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INTERACÇÕES NO. 6, PP. 92-128 (2007) CONSTRUÇÃO DIALÓGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO POR ESTUDANTES ADULTOS, PARTICIPANTES NUMA COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM, EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL Conceição Courela Universidade de Lisboa, Centro de Investigação em Educação da Faculdade de Ciências [email protected] Margarida César Universidade de Lisboa, Centro de Investigação em Educação da Faculdade de Ciências [email protected] Resumo Em currículos de educação de adultos pouco escolarizados, o trabalho de projecto colaborativo adequa-se à Educação Ambiental (EA), orientada para a sustentabilidade, contribuindo para a emergência de uma comunidade de aprendizagem. Através do trabalho de projecto colaborativo têm lugar práticas dialógicas e interactivas de construção do conhecimento, que possibilitam o desenvolvimento da auto-estima positiva, geral e académica, dos estudantes, processo favorável à construção de identidades que facilitam a emergência e concretização de projectos académicos e profissionais. Este trabalho insere-se no projecto Interacção e Conhecimento, que estuda e promove as interacções sociais em cenários de educação formal. Consiste numa investigação-acção, em que desenvolvemos um currículo do 3º ciclo do ensino básico recorrente, em alternativa ao SEUC, seguido de quatro anos de follow up. Assumimos uma abordagem interpretativa/qualitativa, historico-culturalmente situada, de inspiração etnográfica. Os participantes são os estudantes e professores desta turma, bem como elementos da comunidade educativa e social. Na recolha de dados destacam-se a observação participante, entrevistas semi-estruturadas, tarefas de inspiração projectiva, protocolos dos alunos e documentos. Os resultados iluminam que os estudantes se assumem como participantes legítimos da comunidade de aprendizagem, participando na sensibilização/educação ambiental das comunidades http://www.eses.pt/interaccoes

CONSTRUÇÃO DIALÓGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO POR ESTUDANTES ADULTOS, PARTICIPANTES NUMA COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM, EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

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Este trabalho insere-se no projeto Interação e Conhecimento, que estuda e promove as interações sociais em cenários de educação formal. Consiste numa investigação-ação, de abordagem interpretativa/qualitativa, histórico-culturalmente situada, de inspiração etnográfica.

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  • INTERACES NO. 6, PP. 92-128 (2007)

    CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO POR ESTUDANTES ADULTOS,

    PARTICIPANTES NUMA COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM, EM EDUCAO AMBIENTAL

    Conceio Courela

    Universidade de Lisboa, Centro de Investigao em Educao da Faculdade de Cincias [email protected]

    Margarida Csar

    Universidade de Lisboa, Centro de Investigao em Educao da Faculdade de Cincias [email protected]

    Resumo

    Em currculos de educao de adultos pouco escolarizados, o trabalho de

    projecto colaborativo adequa-se Educao Ambiental (EA), orientada para a

    sustentabilidade, contribuindo para a emergncia de uma comunidade de

    aprendizagem. Atravs do trabalho de projecto colaborativo tm lugar prticas

    dialgicas e interactivas de construo do conhecimento, que possibilitam o

    desenvolvimento da auto-estima positiva, geral e acadmica, dos estudantes,

    processo favorvel construo de identidades que facilitam a emergncia e

    concretizao de projectos acadmicos e profissionais.

    Este trabalho insere-se no projecto Interaco e Conhecimento, que estuda e

    promove as interaces sociais em cenrios de educao formal. Consiste numa

    investigao-aco, em que desenvolvemos um currculo do 3 ciclo do ensino bsico

    recorrente, em alternativa ao SEUC, seguido de quatro anos de follow up. Assumimos

    uma abordagem interpretativa/qualitativa, historico-culturalmente situada, de

    inspirao etnogrfica. Os participantes so os estudantes e professores desta turma,

    bem como elementos da comunidade educativa e social. Na recolha de dados

    destacam-se a observao participante, entrevistas semi-estruturadas, tarefas de

    inspirao projectiva, protocolos dos alunos e documentos. Os resultados iluminam

    que os estudantes se assumem como participantes legtimos da comunidade de

    aprendizagem, participando na sensibilizao/educao ambiental das comunidades

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  • 93 COURELA & CSAR

    escolar, educativa e social, atravs dos trabalhos de projecto, realizados em EA. Esta

    participao contribui para a apropriao de conhecimentos e para a

    mobilizao/desenvolvimento de competncias com sentido para os participantes, no

    domnio da EA e da sustentabilidade, conducente construo de um sentido de

    identidade positivo, que contribui para facilitar o acesso dos estudantes ao sucesso

    acadmico e incluso escolar e social.

    Palavras-chave: Currculo em alternativa; Trabalho de projecto colaborativo; Comunidade de aprendizagem; Dialogicidade; Identidades.

    Abstract

    In poor literate adults curricula collaborative project work seems adapted to Environmental Education (EE) towards sustainability, contributing to the emergence of

    a learning community. Through collaborative project work dialogical and interactive

    practices of knowledge appropriation took place, promoting the development of

    students general and academic positive self-esteem. This process facilitates the

    construction of students identities and the emergence and operationalisation of

    academic and professional projects.

    This work is part of the project Interaction and Knowledge. This project studies

    and promotes social interactions in formal education scenarios. This study is an action-

    research project in which we developed a curriculum for the third cycle of basic

    recurrent education in alternative to the TSCU. It includes a 4-years follow-up. It

    followed an interpretative/qualitative approach, historical-culturally situated, inspired in

    ethnographic methods. The participants are the students and teachers from this class,

    and elements of the educative and social communities. The main instruments for data

    collection were the participant observation, semi-structured interviews, tasks inspired in

    projective techniques, students protocols and documents. Results illuminated that

    students acted as learning community legitimate participants. They acted as agents for

    environmental education/awareness of the school, educative and social communities

    through the project works developed in EE. This participation was relevant for their

    knowledge appropriation and their mobilization and development of competencies

    related to EE and for sustainability which were meaningful for the participants. This

    way, students could construct a positive sense of identity that makes easier students

    access to the academic achievement and to the school and social inclusion.

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 94

    Key-words: Alternative curriculum; Collaborative project work; Learning community; Dialogicality; Identities.

    Introduo

    Contextualizao

    No 3 ciclo do ensino bsico, a taxa real de escolarizao, entendida como a

    relao percentual entre o nmero de alunos matriculados num determinado ciclo de

    estudos, em idade normal de frequncia desse ciclo, e a populao residente dos

    mesmos nveis etrios (Gabinete de Avaliao e Informao do Sistema Educativo

    [GIASE], 2006, p. 22), passou de 27,0%, em 1977/78, para 82,5%, em 2004/05

    (GIASE, 2006, p. 29). Apesar deste incremento, persistem fenmenos de insucesso

    acadmico, abandono precoce e sada antecipada do sistema educativo (Rosa, 2004).

    Esta situao, associada ausncia de uma poltica educativa pblica coerente e

    continuada de educao de adultos (Lima, 2005), contribui para a predominncia de

    percursos acadmicos curtos entre os adultos portugueses: 71,6% da populao

    atingiu como nvel de escolaridade mxima o 3 ciclo do ensino bsico sendo que,

    destes, 61,1% concluram, no mximo, o 6 ano de escolaridade (INE, 2002).

    O ensino recorrente constitui uma oferta de educao formal de segunda

    oportunidade, dirigida aos jovens e adultos que no concluram o ensino bsico ou

    secundrio na idade esperada (Assembleia da Repblica, 1986), vindo a estruturar-se,

    no 3 ciclo do ensino bsico recorrente, segundo o Sistema de Ensino por Unidades

    Capitalizveis (SEUC). Este sistema, organizado pelo Despacho Normativo N 189/93,

    de 7 de Agosto (Ministrio da Educao [ME], 1993), prescreve um currculo nico,

    apesar da reconhecida heterogeneidade dos pblicos-alvo. O plano curricular inclui

    uma componente de formao geral e uma de formao tcnica (em que o estudante

    opta por uma rea), organizadas em disciplinas e reas disciplinares, cada uma

    correspondendo a um conjunto de unidades capitalizveis. O nmero de unidades que

    necessrio capitalizar, para concluir o 3 ciclo do ensino bsico recorrente, varia de

    71, caso a lngua estrangeira escolhida seja francs ou ingls e artes visuais a rea de

    formao tcnica, a 77, se o alemo for a lngua estrangeira e a rea de formao

    tcnica no for artes visuais (ME, 1993).

    Talvez antevendo o insucesso acadmico que poderia advir desta proposta

    curricular, no diploma legal que formaliza o SEUC (ME, 1993) feita referncia

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    possibilidade de organizao de currculos em alternativa, afirmando-se que, Sempre

    que se provar adequado, so organizados currculos alternativos para grupos

    especficos de populao, mediante autorizao do Departamento de Educao

    Bsica sobre proposta, com parecer favorvel do respectivo director regional de

    Educao (ME, 1993, Princpio Geral 2).

    A avaliao do curso explicitada no mesmo Despacho Normativo

    determinando-se que seja efectuada unidade a unidade e expressa numa escala de 0

    a 20 valores. Baseia-se na realizao de provas escritas, que podem ser acrescidas

    de uma prova oral ou prtica. A classificao final em cada unidade a obtida na

    prova efectuada; caso o estudante realize duas provas, a mdia de ambas,

    arredondada s unidades; a classificao final de cada disciplina ou rea disciplinar

    a mdia aritmtica simples das classificaes obtidas em cada unidade; a

    classificao final do curso a mdia aritmtica simples de todas as disciplinas e

    reas disciplinares, arredondada s unidades. Apesar de cada unidade capitalizada

    ser certificada individualmente, o elevado nmero de unidades que necessrio

    capitalizar para concluir o 3 ciclo do ensino bsico recorrente torna este processo

    extremamente moroso.

