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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ENFERMAGEM KÁTIA SANTANA FREITAS CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DA ESCALA DE CONFORTO PARA FAMILIARES DE PESSOAS EM ESTADO CRÍTICO DE SAÚDE (ECONF) SALVADOR 2012

construção e validação da escala de conforto para familiares de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ENFERMAGEM

KTIA SANTANA FREITAS

CONSTRUO E VALIDAO DA ESCALA DE CONFORTO PARA

FAMILIARES DE PESSOAS EM ESTADO

CRTICO DE SADE (ECONF)

SALVADOR

2012

2

KTIA SANTANA FREITAS

CONSTRUO E VALIDAO DA ESCALA DE CONFORTO PARA

FAMILIARES DE PESSOAS EM ESTADO

CRTICO DE SADE (ECONF)

SALVADOR

2012

Tese apresentada ao Programa de Ps-graduao em

Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade

Federal da Bahia como requisito parcial de aprovao para

obteno do grau de doutora em enfermagem, rea de

concentrao Gnero, Cuidado e Organizao dos servios

de Sade, na Linha de pesquisa O cuidado no processo de

desenvolvimento humano.

Orientadora: Prof Dr Fernanda Carneiro Mussi

3

Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universitria de Sade,

SIBI - UFBA.

F866 Freitas, Katia Santana

Construo e validao da escala de conforto para familiares

de pessoas em estado crtico de sade/ Katia Santana Freitas.

Salvador, 2011.

196 f.

Orientador: Prof. Dr Fernanda Carneiro Mussi

Tese (Doutorado) Universidade Federal da Bahia. Escola

de Enfermagem, 2011

1. Enfermagem. 2. Enfermagem - Conforto. 3. Famlia. 4.

UTI. I. Mussi, Fernanda Carneiro. II Universidade Federal da

Bahia. III. Ttulo.

CDU:616-083

4

KTIA SANTANA FREITAS

CONSTRUO E VALIDAO DA ESCALA DE CONFORTO PARA

FAMILIARES DE PESSOAS EM ESTADO

CRTICO DE SADE (ECONF)

Aprovada em 20 de dezembro de 2011

BANCA EXAMINADORA

Fernanda Carneiro Mussi_______________________________________________

Doutora em Enfermagem - Professora da Universidade Federal da Bahia

Miako Kimura____________________________________________________________

Doutora em Enfermagem - Professora da Universidade de So Paulo

Carlito Lopes Nascimento Sobrinho___________________________________________

Doutor em Medicina - Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana

Igor Gomes Menezes_______________________________________________________

Doutor em Psicologia - Professor da Universidade Federal da Bahia

Dora Sadigursky__________________________________________________________

Doutora em Enfermagem - Professora da Universidade Federal da Bahia

Maria Lcia Silva Servo____________________________________________________

Doutora em Enfermagem - Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana

Larissa Chaves Pedreira____________________________________________________

Doutora em Enfermagem - Professora da Universidade Federal da Bahia

Tese apresentada ao Programa de Ps-graduao em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade

Federal da Bahia como requisito parcial de aprovao para obteno do grau de doutora em enfermagem,

rea de concentrao Gnero, Cuidado e Organizao dos servios de Sade, na Linha de pesquisa O

cuidado no processo de desenvolvimento humano.

5

DEDICATRIA

Dedico este trabalho, com todo o meu carinho e amor,

Aos meus amados filhos, Isaac e Letcia,

nascidos durante este doutoramento, minhas benos!

Ao meu querido esposo, Antnio Riso,

Pelo amor e compreenso nos momentos de ausncia,

E pela disposio em ajudar-me

para que eu pudesse alcanar mais essa vitria.

6

AGRADECIMENTO ESPECIAL

Doutora Fernanda Carneiro Mussi

Por compartilhar seus conhecimentos, seu precioso tempo e

pelas constantes palavras de nimo e encorajamento.

Sem o seu incentivo, ajuda e direo no seria possvel chegar neste lugar.

Me sinto privilegiada em ter sido sua orientanda, e desfrutar da convivncia

com um ser humano excepcional que consegue conciliar

Sensibilidade, tica e competncia.

Serei eternamente grata.

7

AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus pelo seu cuidado, por se revelar em socorro bem presente na hora da angstia

(Sl.46:1), por renovar as minhas foras quando a fraqueza queria me tomar (Is. 40:31), por

me acolher com grande misericrdia (Is. 54:7) e por me fazer acreditar sempre que a vitria

chegaria. Obrigado Senhor!

A meus Pais pelo dom da vida e por serem responsveis pela formao do meu carter,

especialmente a minha me, Maria Judite, por estar sempre pronta a me ajudar nos momentos

difceis;

A Prof Dr Igor Menezes que acompanhou, de forma efetiva, todas as etapas deste trabalho

realizando valiosas contribuies de cunho metodolgico e estatstico com orientaes e

discusses sobre a psicometria, imprescindveis para a construo deste estudo; sua

participao foi essencial para que a pesquisa tenha o formato ora apresentado, a minha

profunda gratido.

A Dr Mirian Paiva pela presteza e pacincia;

A amiga Marluce Nunes, pela amizade que nasceu junto com este doutoramento e que

certamente permanecer, pelo apoio e estmulo nos momentos de cansao;

A amiga Claudia Geovana pela amizade, pelas dicas e disposio em me ajudar sempre que

estava com alguma dificuldade;

A Dr Miako Kimura por apresentar-me ao mundo da psicometria ainda no mestrado e, pelas

preciosas contribuies para esta tese;

A Dr Isabel Maria Sampaio Lima, pelas contribuies nos exames de qualificao I e II;

As amigas(os) do Programa de ps graduao em Enfermagem Elaine Guedes, Glicia Gama,

Aisiane Cedraz, Rita Rocha, Aline Xavier e Michelle Xavier, Rosana Oliveira e Luciano

Santos, pelo apoio, momentos de descontrao e por compartilhar o longo percurso para

chegar a UFBA;

As colegas da disciplina Sade do Adulto e Idoso II, na UEFS, Denise Miranda, Evanilda

Carvalho, Tania Moreira, e em especial a coordenadora Rosangela Andrade pela compreenso

em liberar-me para as orientaes, pela disposio em ajudar-me, modificando vrias vezes os

cronogramas para atender as minhas dificuldades nesta reta final, a minha amizade e gratido;

As alunas da graduao, hoje enfermeiras Mariana Almeida, Luisa Hori, Luciana Santos e

Daiane Soares pelo interesse e empenho para atingirmos o tamanho da amostra, a participao

com essa dedicao na coleta de dados foi espetacular!

Aos juzes pelas contribuies na anlise de 84 itens, com tantos critrios a observar, sei que

no foi fcil, o meu muito obrigado aos professores (as) Dr. Josemberg Moura de Andrade,

Dra. Regina Szylit Bousso, Dr

a. Edilene Curvelo Hora, Dr

a. Eloita Pereira Neves, Dr

a.

Karine A. So Leo Ferreira, Dra. Ana Lucia Siqueira Costa e ao Dr

. Jorge Artur Peanha

de Miranda Coelho.

8

Ao Grupo interdisciplinar no cuidado a sade cardiovascular (GISC) pelo apoio e acolhida, e

pelas sugestes e observaes no projeto de pesquisa, obrigada Virginia, Andrea, Tassia,

Carla, Glicia, Claudinha, Luisa, Mariana e Luciana.

Aos meus familiares pela preocupao e cuidado, constante disposio em me apoiar, a

torcida e o apoio de vocs foram muito importante, obrigado meus irmos: Eduardo e

Adriano, minhas cunhadas e amigas: Margarete, Ijaclia, Ticiana e Jaqueline e minha querida

sogra Isabel;

Aos familiares, atores principais deste estudo, que apesar dos desconfortos vividos face a

internao de seu ente querido, muito prontamente aceitaram participar, e ao compartilharem

comigo sua experincias, permitiram a obteno destes resultados, o meu muito obrigado;

As enfermeiras das unidades de terapia intensiva, HGCA: Valdenia, HUPES: Daniela, HAN:

Marli e Tatiana, pela colaborao, apoio na liberao das unidades e na operacionalizao da

coleta de dados;

A Escola de Enfermagem da UFBA e ao Programa de ps-graduao pelas oportunidades e

possibilidades vivenciadas;

A CAPES pelo apoio financeiro que permitiu minha dedicao integral a esta pesquisa/ ps-

graduao;

Ressalto que sem o apoio recebido de uma rede de pessoas teria sido impossvel alcanar esse

objetivo. Por isso agradeo a todos aqueles que, mesmo no tendo sido citados contriburam

para a realizao deste trabalho.

9

RESUMO

FREITAS, KATIA SANTANA. Construo e validao da escala de conforto para familiares

de pessoas em estado crtico de sade (ECONF). 2011. 196 f. Tese (Doutorado em

Enfermagem) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

Tratou-se de um estudo metodolgico que utilizou anlises quantitativa e qualitativa com o

objetivo de construir e validar uma escala para a medida do conforto de familiares de pessoas

adultas em estado crtico de sade (ECONF). Considerando-se a escassez de trabalhos sobre esta temtica na perspectiva da famlia, o seu conforto como meta do cuidado de enfermagem,

a famlia que precisa ser vista como sujeito do cuidado em sade a partir de um olhar integral

torna-se indispensvel aproximar-se da compreenso e da medida do conforto suprindo assim

uma lacuna na rea de elaborao de medidas para a avaliao desse construto. A amostra foi

constituda por 274 familiares de pessoas adultas internadas em seis UTIs de trs hospitais

pblicos do estado da Bahia que atenderam aos critrios de elegibilidade. O instrumento de

coleta de dados foi composto por duas partes, uma sobre dados de caracterizao do familiar e

a outra pela escala construda. Na fase qualitativa da pesquisa, os catorze familiares

selecionados foram entrevistados utilizando-se questes norteadoras para levantar as situaes

vivenciadas e definidas como conforto no contexto da UTI. Com base na anlise dessas

entrevistas e da literatura identificaram-se os descritores do construto, suas dimenses e seus

itens. A validade de contedo da verso operacional da ECONF com 62 itens foi obtida aps a

anlise de juzes (especialistas e familiares). Na fase quantitativa, essa verso foi aplicada aos

274 familiares e, seus dados foram analisados pela Teoria Clssica dos Testes (TCT) e pela

Teoria da Resposta ao Item (TRI) utilizando-se o modelo de um parmetro, o modelo Rasch.

