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BATESON, Gregory. “PASSOS PARA UMA ECOLOGIA DA MENTE” (1972) [PARTE II: FORMA E PADRÃO NA ANTROPOLOGIA] CONTATO CULTURAL E CISMOGÊNESE (1935) * O memorando escrito pelo Comitê do Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais ( Man, 1935, 162) me estimulou a levar adiante um ponto de vista que difere consideravelmente do deles; e, apesar de o início desse artigo poder soar crítico ao memorando, quero deixar claro desde já que considero como uma grande contribuição qualquer tentativa séria de criar categorias para o estudo do contato cultural. Além disso, visto que há várias passagens no memorando (entre elas a Definição) que eu não entendo perfeitamente, ofereço minhas críticas com alguma hesitação, e são dirigidas não tanto contra o Comitê, mas a alguns erros predominantes entre os antropólogos. (1) O uso de determinados sistemas de categorias . Em geral, é insensato construir sistemas desse tipo até que os problemas para cujas resoluções eles foram elaborados, tenham sido claramente elucidados; e até onde posso ver, as categorias elaboradas pelo Comitê não foram construídas em referência a quaisquer problemas especificamente definidos, mas para atirar uma luz geral no “problema” da aculturação, enquanto o problema em si continua vago. (2) Disso se segue que nossa necessidade imediata não é a construção de um conjunto de categorias que irão * Esse ensaio

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Sobre o conceito de cismogênese criado por Bateson

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BATESON, Gregory. “PASSOS PARA UMA ECOLOGIA DA MENTE” (1972)[PARTE II: FORMA E PADRÃO NA ANTROPOLOGIA]

CONTATO CULTURAL E CISMOGÊNESE (1935)*

O memorando escrito pelo Comitê do Conselho de Pesquisa em Ciências

Sociais (Man, 1935, 162) me estimulou a levar adiante um ponto de vista que

difere consideravelmente do deles; e, apesar de o início desse artigo poder soar

crítico ao memorando, quero deixar claro desde já que considero como uma grande

contribuição qualquer tentativa séria de criar categorias para o estudo do contato

cultural. Além disso, visto que há várias passagens no memorando (entre elas a

Definição) que eu não entendo perfeitamente, ofereço minhas críticas com alguma

hesitação, e são dirigidas não tanto contra o Comitê, mas a alguns erros

predominantes entre os antropólogos.

(1) O uso de determinados sistemas de categorias . Em geral, é insensato

construir sistemas desse tipo até que os problemas para cujas resoluções eles foram

elaborados, tenham sido claramente elucidados; e até onde posso ver, as categorias

elaboradas pelo Comitê não foram construídas em referência a quaisquer

problemas especificamente definidos, mas para atirar uma luz geral no “problema”

da aculturação, enquanto o problema em si continua vago.

(2) Disso se segue que nossa necessidade imediata não é a construção de

um conjunto de categorias que irão atirar luz em todos os problemas, mas antes a

formulação esquemática dos problemas de um modo que possam ser

separadamente investigáveis.

(3) Apesar de o Comitê deixar seus problemas indefinidos, nós, pela

leitura cuidadosa das categorias, reunimos arduamente as questões postas por eles

sobre o material. Parece que o Comitê tem sido, na verdade, influenciado pelo tipo

de questões que os administradores perguntam aos antropólogos – “É uma coisa

boa usar a força nos contatos culturais?”, “Como podemos fazer determinado povo

aceitar tal tipo de traço?”, e por aí vai. Em resposta a esse tipo de questão

encontramos na definição de aculturação uma ênfase na diferença da cultura entre

os grupos em contato, e sobre as mudanças resultantes; e tais dicotomias como as

entre “elementos forçados em um povo ou recebidos voluntariamente por ele” 1,

* Esse ensaio 1 Em qualquer caso, é claro que em um estudo científico dos processos e leis naturais, essa invocação da livre vontade não tem

lugar.

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pode também ser considerado como sintomático desse pensamento em termos de

problemas administrativos. O mesmo pode ser dito das categorias V, A, B, C,

“aceitação”, “adaptação”, “reação”.

(4) Podemos concordar que as respostas são muito necessárias às questões

administrativas e, também, que um estudo dos contatos culturais provavelmente

dará essas respostas. Mas, é quase certo que a formulação científica dos problemas

do contato não seguirá essas linhas. É como se na construção das categorias para o

estudo de criminologia partíssemos de uma dicotomia entre indivíduos criminosos

e não-criminosos – e, de fato, essa curiosa ciência foi prejudicada durante muito

tempo propriamente pela tentativa de definir “um tipo criminal”.

(5) O memorando baseia-se em uma falácia: que podemos classificar os

traços de uma cultura sob títulos como economia, religião, etc. Pedem-nos, por

exemplo, para classificar os traços em três classes apresentados respectivamente

devido a: (a) rendimento econômico ou dominância política; (b) desejo de trazer

conformidade aos valores do grupo doador; (c) considerações éticas e religiosas.