    Como refere Baptista (1994), o SEUC uma modalidade educativa que faz

    depender o sucesso acadmico da autonomia do estudante em relao ao professor e

    em que a avaliao normalizada, baseada no teste escrito () o mais desajustado

    dos instrumentos de avaliao () (p. 410), pois configura uma das prticas

    caractersticas da escola em que a maior parte dos estudantes do ensino nocturno

    viveu situaes de insucesso acadmico, enquanto aluno do ensino regular. Assim,

    este sistema no se revela adequado a grande parte do pblico-alvo que,

    frequentemente, abandona o sistema educativo sem concluir o ciclo de escolaridade

    (Pinto, Matos, & Rothes, 1998). Segundo estes autores, apenas 5% ou menos dos

    estudantes concluem o 3 ciclo do ensino bsico recorrente em trs anos.

    O elevado insucesso acadmico no ensino bsico, regular e recorrente,

    conduziu a experincias de adaptao curricular aos diversos pblicos-alvo

    (Branquinho & Sanches, 2000; Csar & Oliveira, 2005; Courela, 2007; Oliveira, 2006;

    Vieira, 2001), enquadradas pela tutela, antes ou durante a sua concretizao, atravs

    do Despacho N 22/SEEI/96, de 19 de Junho (Secretaria de Estado da Educao e

    Inovao [SEEI], 1996), que possibilita a participao de professores, estudantes e

    comunidades escolar e social na construo do currculo, ao nvel das reas

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    curriculares a propor e das respectivas prticas pedaggicas. A (co)construo

    curricular pode permitir que o currculo se assuma como uma ferramenta mediadora

    entre as vivncias, conhecimentos e culturas dos estudantes e os conhecimentos

    acadmicos e as culturas de escola (Csar & Oliveira, 2005; Courela, 2007; Oliveira,

    2006), contribuindo para a operacionalizao dos princpios da educao inclusiva

    (Ainscow & Csar, 2006), ao facilitar o acesso de todo e qualquer aluno/estudante ao

    sucesso acadmico e incluso escolar e social.

    Mediao, culturas e aprendizagem

    A mediao um constructo central da teoria da actividade e significa que a

    aco humana se desenvolve segundo trs plos: o sujeito, o objecto e o artefacto

    mediador (Vygotsky, 1932/1978). Para este autor, signo e ferramenta apresentam

    orientaes divergentes: O signo actua como um instrumento da actividade

    psicolgica de uma maneira anloga funo da ferramenta no trabalho (p. 52). O

    signo no muda o objecto da aco psicolgica e orienta-se internamente. Quanto

    ferramenta, a sua funo () servir de condutor da influncia humana na

    actividade; isto , externamente orientada e deve conduzir a mudanas nos

    objectos (p. 55). O desenvolvimento de processos psicolgicos e formas de actuao

    complexas decorre da mediao efectuada por signos e ferramentas, sendo a

    linguagem a ferramenta mediadora a que Vygotsky (1934/1962) atribui maior

    importncia. So exemplos de processos psicolgicos complexos a memria

    intencional, o planeamento, a ateno voluntria, as estratgias interpretativas e as

    formas de racionalidade lgica. Como refere Thorne (2004), estes processos

    desenvolvem-se em estreita relao com prticas sociais elaboradas, como a

    escolarizao, interaces sociais, aprendizagem de sistemas semiticos (lnguas

    faladas, literacias textuais e digitais, matemtica, msica), contacto com conceitos

    vernculos e ditos cientficos, normas de comportamento, noes espaciais complexas

    e expresses artsticas.

    Como afirmam Cole e Wertsch (2002), As funes mentais so, por definio,

    culturalmente mediadas; envolvem no uma aco directa no mundo, mas uma

    aco indirecta (...) (p. 2, aspas no original), o que tem diversas implicaes. Em

    primeiro lugar, estes autores reconhecem que os artefactos transformam o

    funcionamento mental e que () no servem simplesmente para facilitar os

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    processos mentais que, de qualquer modo, j existiriam. Em vez disso,

    fundamentalmente, configuram-nos e transformam-nos (p. 3). Para Cole (1996),

    Artefactos so objectos materiais criados no processo das aces humanas

    dirigidas para um objectivo. So ideais na medida em que a sua forma material

    tem sido configurada pela sua participao nas interaces das quais tomam

    parte e que medeiam, no presente. (s.p., Artifacts in the science of the artificial)

    Em segundo lugar, Cole e Wertsch (2002) destacam que a centralidade da

    mediao significa, tambm, que quer as funes psicolgicas quer os artefactos so

    situados cultural, histrica e institucionalmente. Em terceiro lugar, estes autores

    enfatizam que considerar () a aco em contexto como a unidade de anlise

    psicolgica exige uma interpretao relacional da mente; objectos e contextos surgem

    juntos como parte de um nico processo de desenvolvimento bio-scio-cultural (p. 3).

    Afirmam ainda, em quarto lugar, que () as funes psicolgicas superiores so

    transaces que incluem o indivduo biolgico, os artefactos culturais mediadores e os

    ambientes social e natural, culturalmente estruturados, dos quais as pessoas fazem

    parte (p. 3).

    Assumimos que a aco e o desenvolvimento humanos, mais do que

    decorrendo de caractersticas cognitivas especficas dos educandos, dependem da

    aco mediadora de artefactos (culturais), em cuja construo a sociedade, o sistema

    educativo, a escola e os seus agentes participam. Isto significa aceitarmos que as

    explicaes para o insucesso escolar, contemplando o insucesso acadmico e a

    excluso social na comunidade escolar (Courela, 2007) so mltiplas, no se situando

    maioritariamente nos estudantes, como a perspectiva da integrao tem veiculado.

    Realamos a importncia da mediao no desenvolvimento e na aprendizagem dos

    educandos, constructos encarados como distintos (Vygotsky, 1932/1978), o que

    enfatiza a responsabilidade da Escola e dos professores na construo de ferramentas

    mediadoras adequadas aos seus pblicos-alvo, isto , que lhes permitam estabelecer

    pontes entre os conhecimentos, as culturas e as vivncias dos estudantes e os

    conhecimentos acadmicos e as culturas de escola (Csar & Oliveira, 2005; Courela,

    2007; Oliveira, 2006). Assim, o sucesso escolar dos estudantes mediado pelas

    ferramentas que a sociedade, os documentos de poltica educativa, a escola e os

    professores constroem e esta responsabilidade tanto maior quanto o pblico-alvo j

    viveu situaes de insucesso escolar acumulado, que os levou a um abandono

    precoce da Escola e, paralelamente, enquanto jovem e adulto, lida com dificuldades

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 98

    de incluso scio-profissional, mas tambm ao nvel da auto-estima, geral e

    acadmica, que estas situaes agudizaram.

    A sociedade e a escola portuguesa tm-se tornado cada vez mais multiculturais

    (Csar & Oliveira, 2005) e, como afirmam Abreu e Elbers (2005), A existncia de

    escolas culturalmente heterogneas exige a construo de novas ferramentas

    psicolgicas, prticas e valorizaes (...) (p. 4), para que todos possam sentir as suas

    culturas celebradas e, simultaneamente, acederem aos cdigos culturais que a escola

    veicula, uma vez que este acesso configura a participao e o sucesso social e

    profissional dos indivduos. Abreu e Elbers (2005) descrevem trs orientaes que tem

    seguido a investigao realizada sobre a importncia da mediao em educao.

    Referem uma linha de investigao sobre o impacte das caractersticas das

    ferramentas mediadoras na cognio; outra abordagem respeitante ao papel das

    interaces sociais no acesso s ferramentas culturais; e, uma terceira perspectiva,

    relacionada com a importncia das estruturas institucionais e sociais mais alargadas

    na compreenso que os indivduos tm das ferramentas culturais. Esta ltima

    orientao corresponde a assumir que, para compreender o papel da mediao em

    educao, h que atender a que os indivduos so participantes em diversas

    comunidades (famlia, escola, empresa), comunidades essas que se inserem numa

    comunidade social, mais alargada; os processos de funcionamento das diversas

    comunidades configuram as interaces dos participantes com as ferramentas

    culturais que medeiam a sua participao. Centrando-nos na comunidade escolar,

    constituda por estudantes, professores e auxiliares da aco educativa que interagem

    numa determinada escola, esta comunidade encontra-se inserida numa mais alargada,

    a comunidade educativa, que inclui os elementos da comunidade local que interagem

    com os elementos da comunidade escolar e que, por sua vez, pertence a uma

    comunidade social (Courela, 2007).

    Wertsch (1996) prope o alargamento do constructo de mediao, em relao

    ao apresentado por Vygotsky (1932/1978), passando a incluir a mediao semitica,

    isto , a que tem lugar atravs da utilizao da linguagem como, por exemplo, em

    actividades relacionadas com a mobilizao e o desenvolvimento de competncias de

    literacia. Para este autor, a mediao semitica permite estabelecer a ligao entre o

    contexto scio-cultural (socio-cultural setting) e o funcionamento individual da mente

    que, simultaneamente, contribui para a configurao desse contexto. Assim, Wertsch

    (1996) convoca os contributos de Bakhtin (1929/1981) para o alargamento do

    constructo de mediao semitica.

