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CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR

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"O PEIXE MORRE PELA BOCA'

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Pediatria (São Paulo) 2001;23(4):320-8

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Contaminação de alimentosBalbani APS, Butugan O

Contaminação biológica de alimentos

Biological food contaminationContaminación biologica de alimentos

Aracy Pereira Silveira Balbani1, Ossamu Butugan

2

Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Resumo

Objetivo: apresentar um panorama sobre os agentes biológicos que contaminam alimentos – bactérias, fungos, protozoários,parasitas e toxinas e os dados de contaminação alimentar no Brasil. Fontes Pesquisadas: levantamento da literatura, nas bases dedados LILACS e MEDLINE. Síntese dos Dados: verificou-se que há grande incidência de contaminação biológica no leite de vacae seus derivados, carne, grãos, cereais, farinhas, hortaliças, doces e outros produtos consumidos no Brasil. Conclusões: verifica-seuma grande ocorrência de contaminação alimentar no país e há necessidade de fiscalização sanitária mais efetiva.

Descritores: Contaminação de alimentos. Microbiologia de alimentos. Parasitologia de alimentos. Intoxicação alimentar. Leite. Carne. Cereais. Gastroenterite.

Abstract

Objective: to present an overview about the biological agents found in food – bacteria, fungi, protozoa, parasites and toxinsand the data on food contamination in Brazil. Data Sources: literature review in LILACS and MEDLINE databases. Data Synthesis:it was found a significant incidence of biological contamination of cow milk and milk products, meat, grains, cereals, flour, greenleaves, candies and other products consumed in Brazil. Conclusions: there is a great occurrence of food contamination and theneed for more effective sanitary inspection in the country is stressed.

Keywords: Food contamination. Food microbiology. Food parasitology. Food poisoning. Milk. Meet. Cereals. Gastorenteritis.

Resumen

Objetivo: presentar un panorama sobre los agentes biológicos que contaminan alimentos – bacterias, hongos, protozoarios, parásitasy toxinas – y los datos de contaminación alimentar en Brasil. Fuentes Pesquisadas: levantamiento de la literatura en bases de datosLILACS y MEDLINE. Síntesis de los Datos: se verificó que hay una grande incidencia de contaminación biológica en la leche de vacay sus derivados, carne, semillas, cereales, harinas, hortalizas, dulces y otros productos consumidos en Brasil. Conclusiones: hay unagrande ocurrencia de contaminación alimentar en el país y necesidad de fiscalización sanitaria mas efectiva.

Palabras clave: Contaminación de alimentos. Microbiología de alimentos. Parasitología de alimentos. Intoxicación alimentar. Leche. Carne. Cereales. Gastroenteritis.

1 Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP

2 Professor Associado da Faculdade de Medicina da USP

Revisão e Ensaio Review and Essay Revisión y Ensaio

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Introdução

Nas últimas décadas, a alimentação tem sido motivode preocupação em todos os países1,2. Um grande de-safio é adequar a produção de alimentos à demandacrescente da população mundial, já que existem milhõesde indivíduos famintos nos países subdesenvolvidos.Com a globalização, ficaram mais evidentes os proble-mas relativos à qualidade dos alimentos para consumohumano. A Organização Mundial da Saúde tem alertadopara a necessidade de se coibir a contaminação de ali-mentos por agentes biológicos com potencial de causardanos à saúde. Há vários motivos que explicam a per-sistência ou até o aumento da contaminação dos alimen-tos. Os criadores usam antimicrobianos para auxiliar naengorda de aves e suínos, para consumo humano

2. Essa

conduta, embora vantajosa do ponto de vista econômi-co, tem sido responsável pela emergência de cepas re-sistentes de bactérias patogênicas, como é o caso deCampylobacter jejuni e Salmonella typhimurium resis-tentes a quinolonas2.

Muitas das matérias-primas utilizadas pelas indús-trias alimentícias dos países desenvolvidos - como asoja consumida nos Estados Unidos, são importadasde outros países, nos quais o controle de qualidadeda produção de alimentos nem sempre obedece a cri-térios rigorosos. Além disso, a poluição ambiental emdiversas partes do planeta tem contaminado alimen-tos e rebanhos. Na China, por exemplo, a água derios poluídos por esgotos é utilizada na irrigação deáreas de cultivo, contaminando também os alimentos

3.

