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CONSTRUIR O REGIME REPRESENTATIVO
NO BRASIL:MISSÃO IMPOSSÍVEL?
Prof. Paulo Kramer (Instituto de Ciência Política da UnB/ O&K – Consultoria)
“O que é o interesse geral senão a transação que se faz entre os interesses particulares? O que é a representação geral senão a representação de todos os interesses parciais que devem transigir naquilo que lhes é comum? O interesse geral é diferente, sem dúvida, dos interesses particulares, mas não é contrário a eles. Fala-se sempre como se uma pessoa ganhasse o que os outros perdem; o geral não é senão o resultado desses interesses combinados; deles difere como um corpo difere das suas partes. Os interesses individuais são os que mais concernem aos indivíduos; os interesses dos distritos são os que mais concernem a estes. Ora, são os indivíduos e os distritos que compõem o corpo político; são, consequentemente,os interesses desses indivíduos e desses distritos os que devem ser protegidos...
- continua -
- continuação -
Ao protegê-los a todos, suprimir-se-à de cada um deles o que prejudica aos demais, disso resultando o verdadeiro interesse público, que coincide com os interesses individuais, uma vez que lhes foi tirado o poder de se prejudicarem mutuamente. Cem deputados nomeados por cem distritos de um Estado levam ao seio da assembleia os interesses particulares, as preocupações locais dos seus representados. Essa base é útil a eles: forçados a deliberarem juntos, logo percebem os sacrifícios respectivos que são indispensáveis. Esforçam-se para diminuir a extensão deles, e nisso reside uma das maiores vantagens da forma de sua designação. A necessidade acaba sempre por uni-los numa transação comum, e quanto mais fragmentadas tiverem sido as eleições, a representação consegue um caráter mais geral.
[...]- conclui na próxima lâmina -
- conclusão -
Convém que o representante de um distrito atue como órgão do mesmo, que não abra mão de nenhum dos seus direitos, reais ou imaginários, senão depois de tê-los defendido; que seja parcial na defesa dos interesses de que é mandatário, porque se cada um for parcial nessa defesa, a parcialidade de cada um, unida e conciliada, terá as vantagens da imparcialidade de todos”.
Fonte: CONSTANT, B., Princípios de política (1815), apudVÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo, Ética empresarial: conceitos fundamentais. Londrina: Humanidades, 2003, pp. 55-56,
INSTITUIÇÕES DO REGIME REPRESENTATIVO
Primórdios:
Inglaterra (1215): Magna Carta
- Conselho Geral do Reino, depois Câmara dos Lordes.
- meados séc. XIV: Câmara dos Comuns
- séc. XVII: conflito religioso e guerra civil (rei X Parlamento). Execução de Carlos I, 1649
- conclusão -
- Ditadura de Oliver Crowell: 1653/1658
- Revolução Gloriosa (1688/89).
Influência de John Locke (Segundo tratado sobre o governo civil). Contra o arbítrio do soberano, um regime submetido à lei. Primazia do Parlamento (Poder Legislativo)
Bill of Rights, 1689:
Poder Executivo (governo) não pode suspender as leis ou descumpri-las sem consentimento parlamentar.
Bill of Rights, 1689. (continuação):
Tributação: prerrogativa parlamentar
Tamanho do exército em tempo de paz: idem
Executivo responsável pela liberdade nas eleições ao Parlamento
Imunidade parlamentar no exercício do mandato.
Eleições periódicas
Mais tarde: anuidade dos impostos (convocação anual do Parlamento); mandato parlamentar de 3 anos.
Act of Settlement (Lei Sucessória), 1701:
Judiciário independente: juízes vitalícios
Guilherme de Orange, o rei holandês levado ao trono pela Revol. Gloriosa, e sua mulher, Maria, não tinham filhos.
O pai dela, Jaime II, tinha um filho católico (absolutista).
Nova linha sucessória: Ana Stuart, sua prima Sofia, casada com o príncipe alemão Ernesto (eleitor de Hanover)
Dinastia de Hanover ocupa até hoje o trono britânico (por causa da guerra, mudou o nome para Windsor)
Lei de União, 1707:
Reino Unido da Grã-Bretanha (Inglaterra + Escócia).
Parlamento único (cadeiras para representantes escoceses na C. Lordes e na C. Comuns).