Essa ideia, de que cada traço tem ou uma função singular ou ao menos alguma

função que se sobreleva às outras, leva por extensão à ideia de que uma cultura

pode ser subdividida em “instituições” onde o feixe de traços que forma uma

instituição são parecidos em suas funções principais. A fraqueza desse método de

subdividir uma cultura tem sido conclusivamente demonstrado por Malinowski e

seus pupilos, que comprovaram que quase o todo de uma cultura pode ser visto de

forma variada, como um mecanismo para modificar e satisfazer as necessidades

sexuais dos indivíduos, ou para o reforço das regras de comportamento, ou para

fornecer alimento2 aos indivíduos. Dessa demonstração exaustiva, podemos esperar

2 Cf. Malinowski, Sexual Life and Crime and Custom; A. I. Richards, Hunger and Work. This question of the subdivision of a culture into "institutions" is not quite as simple as I have indicated; and, in spite of their own works, I believe that the London School still adheres to a theory that some such division is practicable. It is likely that confusion arises from the fact that certain native peoples—perhaps all, but in any case those of Western Europe—actually think that their culture is so subdivided. Various cultural phenomena also contribute something toward such a subdivision, e.g., (a) the division of labor and differentiation of norms of behavior between different groups of individuals in the same community, and (b) an emphasis, present in certain cultures, upon the subdivisions of place and time upon which behavior is ordered. These phenomena lead to the possibility, in such cultures, of dubbing all behavior which, for example, takes place in church between 11.30 and 12.30 on Sundays as "religious." But even in the study of such cultures the anthropologist must look with some suspicion upon his classification of traits into institutions and must expect to find a great deal of over-lapping between various institutions. An analogous fallacy occurs in psychology, and consists in regarding behavior as classifiable according to the impulses which inspire it, e.g., into such categories as self-protective, assertive, sexual, acquisitive, etc. Here, too, confusion results from the fact that not only the psychologist, but also the individual studied, is prone to think in terms of these categories. The psychologists would do well to accept the probability that every bit of behavior is—at least in a well-integrated individual —simultaneously relevant to all these abstractions.

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que qualquer traço de uma cultura irá provar quando do exame não ser

simplesmente econômico, religioso, estrutural, mas participar de todas essas

qualidades a partir do ponto de vista do qual olhamos para ele. Se isso é verdade

de uma cultura vista em corte sincrônico, então também deve se aplicar aos

processos diacrônicos de contato cultural e mudança; e devemos esperar isso da

oferta, aceitação ou recusa de cada traço que são casos simultâneos de natureza

econômica, estrutural, sexual e religiosa.

(6) Disso se segue que nossas categorias “religioso”, “econômico”, etc.,

não são subdivisões reais que estão presentes nas culturas que estudamos, mas são

meras abstrações que fazemos para nossa própria conveniência quando nos

propomos a descrever as culturas em palavras. Não são fenômenos presentes nas

culturas, mas rótulos para os vários pontos de vista que adotamos em nossos

estudos. Ao lidar com essas abstrações devemos ter cuidado para evitar a “falácia

da concretude deslocada”, uma falácia em que, por exemplo, os marxistas

históricos caem quando sustentam que os “fenômenos econômicos” são

“primários”.

A partir desse preâmbulo podemos considerar agora um esquema

alternativo para o estudo do fenômeno do contato.

(7) Escopo da investigação Sugiro que consideremos sob o título de

“contato cultural” não apenas aqueles casos em que o contato acontece entre duas

comunidades com diferentes culturas e resultados, com profunda perturbação da

cultura de um, ou de ambas as culturas; mas também casos de contato dentro de

uma única comunidade. Nesses casos o contato é entre grupos diferenciados de

indivíduos, p. ex., entre sexos, entre velho e novo, entre aristocracia e plebe, entre

clãs, etc., grupos que vivem juntos em um equilíbrio aproximado. Eu até mesmo

estenderia a ideia de “contato” tão amplamente a ponto de incluir aqueles

processos em que a criança é moldada e treinada para caber na cultura em que

nasceu3, mas para esse propósito devemos nos limitar aos contatos entre grupos de

indivíduos, com diferentes normas culturais de comportamento em cada grupo.

(8) Se consideramos o possível fim das perturbações drásticas que se

seguem aos contatos entre comunidades profundamente diferentes, vemos que as

3 The present scheme is oriented toward the study of social rather than psychological processes, but a closely analogous scheme might be constructed for the study of psychopathology. Here the idea of "contact" would be studied, especially in the contexts of the molding of the individual, and the processes of schismogenesis would be seen to play an important part not only in accentuating the maladjustments of the deviant, but also in assimilating the normal individual to his group.

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mudanças devem resultar teoricamente em um ou outro dos seguintes padrões:

(a) a completa fusão dos grupos originalmente diferentes;

(b) a eliminação de um ou ambos os grupos;

(c) a persistência de ambos os grupos em dinâmica de equilíbrio dentro de

uma comunidade maior.