O empobrecimento gradual da população dos paí-ses subdesenvolvidos fez proliferar o consumo dealimentos preparados e vendidos nas ruas. O hábi-to cultural já era muito popular no mundo todo -barraquinhas de sardinha na brasa em Portugal, dechás na Índia, de crepes na França, de acarajé, ca-chorro quente, biju, churrasquinho, pastel e frutasno Brasil. A pressão socioeconômica acentuou o fe-nômeno em certos locais. Com o aumento do de-semprego, a venda de comida de rua tornou-se aúnica oportunidade de trabalho para muitos brasi-leiros. Isso explica o elevado contingente de vende-dores ambulantes; só a Associação dos Dogueiros

Autônomos Motorizados do Estado de São Paulocontabiliza mais de 5.000 vendedores ambulantesde cachorro quente na capital do estado. Para mui-tos consumidores a comida de rua constitui-se namelhor forma de alimentar-se enquanto estão forade suas casas, principalmente pelo preço reduzidodos alimentos. Os paulistanos consomem mais de6,4 toneladas/dia de salsichas, 6,4 toneladas/dia depãezinhos e 10,5 toneladas/dia de molhos, maione-se e temperos. Este mercado tem movimentação fi-nanceira anual superior a 40 milhões de reais4. Po-rém, os limitados hábitos de higiene da maioria dosvendedores ambulantes, a ausência de água potá-vel e de refrigeração dos alimentos, a falta de áreasadequadas para descarte do lixo e de sanitáriospúblicos nos locais de venda, favorecem a contami-nação e deterioração dos alimentos comercializadosnas ruas4. Isto contrasta com os melhores padrõessanitários dos restaurantes5. É reconhecido que apouca higiene no comércio popular de alimentoscontribuiu para as várias epidemias de cólera naAmérica Latina nos últimos 15 anos4.

Outro fator de contaminação alimentar hoje presen-te na economia globalizada é a facilidade de distribui-ção de alimentos industrializados, o que inclui a livreimportação. Isto possibilita rápida e extensa contami-nação alimentar. Em 1999, os Centers for DiseaseControl (CDC) americanos registraram uma epidemiade 207 casos confirmados de diarréia pela ingestãode suco de laranja não pasteurizado. Em apenas ummês, centenas de habitantes de 15 estados america-nos e de duas províncias canadenses haviam consu-mido bebida contaminada com Salmonella sp. Istoobrigou as autoridades governamentais de saúde arealizar uma ampla ação emergencial para notifica-ção dos casos e recolhimento do produto disponívelnos supermercados e restaurantes dos dois países6.

Considerando apenas os agentes biológicospatogênicos para o homem - bactérias, vírus, protozoários,parasitas e toxinas naturais, vê-se que um grande núme-ro é transmitido pela água e alimentos, provocando o qua-dro de gastroenterocolite aguda (GECA). Há grande di-

“O acesso ao alimento nutricionalmente adequado e seguro é um direito de todo indivíduo” 1.

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versidade destes agentes – só a bactéria Salmonella sptem mais de 2.400 sorotipos patogênicos para o homem6.A ação destes agentes patogênicos depende da precarie-dade das condições de higiene do meio e da susce-tibilidade do hospedeiro humano. Isto tem tido implica-ções graves para a saúde humana. Estima-se que, anu-almente, ocorra 1,5 bilhão de episódios de GECA em todoo mundo, dos quais 70% são causados pela ingestão dealimentos contaminados7. O resultado final é trágico, umavez que a diarréia é causa de óbito de 3 milhões de crian-ças menores de 5 anos, a cada ano2. Estes eventos ocor-rem principalmente nos países subdesenvolvidos; contu-do, a GECA não é exclusividade das zonas pobres doplaneta2. Nos Estados Unidos, há cerca de 33 milhões decasos/ano de toxinfecções alimentares e, no Reino Uni-do, ocorrem 35.000 internações hospitalares/ano para tra-tamento da GECA2. É importante ressaltar que a incidên-cia de GECA por ingestão de alimentos contaminados pro-vavelmente é subestimada7, porque apenas 10% dospacientes adultos com diarréia procuram os serviços mé-dicos e, destes, somente 20% são submetidos a examesde coprocultura e pesquisa de vírus8.

