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Contação de histórias: uma proposta para uma musicalização interdisciplinar na escola regular Ricardo Francisco de Oliveira [email protected] Colégio Estadual Edmundo Bittencourt / SEEDUC-RJ Adalgisa de Carvalho [email protected] Colégio Estadual Euclides da Cunha / SEEDUC-RJ Resumo. Este texto apresenta uma proposta de musicalização nas escolas regulares, com base na criação de oficinas para a formação continuada, a fim de que as mesmas possam contribuir na formação integral do indivíduo. Com base na reforma da LDB, que prevê a inclusão do ensino de música como conteúdo do componente curricular nas escolas regulares de todo o país, o que se propõe - com essas oficinas - é a contribuição de possibilidades que possam de fato ser compatíveis com a realidade das escolas. Assim, buscaremos entrelaçar educação musical e literatura, dando ao professor maiores opções de realizar uma abordagem interdisciplinar nas escolas brasileiras, através de uma proposta que vai ao encontro da apreciação, criação, execução sonoro-musical e da literatura, dando igual importância aos dois pólos dessa intercessão. Palavras-chave: Contação. Musicalização. Interdisciplinaridade. Introdução Após ter sido retirada do currículo da educação básica como disciplina obrigatória nas escolas regulares de todo o país, a educação musical, aprovada em 2008, volta a ganhar lugar ao sol como conteúdo do componente curricular nas escolas que compreendem à educação básica. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de acordo com o artigo 26, no § 6°, “A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2º deste artigo” 1 . Desta forma algumas questões nos parecem ser de grande importância para que possamos, de fato, fornecer, acrescentar, somar e interferir de forma positiva e eficaz no processo educativo do aluno, uma vez que nós professores nos deparamos com realidades, relativas ao espaço, às ferramentas, instrumentos, propostas, que são bastante adversas no cenário das escolas regulares de nosso país, e que impedem que a musicalização ocorra na prática. Assim, o que se propõe é apontar uma possível linha de trabalho, nas escolas regulares, vislumbrando uma proposta capaz de transformar a experiência sonoro-musical a partir da contação de histórias, onde o lúdico e o despertar para o “novo” se tornem uma atividade rica de significado, 1Brasil. Lei nº11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB nº 9394/96, 26 de dez. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 de agosto de 2008. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/2008/lei-11769-18-agosto-2008-579455- publicacaooriginal-102349-pl.html. Acesso dia: 05 de maio de 2011.

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS, MUSICALIZAÇÃO

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Contação de histórias: uma proposta para uma musicalização interdisciplinar

na escola regularRicardo Francisco de Oliveira

[email protected]égio Estadual Edmundo Bittencourt / SEEDUC-RJ

Adalgisa de [email protected]

Colégio Estadual Euclides da Cunha / SEEDUC-RJ

Resumo. Este texto apresenta uma proposta de musicalização nas escolas regulares, com base na criação de oficinas para a formação continuada, a fim de que as mesmas possam contribuir na formação integral do indivíduo. Com base na reforma da LDB, que prevê a inclusão do ensino de música como conteúdo do componente curricular nas escolas regulares de todo o país, o que se propõe - com essas oficinas - é a contribuição de possibilidades que possam de fato ser compatíveis com a realidade das escolas. Assim, buscaremos entrelaçar educação musical e literatura, dando ao professor maiores opções de realizar uma abordagem interdisciplinar nas escolas brasileiras, através de uma proposta que vai ao encontro da apreciação, criação, execução sonoro-musical e da literatura, dando igual importância aos dois pólos dessa intercessão.

Palavras-chave: Contação. Musicalização. Interdisciplinaridade.

Introdução

Após ter sido retirada do currículo da educação básica como disciplina obrigatória nas

escolas regulares de todo o país, a educação musical, aprovada em 2008, volta a ganhar lugar ao sol

como conteúdo do componente curricular nas escolas que compreendem à educação básica.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de acordo com o artigo 26, no §

6°, “A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de

que trata o § 2º deste artigo” 1. Desta forma algumas questões nos parecem ser de grande

importância para que possamos, de fato, fornecer, acrescentar, somar e interferir de forma positiva e

eficaz no processo educativo do aluno, uma vez que nós professores nos deparamos com realidades,

relativas ao espaço, às ferramentas, instrumentos, propostas, que são bastante adversas no cenário

das escolas regulares de nosso país, e que impedem que a musicalização ocorra na prática.

