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Este trabalho insere-se no projeto Interação e Conhecimento, que estuda e promove as interações sociais em cenários de educação formal. Consiste numa investigação-ação, de abordagem interpretativa/qualitativa, histórico-culturalmente situada, de inspiração etnográfica.
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INTERACES NO. 6, PP. 92-128 (2007)
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO POR ESTUDANTES ADULTOS,
PARTICIPANTES NUMA COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM, EM EDUCAO AMBIENTAL
Conceio Courela
Universidade de Lisboa, Centro de Investigao em Educao da Faculdade de Cincias [email protected]
Margarida Csar
Universidade de Lisboa, Centro de Investigao em Educao da Faculdade de Cincias [email protected]
Resumo
Em currculos de educao de adultos pouco escolarizados, o trabalho de
projecto colaborativo adequa-se Educao Ambiental (EA), orientada para a
sustentabilidade, contribuindo para a emergncia de uma comunidade de
aprendizagem. Atravs do trabalho de projecto colaborativo tm lugar prticas
dialgicas e interactivas de construo do conhecimento, que possibilitam o
desenvolvimento da auto-estima positiva, geral e acadmica, dos estudantes,
processo favorvel construo de identidades que facilitam a emergncia e
concretizao de projectos acadmicos e profissionais.
Este trabalho insere-se no projecto Interaco e Conhecimento, que estuda e
promove as interaces sociais em cenrios de educao formal. Consiste numa
investigao-aco, em que desenvolvemos um currculo do 3 ciclo do ensino bsico
recorrente, em alternativa ao SEUC, seguido de quatro anos de follow up. Assumimos
uma abordagem interpretativa/qualitativa, historico-culturalmente situada, de
inspirao etnogrfica. Os participantes so os estudantes e professores desta turma,
bem como elementos da comunidade educativa e social. Na recolha de dados
destacam-se a observao participante, entrevistas semi-estruturadas, tarefas de
inspirao projectiva, protocolos dos alunos e documentos. Os resultados iluminam
que os estudantes se assumem como participantes legtimos da comunidade de
aprendizagem, participando na sensibilizao/educao ambiental das comunidades
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escolar, educativa e social, atravs dos trabalhos de projecto, realizados em EA. Esta
participao contribui para a apropriao de conhecimentos e para a
mobilizao/desenvolvimento de competncias com sentido para os participantes, no
domnio da EA e da sustentabilidade, conducente construo de um sentido de
identidade positivo, que contribui para facilitar o acesso dos estudantes ao sucesso
acadmico e incluso escolar e social.
Palavras-chave: Currculo em alternativa; Trabalho de projecto colaborativo; Comunidade de aprendizagem; Dialogicidade; Identidades.
Abstract
In poor literate adults curricula collaborative project work seems adapted to Environmental Education (EE) towards sustainability, contributing to the emergence of
a learning community. Through collaborative project work dialogical and interactive
practices of knowledge appropriation took place, promoting the development of
students general and academic positive self-esteem. This process facilitates the
construction of students identities and the emergence and operationalisation of
academic and professional projects.
This work is part of the project Interaction and Knowledge. This project studies
and promotes social interactions in formal education scenarios. This study is an action-
research project in which we developed a curriculum for the third cycle of basic
recurrent education in alternative to the TSCU. It includes a 4-years follow-up. It
followed an interpretative/qualitative approach, historical-culturally situated, inspired in
ethnographic methods. The participants are the students and teachers from this class,
and elements of the educative and social communities. The main instruments for data
collection were the participant observation, semi-structured interviews, tasks inspired in
projective techniques, students protocols and documents. Results illuminated that
students acted as learning community legitimate participants. They acted as agents for
environmental education/awareness of the school, educative and social communities
through the project works developed in EE. This participation was relevant for their
knowledge appropriation and their mobilization and development of competencies
related to EE and for sustainability which were meaningful for the participants. This
way, students could construct a positive sense of identity that makes easier students
access to the academic achievement and to the school and social inclusion.
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 94
Key-words: Alternative curriculum; Collaborative project work; Learning community; Dialogicality; Identities.
Introduo
Contextualizao
No 3 ciclo do ensino bsico, a taxa real de escolarizao, entendida como a
relao percentual entre o nmero de alunos matriculados num determinado ciclo de
estudos, em idade normal de frequncia desse ciclo, e a populao residente dos
mesmos nveis etrios (Gabinete de Avaliao e Informao do Sistema Educativo
[GIASE], 2006, p. 22), passou de 27,0%, em 1977/78, para 82,5%, em 2004/05
(GIASE, 2006, p. 29). Apesar deste incremento, persistem fenmenos de insucesso
acadmico, abandono precoce e sada antecipada do sistema educativo (Rosa, 2004).
Esta situao, associada ausncia de uma poltica educativa pblica coerente e
continuada de educao de adultos (Lima, 2005), contribui para a predominncia de
percursos acadmicos curtos entre os adultos portugueses: 71,6% da populao
atingiu como nvel de escolaridade mxima o 3 ciclo do ensino bsico sendo que,
destes, 61,1% concluram, no mximo, o 6 ano de escolaridade (INE, 2002).
O ensino recorrente constitui uma oferta de educao formal de segunda
oportunidade, dirigida aos jovens e adultos que no concluram o ensino bsico ou
secundrio na idade esperada (Assembleia da Repblica, 1986), vindo a estruturar-se,
no 3 ciclo do ensino bsico recorrente, segundo o Sistema de Ensino por Unidades
Capitalizveis (SEUC). Este sistema, organizado pelo Despacho Normativo N 189/93,
de 7 de Agosto (Ministrio da Educao [ME], 1993), prescreve um currculo nico,
apesar da reconhecida heterogeneidade dos pblicos-alvo. O plano curricular inclui
uma componente de formao geral e uma de formao tcnica (em que o estudante
opta por uma rea), organizadas em disciplinas e reas disciplinares, cada uma
correspondendo a um conjunto de unidades capitalizveis. O nmero de unidades que
necessrio capitalizar, para concluir o 3 ciclo do ensino bsico recorrente, varia de
71, caso a lngua estrangeira escolhida seja francs ou ingls e artes visuais a rea de
formao tcnica, a 77, se o alemo for a lngua estrangeira e a rea de formao
tcnica no for artes visuais (ME, 1993).
Talvez antevendo o insucesso acadmico que poderia advir desta proposta
curricular, no diploma legal que formaliza o SEUC (ME, 1993) feita referncia
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possibilidade de organizao de currculos em alternativa, afirmando-se que, Sempre
que se provar adequado, so organizados currculos alternativos para grupos
especficos de populao, mediante autorizao do Departamento de Educao
Bsica sobre proposta, com parecer favorvel do respectivo director regional de
Educao (ME, 1993, Princpio Geral 2).
A avaliao do curso explicitada no mesmo Despacho Normativo
determinando-se que seja efectuada unidade a unidade e expressa numa escala de 0
a 20 valores. Baseia-se na realizao de provas escritas, que podem ser acrescidas
de uma prova oral ou prtica. A classificao final em cada unidade a obtida na
prova efectuada; caso o estudante realize duas provas, a mdia de ambas,
arredondada s unidades; a classificao final de cada disciplina ou rea disciplinar
a mdia aritmtica simples das classificaes obtidas em cada unidade; a
classificao final do curso a mdia aritmtica simples de todas as disciplinas e
reas disciplinares, arredondada s unidades. Apesar de cada unidade capitalizada
ser certificada individualmente, o elevado nmero de unidades que necessrio
capitalizar para concluir o 3 ciclo do ensino bsico recorrente torna este processo
extremamente moroso.
Como refere Baptista (1994), o SEUC uma modalidade educativa que faz
depender o sucesso acadmico da autonomia do estudante em relao ao professor e
em que a avaliao normalizada, baseada no teste escrito () o mais desajustado
dos instrumentos de avaliao () (p. 410), pois configura uma das prticas
caractersticas da escola em que a maior parte dos estudantes do ensino nocturno
viveu situaes de insucesso acadmico, enquanto aluno do ensino regular. Assim,
este sistema no se revela adequado a grande parte do pblico-alvo que,
frequentemente, abandona o sistema educativo sem concluir o ciclo de escolaridade
(Pinto, Matos, & Rothes, 1998). Segundo estes autores, apenas 5% ou menos dos
estudantes concluem o 3 ciclo do ensino bsico recorrente em trs anos.