Pela TCT, a anlise fatorial mostrou uma estrutura para 4 fatores, e nove itens que no

apresentaram critrios de permanncia. A anlise da confiabilidade pelo coeficiente de

consistncia interna alfa de Cronbach revelou valores elevados de confiabilidade, tanto para a

medida geral, como para suas dimenses. Pelo modelo Rasch, sete itens apresentaram padres

de resposta inesperados, assim como dois itens apresentaram DIF. Aps as anlises pela TCT

e TRI, 16 itens foram excludos, obtendo-se uma escala final com 46 itens e trs fatores

denominados de Segurana, Suporte e Interao familiar e ente. Segundo os resultados

obtidos pelas anlises psicomtricas de validade de construto, concluiu-se que a ECONF

uma escala consistente e vlida para a mensurao do conforto de familiares de pessoas que

possuem um ente internado na UTI.

Palavras-chave: Cuidados de conforto. Enfermagem. Famlia. Psicometria.

10

ABSTRACT

FREITAS, KATIA SANTANA. Construction and validation of the scale of comfort to

relatives of people in critical state of health (ECONF). 2011. 196 f. (Doctorate in Nursing)

Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

It was a methodological study that used quantitative and qualitative analyzes in order to build

and validate a scale to measure the comfort of relatives of ill adult people in critically health

state. Considering the lack of studies on this issue from the perspective of the family, their

comfort as a goal of nursing care, the family that needs to be seen as the subject of health care

from a integral look turns out to be indispensable to approach the understanding and comfort,

supplying then a gap in the area of elaboration of measures for the evaluation of this

construct. The sample consisted of 274 relatives of adult people admitted in six ICUs of three

public hospitals in the state of Bahia who met the eligibility criteria. The data collection

instrument consisted of two parts, one on characterization data of the relative and the other by

the built scale. In the qualitative phase of research, the fourteen relatives selected were

interviewed with leading questions to raise the situations experienced and defined as comfort

in the context of the ICU. Based on the analysis of these interviews and literature it was

identified the descriptors of the construct, its dimensions and its items. The validity of the

content of the operational version of ECONF with 62 items was obtained after analysis of

judges (experts and relatives). In the quantitative phase, this version was administered to 274

relatives and their data were analyzed by Classical Test Theory (CTT) and Item Response

Theory (IRT), using the model of a parameter, the Rasch model. By CTT, the factor analysis

showed a structure for 4 factors, and nine items that have not met the criteria of permanence.

The analysis of reliability by coefficient for internal consistency alpha of Cronbach revealed

high levels of reliability, both for the general measure, as to its dimensions. By Rasch model,

seven items showed unexpected response patterns, as well as two items showed DIF. After

analysis by CTT and IRT, 16 items were excluded, yielding a final scale with 46 items and

three factors named Safety, Support and Interaction relative and being. According to the

results obtained by psychometric analyzes of construct validity, it was concluded that ECONF

is a consistent and valid scale for measuring the comfort of relatives of people who have a

person hospitalized in the ICU.

Key-words: Comfort care. Nursing. Family. Psychometrics.

11

RESUMEN

FREITAS, KATIA SANTANA. Construccin y validacin de la escala de confort para

familiares de personas en estado crtico de salud (ECONF). 2011. 196f. Tesis (Doctorado en

Enfermera) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

Se trat de un estudio metodolgico que utiliz anlisis cuantitativo y cualitativo con el

objetivo de construir y validar una escala para medir el confort de familiares de personas

adultas en estado crtico de salud. Teniendo en cuenta la escasez de trabajos sobre esta

temtica en la perspectiva de la familia, su confort como meta del cuidado de enfermera, la

familia que precisa ser vista como sujeto del cuidado en salud a partir de una mirada integral

se hace indispensable acercarse de la comprensin y de la proporcin del confort supliendo

una laguna en el rea de elaboracin de medidas para la evaluacin de ese constructo. La

muestra fue constituida por 274 familiares de personas adultas internadas en seis UVIs de tres

hospitales pblicos del estado de Bahia que atendieron a los criterios de elegibilidad. El

instrumento de recogida de datos fue compuesto de dos partes, una sobre datos de

caracterizacin del familiar y otra por la escala construida. En la fase cualitativa de la

investigacin, los cartoce familiares selecionados fueron entrevistados utilizndose cuestiones

guiadas para levantar las situaciones vividas y definidas como confort en el contexto de la

UVI. En base al anlisis de esas entrevistas y de la literatura se identificaron los descriptores

del constructo, sus dimensiones y sus items. Se obtuvo la validez del contenido de la versin

operacional de la ECONF con 62 items tras el anlisis de jueces (expertos y familiares). En la

fase cuantitativa, esa versin fue aplicada a los 274 familiares y, sus datos fueron analizados

por la Teora Clsica de los Tests (TCT) y por la Teora de Respuestas al Item (TRI)

utilizndose el modelo de un parmetro, el modelo de Rasch. Por la TCT, el anlisis factorial

present una estructura para 4 factores, y nueve items que no presentaron critrios de

permanencia. El anlisis de la confiabilidad por el coeficiente de consistencia interna alfa de

Cronbach revel valores elevados de confiabilidad, tanto para la medida general, como para

sus dimensiones. Por el modelo Rasch, siete items presentaron padrones de respuesta

inesperados, as como dos items presentaron DIF. Tras los anlisis por la TCT y TRI, 16

items fueron excludos, con la obtencin de una escala final de 46 items y tres factores

nombrados de Seguridad, Soporte e Interaccin familiar y ente. Segn los resultados

obtenidos por los anlisis psicomtricos de validez de constructo, se concluy que la ECONF

es una escala consistente y vlida para medir el confort de familiares de personas que poseen

un ente internado en la UVI.

Palabras Clave: Cuidados de confort. Enfermera. Psicometra.

12

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Definio operacional e descritores das sete dimenses da

ECONF.

92

Quadro 2 Primeira verso da ECONF: distribuio dos 86 itens nas

respectivas dimenses.

95

Quadro 3 Resultados do julgamento dos juzes referente aos 16 itens da

dimenso Segurana.

97

Quadro 4 Resultados do julgamento dos juzes referente aos 14 itens da

dimenso Acolhimento .

98

Quadro 5 Resultados do julgamento dos juzes referente aos 11 itens da

dimenso Informao.

99

Quadro 6 Resultados do julgamento dos juzes referente aos 11 itens da

dimenso Integrao consigo e com o cotidiano

100

Quadro 7 Resultados do julgamento dos juzes referente aos 9 itens da

dimenso Comodidade

100

Quadro 8 Resultados do julgamento dos juzes referente aos 8 itens da

dimenso Proximidade

101

Quadro 9 Resultados do julgamento dos juzes referente aos 5 itens da

dimenso Suporte social e espiritual

101

Quadro 10 Verso piloto II da ECONF: distribuio dos 66 itens nas

respectivas dimenses

102

Quadro 11 Resultados da anlise semntica referente aos 14 itens da

dimenso Segurana

102

Quadro 12 Resultados da analise semntica referente aos 12 da dimenso

Acolhimento

103

Quadro 13 Resultados da analise semntica referente aos 12 itens da

dimenso Informao.

104

Quadro 14 Resultados da analise semntica referente aos 9 itens da

dimenso Integrao consigo e com o cotidiano.

105

Quadro 15 Resultados da analise semntica referente aos 7 da dimenso

Comodidade.

105

13

Quadro 16 Resultados da analise semntica referente aos 4 itens da

dimenso Proximidade

106

Quadro 17 Resultados da anlise semntica referente aos quatro itens da

dimenso Suporte social e espiritual

106

Quadro 18 Verso operacional da ECONF: distribuio dos 62 itens nas

respectivas dimenses

107

Quadro 19 Itens mantidos na verso operacional da ECONF 107

Quadro 20 Sntese dos critrios utilizados para a excluso dos 16 itens da

ECONF 134

Quadro 21 ECONF validada: distribuio dos 46 itens respectivas dimenses 139

Quadro 22

Itens ECONF validada. Salvador, 2011. 139

14

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Valores do teste Kolmogorov-Smirnov para cada dimenso

110

Tabela 2 Valores de assimetria e curtose para cada dimenso

antes da anlise exploratria.

112

Tabela 3 Locais de estudo segundo amostra.

113

Tabela 4 Caracterizao clnica do parente internado.

113

Tabela 5 Caracterizao sociodemogrfica dos familiares

114

Tabela 6 Distribuio da varincia explicada segundo os fatores da ECONF

116

Tabela 7 Anlise de componentes principais da ECONF para quatro fatores

119

Tabela 8 Anlise fatorial dos itens da ECONF por correlaes policricas

121

Tabela 9 Comparao da anlise fatorial dos itens da ECONF por

componentes principais e por correlaes policricas

122

Tabela 10 Coeficientes de consistncia interna dos 62 itens da verso

operacional da ECONF

124

Tabela 11 Anlise de resduos dos itens da ECONF pelo mtodo Rasch.