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  • 99 COURELA & CSAR

    Dialogismo, interaces sociais e aprendizagem

    Para Bakhtin (1929/1981) a lngua, incluindo a fala e a enunciao, resulta da

    necessidade humana de comunicao e est profundamente ligada s estruturas

    sociais. A palavra um signo, a forma por excelncia de comunicao. Bakhtin

    (1929/1981) distingue entre significado e sentido. O significado uma abstraco,

    correspondendo s descries da palavra no dicionrio; o sentido construdo

    contextualmente pelo sujeito em interaco, exigindo que este relacione o que ouve

    com vivncias anteriores em que interagiu com outros, pelo que o sentido atribudo

    resulta do dilogo entre os interlocutores presentes e passados. Em educao, a

    abordagem de Bakhtin (1929/1981) exige-nos maior ateno s interaces sociais,

    predominantemente discursivas, que ocorrem durante a aprendizagem (Middleton,

    2004). Nos processos de ensino e de aprendizagem, os dilogos so importantes, pelo

    que h que facilitar a existncia da possibilidade dos estudantes construrem sentidos

    para os discursos que ocorrem em cenrios de educao formal.

    Bakhtin (1929/1981) introduz o termo dialgico, inicialmente referindo-se

    necessidade da anlise literria, efectuada num determinado momento, informar e ser

    informada por trabalhos anteriores. Para este autor, a abordagem dialgica uma

    caracterstica indissocivel da linguagem verbal e do pensamento; por sua vez,

    pensamento e linguagem esto intimamente relacionados pois, como afirma Markov

    (2005), O pensamento conceptual e, mais importante, comunicvel (p. 89). O

    pensamento comunicvel e, sendo essa comunicao efectuada atravs da

    linguagem, a linguagem de que dispomos configura o pensamento que somos

    capazes de produzir. Por seu turno, a crescente elaborao do pensamento traduz-se

    na complexificao da linguagem, pelo que importante que, em educao, se

    constituam espaos de pensamento (Perret-Clermont, 2004, p. 3) e se desenvolvam

    as interaces verbais, por exemplo, com a introduo de vocabulrio tcnico que

    permita a complexificao do discurso e do pensamento dos estudantes, a propsito

    de temas com sentido para os prprios como, por exemplo, os assuntos referentes ao

    ambiente e promoo da sustentabilidade.

    Para Bakhtin (1929/1981), cada lngua oficial (portugus, ingls, francs) inclui

    um conjunto de linguagens sociais, tais como dialectos, linguagens prprias de

    profisses, de determinados escales etrios (adolescentes, por exemplo), de

    praticantes de determinada religio. Cada linguagem social configura o que os sujeitos

    so capazes de dizer, ou seja, as suas vozes; assim, este autor ocupou-se da polifonia

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 100

    ou modulao das vozes numa comunidade lingustica, insistindo que as vozes

    representam perspectivas sociais e institucionais particulares de uma dada sociedade.

    Os trabalhos de Bakhtin (1929/1981), em particular a sua meno metfora da ()

    novela polifnica (...) (Hermans, 2001, p. 126) serviram de inspirao para as actuais

    conceptualizaes do dialogical self. Como refere Hamido (2005), a perspectiva

    dialgica concebe a experincia humana globalmente, com relevncia nos processos

    comunicacionais, mediados por sistemas de smbolos, como a linguagem verbal.

    Dialogical self e educao

    Hermans (2001, 2003) deu continuidade proposta de James (1890/1950,

    citado por Csar 2003b), que j concebia a identidade (ou self) constitudo pelo I self,

    o sujeito que age e pensa sobre as suas experincias, e o me self, o objecto dessas

    mesmas experincias. O I self corresponde ao sujeito e o me self ao objecto do

    conhecimento. O I self apresenta trs caractersticas: a continuidade, que nos permite

    sentirmo-nos uma s pessoa; a distino, que nos faz sentirmo-nos seres nicos; e a

    volatilidade, que nos possibilita apropriar pensamentos e experincias e evoluirmos a

    partir dessas apropriaes (Csar, 2003a). Na mente de cada um de ns, o I self pode

    ocupar diferentes posies em simultneo (Hermans, 2001), que correspondem a

    diferentes papis sociais que desempenhamos. Como afirma Hermans (2003), () o

    dialogical self pode ser descrito em termos de multiplicidade dinmica de posies

    expressas, na paisagem da mente, entrelaadas nesta e com as mentes de outras

    pessoas (p. 90). Assim, o dialogical self () consiste numa viso profundamente

    dialgica e multifacetada da nossa identidade (Csar, 2003a, p. 126). Mesmo quando

    nos encontramos sozinhos, a pensar, o pensamento que produzimos dialgico pois,

    como afirma Renshaw (2004), () Cada pensamento individual dialgico no sentido

    que todo o pensamento ocorre atravs da apropriao e uso de formas sociais de

    discurso que esto imbudas das pronncias, valores e crenas de interlocutores

    prvios e de comunidades discursivas (p. 4). Dado que as posies que o I self pode

    ocupar na mente so dotadas de voz, envolvem-se em interaco dialgica e,

    frequentemente, estabelecem relaes de conflito entre si. Como refere Markov

    (2005), a dialogicidade (dialogicality) () a capacidade para conceber, criar e

    comunicar acerca das realidades sociais em termos da sua diversidade, foi implantada

    na mente humana durante a filogenia e a histria scio-cultural (p. 91).

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  • 101 COURELA & CSAR

    Tratando-se de um estudante do ensino recorrente, o I self de uma das

    posies, a que est ligada ao seu papel de estudante, leva-o a desejar comparecer

    na escola; o I self de outra posio, relacionada com a identidade profissional, refora

    a necessidade de progredir academicamente; mas o I self de uma terceira posio,

    respeitante ao papel familiar, pode entrar em conflito com as outras duas posies, ao

    reclamar a presena do estudante junto da famlia. Deste modo, existem relaes de

    poder entre os vrios I selves e resolver esses conflitos com nveis de ansiedade

    suportveis para o sujeito condio necessria para uma vivncia saudvel da

    natureza dialgica da identidade.

    Na mente de cada um de ns ecoam muitas vozes e nesse sentido que o

    dialogical self social; as vozes no tm de chegar a acordo, mas os nveis de conflito

    tm de ser suportveis, para que a situao no se torne patolgica. As vozes que se

    fazem ouvir (ou que so silenciadas) esto intimamente ligadas e so constituintes do

    cenrio em que o sujeito se encontra pois, como afirma Hermans (2003), () o

    dialogical self concebido como socializado, histrico, cultural, incorporado e

    descentralizado (p. 81).

    A teoria do dialogical self reala a importncia da criao de ambientes de

    aprendizagem securizantes, que permitam aos estudantes serem capazes de

    estabelecer compromissos entre as vrias posies dos I selves, aprendendo a gerir

    os conflitos entre elas. Reduzir o conflito entre as vrias posies do I self para nveis

    razoveis pode passar por dar voz aos estudantes, isto , permitir-lhes verbalizar

    aspiraes e contradies, partilhando com eles o poder, tornando-os agentes do seu

    projecto acadmico, no sentido de o ajustarem s necessidades inerentes

    conjugao dos vrios papis da vida adulta. Este um processo histrico-

    culturalmente situado, que decorre numa determinada instituio, num certo tempo; a

    investigao educacional, especialmente a que se desenvolve em estreita relao com

    as prticas, pode amplificar as vozes dos estudantes, para que os ecos no se percam

    e cheguem comunidade cientfica/acadmica e aos rgos de deciso, podendo

    suscitar a reflexo e o debate necessrios para a construo de ofertas educativas

    mais adequadas aos pblicos-alvo. Esta adequao das ofertas educativas pode

    passar pela utilizao do constructo de comunidade de aprendizagem (Lave &

    Wenger, 1991) na criao de ambientes de aprendizagem mais inclusivos, em

    cenrios de educao formal (Roth, 2003).

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 102

    Trabalho colaborativo, comunidades de aprendizagem e construo das identidades

    O trabalho colaborativo, designadamente sob a forma de trabalho de projecto

    (Moura & Barbosa, 2006), promove a ocorrncia de interaces sociais ricas que,

    associadas a um contrato didctico (Schubauer-Leoni, 1986) caracterizado por uma

    distribuio mais equitativa de poder entre o educador e o educando, bem como

    realizao de tarefas com sentido (Bakhtin, 1929/1981) para os participantes,

    consubstanciam uma praxis que pode facilitar a emergncia de uma comunidade de

    aprendizagem (Lave & Wenger, 1991), pois apresenta caractersticas que promovem a

    coerncia da comunidade de aprendizagem: (...) 1) um empenhamento mtuo, 2) um

    empreendimento conjunto, e 3) um repertrio partilhado (Wenger, 1998, pp. 72-73).

    A pertena comunidade implica o empenhamento mtuo nas aces em

    curso, facilitado pela existncia de condies logsticas adequadas (Wenger, 1998) e

    pela diversidade dos membros da comunidade (Roth, 2003). Ao trabalharem

    colaborativamente em torno de um empreendimento conjunto, os participantes

    desenvolvem formas partilhadas de fazerem as coisas (Wenger, 1998, p. 75), que

    implicam o desenvolvimento discursivo e a produo de artefactos (Cole, 1996), bem

    como a valorizao dos seus conhecimentos, vivncias e culturas (Csar & Oliveira,

    2005; Courela, 2007; Oliveira, 2006).