O elevado insucesso acadmico no ensino bsico, regular e recorrente,
conduziu a experincias de adaptao curricular aos diversos pblicos-alvo
(Branquinho & Sanches, 2000; Csar & Oliveira, 2005; Courela, 2007; Oliveira, 2006;
Vieira, 2001), enquadradas pela tutela, antes ou durante a sua concretizao, atravs
do Despacho N 22/SEEI/96, de 19 de Junho (Secretaria de Estado da Educao e
Inovao [SEEI], 1996), que possibilita a participao de professores, estudantes e
comunidades escolar e social na construo do currculo, ao nvel das reas
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curriculares a propor e das respectivas prticas pedaggicas. A (co)construo
curricular pode permitir que o currculo se assuma como uma ferramenta mediadora
entre as vivncias, conhecimentos e culturas dos estudantes e os conhecimentos
acadmicos e as culturas de escola (Csar & Oliveira, 2005; Courela, 2007; Oliveira,
2006), contribuindo para a operacionalizao dos princpios da educao inclusiva
(Ainscow & Csar, 2006), ao facilitar o acesso de todo e qualquer aluno/estudante ao
sucesso acadmico e incluso escolar e social.
Mediao, culturas e aprendizagem
A mediao um constructo central da teoria da actividade e significa que a
aco humana se desenvolve segundo trs plos: o sujeito, o objecto e o artefacto
mediador (Vygotsky, 1932/1978). Para este autor, signo e ferramenta apresentam
orientaes divergentes: O signo actua como um instrumento da actividade
psicolgica de uma maneira anloga funo da ferramenta no trabalho (p. 52). O
signo no muda o objecto da aco psicolgica e orienta-se internamente. Quanto
ferramenta, a sua funo () servir de condutor da influncia humana na
actividade; isto , externamente orientada e deve conduzir a mudanas nos
objectos (p. 55). O desenvolvimento de processos psicolgicos e formas de actuao
complexas decorre da mediao efectuada por signos e ferramentas, sendo a
linguagem a ferramenta mediadora a que Vygotsky (1934/1962) atribui maior
importncia. So exemplos de processos psicolgicos complexos a memria
intencional, o planeamento, a ateno voluntria, as estratgias interpretativas e as
formas de racionalidade lgica. Como refere Thorne (2004), estes processos
desenvolvem-se em estreita relao com prticas sociais elaboradas, como a
escolarizao, interaces sociais, aprendizagem de sistemas semiticos (lnguas
faladas, literacias textuais e digitais, matemtica, msica), contacto com conceitos
vernculos e ditos cientficos, normas de comportamento, noes espaciais complexas
e expresses artsticas.
Como afirmam Cole e Wertsch (2002), As funes mentais so, por definio,
culturalmente mediadas; envolvem no uma aco directa no mundo, mas uma
aco indirecta (...) (p. 2, aspas no original), o que tem diversas implicaes. Em
primeiro lugar, estes autores reconhecem que os artefactos transformam o
funcionamento mental e que () no servem simplesmente para facilitar os
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processos mentais que, de qualquer modo, j existiriam. Em vez disso,
fundamentalmente, configuram-nos e transformam-nos (p. 3). Para Cole (1996),
Artefactos so objectos materiais criados no processo das aces humanas
dirigidas para um objectivo. So ideais na medida em que a sua forma material
tem sido configurada pela sua participao nas interaces das quais tomam
parte e que medeiam, no presente. (s.p., Artifacts in the science of the artificial)
Em segundo lugar, Cole e Wertsch (2002) destacam que a centralidade da
mediao significa, tambm, que quer as funes psicolgicas quer os artefactos so
situados cultural, histrica e institucionalmente. Em terceiro lugar, estes autores
enfatizam que considerar () a aco em contexto como a unidade de anlise
psicolgica exige uma interpretao relacional da mente; objectos e contextos surgem
juntos como parte de um nico processo de desenvolvimento bio-scio-cultural (p. 3).
Afirmam ainda, em quarto lugar, que () as funes psicolgicas superiores so
transaces que incluem o indivduo biolgico, os artefactos culturais mediadores e os
ambientes social e natural, culturalmente estruturados, dos quais as pessoas fazem
parte (p. 3).
Assumimos que a aco e o desenvolvimento humanos, mais do que
decorrendo de caractersticas cognitivas especficas dos educandos, dependem da
aco mediadora de artefactos (culturais), em cuja construo a sociedade, o sistema
educativo, a escola e os seus agentes participam. Isto significa aceitarmos que as
explicaes para o insucesso escolar, contemplando o insucesso acadmico e a
excluso social na comunidade escolar (Courela, 2007) so mltiplas, no se situando
maioritariamente nos estudantes, como a perspectiva da integrao tem veiculado.
Realamos a importncia da mediao no desenvolvimento e na aprendizagem dos
educandos, constructos encarados como distintos (Vygotsky, 1932/1978), o que
enfatiza a responsabilidade da Escola e dos professores na construo de ferramentas
mediadoras adequadas aos seus pblicos-alvo, isto , que lhes permitam estabelecer
pontes entre os conhecimentos, as culturas e as vivncias dos estudantes e os
conhecimentos acadmicos e as culturas de escola (Csar & Oliveira, 2005; Courela,
2007; Oliveira, 2006). Assim, o sucesso escolar dos estudantes mediado pelas
ferramentas que a sociedade, os documentos de poltica educativa, a escola e os
professores constroem e esta responsabilidade tanto maior quanto o pblico-alvo j
viveu situaes de insucesso escolar acumulado, que os levou a um abandono
precoce da Escola e, paralelamente, enquanto jovem e adulto, lida com dificuldades
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 98
de incluso scio-profissional, mas tambm ao nvel da auto-estima, geral e
acadmica, que estas situaes agudizaram.
A sociedade e a escola portuguesa tm-se tornado cada vez mais multiculturais
(Csar & Oliveira, 2005) e, como afirmam Abreu e Elbers (2005), A existncia de
escolas culturalmente heterogneas exige a construo de novas ferramentas
psicolgicas, prticas e valorizaes (...) (p. 4), para que todos possam sentir as suas
culturas celebradas e, simultaneamente, acederem aos cdigos culturais que a escola
veicula, uma vez que este acesso configura a participao e o sucesso social e
profissional dos indivduos. Abreu e Elbers (2005) descrevem trs orientaes que tem
seguido a investigao realizada sobre a importncia da mediao em educao.
Referem uma linha de investigao sobre o impacte das caractersticas das
ferramentas mediadoras na cognio; outra abordagem respeitante ao papel das
interaces sociais no acesso s ferramentas culturais; e, uma terceira perspectiva,
relacionada com a importncia das estruturas institucionais e sociais mais alargadas
na compreenso que os indivduos tm das ferramentas culturais. Esta ltima
orientao corresponde a assumir que, para compreender o papel da mediao em
educao, h que atender a que os indivduos so participantes em diversas
comunidades (famlia, escola, empresa), comunidades essas que se inserem numa
comunidade social, mais alargada; os processos de funcionamento das diversas
comunidades configuram as interaces dos participantes com as ferramentas
culturais que medeiam a sua participao. Centrando-nos na comunidade escolar,
constituda por estudantes, professores e auxiliares da aco educativa que interagem
numa determinada escola, esta comunidade encontra-se inserida numa mais alargada,
a comunidade educativa, que inclui os elementos da comunidade local que interagem
com os elementos da comunidade escolar e que, por sua vez, pertence a uma
comunidade social (Courela, 2007).
Wertsch (1996) prope o alargamento do constructo de mediao, em relao
ao apresentado por Vygotsky (1932/1978), passando a incluir a mediao semitica,
isto , a que tem lugar atravs da utilizao da linguagem como, por exemplo, em
actividades relacionadas com a mobilizao e o desenvolvimento de competncias de
literacia. Para este autor, a mediao semitica permite estabelecer a ligao entre o
contexto scio-cultural (socio-cultural setting) e o funcionamento individual da mente
que, simultaneamente, contribui para a configurao desse contexto. Assim, Wertsch
(1996) convoca os contributos de Bakhtin (1929/1981) para o alargamento do
constructo de mediao semitica.
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Dialogismo, interaces sociais e aprendizagem
Para Bakhtin (1929/1981) a lngua, incluindo a fala e a enunciao, resulta da
necessidade humana de comunicao e est profundamente ligada s estruturas
sociais. A palavra um signo, a forma por excelncia de comunicao. Bakhtin
(1929/1981) distingue entre significado e sentido. O significado uma abstraco,
correspondendo s descries da palavra no dicionrio; o sentido construdo
contextualmente pelo sujeito em interaco, exigindo que este relacione o que ouve
com vivncias anteriores em que interagiu com outros, pelo que o sentido atribudo
resulta do dilogo entre os interlocutores presentes e passados. Em educao, a
abordagem de Bakhtin (1929/1981) exige-nos maior ateno s interaces sociais,
predominantemente discursivas, que ocorrem durante a aprendizagem (Middleton,
2004). Nos processos de ensino e de aprendizagem, os dilogos so importantes, pelo
que h que facilitar a existncia da possibilidade dos estudantes construrem sentidos
para os discursos que ocorrem em cenrios de educao formal.
