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Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero
ResumoResumo
Palavras-chavePalavras-chave
Edição nº 1, Ano I - Dezembro 09
* Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) – Mestrado em Comunicação e práticas de consumo. Orientadora: Profa. Dra. Maria
Aparecida Baccega. E-mail: [email protected].
Consumo, identidades, telenovela, A Favorita, merchandising comercial
A sociedade contemporânea possui como característica a fluidez, tudo se modifica rapidamente: valores, comportamentos e
gostos. Para viver neste ambiente as pessoas também necessitam de transformações constantes, o deslocamento é inevitável. As
identidades parecem não ter fim, impulsionam os desejos e as emoções dos sujeitos, que optam pelo consumo como forma de
pertencimento. Neste enfoque, o presente trabalho visa levantar algumas questões relacionadas às identidades e ao consumo.
Para isso, buscaremos analisar duas cenas da telenovela A Favorita, da Rede Globo.
Maria Amélia Paiva Abrão*
http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comtempo
Um olhar sobre “A Favorita”
AbstractAbstract
KeywordsKeywords
Multiple identities, which are always fluid, are characteristic of contemporaneous society. They are the driving force behind de-
sires and emotions of individuals that choose consumerism as a form of self-awareness and a sense of belonging.
The media contributes to the transformation of individuals, as its content helps validate individuals’ identities, reinforcing ways of
living, behavior and consumerism. We will use this research to raise questions regarding identities and consumerism, by analyz-
ing a few sections of a Brazilian soap opera A Favorita.
Consumerism, identities, soap opera, merchandising
As relações entre comunicação, consumo e identidades
Artigo
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Introdução A sociedade contemporânea encontra-se em constante transformação, tradições são que-
bradas ou reformuladas, novas identidades são formadas a cada momento, o novo se torna obsole-
to em um curto espaço de tempo. É neste ambiente fluido que os meios de comunicação funcionam
como divulgadores de culturas e identidades.
Presente em quase todos os lares brasileiros estes meios são utilizados pelo grupo hege-
mônico para difundir suas ideologias. No entanto, estamos longe de afirmar que os dispositivos
midiáticos são manipuladores, que dominam o palco mediante uma platéia atônita, incapaz de se
proteger dos “males” que lhe são “enviados”.
Para nós, a comunicação não é linear (emissor – receptor), como nos mostra Hall no ar-
tigo Codificação/ Decodificação (HALL, 2003). Ou seja, o receptor se apropria de uma men-
sagem a partir de suas práticas sociais, reelaborando-a e transmitindo-a a outros recepto-
res, se tornando assim em emissor. A comunicação só ocorrerá se houver a apropriação da
mensagem, isto é, o receptor pode recebê-la, porém se esta não estiver em seu âmbito social
ele pode descartá-la, não a retransmitindo a outros sujeitos. Nas palavras de Baccega (BAC-
CEGA, 1998:10), “o receptor-sujeito vai ressignificar o que ouve, vê ou lê, apropriar-se daqui-
lo a partir de sua cultura, do universo de sua classe, para incorporar ou não às suas práticas”.
Os Estudos de Recepção surgem a partir dos Estudos Culturais, realizados pelo Centro
Cultural de Estudos Contemporâneos, da Universidade de Birminghan, na Inglaterra, nos anos
60, que passam a estudar a cultura a partir do contexto sócio-histórico no qual o sujeito se inse-
re, evitando a dicotomia entre cultura superior e cultura inferior. Seus principais representan-
tes são Raymond Willians, Richard Hoggart e Stuart Hall. Para eles, a “pesquisa de comunicação
não é a que focaliza estritamente os meios, mas a que se dá no espaço de um circuito compos-
to pela produção, circulação e consumo da cultura midiática” (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005: 35).
A partir dos Estudos Culturais e dos Estudos de Recepção, chegamos a conclusão de que
ao estudarmos a cultura de uma sociedade estamos estudando seu cotidiano, pois “a vida de
todos os dias não pode ser recusada ou negada como fonte de conhecimento e prática social”
(FALCÃO, 1989: 14). O cotidiano é o espaço em que significados e direções comuns são opera-
dos e reconstruídos na sociedade. Falar do cotidiano é falar de comunidade, ou seja, de práti-
cas sociais realizadas em/ para grupos. É no dia-a-dia da sociedade, espaço de convivência em
grupos, que valores são criados e reformulados, que identidades são formadas ou desfeitas.
