este inviolável e sagrado (art. 72), era necessário No entanto, sendo este inviolável e sagrado (art. 72), era necessário que alguém assumisse a responsabilidade política e até criminal dos que alguém assumisse a responsabilidade política e até criminal dos seus actos. Era esta a finalidade do instituto da referenda ministerial seus actos. Era esta a finalidade do instituto da referenda ministerial (art. 102), que obrigava os ministros a referendar e assinar "todos os (art. 102), que obrigava os ministros a referendar e assinar "todos os actos do poder executivo, sem o que não poderão ter execução". Esta actos do poder executivo, sem o que não poderão ter execução". Esta assinatura responsabilizava o ministro pelo acto praticado, em termos assinatura responsabilizava o ministro pelo acto praticado, em termos de este nem sequer se poder eximir invocando a ordem real (art. 105).de este nem sequer se poder eximir invocando a ordem real (art. 105).

Embora isto não transpareça da ordem de enumeração do art. 75 da Embora isto não transpareça da ordem de enumeração do art. 75 da Carta, o núcleo mais permanente das atribuições do executivo é o Carta, o núcleo mais permanente das atribuições do executivo é o "governo" e, dentro deste, a "administração". "governo" e, dentro deste, a "administração".

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O poder legislativo. A Câmara dos Pares.O poder legislativo. A Câmara dos Pares.

A Câmara dos Pares era, originariamente, constituída por pares A Câmara dos Pares era, originariamente, constituída por pares vitalícios e hereditários, nomeados pelo rei, sem número fixo (art. 39).vitalícios e hereditários, nomeados pelo rei, sem número fixo (art. 39).

Embora correspondesse a um modelo muito comum nos Estados Embora correspondesse a um modelo muito comum nos Estados europeus, a sua justificação era problemática. europeus, a sua justificação era problemática.

Alguns autores - como o monárquico conservador Royer Collard - Alguns autores - como o monárquico conservador Royer Collard - justificavam-na como "auxiliar do rei, para as ondas democráticas não justificavam-na como "auxiliar do rei, para as ondas democráticas não abalarem constantemente o trono". abalarem constantemente o trono".

Outros - como François Guizot - relacionavam a sua existência com o Outros - como François Guizot - relacionavam a sua existência com o facto de, na sociedade, alguns cidadãos terem sempre "uma maior facto de, na sociedade, alguns cidadãos terem sempre "uma maior autoridade do que os outros, pela riqueza, pelo esplendor de autoridade do que os outros, pela riqueza, pelo esplendor de nascimento, pelos merecimentos ou pela reputação […] estes cidadãos nascimento, pelos merecimentos ou pela reputação […] estes cidadãos formam uma ordem social distinta, e por isso deve-se-Ihes dar na formam uma ordem social distinta, e por isso deve-se-Ihes dar na constituição lugar que ocupam na sociedade".constituição lugar que ocupam na sociedade".

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O poder executivo.O poder executivo.

O poder executivo residia no rei, que o exercia pelos seus ministros (ou O poder executivo residia no rei, que o exercia pelos seus ministros (ou "secretários") de Estado (art. 75).  "secretários") de Estado (art. 75).  

Todas as suas atribuições eram da responsabilidade do rei. Todas as suas atribuições eram da responsabilidade do rei.

No entanto, sendo este inviolável e sagrado (art. 72), era necessário que No entanto, sendo este inviolável e sagrado (art. 72), era necessário que alguém assumisse a responsabilidade política e até criminal dos seus alguém assumisse a responsabilidade política e até criminal dos seus actos. Era esta a finalidade do instituto da referenda ministerial (art. actos. Era esta a finalidade do instituto da referenda ministerial (art. 102), que obrigava os ministros a referendar e assinar "todos os actos 102), que obrigava os ministros a referendar e assinar "todos os actos do poder executivo, sem o que não poderão ter execução". do poder executivo, sem o que não poderão ter execução".

Esta assinatura responsabilizava o ministro pelo acto praticado, em termos Esta assinatura responsabilizava o ministro pelo acto praticado, em termos de este nem sequer se poder eximir invocando a ordem real (art. 105); de este nem sequer se poder eximir invocando a ordem real (art. 105); mas limitava o poder do rei, ao exigir a cooperação de um ministro.mas limitava o poder do rei, ao exigir a cooperação de um ministro.

Embora isto não transpareça da ordem de enumeração do art. 75 da Embora isto não transpareça da ordem de enumeração do art. 75 da Carta, o núcleo mais permanente das atribuições do executivo é o Carta, o núcleo mais permanente das atribuições do executivo é o "governo" e, dentro deste, a "administração". "governo" e, dentro deste, a "administração".

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Poder executivo ou poder governamental ?Poder executivo ou poder governamental ?

As atribuições do governo vêm referidas nos §§ 3 e 4 (nomeação de As atribuições do governo vêm referidas nos §§ 3 e 4 (nomeação de magistrados e funcionários), 12 (expedição “de decretos, instruções e magistrados e funcionários), 12 (expedição “de decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das Leis” e 13 (“prover a tudo regulamentos adequados à boa execução das Leis” e 13 (“prover a tudo que for concernente à segurança interna [e externa] do Estado, na que for concernente à segurança interna [e externa] do Estado, na forma da Constituição”). forma da Constituição”).

De facto, quem ler desatentamente a enumeração de funções do art. De facto, quem ler desatentamente a enumeração de funções do art. 75, ficará com a ideia de que o executivo se limitava a assegurar 75, ficará com a ideia de que o executivo se limitava a assegurar passivamente as clássicas funções de execução das leis e de defesa. passivamente as clássicas funções de execução das leis e de defesa. Isto estava, porém, bem longe de ser verdade.Isto estava, porém, bem longe de ser verdade.