Bakhtin (1929/1981) introduz o termo dialgico, inicialmente referindo-se
necessidade da anlise literria, efectuada num determinado momento, informar e ser
informada por trabalhos anteriores. Para este autor, a abordagem dialgica uma
caracterstica indissocivel da linguagem verbal e do pensamento; por sua vez,
pensamento e linguagem esto intimamente relacionados pois, como afirma Markov
(2005), O pensamento conceptual e, mais importante, comunicvel (p. 89). O
pensamento comunicvel e, sendo essa comunicao efectuada atravs da
linguagem, a linguagem de que dispomos configura o pensamento que somos
capazes de produzir. Por seu turno, a crescente elaborao do pensamento traduz-se
na complexificao da linguagem, pelo que importante que, em educao, se
constituam espaos de pensamento (Perret-Clermont, 2004, p. 3) e se desenvolvam
as interaces verbais, por exemplo, com a introduo de vocabulrio tcnico que
permita a complexificao do discurso e do pensamento dos estudantes, a propsito
de temas com sentido para os prprios como, por exemplo, os assuntos referentes ao
ambiente e promoo da sustentabilidade.
Para Bakhtin (1929/1981), cada lngua oficial (portugus, ingls, francs) inclui
um conjunto de linguagens sociais, tais como dialectos, linguagens prprias de
profisses, de determinados escales etrios (adolescentes, por exemplo), de
praticantes de determinada religio. Cada linguagem social configura o que os sujeitos
so capazes de dizer, ou seja, as suas vozes; assim, este autor ocupou-se da polifonia
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 100
ou modulao das vozes numa comunidade lingustica, insistindo que as vozes
representam perspectivas sociais e institucionais particulares de uma dada sociedade.
Os trabalhos de Bakhtin (1929/1981), em particular a sua meno metfora da ()
novela polifnica (...) (Hermans, 2001, p. 126) serviram de inspirao para as actuais
conceptualizaes do dialogical self. Como refere Hamido (2005), a perspectiva
dialgica concebe a experincia humana globalmente, com relevncia nos processos
comunicacionais, mediados por sistemas de smbolos, como a linguagem verbal.
Dialogical self e educao
Hermans (2001, 2003) deu continuidade proposta de James (1890/1950,
citado por Csar 2003b), que j concebia a identidade (ou self) constitudo pelo I self,
o sujeito que age e pensa sobre as suas experincias, e o me self, o objecto dessas
mesmas experincias. O I self corresponde ao sujeito e o me self ao objecto do
conhecimento. O I self apresenta trs caractersticas: a continuidade, que nos permite
sentirmo-nos uma s pessoa; a distino, que nos faz sentirmo-nos seres nicos; e a
volatilidade, que nos possibilita apropriar pensamentos e experincias e evoluirmos a
partir dessas apropriaes (Csar, 2003a). Na mente de cada um de ns, o I self pode
ocupar diferentes posies em simultneo (Hermans, 2001), que correspondem a
diferentes papis sociais que desempenhamos. Como afirma Hermans (2003), () o
dialogical self pode ser descrito em termos de multiplicidade dinmica de posies
expressas, na paisagem da mente, entrelaadas nesta e com as mentes de outras
pessoas (p. 90). Assim, o dialogical self () consiste numa viso profundamente
dialgica e multifacetada da nossa identidade (Csar, 2003a, p. 126). Mesmo quando
nos encontramos sozinhos, a pensar, o pensamento que produzimos dialgico pois,
como afirma Renshaw (2004), () Cada pensamento individual dialgico no sentido
que todo o pensamento ocorre atravs da apropriao e uso de formas sociais de
discurso que esto imbudas das pronncias, valores e crenas de interlocutores
prvios e de comunidades discursivas (p. 4). Dado que as posies que o I self pode
ocupar na mente so dotadas de voz, envolvem-se em interaco dialgica e,
frequentemente, estabelecem relaes de conflito entre si. Como refere Markov
(2005), a dialogicidade (dialogicality) () a capacidade para conceber, criar e
comunicar acerca das realidades sociais em termos da sua diversidade, foi implantada
na mente humana durante a filogenia e a histria scio-cultural (p. 91).
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101 COURELA & CSAR
Tratando-se de um estudante do ensino recorrente, o I self de uma das
posies, a que est ligada ao seu papel de estudante, leva-o a desejar comparecer
na escola; o I self de outra posio, relacionada com a identidade profissional, refora
a necessidade de progredir academicamente; mas o I self de uma terceira posio,
respeitante ao papel familiar, pode entrar em conflito com as outras duas posies, ao
reclamar a presena do estudante junto da famlia. Deste modo, existem relaes de
poder entre os vrios I selves e resolver esses conflitos com nveis de ansiedade
suportveis para o sujeito condio necessria para uma vivncia saudvel da
natureza dialgica da identidade.
Na mente de cada um de ns ecoam muitas vozes e nesse sentido que o
dialogical self social; as vozes no tm de chegar a acordo, mas os nveis de conflito
tm de ser suportveis, para que a situao no se torne patolgica. As vozes que se
fazem ouvir (ou que so silenciadas) esto intimamente ligadas e so constituintes do
cenrio em que o sujeito se encontra pois, como afirma Hermans (2003), () o
dialogical self concebido como socializado, histrico, cultural, incorporado e
descentralizado (p. 81).
A teoria do dialogical self reala a importncia da criao de ambientes de
aprendizagem securizantes, que permitam aos estudantes serem capazes de
estabelecer compromissos entre as vrias posies dos I selves, aprendendo a gerir
os conflitos entre elas. Reduzir o conflito entre as vrias posies do I self para nveis
razoveis pode passar por dar voz aos estudantes, isto , permitir-lhes verbalizar
aspiraes e contradies, partilhando com eles o poder, tornando-os agentes do seu
projecto acadmico, no sentido de o ajustarem s necessidades inerentes
conjugao dos vrios papis da vida adulta. Este um processo histrico-
culturalmente situado, que decorre numa determinada instituio, num certo tempo; a
investigao educacional, especialmente a que se desenvolve em estreita relao com
as prticas, pode amplificar as vozes dos estudantes, para que os ecos no se percam
e cheguem comunidade cientfica/acadmica e aos rgos de deciso, podendo
suscitar a reflexo e o debate necessrios para a construo de ofertas educativas
mais adequadas aos pblicos-alvo. Esta adequao das ofertas educativas pode
passar pela utilizao do constructo de comunidade de aprendizagem (Lave &
Wenger, 1991) na criao de ambientes de aprendizagem mais inclusivos, em
cenrios de educao formal (Roth, 2003).
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 102
Trabalho colaborativo, comunidades de aprendizagem e construo das identidades
O trabalho colaborativo, designadamente sob a forma de trabalho de projecto
(Moura & Barbosa, 2006), promove a ocorrncia de interaces sociais ricas que,
associadas a um contrato didctico (Schubauer-Leoni, 1986) caracterizado por uma
distribuio mais equitativa de poder entre o educador e o educando, bem como
realizao de tarefas com sentido (Bakhtin, 1929/1981) para os participantes,
consubstanciam uma praxis que pode facilitar a emergncia de uma comunidade de
aprendizagem (Lave & Wenger, 1991), pois apresenta caractersticas que promovem a
coerncia da comunidade de aprendizagem: (...) 1) um empenhamento mtuo, 2) um
empreendimento conjunto, e 3) um repertrio partilhado (Wenger, 1998, pp. 72-73).
A pertena comunidade implica o empenhamento mtuo nas aces em
curso, facilitado pela existncia de condies logsticas adequadas (Wenger, 1998) e
pela diversidade dos membros da comunidade (Roth, 2003). Ao trabalharem
colaborativamente em torno de um empreendimento conjunto, os participantes
desenvolvem formas partilhadas de fazerem as coisas (Wenger, 1998, p. 75), que
implicam o desenvolvimento discursivo e a produo de artefactos (Cole, 1996), bem
como a valorizao dos seus conhecimentos, vivncias e culturas (Csar & Oliveira,
2005; Courela, 2007; Oliveira, 2006).
Enquanto membros de uma comunidade de aprendizagem, os estudantes
podem desempenhar papis socialmente relevantes, que se repercutem nas
identidades de cada um (Csar, 2000, 2003a; Grossen, 1999). Este reforo identitrio
pode facilitar a gesto de conflitos entre as vrias posies que o I self pode ocupar,
aumentando o poder do I self relacionado com a vida acadmica do sujeito. A escola,
ao valorizar a colaborao com entidades da comunidade social, pode proporcionar
situaes em que os familiares dos estudantes participem, valorizando, assim, junto
dos seus familiares, a opo do indivduo por concretizar um projecto acadmico. A
participao empenhada e comprometida numa comunidade de aprendizagem,
desenvolvida a partir da componente curricular de educao ambiental (EA), numa
comunidade escolar que interage com as comunidades educativa e social, pode
promover a existncia de vivncias comunitrias construtoras duma cidadania
maximizante (Evans, 2000), para alm da educao ou instruo cvica (Taylor, 2005),
alicerada numa participao crtica e activa nos processos sociais e polticos (Evans,
2000), da maior relevncia em educao de adultos.