    Enquanto membros de uma comunidade de aprendizagem, os estudantes

    podem desempenhar papis socialmente relevantes, que se repercutem nas

    identidades de cada um (Csar, 2000, 2003a; Grossen, 1999). Este reforo identitrio

    pode facilitar a gesto de conflitos entre as vrias posies que o I self pode ocupar,

    aumentando o poder do I self relacionado com a vida acadmica do sujeito. A escola,

    ao valorizar a colaborao com entidades da comunidade social, pode proporcionar

    situaes em que os familiares dos estudantes participem, valorizando, assim, junto

    dos seus familiares, a opo do indivduo por concretizar um projecto acadmico. A

    participao empenhada e comprometida numa comunidade de aprendizagem,

    desenvolvida a partir da componente curricular de educao ambiental (EA), numa

    comunidade escolar que interage com as comunidades educativa e social, pode

    promover a existncia de vivncias comunitrias construtoras duma cidadania

    maximizante (Evans, 2000), para alm da educao ou instruo cvica (Taylor, 2005),

    alicerada numa participao crtica e activa nos processos sociais e polticos (Evans,

    2000), da maior relevncia em educao de adultos.

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  • 103 COURELA & CSAR

    Metodologia

    Esta investigao insere-se no projecto Interaco e Conhecimento que,

    durante 12 anos (1994/95 a 2005/06), estudou e promoveu interaces sociais em

    cenrios de educao formal. Este estudo inclui-se no Nvel 2 do referido projecto

    (Csar, 2003a), referente a projectos de investigao-aco, em que professores de

    diversas disciplinas e nveis de escolaridade estudam e implementam formas de

    trabalho colaborativo durante pelo menos um ano lectivo. Neste projecto de

    investigao-aco, desenvolvido com o propsito de interveno no cenrio

    educativo (Mason, 2002; McNiff & Whitehead, 2002), assumimos a postura de

    professora/investigadora (Stenhouse, 1991), uma vez que nos interessava contribuir

    para a implicao dos participantes no processo de construo do projecto curricular.

    Este projecto de investigao-aco incluiu um follow up, com quatro anos de durao,

    realizado a diversos participantes no estudo.

    Adoptmos uma abordagem interpretativa/qualitativa (Kumpulainen, Hmelo-

    Silver, & Csar, in press), historico-culturalmente situada, de inspirao etnogrfica

    (Andr, 1991). O projecto de investigao-aco constituiu-se posteriormente, ao

    terminar o processo de investigao-aco, como um estudo de caso intrnseco

    (Stake, 1995), em que analisamos contributos das prticas desenvolvidas na

    componente curricular de EA para a emergncia de uma comunidade de

    aprendizagem (Lave & Wenger, 1991), na qual os participantes assumem

    protagonismo, desenvolvendo a auto-estima positiva, geral e acadmica.

    Participantes no estudo

    So participantes os sete estudantes da turma: Ana, Alzira, Daniela, Ernesto,

    Etelvina, Lusa e Tnia (nomes fictcios), com idades entre os 18 e os 45 anos (no

    incio do curso). Quatro destes estudantes so oriundos de pases africanos de lngua

    oficial portuguesa (PALOPs) e a maioria pertence a estratos socio-economicamente

    desfavorecidos. So ainda participantes a professora/investigadora, que leccionava

    EA, os professores do conselho de turma, professores, estudantes e auxiliares da

    aco educativa da comunidade escolar em regime nocturno, uma tcnica do Espao

    de Pesquisa Ambiental (EPA) da Cmara Municipal do Seixal (Iracema nome

    fictcio), crianas, educadoras e monitoras de jardins de infncia e centros de

    Actividades de Tempos Livres (ATL) dos concelhos de Seixal e Sesimbra, bem como

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 104

    alunos e professores de escolas bsicas e diversos cidados da comunidade social de

    ambos os concelhos.

    Instrumentos de recolha de dados

    Recorremos observao participante (por vezes, udio e/ou vdeo gravada;

    registada atravs de fotografias e no dirio de bordo da professora/investigadora,

    acompanhada das respectivas reflexes), a entrevistas semi-estruturadas, conversas

    informais, tcnicas de inspirao projectiva e anlise documental (por exemplo, o livro

    de curso da turma). Pretendemos, assim, triangular os instrumentos de recolha de

    dados. Relativamente s entrevistas, apresentamos excertos de cinco entrevistas, por

    ordem cronolgica de realizao: E1 final do 2 ano do curso (2001/02) e concluso

    da componente curricular de EA; E2 final do curso (2002/03); E3, E4 e E5

    respectivamente, 1, 2 e 3 anos de follow up (Junho/Julho de 2004, 2005 e 2006,

    respectivamente).

    Procedimentos

    O currculo em alternativa foi planificado pelo conselho de turma, no 3 perodo

    do ano lectivo de 1999/00, processo que foi objecto de recolha documental e de

    registos no dirio de bordo da investigadora. O projecto curricular foi operacionalizado

    e avaliado do ano lectivo de 2000/01 a 2002/03, tendo a sua avaliao e reflexo

    sobre as prticas prosseguido durante o follow up, quando este trabalho se constituiu

    como um estudo de caso.

    Neste currculo existiam trs componentes de formao: geral, scio-cultural e

    vocacional. A EA pertencia componente scio-cultural, estando presente nos 1 e 2

    anos do curso. Em EA implementmos o trabalho colaborativo, principalmente sob a

    forma de trabalho de projecto. Durante a implementao do currculo em alternativa,

    os instrumentos de recolha de dados foram sendo utilizados e, alm disso, foi

    efectuado um tratamento e anlise preliminar dos dados, baseado numa anlise de

    contedo sucessiva, que fez emergir categorias de anlise indutivas.

    Ao longo do follow up, os dados foram recolhidos atravs de entrevistas,

    tcnicas de inspirao projectiva, anlise documental e observao, tendo-se

    aprofundado a anlise de contedo. Esta anlise de dados foi devolvida a vrios

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  • 105 COURELA & CSAR

    participantes, em diversos momentos, para confronto das suas interpretaes com as

    da investigadora.

    Resultados

    Apresentamos o primeiro trabalho de projecto realizado na componente

    curricular de EA, que envolveu as comunidades escolar, educativa e social. O

    tema deste trabalho de projecto - Aprender a Separar para mais tarde Reciclar -

    emergiu das preocupaes e interesses dos estudantes, correspondendo a

    situaes debatidas e negociadas em grupo, relativamente s quais os participantes desejavam intervir, contribuindo para a minimizao de algumas

    situaes problemticas, a nvel local. Foi realizado no 3 perodo do 1 ano do curso

    (2000/01) decorrendo do interesse dos estudantes pela temtica dos resduos slidos

    urbanos (RSU).

    Os estudantes redigiram um texto dramtico, com a colaborao dos

    professores do conselho de turma e, especialmente, das professoras de portugus e

    matemtica, com o mesmo ttulo do trabalho de projecto e dramatizaram-no com

    fantoches. Estes, bem como o cenrio e adereos, foram construdos pelos

    estudantes, com materiais reutilizveis. Do texto constam dois actos: no primeiro, a

    propsito de uma situao do quotidiano, duas crianas (Joo Limpinho e Tiago

    Desperdcio) dialogam sobre a separao dos RSU, visando a reduo, a reutilizao

    e a reciclagem; o segundo acto passa-se junto ao ecoponto, cujos contentores

    dialogam com as personagens, aprovando ou corrigindo a deposio de RSU que

    estas efectuam. O texto dramtico foi representado na escola, no final do ano lectivo

    de 2000/01, encontrando-se registado na Inspeco Geral das Actividades Culturais,

    pertencente ao Ministrio da Cultura, com o N 4 061/2003, em nome da

    professora/investigadora, dos sete estudantes da turma e das professoras de

    portugus e matemtica, dos dois primeiros anos lectivos, o que constituiu motivo de

    satisfao para os participantes (Courela, 2007).

    Os estudantes revelam o agrado pelas prticas pedaggicas desenvolvidas em

    EA, no mbito deste trabalho de projecto, quer centradas na turma quer envolvendo as

    comunidades escolar, educativa e social, bem como pelos artefactos produzidos,

    como pretendemos ilustrar com os seguintes excertos:

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 106

    Gostei! (...) Devia continuar (...) Acho que aprendemos coisas novas (...) foi

    sempre muito mais com prtica (...) Assim a gente ajuda-se uns aos outros! Um

    faz uma coisa, outro faz outra (...) A EA tornou-se cada vez mais prtica (...)

    mais prtica e mais divertida (E1, Etelvina)

    Gosto, gosto mesmo, isto mostra que ns trabalhmos bem, gosto disso. Por

    exemplo, parece que divertiram-se mais com o teatro (...) nos fantoches as

    pessoas riram-se, acharam piada. At chegaram a ir crianas, por exemplo,

    para cantarem l no palco, a msica que ns fizemos... gostei, acho que foi

    diferente. (E3, Lusa)

    (...) em termos de separao do lixo, esta mensagem est ptima, est boa.