Neste enfoque, este trabalho tem como objetivo analisar duas cenas da telenove-
la A Favorita. Optamos por estudar este formato televisivo por acreditarmos que, embo-
ra a internet tenha se difundido amplamente nos últimos anos, a televisão ainda é o meio
de maior penetração, representando 98% de penetração pelo público feminino e, pelo mas-
culino, 97%, seguido pela rádio FM 78% e 80%, respectivamente, conforme o gráfico abaixo.
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Gráfico 1 - Perfil de consumo dos meios
Fonte:Anuário Mídia Dados, 2008
Ao estudarmos os meios de comunicação, em nosso caso, a televisão, estamos estu-
dando a cultura da sociedade contemporânea. Através de seus programas, modelos de compor-
tamento e consumo são reforçados. Dentre os programas de entretenimento veiculados pela
tevê, a telenovela é, sem dúvida, um dos mais assistidos e comentados na sociedade brasileira.
Escolhemos estudar uma telenovela da Rede Globo por esta ser a maior produtora de tele-
novelas no Brasil, investe milhões nesse formato, que é o responsável pela maior parte de seu fatu-
ramento. Ao todo, são cinco telenovelas veiculadas ao longo do dia, sendo que três são transmitidas
entre as 18h e 22h. Neste horário seu público é o mais diversificado possível, homens, mulheres,
crianças, de todas as idades e classes sociais.
A telenovela, bem como os demais programas de televisão, não mostra apenas os valores
hegemônicos. Ela é capaz de suscitar questões polêmicas, contribuindo para a mudança gradativa
da sociedade dado seu forte peso na trama cultural. Não estamos afirmando que, ao apresentar um
tema social, a população logo aceitará o ponto de vista exposto e que uma mudança ocorrerá. Em
verdade, as questões levantadas já circulam na sociedade, algumas de forma abrangente e outras
circulam virtualmente, isto é, começam a ser discutidas. Ao serem abordadas, penetram mais pro-
fundamente na sociedade e, com o passar do tempo, elas passam a fazer parte do cotidiano de um
maior número de pessoas.
As telenovelas mostram o dia-a-dia de uma sociedade, rituais familiares, simples há-
bitos de vida e de consumo, que poderão ser adotados pelos telespectadores. Reforçam mo-
delos de comportamento, apresentando, através destes, bens materiais revestidos de car-
ga simbólica. A partir de suas várias tramas, ajudam a construir ou legitimar identidades a se-
rem seguidas ou não pelos receptores. A telenovela constitui e desenvolve, “talvez mais que
modelos de comportamento, um rico repertório de objetos, estímulos, sugestões, para ati-
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vidade de elaboração de imagens sobre si mesmo e sobre o mundo, já reconhecida como par-
te essencial dos modernos processos de construção da identidade” (LOPES, 2004: 131).
Em suma, buscaremos entender como A Favorita aborda a questão das identidades/ consu-
mo através de sua narrativa.
A cultura da mídia O termo cultura da mídia é amplamente utilizado por Douglas Kellner (2001) para se re-
ferir à cultura difundida pelos meios de comunicação. Segundo o autor, esta cultura só passou a
fazer parte do cotidiano das pessoas com o advento da televisão, a partir deste momento a mídia se
“transformou em força dominante na cultura, na socialização, na política e na vida social” (2001: 26).
Assim como Kellner, acreditamos que os meios de comunicação são responsáveis pela
divulgação de ideologias oriundas das classes dominantes, que estão sempre em luta para
manterem sua hegemonia. Desta forma, os discursos veiculados na mídia são reflexos des-
sas lutas, da busca pela afirmação, pelo reconhecimento dos sentidos dos valores hegemônicos.
Kellner fala de pedagogia cultural, em que os meios de comunicação “contribuem para
nos ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e dese-
jar – e o que não” (KELLNER, 2001: 10). A mídia, na sociedade contemporânea, atua em conjunto
ou até substitui algumas instituições que, durante a sociedade moderna, eram responsáveis por
transmitir os valores hegemônicos à população, como a escola, a igreja, o Estado, entre outras.
Numa cultura da imagem dos meios de comunicação de massa, são as representações
que ajudam a constituir a visão do mundo do indivíduo, o senso de identidade, de sexo,
consumando estilos e modo de vida, bem como pensamentos e ações sociopolíticas.