127

Tabela 12 Funcionamento diferencial dos itens da ECONF 130

Tabela 13 Parmetros Psicomtricos da ECONF avaliados pela TCT e pela

TRI

132

Tabela 14 Coeficientes de consistncia interna final da ECONF

135

Tabela 15 Anlise da consistncia interna final dos fatores da ECONF

136

Tabela 16 Faixa de interpretao da ECONF

138

15

SUMRIO

1. INTRODUO 17

2. OBJETIVOS 21

3. BASES CONCEITUAIS E METODOLGICAS 22

3.1 Conforto sua histria, conceitos e dimenses 22

3.2 O Conforto e as prticas de cuidado em sade 29

3.3 O Conforto e sua medida 33

3.4 A (ex) incluso da famlia como sujeito das prticas de sade 36

3.5 O impacto da hospitalizao na terapia intensiva sobre o grupo familiar

45

3.6 Procedimentos para construo e validao de instrumentos de medida 49

3.6.1 Procedimentos tericos para a elaborao de instrumentos 53

3.6.1.1 Dimensionalidade 54

3.6.1.2 Operacionalizao do constructo 55

3.6.1.3 Anlise terica dos itens 57

3.6.2 Procedimentos empricos para a elaborao de instrumentos 57

3.6.2.1 Planejamento da aplicao 57

3.6.2.2 Coleta da informao 58

3.6.3 Procedimentos analticos para a elaborao de instrumentos 58

3.6.3.1 Dimensionalidade 60

3.6.3.2 Anlise emprica dos itens 64

3.6.3.2.1 Modelo Rasch 67

3.6.3.3 Avaliao da Fidedignidade da escala 72

3.6.4 Padronizao e Normatizao dos testes 74

4. MTODOS 75

4.1 Tipo de estudo 75

4.2 Procedimentos ticos 75

4.3 Locais do estudo 75

4.4 Sujeitos do estudo e critrios de elegibilidade 77

4.5 Procedimentos para a construo da ECONF 77

4.5.1 Procedimentos tericos para a construo da ECONF 77

4.5.1.1 Desenvolvimento da pesquisa qualitativa 78

16

4.5.1.2 Anlise da validade de contedo dos itens 79

4.5.1.3 Elaborao das instrues e da escala de pontuao 80

4.5.2 Procedimentos empricos para a construo da ECONF 81

4.5.2.1 Amostragem 81

4.5.2.2 Instrumentos de coleta de dados 82

4.5.2.3 Operacionalizao da coleta dos dados 82

4.5.3 Procedimentos analticos 83

4.5.3.1 Anlise da dimensionalidade 84

4.5.3.2 Anlise do poder discriminativo dos itens 84

4.5.3.3 Anlise da confiabilidade 85

4.5.3.4 Anlise de resduos 85

4.5.4 Exame do funcionamento diferencial dos itens 85

4.6 Padronizao da ECONF 86

5. RESULTADOS 87

5.1 Resultados dos procedimentos tericos da ECONF: validade de contedo 87

5.1.1 Explorao terica e emprica sobre o conforto 87

5.1.2 Construo das especificaes da ECONF 92

5.1.3 Construo dos itens e composio do instrumento piloto 94

5.1.4 Resultados da avaliao da anlise dos juzes 96

5.1.5 Resultados da anlise semntica 102

5.1.6 Apresentao da verso operacional da ECONF 107

5.2 Resultados dos pprocedimentos analticos 109

5.2.1 Anlise exploratria dos dados 109

5.2.2 Caracterizao do local do estudo, do parente internado e dos familiares 113

5.2.3 Anlise dos dados pela Teoria Clssica dos Testes 115

5.2.3.1 Anlise da dimensionalidade da ECONF 115

5.2.3.2 Anlise da confiabilidade geral da ECONF 123

5.2.4 Anlise dos dados pela Teoria da Resposta ao Item 125

5.2.4.1 Anlise de Resduos 126

5.2.4.2 Anlise do Mapa de itens e pessoas 128

5.2.4.3 Anlise do Funcionamento diferencial dos itens 130

5.2.4.5 Sntese dos parmetros adotados para a anlise dos itens da ECONF 132

5.2.4.6 Anlise final da confiabilidade da ECONF 135

17

5.3 Normatizao da ECONF 138

6. DISCUSSO 141

7. CONCLUSES 158

8. CONSIDERAES FINAIS 159

9.REFERENCIAS 161

APENDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido 174

APENDICE B - Carta convite aos especialistas 175

APENDICE C - Critrios de avaliao utilizados pelos especialistas 177

APENDICE D - Ficha de dados sociodemogrficos e clnicos 179

APENDICE E - Verso operacional da ECONF 180

APENDICE F - Anlise grfica das distribuies da ECONF 182

APENDICE G - Verso da ECONF validada 189

ANEXO A - Protocolo de aprovao do CEP da pesquisa qualitativa 191

ANEXO B - Protocolo de aprovao do CEP da pesquisa quantitativa 192

ANEXO C - Autorizao da unidade hospitalar 1 194

ANEXO D - Autorizao da unidade hospitalar 2 195

ANEXO E - Autorizao da unidade hospitalar 3 196

18

1 INTRODUO

Ajudar na compreenso da vivncia dos familiares que tm um parente internado em

Unidade de Terapia Intensiva (UTI), assim como, contribuir para a identificao de cuidados

que diminuam os desconfortos experienciados por eles representaram a minha principal

motivao para estudar a temtica, desde a graduao em enfermagem.

Inegvel que os familiares devem ser considerados parte integrante do alvo de cuidado

da equipe de enfermagem, pois a famlia um sistema do qual o parente hospitalizado faz

parte. Tal constatao vem sendo defendida pelo Ministrio da Sade, atravs do programa

Humaniza SUS, que d nfase importncia do reconhecimento e incluso dos familiares,

tambm, como sujeitos dos efeitos nocivos da hospitalizao, em unidades de cuidados

intensivos, tornando imperativa a realizao de medidas direcionadas a esse grupo em

especial (BRASIL, 2004, 2007), particularmente no que tange promoo do conforto.

O interesse em investigar o conforto e o desconforto vivido pelos familiares de

pessoas em estado crtico de sade, sobrevm das minhas experincias pessoais e

profissionais. O meu primeiro contato com a UTI ocorreu no 6 semestre da graduao em

enfermagem, quando me tornei sujeito dessa situao angustiante, que ter um ente querido

em uma unidade de terapia intensiva. Na ocasio, eu e meus familiares sofremos algumas

experincias que provocaram desconforto, tais como receber informaes de maneira pouco

compreensvel, ver o nosso ente querido em uma situao de total ausncia de interao

conosco e sofrer o medo constante e crescente da perda, que acabou se concretizando.

A minha experincia como enfermeira assistencial em UTI tambm foi um motivador

para esta investigao. Vivenciava as muitas situaes de medo, angstia, desconfiana e

sofrimento dos familiares, provocando, em mim, um mal estar muito grande, um sentimento

de impotncia e, ao mesmo tempo, de imensa compaixo.

Como fruto destas vivncias, conclui a investigao acerca das necessidades dos

familiares de pessoas internadas em UTI, resultante do curso de mestrado, na Escola de

Enfermagem da Universidade de So Paulo, em 2005, intitulada Necessidades de familiares

em unidades de terapia intensiva: anlise comparativa entre hospital pblico e privado

(FREITAS, 2005).

Continuo defendendo estudos que tenham como objeto os familiares de pessoas, em

estado crtico de sade, considerando que a doena aguda significa uma ameaa integridade

pessoal e familiar, e que a hospitalizao do parente, principalmente, quando inesperada,

vista como um evento muito estressante para a famlia, geralmente agravado pela ruptura da

19

vida familiar (BOUSSO, ANGELO, 2001). A interao do familiar com esse evento pode

produzir situaes de desconforto, como, sentir-se desorganizado, desamparado, com medo e

dificuldade para enfrentar a experincia.

A ateno dos familiares, nesse momento, fica centrada na condio de ameaa vida

de seu parente, na evoluo do seu estado de sade, e isso pode implicar aes que produzem

desconforto para com elas mesmas, como no se alimentar, no conseguir descansar,

menosprezar os prprios problemas de sade e verbalizar pouco suas angstias e medos

(HORN, TESH, 2000).

Ademais, a partir da hospitalizao do parente na UTI, a famlia passar a interagir

com as prticas de sade, a racionalidade que a fundamenta e os objetos institucionais que

podero ser fonte de conforto ou desconforto (MUSSI,1999).

Apesar da problemtica vivenciada pelos familiares ao internar o seu ente na UTI, o

conforto, quando abordado nos estudos voltados para a famlia, nesse contexto, ainda tem sido

relacionado apenas estrutura do ambiente hospitalar, ou seja, a discusso est voltada para a

realizao de medidas que, permitam, aos familiares desfrutar de melhor conforto ambiental,

a exemplo de salas de espera com cadeiras confortveis, televisores, acesso a alimentos e

bebidas e, at mesmo, cobertores para os que desejarem passar a noite.

Entende-se que a promoo do conforto vai muito alm da esfera ambiental, pois o

conforto abrange interaes dos familiares com a competncia tcnico-cientfica, tica e

humanstica da equipe de sade (MUSSI, 1999). Alm disso, o estado de conforto dos

familiares no est condicionado, apenas, s atitudes da equipe frente ao parente e aos

prprios familiares. A vivncia do (des) conforto perpassa, igualmente, pela capacidade e

pelas estratgias de enfrentamento utilizadas pela famlia, pelas suas experincias anteriores

com internaes hospitalares ou com a prpria doena, pela posio que o parente ocupa no

contexto familiar, pela percepo da famlia sobre o sofrimento do seu ente, referente as

reaes dele diante da doena e sobre a evoluo de sua condio de sade (TIN, FRENCH,

LEUNG, 1999).

Apesar do reconhecimento do impacto da doena crtica sobre o conforto dos

familiares dos pacientes crticos (LESKE, 1986; HORN, TESH, 2000; BOUSSO, ANGELO,

2001; POCHARD et al., 2001; LUCCHESE, 2003) ainda h, por parte dos profissionais de

sade, uma compreenso limitada, quanto ao que significa, para a famlia, sentir-se confortada

e da multidimensionalidade desse fenmeno. Nesse sentido, as prticas de cuidar podem no

contemplar a sua promoo. Apesar do(a)s enfermeiro(a)s que trabalham nas UTIs serem

20

profissionais que possuem competncias e habilidades para interagir e identificar demandas

de conforto dos familiares e estabelecer estratgias que minimizem os seus desconfortos,

entende-se que a multidimensionalidade do conforto dos familiares demanda aes

interdisciplinares.

A carncia de estudos na literatura nacional e internacional que abordem o tema

conforto na perspectiva de familiares e que tratam da sua medida, no contexto da UTI, sob o

ponto de vista multidimensional, real.

Na reviso de literatura realizada nas bases de dados SCIELO, LILACS, MEDLINE e

CINAHAL, nos ltimos dez anos empregando-se os unitermos conforto, famlia, UTI,

comfort, family, intensive care unit, no se identificou nenhum estudo focalizando a medida o

conforto de familiares de pessoas em estado crtico de sade. Identificou-se apenas uma

investigao para a medida do conforto de familiares voltado para cuidadores de pessoas em

fase terminal (NOVAK et al, 2001), a qual constituiu uma adaptao do General Comfort

Questionnaire e apresentou propriedades psicomtricas que asseguraram a sua validade.

Outro instrumento a ser destacado refere-se ao Inventrio de Necessidades e

Estressores de Familiares em Terapia Intensiva INEFTI, utilizado em minha dissertao de

mestrado para comparar as necessidades de familiares em UTIs de hospitais pblico e privado

(FREITAS, 2005). A dissertao mostrou algumas limitaes do instrumento, como a baixa

consistncia interna dos cinco domnios (Informao, Segurana, Proximidade, Suporte e

Conforto), o que levou, na poca, a se pensar na necessidade de aprimorar a sua validade e

confiabilidade. Outra limitao do instrumento foi restringir o conforto esfera ambiental do

cenrio hospitalar, levando-me a refletir acerca do que seria o conforto na perspectiva dos

familiares para alm dessa dimenso. Depreendi, a partir da avaliao das demais dimenses

analisadas no INEFTI que, a partir do momento em que os familiares recebiam o atendimento

da equipe hospitalar de forma adequada e desejada, se aproximavam do conforto, este que

parecia ser alcanado a partir da interao estabelecida entre o parente internado e o familiar e

desse com os profissionais de sade das UTIs. Portanto, o conforto configurava-se como

fenmeno multidimensional.