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103 COURELA & CSAR
Metodologia
Esta investigao insere-se no projecto Interaco e Conhecimento que,
durante 12 anos (1994/95 a 2005/06), estudou e promoveu interaces sociais em
cenrios de educao formal. Este estudo inclui-se no Nvel 2 do referido projecto
(Csar, 2003a), referente a projectos de investigao-aco, em que professores de
diversas disciplinas e nveis de escolaridade estudam e implementam formas de
trabalho colaborativo durante pelo menos um ano lectivo. Neste projecto de
investigao-aco, desenvolvido com o propsito de interveno no cenrio
educativo (Mason, 2002; McNiff & Whitehead, 2002), assumimos a postura de
professora/investigadora (Stenhouse, 1991), uma vez que nos interessava contribuir
para a implicao dos participantes no processo de construo do projecto curricular.
Este projecto de investigao-aco incluiu um follow up, com quatro anos de durao,
realizado a diversos participantes no estudo.
Adoptmos uma abordagem interpretativa/qualitativa (Kumpulainen, Hmelo-
Silver, & Csar, in press), historico-culturalmente situada, de inspirao etnogrfica
(Andr, 1991). O projecto de investigao-aco constituiu-se posteriormente, ao
terminar o processo de investigao-aco, como um estudo de caso intrnseco
(Stake, 1995), em que analisamos contributos das prticas desenvolvidas na
componente curricular de EA para a emergncia de uma comunidade de
aprendizagem (Lave & Wenger, 1991), na qual os participantes assumem
protagonismo, desenvolvendo a auto-estima positiva, geral e acadmica.
Participantes no estudo
So participantes os sete estudantes da turma: Ana, Alzira, Daniela, Ernesto,
Etelvina, Lusa e Tnia (nomes fictcios), com idades entre os 18 e os 45 anos (no
incio do curso). Quatro destes estudantes so oriundos de pases africanos de lngua
oficial portuguesa (PALOPs) e a maioria pertence a estratos socio-economicamente
desfavorecidos. So ainda participantes a professora/investigadora, que leccionava
EA, os professores do conselho de turma, professores, estudantes e auxiliares da
aco educativa da comunidade escolar em regime nocturno, uma tcnica do Espao
de Pesquisa Ambiental (EPA) da Cmara Municipal do Seixal (Iracema nome
fictcio), crianas, educadoras e monitoras de jardins de infncia e centros de
Actividades de Tempos Livres (ATL) dos concelhos de Seixal e Sesimbra, bem como
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 104
alunos e professores de escolas bsicas e diversos cidados da comunidade social de
ambos os concelhos.
Instrumentos de recolha de dados
Recorremos observao participante (por vezes, udio e/ou vdeo gravada;
registada atravs de fotografias e no dirio de bordo da professora/investigadora,
acompanhada das respectivas reflexes), a entrevistas semi-estruturadas, conversas
informais, tcnicas de inspirao projectiva e anlise documental (por exemplo, o livro
de curso da turma). Pretendemos, assim, triangular os instrumentos de recolha de
dados. Relativamente s entrevistas, apresentamos excertos de cinco entrevistas, por
ordem cronolgica de realizao: E1 final do 2 ano do curso (2001/02) e concluso
da componente curricular de EA; E2 final do curso (2002/03); E3, E4 e E5
respectivamente, 1, 2 e 3 anos de follow up (Junho/Julho de 2004, 2005 e 2006,
respectivamente).
Procedimentos
O currculo em alternativa foi planificado pelo conselho de turma, no 3 perodo
do ano lectivo de 1999/00, processo que foi objecto de recolha documental e de
registos no dirio de bordo da investigadora. O projecto curricular foi operacionalizado
e avaliado do ano lectivo de 2000/01 a 2002/03, tendo a sua avaliao e reflexo
sobre as prticas prosseguido durante o follow up, quando este trabalho se constituiu
como um estudo de caso.
Neste currculo existiam trs componentes de formao: geral, scio-cultural e
vocacional. A EA pertencia componente scio-cultural, estando presente nos 1 e 2
anos do curso. Em EA implementmos o trabalho colaborativo, principalmente sob a
forma de trabalho de projecto. Durante a implementao do currculo em alternativa,
os instrumentos de recolha de dados foram sendo utilizados e, alm disso, foi
efectuado um tratamento e anlise preliminar dos dados, baseado numa anlise de
contedo sucessiva, que fez emergir categorias de anlise indutivas.
Ao longo do follow up, os dados foram recolhidos atravs de entrevistas,
tcnicas de inspirao projectiva, anlise documental e observao, tendo-se
aprofundado a anlise de contedo. Esta anlise de dados foi devolvida a vrios
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105 COURELA & CSAR
participantes, em diversos momentos, para confronto das suas interpretaes com as
da investigadora.
Resultados
Apresentamos o primeiro trabalho de projecto realizado na componente
curricular de EA, que envolveu as comunidades escolar, educativa e social. O
tema deste trabalho de projecto - Aprender a Separar para mais tarde Reciclar -
emergiu das preocupaes e interesses dos estudantes, correspondendo a
situaes debatidas e negociadas em grupo, relativamente s quais os participantes desejavam intervir, contribuindo para a minimizao de algumas
situaes problemticas, a nvel local. Foi realizado no 3 perodo do 1 ano do curso
(2000/01) decorrendo do interesse dos estudantes pela temtica dos resduos slidos
urbanos (RSU).
Os estudantes redigiram um texto dramtico, com a colaborao dos
professores do conselho de turma e, especialmente, das professoras de portugus e
matemtica, com o mesmo ttulo do trabalho de projecto e dramatizaram-no com
fantoches. Estes, bem como o cenrio e adereos, foram construdos pelos
estudantes, com materiais reutilizveis. Do texto constam dois actos: no primeiro, a
propsito de uma situao do quotidiano, duas crianas (Joo Limpinho e Tiago
Desperdcio) dialogam sobre a separao dos RSU, visando a reduo, a reutilizao
e a reciclagem; o segundo acto passa-se junto ao ecoponto, cujos contentores
dialogam com as personagens, aprovando ou corrigindo a deposio de RSU que
estas efectuam. O texto dramtico foi representado na escola, no final do ano lectivo
de 2000/01, encontrando-se registado na Inspeco Geral das Actividades Culturais,
pertencente ao Ministrio da Cultura, com o N 4 061/2003, em nome da
professora/investigadora, dos sete estudantes da turma e das professoras de
portugus e matemtica, dos dois primeiros anos lectivos, o que constituiu motivo de
satisfao para os participantes (Courela, 2007).
Os estudantes revelam o agrado pelas prticas pedaggicas desenvolvidas em
EA, no mbito deste trabalho de projecto, quer centradas na turma quer envolvendo as
comunidades escolar, educativa e social, bem como pelos artefactos produzidos,
como pretendemos ilustrar com os seguintes excertos:
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 106
Gostei! (...) Devia continuar (...) Acho que aprendemos coisas novas (...) foi
sempre muito mais com prtica (...) Assim a gente ajuda-se uns aos outros! Um
faz uma coisa, outro faz outra (...) A EA tornou-se cada vez mais prtica (...)
mais prtica e mais divertida (E1, Etelvina)
Gosto, gosto mesmo, isto mostra que ns trabalhmos bem, gosto disso. Por
exemplo, parece que divertiram-se mais com o teatro (...) nos fantoches as
pessoas riram-se, acharam piada. At chegaram a ir crianas, por exemplo,
para cantarem l no palco, a msica que ns fizemos... gostei, acho que foi
diferente. (E3, Lusa)
(...) em termos de separao do lixo, esta mensagem est ptima, est boa.
Em relao ao ambiente tambm. (E1, Alzira)
As palavras destas estudantes iluminam o contributo desta actividade no
desenvolvimento da sua auto-estima geral positiva, tornando-se possvel ultrapassar a
situao descrita por Zittoun (2004), a propsito de um estudo sobre jovens que
ingressam nos cursos de pr-aprendizagem profissional, caracterizada por uma auto-
estima geral negativa, reforada pelo insucesso acadmico e pela pertena a grupos
scio-economicamente desfavorecidos. Esta auto-estima geral negativa contribui para
a construo de um sentido de identidade (sense of identity) negativo. Como refere
esta autora, O sentimento de identidade dos participantes , por isso, geralmente,
negativo e muitos tm escolhido desistir das actividades em que tm sido sujeitos a
muita denegrio e marginalizao. Um bom exemplo de uma dessas actividades a
educao (Zittoun, 2004, p. 157). Esta descrio adequa-se a muitos estudantes do
ensino recorrente que, aps experincias de insucesso acadmico no ensino regular,
abandonam a escola e ingressam no mundo do trabalho (Badalo, 2006; Courela,
2007), onde geralmente realizam tarefas pouco valorizadas socialmente, o que
continua a contribuir para a diminuio da auto-estima positiva.