A ideologia é, pois, tanto um processo de representação, figuração, imagem e retórica
quanto um processo de discursos e de idéias. Além disso, é por meio do estabelecimento
de um conjunto de representações que se fixa uma ideologia política hegemônica, [...]
(KELLNER, 2001: 82).
O fato é que, ao longo de toda a programação da televisão, a cultura da mídia vai reforçan-
do valores, estilos de comportamento e de vida. É o que Martín-Barbero chama de “forma da ren-
tabilidade e do palimpsesto” em que
cada programa, ou melhor, cada texto televisivo remete seu sentido ao cruzamento
de gêneros e tempos. Como gênero, pertence a uma família de textos que se replicam
e reenviam uns aos outros nos diferentes horários do dia e da semana. Como tempo
“ocupado”, cada texto remete à seqüência horária daquilo que o antecede e daquilo
que o segue, ou aquilo que aparece no palimpsesto nos outros dias, no mesmo horário
(MARTIN-BARBERO, 2003: 308).
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Sendo assim, todos os discursos transmitidos por uma telenovela não lhe são próprios, são dis-
cursos que foram produzidos/reproduzidos em outros programas e em diferentes horários. A emis-
sora, ao transmiti-los em toda sua grade de programação, reforça-os e ao mesmo tempo os naturaliza.
No entanto, pela perspectiva gramsciana, percebemos que os discursos produzidos não per-
tencem apenas ao poder hegemônico. Este busca operar por consenso “a vida intelectual, cultural
e social de uma determinada sociedade” (MENDONÇA, 1998: 32), a fim de conquistar um maior
número de pessoas, evitando, assim, confrontos.
A telenovela é um exemplo de como a mídia opera por consenso, nela podemos observar
não apenas discursos hegemônicos, mas também discursos das minorias, que pouco a pouco vão
ocupando um maior espaço na sociedade.
As múltiplas identidadesÉ no cotidiano que ocorrem as transformações de uma sociedade. Sendo assim, é
a partir dele que devemos buscar a compreensão da dinâmica das múltiplas identidades.
A identidade se transforma no decorrer da História, da “identidade fixa, essencial ou perma-
nente” (Hall, 2002: 12) da sociedade moderna passamos para as identidades flexíveis. Na sociedade
contemporânea as mudanças são constantes, por isso o sujeito está sempre em busca de novas iden-
tidades. Está em busca de pertencimento. Seja qual for a situação, o sujeito será posicionado “pelas
diferentes expectativas e restrições sociais envolvidas em cada momento” ( WOODWARD, 2007: 30).
Em verdade, ao se incluir em um grupo o sujeito está ao mesmo tempo se diferenciando
de outro. Notamos, pois, que as identidades trabalham em duas mãos, a da inclusão e a da dis-
tinção. Na prática, “afirmar a identidade significa demarcar fronteira, significa fazer distinções
entre o que fica dentro e o que fica fora” (SILVA, 2007: 82), entre o que nós somos e o que eles são.
Os meios de comunicação colaboram com essas mudanças constantes e permanentes, pois
através deles culturas do mundo inteiro são divulgadas, identidades são reforçadas, modelos de
comportamento e consumo são estimulados.
Numa cultura pós-moderna da imagem, as imagens, as cenas, as reportagens e os textos
culturais da mídia oferecem uma enorme quantidade de posições do sujeito que, ajudam
a estruturar a identidade individual. Essas imagens projetam modelos sociais e sexuais,
formas apropriadas e inapropriadas de comportamento [...]. Em vez de desaparecer na
sociedade pós-moderna, a identidade está simplesmente sujeita a novas determinações
e novas forças, ao serem oferecidas novas possibilidades, novos estilos, novos modelos e
formas. No entanto, a esmagadora variedade de possibilidades de identidade existentes
na próspera cultura da imagem, sem dúvida, cria identidades instáveis enquanto vai
oferecendo novas aberturas para a reestruturação da identidade pessoal (KELLNER, 2001:
330).
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O nosso interesse pela telenovela é justamente pelo fato de ela reforçar diversos ti-
pos de identidades e estilos de vida. Insere seus personagens em determinados contex-
tos sociais dando-lhes significados. Utiliza-se também do merchandising comercial: ao co-
locar um produto em uma cena fornece a ele determinados significados, contribuindo para
que esta mercadoria seja reconhecida como identificadora de um grupo presente na cena.