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Poder executivo ou poder governamental ?Poder executivo ou poder governamental ?

As outras atribuições do executivo eram: As outras atribuições do executivo eram:

Convocar as novas Cortes Gerais ordinárias; teoricamente, esta atribuição devia Convocar as novas Cortes Gerais ordinárias; teoricamente, esta atribuição devia competir ao poder moderador] (§ 1.°); competir ao poder moderador] (§ 1.°);

Nomear ou prover dignidades eclesiásticas e nomear magistrados e demais Nomear ou prover dignidades eclesiásticas e nomear magistrados e demais empregos civis, políticos, militares e diplomáticos (§§ 2, 3, 4, 5 e 6); empregos civis, políticos, militares e diplomáticos (§§ 2, 3, 4, 5 e 6);

Dirigir a política externa (§§ 7, 8 e 9); Dirigir a política externa (§§ 7, 8 e 9);

Conceder Cartas de naturalização e distinções (§§ 10 e 11); Conceder Cartas de naturalização e distinções (§§ 10 e 11);

§ 13.° - Decretar a aplicação dos rendimentos destinados pelas Cortes nos § 13.° - Decretar a aplicação dos rendimentos destinados pelas Cortes nos vários ramos da Pública Administração; vários ramos da Pública Administração;

§ 14.° - Conceder ou negar o beneplácito aos documentos eclesiásticos […] que § 14.° - Conceder ou negar o beneplácito aos documentos eclesiásticos […] que se não opuserem à Constituição, e precedendo aprovação das Cortes, se se não opuserem à Constituição, e precedendo aprovação das Cortes, se contiverem disposição geral.contiverem disposição geral.

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Poder executivo ou poder governamental ?Poder executivo ou poder governamental ?

Uma vez passada a onda fisiocrática – que era, sobretudo, uma reclamação de Uma vez passada a onda fisiocrática – que era, sobretudo, uma reclamação de liberdade cidadã perante a organização corporativa e, depois, perante o Estado liberdade cidadã perante a organização corporativa e, depois, perante o Estado de polícia, o Estado liberal continental – cujo protótipo (e não a excepção) é o de polícia, o Estado liberal continental – cujo protótipo (e não a excepção) é o Estado administrativo e empreendedor do I Império francês – encarregou-se da Estado administrativo e empreendedor do I Império francês – encarregou-se da função de estabelecer a ordem e de garantir a estabilidade, o que não excluía função de estabelecer a ordem e de garantir a estabilidade, o que não excluía um pronunciado dirigismo económico, social e político. um pronunciado dirigismo económico, social e político.

Neste sentido, a função dita “executiva” transformou-se progressivamente numa Neste sentido, a função dita “executiva” transformou-se progressivamente numa função autonomamente “activa” e politicamente dominante: quase todos os função autonomamente “activa” e politicamente dominante: quase todos os actos do Estado eram, na verdade, actos executivos, descontados os actos do Estado eram, na verdade, actos executivos, descontados os comparativamente raros actos legislativos e os – dispersos e de impacto comparativamente raros actos legislativos e os – dispersos e de impacto essencialmente essencialmente inter partesinter partes - actos judiciais. - actos judiciais.

Isto já era assim no momento em que a Isto já era assim no momento em que a CartaCarta surgiu. Mas, durante a sua longa surgiu. Mas, durante a sua longa vigência, sê-lo-á cada vez mais, nomeadamente quando o Estado se passa a vigência, sê-lo-á cada vez mais, nomeadamente quando o Estado se passa a ocupar de tarefas de fomento metropolitano e colonial, da educação e, até, de ocupar de tarefas de fomento metropolitano e colonial, da educação e, até, de assistência e de regulação industrial.assistência e de regulação industrial.

Também na constituição inglesa haveria que distinguir uma “constituição Também na constituição inglesa haveria que distinguir uma “constituição teórica”, dominada pelo princípio dos checks and balances e uma “constituição teórica”, dominada pelo princípio dos checks and balances e uma “constituição prática”, em que ao governo vinham a caber atribuições materialmente prática”, em que ao governo vinham a caber atribuições materialmente legislativas. legislativas.

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Governo e parlamentoGoverno e parlamento

Segundo a lógica do parlamentarismo, vigorava o princípio da responsabilidade Segundo a lógica do parlamentarismo, vigorava o princípio da responsabilidade do governo perante as câmaras e a consequente necessidade de que ele do governo perante as câmaras e a consequente necessidade de que ele reflectisse o equilíbrio das forças políticas no parlamento. reflectisse o equilíbrio das forças políticas no parlamento.

Este relevo do parlamento era, porém, mitigada pelo princípio monárquico ou Este relevo do parlamento era, porém, mitigada pelo princípio monárquico ou “prerrogativa régia”, correspondente à existência do poder moderador, que dava “prerrogativa régia”, correspondente à existência do poder moderador, que dava uma certa margem de imposição de um executivo sobre o legislativo (governos uma certa margem de imposição de um executivo sobre o legislativo (governos sem apoio parlamentar, nomeação de pares para que o governo tivesse maioria sem apoio parlamentar, nomeação de pares para que o governo tivesse maioria na câmara alta, adiamento ou dissolução da Câmara dos Deputados).na câmara alta, adiamento ou dissolução da Câmara dos Deputados).

O governo praticava actos normativos que cabiam, em teoria, ao poder O governo praticava actos normativos que cabiam, em teoria, ao poder legislativo: decretos “com força de lei” (ou decretos ditatoriais), a que as cortes legislativo: decretos “com força de lei” (ou decretos ditatoriais), a que as cortes raramente negavam a ratificação e que os tribunais costumavam aceitar como raramente negavam a ratificação e que os tribunais costumavam aceitar como válidos; decretos emitidos pelo governo por delegação legislativa das cortes; válidos; decretos emitidos pelo governo por delegação legislativa das cortes; regulamentos inovadores (a distinção entre “lei” e “regulamento” era difícil).regulamentos inovadores (a distinção entre “lei” e “regulamento” era difícil).