O presente ensaio fundamentou-se nas informa-ções obtidas nas bases de dados eletrônicasLILACS e MEDLINE, pesquisando-se os artigoscientíficos indexados através dos descritores “Con-taminação de alimentos” e “Food contamination”,respectivamente. Não foi limitado o período depublicação, escolhendo-se os artigos mais relevan-tes em português e inglês sobre os agentes bioló-gicos presentes nos alimentos e os inquéritos decontaminação de alimentos. O objetivo é destacara importância e apresentar um panorama doscontaminantes e da contaminação alimentar, comfoco principal no Brasil.

Agentes biológicos contaminantes dealimentos

A Tabela 1 resume os principais agentes biológi-cos comprovadamente patogênicos para o homem,capazes de contaminar a água e os alimentos.

Tabela 1 – Principais agentes biológicos que contaminam alimentos*.

Agentes biológicos

Bactérias Vírus

Produtoras de toxinas pré-formadas Vírus da hepatite AClostridium botulinum Vírus da hepatite BStaphylococcus aureus RotavírusBacillus cereus Adenovírus (entérico)

ParvovírusProdutoras de toxinas na luz intestinalVibrio spp ProtozoáriosEscherichia coli produtora de toxina Shiga Cryptosporidium parvumE. coli enterotoxigênica Giardia lamblia

Entamoeba histolyticaInvasoras do epitélio intestinal Isospora belliSalmonella spp Dientamoeba fragilisCampylobacter spp Blastocystis hominisYersinia sppShigella spp ParasitasE. coli enteroinvasiva Taenia soliumListeria monocytogenes Taenia saginata

Hymenolepis nanaOutras AscarisAeromonas spp TrichurisPlesiomonas shigelloides Trichinella spiralisE. coli enteropatogênica

ToxinasFungos TetrodotoxinaAspergillus flavus MicotoxinasAspergillus parasiticus Aflatoxinas

*Adaptado de Acheson8 (1999)

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Os agentes etiológicos bacterianos mais comunsnas epidemias de GECA nos Estados Unidos nos úl-timos anos foram: Campylobacter sp, Salmonella spe E. coli O157. A Listeria monocytogenes tem sidoresponsável por várias epidemias de diarréia nosEUA. A Listeria sp é encontrada no meio ambiente emultiplica-se nos alimentos, mesmo nas temperatu-ras habitualmente empregadas na refrigeração8.

A maior parte dos casos de diarréia em huma-nos é causada por Campylobacter jejuni e E.coli.O problema tem-se mostrado mais significativo peloaumento de resistência destas bactérias aos anti-bióticos. Várias cepas da S. typhimurium são re-sistentes à ampicil ina, cloranfenicol, estrep-tomicina, sulfas, tetraciclina e ciprofloxacina8. OCampylobacter sp resistente às quinolonas, nosEUA, cresceu de 1,3% em 1992 para 10,2% em19988. Já a Salmonella enteritidis é encontrada emcerca de 1% dos ovos comercializados na Europae EUA, enquanto a E. coli O157 foi detectada nasfezes de 15% do gado bovino inglês. Por essa ra-zão, o consumo de ovos crus e carne bovina malpassada propicia a transmissão destas bactériaspara o homem2. Sabe-se que a exposição daSalmonella sp a ácidos graxos de cadeia curta,comumente utilizados como conservantes de ali-mentos, pode aumentar a virulência da bactéria,por torná-la mais resistente à acidez gástrica. A E.coli O157 também tem a capacidade de sobreviverem meios ácidos, tanto nos alimentos como no es-tômago, podendo causar a síndrome hemolítico-urêmica8.

Tentativas para reduzir o número de infecçõese/ou seu impacto têm sido feitas. Pesquisas micro-biológicas e genéticas resultaram no desenvolvi-mento de uma vacina em spray de Salmonellatyphimurium para uso em galinhas. A vacina reduzsignificativamente a colonização do ceco e cólondo animal pela bactéria. Os cientistas desenvol-veram uma técnica de reação em cadeia dapolimerase (PCR) capaz de detectar o DNA daListeria sp. O método, de alta sensibilidade, per-mite à indústria alimentícia detectar contaminaçãocom apenas 1-2 bactérias por grama de alimento8.