    Em relao ao ambiente tambm. (E1, Alzira)

    As palavras destas estudantes iluminam o contributo desta actividade no

    desenvolvimento da sua auto-estima geral positiva, tornando-se possvel ultrapassar a

    situao descrita por Zittoun (2004), a propsito de um estudo sobre jovens que

    ingressam nos cursos de pr-aprendizagem profissional, caracterizada por uma auto-

    estima geral negativa, reforada pelo insucesso acadmico e pela pertena a grupos

    scio-economicamente desfavorecidos. Esta auto-estima geral negativa contribui para

    a construo de um sentido de identidade (sense of identity) negativo. Como refere

    esta autora, O sentimento de identidade dos participantes , por isso, geralmente,

    negativo e muitos tm escolhido desistir das actividades em que tm sido sujeitos a

    muita denegrio e marginalizao. Um bom exemplo de uma dessas actividades a

    educao (Zittoun, 2004, p. 157). Esta descrio adequa-se a muitos estudantes do

    ensino recorrente que, aps experincias de insucesso acadmico no ensino regular,

    abandonam a escola e ingressam no mundo do trabalho (Badalo, 2006; Courela,

    2007), onde geralmente realizam tarefas pouco valorizadas socialmente, o que

    continua a contribuir para a diminuio da auto-estima positiva.

    O sentido negativo da identidade, a que se refere Zittoun (2004),

    frequentemente observvel nos estudantes do ensino recorrente, que facilmente

    assumem no serem capazes de realizar as tarefas que lhes so propostas, tal como

    os estudantes do estudo efectuado por Zittoun (2004), abandonando o sistema de

    educativo. Tornar possvel a participao dos estudantes numa comunidade de

    aprendizagem (Lave & Wenger, 1991), em que so capazes de desenvolver tarefas

    com sentido para os prprios e para os demais, contribui para a construo de um

    sentido de identidade positivo (Zittoun, 2004), que se traduz no reforo do self

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  • 107 COURELA & CSAR

    (Hermans, 2001), correspondente s posies identitrias assumidas enquanto

    estudante e cidado crtico e participativo, agente de sensibilizao/educao

    ambiental nas comunidades a que pertencem e em que assumem protagonismo

    (Courela & Csar, in press). Deste modo, torna-se mais remoto um cenrio de

    abandono escolar pois, no s o acesso ao sucesso acadmico se encontra facilitado,

    como este excede o reconhecimento pela comunidade escolar, alargando-se a outros

    espaos/tempos, com sentido para os participantes.

    O trabalho de projecto colaborativo Aprender a Separar para mais tarde

    Reciclar permitiu esse alargamento uma vez que, aps a primeira dramatizao,

    dirigida comunidade educativa em regime nocturno, a pea tem sido apresentada

    pelos estudantes e outros elementos da comunidade educativa (professoras

    estagirias, educadoras e auxiliares, em jardins de infncia e escolas maioritariamente

    do 1 ciclo do ensino bsico, mas tambm dos 2 e 3 ciclos do ensino bsico), nos

    concelhos de Seixal e Sesimbra. A propsito da primeira apresentao da pea, na

    escola, a tcnica do Espao de Pesquisa Ambiental (Iracema), que colaborou

    connosco e que foi convidada para assistir, efectua o seguinte comentrio:

    Eu achei que a pea estava muito bonita. E, inclusivamente, eles tinham feito

    aquela modelao de vozes, que houve muito empenhamento da parte deles

    na construo da pea. E acho que estava muito interessante. E tambm

    tinha... eh... Portanto, tinha contedos de sensibilizao mas de uma forma

    muito, muito, a brincar, a brincar, mas realmente eles tocaram aspectos muito

    importantes em termos de ambiente. Estava muito... gostei muito tambm da

    apresentao deles... Achei excelente. (E, Iracema)

    Iracema elogia a pea que, logo nesta primeira apresentao, foi

    calorosamente aplaudida pelos presentes. A satisfao dos estudantes em verem

    reconhecido o seu trabalho, nesta primeira apresentao pblica, foi determinante

    para a disponibilidade para sesses futuras, contribuindo para promoo da auto-

    estima, geral e acadmica, destes estudantes e reforo de um sentido de identidade

    positivo (Zittoun, 2004). A respeito de uma dessas experincias (ver Figura 1), a

    Etelvina e a Ana elaboraram um texto para o livro de curso da turma,

    No dia 28 de Maro de 2003, fomos representar esta pea para os meninos do

    ATL da Escola Bsica EB1 n4 do Fogueteiro, acompanhadas pela professora

    [nome da professora/investigadora]. A Etelvina apresentou a equipa aos

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 108

    meninos e fez a introduo representao. No final da pea, a Ana e a

    professora [nome] conversaram com os meninos, para entendermos quais as

    ideias das crianas acerca da reciclagem e da reutilizao. Muitas crianas

    quiseram falar e a conversa foi bastante animada. Posteriormente, as crianas

    do 3 ano elaboraram diversos trabalhos (textos e desenhos) alusivos pea e

    colocaram-nos numa bonita capa forrada a pasta de papel e decorada com

    motivos primaveris e ofereceram-nos. (Documento, Livro de Curso da Turma CA2, Ana e Etelvina, p. 75)

    A dramatizao , geralmente, precedida por um breve dilogo com o pblico,

    em que se explica a origem do trabalho a apresentar. Temos observado que o pblico

    acompanha atentamente a dramatizao, qual se segue um dilogo entre as

    responsveis pela manipulao e vozes dos fantoches e o pblico que, habitualmente,

    coloca questes pertinentes, permitindo que o conhecimento se construa de forma

    dialgica e interactiva.

    Figura 1 Estudantes e professora/investigadora no centro de ATL

    da Escola Bsica EB1 n4 do Fogueteiro (2002/03)

    Posteriormente, as crianas que assistiram dramatizao responderam

    primeira tarefa de inspirao projectiva (TIP1, Escreve ou desenha sobre a pea a que

    assististe...) revelando terem compreendido a mensagem do mesmo (ver Figuras 2 e

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  • 109 COURELA & CSAR

    3). O texto da Figura 2 ilustra como a criana seguiu atentamente a representao e

    como compreendeu a diferena entre reutilizao e reciclagem. A referncia

    impossibilidade de reciclar embalagens plsticas sujas de gordura era concordante

    com a informao disponvel na altura mas, actualmente, esta dificuldade j foi

    ultrapassada, de acordo com indicaes veiculadas por informante privilegiado da

    cmara municipal. Outra criana optou por desenhar os fantoches, os ecopontos, a

    professora/investigadora e as duas estudantes que manipularam os fantoches (ver

    Figura 3).

    Figura 2 Resposta de uma criana do 3 ano, TIP1

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 110

    Figura 3 Resposta de outra criana do 3 ano, do mesmo ATL, TIP1

    Ao pessoal docente e auxiliar, bem como a uma investigadora do projecto

    Interaco e Conhecimento, que assistiu a uma das representaes, solicitmos a

    resposta segunda tarefa de inspirao projectiva (TIP2, Complete a frase: Com esta

    pea de fantoches, as crianas podem...), apresentando-se alguns exemplos (ver

    Figuras 4, 5 e 6).

    Figura 4 Resposta de uma educadora TIP2 (responsvel por uma sala de jardim

    de infncia crianas, na maioria, com 5 anos)

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  • 111 COURELA & CSAR

    Esta educadora destaca os diversos conhecimentos que as crianas afirmam

    ter apropriado e que so fundamentais para que a reciclagem se possa fazer de uma

    forma eficaz. Outra educadora refere-se existncia de uma conscincia ambiental

    mais desperta nas crianas e, por isso mesmo, ao seu papel na

    sensibilizao/educao ambiental dos adultos (ver Figura 5). Assim, ambas as

    educadoras avaliam favoravelmente a representao.

    A resposta TIP2 da investigadora do projecto Interaco e Conhecimento

    apresenta-se na Figura 6.

    Figura 5 Resposta de outra educadora TIP2 (responsvel por uma

    sala de jardim de infncia crianas na maioria com 5 anos)

    (...) antes de mais, ter uma horinha do seu dia completamente diferente do habitual, tendo a possibilidade de entrar em contacto com (...) os fantoches. Assim, a comear por este ponto, penso que uma mais valia continuar a desenvolver actividades to interessantes como essas, no deixando de parte hbitos e costumes desenvolvidos no passado e que hoje em dia tendem a ser substitudos pelas chamadas novas tecnologias. Para alm disso, e relativamente ao prprio tema, aqui o ditado de pequenino que se torce o pepino encaixa muito bem! A pea

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 112

    desenrola-se em volta dum tema central, que mostrar s crianas a importncia e a necessidade que urge hoje em dia dos 3 Rs: reduzir, reciclar e reutilizar, tendo-se criado um espao para chamar ateno para os problemas do ambiente, duma forma apelativa e motivante para as crianas. Com a pea as crianas podem observar as separaes que so essenciais fazer com o lixo, ajudando as personagens dos fantoches a separar o vidro do papel e carto, dos resduos, dos plsticos, das latas, entre mais. Assim, tomando parte da cena, as crianas envolvem-se nela e comeam elas tambm a separar para depois reciclar ou at reutilizar. Estes dois conceitos tambm so muito bem explicados e penso que as crianas os percebem perfeitamente.

    Penso, sinceramente, que muitas das crianas que assistem aos fantoches chegam a casa e quase que exigem me ter l em casa trs saquinhos para colocarem o lixo separadamente. E, neste aspecto, penso que o objectivo foi bem conseguido, pois tudo parte da sensibilizao que depois tambm as prprias crianas continuaro!