Para além dos actos normativos, o executivo tomava decisões casuístas, ao Para além dos actos normativos, o executivo tomava decisões casuístas, ao abrigo da lei ou no âmbito dos seus poderes discricionários. Desde cedo, que abrigo da lei ou no âmbito dos seus poderes discricionários. Desde cedo, que parte destes actos (os parte destes actos (os actos políticosactos políticos) foram qualificados como insindicáveis ) foram qualificados como insindicáveis quanto á sua legalidade. Isto queria dizer era que, doravante, também o quanto á sua legalidade. Isto queria dizer era que, doravante, também o governo podia propor finalidades ao Estado com aquela liberdade que, até governo podia propor finalidades ao Estado com aquela liberdade que, até então, fora privativa do legislador. O que constituía uma evolução político-então, fora privativa do legislador. O que constituía uma evolução político-constitucional notável. constitucional notável.

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A governamentalização do poderA governamentalização do poder

O que agora se verifica, porém, é que nem o parlamento tem a possibilidade de O que agora se verifica, porém, é que nem o parlamento tem a possibilidade de fiscalizar toda a frenética actividade governativa, nem pode escapar aos fiscalizar toda a frenética actividade governativa, nem pode escapar aos poderes de condicionamento de que o governo dispõe, nomeando funcionários, poderes de condicionamento de que o governo dispõe, nomeando funcionários, gerindo a atribuição de benesses, lançando melhoramentos, apoiando gerindo a atribuição de benesses, lançando melhoramentos, apoiando empresas, concedendo serviços. empresas, concedendo serviços.

““O nosso governo parlamentar enferma de três vícios: OO nosso governo parlamentar enferma de três vícios: O excessivo predomínio excessivo predomínio do poder executivo; a má constituição do parlamento; a defeituosa organização do poder executivo; a má constituição do parlamento; a defeituosa organização dos partidos políticos. O excessivo predomínio do poder executivo determina a dos partidos políticos. O excessivo predomínio do poder executivo determina a subordinação do parlamento e tira-lhe toda a independência para fiscalizar os subordinação do parlamento e tira-lhe toda a independência para fiscalizar os actos deste poder. Desse excessivo predomínio do poder executivo na nossa actos deste poder. Desse excessivo predomínio do poder executivo na nossa vida politica, é que resultam as frequentes ditaduras e delegações das funções vida politica, é que resultam as frequentes ditaduras e delegações das funções legis lativas no governo. É necessário reforçar o poder legislativo e para isso legis lativas no governo. É necessário reforçar o poder legislativo e para isso encontramos suficientes três disposições da proposta de 14 de marco de 1900:encontramos suficientes três disposições da proposta de 14 de marco de 1900: a reunião das cortes por direito próprio, a restrição da faculdade da sua a reunião das cortes por direito próprio, a restrição da faculdade da sua dissolução e a não aplicação pelo poder judicial dos decretos, regulamentos ou dissolução e a não aplicação pelo poder judicial dos decretos, regulamentos ou ordens do governo que não sejam conformes às leis […] É certo que alguns ordens do governo que não sejam conformes às leis […] É certo que alguns escritores, como Poinsard, mostram-se favoráveis à aplicação entre nós do escritores, como Poinsard, mostram-se favoráveis à aplicação entre nós do regímen simplesmente representativo, não atendendo afinal a que o mal de toda regímen simplesmente representativo, não atendendo afinal a que o mal de toda a nossa vida constitucional tem sido o excessivo predomínio do poder a nossa vida constitucional tem sido o excessivo predomínio do poder executivo, que aquele regímen ainda viria a fortificar […]  (Marnoco e Sousa, executivo, que aquele regímen ainda viria a fortificar […]  (Marnoco e Sousa, Direito político […]Direito político […], cit.,, 386). , cit.,, 386).

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““A encarnação institucional do Estado” A encarnação institucional do Estado”

Embora a Embora a CartaCarta não estabelecesse o número de secretarias de Estado não estabelecesse o número de secretarias de Estado (ao contrário do que acontecia na (ao contrário do que acontecia na Constituição de 1822 Constituição de 1822 [Negócios do [Negócios do Reino, Justiça, Fazenda, Guerra, Marinha e Negócios Estrangeiros]), Reino, Justiça, Fazenda, Guerra, Marinha e Negócios Estrangeiros]), logo em 1834, D. Pedro II provê as seis secretarias de Estado logo em 1834, D. Pedro II provê as seis secretarias de Estado tradicionais. Em 1852 (30.8), cria-se a Secretaria de Estado das Obras tradicionais. Em 1852 (30.8), cria-se a Secretaria de Estado das Obras Públicas, Comércio e Indústria, correspondendo ao novo ênfase posto Públicas, Comércio e Indústria, correspondendo ao novo ênfase posto nas políticas de “fomento” do fontismo. Em 1870 (22.6), Saldanha cria, nas políticas de “fomento” do fontismo. Em 1870 (22.6), Saldanha cria, em ditadura, o Ministério da Instrução Pública (que é efémero).em ditadura, o Ministério da Instrução Pública (que é efémero).

Crescimento do aparelho de Estado, em termos financeiros e humanos..