Considerando-se a escassez de trabalhos que abordem essa temtica na perspectiva da

famlia, o conforto da famlia como meta do cuidado de enfermagem (LOURENO, NEVES,

2008; MUSSI, 1999; PIAZZA, 1983), a famlia que precisa ser vista como sujeito a partir de

um olhar integral e a convico de que as respostas positivas do indivduo internado ao

tratamento podem decorrer da afetividade estabelecida com a sua rede social, torna-se

21

indispensvel aproximar-se da compreenso e da medida desse fenmeno. Assim sendo,

elegeu-se como objeto de estudo a medida do conforto de familiares face internao de um

parente em uma UTI e como questo de pesquisa: o instrumento construdo para a medida do

conforto de familiares de pessoas adultas em estado crtico de sade apresenta propriedades

psicomtricas vlidas e confiveis?.

Cabe destacar que a anlise da validade e confiabilidade de uma escala seguem os

modelos tericos da psicometria. Em geral, a teoria clssica dos testes (TCT) tem sido a mais

utilizada, inclusive nas pesquisas em enfermagem, devido a menor complexidade dos modelos

de anlise e a maior popularidade histrica. Todavia, a teoria da resposta ao item (TRI), tem

sido pouco empregada na enfermagem brasileira e de extrema relevncia para essas anlises.

Dessa forma, para responder a questo de pesquisa desse estudo, alm dos modelos da TCT,

sero utilizados tcnicas da TRI, a fim de se assegurar resultados de validade e confiabilidade

por mtodos distintos.

Espera-se que a escala a ser construda possa auxiliar o(a)s enfermeira(o)s e os demais

profissionais da sade a refletir e compreender as situaes de conforto e desconforto

experienciadas pelos familiares e disponibilizar, para a equipe de sade, uma escala para

avaliao do conforto dos familiares pautada em evidncias empricas. Os resultados advindos

da aplicao da escala de conforto para familiares de pessoas em estado crtico de sade -

ECONF contribuiro para se propor e avaliar a efetividade do cuidado interdisciplinar na

promoo do conforto de familiares favorecendo a criao de medidas de conforto voltadas

para esse pblico. Poder, tambm, nortear a elaborao de polticas pblicas para a

promoo de conforto, bem como, fortalecer as polticas de humanizao do Ministrio da

Sade para familiares de pessoas em situao de doena.

Acredita-se, tambm, que este estudo possibilitar avanar rumo construo de um

referencial terico para o conforto de familiares em situao de hospitalizao de seus

membros. A ECONF ser o primeiro instrumento vlido para a avaliao do conforto de

familiares de pessoas em estado crtico de sade, justificada tanto pela necessidade de maior

conhecimento especfico sobre o conforto com bases aliceradas na famlia brasileira quanto

pela carncia de instrumentos apropriados para a sua mensurao.

22

2 OBJETIVOS

Geral

Construir uma escala para a medida do conforto dos familiares de pessoas internadas

em estado crtico de sade.

Especficos

Identificar o significado, as dimenses e os descritores do construto conforto para

familiares de pessoas internadas na UTI;

Analisar a dimensionalidade do construto conforto;

Desenvolver os itens para cada dimenso do construto conforto;

Avaliar as propriedades psicomtricas da medida desenvolvida, em termos de

confiabilidade e validade, com base nos modelos da TCT e da TRI.

23

3 BASES CONCEITUAIS E METODOLGICAS

Neste captulo sero abordadas questes conceituais e metodolgicas fundamentais

para a construo e validao da ECONF. Entre as questes conceituais encontra-se: o

conforto e sua histria, conceitos e dimenses; o conforto e as prticas de cuidado em sade; o

conforto e sua medida; a (ex) incluso da famlia como sujeito das prticas de sade; o

impacto da hospitalizao na terapia intensiva sobre o conforto do grupo familiar. No que se

refere as questes metodolgicas sero apresentadas no tpico procedimentos para a

construo e validao de instrumentos de medida.

3.1 Conforto sua histria, conceitos e dimenses

A palavra conforto deriva de confortar, que se origina da palavra latina confortare, que

significa restituir as foras, fortalecer, fortificar, consolar, revigorar, animar. Originalmente

esse foi o significado para o francs confort, que por volta do sculo XIII, deu origem ao

ingls comfort. Na lngua portuguesa, a palavra conforto surgiu com o mesmo significado

(MACHADO, 1995; VAN DER LINDEN, , GUIMARES, TABASNIK, 2005).

A evoluo do significado da palavra conforto corresponde evoluo da cultura

ocidental, refletida pela mudana dos valores espirituais do incio do cristianismo para a busca

de um bem-estar material propiciado pela Revoluo Industrial. Este novo significado para o

conforto parte da preocupao com o bem-estar, entendido como uma necessidade lcita e

comprometida com a modernizao. Deste modo, a construo da atual idia de conforto est

ligada legitimao do desejo de bem-estar material, alm do bem-estar espiritual oferecido

pelas religies (VAN DER LINDEN, GUIMARES, 2004).

Investigando o conforto fora da rea da sade, verifica-se que este um tema

importante para a sociedade contempornea, relacionando-se no somente as questes

inerentes a sade, mas tambm a questes de mercado, como por exemplo a valorizao da

qualidade ergonmica de um produto.

Van Der Linden e Guimares (2004), ao buscar a opinio de especialistas de diversas

reas da ergonomia, identificaram a dificuldade no consenso devido a variabilidade individual

e complexidade do tema conforto. Foram apontadas, como definio de conforto, uma

sensao de bem-estar, uma sensao prazerosa, ausncia de estresse e desconforto,

identificaram ainda que o conforto pode ser proporcionado por ambientes, objetos, situaes,

24

sentimentos, e que o mesmo depende de parmetros sociais, culturais e histricos. Deste

modo, os autores verificaram que o conforto relaciona-se a harmonia entre as condies

internas e externas e que um construto fortemente afetado pelas variveis de contexto.

Na rea da indstria do vesturio, Slater (1985), apud Van Der Linden, e Guimares

(2004), definiu conforto como um estado prazeroso de harmonia fisiolgica, fsica e

psicolgica entre o ser humano e o ambiente. Para ele esta proposta revela a natureza

multidimensional do conforto por contemplar as dimenses fisiolgica, psicolgica e fsica.

Estudos sobre a relao entre clima e conforto surgiram em torno de 1920. At a

atualidade, realizam-se pesquisas no sentido de melhorar o clima do ambiente no qual o

indivduo encontra-se. Autores defendem que um clima desagradvel visto por alguns

estudiosos como um impeditivo eficincia econmica e produtividade dos indivduos.

Nesta vertente, o conforto tem sido buscado com o objetivo de proporcionar o melhor

desempenho humano, atravs de equipamentos como o ar condicionado, por exemplo

(CHAPPELS, SHOVE, 2004). Isso vem reforar o entendimento de conforto como o bem-

estar, hoje, muito procurado pela sociedade moderna.

A concepo de conforto na ergonomia j foi apontada como um estado mental que

ocorre na ausncia de sentimentos de desconforto, entretanto essa afirmativa algumas vezes

foi questionada. No intuito de esclarec-los, Van Der Linden, Guimares e Tabasnik (2005)

realizaram investigao acerca do significado de conforto e desconforto para a populao em

geral e, para isso, estabeleceram alguns descritores que pudessem representar o fenmeno em

questo. Os resultados mostraram que o descritor aconchego relacionou-se mais fortemente ao

conforto, assim como, satisfao, relaxamento e bem-estar. O descritor angstia teve o maior

efeito relacionado ao desconforto, assim como, os descritores aperto, constrangimento,

sufoco, mal-estar, ansiedade, dor e agonia. Atravs desse estudo, os autores puderam perceber

que os descritores de conforto possuam o efeito de aumentar o conforto e diminuir o

desconforto, enquanto que os descritores de desconforto possuam o efeito de aumentar o

desconforto e diminuir o conforto. Assim, os fenmenos conforto e desconforto foram

considerados construtos opostos, localizados ao longo de um eixo bipolar, ou seja, h maior

conforto face a maior ausncia de desconforto e vice-versa.

Em reviso de literatura acerca do conforto, Mussi (1996a), verificou que o bem-estar

aparece com elemento comum nas definies de conforto, dentro e fora da literatura de

enfermagem, caracterizando uma concepo subjetiva do fenmeno. Nas concepes

encontradas, o conforto adquiriu o significado de um estado e tambm de um sentimento.

25

Quanto a estado, o conforto foi apontado como estado de alvio, encorajamento, comodidade

e bem-estar, em que a pessoa est bem consigo mesma, e com o seu ambiente; estado

relaxado, quando as pessoas experienciam emoes positivas, livres de extrema tenso e dor;

estado de harmonia, resultado da integrao corpo-mente-esprito na relao consigo mesmo e

dela com o ambiente. Quanto a sentimento, o conforto foi expresso como um sentimento de

alvio, encorajamento e consolo; de bem-estar fsico e mental, alcanado com o descanso

fsico, paz mental e espiritual. A partir desses significados, percebe-se a

multidimensionalidade e variabilidade individual do constructo conforto, o que justifica a

dificuldade em encontrar, na literatura, a adoo de um nico conceito pelos estudiosos da

rea. Verificou-se, ainda, que diversos trabalhos mostraram as variadas dimenses de

conforto, de natureza fsica, social, psicolgica, espiritual e ambiental.

Analisando o conforto na rea da sade, constata-se que a sua promoo tem sido

considerada inerente prtica da enfermagem desde a era de Florence Nigthingale. Nessa

poca, j havia uma chamada enfermagem para a importncia da observao no apenas

como mtodo para coletar informaes, mas para o papel de preservar a vida, melhorar a

sade e o conforto. Por isso, manter o paciente em posio confortvel j era considerado um

mtodo restaurador do conforto (PEREIRA, COELHO, 2003).

Apstolo (2009) coloca que a literatura tem deixado transparecer que o conforto um

elemento dos cuidados de enfermagem, est vinculado com a sua origem, e tem assumido

diferentes significados relacionados com a evoluo histrica, poltica, social e religiosa da

humanidade, bem como, com a evoluo tcnico-cientfica, principalmente das cincias da

sade e da enfermagem em particular.