O consumo na sociedade contemporânea a telenovela A FavoritaAo longo deste trabalho destacamos alguns pontos que nos guiaram para os Estu-
dos de Consumo. Vimos a importância em estudar a cultura e que esta se insere no cotidiano
de uma sociedade, lugar de produção de significados. Outro ponto abordado por nós foi a im-
portância de se estudar os meios de comunicação, no nosso caso, a telenovela. Podemos dizer
que ao estudá-la estamos estudando a cultura de nossa sociedade, suas dinâmicas sociais e cul-
turais. Nesta perspectiva, esboçaremos nossos primeiros passos rumo aos Estudos de Consumo.
Comecemos por excluir a ideia de consumo como puro consumismo, como ato desenfre-
ado de compra de produtos supérfluos, sem necessidade, que serão rapidamente descartados.
Não estamos afirmando que o consumismo não exista, porém não acreditamos que seu estudo
esteja ligado ao Campo da Comunicação. Da mesma forma, não nos propomos estudar o con-
sumo como estratégia mercadológica, com o objetivo de aumentar o lucro de alguma empresa,
este tipo de estudo talvez seja pertinente ao Campo da Administração. O que propomos é estu-
dar o consumo como cultura. Vivemos em uma sociedade de consumo, seria utópico excluirmos
a importância do consumo nesta sociedade. Já dizia Alonso que “a pessoa que compra um pro-
duto ou recebe um impacto publicitário é a mesma pessoa que trabalha, lê, vota ou se preocupa
com a sua velhice. Seria, pois, errôneo isolar a atividade específica de consumo e fazer dela uma
espécie de abstração” (ALONSO, 2006:107). Ou seja, o consumo está intrínseco em nossa socie-
dade, ao consumirem as pessoas estão se comunicando, estão trocando significados. Do mesmo
modo, o consumo está intimamente ligado às identidades, ao consumirem determinados obje-
tos os indivíduos buscam integrar-se a determinados grupos bem como diferenciar-se de outros.
Sendo assim, podemos dizer que o consumo é individual, se consome não para
satisfazer as necessidades consideradas essenciais – lembrando que toda necessida-
de é construída socialmente –, mas sim para buscar o seu conhecimento, pois a pes-
soa é aquilo que ela consome. Isto é, através do consumo encontramos nossos desejos, nos
identificamos. E, embora o consumo seja individual, ele opera em grupo, pois existe a ne-
cessidade de pertencimento, consumimos para nos reconhecer e pertencer a certos grupos.
Para Colin Campbell (2007) o consumo estaria ligado ao self, ou melhor, à sub-
jetividade do indivíduo. Com o passar do tempo o self vai se modificando e exigin-
do novos produtos, assim Campbell justifica a compra de produtos diferentes. Além dis-
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so, ao consumirmos um determinado produto satisfazemos um desejo momentanea-
mente. No entanto, para continuarmos satisfazendo esse desejo buscaríamos por outros
produtos, pois a repetição não traria a mesma satisfação que o produto trouxera anteriormente.
Se um sujeito pode ter múltiplas identidades, para cada uma haverá um tipo de con-
sumo, de identificação. Concordamos com Campbell quando o mesmo afirma que “o verda-
deiro local onde reside nossa identidade deve ser encontrado em nossas reações aos produtos
e não nos produtos em si. [...] É monitorando nossas reações a eles, observando do que gosta-
mos e do que não gostamos, que começaremos a descobrir quem ‘realmente somos’” (2007: 53).
Em suma, o ato de consumir está relacionado aos nossos desejos e emoções, por isso
essa constante busca por produtos que melhor os satisfarão. Da mesma forma, “ele é algo cen-
tral na vida cotidiana, ocupando, constantemente (mais do que gostaríamos), nosso imaginá-
rio. O consumo assume lugar primordial como estruturador dos valores e práticas que regulam
relações sociais, que constroem identidades e definem mapas culturais” (ROCHA, 2005: 124).
O mercado econômico se beneficia dessa eterna busca por autoconhecimento, pois pro-
duzem cada vez mais, a fim de atingirem um maior número de pessoas e identidades. Já dizia
Marx que produção e consumo são a mesma coisa, ou seja, para falar de consumo é necessá-
rio conhecer a produção. “A produção é imediatamente consumo; consumo é, imediatamen-
te, produção. Cada qual é imediatamente seu contrário” (Marx, 1992: 8). A produção emerge a
partir dos indivíduos sociais de uma determinada época, o mesmo acontece com o consumo.