    Penso tambm que a discusso final que se faz aps os fantoches muito importante para esclarecer aspectos que foram abordados no teatro e que podero eventualmente ter ficado menos bem percebidos por algumas crianas da plateia. Portanto, a parte da discusso vem completar a pea, na medida em que as crianas demonstram aquilo que aprenderam e completam o que ficou menos bem percebido.

    Figura 6 Resposta da investigadora do projecto Interaco e Conhecimento

    TIP2 (aspas no original)

    Esta investigadora destaca o interesse suscitado pelos fantoches, por se terem

    tornado pouco usuais, nos espectculos infantis e juvenis, dada a preponderncia das

    chamadas tecnologias da informao e comunicao (TIC). Observmos,

    frequentemente, que as crianas vinham cumprimentar os fantoches depois da pea,

    conversando com eles, evidenciando grande curiosidade acerca dos bastidores.

    Nesses casos, permitimos que as crianas observassem e que experimentassem

    manusear os fantoches.

    A investigadora do projecto Interaco e Conhecimento considera a mensagem

    da pea muito importante na construo da ecoliteracia das crianas, isto , da sua

    compreenso das relaes de dependncia da humanidade em relao Terra, no

    que respeita qualidade de vida e possibilidade da sua manuteno

    (Cutter-Mackenzie & Smith, 2003). Observou que as crianas se apropriam facilmente

    da mensagem do texto, durante e aps a pea, na discusso final. Temos observado,

    atravs de conversas informais no final das dramatizaes e pelos desenhos e/ou

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  • 113 COURELA & CSAR

    textos elaborados pelas crianas, em resposta primeira tarefa de inspirao

    projectiva (TIP1), que a mensagem do texto facilmente compreendida e o

    conhecimento apropriado, de forma dialgica e interactiva.

    No ano lectivo de 2003/2004, o texto dramtico foi cedido a duas professoras

    estagirias do 4 grupo (cincias fsico-qumicas), que o dramatizaram para todas as

    turmas dos jardins de infncia e escolas do 1 ciclo do agrupamento vertical de

    escolas Castelo Poente (Sesimbra), para todas as turmas do 2 ciclo do ensino bsico

    regular da escola em que leccionavam e para as turmas do 3 ciclo do ensino bsico

    regular, que estas professoras leccionavam. Nestas apresentaes foram usados os

    fantoches originais e respectivos adereos, que entretanto foram ligeiramente

    modificados pelas professoras.

    Assistimos a parte destas apresentaes que, em alguns casos, foram udio

    ou videogravadas. Um aspecto que nos parece relevante foi observarmos as ligeiras

    modificaes que as professoras iam introduzindo na explorao do texto, conforme o

    pblico-alvo (crianas desde os trs anos de idade at alunos do 6 ano de

    escolaridade e, nalguns casos, do 9 ano). Por exemplo, chamaram a um dos

    fantoches Maria, em vez de Joo Limpinho pois, na opinio da professora, tinha

    dificuldade em simular uma voz de rapaz; por vezes, aps a representao, em jardins

    de infncia, sentavam-se junto das crianas, uma com cada fantoche, que continuava

    a manusear, para promover o dilogo e facilitarem a resposta das crianas primeira

    tarefa de inspirao projectiva (TIP1).

    Estas professoras criaram novos cenrios, mais apelativos do que os originais.

    No caso das turmas cuja docncia pertencia s professoras, a apresentao da pea

    foi integrada na componente curricular de formao cvica. Pudemos observar a

    ateno das crianas e adolescentes, a forma animada como participavam no dilogo,

    a curiosidade e o interesse. As adaptaes realizadas pelas professoras, quer em

    relao representao quer utilizao dos fantoches, antes e depois da pea, ou

    como a pea foi includa nas diversas planificaes curriculares, constituem evidncias

    empricas da riqueza deste texto dramtico e da possibilidade dos diferentes

    utilizadores dele se apropriarem, em diferentes cenrios, construindo novos sentidos

    (Bakthin, 10929/1981) para este artefacto (Cole, 1996).

    A pea foi ainda representada na 2 Mostra de Projectos Educativos promovida

    pela Cmara Municipal de Sesimbra, de 31 de Maio a 6 de Junho de 2004 (ver Figura

    7). Nesta apresentao pudemos observar como os adultos, que assistiam pea,

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 114

    alguns j bastante idosos, seguiam os dilogos com interesse, o que parece

    evidenciar que, apesar da simplicidade do texto, este tambm pode contribuir para

    desenvolver a ecoliteracia da populao adulta (Cutter-Mackenzie & Smith, 2003).

    A par destas representaes, este trabalho de projecto tem sido divulgado no

    projecto Interaco e Conhecimento e atravs da participao da

    professora/investigadora em congressos e seminrios (Courela 2005, Courela &

    Csar, 2006, in press). Mediante solicitao, fantoches, adereos e cenrios so

    disponibilizados para serem utilizados em jardins de infncia, centros de ATL e

    escolas, sendo a representao organizada pela educadora ou professor responsvel.

    Figura 7 Representao da pea Aprender a Separar para mais

    tarde Reciclar na 2 Mostra de Projectos Educativos, Junho de 2004

    Esperamos que estas aces de EA junto das crianas constituam um ponto de

    partida para a educao/sensibilizao da comunidade local pois, como referem Uzzel,

    Fontes, Jensen, Vognsen, Uhrenholdt, Davallon e Kofoed (1998), existem numerosas

    evidncias empricas de que as crianas podem agir como catalisadores de mudana

    na comunidade social em que esto inseridas, nomeadamente no que respeita ao

    desenvolvimento de crenas, atitudes e comportamentos pr-ambientais e, assim,

    contriburem para o desenvolvimento da ecoliteracia dos cidados.

    Por outro lado, a participao enquanto participantes legtimos e no

    perifricos permitiu aos estudantes do currculo em alternativa, mas tambm aos

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  • 115 COURELA & CSAR

    demais que participaram nestas representaes, construir um sentido de identidade

    positivo (Zittoun, 2004), patente em algumas das conversas informais que se seguiram

    s representaes, em que as educadoras e monitoras identificavam crianas que

    raramente falavam e participavam nas actividades como algumas das que tinham

    levantado questes e conseguido expressar opinies sustentadas na informao

    inerente ao texto dramtico.

    Os estudantes decidiram os processos de avaliao e construram os

    instrumentos de avaliao a utilizar nos trabalhos de projecto, atravs de processos

    dialgicos e interactivos, que permitiram ultrapassar os condicionalismos inerentes aos

    testes escritos (Baptista, 2004), fortalecer a comunidade de aprendizagem e

    desenvolver a sua auto-estima positiva, geral e acadmica. Na avaliao do trabalho

    de projecto, os estudantes realaram a relevncia e o interesse dos conhecimentos

    apropriados, a oportunidade de trabalharem colaborativamente com os outros

    participantes e a satisfao pelo reconhecimento pblico dos trabalhos. Os

    professores da turma, auxiliares da aco educativa e cidados que participaram em

    actividades desenvolvidas no mbito dos trabalhos de projecto salientaram a

    pertinncia dos mesmos, bem como o envolvimento dos estudantes e dos diversos

    participantes nas actividades, sublinhando o impacto que este projecto tem tido nas

    comunidades escolar e social, contribuindo para o desenvolvimento da ecoliteracia dos

    cidados.

    Este trabalho de projecto no se limitou a tarefas criativas e artsticas, tendo

    existido a identificao e discusso de uma situao considerada problemtica (neste

    caso, a necessidade de promover a correcta separao dos RSU), uma reflexo sobre

    as aces em curso e as desejveis em relao a essa situao e a (co)construo de

    modalidades de aco mais sustentveis. Procurou-se que as aces fossem

    enquadradas pela reflexo crtica e dialgica, de modo a gerarem-se aces mais

    esclarecidas (Tozoni-Reis, 2006), consentneas com uma cidadania mais actuante e

    com nveis de ecoliteracia mais desenvolvidos (Cutter-Mackenzie & Smith, 2003).

    Quando questionamos os estudantes sobre os acontecimentos que consideram

    mais marcantes no seu percurso no currculo em alternativa, nas trs primeiras

    entrevistas de follow up, as referncias aos trabalhos de projecto realizados em EA

    multiplicam-se. Na entrevista realizada no final do 1 ano de follow up cinco dos sete

    estudantes consideram estes trabalhos de projecto como as actividades mais

    marcantes, como pretendemos iluminar com as seguintes narrativas:

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 116

    Ah! Gostei das actividades que ns fizemos aqui com a pea de teatro, no ?

    Aquela pea de teatro que ns fizemos () Eh foram ideias que ficaram,

    no ? Posso algum dia se quiser com os meus netos [risos] posso aplicar

    algumas dessas ideias. E gostei. (E3 Alzira)

    Para j foi aqueles projectos do ambiente. () E pronto, os fantoches tambm

    foi... (E3, Ana)

    Eu gostei... do trabalho em grupo... gostei de trabalhar muito os fantoches. (...)