Em uma anlise histrica e conceitual da enfermagem, Mussi (2005) refletindo

acerca das mudanas relativas concepo do conforto pela enfermagem, revela que

ocorreram em funo do momento histrico vivido e que a abordagem do conforto sofreu

influncias dos fatores religiosos, da racionalidade mdico-cientfica, assim como das

exigncias das instituies. Pde-se apreender que, nos primrdios do sculo XVII, as prticas

relacionadas a enfermagem eram exercidas por pessoas vinculadas igreja que acreditavam

na salvao mediante o cuidado prestado aos doentes, o que levavam essas pessoas a

prestarem cuidados que visavam o conforto fsico do enfermo, proporcionado atravs de

cuidados com o corpo. Com o surgimento dos hospitais e a ascenso da prtica mdica, a

ateno para o corpo estava sob domnio do mdico, ficando para as enfermeiras a

preocupao com o conforto relacionado ao ambiente.

26

Mc Ilveenn e Morse (1995) realizaram reviso de literatura sobre conforto, do perodo

de 1900 a 1980, tendo como base a literatura clnica americana. Os achados mostraram que os

conceitos de conforto adotados possuam forte relao com a prtica exercida pela

enfermagem da poca. No perodo de 1900 a 1929, o exerccio da enfermagem ocorria nos

domiclios, era considerada uma tima enfermeira aquela que conseguia promover o conforto

ao indivduo doente. As aes de conforto eram, na sua maioria, voltadas para o corpo do

doente, como as modificaes no ambiente e proviso da higiene corporal. Havia, tambm,

aquelas aes que poderiam promover o conforto emocional, como a habilidade de ouvir e

falar. A promoo do conforto estava relacionada as habilidades da enfermeira em

proporcion-lo, independente das prticas mdicas.

No perodo de 1930 a 1959, a institucionalizao das prticas de sade afastou as

enfermeiras do cuidado domiciliar e as aproximou do hospital, assim como, favoreceu o

surgimento de uma classificao hierrquica de atividades, o que colaborou com a

transferncia de aes das enfermeiras, que at ento eram responsveis pela promoo do

conforto do paciente, para outros profissionais sob sua superviso. A ocorrncia de falhas na

promoo do conforto tambm estava vinculada ao surgimento de estratgias mdicas de cura,

sendo estas consideradas mais importantes que a promoo do conforto, a falta de tempo da

enfermagem e a responsabilizao do paciente pelo seu desconforto. Na poca, o conforto

emocional dos pacientes, tambm, era alcanado devido aos cuidados realizados para

promover o conforto fsico, como a realizao dos cuidados de higiene e o posicionamento

adequado no leito, com o uso de travesseiros e coxins (MC ILVEENN, MORSE, 1995).

No perodo de 1959 a 1980, as atividades realizadas pelas enfermeiras foram

influenciadas pelo progresso tecnolgico. A exigncia estava voltada para as habilidades

tcnicas da enfermeira, assim, novas atribuies surgiam como a compreenso dos

equipamentos para acompanhar as alteraes do estado dos pacientes nos monitores, a

superviso da equipe de enfermagem e dos estudantes. Com isso, o tempo para o cuidado

direto aos pacientes tornava-se reduzido, sendo necessrio que as medidas de conforto fsico

fossem realizadas por membros da equipe de enfermagem ou pelos familiares, restringindo as

oportunidades de interao entre o enfermeiro, o paciente e a sua famlia. O conforto

emocional, apesar de mais discutido, ainda era pensado como consequncia do conforto

fsico, como o alvio da dor. As estratgias que visavam o alvio da dor como um ambiente

silencioso, administrao de medicamentos, o posicionamento adequado no leito, a escuta e a

distrao tambm proporcionavam a reduo da ansiedade dos pacientes e de seus familiares

27

(MC ILVEENN, MORSE,1995). O apoio religioso e a presena da famlia j eram ento

incentivados pelas enfermeiras, por serem reconhecidos importantes para a promoo do

conforto emocional dos pacientes e dos prprios familiares, estes que passaram a ser includos

como clientes da enfermagem.

No final do sculo passado, na dcada de 90, houve um crescente nmero de

investigaes que fortaleceram construto, conforto, ao trazer conceitos, dimenses e at a

elaborao de uma teoria que buscasse explicar este fenmeno (KOLCABA, 1991,1994;

SANTIN, 1998; BOYKIN, 1998; KOERICH, ARRUDA, 1998; MORSE, 1998). O conforto

foi expresso como resultado dos cuidados de enfermagem, (KOLCABA, 1991,1994; MORSE,

2000), como um constituinte inerente s necessidades humanas bsicas

(MALINOWSKI,STAMLER, 2002; KOLCABA, 1991), e como um processo que tem como

componentes o toque, a fala e a escuta (MORSE, 1998; CAMERON, 1993).

Ao realizar um levantamento do papel das teorias de enfermagem no fortalecimento do

construto conforto, Apostolo (2009) traz que, a partir da segunda metade do sculo XX, a

literatura de enfermagem referencia autoras, como Callista Roy, Hildegard Peplau, Jean

Watson, Madeleine Leininger, Josephine Paterson, Loretta Zderad, Janice Morse e Katharine

Kolcaba, que contriburam para o desenvolvimento terico do conforto. O autor descreveu o

conforto como um aspecto central para satisfazer as necessidades humanas argumentando que

o papel da enfermagem deve focar em tudo o que possa interferir no conforto fsico e mental

dos doentes; Peplau considerou o conforto como uma necessidade bsica relacionada s

necessidades de alimentao, repouso, sono e comunicao; Roy na sua teoria da adaptao,

estudou o conforto psicolgico e as respectivas medidas para melhorar esse conforto. As

teorias de Leininger (Cuidados Transculturais) e Watson (Teoria do Cuidado Humano) trazem

a essncia do que a enfermagem e incorporam a importncia da promoo do conforto.

Kolcaba (1991, 1994), ao apresentar a teoria holstica do conforto, definiu-o como a

satisfao das necessidades humanas bsicas por alvio, calma e transcendncia. A autora

estabeleceu duas dimenses, a primeira referente aos estados de conforto, estes que so: alvio

- o estado de haver uma necessidade de conforto especfica atendida; a calma - o estado de

calma ou de contentamento e a transcendncia - o estado em que se pode ultrapassar

problemas ou dor. A segunda dimenso refere-se ao contexto em que o conforto ocorre, so

eles: contexto fsico referente s sensaes corporais; contexto psicoespiritual - refere-se

conscientizao de si mesmo, incluindo estima, identidade, sexualidade, o seu sentido de vida;

o terceiro contexto o sociocultural relativo as relaes interpessoais, famlia, sociedade

28

(finanas, ensino, pessoal de cuidados de sade), assim como as tradies familiares, rituais e

prticas religiosas; o quarto contexto no qual o conforto vivido o ambiental - referente ao

plano externo da experincia humana (temperatura, luz, som, odor, cor, mobilirio). A autora,

ainda, coloca que a apresentao do conforto baseado nestes contextos visa facilitar a

identificao de estratgias adequadas para promover o alvio dos desconfortos, e quando isso

no for possvel, o enfermeiro (a) deve realizar intervenes para realar a transcendncia.

Arruda e Nunes (1998) desenvolveram pesquisa para realizar anlise- terico

conceitual sobre o conforto a partir de seis estudos com populaes de diferentes contextos e

situaes de sade e o definiram como uma experincia pessoal subjetiva que inclui sensao

de melhora, segurana, proteo, comodidade, liberdade e integrao, que ocorre quando a

pessoa experincia aquele cuidado prprio ou profissional que resulta em restabelecimento

das suas foras e poder pessoal, possibilitando-lhe enfrentar as situaes de sade e doena

visando um viver mais saudvel. Deste modo, concluram que o conforto uma experincia

subjetiva que transcende a esfera fsica, incluindo a psicolgica, social, espiritual e ambiental.

Ressaltaram, ainda, que conforto uma experincia vinculada a tempo e espao.

Morse (1998, 2000) definiu o conforto como um estado de bem-estar que pode ocorrer

em qualquer estgio do processo sade-doena. A autora fez uma distino entre dois estados:

um estado temporal, que acalma, conforta e auxilia a pessoa a suportar o sofrimento, por

exemplo, o alvio temporrio da dor, e o outro seria um estado de longo prazo, uma forma

mais constante, tais como, a obteno de uma tima sade ou a consumao de uma morte

pacfica.

Dentre os poucos estudos que abordaram o conforto na perspectiva de familiares,

Mussi (1999) visou esclarecer o que pensavam os familiares de pessoas que sofreram infarto

do miocrdio sobre o conforto. A investigao revelou que, para eles, o conforto relacionava-

se percepo de que os profissionais de sade estavam interessados em suas necessidades,

sentiam-se aceitos e valorizados como pessoas, tinham a segurana de que o parente internado

recebia cuidados individualizados e com demonstraes afetivas, podiam estar perto do

parente para apoi-lo, recebiam informaes detalhadas sobre o seu estado e tinham acesso

para se comunicar com os profissionais de sade.

Nessa mesma perspectiva, Koerich e Arruda (1998) buscaram identificar o significado

de conforto e desconforto para acompanhantes de crianas e adolescentes em UTIs

peditricas. Os relatos mostraram que os acompanhantes/ familiares vivenciavam mais

desconforto do que conforto. Apontaram como desconfortos a falta de comodidade,

29

incmodo, direitos no-atendidos, tenso, condies precrias de estrutura e funcionamento

do hospital. As necessidades de conforto sinalizadas estavam mais no plano do desejo do que

do concreto.

Apesar das concepes existentes de conforto, no possvel desconsiderar que

supem, em geral, uma situao ideal de sade ou de pleno equilbrio. Uma decorrncia de

usar definies idealizadas para orientar a prtica da enfermagem seria reforar a promoo

do conforto como algo dificilmente realizvel e supor que o hospital teria uma estrutura capaz

de promover esse estado de conforto, ou que o enfermeiro capaz de promov-lo em sua

plenitude, apesar da lgica predominante na instituio hospitalar e da complexidade do ser

humano (MUSSI, KOIZUMI, ANGELO, LIMA 2002).

Embora o conforto tenha sido e continue a ser o resultado desejado dos cuidados

prestados pela enfermagem ao cliente e aos seus familiares, os diversos estudos realizados

ainda no foram suficientes para o alcance de um consenso acerca das definies desse

constructo (MORSE, 1998). Apesar do termo conforto aparecer com frequncia nos livros

textos de enfermagem, escassa a literatura de enfermagem, no que se refere a estudos que

buscaram operacionaliz-lo, ou seja, poucos foram aqueles que se aproximaram da ideia de

definir e medir o conforto.