Contaminação do leite de vaca ederivados

O leite de vaca merece especial atenção, pois é

altamente perecível e largamente consumido pelapopulação - sobretudo pelas crianças. Tem mere-cido atenção dos responsáveis pela fiscalização sa-nitária. As infecções podem resultar da ingestãodo leite in natura contaminado por bactérias oupode haver contaminação posterior: durante otransporte até as usinas de pasteurização, noentreposto após a pasteurização ou durante a ma-nipulação pelo próprio consumidor. Os derivadosdo leite também podem sofrer contaminação du-rante seu processo de fabricação.

A classificação do leite de vaca nos tipos A, B eC é baseada nos seus di ferentes padrõesmicrobiológicos. O leite tipo A é o que contém me-nos de 10.000 microrganismos/ml de leite cru, en-quanto o B pode apresentar até 500.000 microrga-nismos/ml e o C, mais de 500.000 microrganismos/ml9. Há algum tempo foi proposta a extinção dacomercialização do leite tipo C, considerado ina-ceitável para o consumo humano tendo em vistaos limites de contaminação microbiológica fixadosatualmente2. Porém, o amplo consumo do leite tipoC, inclusive doado a famílias carentes como partede programas públicos de combate à desnutriçãoinfantil e seu custo mais baixo, fazem com que essamedida demore a ser adotada.

Uma pesquisa, baseada em laudos oficiais deanálises microbiológicas do leite e derivadoscomercializados em Brasília, DF, revelou que den-tre 1.030 amostras coletadas, 34,7% apresentavamcontaminação bacteriana. Foram reprovados: 80%da ricota; 67% do queijo tipo “Minas frescal”; 64,2%do sorvete; 57,1% do queijo prato; 47% do leitetipo A; 37,5% do leite tipo B; 27,3% da manteiga;26,9% da mussarela; 23% do leite tipo C; 10% doiogurte; 8,3% do requeijão e 7,6% do leite em pódessa amostragem. Nos queijos e sorvetes, alémde coliformes fecais foi encontrado S. aureus, umdos principais causadores de toxinfecções alimen-tares. Observou-se que a contaminação do leiteocorria, em 48,4% das vezes, nas fazendas degado leiteiro, em 22,5% nos caminhões usados notransporte da matéria-prima até os entrepostos eem 28,7% nos pontos de venda do leite9.

Algumas conclusões importantes podem serextraídas desses resultados. Em primeiro lugar,muitas fazendas de gado leiteiro apresentam con-dições precárias de higiene, nem sempre fazemanti-sepsia adequada dos úberes das vacas antes

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da ordenha e ainda empregam a ordenha manual.Há falhas na refrigeração do leite nos caminhões acaminho das usinas e os processos de bene-ficiamento e armazenamento nas indústrias dão-se em locais cujos cuidados sanitár ios sãoinsatisfatórios. Soma-se a isso a refrigeração defi-ciente dos produtos lácteos nos pontos do comér-cio varejista, pois sabe-se que alguns estabeleci-mentos desligam os congeladores e refrigerado-res durante a noite para poupar energia, religando-os na manhã seguinte.

Surpreendentemente, nessa amostragem o leitetipo C apresentou qualidade microbiológica supe-rior à dos demais tipos. A baixa contaminação doleite em pó, com o menor índice entre os produtoslácteos, mostra que mesmo o rigoroso controle dequalidade das grandes indústrias não elimina com-pletamente esta possibilidade. Adicionalmente, ficamas ressalvas de que o preço do leite em pó não estáao alcance do poder aquisitivo da maior parte dapopulação brasileira, e que o preparo com água nãofervida acaba contaminando o produto.