    Eu gostava de poder repetir novamente, de voltar a esse tempo! (E3, Ernesto)

    Olhe, actividades (...) E gostei muito de EA e gostei de fsico-qumica (...)

    gostei muito, gostei muito! (E3, Etelvina)

    Foi a de, foi com a professora, foi na como que eu hei-de lembrar ns

    pintvamos [ateliers de EA] () Gostei muito dessa disciplina. Adorei! Adorei

    () (E3, Lusa)

    Destas narrativas destacamos a referncia EA e s prticas pedaggicas,

    designadamente a ligao entre a teoria e a prtica e o trabalho colaborativo. ainda

    referida a pertinncia e o interesse dos conhecimentos que a participao na prtica

    permitiu apropriar. O Ernesto, no s menciona este trabalho de projecto, como revela

    o agrado pelo trabalho colaborativo e o desejo de poder repetir essas vivncias, o que

    ilumina quanto se sentiu bem naquela poca, como essa experincia teve sentido

    para ele. Em entrevista, no final do 2 ano de follow up, a propsito da mesma

    questo, os estudantes relatam o seguinte:

    Recordo dos trabalhos que ns fizemos, consigo. (E4 Alzira)

    Foram os nossos trabalhos [Risos] (...) Os nossos trabalhos. A professora

    sabe que ns tivemos trabalhos que fizemos consigo. Essas coisas todas. ()

    Isso foi marcante. Aquelas aprendizagens da, dos do artesanato e dessas

    coisas todas. E [os fantoches ainda tem saudades deles?] Ai tenhoEu

    gosto muito do teatro. (E4 Ana)

    () recordo-me das actividades de... que ns fazamos com as, com as

    colaboradoras. () [Pausa] Eu... duma maneira geral, quer dizer... assim que

    eu mais gostei, foi assim. Foram essas. (E4, Daniela)

    Lembro-me dos trabalhos que eu fazia em grupo. () Eu gostava de poder

    repetir novamente, de voltar a esse tempo. () O tempo no volta para trs.

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  • 117 COURELA & CSAR

    Uma pessoa vai para a frente, no volta para trs. (...) D mais vontade. Uma

    pessoa fica com mais vontade de praticar, de fazer o trabalho. Agora sozinho

    D pouca vontade (E4, Ernesto)

    De tudo, de tudo, o que mais gostei foi da sua disciplina e no me importava

    de andar era na sua disciplina [EA]. (...) Gostei da disciplina. Gostei muito por

    acaso. (E4, Etelvina)

    Ah muitas! () Eram os trabalhos de grupo, depois fazamos exposies

    nas escolas, na escola tambm gostei. Humm gostei da pea de teatro

    tambm sobre os ecopontos. Tambm no me esqueo, tambm gostei. (E4,

    Lusa)

    Acho que gostei de tudo um pouco. (...) As festas. O Carnaval. O Natal. (...)

    [Risos] Eu gostei dessa disciplina de EA. Gostei muito. (...) Gostei mesmo.

    Muita coisa que gostei. (E4, Tnia)

    Dois anos aps a concluso do curso, os estudantes recordam os trabalhos de

    projecto realizados em EA, referindo especificamente o trabalho de projecto Aprender

    a Separar para mais tarde Reciclar, bem como o trabalho colaborativo, que permitia a

    partilha e a construo dialgica e interactiva de saberes. Recordam, tambm, os

    momentos em que apresentavam os trabalhos de projecto comunidade educativa, o

    que ilumina como esses acontecimentos foram importantes para a promoo da

    auto-estima positiva dos estudantes, geral e acadmica e estruturantes das suas

    identidades (Hermans, 2001, 2003; Zittoun, 2004). Trs anos depois de concludo o

    curso de currculo em alternativa, na entrevista realizada no final do 3 ano de follow

    up, perante a mesma questo, os estudantes narram:

    Ah! Eu gostei muito do nosso, humm, daqueles projectos que ns fazamos,

    daqueles trabalhos em que participvamos na pea de teatro, no ? ()

    Foram conhecimentos que uma pessoa fica, no ? Sempre vamos tendo mais

    conhecimentos. Para ns bom. (E5, Alzira)

    [Risos] Lembro-me das aulas do ambiente [EA] que eram excepcionais ().

    Lembro-me no sei o que que a professora quer especificamente que

    (...) Olhe, tnhamos uma turma muito jeitosa e tnhamos bons professores

    [Risos]. (...) (E5, Ana)

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 118

    Bem, houve, houve uma grande colaborao entre todos ns. Tanto entre

    colegas, como os professores e colegas. Houve acho que foi bom o

    aproveitamento. Humm penso que as notas que ns tivemos que foi o meu

    caso foram merecidas. (E5, Daniela)

    Os trabalhos de fazer em grupo. Os fantoches! (E5, Ernesto)

    Principalmente da EA, no? [Grande sorriso] (...) Porque gosto! (E5, Etelvina)

    Humm do convvio entre colegas. Entre os professores. Era fora de

    vontade que e sempre os professores tiveram entre os alunos para os

    pronto para ns podermos termos uma boa nota Humm incentivavam-nos

    muito. Era isso. (...) Lembro-me dos (...) Os trabalhos de grupo que

    fazamos humm era isso que eu me recordo. isso que eu me recordo.

    (E5, Lusa)

    () Da EA (...) Ento prontos uma pessoa j tem aquela noo do que

    que se passa com o ambiente. E, pronto certas coisas que no se devem

    que fazer j. Tenho aquela noo base mas achei muito interessante.

    Gostei. (E5, Tnia)

    semelhana do que sucedeu nas entrevistas do ano anterior, os estudantes

    recordam os trabalhos de projecto, realizados em EA, como actividades com sentido

    (Bakthin, 1929/1981), quer pelos conhecimentos que apropriaram quer pelo trabalho

    colaborativo e pelo convvio existente entre professores e estudantes. Porm, nos trs

    anos de distncia, as relaes humanas que foram estabelecidas ganham,

    progressivamente, mais importncia, sendo salientadas como essenciais para o

    trabalho desenvolvido. Poder vivenciar situaes de apreo e de valorizao pessoal

    foi um aspecto essencial do jogo relacional (Csar, 2007) que existiu durante os anos

    de implementao do currculo em alternativa e foi, tambm, um elemento essencial

    na construo identitria deste adultos, que j tinham vivido diversos processos de

    excluso escolar e social.

    Alm da invocao repetida que os estudantes fazem dos trabalhos de projecto

    que desenvolveram em EA, outra evidncia emprica da importncia que atribuem

    sua participao nestes trabalhos de projecto a disponibilidade que revelam para

    continuarem a participar em aces de sensibilizao/educao ambiental

    direccionadas para a comunidade social, depois de terminado o curso, como afirmam,

    quando questionados a esse respeito:

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  • 119 COURELA & CSAR

    () Ai, desde que eu tivesse tempo, eu gostava. (E3, Alzira)

    () eu eu era capaz porque j tenho outros conhecimentos, acima daqueles

    que eu tinha e, principalmente com o problema da poluio. Eu era capaz de

    ajudar. Seja qual for o projecto que tiver. (E4, Alzira)

    Se tiver oportunidade e se tiver tempo sim! (E5, Alzira)

    A Alzira valoriza os conhecimentos que apropriou, considerando que estes lhe

    permitem desempenhar um papel educativo junto dos outros cidados, assumindo

    uma postura como cidad crtica e assertiva (Evans, 2000), mesmo encontrando

    pessoas que no a apreciam, o que constitui uma evidncia emprica da sua

    capacidade para efectuar a transio (Zittoun, 2006) entre as competncias

    desenvolvidas na comunidade escolar, como estudante, para a comunidade social,

    enquanto cidad.

    A Ana tambm se revela disponvel para participar em aces de

    sensibilizao/educao ambiental para a comunidade social, como relata sobre os

    motivos da sua disponibilidade Ai! Por gosto! Gosto e ganha-se conhecimentos!

    outra forma de estar na vida! uma forma diferente de estar na vida! (E3, Ana). Desde

    que concluiu o 2 ano do curso, a Ana efectuou trs apresentaes do trabalho de

    projecto Aprender a Separar para mais tarde Reciclar. No incio do ano lectivo de

    2004/2005, enquanto estudante do ensino secundrio recorrente, apresentou a

    possibilidade de apresentar o trabalho na comunidade escolar, em regime nocturno,

    da escola onde se encontra a estudar. Inicialmente, a sua proposta foi acolhida

    favoravelmente e com tristeza que narra: Ele [o professor] disse que sim mas,

    depois houve vrias coisas que mudaram na escola e no foi possvel (E4, Ana). No

    entanto, assume, na mesma entrevista, quando a questionamos sobre o interesse em

    apresentar, de novo, o referido trabalho de projecto: Se houvesse oportunidade e se

    houvesse tempo sim. Isso o meu calcanhar de Aquiles, o tempo (E4, Ana). A

    dificuldade em gerir o tempo apontada, tambm, pela Daniela como um entrave

    eventual participao em aces de sensibilizao/educao ambiental: Pois. Seria

    interessante, mas eu, por enquanto, como tenho o meu tempo todo ocupado [risos]

    (E6, Daniela).