O estudo realizado por Mussi, Koizumi, ngelo e Lima (2002), que visou

compreender as situaes vivenciadas por homens com infarto agudo do miocrdio, por eles

definidas como conforto ou desconforto, teve como um de seus pressupostos que o sentido de

conforto ou desconforto produto da interao, e sua compreenso precisa ser buscada nas

interaes da pessoa consigo mesma, com aqueles que a circundam durante o tratamento e nas

situaes que ela enfrenta. Portanto, para as autoras, os sentidos de conforto surgem e se

modificam nas interaes que as pessoas estabelecem com elas mesmas, com outros seres,

situaes e objetos, e so baseados no sentido que elas atribuem s coisas com as quais

interagem.

Nessa perspectiva, pode-se depreender que o sentido atribudo as interaes dos

indivduos e da famlia com diferentes objetos sociais sofrer, tambm, influncia de suas

crenas, valores e condio social. Portanto, em diferentes povos e culturas, as experincias e

os sentidos de conforto podem diferir, bem como, apresentar pontos em comum. No se pode

negar que o sentido de conforto, seja, numa perspectiva individual ou coletiva, modifica-se

nas interaes com os objetos sociais, que podem ser significados de modo diferente, de

acordo com a cultura, experincia de vida pessoal e familiar, bem como, podem se modificar

30

no tempo e espao. Cada uma tem uma maneira prpria de definir, refletir e compreender

situaes vivenciadas, guiar e formar a ao luz das situaes em que se encontra.

Tais consideraes nos permitem entrever que as prticas de cuidar em sade, com

vistas promoo do conforto devem contemplar os sentidos atribudos ao conforto por

grupos sociais que vivenciam e interagem com situaes especficas, tal como o caso de

famlias que tm um de seus entes internados em uma UTI.

3.2 O Conforto e as prticas de cuidado em sade

O cuidado o ideal moral que tem como finalidade a proteo, o engrandecimento e a

preservao da dignidade humana. Ajuda a pessoa a buscar significaes para a doena, dor,

sofrimento e existncia. Pode, ainda, contribuir com o outro para o autoconhecimento,

autocontrole e bem-estar (WATSON,1979 apud SILVA et al., 2001). Assim, o cuidado um

compromisso, o atributo mais valioso que a enfermagem, e as pessoas, de um modo geral,

podem oferecer s outras.

O cuidado mais que um ato, se ope ao descuido e ao descaso, representa uma

atitude de ocupao, preocupao, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro

(BOFF, 1999). Esse cuidado como preocupao caracteriza a verdadeira solicitude autntica,

aproximando-o da preocupao humana essencial, que se distingue da ocupao ftil e se

ope a acomodao, competio, indiferena, distanciamento, apatia, descrena, passividade e

descompromisso. Caracteriza-se como autntico na medida em que tem a inteno de

promover bem-estar e ensino-aprendizagem transpessoal, favorecendo ao outro na busca pelas

possibilidades de agir e ser. Nesse sentido, podem-se perceber semelhanas com as

concepes do cuidado autntico heideggeriano (SILVA et al., 2001).

Colliere (1999) destaca que cuidar manter a vida garantindo a satisfao de um

conjunto de necessidades indispensveis vida, mas que so diversificadas na sua

manifestao, a exemplo da necessidade de conforto.

O cuidar em enfermagem tem sido definido como a primazia de uma prtica

fundamentada, sistematizada e com capacidade de autodirigir-se. A plenitude desse cuidado

vem representada por aes presentes em todos os momentos do ciclo vital, nas distintas

manifestaes do processo de adoecimento, interagindo com o ser humano em suas diferentes

dimenses, incluindo a esfera psicossocial e espiritual (IDE, DOMENICO, 2001).

31

Nessa perspectiva, a interao um ponto fundamental do cuidado, pois ele sugere

movimento, o que significa ir construindo uma srie de relaes (AYRES, 2004).

Para que o cuidado de enfermagem possa contribuir para a promoo do conforto do

indivduo, torna-se necessrio provises de contedo humano-social (interao, apoio,

compreenso, carinho, compaixo) e no apenas material, ainda que o cuidado realizado

tenha como objeto, o corpo da pessoa doente.

Para cuidar, necessrio ter como foco o resgate da dimenso humana da prtica do

cuidado, da revalorizao da sensibilidade como instrumento de ao para combater a

coisificao do outro e de si, a exemplo do ouvir, do fazer, do oferecer cuidado. Assim pode-

se cultivar o respeito fundamental preservao da identidade e o reconhecimento dos

direitos individuais, limitando a desconsiderao, a manipulao e a fragmentao do ser

humano (IDE, DOMENICO, 2001).

Cuidar , portanto, uma atitude interativa que inclui o envolvimento e relacionamento

entre as partes, compreendendo acolhimento, escuta dos sujeitos, respeito pelo seu sofrimento

e histrias de vida (LACERDA, VALLA, 2008).

Ayres (2007) considera o cuidado como uma ateno a sade ativamente instruda

pelo sentido existencial do adoecimento na experincia de indivduos e comunidades e,

consequentemente, que considere os significados e implicaes prticas das aes tcnicas

demandadas, sejam de promoo, proteo ou recuperao da sade.

Ainda pensando na relao entre cuidado e as prticas de sade, o autor traz que a

interveno tcnica se articula verdadeiramente como um cuidar quando o sentido da

interveno passa a ser no apenas o estado de sade visado de antemo, nem somente a

aplicao mecnica das tecnologias disponveis para alcanar esse estado, mas o exame da

relao entre finalidades e meios e seu sentido prtico, conforme um dilogo, o mais simtrico

possvel entre profissionais e usurios dos servios, pois cuidar da sade de algum mais

que intervir sobre um objeto, h que se estabelecer uma relao para se conhecer o projeto de

felicidade daquele sujeito (AYRES, 2001, 2004).

Na perspectiva de um efetivo cuidado, Ayres (2007) traz que o encontro teraputico

deve abrir possibilidades de colocar o sentido instrumental das tcnicas (xito tcnico) a

servio dos projetos de felicidade daqueles que buscam a ateno, assim tal encontro resultar

em sucesso prtico. O importante no cuidado a permeabilidade da racionalidade tcnica da

ateno aos aspectos no tcnicos, que imprimem significado prtico sua aplicao. A

possibilidade da ligao entre sucesso prtico e xito tcnico, produzido pela sabedoria

32

prtica, num encontro teraputico, se d na dimenso dialgica, ou seja, pela abertura de um

autntico interesse em ouvir aquele a quem queremos destinar nossas boas prticas, e ser por

ele ouvido.

Outro trao bastante relevante na construo do cuidado que ambas partes decidam

fazer o melhor dilogo. O acolhimento um recurso que possui a capacidade de potencializar

o dilogo. O acolhimento tem sido definido como ato ou efeito de acolher. E expressa uma

atitude de incluso, uma ao de aproximao, um estar com e um estar perto de. Essa

atitude implica, por sua vez, estar em relao com algo ou algum, e por isso acolher, tambm

cuidar, e esse cuidar deve se voltar para a contribuio do bem-estar. O dilogo humaniza a

relao entre indivduos distintos, permitindo a aproximao e a confiana necessria ao

processo de cuidado (BRASIL, 2006).

O cuidado ocorre sempre que cada profissional de sade se interroga acerca de como e

quanto assume responsabilidades, na busca dos projetos de felicidade daqueles de cuja sade

cuida, preocupando-se, ao mesmo tempo, com o quanto estes sujeitos so partcipes desses

compromissos (AYRES, 2007).

Sobre a questo, Santin (1998) afirma que o cuidado como preocupao com a vida

no pode ser restrito s atividades mdicas e de enfermagem, particularmente no contexto da

sociedade moderna, pois a vida humana cuidado e o conforto, uma exigncia da vida para

estar e viver bem, com fora e agradavelmente.

O conceito de cuidar est incorporado na promoo do conforto, e as prticas de

cuidar inerentes ao processo de trabalho em enfermagem podem alterar o estado de bem-estar

do indivduo, mas a depender do carter das relaes estabelecidas, podem passar a propiciar

desconfortos (MORSE, 1998).

Arruda e Nunes (1998) ressaltam a ntima relao entre cuidado e conforto, o cuidado

como uma abordagem profissional essencial na enfermagem, mas no como algo exclusivo

dessa profisso, permitindo entender que o cuidado aos familiares pode ser prestado por

outros profissionais e, principalmente, que h necessidade da promoo do conforto por meio

de uma abordagem interdisciplinar. Resgata, tambm, que o cuidado um dever, uma relao

teraputica, uma posio tica, mas que, alm disso, o cuidado condio essencial para que

ocorra a promoo do conforto. Conforme Mussi (1996a, 1996b, 2005), existem imprecises

tericas sobre cuidado e conforto, mas a relao entre eles inegvel, assim como o

entendimento de que o cuidado uma condio necessria para que ocorra a aproximao do

conforto.

33

A relao entre conforto e cuidado pode ser percebida a partir do entendimento de que

prticas de cuidado so mandatrias para que as demandas de conforto sejam atendidas.

Assim, o conforto pode ser considerado como resultante dos cuidados prestados, e o cuidar

um processo do qual pode resultar a experincia do conforto (MORSE, 2000).

Ayres (2004) confirma tal pensamento ao trazer o cuidado como uma ao teraputica,

ou seja, uma interao entre dois ou mais sujeitos visando o alvio de um sofrimento ou o

alcance de um bem-estar, sempre mediado por saberes voltados para essa finalidade.

Considerando conforto como produto das interaes dos indivduos consigo, com seus

parentes, com a equipe e com a estrutura hospitalar, depreende-se que a interao da famlia

com as prticas de cuidar e os objetos institucionais poder promover conforto, minimizar ou

produzir desconfortos.

As prticas de cuidar so as aes de cuidado implementadas pela enfermeira(o) e

outros profissionais de sade para promover o conforto de clientes e familiares. Tais prticas

devem ser realizadas, primeiramente, buscando prever situaes que possam ser

potencialmente causadoras de desconfortos, bem como, a partir da percepo de indicadores

de desconforto; devem ser iniciadas em resposta a uma demanda de conforto especfica, ou de

pistas, verbais ou no-verbais, apresentadas por clientes e/ou familiares. Se as prticas forem

bem sucedidas, a interao com elas promoveu conforto (KOLCABA, 1991; MORSE, 2000).

Considerando o conforto produto de uma interao, as prticas de cuidado prestadas

com o intuito de se aproximar do estado de conforto dos familiares demandam que a relao

estabelecida seja a mais favorvel possvel. Morse (2000) coloca que preciso ter confiana

nas relaes estabelecidas, para que o conforto seja alcanado e, para a autora, o cuidado

competente, do ponto de vista tico e humanstico, pode tornar as situaes de dificuldade

vivenciadas pelos familiares, mais tolerveis. Ressalta, ainda, que a ausncia de confiana

pode se manifestar de diversas formas e impedir a oferta e aceitao de um cuidado e,

consequentemente, potencializar a situao de desconforto.