O sentido negativo da identidade, a que se refere Zittoun (2004),
frequentemente observvel nos estudantes do ensino recorrente, que facilmente
assumem no serem capazes de realizar as tarefas que lhes so propostas, tal como
os estudantes do estudo efectuado por Zittoun (2004), abandonando o sistema de
educativo. Tornar possvel a participao dos estudantes numa comunidade de
aprendizagem (Lave & Wenger, 1991), em que so capazes de desenvolver tarefas
com sentido para os prprios e para os demais, contribui para a construo de um
sentido de identidade positivo (Zittoun, 2004), que se traduz no reforo do self
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107 COURELA & CSAR
(Hermans, 2001), correspondente s posies identitrias assumidas enquanto
estudante e cidado crtico e participativo, agente de sensibilizao/educao
ambiental nas comunidades a que pertencem e em que assumem protagonismo
(Courela & Csar, in press). Deste modo, torna-se mais remoto um cenrio de
abandono escolar pois, no s o acesso ao sucesso acadmico se encontra facilitado,
como este excede o reconhecimento pela comunidade escolar, alargando-se a outros
espaos/tempos, com sentido para os participantes.
O trabalho de projecto colaborativo Aprender a Separar para mais tarde
Reciclar permitiu esse alargamento uma vez que, aps a primeira dramatizao,
dirigida comunidade educativa em regime nocturno, a pea tem sido apresentada
pelos estudantes e outros elementos da comunidade educativa (professoras
estagirias, educadoras e auxiliares, em jardins de infncia e escolas maioritariamente
do 1 ciclo do ensino bsico, mas tambm dos 2 e 3 ciclos do ensino bsico), nos
concelhos de Seixal e Sesimbra. A propsito da primeira apresentao da pea, na
escola, a tcnica do Espao de Pesquisa Ambiental (Iracema), que colaborou
connosco e que foi convidada para assistir, efectua o seguinte comentrio:
Eu achei que a pea estava muito bonita. E, inclusivamente, eles tinham feito
aquela modelao de vozes, que houve muito empenhamento da parte deles
na construo da pea. E acho que estava muito interessante. E tambm
tinha... eh... Portanto, tinha contedos de sensibilizao mas de uma forma
muito, muito, a brincar, a brincar, mas realmente eles tocaram aspectos muito
importantes em termos de ambiente. Estava muito... gostei muito tambm da
apresentao deles... Achei excelente. (E, Iracema)
Iracema elogia a pea que, logo nesta primeira apresentao, foi
calorosamente aplaudida pelos presentes. A satisfao dos estudantes em verem
reconhecido o seu trabalho, nesta primeira apresentao pblica, foi determinante
para a disponibilidade para sesses futuras, contribuindo para promoo da auto-
estima, geral e acadmica, destes estudantes e reforo de um sentido de identidade
positivo (Zittoun, 2004). A respeito de uma dessas experincias (ver Figura 1), a
Etelvina e a Ana elaboraram um texto para o livro de curso da turma,
No dia 28 de Maro de 2003, fomos representar esta pea para os meninos do
ATL da Escola Bsica EB1 n4 do Fogueteiro, acompanhadas pela professora
[nome da professora/investigadora]. A Etelvina apresentou a equipa aos
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 108
meninos e fez a introduo representao. No final da pea, a Ana e a
professora [nome] conversaram com os meninos, para entendermos quais as
ideias das crianas acerca da reciclagem e da reutilizao. Muitas crianas
quiseram falar e a conversa foi bastante animada. Posteriormente, as crianas
do 3 ano elaboraram diversos trabalhos (textos e desenhos) alusivos pea e
colocaram-nos numa bonita capa forrada a pasta de papel e decorada com
motivos primaveris e ofereceram-nos. (Documento, Livro de Curso da Turma CA2, Ana e Etelvina, p. 75)
A dramatizao , geralmente, precedida por um breve dilogo com o pblico,
em que se explica a origem do trabalho a apresentar. Temos observado que o pblico
acompanha atentamente a dramatizao, qual se segue um dilogo entre as
responsveis pela manipulao e vozes dos fantoches e o pblico que, habitualmente,
coloca questes pertinentes, permitindo que o conhecimento se construa de forma
dialgica e interactiva.
Figura 1 Estudantes e professora/investigadora no centro de ATL
da Escola Bsica EB1 n4 do Fogueteiro (2002/03)
Posteriormente, as crianas que assistiram dramatizao responderam
primeira tarefa de inspirao projectiva (TIP1, Escreve ou desenha sobre a pea a que
assististe...) revelando terem compreendido a mensagem do mesmo (ver Figuras 2 e
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109 COURELA & CSAR
3). O texto da Figura 2 ilustra como a criana seguiu atentamente a representao e
como compreendeu a diferena entre reutilizao e reciclagem. A referncia
impossibilidade de reciclar embalagens plsticas sujas de gordura era concordante
com a informao disponvel na altura mas, actualmente, esta dificuldade j foi
ultrapassada, de acordo com indicaes veiculadas por informante privilegiado da
cmara municipal. Outra criana optou por desenhar os fantoches, os ecopontos, a
professora/investigadora e as duas estudantes que manipularam os fantoches (ver
Figura 3).
Figura 2 Resposta de uma criana do 3 ano, TIP1
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 110
Figura 3 Resposta de outra criana do 3 ano, do mesmo ATL, TIP1
Ao pessoal docente e auxiliar, bem como a uma investigadora do projecto
Interaco e Conhecimento, que assistiu a uma das representaes, solicitmos a
resposta segunda tarefa de inspirao projectiva (TIP2, Complete a frase: Com esta
pea de fantoches, as crianas podem...), apresentando-se alguns exemplos (ver
Figuras 4, 5 e 6).
Figura 4 Resposta de uma educadora TIP2 (responsvel por uma sala de jardim
de infncia crianas, na maioria, com 5 anos)
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111 COURELA & CSAR
Esta educadora destaca os diversos conhecimentos que as crianas afirmam
ter apropriado e que so fundamentais para que a reciclagem se possa fazer de uma
forma eficaz. Outra educadora refere-se existncia de uma conscincia ambiental
mais desperta nas crianas e, por isso mesmo, ao seu papel na
sensibilizao/educao ambiental dos adultos (ver Figura 5). Assim, ambas as
educadoras avaliam favoravelmente a representao.
A resposta TIP2 da investigadora do projecto Interaco e Conhecimento
apresenta-se na Figura 6.
Figura 5 Resposta de outra educadora TIP2 (responsvel por uma
sala de jardim de infncia crianas na maioria com 5 anos)
(...) antes de mais, ter uma horinha do seu dia completamente diferente do habitual, tendo a possibilidade de entrar em contacto com (...) os fantoches. Assim, a comear por este ponto, penso que uma mais valia continuar a desenvolver actividades to interessantes como essas, no deixando de parte hbitos e costumes desenvolvidos no passado e que hoje em dia tendem a ser substitudos pelas chamadas novas tecnologias. Para alm disso, e relativamente ao prprio tema, aqui o ditado de pequenino que se torce o pepino encaixa muito bem! A pea
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 112
desenrola-se em volta dum tema central, que mostrar s crianas a importncia e a necessidade que urge hoje em dia dos 3 Rs: reduzir, reciclar e reutilizar, tendo-se criado um espao para chamar ateno para os problemas do ambiente, duma forma apelativa e motivante para as crianas. Com a pea as crianas podem observar as separaes que so essenciais fazer com o lixo, ajudando as personagens dos fantoches a separar o vidro do papel e carto, dos resduos, dos plsticos, das latas, entre mais. Assim, tomando parte da cena, as crianas envolvem-se nela e comeam elas tambm a separar para depois reciclar ou at reutilizar. Estes dois conceitos tambm so muito bem explicados e penso que as crianas os percebem perfeitamente.
Penso, sinceramente, que muitas das crianas que assistem aos fantoches chegam a casa e quase que exigem me ter l em casa trs saquinhos para colocarem o lixo separadamente. E, neste aspecto, penso que o objectivo foi bem conseguido, pois tudo parte da sensibilizao que depois tambm as prprias crianas continuaro!
Penso tambm que a discusso final que se faz aps os fantoches muito importante para esclarecer aspectos que foram abordados no teatro e que podero eventualmente ter ficado menos bem percebidos por algumas crianas da plateia. Portanto, a parte da discusso vem completar a pea, na medida em que as crianas demonstram aquilo que aprenderam e completam o que ficou menos bem percebido.
Figura 6 Resposta da investigadora do projecto Interaco e Conhecimento
TIP2 (aspas no original)
Esta investigadora destaca o interesse suscitado pelos fantoches, por se terem
tornado pouco usuais, nos espectculos infantis e juvenis, dada a preponderncia das
chamadas tecnologias da informao e comunicao (TIC). Observmos,
frequentemente, que as crianas vinham cumprimentar os fantoches depois da pea,
conversando com eles, evidenciando grande curiosidade acerca dos bastidores.