Assim, o que se propõe é apontar uma possível linha de trabalho, nas escolas regulares,

vislumbrando uma proposta capaz de transformar a experiência sonoro-musical a partir da contação

de histórias, onde o lúdico e o despertar para o “novo” se tornem uma atividade rica de significado,

1Brasil. Lei nº11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB nº 9394/96, 26 de dez. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 de agosto de 2008. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/2008/lei-11769-18-agosto-2008-579455-publicacaooriginal-102349-pl.html. Acesso dia: 05 de maio de 2011.

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de forma prazerosa e inovadora, através da interdisciplinariedade. Assim, buscaremos uma proposta

integrada através de oficinas de musicalização para a formação continuada, utilizando a contação de

histórias como instrumento motivador.

O que é musicalizar

A educação musical se comporta como uma ação que oportuniza o indivíduo à apreciação

musical, à literatura relativa a sua trajetória histórica e à prática em si, seja como participante ativo

ou passivo2. Vale a pena ressaltar que seu objetivo não se foca na profissionalização de indivíduos

no campo musical, e sim na formação integral do ser humano, passando pela sensibilidade, pelo

conhecimento, pela integração social, pelo desenvolvimento intra e interpessoal.

Fornecer ao aluno a possibilidade de apreciação musical e diversidade sonora, acerca da

escuta de novos estilos e gêneros musicais, é de suma importância no processo corrente de ensino-

aprendizagem durante a educação básica. O temo “apreciação” é usado aqui com a finalidade de

apresentação aos alunos de novas propostas, em educação musical para que tenham a oportunidade

de conhecer e escutar o que lhe causa estranheza.

Em se tratando de desenvolvimento criativo e aspectos cognitivos, a apreciação musical é

uma ferramenta de grande importância para o processo de ensino escolar. A diversidade sonora

amplia as possibilidades de criação, análise, expressão, decodificação e, consequentemente,

multiplica no aluno o conhecimento e a cultura.

Consta no PCN que a apreciação musical deve propiciar a: identificação de materiais

sonoros e de elementos da linguagem musical (dinâmica, textura, motivos, gêneros, dentre outros),

observação e discussão sobre a origem da produção musical, discussão das características

expressivas, explicitações de reações sensoriais e emocionais, fazendo uma associação dessas

reações a aspectos da obra apreciada.

A musicalização, na escola regular, deve estabelecer um objetivo transformador na vida do

aluno, de forma a desenvolver as potencialidades inerentes ao mesmo, que a música se dispõe a

evidenciar; como por exemplo: sua sensibilidade, sua criatividade e, por fim, a sociabilidade.

Conforme afirma Júlia Maria Hummes acerca da importância da educação musical:

O ensino da música abre possibilidades para construção de conhecimento tanto quanto outras áreas de ensino dentro da escola. O manuseio dos elementos formadores da música, os componentes estéticos que a envolvem e as questões históricas que a localizam são fontes que abastecem o estudante de várias possibilidades de criação e recriação de significados. (HUMMES, 2004, p.21)

2 Participante ativo: que interfere na ação por meio da prática musical. Participante passivo: quando interfere na ação como espectador.

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Buscando enfatizar a importância da educação musical no contexto escolar, considerando a

sua gama de valores benéficos ao indivíduo, Sekeff atribui ao ensino da música na escola um valor

social, no sentido de ser uma atividade integradora do indivíduo. E ainda afirma que:

... permeável às influências dessa linguagem do sensível, o educando acaba por se comprometer com uma ferramenta que lhe propicia o exercício da espontaneidade, da criatividade, do desenvolvimento e da formação de vínculos sociais. (SEKEFF, 2007, P.19)

Musicalizar significa introduzir, somar, produzir conhecimento acerca do material sonoro-

musical, dando ao aluno um suporte que fundamente sua prática. No entanto, a mesma deve ocorrer

a partir da preocupação do educador em fornecer ao discente o despertar para o gosto e linguagem

musical, dando-lhe meios de interagir e participar desta prática sonora.