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Crescimento do número de funcionáriosCrescimento do número de funcionários

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

40000

45000

Soberania Economiae Finanças

Ensino eCultura

Social

1854

1890

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Crescimento do número de funcionários (sem militares)Crescimento do número de funcionários (sem militares)

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

16000

18000

Soberania Economiae Finanças

Ensino eCultura

Social

1854

1890

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Crescimento do número de funcionários (sem militares)Crescimento do número de funcionários (sem militares)

Funcionários por ministério (1858-1859)

522608

2744

1162

4254

734 95 464

Junta do Crédito Público (nº) Ministério da Fazenda (nº)

Ministério do Reino (nº) Ministério da Justiça (nº)

Ministério da Guerra (nº) Ministério da Marinha (nº)

Ministério dos Estrangeiros (nº) Ministério das Obras públicas (nº)

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Os partidos e a gestão dos funcionários funcionáriosOs partidos e a gestão dos funcionários funcionários

““A regeneração quando subiu ao poder em 1871 [… foi …] renovando o A regeneração quando subiu ao poder em 1871 [… foi …] renovando o pessoal das secretarias, promoven do reformas, criando lugares, pessoal das secretarias, promoven do reformas, criando lugares, determinando aposentações, concedendo benefícios. O partido determinando aposentações, concedendo benefícios. O partido progressista entrando para o poder encontrou este estado de coisas progressista entrando para o poder encontrou este estado de coisas que devia respeitar, e respeitaria do certo, se os beneficiados da rege que devia respeitar, e respeitaria do certo, se os beneficiados da rege neração cumprissem o seu dever, que era completa abstenção no acto neração cumprissem o seu dever, que era completa abstenção no acto eleitoral. Este dever foi-lhes recomendado expressamente com a eleitoral. Este dever foi-lhes recomendado expressamente com a devida cominação de penas. Como o dever não foi cumprido, os efeitos devida cominação de penas. Como o dever não foi cumprido, os efeitos fizeram-se sentir. Nada mais natural; nada mais justo”, António fizeram-se sentir. Nada mais natural; nada mais justo”, António Cândido Ribeiro da Costa, Cândido Ribeiro da Costa, Discurso proferido na Câmara dos Senhores Discurso proferido na Câmara dos Senhores Deputados nas sessões de 17 e 18 de Fevereiro de 1880Deputados nas sessões de 17 e 18 de Fevereiro de 1880, Lisboa, , Lisboa, 1880(p. 31). 1880(p. 31).

O mecanismo está bem descrito. O fundo de postos burocráticos era O mecanismo está bem descrito. O fundo de postos burocráticos era utilizado pelos governos para distribuir benesses e para suscitar o utilizado pelos governos para distribuir benesses e para suscitar o empenhamento partidário dos beneficiados. O crescimento dos empenhamento partidário dos beneficiados. O crescimento dos efectivos burocráticos potenciava ainda a importância política desta efectivos burocráticos potenciava ainda a importância política desta troca troca

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Dependência dos funcionáriosDependência dos funcionários

Funcionários por níveis salariais (1858-1859)

100

120

200

240

300

360

400

480

500

600

800

1000

2000

Mais de 2000

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Dependência dos funcionáriosDependência dos funcionários

Quanto ao carácter dependente e precário das classes médias e inferiores do Quanto ao carácter dependente e precário das classes médias e inferiores do funcionalismo, estes funcionários seriam mal pagos, crivados de deduções (que funcionalismo, estes funcionários seriam mal pagos, crivados de deduções (que atingiam, em média, 40 % dos proventos), apenas podendo sobreviver com atingiam, em média, 40 % dos proventos), apenas podendo sobreviver com base em benesses distribuídas superiormente (comissões, gratificações, horas base em benesses distribuídas superiormente (comissões, gratificações, horas extraordinárias, «serões» e abonos vários). Os próprios funcionários extraordinárias, «serões» e abonos vários). Os próprios funcionários administrativos superiores (directores-gerais e chefes de repartição) estariam administrativos superiores (directores-gerais e chefes de repartição) estariam dependentes, pelos mesmos mecanismos, dos titulares das pastas (dependentes, pelos mesmos mecanismos, dos titulares das pastas ( ibid.ibid.). Para ). Para além de que o ingresso e progresso na carreira se faziam, em geral, por além de que o ingresso e progresso na carreira se faziam, em geral, por mecanismos de escolha, garantindo novas fidelidades. mecanismos de escolha, garantindo novas fidelidades.

O funcionário nem sequer estava garantido contra um despedimento arbitrário O funcionário nem sequer estava garantido contra um despedimento arbitrário ou «punitivo», pois se entendia que o funcionário não tinha direito ao lugar, ou «punitivo», pois se entendia que o funcionário não tinha direito ao lugar, podendo ser despedido por necessidades do serviço. podendo ser despedido por necessidades do serviço.

““Para se obter a melhor execução da lei, é necessário que os executores dela sejam Para se obter a melhor execução da lei, é necessário que os executores dela sejam responsáveis pelos seus actos: as garantias da sociedade e do individuo dependem responsáveis pelos seus actos: as garantias da sociedade e do individuo dependem mais da fiel execução da lei, do que da sua bondade absoluta. A boa execuçãomais da fiel execução da lei, do que da sua bondade absoluta. A boa execução da lei da lei depende igualmente da competência, saber, zelo e honradez dos seus executores; e depende igualmente da competência, saber, zelo e honradez dos seus executores; e para que estes requisitos sejam uma realidade é indispensável que o ministro possa para que estes requisitos sejam uma realidade é indispensável que o ministro possa livremente escolher os subalternos, e demiti-los sem prévio julgamento; para que o livremente escolher os subalternos, e demiti-los sem prévio julgamento; para que o chefe de cada ramo da administração seja responsável é necessário que ele possa chefe de cada ramo da administração seja responsável é necessário que ele possa tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados” (António Pereira Jardim, tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados” (António Pereira Jardim, Princípios de finanças [...]Princípios de finanças [...], Coimbra, 1873). , Coimbra, 1873).