Dinastia de Hanover
Jorge I e Jorge II
Conselho de Ministros (governo): maioria parlamentar
O primeiro ministro e o governo de gabinete (razão do nome)
Século XVIII: gradual convergência entre whigs (liberais) – protagonistas da Rev. Gloriosa – e tories (previamente absolutistas) no apoio a governo limitado com base no poder do parlamento.
Fiasco do rei Jorge III (independência americana): abandono de pretensões personalistas/absolutistas.
Consolidação do regime de gabinete/parlamentarista
O rei reina, mas não governa.
William Pitt, o jovem (1759-1806). Ameaça da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas.
A razão para o voto baseado em critério de renda e a extensão gradual do sufrágio.
Revolução Industrial: novos interesses se afirmam.
A questão dos burgos podres (600 deputados à C. Comuns, 2 por distrito)
Reforma eleitoral (proposta whig), 1832:
suprimidas 56 circunscrições com menos de 2 mil habitantes.
distritos com menos de 4 mil habs.: só 1 deputado.
43 cidades passam a ser representadas.
Reforma eleitoral, 1832 (cont.):
De 220 mil para 670 mil eleitores.
Reformas liberalizantes (comércio, navegação). Grã-Bretanha: potência número 1.
Nova reforma eleitoral, 1867
Maior representação para as cidades.
1872: voto secreto
1884: distritos com 1 deputado (eleitorado: 4 milhões)
1918: sufrágio universal – homens (21), mulheres (30 anos),
Igualdade homens/mulheres: 1928.
Liberalismo = democracia
Mandato fiduciário x mandato imperativo (E. Burke)
Democratização da ideia liberal:
Expansão do sufrágio solidamente associada ao desenvolvimento de grupos de interesse
De blocos parlamentares a partidos políticos modernos.
FRANÇA (“[...] sempre a mesma revolução” – Tocqueville)
Da monarquia constitucional ao jacobinismo democratista (Terror)
Restauração Bourbon. Monarquia Orleãs (1830-1848)
Segunda república e retrocesso imperial (Napoleão III)
Efeito perverso do sufrágio universal prematuro.
FRANÇA (continuação)
III República (1870 – derrota na Guerra Franco-Prussiana/1870/1940 – invasão alemã e regime de Vichy.
Parlamentarismo. Sist. representação proporcional: lista hierarquizada.
Revanchismo, imperialismo/militarismo, anticlericalismo
IV República (1945-1958)
Instabilidade dos gabinetes (representação proporcional)
De dez. 46 a maio de 58.: dois gabinetes por ano (média)
Crise colonial (Argélia)
V República (1958-?)
De Gaulle escreve a nova constituição
sist. Representação (voto majoritário em dois turnos)
Semipresidencialismo (eleição direta a partir de 1962)
Plebiscitos.
ALEMANHA (voto proporcional, polarização e tragédia)
Unificação (1871): Bismarck
Sufrágio universal (repres. proporcional)
Kaiser: escolha do chanceler (primeiro ministro) e dissolução do Reichstag.
Parlamento sem poder sobre o orçamento
Poder do Bundesrat (Conselho dos Estados)
Antecipação das demandas operárias e proibição do socialismo (PSD)
ALEMANHA (continuação)
Derrota de 1918 e Const. da República (Weimar), 1919
Semipresidencialismo (eleição presid. direta, 7anos c/ reeleição, Forças Armadas, dissolução do Reichstag, suspensão de garantias)
Representação proporcional impediu afunilamento dos interesses e a formação de maioria nítidas.
Paz humilhante, hiperinflação (novembro de 1923: 1 dólar = 4,3 trilhões de marcos!)
Incapacidade dos partidos liberais, conservadores e da esquerda democrática (PSD expurgado) de formar coalizões estáveis de governo.
Proliferação de peqs. partidos.
Extremos totalitários: comunistas e nazistas.
ALEMANHA (conclusão)
Crise de 29/30: desemprego. Receituário da Escola Austríaca (Von Mises). Nada de keynesianismo.
Eleições de 32 e 33: Hitler chanceler, desmanche do sist. representativo.
Livro de Ferdinand A. Hermens, Democracia ou anarquia: estudo sobre o sistema proporcional (1941)
Pós-Guerra: RFA (K. Adenauer). Início da integração européia. Programa Bad Godsberg (adeus, marxismo!). Introd. voto semimajoritário (distrital misto). Claúsula de barreira/desempenho: 5% (somente 4 partidos desde a eleição: de 1976). Voto de censura construtivo.
RP ou voto distrital (majoritário)?