Com relação aos derivados do leite, deve ser ob-servado que os sorvetes caseiros em geral não sãopasteurizados, o que significa que muitos patógenose toxinas não são destruídos, sendo mantidos mes-mo nas temperaturas de congelamento do produto.Os queijos são os derivados mais suscetíveis à con-taminação, dado o método de sua fabricação, comvários processos envolvidos: pasteurização do lei-te, coagulação, corte do coágulo, dessoragem,enformagem, salga, maturação (quando necessá-rio) e embalagem9. Nesse sentido, outro estudo, feitocom 80 amostras de queijo “Minas frescal” vendidona cidade de Poços de Caldas, MG, mostrou que ametade apresentava contagens de S. aureus muitoacima do limite máximo permitido pelo Ministério daSaúde10. A contaminação foi maior nos queijos ven-didos nas feiras livres, onde não havia refrigeraçãodo produto. Nessas amostras, as concentrações deS. aureus estavam muito perto do inóculo necessá-rio para provocar um surto de infecção alimentarestafilocócica. Apesar da proibição legal da vendade queijos frescos a partir do leite cru, os pesquisa-dores encontraram um grande número de queijosfeitos artesanalmente com leite não pasteurizado,em suas coletas naquela cidade10.

Contaminação da carne

Toda a água em contato com os alimentos deorigem animal - produtos de carne, leite, mel deabelha e outros, inclusive a usada parahigienização de equipamentos nos abatedouros eindústrias, deve ter o mesmo padrão microbiológicoe de potabilidade da água para consumo huma-no11. As normas legais exigem que a água usadapelas indústrias não tenha mais de 500 microrga-nismos/ml, e nenhum col i forme fecal . Umaamostragem da água das torneiras de 64 indús-trias de produtos de origem animal, do interior doEstado de São Paulo, mostrou que em 7,4% des-tas a água era imprópria para uso. Das amostrascoletadas, 37,9% apresentavam microrganismosacima do limite máximo permitido e 48,3% conti-nham coliformes fecais12. Além disso, num aba-tedouro do Estado de São Paulo, em 23,3% deamostras microbiológicas das mãos dos mani-puladores de carne bovina foi encontrada a bacté-ria Aeromonas sp, um dos possíveis agentesetiológicos da GECA13.

Nos estabelecimentos comerciais de varejo, acontaminação da carne bovina e produtos correlatospode ser observada de norte a sul do Brasil. Dentre30 amostras de carne bovina moída, de supermer-cados, açougues e feiras de São Luís, MA, todascontinham coliformes – 90% tinham coliformes fecaise 40% E. coli. A maior proporção de amostras con-taminadas era a das feiras livres e a menor, dos su-permercados

14. Em Campinas, SP, pesquisadores

analisaram 70 amostras de alimentos contendo car-ne e encontraram E. coli em 95% dos quibes eBacillus cereus em 90% das almôndegas15. No Es-tado do Rio de Janeiro foi encontrado Clostridiumperfringens em 57% das 42 amostras de carne moí-da vendida em açougues

16. Em Londrina, PR, den-

tre 100 amostras de carne moída crua e 93 amos-tras de quibe cru, mais de 90% apresentaram E.coli17. Para a carne suína e embutidos, a situação éigualmente precária: há relatos de contaminação porSalmonella sp em carne suína in natura e salamecolonial em Chapecó, SC18, e em lingüiça frescalvendida no Rio de Janeiro, RJ19. Tudo isso indicaque o abate do gado bovino e suíno, o proces-samento da carne, sua moagem e a manipulaçãonos pontos de venda são feitos em condições dehigiene deficientes.

A redução da contaminação dos produtos feitoscom carne poderia ser atingida. Admite-se que a tem-peratura de cocção e reaquecimento dos alimentos

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é crítica para eliminar as formas vegetativas de mi-crorganismos patogênicos. Dessa forma, segundo aSecretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, atemperatura nas estufas de conservação de salgadi-nhos (coxinhas, quibes, esfihas, empadas, pastéis,croquetes e tortas) deve ser superior a 70oC20. EmUberaba, MG, a medição da temperatura das estu-fas de salgadinhos em 12 bares e lanchonetes mos-trou que 91,7% não atendiam a esse requisito, man-tendo os alimentos em temperaturas menores. Numadas estufas, os salgadinhos eram mantidos à tempe-ratura ambiente (27oC), num meio propício à prolife-ração de germes mesófilos, que se multiplicam emtemperaturas amenas20.