As prticas de cuidado que visam promover o conforto podem ser independentes ou de

colaborao, com efeito transitrio ou durante um perodo mais longo, premeditadas ou

reflexivas, diretas (fornecida diretamente ao cliente) ou indiretas (envolvendo a manipulao

do ambiente), e englobam, alm disso, o apoio queles a quem se dirigem para que eles

mesmos possam alcanar o conforto, atravs do autocuidado (HAWLEY, 2000; MORSE,

2000).

34

De certa maneira, a medida do conforto permite a avaliao da qualidade das prticas

de cuidado. Pressupe-se que, como resultado do conforto, o familiar pode obter uma

recuperao mais favorvel de suas foras, pode melhorar a capacidade de mobilizar

mecanismos para enfrentar os seus problemas e se adaptar melhor situao vivenciada

(ARRUDA, NUNES, 1998). O cuidado prestado deve ser continuamente avaliado, pois, se o

conforto no foi alcanado ou a prtica foi ineficaz, novas maneiras de cuidar devem ser

pensadas e implementadas (MORSE, 2000).

Para que tais prticas se concretizem, faz-se necessria a participao da equipe de

sade, como parte integrante desse processo, e a interdisciplinaridade das aes em sade.

Pois, assim como as prticas de cuidar podem diminuir o impacto do adoecimento, a falta de

direitos que garantam estes cuidados, ou seja, o descaso, o abandono, pode agravar o

sofrimento, o processo de adoecimento e o desconforto. Deste modo, compreende-se a

promoo do conforto aos usurios do sistema de sade como um direito sade, no que se

refere tanto as condies sociais bsicas para uma boa sade como ao acesso ao cuidado

integral.

Apesar da abrangncia da concepo de conforto, tal como o conceito de sade, a

busca pela aproximao mxima desse estado como um direito sade, ou seja, pela

concretizao de interaes entre profissionais e usurios dos servios que garantam a

vivncia dessa experincia, respeitando a liberdade de deciso e ao dos usurios.

3.3 O Conforto e sua medida

A literatura mostra que a multidimensionalidade do fenmeno conforto vem se

confirmando, assim, para esta reviso levantaram-se na literatura instrumentos que tiveram

por fundamento terico o conforto, como um estado de bem estar, constituindo uma

experincia subjetiva, decorrente das interaes estabelecidas entre sujeitos, que transcende a

dimenso fsica, porque inclui, simultaneamente, os componentes fsico, psicolgico, social

espiritual e ambiental. Assim sendo, os instrumentos que consideraram o conforto como

elemento unidimensional e avaliaram o grau de conforto relacionado a contextos fora do

processo sade-doena, como a ergonomia, clima e vesturio, no foram considerados para

esta reviso.

A maioria dos instrumentos identificados para a medida do conforto teve por base a

teoria do conforto de Katharine Kolcaba, que se props a medir o conforto em trs estados

35

(Alvio, Tranquilidade e Transcendncia) e em quatro contextos (Fsico, Psico-espiritual,

Sciocultural e Ambiental). O General Comfort Questionnaire (GCQ) refere-se a uma

medida na rea de cuidados paliativos, e abrange dimenses como o apoio social, a resoluo

de conflitos, o meio-ambiente, as crenas espirituais e as expectativas da pessoa. O GCQ um

instrumento de auto-preenchimento, podendo tambm ser aplicado pelo pesquisador.

Compreende 49 perguntas que avaliam o bem-estar global, cujas alternativas de respostas vo

de 1 (discordo) a 6 (concordo totalmente). Foram encontrados instrumentos derivados do

CGQ, oriundos da teoria de conforto de Kolcaba, que consistem em adaptaes desse

questionrio para populaes e contextos especficos, como para determinado grupo etrio

(crianas, adultos e idosos); para pessoas com determinada doena, a exemplo do cncer,

incontinncia urinria, doenas psiquitricas; em situao de dor, quimioterapia, radioterapia

e de terminalidade.

A maioria dos instrumentos que visam a medida do conforto em diferentes situaes

foram desenvolvidos em lngua inglesa e procederam, predominantemente, dos Estados

Unidos e dois pases europeus, como Portugal e Espanha. Foram identificadas duas

adaptaes do CGQ para verso em portugus, a primeira escala de avaliao de conforto em

pacientes psiquitricos internados (PICS), desenvolvido por Apstolo, Kolcaba, Mendes e

Antunes (2007) com base na estrutura conceitual de conforto (KOLCABA,1991, 2003), o

qual avalia os trs sentidos de conforto (calma, alvio e transcendncia) nos quatro contextos

(fsico, psico-espiritual, sociocultural e ambiental).

O PICS uma escala do tipo Likert de 5 pontos, para auto-aplicao e possui 38 itens

e boa confiabilidade, com consistencia interna 0,87 pelo alfa de Cronbach. A segunda, a

escala de avaliao do conforto em doentes em quimioterapia (EACDQ) foi construda,

tambm com embasamento do modelo operacional do conforto desenvolvido por Kolcaba,

constituda por 33 itens. uma escala do tipo Likert de 5 pontos. A verso piloto da escala

foi aplicada a uma amostra de 40 pessoas em quimioterapia sendo eliminados os itens que

apresentavam boas correlaes. Apresentou uma consistncia aceitvel, com valores de alfa

de Cronbach relativa aos estados e contextos superiores a 0,70 (APOSTOLO, BATISTA,

MACEDO, PEREIRA, 2006).

Para a avalio do conforto de familiares, foi identificado apenas, o Holistic Comfort

Questionnaire Family, construdo para avaliar o conforto de cuidadores de pessoas com

cncer na fase terminal da doena. Avalia aspectos subjetivos, multidimensionais, negativos e

positivos do cuidar. Incluiu a dimenso espiritual do cuidador. Foi testado por Kolcaba e Fox

36

nos Estados Unidos, em 51 pacientes e em seus cuidadores. Apresentou excelente

fidedignidade com alfa de Cronbach igual a 0,97. O GCQ Family um instrumento de auto-

preenchimento, podendo tambm ser aplicado pelo pesquisador. Contm 49 perguntas que

avaliam o bem-estar global, cujas alternativas de respostas vo de 1 a 6 (NOVAK et al.,

2001).

Alm desses instrumentos, outros foram publicados em revistas indexadas, tais como,

o Comfort Scale que avalia a dor em pacientes sedados, validada para crianas e adaptada

para adultos, compreende cinco itens comportamentais: estado de alerta, grau de calma ou

agitao, resposta respiratria, exerccios fsicos, e tenso facial e duas medidas fisiolgicas

como a freqncia cardaca e a presso arterial mdia. Validada para pacientes peditricos,

com coeficiente alfa de Cronbach de 0.90, adaptada para adultos com confiabilidade inter-

avaliadores de 0,81 (AMBUEL et al., 1992; ASHKENAZY, GANZ, 2011) .

Identificou-se, ainda, o Social Comfort Questionnaire (SCQ), um instrumento

desenvolvido para avaliar a sensao subjetiva de isolamento social e a violao da

privacidade em pessoas que sofreram queimaduras na infncia. O SCQ compreende 8 itens,

sua confiabilidade foi satisfatria, o coeficiente de consistencia interna foi de 0,91

(LAWRENCE et al., 2006).

A Perioperative Comfort Instrument (PPCI) foi construdo para medir o conforto de

crianas de dois a dez anos, submetidas a procedimentos cirrgicos ambulatoriais. As crianas

foram observadas no momento da induo da anestesia e 15 minutos depois da chegada na

sala de recuperao ps-anestsica. As propriedades psicomtricas de validade e confiabiliade

foram satisfatrias. O instrumento mostrou-se uma medida confivel e vlida de conforto

perioperatrio para crianas pertencentes a faixa etria indicada e pode ser utilizado para

testar a eficcia de aes destinadas a melhorar o conforto nesta populao (MORIBER,

2008).

Os instrumentos de avaliao de conforto identificados tiveram as suas propriedades

psicomtricas testadas por diferentes metodologias, no entanto foram utilizadas somente

tcnicas da Teoria Clssica dos Testes, no havendo anlises referentes Teoria de Resposta

ao Item e ao modelo Rasch para a validao dessas escalas.

Importa, deixar claro que nenhum desses instrumentos est adaptado para a cultura

brasileira e, tampouco, refere-se a familiares de pessoas em estado crtico de sade, o foco

deste estudo.

http://web.ebscohost.com/ehost/viewarticle?data=dGJyMPPp44rp2%2fdV0%2bnjisfk5Ie46bRNtq%2bxTbek63nn5Kx95uXxjL6vrUqwpbBIr6eeS7iqsVKwqJ5oy5zyit%2fk8Xnh6ueH7N%2fiVauntEq0qbVIr6y0PurX7H%2b72%2bw%2b4ti7e7bepIzf3btZzJzfhruorkmuprZMsay0PuTl8IXf6rt%2b8%2bLqjOPu8gAA&hid=14

37

3.4 A (ex) incluso da famlia como sujeito das prticas de sade

Na sociedade contempornea, a maioria da populao cultiva o ideal de que a famlia

um valor, pois, no contexto familiar, de modo geral, encontram-se no s os elementos

favorveis sobrevivncia, mas, as condies essenciais para o desenvolvimento e a

realizao da pessoa. No decorrer da evoluo histrica, a famlia permanece como matriz do

processo civilizatrio, como condio para a humanizao e para a socializao das pessoas.

por isso que, apesar da variedade de formas que assume e das transformaes pelas quais

passa ao longo do tempo, a famlia identificada como o fundamento da sociedade. Nesse

sentido, podem ser reconhecidos, na famlia, os caracteres de universalidade e de constncia

no tempo, como relao social primordial e universal (PETRINI, 2010).

Na literatura, existem muitas definies de famlia, e cada uma delas busca atender a

um propsito. Torna-se necessrio, neste estudo, a adoo de definies que atendam a

finalidade de se construir instrumentos para a promoo do conforto voltados para a famlia

com parentes em situao de doena.

Conforme ngelo (1997), a famlia um sistema ou unidade, em que seus membros

podem ou no estar ligados por laos de consanguinidade, conviver juntos ou no, existindo

entre eles um compromisso e uma ligao que pode incluir decises futuras, quanto a

cuidados de proteo, alimentao e socializao de seus membros.

A definio de famlia vai alm de sua composio. Trata-se da unio de pessoas com

vnculos emocionais, afetivos, legais ou de interesse, vivendo juntas por determinado perodo

de tempo, em um locus social com regras, valores, crenas, deveres e responsabilidades, com

vistas s suas metas, no seu ciclo de vida (FARO, 2000).