O trade off:
Espelho fiel de todas as nuances do eleitorado?
Governabilidade?
BRASIL: (construção, destruição, reconstrução da representação)
Mortalha de Penélope
Independência: Portugal e Brasil sob o signo de La Pepa de Cádiz (Const. liberal espanhola, 1812)
Influência da const. monárquica moderada da França/1791
Eleição indireta (votantes e eleitores)
Cortes de Lisboa, retorno de D. João VI a Portugal (juntas eleitorais de freguesia, de comarca, de província e, finalmente, os eleitores)
BRASIL: (continuação)
Constituinte de 1823, Carta outorgada de 1824.
Eleição indireta (2 graus): votantes e eleitores. Critério censitário (renda)
Monarquia constitucional, e não parlamentar (P. Moderador, Conselho de Estado)
Da Regência ao Regresso (sedimentação dos mecanismos do sistema representativo)
Alternância entre os blocos Conservador e Liberal (derrubadas)
BRASIL: (continuação)
Lei Saraiva (1881): fim da eleição indireta. Meras formalidades na verificação da renda. Sistema se tornava representativo dos grupos de interesse (MG, mais urbana: predomínio dos liberais)
República: interrupção dessa evolução gradual.
BRASIL: (continuação)
Militarismo da etapa inicial (Positivismo: a república cientificista acima dos interesses e contra eles)
Constituição castilhista (RS)
Circulação de elites políticas (dos estadistas do Império aos bacharéis filhos/genros dos grandes cafeicultores)
Regime de partido único nos estados (PRs)
Políticas dos governadores (Campos Salles)
Eleições presidenciais até 1930: eleitorado = -10% pop.
BRASIL: (continuação)
Revolução de 30 e Ditadura do Estado Novo. Mais um ciclo de modernizaçãodo patrimonialismo (antes: Pombal, no séc. XVIII)
Getúlio Vargas implanta nacionalmente o regime castilhista
Código Eleitoral de 32 (Assis Brasil): representação proporcional.
Estado Novo: 1937-1945.
Democratização e Constituição de 46: voto uninominal em lista aberta.
BRASIL: (continuação)
Regime militar
Camisa de força bipartidária (Arena X MDB), sem voto distrital.
Remando contra a Lei de Duverger...
BRASIL: (continuação)
Nova República
Manutenção do sistema de voto uninominal em lista aberta
O interminável nhenhenhém da reforma política
Tentativas mais recentes
PLs 2679/03 e 1210/07.
BRASIL: (continuação)
Substitutivo do relator Ronaldo Caiado (DEM/GO) na comissão especial de reforma política da Câmara ds Deputados.
Fim das coligações nas eleições proporcionais
Federações de pequenos partidos (duração mínima de 3 anos)
Listas fechadas e preordenadas (bloqueadas): voto na legenda e não mais no candidato.
Financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais (R$ 7,00 x 130 milhões de eleitores)
BRASIL: (continuação)
O pacote de reforma política ‘fatiada’ do Executivo (fevereiro/09)
PL 4633/09 punição à compra de votos.
Federações de pequenos partidos (duração mínima de 3 anos)
Listas fechadas e preordenadas (bloqueadas): voto na legenda e não mais no candidato.
Financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais
BRASIL: (continuação)
PEC 322/09: cláusula de barreira/desempenho. Mínimo de 1%dos votos válidos em eleição geral para a CD, distribuídos, pelo menos,em um terço dos estados, com mínimo de meio por cento dos votos válidos em cada um deles. (Acrescenta parágrafo ao art. 17 da CF.)
Obs.: a Lei dos Partidos Políticos (9.096/95) previa para 2006 mínimo de 5% dos votos apurados, distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles.
BRASIL: (continuação)
Na Câmara dos Deputados, começa a surgir um precário consenso em torno de dois pontos:
Lista fechada (mas PR, PP, PSB, PTB e parte do PMDB são contra); e
Financiamento público
Apoio: DEM, PSDB, PPS, PCdoB, PT, parte do PMDB.
CONCLUSÕES
Sistema representativo
Argumento de James Madison no art. Federalista nº 10: república representativa como governo de maior lucidez e espírito público em razão das qualidades superiores dos cidadãos escolhidos pelo povo para dirigi-lo (argumento elitista)
Argumento de B. Constant de Rebecque: aumento da pop., da extensão territorial, aprofundamento da divisão social do trabalho (argumento funcional)
CONCLUSÕES (continuação)
MANIN, Bernard, The principles of representative government. NY: Cambridge Univ. Press, 1997.