Contaminação de hortaliças

Takayanagui et al.21, estudando 129 hortas culti-vadas no interior do Estado de São Paulo, dedica-ram-se à avaliação das fontes e da qualidade da águaempregada para a irrigação dos cultivos. Descobri-ram que duas hortas eram irrigadas a partir da cap-tação da água de córregos, o que é proibido por lei.Na água de um desses córregos encontraram eleva-da contaminação por coliformes fecais, indicando queali era lançado esgoto doméstico sem tratamentoprévio. Isto originava a contaminação dos vegetaisaí produzidos. A água proveniente de mina subterrâ-nea numa das propriedades visitadas apresentava5.400 coliformes fecais/100ml, enquanto nas verdu-ras irrigadas a água continha 3.840 coliformes fecais/100ml. Nessas hortaliças foram isoladas Salmonellasp no exame microbiológico e Giardia sp eEntamoeba sp no exame protoparasitológico. No to-tal, 26 hortas visitadas (20,1%) apresentavam irre-gularidades. Em 17% havia alta contaminação porcoliformes fecais nas verduras (alface, almeirão eagrião), encontrando-se parasitas e protozoários, em12%: Strongyloides sp, Ascaris sp, Entamoeba sp,Giardia sp e Hymenolepis nana.

Ressalta-se que muitas hortas brasileiras nãosó são irrigadas com água contaminada porpesticidas e matéria fecal, mas até adubadas comdejetos humanos. Por isso, o consumo de verdu-ras cruas é um importante meio de transmissão dedoenças infecciosas e parasitárias na população21.

Contaminação de sementes, cereaise farinhas

As micotoxinas são produtos metabólicos dosfungos que, se ingeridos, são prejudiciais ao ho-mem e aos animais. Ocorrem principalmente emcereais e sementes oleaginosas como o amendoim,o arroz e o milho. Algumas micotoxinas como aaflatoxina B1 têm toxicidade crônica, podendo sercarcinogênicas, levando ao hepatocarcinoma. Asaflatoxinas são encontradas em alimentos conta-minados pelos fungos Aspergi l lus f lavus eAspergillus parasiticus, sendo de quatro tipos prin-cipais: B1, B2, G1 e G2. O amendoim, por exem-plo, transporta na sua casca grande quantidade deinóculo de A. flavus a partir do contato com o solo.A deterioração da vagem possibilita a penetraçãodo fungo na semente, aumentando a contamina-ção pela aflatoxina. Algumas medidas preventivaspodem controlar os níveis de aflatoxinas, como asecagem rápida dos alimentos e o armazenamentosob condições controladas de umidade relativa. Asecagem posterior de um alimento embolorado nãoafeta o teor de aflatoxinas já produzidas, porqueelas são resistentes inclusive à torrefação22.

A coleta de 43 amostras de amendoim e produ-tos feitos com a semente, vendidos em supermer-cados de Recife, PE, evidenciou que 21% estavamcontaminadas por aflatoxinas. Numa amostra, fo-ram encontradas 60 partes por bilhão (ppb) daaflatoxina G1, o dobro do limite máximo legal per-mitido de aflatoxina em produtos alimentícios22.

As condições inadequadas de armazenamento decereais não apenas favorecem a proliferação dos fun-gos, mas também dos ácaros e insetos, que podemdeteriorar os produtos. Um estudo microbiológiconuma agroindústria do interior do Estado do Paranáincluiu amostras de milho em grão, grits (material re-tirado da parte interna do grão de milho, correspon-dente ao endosperma) e fubá. No milho em grão ve-rificou-se que havia excrementos de insetos em98,8% das 81 amostras, além de larvas e insetosadultos vivos e mortos, pêlos de roedor e de gato.No grits foram achados ovos de insetos, cabeças delarvas e pupas, mostrando que até a parte interna dogrão estava infestada. Já no fubá, além da elevadacontaminação por fragmentos de insetos, ácaros elarvas (79% das amostras colhidas), foram encon-tradas partículas metálicas provenientes da quebrados equipamentos de moagem, em mau estado deconservação23.