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Centro e periferia: pluralismo e descentralização. Centro e periferia: pluralismo e descentralização.

Em geral, estabelece-se como axioma que os poderes dos vários órgãos e agentes Em geral, estabelece-se como axioma que os poderes dos vários órgãos e agentes do Estado não são originários, como consequências naturais das suas funções do Estado não são originários, como consequências naturais das suas funções ou estatuto, mas antes provenientes de um acto de dele gação dos órgãos de ou estatuto, mas antes provenientes de um acto de dele gação dos órgãos de soberania. A ideia de delegação constitui, doravante, facto, um princípio soberania. A ideia de delegação constitui, doravante, facto, um princípio essencialmente contemporâneo de construção do aparelho de Estado. essencialmente contemporâneo de construção do aparelho de Estado.

Esta nova ideia é visível quando confrontado com o discurso da descentralização, Esta nova ideia é visível quando confrontado com o discurso da descentralização, pois por aí se vê de forma particularmente clara a distinção entre o sistema pois por aí se vê de forma particularmente clara a distinção entre o sistema pluralista do Antigo Regime, recusado, e o sistema monista descentralizado, pluralista do Antigo Regime, recusado, e o sistema monista descentralizado, agora proposto.agora proposto.

«O Estado, que tinha por base os municípios, era um corpo formado de membros «O Estado, que tinha por base os municípios, era um corpo formado de membros desconexos, a que faltava a vida de relação, a unidade e a harmonia, que só podem desconexos, a que faltava a vida de relação, a unidade e a harmonia, que só podem provir da aplicação de princípios gerais estribados na justiça e no direito, e inspirados pelo provir da aplicação de princípios gerais estribados na justiça e no direito, e inspirados pelo interesse comum [...]. O municipalismo multi-forme, incoerente, individualista, privilegiado interesse comum [...]. O municipalismo multi-forme, incoerente, individualista, privilegiado e bárbaro da idade media não era a descentralização administrativa, era o fraccionamento e bárbaro da idade media não era a descentralização administrativa, era o fraccionamento do Pais em circunscrições isoladas e às vezes hostis [...] era a negação de todos os do Pais em circunscrições isoladas e às vezes hostis [...] era a negação de todos os princípios gerais de direito politico, civil e criminal, a condenação de toda a economia princípios gerais de direito politico, civil e criminal, a condenação de toda a economia publica, a supressão de todo o viver nacional, o menosprezo de todos os interesses publica, a supressão de todo o viver nacional, o menosprezo de todos os interesses gerais, e o impedimento de todo o progresso e civilização da sociedade.» (Joaquim gerais, e o impedimento de todo o progresso e civilização da sociedade.» (Joaquim Thomaz Lobo d’Ávila, põe em destaque, nos seus importantes Thomaz Lobo d’Ávila, põe em destaque, nos seus importantes Estudos de AdministraçãoEstudos de Administração , , 1874, p. 19).1874, p. 19).

No entanto, a questão da centralização / descentralização não tinha uma única No entanto, a questão da centralização / descentralização não tinha uma única leitura. Foi antes uma questão polémica que percorreu todo o séc. XIX leitura. Foi antes uma questão polémica que percorreu todo o séc. XIX

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Sociologismo, institucionalismo e descentralizaçãoSociologismo, institucionalismo e descentralização

O institucionalismo dos finais do séc. XIX reforça as ideias descentralizadoras. O institucionalismo dos finais do séc. XIX reforça as ideias descentralizadoras. Era por meio dela que se produziria uma repartição das funções da Era por meio dela que se produziria uma repartição das funções da administração pública entre: 1. órgão da administração do Estado, centrais e administração pública entre: 1. órgão da administração do Estado, centrais e locais; 2. autarquias territoriais; 3. autarquias institucionais; 4. particulares, por locais; 2. autarquias territoriais; 3. autarquias institucionais; 4. particulares, por concessão.concessão.

São estas as influências que se fazem já sentir na obra de José Frederico São estas as influências que se fazem já sentir na obra de José Frederico Laranjo, quando afirma que, para que haja descentralização administrativa, é Laranjo, quando afirma que, para que haja descentralização administrativa, é preciso que haja o exercício livre das atribuições dos corpos locais por eles preciso que haja o exercício livre das atribuições dos corpos locais por eles mesmos, sem ingerência do governo, além da inspecção, para submeter os mesmos, sem ingerência do governo, além da inspecção, para submeter os seus actos ao poder judicial, quando eles contrariem as leis.seus actos ao poder judicial, quando eles contrariem as leis.

De qualquer modo, e apesar de uma contínua corrente doutrinal anti-De qualquer modo, e apesar de uma contínua corrente doutrinal anti-centralizadora – por vezes com alguma expressão legislativa, como nas centralizadora – por vezes com alguma expressão legislativa, como nas reformas de 1836 e no Código administrativo de 1878 -, a estadualização da reformas de 1836 e no Código administrativo de 1878 -, a estadualização da vida política não cessou de se acentuar. vida política não cessou de se acentuar.

A nova organização do poder governativo encontrava-se muito mais apta, A nova organização do poder governativo encontrava-se muito mais apta, apesar da debilidade das suas extensões periféricas, a desempenhar as apesar da debilidade das suas extensões periféricas, a desempenhar as funções de uma administração activa, pelo progresso das suas estruturas e funções de uma administração activa, pelo progresso das suas estruturas e organização no sentido de uma administração deste tipo organização no sentido de uma administração deste tipo

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A redução dos poderes periféricos – os senhores de terrasA redução dos poderes periféricos – os senhores de terras

Os senhorios não constituíam já, do ponto de vista político, o mais Os senhorios não constituíam já, do ponto de vista político, o mais importante concorrente da coroa. Na verdade, no sistema político importante concorrente da coroa. Na verdade, no sistema político português do Antigo Regime, os senhores apenas gozavam da português do Antigo Regime, os senhores apenas gozavam da jurisdição intermédia. jurisdição intermédia.