É preciso que com essa nova posição em que a educação musical se encontra, mediante sua

reinserção no cenário da educação básica brasileira, seja bastante clara, a fim de que a sua postura

na escola tenha objetivos precisos e não se posicione apenas como uma atividade “passa-tempo” ou

como função recreativa, ao invés de ser formativa.

A contação de histórias

A arte de contar histórias é uma das atividades humanas mais antigas. Já na pré-história o

homem se utilizava da narrativa para contar seus feitos e aventuras ao longo do dia. Motivados

pelos sons naturais da noite e da luz mágica das fogueiras, aquele que se destinava a contar o fato,

aproveitando-se dos recursos naturais disponíveis, fazia com que através de suas palavras,

entonação e modulação de sua voz contagiasse a todos. Portanto, tão importante quanto a própria

narrativa são os sons que dela vão surgindo a fim de criar um ambiente propício ao

desenvolvimento do campo da imaginação.

A cotação de histórias é, portanto, um valioso instrumento para a motivação de outras áreas

que visam o desenvolvimento do imaginário humano. No que diz respeito à musicalização, esta

auxiliará o contador no transporte temporal dos ouvintes às épocas equivalentes às histórias

narradas. Os sons auxiliam na criação do ambiente, fazendo do expectador um co-autor da história,

já que este se posiciona ativamente motivado pelas músicas e sons que se referem ao contexto da

história escutada. Música e Literatura se unirão a fim de desassociar o ouvinte de um mundo que

está pra lá de massacrado pelo apelo visual. A união desses dois veículos do imaginário terá como

objetivo trazer o homem moderno para o estado do Ser e do Sentir. Sua mente cartesiana, engessada

pelos paradigmas modernos, através da apreciação musical inserida na narrativa oral, adentrará por

um campo abstrato da mente, desenvolvendo de forma lúdica a sensibilidade artística e gosto

musical, sem contar com a possibilidade do ouvinte, de modo inconsciente, se identificar com

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alguns aspectos do “herói”, remetendo-o a alguns arquétipos que lhe darão a possibilidade de mexer

em núcleos internos profundos.

Interdisciplinaridade entre a literatura e a música

Tomando como base a Formação Continuada dos profissionais da área de Educação, faz-se

necessário transformar essa união entre Literatura e Música em uma oficina que promova o

interesse dos professores por essas áreas. Ao grupo será oferecido um conto popular e este será

ambientado por músicas referentes à época da história. Nesse momento além da apreciação musical,

também será dada a oportunidade de criação de composições melódicas e grupos vocais de

improviso.

A própria contação de história será o campo de atuação do grupo. Jogos musicais de

perguntas e respostas em determinados momentos da narrativa oral, enriquecem a história e

fortalecem o grupo, estimulando o não verbal dos núcleos internos arrolados por cada indivíduo

presente, a partir do contexto apresentado pelo conto ensaiado. Desta forma, dar-se-á a cada um

desses componentes a oportunidade de mudanças progressivas do funcionamento adaptativo do

homem que segundo Maier, “refere-se a uma integração de mudanças constitucionais e aprendidas

que contribuem para formar a personalidade em constante desenvolvimento de um indivíduo3”.

(MAIER, 1971, p.11)

Referências Bibliográficas:

BRASIL, Secretaria de educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais, Arte. Brasília: MEC-SEM, 1997.

BRASIL. Lei nº11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB nº 9394/96, 26 de dez. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 de agosto de 2008. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/2008/lei-11769-18-agosto-2008-579455-publicacaooriginal-102349-pl.html. Acesso dia: 05 de maio de 2011.

DUARTE JUNIOR, João Francisco. Por que educação? Campinas: Ed. Papirus, 1991.

HUMMES, Júlia Maria. Por que é importante o ensino de música? Considerações sobre as funções da música na sociedade e na escola. Revista da ABEM, Porto Alegre, V.11, 17-25, set. 2004.

MAIER, Henry. Tres teorias sobre el desarrollo del niño: Erikson, Piaget y Sears. Buenos Aires, Amorrotu Editores, 1971.

SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música - Seus usos e recursos. São Paulo: Ed. UNESP, 2007.

3 Tradução nossa.