Em 88% das amostras de farinha de mandioca

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coletadas nas feiras livres de Belém, PA, os acha-dos tornavam-nas impróprias para consumo, inclu-sive pela presença de corante, o que é vedado porlei. Em 4% das farinhas foi vista contaminação porbolores, além de terra, pêlos de roedor e cabelos24.

O Bacillus cereus foi encontrado em 58,3% dasamostras de macarrões com ovos e em 87,5% dasde macarrões sem ovos25. Esse agente é respon-sável por surtos de infecção alimentar através doconsumo de massas e produtos de panificação fei-tos com cereais.

Contaminação de outros alimentos

Das 23 amostras de pratos típicos vendidos nocomércio ambulante em Salvador, BA, foram con-siderados impróprios para consumo 39,1% dosacarajés, 95,6% dos vatapás, 82,6% das saladase 100% dos camarões secos. Os produtos repro-vados nos testes microbiológicos apresentavam-se contaminados por coliformes fecais, S. aureus,Salmonella sp e clostrídios26.

Na cidade de São Paulo, SP, a análise de 351 amos-tras de doces de amendoim e 157 de doces de leitevendidos em barracas do comércio ambulante, mos-trou que havia fragmentos de insetos em ambos os pro-dutos (60,7% e 58,6% respectivamente); além de ácaros(11,7% e 26,8%) e pêlos de roedor (6,8% e 5,7%). Omaior índice de contaminação por ácaros foi visto nodoce de leite com coco (50% das amostras). Os pêlosde roedor foram encontrados em maior quantidade nasamostras de paçocas, pés-de-moleque e doces de lei-te adquiridas nos meses de outono e inverno, épocasem que se intensifica a troca de pêlos nesse animal,facilitando sua mistura aos alimentos27.

A análise de 77 chás de ervas vendidos em sa-quinhos para uso individual mostrou que boa parteestava em desacordo com as disposições legaispara qualidade do produto. Dos chás de hortelã,62,5% continham pêlos de roedor, enquanto 71,4%

dos chás de camomila apresentavam fragmentosde insetos. A maior contaminação da camomilapelos insetos pode ser explicada pela colheita daplanta após a floração, momento em que há gran-de número de insetos realizando a polinização. Jáos chás de erva-cidreira foram os únicos que nãoapresentaram contaminação, talvez pelas caracte-rísticas das folhas da planta, que dificultam a ade-são de impurezas e insetos28.

Com relação aos peixes e frutos do mar há mui-tos relatos de contaminação: por parasitas Anisakissimplex e Pseudoterranova decipiens em bacalhauimportado vendido no Estado de São Paulo29, porcoliformes fecais nas ostras de Cananéia, SP30, porListeria monocytogenes no camarão-sete-barbas ecamarão-rosa capturados no Estado do Rio de Ja-neiro31 e por S. aureus e Salmonella sp nas tilápiascriadas em Campina Grande, PB32. A popularizaçãodo consumo de pescado marinho cru sob a formade sushis e sashimis pode predispor a populaçãobrasileira à infestação gástrica por parasitasnematóides da família Anisakidae29.

Conclusões

Com base nos resultados dessa revisão biblio-gráfica, observa-se que a contaminação biológicade alimentos é um problema de saúde pública noBrasil, assim como afeta o mundo todo. No país,existe normatização adequada para controle sani-tário dos alimentos, como o Regulamento de Inspe-ção Industrial e Sanitária de Produtos de OrigemAnimal (RIISPOA), do Ministério da Agricultura. Po-rém, ainda falta a fiscalização efetiva e permanenteda produção, conservação e comercialização de ali-mentos pelos serviços estaduais e municipais de vi-gilância sanitária, aos quais é delegado o poder deinspecionar e punir os infratores. As camadas me-nos favorecidas da população são as mais afetadaspela contaminação alimentar, pelos hábitos cultu-rais da alimentação e necessidade de optar por pro-dutos com menor preço, geralmente de pior quali-dade e maior contaminação.

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Contaminação de alimentosBalbani APS, Butugan O

Recebido para publicação: 10/02/2001Aceito para publicação: 20/06/2001

Endereço para correspondência:Aracy Pereira Silveira BalbaniRua Maneco Pereira, 36518270-400, Tatuí, SPTel/fax: (15) 251.3852/251.6691e-mail: [email protected]

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