Em 1792, extingue-se a jurisdição dos donatários - no sentido em que Em 1792, extingue-se a jurisdição dos donatários - no sentido em que estes a tinham no Antigo Regime, isto é, como jurisdição intermédia -, estes a tinham no Antigo Regime, isto é, como jurisdição intermédia -, embora saiam reforçados os seus poderes de nomear ou confirmar embora saiam reforçados os seus poderes de nomear ou confirmar justiças locais, agora atribuídos genericamente, com o que se abole um justiças locais, agora atribuídos genericamente, com o que se abole um anterior princípio de que a eleição das justiças era, em geral, dos anterior princípio de que a eleição das justiças era, em geral, dos povos. O poder senhorial perde em relação à coroa, mas ganha algo povos. O poder senhorial perde em relação à coroa, mas ganha algo em relação ao poder municipal. em relação ao poder municipal.

Finalmente, as constituições (Finalmente, as constituições (Const. Const. 18221822, tit. V; , tit. V; CartaCarta, tit. VI), tit. VI) e a e a reforma judiciária (Dec. nº 24, de 16 de Maio de 1832) acabam de vez reforma judiciária (Dec. nº 24, de 16 de Maio de 1832) acabam de vez com as jurisdições dos donatários.com as jurisdições dos donatários.

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A redução dos poderes periféricos – a IgrejaA redução dos poderes periféricos – a Igreja

No Antigo Regime, a jurisdição eclesiástica incluía a sua autonomia de governo No Antigo Regime, a jurisdição eclesiástica incluía a sua autonomia de governo e a existência de um foro espiritual (que abarcava causas de natureza e a existência de um foro espiritual (que abarcava causas de natureza temporal).temporal).

Quanto à nomeação de bispos: os bispos estavam sujeitos à inspecção do Quanto à nomeação de bispos: os bispos estavam sujeitos à inspecção do governo gozando, em contrapartida, de honras, prerrogativas (v.g., eram governo gozando, em contrapartida, de honras, prerrogativas (v.g., eram conselheiros, pares, grandes do Reino, vogais natos, órgãos administrativos) e conselheiros, pares, grandes do Reino, vogais natos, órgãos administrativos) e remuneração civil.remuneração civil.

Quanto aos párocos, eles eram considerados, durante o regime constitucional Quanto aos párocos, eles eram considerados, durante o regime constitucional monárquico, como empregados espirituais e civis, pelo que a sua nomeação monárquico, como empregados espirituais e civis, pelo que a sua nomeação resultava da apresentação régia. As suas funções espirituais são resultava da apresentação régia. As suas funções espirituais são o governo interno da sua comunidade paroquial; o governo interno da sua comunidade paroquial; vastas funções civis, abrangendo campos como as operações eleitorais, o vastas funções civis, abrangendo campos como as operações eleitorais, o

recrutamento militar, a colaboração na administração civil das freguesisarecrutamento militar, a colaboração na administração civil das freguesisa Quanto ao foro eclesiástico. Em 1821, foi abolido o Conselho-Geral do Santo Quanto ao foro eclesiástico. Em 1821, foi abolido o Conselho-Geral do Santo

Ofício e as devassas do ordinário. Em 1832, a Reforma Judiciária (Decreto n.º Ofício e as devassas do ordinário. Em 1832, a Reforma Judiciária (Decreto n.º 24, de 16 de Maio) extingue o foro eclesiástico nas causas temporais ou de foro 24, de 16 de Maio) extingue o foro eclesiástico nas causas temporais ou de foro misto (artigo 117); mesmo nas espirituais, a competência punitiva dos bispos é misto (artigo 117); mesmo nas espirituais, a competência punitiva dos bispos é limitada a penas espirituais, pelo Decreto de 19 de Julho de 1833.limitada a penas espirituais, pelo Decreto de 19 de Julho de 1833.

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A redução dos poderes periféricos – a IgrejaA redução dos poderes periféricos – a Igreja

Em todo o caso, houve alguns domínios da jurisdição da Igreja que, Em todo o caso, houve alguns domínios da jurisdição da Igreja que, durante todo o século XIX, se mantiveram intactos.durante todo o século XIX, se mantiveram intactos.

Um deles foi o da competência jurisdicional da Igreja em matéria de Um deles foi o da competência jurisdicional da Igreja em matéria de casamentos católicos, dominantes no País, que continuaram, mesmo casamentos católicos, dominantes no País, que continuaram, mesmo depois do Código Civil, a ser regulados, no plano das relações depois do Código Civil, a ser regulados, no plano das relações pessoais, pelo direito canónico.pessoais, pelo direito canónico.

Outra reserva jurisdicional - agora ao nível do direito «vivido», que não Outra reserva jurisdicional - agora ao nível do direito «vivido», que não do «direito oficial» - diz respeito ao papel das autoridades eclesiásticas do «direito oficial» - diz respeito ao papel das autoridades eclesiásticas (sobretudo os párocos, mas também as confrarias ou irmandades) (sobretudo os párocos, mas também as confrarias ou irmandades) como ordenadoras da vida colectiva e como mediadoras «informais» de como ordenadoras da vida colectiva e como mediadoras «informais» de conflitos nas comunidades rurais, sobretudo no Norte do País. conflitos nas comunidades rurais, sobretudo no Norte do País.