Em relação aos meios de comunicação podemos dizer que estes se utilizam de construc-
tos simbólicos para anunciar determinados produtos. Percebemos, na telenovela, por exemplo,
que ao legitimar um determinado tipo de identidade aproveita, muitas vezes, para anunciar um
produto específico a esta identidade. Isto ocorre através do merchandising comercial. Duran-
te algumas cenas são mostrados personagens utilizando produtos de marcas conhecidas. Abai-
xo segue um diálogo entre Donatela e Zé Bob, em que ocorre um merchandising comercial.
Donatela: Oh Zé, vai mais devagar!Zé Bob: Mas não era você que estava com pressa?Donatela: Mas eu quero chegar viva, né?Zé Bob: Fica fria amor, esse carro tem air-bag, mesmo que a gente bata não vai acontecer nada com a gente.Donatela: Deus que me livre e guarde. Se bem que eu tenho que admitir que esse carro é muito melhor do que aquela carroça que você tinha antes, lembra?Zé Bob: Claro que eu me lembro, a gente quase capotou nele, culpa sua, né? Ficou me apressando.
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Durante a cena foram mostradas imagens do carro, Sportage da KIA, que Zé Bob esta-
va dirigindo. Enquanto os personagens descreviam as qualidades do automóvel, como sen-
do veloz, porém seguro, com air bag, entre outras, eram mostradas particularidades do
veículo, desde o painel interno até o detalhe da traseira que contém o nome Sportage.
A propaganda está tão preocupada em vender estilos de vida e identidades socialmente
desejáveis, associadas a seus produtos, quanto em vender seu próprio produto – ou
melhor, os publicitários utilizam constructos simbólicos com os quais o consumidor é
convidado a identificar-se para tentar induzi-lo a usar o produto anunciado (KELLNER,
2001: 324).
Percebemos alguns significados que são atribuídos ao Sportage como um carro se-
guro, capaz de proteger seus passageiros mesmo em uma batida. Um carro ideal para pes-
soas que vivem em grandes metrópoles cujo trânsito encontra-se cada vez mais caóti-
co. Se levarmos em consideração que o personagem Zé Bob é um jornalista, podemos in-
ferir que ao colocá-lo dirigindo um Sportage este se transforma em um carro ideal para
pessoas pertencentes a esta profissão, pois possui velocidade e segurança, atributos indis-
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pensáveis para jornalistas que estão sempre correndo atrás de um “furo de reportagem”.
Todavia, a análise de cenas com merchandising comercial não é a única forma de obser-
varmos o consumo. Sabemos que a telenovela trabalha com a imaginação das pessoas, des-
pertando alguns desejos e emoções. A rede Globo possui uma Central de Atendimento ao Te-
lespectador (CAT) para receber cartas dos leitores. Durante os meses de setembro e outu-
bro de 2008 (TV & Lazer, O Estado de S. Paulo, 19 de outubro de 2008, p. 6), o maior número
de cartas à Central era para saber qual o perfume que o personagem de Donatela utilizava. O
que nos chamou mais a atenção foi o fato de que em momento algum este personagem foi
mostrado utilizando o produto. Foram ao ar apenas cenas em que o Zé Bob sentia o perfu-
me de Donatela, que estava escondida para que ele não a visse. Como a cena descrita abaixo:
Zé Bob: Engraçado, estou sentindo um perfume aqui tão bom, desde que cheguei. Um perfume de mulher. Que perfume é esse Sr. Pedro?Sr. Pedro: Não, nada, não é perfume nenhum. Eu tenho uma vizinha que vende uns saches perfu-mados. Eu costumo comprar pra ajudar e espalho pela casa, né.Você tem um bom nariz, você é especialista em perfumes femininos?
Zé Bob: Não é nada disso não. É que esse perfume me lembra uma mulher que foi muito impor-tante na minha vida. Amor de verdade, sabe. Daqueles que a gente nunca esquece. Exatamente isso. Bom, ficamos em contato então.
Sem que o perfume fosse mostrado ele se tornou um desejo por parte dos telespecta-
dores. Talvez estivessem em busca do cheiro especial, único, inesquecível, de sua individualida-
de ou em busca de pertencimento, talvez quisessem se reconhecer entre as mulheres verdadei-
ramente amadas e nunca esquecidas. Nas palavras de Campbell, “o desejo dos consumidores é
experimentar na vida real os prazeres vivenciados na imaginação, e cada novo produto é per-
cebido como oferecendo uma possibilidade de realizar essa ambição” (BARBOSA, 2004: 53).