    O interesse da Etelvina pela EA manteve-se, mesmo depois de ter sido

    excluda da frequncia do curso, por ter excedido o limite de faltas (no final do 1

    perodo do 3 ano, 2002/03), por motivos particulares. Em entrevista realizada no final

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 120

    do 1 ano de follow up, quando interrogada acerca de como se ocupou enquanto

    esteve doente, diz-nos que continuou com o seu processo de recolha e organizao

    de informao relativa ao ambiente, nomeadamente a partir de fotocpias de livros e

    de jornais, o que implicava a ida regular ao caf do bairro, para ficar com o jornal dirio

    da vspera e mesmo idas biblioteca municipal, com a inerente despesa, em

    deslocao e em fotocpias. Assim, afirma: Olhe este ano j fiz vrios cartazes sobre

    EA, e tenho l sete livrinhos feitos, um de cada cor, sobre os incndios que houve o

    ano passado (E3, Etelvina). Nesta tarefa conta com a participao das filhas, pelo que

    a actividade envolve o agregado familiar, possibilitando uma aco de

    sensibilizao/educao ambiental, desenvolvida pela Etelvina junto das filhas,

    afirmando que: (...) elas cortam o maior e eu depois fao os recortes finais (E3,

    Etelvina). A manuteno do interesse pela EA parece-nos constituir uma forte

    evidncia emprica do valor que a participao no currculo em alternativa e, em

    particular, a frequncia da EA, teve para a Etelvina, contribuindo para a construo de

    identidades positivas, como estudante e como cidad e a manuteno da esperana

    numa vida melhor.

    A disponibilidade da Etelvina para continuar a participar em aces de

    sensibilizao/educao ambiental direccionadas para a comunidade social mantm-

    se no final do 1 ano de follow up, como relata, quando questionada a esse respeito

    () Sim! Mesmo que esteja a trabalhar, depois falo () Sim, sim! Eu gostava! (E3,

    Etelvina). Acerca dos motivos desta disponibilidade, narra:

    Em primeiro lugar porque, pronto, fazer peas de teatro d assim uma alegria

    s crianas, eles a verem, portanto, eles no sabem que somos ns que

    estamos ali, porque as nossas mos e aquilo para as crianas eles

    aprendem, pronto, a gente a dar educao, porque se formos a ver tamos a

    dar tipo educao aos midos! () Estamos a explicar o que que se deve

    fazer e o que que no se deve fazer! E ento acho que vale a pena e devia

    haver mais. (E3, Etelvina)

    No final do 2 ano de follow up, a Etelvina reafirma a sua disponibilidade, pois

    afirma: Gostava de fazer assim um projectozinho assim sobre o ambiente. ()

    Gostava, porque isso d eu vejo que as crianas de agora to to desinteressadas

    (E4, Etelvina). Quando questionamos a Lusa sobre a disponibilidade para participar

    em aces de sensibilizao/educao ambiental para a comunidade social, ela

    afirma: Eu ia! Desde que coincidisse com o meu tempo eu era capaz! (E3, Lusa). O

    http://www.eses.pt/interaccoes

  • 121 COURELA & CSAR

    Ernesto recorda especialmente o trabalho de projecto Aprender a Separar para mais

    tarde Reciclar mas, como nos diz em conversa informal, o seu horrio laboral no lhe

    permite ter disponibilidade para participar neste tipo de aces. Ainda, em relao

    possibilidade de participar em aces de EA para a comunidade social, a Tnia

    declara que: Sim! Gostaria (E3, Tnia). Na entrevista seguinte, apesar de no

    responder directamente questo que lhe colocamos, a Tnia reafirma o seu gosto

    pela EA.

    Alm de observarmos como os estudantes participantes na comunidade de

    aprendizagem desenvolveram competncias para agirem como cidados activos e

    empenhados num relacionamento mais sustentvel com o meio, nas conversas

    informais e nas entrevistas tm-nos relatado como so capazes de mobilizar os

    conhecimentos que apropriaram e as competncias que desenvolveram atravs dos

    trabalhos de projecto, efectuando transies para as suas vivncias quotidianas

    (Zittoun, 2006), exercendo uma aco educativa e assertiva de esclarecimento aos

    que os rodeiam, no que respeita a procedimentos ambientalmente correctos e visando

    a sustentabilidade. Para alm disso, uma vez que alguns produtos dos trabalhos de

    projecto realizados em EA continuaram (e continuam) a ser utilizados por elementos

    da comunidade social, que deles se apropriaram, recriando a sua utilizao, existem

    evidncias empricas da sua riqueza, enquanto facilitadores da educao na

    cidadania, direccionada para o ambiente e a sustentabilidade.

    Como tivemos conhecimento, atravs da recolha de dados no 4 ano de follow

    up, os estudantes progrediram academicamente, tendo a Etelvina j concludo o

    ensino bsico e a Alzira o ensino secundrio recorrente. Os outros estudantes

    frequentam o ensino secundrio ou aguardam a oportunidade para realizarem o

    processo de reconhecimento, validao e certificao de competncias, a nvel do

    ensino secundrio, que consideram mais favorvel do que o ensino recorrente; a nvel

    profissional tambm se observam algumas progresses nas actividades

    desempenhadas. Em todos os estudantes participantes pudemos observar que se

    mantm o desejo de construrem projectos de vida que passam pelo desenvolvimento

    pessoal, acadmico e profissional (Courela, 2007).

    Consideraes Finais

    No 3 ciclo do ensino bsico recorrente, os currculos em alternativa ao SEUC

    podem contribuir para a operacionalizao dos princpios da educao inclusiva

  • CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 122

    (Ainscow & Csar, 2006) permitindo, aos jovens e adultos que decidem retornar

    escola, para completarem os respectivos percursos acadmicos, trilharem caminhos

    que, mais facilmente, os podem conduzir ao sucesso acadmico e incluso escolar e

    social. O currculo pode, assim, constituir-se como uma poderosa ferramenta

    mediadora (Vygotsky, 1932/1978) entre as vivncias, conhecimentos e culturas dos

    estudantes e os conhecimentos acadmicos e as culturas de escola (Csar & Oliveira,

    2005; Courela, 2007; Oliveira, 2006). Atravs de um currculo que (co)construram, os

    estudantes tiveram acesso a experincias de aprendizagem e vivncias escolares

    mais inclusivas, onde encontraram formas de acederem ao sucesso acadmico e

    incluso social, mais adaptados aos seus interesses, caractersticas e necessidades.

    As interaces sociais desempenham um papel fundamental na aprendizagem

    (Csar, 2003a) e o trabalho colaborativo, associado a um contrato didctico

    (Schubauer-Leoni, 1986) mais adequado ao estatuto de adultos de educador e

    educandos, pode promover a existncia de interaces sociais ricas. Assim, o

    conhecimento (co)construdo e apropriado de uma forma interactiva e dialgica,

    onde o encontro e partilha com o outro permitem que cada um se sinta valorizado nos

    seus conhecimentos e culturas e, simultaneamente, seja capaz de (co)construir os

    recursos scio-cognitivos e emocionais necessrios ao seu desenvolvimento pessoal,

    acadmico e profissional.

    A abordagem do dialogical self (Hermans, 2001, 2003) tem permitido, aos

    educadores, uma compreenso mais aprofundada da teia de relaes intra e inter-

    sociais que acompanham os processos de ensino e de aprendizagem, em cenrios de

    educao formal. Ao reconhecermos que cada indivduo tem mltiplas identidades,

    relacionadas com a diversidade dos papis que somos chamados a desempenhar

    numa sociedade cada vez mais complexa, assume-se tambm a existncia de

    conflitos entre os vrios selves. Deste modo, cabe aos educadores contriburem para a

    construo de ambientes de aprendizagem securizantes, onde cada um possa

    compreender e gerir, com nveis de ansiedade suportveis, os conflitos entre as vrias

    identidades, tornando-se disponvel para participar na construo de aprendizagens

    com sentido para o prprio (Bakthin, 1929/1981) e conducentos ao desenvolvimento

    pessoal e acadmico.

    A participao dos estudantes, numa comunidade de aprendizagem onde os

    conhecimentos eram construdos e apropriados atravs de processos dialgicos e

    interactivos envolvendo, no s o grupo turma, mas tambm as comunidades escolar,

    http://www.eses.pt/interaccoes

  • 123 COURELA & CSAR

    educativa e social permitiu-lhes desenvolver uma auto-estima positiva, geral e

    acadmica. medida que participavam na construo e divulgao do conhecimento,

    atravs da praxis desenvolvida no projecto curricular e, em particular, dos trabalhos de

    projecto realizados em EA, os estudantes foram vivendo processos de reconhecimento

    e valorizao das suas vivncias, conhecimentos e culturas, que permitiram que as

    suas vozes fossem ouvidas, enquanto membros legtimos de uma comunidade de

    aprendizagem. Ao assumirem protagonismo nas diversas comunidades em que se

    inserem tornou-se mais acessvel, aos estudantes, a construo de identidades

    mltiplas, individuais e colectivas, aliceradas na valorizao das culturas e

    participao criativa de cada um (Taylor, 2005). Graas ao papel mediador dos

    trabalhos de projecto colaborativos realizados em EA, os estudantes puderam

    (re)equacionar as suas identidades como adultos empenhados num projecto

    acadmico, tornando cada vez menos provvel um cenrio de abandono escolar e

    excluso social atravs da repetio das histrias que viveram no passado e que

    procuraram transformar e (re)construir colaborativamente no regresso escola.

    Nota: O projecto Interaco e Conhecimento foi parcialmente subsidiado pelo IIE, em 1996/97

    e em 1997/98, medida SIQE 2, e pelo CIEFCUL, desde 1996. Agradecemos aos orgos de

    gesto da escola onde decorreu a investigao, Escola Secundria com 3 ciclo do Ensino

    Bsico Manuel Cargaleiro, o acesso aos dados necessrios e a autorizao para divulgarmos o

    nome da escola. Agradecemos tambm aos participantes, pela disponibilidade para a

    realizao do mesmo, bem como aos colegas do grupo de investigao, cujos trabalhos e

    discusses nos ajudaram a realizar este percurso e nos inspiram a continu-lo.

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