A famlia, ainda, definida como um grupo de indivduos vinculados por uma ligao

emotiva profunda e por um sentimento de pertena ao grupo, isto , que se identificam como

fazendo parte daquele grupo. Para Galera e Luis (2002), essa definio flexvel o suficiente

para incluir as diferentes configuraes e composies de famlias que esto presentes na

sociedade atual.

Assim, a famlia um espao indispensvel para a garantia da sobrevivncia, do

desenvolvimento e da proteo integral dos filhos, e demais membros, independente do

arranjo familiar ou da forma como vem se estruturando.

A famlia vem sofrendo diversas influncias de fatores econmicos, culturais, polticos

e tecnolgicos. Assim, sua dinmica pode se tornar cada vez mais complexa em razo das

38

diversas possibilidades de arranjos familiares. Alm disso, possui especificidades tnicas,

sociais e religiosas, que precisam ser consideradas pelos profissionais que com ela trabalham

(CARDOSO, CARNEIRO, 2008).

Ela considerada um recurso para o desenvolvimento de seus membros e para a

sociedade, pois atende necessidades humanas e sociais relevantes. Constitui-se em um recurso

para a pessoa, nos mais diversos aspectos de sua existncia, estando presente como uma

realidade simblica que proporciona experincias psicolgicas e sociais, bem como,

orientaes ticas e culturais. Esta relao simblica e estrutural liga as pessoas entre si num

projeto de vida. , tambm, um recurso para a sociedade, pois facilita respostas a problemas e

necessidades cotidianas de seus membros. Sem tal recurso a sociedade enfrentaria

dificuldades caso fosse obrigada a assumir tarefas que, por via de regra so desempenhadas

por ela, como, a proteo, a promoo, o acolhimento, a integrao e as respostas que oferece

s necessidades de seus membros (PETRINI, 2003).

A famlia um espao de convivncia humana ao qual cada membro pertence a ela. E

constitui uma rede de relacionamentos que definem as faces com as quais cada um participa

dos diversos ambientes que frequenta no seu cotidiano, com a qual encontra as outras pessoas.

Assim a famlia um requisito do processo de humanizao, que enraza a pessoa no tempo,

atravs das relaes de parentesco, destinadas a permanecer durante toda a existncia

(PETRINI, 2003).

O estudo da famlia inesgotvel e, na atualidade, vem despertando um enorme

interesse dos pesquisadores das diversas reas. Ao estudar o tema, vrios enfoques so

possveis. Neste estudo, pensa-se na famlia em situao de doena e hospitalizao de um de

seus membros, portanto considera-se como um grupo de indivduos com vnculos emocionais,

afetivos, ligados ou no por laos de consanguinidade que possuem sentimento de pertena,

convivem ou conviveram juntos por determinado perodo de tempo, que existe entre eles

compromissos, deveres, responsabilidades com vistas ao cuidado uns com os outros.

Com base na Teoria Geral dos Sistemas, Artinian (1994) define famlia como um

grupo de pessoas que interagem e so interdependentes, qualquer alterao em um dos

membros, como o surgimento de uma doena, provocar, certamente, alteraes na vida dos

outros membros e no sistema familiar como um todo.

Ao longo da histria da enfermagem, a incluso da famlia como objeto de ateno dos

profissionais de sade tem ganhado, paulatinamente, espao no contexto mundial e brasileiro.

39

O resgate histrico da enfermagem revela que a famlia sempre esteve muito prxima a ela,

embora o alvo do seu cuidado fossem os indivduos enfermos e no os familiares.

As prticas de sade e de enfermagem, na era crist, ocorriam, inicialmente, no mbito

domiciliar, o que tornava necessria e natural a participao de cuidadores na vida das

famlias, tais prticas eram realizadas predominantemente por prticos religiosos e leigos

(WRIGHT, LEAHEY, 2002).

Antes do sculo XVIII, o hospital era basicamente uma instituio de prestao de

assistncia aos pobres, alm de prestar assistncia a doentes, era tambm considerado um

local de separao e excluso de indivduos considerados indesejveis pela sociedade, entre

eles, pobres, prostitutas e doentes mentais. Nesse ambiente de cuidado, as prticas eram

realizadas por pessoas religiosas, que buscavam a salvao do doente e a sua prpria salvao

com base nas suas obras de caridade. As aes eram voltadas prestao de assistncia

material e espiritual e queles que necessitavam dos ltimos cuidados (FOUCAULT, 1998).

Ainda na mesma poca, a medicina curativa acontecia no ambiente extra-hospitalar, isto ,

nos domiclios onde as prticas de sade eram realizadas em conjunto com a rede familiar.

Isso significa dizer que as famlias estavam completamente inseridas no processo de

adoecimento e reabilitao de seus entes e desempenhavam papel ativo tanto na tomada de

decises quanto na prestao de cuidados. A famlia tinha responsabilidades junto ao parente

enfermo e colaborava tanto nos aspectos fsicos quanto nos emocionais para a sua

recuperao.

A institucionalizao das prticas de cuidado de enfermagem coincide com as

transformaes evidenciadas por Michel Foucault no ambiente hospitalar, no final do sculo

XVIII. Nesse momento, o hospital passa por uma reorganizao, na qual a introduo de

mecanismos disciplinares e a necessidade do saber da medicina vigente para a conduo da

doena, viabilizaram o nascimento do hospital, sob controle mdico (FOUCAULT, 1998).

Em tal espao, buscou-se o desenvolvimento de aes que pudessem controlar a evoluo da

doena. O cuidado para a cura foi deslocado para o hospital, requerendo assim a participao

de profissionais para tal exerccio.

Os hospitais modernos, a partir do sculo XIX, passam a ser espaos teraputicos e

no mais caritativos de abrigo a pobres e excludos, tendo como eixo norteador a eficincia

tcnica e o desenvolvimento tecnolgico sob a tica biologicista. Este modelo de assistncia

tem como foco a doena e o corpo. O carter humano dos sujeitos que necessitavam de

cuidados devido ao acometimento por uma doena, foi muitas vezes, negligenciado, afastando

40

os sujeitos dos seus familiares e amigos e, ainda, dificultando a sua rede de apoio em exercer

o seu papel no processo de adoecimento (FOUCAULT, 1998; CREPALDI, 1999).

Do ponto de vista do movimento social brasileiro, historicamente, o tema Famlia

esteve numa posio perifrica, ou seja, no plano secundrio, na evoluo das lutas sociais no

pas. At a dcada de 90 do sculo passado, as polticas pblicas contemplavam a famlia de

maneira fragmentada priorizando, crianas, mulheres, adolescentes, adultos, idosos e

trabalhadores de modo individual. No havia, no cenrio poltico, nenhuma fora importante

com propostas em nome de um movimento de organizaes familiares. A poltica brasileira,

daquele perodo, se caracterizava por ser elitista (privilegiava minorias favorecidas da

populao); assistencialista e tutelar; mantenedora do autoritarismo, centralizada no Estado;

setorizada e institucionalizada. Entretanto, apesar das enormes dificuldades que o pas

atravessava e, a dimenso desses desafios, havia uma tendncia por parte de importantes

segmentos sociais em sintonizar as polticas pblicas e a legislao do pas com as mais

recentes conquistas internacionais na esfera de direitos da famlia (CARVALHO, 2008;

COSTA, 2008).

Na verdade, as conquistas que mudaram a face da questo familiar foram apresentadas

pelos movimentos em favor da mulher e dos direitos da criana e do adolescente, o que

promoveu uma nova definio constitucional de famlia tornando-a mais inclusiva e sem

preconceitos (COSTA, 2008). Em 1994, ano ainda de desarticulao, foi considerada a

oportunidade para o desenvolvimento de aes em favor da famlia, com base nos princpios

da convergncia e da complementaridade, ou seja, foi valorizada a construo de uma poltica

inicial de ateno famlia para o pas como resultante de um debate de abrangncia nacional.

Assim, no final do sculo XX, houve uma retomada da famlia como foco de interesse

das polticas pblicas. Neste contexto, o ano de 1994, eleito como o Ano Internacional da

Famlia, emerge como uma oportunidade de consolidao e avano dos direitos humanos no

Brasil. O princpio norteador do ano internacional da famlia consistiu em conceitualizar a

famlia como unidade bsica da sociedade, como um instrumento essencial de preservao e

transmisso de valores culturais, como uma instituio que forma, educa e motiva o homem,

e que merece uma ateno especial de proteo e assistncia (TAKASHIMA, 2008).

Deste modo a estratgia de ateno sade da famlia, criada pelo Ministrio da

Sade, em 1994, pode ser considerada um avano das aes pblicas de assistncia familiar

em direo ao desenvolvimento das potencialidades da famlia, e de seus membros. A famlia

41

passa a ser valorizada em suas possibilidades, de proteo, socializao, exerccio de

autoridade e de vnculos relacionais.

Hoje, as polticas e discursos de humanizao (BRASIL, 2004, 2005, 2007)

incentivam o atendimento famlia, tambm, a considerao dos usurios como sujeitos reais

(AYRES, 2001). No entanto, apesar da formao humanstica do(a) enfermeiro (a), esse

profissional enfrenta conflitos, pois a prtica ainda est bastante enraizada e subordinada

lgica da racionalidade mdico-cientfica e s exigncias polticas e econmicas

institucionais, que o afastam da sua primordial funo, o cuidado que promove conforto. Em

razo de privilegiar as atividades tcnicas e burocrticas e de desenvolver mecanismos de

defesa psquica, distanciam-se dos pacientes e familiares inviabilizando as trocas

intersubjetivas (MUSSI, 2005). Percebe-se que o modelo de assistncia fragmentada atinge a

famlia, pois essa comumente desconsiderada nos planos de cuidados e teraputico do

cliente, realando a ao dos profissionais centrada no corpo, no biolgico. Tal prtica,

muitas vezes, mostra-se como natural para os familiares, isto , a forma adequada de

atendimento para eles a assistncia centrada no cliente, tornando evidente o

desconhecimento e no reconhecimento das suas demandas de conforto.

ngelo (1999) salienta que a relao da enfermagem com as famlias sempre existiu,

no entanto essa interao ocorria, apenas, para o fornecimento de orientao e busca de

informaes. Mas, com a crescente nfase na importncia da famlia, comea uma mudana

na percepo do acompanhante como uma pessoa que merece ser cuidada.

A autora ainda ressalta, que uma silenciosa revoluo est ocorrendo no cenrio da

enfermagem, no que se refere incluso da famlia como sujeito de s