Os 4 princípios institucionais comuns a todo e qualquer regime representativo:
governantes escolhidos em eleições períodicas;
independência decisória dos governantes em face dos governados que os elegeram;
liberdade de opinião e manifestação política dos governados em face dos governantes;
decisões dos governantes submetidas a debate público.
CONCLUSÕES (continuação)
Bernard Manin, op.cit, e as metamorfoses do governo representativo (cap. 6)
Regime representativo restrito (modelo parlamentarista clássico)
Governo partidário (sufrágio universal, partidos de massas/máquinas burocráticas).
“Democracia de audiência”
CONCLUSÕES (continuação)Princípios do governo representativo e suas variações (MANIN, op.cit, p. 235)
Parlamentarismo Democracia partidária Democracia de audiência
Escolha dos representantes
- escolha de candidato de confiança- vínculos locais- notáveis
- lealdade a um único partido- expressão de pertinência a uma classe - ativista/burocrata partidário
- escolha de cand.de confiança- resposta à oferta eleitoral.- profissional midiático.
Autonomia parcial dos representantes
- eleito vota conforme sua consciência
- líderes partidários determinam prioridades dentro da plataforma/programa
- eleição com base em imagens
Liberdade da opinião pública
- opinião pública e expressão eleitoral não coincidem - a voz do povo “nos portões do Parlamento”
- opinião pública e expressão eleitoral coincidem- oposição
- opinião pública e expressão eleitoral não coincidem (fragmentação)- pesquisas de opinião
Discussão pública
- Parlamento - debate dentro do partido- negociações interpartidárias- neocorporativismo
- negociações governo/grupos de interesse- debate na mídia/eleitor flutuante
CONCLUSÕES (continuação) Democracia direta? (plebiscitos, referendos, iniciativas populares)
O caso da Califórnia (EUA) (*)
1911 (gov. Hiram Johnson. 2,4 mi habs. Pop. homogênea)
1978 (Proposição 13: limitação drástica de taxas imobiliárias. Revolta fiscal)
2003 (revogação do mandato do gov. Gray Davis, substituído por Arnold Schwarzenegger)
Média de 10 consultas populares/ano (limitação de mandatos, duração de penas de prisão, retirada de benefícios assistenciais a imigrantes ilegais, permissão para que tribos indígenas administrem cassinos Etc).
Impasse orçamentário no Legislativo decidido por consulta popular em 19 de maio último (dois terços em duas Casas para aumentar impostos e orçar despesas)
“Eleição especial” do dia 19: 6 proposições (se aprovadas, déficit de US$ 15,4 bi/ reprovadas, déficit de 21,3 bi)
Voto facultativo, participação maciça de extremistas (esquerda/direita) nas convenções partidárias, eleitos fora de sintonia com a maioria da população.
(*) “The ungovernable state”, The Economist, May 16th 2009, pp. 33-36.
CONCLUSÕES (final)
Democracia direta?...
Não é uma questão meramente tecnológica! (N. Bobbio)
Brasil:
PEC 73/05 (sen. E. Suplicy, PT/SP): revogação de mandatos e ampliação do uso de plebiscitos e consultas populares. Possibilidade de recall do presidente e dos congressistas um ano depois da posse (senadores: referendo estadual; deputados federais: se eleitorado nacional decidir pela dissolução da Câmara, nova eleição dentro de 3 meses)
Incompreensão da natureza do mandato representativo (fiduciário e não imperativo)
Outros: Projeto Dec. Legislativo 519/05, do sen. Almeida Lima (PMDB/SE) convocando plebiscito sobre nova Constituinte. PEC 01/08, do sen. Geraldo Mesquita (PMDB/AC), possibilitando instalação de CPI mediante petição assinada por 0,5% dos eleitores inscritos no último pleito.
O que está realmente em jogo é o fortalecimento da representação: partidos sólidos, representantes vinculados aos representados, governabilidade.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
PAIM, Antonio, Momentos decisivos da história do Brasil. S. Paulo: Martins Fontes, 2000.
PAIM, Antonio, O liberalismo contemporâneo, 3ª edição (revista). Londrina: Humanidades, 2007.
PAIM, Antonio; PROTA, Leonardo; VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo, Cidadania: o que todo cidadão precisa saber. Rio: Expressão e Cultura, 2002.