Considerações finais
Procuramos ao longo deste trabalho levantar algumas questões relacionadas ao con-
sumo, às identidades e a cultura da mídia. Vivemos em uma sociedade fluida, de constan-
tes mudanças, de múltiplas identidades que levam o receptor/ consumidor a buscar sem-
pre novas formas de pertencimento, novos valores, novos produtos a serem consumidos.
Os meios de comunicação contribuem para formação das identidades destes sujeitos, legi-
timando identidades em seus programas diários. A telenovela, por exemplo, mostra comportamen-
tos e estilo de vida de determinados grupos, que farão com que alguns telespectadores se identifi-
quem, passando a agir do mesmo modo.
A cultura da mídia aproveita essa instabilidade de identidades para anunciar al-
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guns produtos. A telenovela , como vimos, insere produtos em um determinado contex-
to, fazendo com que os mesmos sejam vistos como identificadores de grupos sociais.
Pudemos constatar o quanto o consumo está ligado a desejos e emoções, inse-
ridos em nossa imaginação. As cartas dos telespectadores de A Favorita à Rede Glo-
bo, perguntando o nome do perfume de Donatela, nos serviu de exemplo. Estamos sem-
pre em busca daquilo que não conhecemos, mas que poderá transformar-nos, realizar-nos.
Em suma, “o comportamento do consumidor pode ser considerado como um bom ins-
trumento de diagnóstico para compreender a estrutura da sociedade em um determinado
momento e para antecipar suas possíveis evoluções” (ALONSO, 2006: 107). Por isso a impor-
tância dos Estudos de Consumo.
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CoMtempoRevista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper LíberoSão Paulo, v.1, n.1, dez.2009/maio 2010
A revista CoMtempo é uma publicação científica semestral em formato eletrônico do Programa de Pós-graduação em Comuni-cação Social da Faculdade Cásper Líbero. Lançada em novembro de 2009, tem como principal finalidade divulgar a produção acadêmica inédita dos mestrandos e recém mestres de todos os Programas de Pós-graduação em Comunicação do Brasil.
Presidente da Fundação Cásper Líbero Paulo Camarda
Diretora da Faculdade Cásper Líbero Tereza Cristina Vitali
Vice-Diretor da Faculdade Cásper Líbero Welington Andrade
Coordenador da Pós-Graduação Dimas Antônio Künsch
EditorWalter Teixeira Lima Junior
Comissão EditorialÂngela Cristina Salgueiro Marques (Faculdade Cásper Líbero) * Carlos Costa (Faculdade Cásper Líbero)Luis Mauro de Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Goreti Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero)Liráucio Girardi Junior (Faculdade Cásper Líbero) * Walter Teixeira Lima Júnior (Faculdade Cásper Líbero)
Conselho EditorialAdalton Franciozo Diniz (Faculdade Cásper Líbero) * Ângela Cristina Salgueiro Marques (Faculdade Cásper Líbero) Carlos Roberto da Costa (Faculdade Cásper Líbero) * Cláudio Novaes Pinto Coelho (Faculdade Cásper Líbero)Dulcília Schroeder Buitoni (Faculdade Cásper Líbero) * Eliany Salvatierra (Faculdade Cásper Líbero)José Augusto Dias Júnior (Faculdade Cásper Líbero) * José Eugenio de Oliveira Menezes (Faculdade Cásper Líbero)Liráucio Girardi Junior (Faculdade Cásper Líbero) * Luis Mauro Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero)Maria Goretti Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Ivoneti Ramadan (Faculdade Cásper Líbero)Pedro Ortiz (Faculdade Cásper Líbero) * Silvio Henrique Viera Barbosa (Faculdade Cásper Líbero)Sônia Castino (Faculdade Cásper Líbero) * Walter Teixeira Lima Junior (Faculdade Cásper Líbero)
Assistente EditorialPaulo Lutero * Tel. (11) 3170-5969 | 3170-5841 * [email protected]
Projeto Gráfico e LogotipoDanilo Braga * Marcelo Rodrigues
Revisão de textosÂngela Cristina Salgueiro Marques * Walter Teixeira Lima Junior
Editoração eletrônicaWalter Teixeira Lima Junior
CorrespondênciaFaculdade Cásper Líbero – Pós-graduaçãoAv. Paulista, 900 – 5º andar01310-940 – São Paulo (SP) – BrasilTel.: (11) 3170.5969 – 3170.5875
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