Nesses casos, permitimos que as crianas observassem e que experimentassem
manusear os fantoches.
A investigadora do projecto Interaco e Conhecimento considera a mensagem
da pea muito importante na construo da ecoliteracia das crianas, isto , da sua
compreenso das relaes de dependncia da humanidade em relao Terra, no
que respeita qualidade de vida e possibilidade da sua manuteno
(Cutter-Mackenzie & Smith, 2003). Observou que as crianas se apropriam facilmente
da mensagem do texto, durante e aps a pea, na discusso final. Temos observado,
atravs de conversas informais no final das dramatizaes e pelos desenhos e/ou
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113 COURELA & CSAR
textos elaborados pelas crianas, em resposta primeira tarefa de inspirao
projectiva (TIP1), que a mensagem do texto facilmente compreendida e o
conhecimento apropriado, de forma dialgica e interactiva.
No ano lectivo de 2003/2004, o texto dramtico foi cedido a duas professoras
estagirias do 4 grupo (cincias fsico-qumicas), que o dramatizaram para todas as
turmas dos jardins de infncia e escolas do 1 ciclo do agrupamento vertical de
escolas Castelo Poente (Sesimbra), para todas as turmas do 2 ciclo do ensino bsico
regular da escola em que leccionavam e para as turmas do 3 ciclo do ensino bsico
regular, que estas professoras leccionavam. Nestas apresentaes foram usados os
fantoches originais e respectivos adereos, que entretanto foram ligeiramente
modificados pelas professoras.
Assistimos a parte destas apresentaes que, em alguns casos, foram udio
ou videogravadas. Um aspecto que nos parece relevante foi observarmos as ligeiras
modificaes que as professoras iam introduzindo na explorao do texto, conforme o
pblico-alvo (crianas desde os trs anos de idade at alunos do 6 ano de
escolaridade e, nalguns casos, do 9 ano). Por exemplo, chamaram a um dos
fantoches Maria, em vez de Joo Limpinho pois, na opinio da professora, tinha
dificuldade em simular uma voz de rapaz; por vezes, aps a representao, em jardins
de infncia, sentavam-se junto das crianas, uma com cada fantoche, que continuava
a manusear, para promover o dilogo e facilitarem a resposta das crianas primeira
tarefa de inspirao projectiva (TIP1).
Estas professoras criaram novos cenrios, mais apelativos do que os originais.
No caso das turmas cuja docncia pertencia s professoras, a apresentao da pea
foi integrada na componente curricular de formao cvica. Pudemos observar a
ateno das crianas e adolescentes, a forma animada como participavam no dilogo,
a curiosidade e o interesse. As adaptaes realizadas pelas professoras, quer em
relao representao quer utilizao dos fantoches, antes e depois da pea, ou
como a pea foi includa nas diversas planificaes curriculares, constituem evidncias
empricas da riqueza deste texto dramtico e da possibilidade dos diferentes
utilizadores dele se apropriarem, em diferentes cenrios, construindo novos sentidos
(Bakthin, 10929/1981) para este artefacto (Cole, 1996).
A pea foi ainda representada na 2 Mostra de Projectos Educativos promovida
pela Cmara Municipal de Sesimbra, de 31 de Maio a 6 de Junho de 2004 (ver Figura
7). Nesta apresentao pudemos observar como os adultos, que assistiam pea,
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 114
alguns j bastante idosos, seguiam os dilogos com interesse, o que parece
evidenciar que, apesar da simplicidade do texto, este tambm pode contribuir para
desenvolver a ecoliteracia da populao adulta (Cutter-Mackenzie & Smith, 2003).
A par destas representaes, este trabalho de projecto tem sido divulgado no
projecto Interaco e Conhecimento e atravs da participao da
professora/investigadora em congressos e seminrios (Courela 2005, Courela &
Csar, 2006, in press). Mediante solicitao, fantoches, adereos e cenrios so
disponibilizados para serem utilizados em jardins de infncia, centros de ATL e
escolas, sendo a representao organizada pela educadora ou professor responsvel.
Figura 7 Representao da pea Aprender a Separar para mais
tarde Reciclar na 2 Mostra de Projectos Educativos, Junho de 2004
Esperamos que estas aces de EA junto das crianas constituam um ponto de
partida para a educao/sensibilizao da comunidade local pois, como referem Uzzel,
Fontes, Jensen, Vognsen, Uhrenholdt, Davallon e Kofoed (1998), existem numerosas
evidncias empricas de que as crianas podem agir como catalisadores de mudana
na comunidade social em que esto inseridas, nomeadamente no que respeita ao
desenvolvimento de crenas, atitudes e comportamentos pr-ambientais e, assim,
contriburem para o desenvolvimento da ecoliteracia dos cidados.
Por outro lado, a participao enquanto participantes legtimos e no
perifricos permitiu aos estudantes do currculo em alternativa, mas tambm aos
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115 COURELA & CSAR
demais que participaram nestas representaes, construir um sentido de identidade
positivo (Zittoun, 2004), patente em algumas das conversas informais que se seguiram
s representaes, em que as educadoras e monitoras identificavam crianas que
raramente falavam e participavam nas actividades como algumas das que tinham
levantado questes e conseguido expressar opinies sustentadas na informao
inerente ao texto dramtico.
Os estudantes decidiram os processos de avaliao e construram os
instrumentos de avaliao a utilizar nos trabalhos de projecto, atravs de processos
dialgicos e interactivos, que permitiram ultrapassar os condicionalismos inerentes aos
testes escritos (Baptista, 2004), fortalecer a comunidade de aprendizagem e
desenvolver a sua auto-estima positiva, geral e acadmica. Na avaliao do trabalho
de projecto, os estudantes realaram a relevncia e o interesse dos conhecimentos
apropriados, a oportunidade de trabalharem colaborativamente com os outros
participantes e a satisfao pelo reconhecimento pblico dos trabalhos. Os
professores da turma, auxiliares da aco educativa e cidados que participaram em
actividades desenvolvidas no mbito dos trabalhos de projecto salientaram a
pertinncia dos mesmos, bem como o envolvimento dos estudantes e dos diversos
participantes nas actividades, sublinhando o impacto que este projecto tem tido nas
comunidades escolar e social, contribuindo para o desenvolvimento da ecoliteracia dos
cidados.
Este trabalho de projecto no se limitou a tarefas criativas e artsticas, tendo
existido a identificao e discusso de uma situao considerada problemtica (neste
caso, a necessidade de promover a correcta separao dos RSU), uma reflexo sobre
as aces em curso e as desejveis em relao a essa situao e a (co)construo de
modalidades de aco mais sustentveis. Procurou-se que as aces fossem
enquadradas pela reflexo crtica e dialgica, de modo a gerarem-se aces mais
esclarecidas (Tozoni-Reis, 2006), consentneas com uma cidadania mais actuante e
com nveis de ecoliteracia mais desenvolvidos (Cutter-Mackenzie & Smith, 2003).
Quando questionamos os estudantes sobre os acontecimentos que consideram
mais marcantes no seu percurso no currculo em alternativa, nas trs primeiras
entrevistas de follow up, as referncias aos trabalhos de projecto realizados em EA
multiplicam-se. Na entrevista realizada no final do 1 ano de follow up cinco dos sete
estudantes consideram estes trabalhos de projecto como as actividades mais
marcantes, como pretendemos iluminar com as seguintes narrativas:
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 116
Ah! Gostei das actividades que ns fizemos aqui com a pea de teatro, no ?
Aquela pea de teatro que ns fizemos () Eh foram ideias que ficaram,
no ? Posso algum dia se quiser com os meus netos [risos] posso aplicar
algumas dessas ideias. E gostei. (E3 Alzira)
Para j foi aqueles projectos do ambiente. () E pronto, os fantoches tambm
foi... (E3, Ana)
Eu gostei... do trabalho em grupo... gostei de trabalhar muito os fantoches. (...)