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A redução dos poderes periféricos – A redução dos poderes periféricos – Concelhos ou MunicípiosConcelhos ou Municípios

Para as correntes revolucionárias, o poder das câmaras tradicionais era um dos Para as correntes revolucionárias, o poder das câmaras tradicionais era um dos alvos a abater. Nas cortes vintistas, as posições oscilaram entre os que as alvos a abater. Nas cortes vintistas, as posições oscilaram entre os que as queriam manter, mas «democratizadas», e os que as queriam substituir, mais queriam manter, mas «democratizadas», e os que as queriam substituir, mais ou menos clara mente, por órgãos periféricos do Estado. Esta última foi a ou menos clara mente, por órgãos periféricos do Estado. Esta última foi a orientação que prevaleceu (administradores gerais). orientação que prevaleceu (administradores gerais).

As reformas financeira, administrativa e judicial de Mouzinho da Silveira, de As reformas financeira, administrativa e judicial de Mouzinho da Silveira, de 16.5.1832, estabelece um novo sistema, em que as câmaras são despojadas de 16.5.1832, estabelece um novo sistema, em que as câmaras são despojadas de todos os poderes executivos, confiados agora a funcionários governamentais, e todos os poderes executivos, confiados agora a funcionários governamentais, e em que a elaboração de posturas passa a carecer de aprovação superior .em que a elaboração de posturas passa a carecer de aprovação superior .

Esta foi a orientação que prevaleceu até ao fim da monarquia.Esta foi a orientação que prevaleceu até ao fim da monarquia.

Em síntese, importa dizer, quanto a este aspecto, que com a política de Em síntese, importa dizer, quanto a este aspecto, que com a política de centralização administrativa se obtêm dois resultados. Por um lado, desarticula-centralização administrativa se obtêm dois resultados. Por um lado, desarticula-se um pólo periférico de poder. Mas, por outro, cria-se um dispositivo político: se um pólo periférico de poder. Mas, por outro, cria-se um dispositivo político: ao tornar disponíveis para o poder central algumas milhares de cargos públicos ao tornar disponíveis para o poder central algumas milhares de cargos públicos distritais e concelhios, atribui-se ao poder central a possibilidade de disciplinar distritais e concelhios, atribui-se ao poder central a possibilidade de disciplinar pela positiva, comprando fidelidades com cargos e alargando, assim, a rede da pela positiva, comprando fidelidades com cargos e alargando, assim, a rede da sua influência social. sua influência social.

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O Poder judicial O Poder judicial

A A Carta constitucional de 1826Carta constitucional de 1826 parece limitar um pouco mais a esfera de parece limitar um pouco mais a esfera de autonomia dos juízes, ao estabelecer, art. 119, que “Os jurados prenunciam-se autonomia dos juízes, ao estabelecer, art. 119, que “Os jurados prenunciam-se sobre o facto, e os juízes aplicam sobre o facto, e os juízes aplicam a leia lei” (sublinhado meu). ” (sublinhado meu).

O artigo, porém, parece ter em vista, não tanto a questão das fontes de direito, O artigo, porém, parece ter em vista, não tanto a questão das fontes de direito, mas antes a distinção entre as funções dos jurados e dos juízes. Tanto mais mas antes a distinção entre as funções dos jurados e dos juízes. Tanto mais que a responsabilização dos juízes continua a limitar-se a casos de “abusos do que a responsabilização dos juízes continua a limitar-se a casos de “abusos do poder e prevaricações”, ou a “delitos e erros de ofício” (arts. 123 e 131). No poder e prevaricações”, ou a “delitos e erros de ofício” (arts. 123 e 131). No entanto, há outros indícios que apontam neste sentido de um entendimento da entanto, há outros indícios que apontam neste sentido de um entendimento da função de julgar como dependendo de critérios mais alargados do que a simples função de julgar como dependendo de critérios mais alargados do que a simples observância da lei.observância da lei.

O desenho constitucional do poder judicial não oferece grandes singularidades. O desenho constitucional do poder judicial não oferece grandes singularidades. Os princípios clássicos da independência judicial - garantida, nomeadamente, Os princípios clássicos da independência judicial - garantida, nomeadamente, pela inamovibilidade (ou perpetuidade) dos juízes -, do julgamento por júri, da pela inamovibilidade (ou perpetuidade) dos juízes -, do julgamento por júri, da responsabilidade dos agentes da justiça, da publicidade e simplificação responsabilidade dos agentes da justiça, da publicidade e simplificação processual, da garantia do foro natural e da garantia de recurso estão processual, da garantia do foro natural e da garantia de recurso estão consagrados.consagrados.

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O Poder judicial O Poder judicial

O sentimento antiletrado polarizou-se em três questões - a da admissão do júri, a do O sentimento antiletrado polarizou-se em três questões - a da admissão do júri, a do âmbito das instituições não judiciais de resolução de conflitos e a das magistraturas âmbito das instituições não judiciais de resolução de conflitos e a das magistraturas electiva.electiva.

Quanto ao júri – a questão politicamente mais emblemática - ele era considerado pelo Quanto ao júri – a questão politicamente mais emblemática - ele era considerado pelo pensamento liberal como uma das garantias basilares da liberdade civil. Por isso, foi pensamento liberal como uma das garantias basilares da liberdade civil. Por isso, foi admitido facilmente em 1822, como instância de apuramento dos factos, tanto nas causas admitido facilmente em 1822, como instância de apuramento dos factos, tanto nas causas cíveis (onde a sua intervenção foi, todavia, menos pacífica) como nas causas crime.cíveis (onde a sua intervenção foi, todavia, menos pacífica) como nas causas crime.