Eu gostava de poder repetir novamente, de voltar a esse tempo! (E3, Ernesto)
Olhe, actividades (...) E gostei muito de EA e gostei de fsico-qumica (...)
gostei muito, gostei muito! (E3, Etelvina)
Foi a de, foi com a professora, foi na como que eu hei-de lembrar ns
pintvamos [ateliers de EA] () Gostei muito dessa disciplina. Adorei! Adorei
() (E3, Lusa)
Destas narrativas destacamos a referncia EA e s prticas pedaggicas,
designadamente a ligao entre a teoria e a prtica e o trabalho colaborativo. ainda
referida a pertinncia e o interesse dos conhecimentos que a participao na prtica
permitiu apropriar. O Ernesto, no s menciona este trabalho de projecto, como revela
o agrado pelo trabalho colaborativo e o desejo de poder repetir essas vivncias, o que
ilumina quanto se sentiu bem naquela poca, como essa experincia teve sentido
para ele. Em entrevista, no final do 2 ano de follow up, a propsito da mesma
questo, os estudantes relatam o seguinte:
Recordo dos trabalhos que ns fizemos, consigo. (E4 Alzira)
Foram os nossos trabalhos [Risos] (...) Os nossos trabalhos. A professora
sabe que ns tivemos trabalhos que fizemos consigo. Essas coisas todas. ()
Isso foi marcante. Aquelas aprendizagens da, dos do artesanato e dessas
coisas todas. E [os fantoches ainda tem saudades deles?] Ai tenhoEu
gosto muito do teatro. (E4 Ana)
() recordo-me das actividades de... que ns fazamos com as, com as
colaboradoras. () [Pausa] Eu... duma maneira geral, quer dizer... assim que
eu mais gostei, foi assim. Foram essas. (E4, Daniela)
Lembro-me dos trabalhos que eu fazia em grupo. () Eu gostava de poder
repetir novamente, de voltar a esse tempo. () O tempo no volta para trs.
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117 COURELA & CSAR
Uma pessoa vai para a frente, no volta para trs. (...) D mais vontade. Uma
pessoa fica com mais vontade de praticar, de fazer o trabalho. Agora sozinho
D pouca vontade (E4, Ernesto)
De tudo, de tudo, o que mais gostei foi da sua disciplina e no me importava
de andar era na sua disciplina [EA]. (...) Gostei da disciplina. Gostei muito por
acaso. (E4, Etelvina)
Ah muitas! () Eram os trabalhos de grupo, depois fazamos exposies
nas escolas, na escola tambm gostei. Humm gostei da pea de teatro
tambm sobre os ecopontos. Tambm no me esqueo, tambm gostei. (E4,
Lusa)
Acho que gostei de tudo um pouco. (...) As festas. O Carnaval. O Natal. (...)
[Risos] Eu gostei dessa disciplina de EA. Gostei muito. (...) Gostei mesmo.
Muita coisa que gostei. (E4, Tnia)
Dois anos aps a concluso do curso, os estudantes recordam os trabalhos de
projecto realizados em EA, referindo especificamente o trabalho de projecto Aprender
a Separar para mais tarde Reciclar, bem como o trabalho colaborativo, que permitia a
partilha e a construo dialgica e interactiva de saberes. Recordam, tambm, os
momentos em que apresentavam os trabalhos de projecto comunidade educativa, o
que ilumina como esses acontecimentos foram importantes para a promoo da
auto-estima positiva dos estudantes, geral e acadmica e estruturantes das suas
identidades (Hermans, 2001, 2003; Zittoun, 2004). Trs anos depois de concludo o
curso de currculo em alternativa, na entrevista realizada no final do 3 ano de follow
up, perante a mesma questo, os estudantes narram:
Ah! Eu gostei muito do nosso, humm, daqueles projectos que ns fazamos,
daqueles trabalhos em que participvamos na pea de teatro, no ? ()
Foram conhecimentos que uma pessoa fica, no ? Sempre vamos tendo mais
conhecimentos. Para ns bom. (E5, Alzira)
[Risos] Lembro-me das aulas do ambiente [EA] que eram excepcionais ().
Lembro-me no sei o que que a professora quer especificamente que
(...) Olhe, tnhamos uma turma muito jeitosa e tnhamos bons professores
[Risos]. (...) (E5, Ana)
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 118
Bem, houve, houve uma grande colaborao entre todos ns. Tanto entre
colegas, como os professores e colegas. Houve acho que foi bom o
aproveitamento. Humm penso que as notas que ns tivemos que foi o meu
caso foram merecidas. (E5, Daniela)
Os trabalhos de fazer em grupo. Os fantoches! (E5, Ernesto)
Principalmente da EA, no? [Grande sorriso] (...) Porque gosto! (E5, Etelvina)
Humm do convvio entre colegas. Entre os professores. Era fora de
vontade que e sempre os professores tiveram entre os alunos para os
pronto para ns podermos termos uma boa nota Humm incentivavam-nos
muito. Era isso. (...) Lembro-me dos (...) Os trabalhos de grupo que
fazamos humm era isso que eu me recordo. isso que eu me recordo.
(E5, Lusa)
() Da EA (...) Ento prontos uma pessoa j tem aquela noo do que
que se passa com o ambiente. E, pronto certas coisas que no se devem
que fazer j. Tenho aquela noo base mas achei muito interessante.
Gostei. (E5, Tnia)
semelhana do que sucedeu nas entrevistas do ano anterior, os estudantes
recordam os trabalhos de projecto, realizados em EA, como actividades com sentido
(Bakthin, 1929/1981), quer pelos conhecimentos que apropriaram quer pelo trabalho
colaborativo e pelo convvio existente entre professores e estudantes. Porm, nos trs
anos de distncia, as relaes humanas que foram estabelecidas ganham,
progressivamente, mais importncia, sendo salientadas como essenciais para o
trabalho desenvolvido. Poder vivenciar situaes de apreo e de valorizao pessoal
foi um aspecto essencial do jogo relacional (Csar, 2007) que existiu durante os anos
de implementao do currculo em alternativa e foi, tambm, um elemento essencial
na construo identitria deste adultos, que j tinham vivido diversos processos de
excluso escolar e social.
Alm da invocao repetida que os estudantes fazem dos trabalhos de projecto
que desenvolveram em EA, outra evidncia emprica da importncia que atribuem
sua participao nestes trabalhos de projecto a disponibilidade que revelam para
continuarem a participar em aces de sensibilizao/educao ambiental
direccionadas para a comunidade social, depois de terminado o curso, como afirmam,
quando questionados a esse respeito:
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119 COURELA & CSAR
() Ai, desde que eu tivesse tempo, eu gostava. (E3, Alzira)
() eu eu era capaz porque j tenho outros conhecimentos, acima daqueles
que eu tinha e, principalmente com o problema da poluio. Eu era capaz de
ajudar. Seja qual for o projecto que tiver. (E4, Alzira)
Se tiver oportunidade e se tiver tempo sim! (E5, Alzira)
A Alzira valoriza os conhecimentos que apropriou, considerando que estes lhe
permitem desempenhar um papel educativo junto dos outros cidados, assumindo
uma postura como cidad crtica e assertiva (Evans, 2000), mesmo encontrando
pessoas que no a apreciam, o que constitui uma evidncia emprica da sua
capacidade para efectuar a transio (Zittoun, 2006) entre as competncias
desenvolvidas na comunidade escolar, como estudante, para a comunidade social,
enquanto cidad.
A Ana tambm se revela disponvel para participar em aces de
sensibilizao/educao ambiental para a comunidade social, como relata sobre os
motivos da sua disponibilidade Ai! Por gosto! Gosto e ganha-se conhecimentos!
outra forma de estar na vida! uma forma diferente de estar na vida! (E3, Ana). Desde
que concluiu o 2 ano do curso, a Ana efectuou trs apresentaes do trabalho de
projecto Aprender a Separar para mais tarde Reciclar. No incio do ano lectivo de
2004/2005, enquanto estudante do ensino secundrio recorrente, apresentou a
possibilidade de apresentar o trabalho na comunidade escolar, em regime nocturno,
da escola onde se encontra a estudar. Inicialmente, a sua proposta foi acolhida
favoravelmente e com tristeza que narra: Ele [o professor] disse que sim mas,
depois houve vrias coisas que mudaram na escola e no foi possvel (E4, Ana). No
entanto, assume, na mesma entrevista, quando a questionamos sobre o interesse em
apresentar, de novo, o referido trabalho de projecto: Se houvesse oportunidade e se
houvesse tempo sim. Isso o meu calcanhar de Aquiles, o tempo (E4, Ana). A
dificuldade em gerir o tempo apontada, tambm, pela Daniela como um entrave
eventual participao em aces de sensibilizao/educao ambiental: Pois. Seria
interessante, mas eu, por enquanto, como tenho o meu tempo todo ocupado [risos]
(E6, Daniela).
O interesse da Etelvina pela EA manteve-se, mesmo depois de ter sido
excluda da frequncia do curso, por ter excedido o limite de faltas (no final do 1
perodo do 3 ano, 2002/03), por motivos particulares. Em entrevista realizada no final
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 120
do 1 ano de follow up, quando interrogada acerca de como se ocupou enquanto
esteve doente, diz-nos que continuou com o seu processo de recolha e organizao
de informao relativa ao ambiente, nomeadamente a partir de fotocpias de livros e
de jornais, o que implicava a ida regular ao caf do bairro, para ficar com o jornal dirio
da vspera e mesmo idas biblioteca municipal, com a inerente despesa, em
deslocao e em fotocpias. Assim, afirma: Olhe este ano j fiz vrios cartazes sobre
EA, e tenho l sete livrinhos feitos, um de cada cor, sobre os incndios que houve o
ano passado (E3, Etelvina). Nesta tarefa conta com a participao das filhas, pelo que
a actividade envolve o agregado familiar, possibilitando uma aco de
sensibilizao/educao ambiental, desenvolvida pela Etelvina junto das filhas,
afirmando que: (...) elas cortam o maior e eu depois fao os recortes finais (E3,
Etelvina). A manuteno do interesse pela EA parece-nos constituir uma forte
evidncia emprica do valor que a participao no currculo em alternativa e, em
particular, a frequncia da EA, teve para a Etelvina, contribuindo para a construo de
identidades positivas, como estudante e como cidad e a manuteno da esperana
numa vida melhor.
A disponibilidade da Etelvina para continuar a participar em aces de
sensibilizao/educao ambiental direccionadas para a comunidade social mantm-
se no final do 1 ano de follow up, como relata, quando questionada a esse respeito
() Sim! Mesmo que esteja a trabalhar, depois falo () Sim, sim! Eu gostava! (E3,
Etelvina). Acerca dos motivos desta disponibilidade, narra:
Em primeiro lugar porque, pronto, fazer peas de teatro d assim uma alegria
s crianas, eles a verem, portanto, eles no sabem que somos ns que
estamos ali, porque as nossas mos e aquilo para as crianas eles
aprendem, pronto, a gente a dar educao, porque se formos a ver tamos a
dar tipo educao aos midos! () Estamos a explicar o que que se deve
fazer e o que que no se deve fazer! E ento acho que vale a pena e devia
haver mais. (E3, Etelvina)
No final do 2 ano de follow up, a Etelvina reafirma a sua disponibilidade, pois
afirma: Gostava de fazer assim um projectozinho assim sobre o ambiente. ()
Gostava, porque isso d eu vejo que as crianas de agora to to desinteressadas
(E4, Etelvina). Quando questionamos a Lusa sobre a disponibilidade para participar
em aces de sensibilizao/educao ambiental para a comunidade social, ela
afirma: Eu ia! Desde que coincidisse com o meu tempo eu era capaz! (E3, Lusa). O
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121 COURELA & CSAR
Ernesto recorda especialmente o trabalho de projecto Aprender a Separar para mais
tarde Reciclar mas, como nos diz em conversa informal, o seu horrio laboral no lhe
permite ter disponibilidade para participar neste tipo de aces. Ainda, em relao
possibilidade de participar em aces de EA para a comunidade social, a Tnia
declara que: Sim! Gostaria (E3, Tnia). Na entrevista seguinte, apesar de no
responder directamente questo que lhe colocamos, a Tnia reafirma o seu gosto
pela EA.
Alm de observarmos como os estudantes participantes na comunidade de
aprendizagem desenvolveram competncias para agirem como cidados activos e
empenhados num relacionamento mais sustentvel com o meio, nas conversas
informais e nas entrevistas tm-nos relatado como so capazes de mobilizar os
conhecimentos que apropriaram e as competncias que desenvolveram atravs dos
trabalhos de projecto, efectuando transies para as suas vivncias quotidianas
(Zittoun, 2006), exercendo uma aco educativa e assertiva de esclarecimento aos
que os rodeiam, no que respeita a procedimentos ambientalmente correctos e visando
a sustentabilidade. Para alm disso, uma vez que alguns produtos dos trabalhos de
projecto realizados em EA continuaram (e continuam) a ser utilizados por elementos
da comunidade social, que deles se apropriaram, recriando a sua utilizao, existem
evidncias empricas da sua riqueza, enquanto facilitadores da educao na
cidadania, direccionada para o ambiente e a sustentabilidade.
Como tivemos conhecimento, atravs da recolha de dados no 4 ano de follow
up, os estudantes progrediram academicamente, tendo a Etelvina j concludo o
ensino bsico e a Alzira o ensino secundrio recorrente. Os outros estudantes
frequentam o ensino secundrio ou aguardam a oportunidade para realizarem o
processo de reconhecimento, validao e certificao de competncias, a nvel do
ensino secundrio, que consideram mais favorvel do que o ensino recorrente; a nvel
profissional tambm se observam algumas progresses nas actividades
desempenhadas. Em todos os estudantes participantes pudemos observar que se
mantm o desejo de construrem projectos de vida que passam pelo desenvolvimento
pessoal, acadmico e profissional (Courela, 2007).
Consideraes Finais
No 3 ciclo do ensino bsico recorrente, os currculos em alternativa ao SEUC
podem contribuir para a operacionalizao dos princpios da educao inclusiva
CONSTRUO DIALGICA E INTERACTIVA DO CONHECIMENTO 122
(Ainscow & Csar, 2006) permitindo, aos jovens e adultos que decidem retornar
escola, para completarem os respectivos percursos acadmicos, trilharem caminhos
que, mais facilmente, os podem conduzir ao sucesso acadmico e incluso escolar e
social. O currculo pode, assim, constituir-se como uma poderosa ferramenta
mediadora (Vygotsky, 1932/1978) entre as vivncias, conhecimentos e culturas dos
estudantes e os conhecimentos acadmicos e as culturas de escola (Csar & Oliveira,
2005; Courela, 2007; Oliveira, 2006). Atravs de um currculo que (co)construram, os
estudantes tiveram acesso a experincias de aprendizagem e vivncias escolares
mais inclusivas, onde encontraram formas de acederem ao sucesso acadmico e
incluso social, mais adaptados aos seus interesses, caractersticas e necessidades.
As interaces sociais desempenham um papel fundamental na aprendizagem
(Csar, 2003a) e o trabalho colaborativo, associado a um contrato didctico
(Schubauer-Leoni, 1986) mais adequado ao estatuto de adultos de educador e
educandos, pode promover a existncia de interaces sociais ricas. Assim, o
conhecimento (co)construdo e apropriado de uma forma interactiva e dialgica,
onde o encontro e partilha com o outro permitem que cada um se sinta valorizado nos
seus conhecimentos e culturas e, simultaneamente, seja capaz de (co)construir os
recursos scio-cognitivos e emocionais necessrios ao seu desenvolvimento pessoal,
acadmico e profissional.
A abordagem do dialogical self (Hermans, 2001, 2003) tem permitido, aos
educadores, uma compreenso mais aprofundada da teia de relaes intra e inter-
sociais que acompanham os processos de ensino e de aprendizagem, em cenrios de
educao formal. Ao reconhecermos que cada indivduo tem mltiplas identidades,
relacionadas com a diversidade dos papis que somos chamados a desempenhar
numa sociedade cada vez mais complexa, assume-se tambm a existncia de
conflitos entre os vrios selves. Deste modo, cabe aos educadores contriburem para a
construo de ambientes de aprendizagem securizantes, onde cada um possa
compreender e gerir, com nveis de ansiedade suportveis, os conflitos entre as vrias
identidades, tornando-se disponvel para participar na construo de aprendizagens
com sentido para o prprio (Bakthin, 1929/1981) e conducentos ao desenvolvimento
pessoal e acadmico.
A participao dos estudantes, numa comunidade de aprendizagem onde os
conhecimentos eram construdos e apropriados atravs de processos dialgicos e
interactivos envolvendo, no s o grupo turma, mas tambm as comunidades escolar,
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123 COURELA & CSAR
educativa e social permitiu-lhes desenvolver uma auto-estima positiva, geral e
acadmica. medida que participavam na construo e divulgao do conhecimento,
atravs da praxis desenvolvida no projecto curricular e, em particular, dos trabalhos de
projecto realizados em EA, os estudantes foram vivendo processos de reconhecimento
e valorizao das suas vivncias, conhecimentos e culturas, que permitiram que as
suas vozes fossem ouvidas, enquanto membros legtimos de uma comunidade de
aprendizagem. Ao assumirem protagonismo nas diversas comunidades em que se
inserem tornou-se mais acessvel, aos estudantes, a construo de identidades
mltiplas, individuais e colectivas, aliceradas na valorizao das culturas e
participao criativa de cada um (Taylor, 2005). Graas ao papel mediador dos
trabalhos de projecto colaborativos realizados em EA, os estudantes puderam
(re)equacionar as suas identidades como adultos empenhados num projecto
acadmico, tornando cada vez menos provvel um cenrio de abandono escolar e
excluso social atravs da repetio das histrias que viveram no passado e que
procuraram transformar e (re)construir colaborativamente no regresso escola.
Nota: O projecto Interaco e Conhecimento foi parcialmente subsidiado pelo IIE, em 1996/97
e em 1997/98, medida SIQE 2, e pelo CIEFCUL, desde 1996. Agradecemos aos orgos de
gesto da escola onde decorreu a investigao, Escola Secundria com 3 ciclo do Ensino
Bsico Manuel Cargaleiro, o acesso aos dados necessrios e a autorizao para divulgarmos o
nome da escola. Agradecemos tambm aos participantes, pela disponibilidade para a
realizao do mesmo, bem como aos colegas do grupo de investigao, cujos trabalhos e
discusses nos ajudaram a realizar este percurso e nos inspiram a continu-lo.
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