A reforma judicial de Mouzinho (Decreto nº 24, de 16.5.1832), tornou obrigatória a sua A reforma judicial de Mouzinho (Decreto nº 24, de 16.5.1832), tornou obrigatória a sua intervenção em todas as causas, na decisão da matéria de facto. A limitação das funções intervenção em todas as causas, na decisão da matéria de facto. A limitação das funções do júri à apreciação da matéria de facto era, já de si, uma solução moderada, pois deixava do júri à apreciação da matéria de facto era, já de si, uma solução moderada, pois deixava aos juízes de direito aspectos decisivos da questão. aos juízes de direito aspectos decisivos da questão.

Todavia, o júri - sobretudo no cível - era objecto de críticas severas, baseadas no Todavia, o júri - sobretudo no cível - era objecto de críticas severas, baseadas no tecnicismo das questões jurídicas e na falta de aptidão dos leigos para lidar com elas, tecnicismo das questões jurídicas e na falta de aptidão dos leigos para lidar com elas, mesmo nos aspectos de facto.mesmo nos aspectos de facto.

O desenho constitucional do poder judicial não oferece grandes singularidades. Os O desenho constitucional do poder judicial não oferece grandes singularidades. Os princípios clássicos da independência judicial - garantida, nomeadamente, pela princípios clássicos da independência judicial - garantida, nomeadamente, pela inamovibilidade (ou perpetuidade) dos juízes -, do julgamento por júri, da inamovibilidade (ou perpetuidade) dos juízes -, do julgamento por júri, da responsabilidade dos agentes da justiça, da publicidade e simplificação processual, da responsabilidade dos agentes da justiça, da publicidade e simplificação processual, da garantia do foro natural e da garantia de recurso estão consagrados.garantia do foro natural e da garantia de recurso estão consagrados.

Page 54: Constitucionalismo monárquico português Rupturas e continuidades A historiografia da Revolução tem-na glorificado como um acto de ruptura. Ficando, nesse

A independência dos tribunais – a teoria e a práticaA independência dos tribunais – a teoria e a prática

Apesar de todas as garantias de independência da magistratura, a opinião corrente não Apesar de todas as garantias de independência da magistratura, a opinião corrente não era tão lisonjeira. Céptico quanto ao alcance real das excelências da magistratura cartista, era tão lisonjeira. Céptico quanto ao alcance real das excelências da magistratura cartista, nomeadamente quanto à sua independência, se mostra, por exemplo, Trindade Coelho: nomeadamente quanto à sua independência, se mostra, por exemplo, Trindade Coelho:

"O poder judicial é independente ("O poder judicial é independente (CartaCarta, art. 118.°); e sem embargo das causas legais que , art. 118.°); e sem embargo das causas legais que conspiram contra a independência do poder judicial, este é, ainda hoje, um dos mais conspiram contra a independência do poder judicial, este é, ainda hoje, um dos mais respeitáveis do Estado. Com efeito, a independência do poder judicial vai sendo mais respeitáveis do Estado. Com efeito, a independência do poder judicial vai sendo mais nominal do que efectiva. Os magistrados que o constituem não só são nomeados pelo nominal do que efectiva. Os magistrados que o constituem não só são nomeados pelo poder executivo, art. 75.° § 3.°, mas são colocados nesta ou naquela comarca (melhor ou poder executivo, art. 75.° § 3.°, mas são colocados nesta ou naquela comarca (melhor ou pior sob o ponto de vista económico ou da situação geográfica) à mercê, exclusivamente, pior sob o ponto de vista económico ou da situação geográfica) à mercê, exclusivamente, da vontade do respectivo ministro, ou seja do poder executivo; e conquanto inamovíveis da vontade do respectivo ministro, ou seja do poder executivo; e conquanto inamovíveis durante seis anos, salvo nos casos e termos legais, tem-se visto alterar a classificação de durante seis anos, salvo nos casos e termos legais, tem-se visto alterar a classificação de uma ou outra comarca só para o efeito de desalojar dela o respectivo juiz, que por algum uma ou outra comarca só para o efeito de desalojar dela o respectivo juiz, que por algum motivo não agrada à política. Acresce que os juízes se vêem forçados a fazer obra motivo não agrada à política. Acresce que os juízes se vêem forçados a fazer obra constantemente por decretos inconstitucionais do poder executivo, para evitarem o ser constantemente por decretos inconstitucionais do poder executivo, para evitarem o ser incomodados; - que as suas sentenças em matéria crime podem ser revogadas pela incomodados; - que as suas sentenças em matéria crime podem ser revogadas pela acção privativa do poder moderador; - que as suas próprias decisões em matéria cível acção privativa do poder moderador; - que as suas próprias decisões em matéria cível são, não raro, contrariadas pelo executivo, quando tais decisões afectam o Estado em são, não raro, contrariadas pelo executivo, quando tais decisões afectam o Estado em beneficio dos direitos do cidadão; - que em relação a várias categorias de funcionários a beneficio dos direitos do cidadão; - que em relação a várias categorias de funcionários a acção judicial criminal depende de autorizações do governo, Código Administrativo, art. acção judicial criminal depende de autorizações do governo, Código Administrativo, art. 431.° (garantia administrativa); etc. – E, como se tudo isto não bastasse, a própria função 431.° (garantia administrativa); etc. – E, como se tudo isto não bastasse, a própria função de julgar tem sido cometida, não só a tribunais e estações especiais de variadíssimas de julgar tem sido cometida, não só a tribunais e estações especiais de variadíssimas categorias, estranhas ao poder judicial, mas inclusive a funcionários do poder executivo, categorias, estranhas ao poder judicial, mas inclusive a funcionários do poder executivo, de bem inferior situação na escala hierárquica, e portanto sem habilitações"  de bem inferior situação na escala hierárquica, e portanto sem habilitações"