(9) Meu objetivo ao estender a ideia de contato para cobrir as condições de

diferenciação dentro de uma cultura particular é usar nosso conhecimento desses

estados quiescentes para atirar luz nesses fatores que estão trabalhando nos estados

de desequilíbrio. Pode ser mais fácil obter conhecimento sobre os fatores enquanto

funcionam tranquilamente, mas impossível isolá-los quando violentos. As leis da

gravidade não podem ser convenientemente estudadas pela observação das casas

em colapso durante um terremoto.

(10) Fusão completa Visto que esse é um dos fins possíveis do processo,

devemos saber quais os fatores que estão presentes em um grupo de indivíduos

com padrões homogêneos e consistentes de comportamento, em todos os membros

do grupo. Uma abordagem de tais condições pode ser encontrada em qualquer

comunidade que esteja em um estado de equilíbrio aproximado mas, infelizmente,

nossas próprias comunidades na Europa estão em tal estado de fluxo que essas

condições mal ocorrem. Além disso, até nas comunidades primitivas, as condições

são usualmente complicadas através da diferenciação, de tal forma que devemos

ficar contentes com os estudos de grupos homogêneos como podem ser observados

dentro das principais comunidades diferenciadas.

Nossa primeira tarefa será determinar que tipos de unidades podem-se

obter nesses grupos, ou antes – tendo em mente que estamos preocupados com

aspectos e não classes de fenômenos – quais aspectos de unidade do corpo de

traços devemos descrever a propósito de alcançar uma visão total da situação. Eu

sugiro que o material, a fim de ser completamente compreendido, deve ser

examinado nos, pelo menos cinco aspectos separáveis que se seguem:

(a) Um aspecto estrutural da unidade O comportamento de qualquer

indivíduo em qualquer contexto é, em alguma medida, cognitivamente consistente

com o comportamento de todos os outros indivíduos em todos os outros contextos.

Aqui devemos estar preparados para descobrir que a lógica herdada em uma

cultura difere profundamente da lógica de outras. Desse ponto de vista devemos

observar que, por exemplo, quando o indivíduo A dá uma bebida ao indivíduo B,

esse comportamento é consistente com outras regras de comportamento obtido

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dentro do grupo que contém A e B.

Esse aspecto da unidade do corpo dos padrões de comportamento pode ser

reafirmado nos termos de uma padronização dos apectos cognitivos das

personalidades dos indivíduos. Podemos dizer que os padrões de pensamento dos

indivíduos são tão estandardizados que seu comportamento lhes parece lógicos.

(b) Aspectos afetivos da unidade Ao estudar a cultura desse ponto de vista,

estamos preocupados em apresentar a configuração emocional de todos os detalhes

do comportamento. Veremos todo o corpo de comportamento como um mecanismo

orientado para a satisfação e insatisfação afetiva dos indivíduos.

Este aspecto de uma cultura também pode ser descrito em termos de uma

padronização dos aspectos afetivos das personalidades dos indivíduos, que são

então modificados por sua cultura, e por isso que seu comportamento é

emocionalmente consistente a eles.

(c) Unidade econômica Aqui devemos ver todo o corpo de comportamento

como um mecanismo orientado em direção à produção e distribuição de objetos

materiais.

(d) Unidade cronológica e espacial Aqui veremos os padrões de

comportamento como esquematicamente ordenados de acordo com tempo e lugar.

Veremos A como dando a bebida para B, “porque é sábado à noite no Blue Boar”.

(e) Unidade sociológica Aqui veremos o comportamento dos indivíduos

como orientado para a integração e desintegração da unidade principal, o Grupo

como um todo. Veremos o oferecimento de bebidas como um fator que promove a

solidariedade do grupo.

(11) Em acréscimo ao estudo do comportamento dos grupos homogêneos a

partir de todos esses pontos de vista, devemos examinar alguns desses grupos para

descobrir os efeitos da estandardização desses vários pontos de vista nas pessoas

que estamos estudando. Nós afirmamos acima que cada parte do comportamento

deve ser considerada como provavelmente relevante a todos esses pontos de vista,

mas permanece o fato de que algumas pessoas estão mais inclinadas que outras a

ver e expressar seu próprio comportamento como “lógico” ou “para o bem do

Estado”.

(12) Com esse conhecimento acerca das condições obtidas em grupos

homogêneos, estaremos em posição de examinar os processos de fusão de dois

grupos em um. Ainda poderemos estar em posição de descrever as medidas que

irão promover ou retardar tal fusão, e prever que o traço que cabe nos cinco

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aspectos de unidade pode ser acrescentado a uma cultura sem outras mudanças. Se

não couber, então podemos procurar por modificações apropriadas tanto do traço

como da cultura.

(13) A eliminação de um ou de ambos os grupos Esse resultado final talvez

mal valha a pena estudar, mas deveríamos ao menos examinar qualquer material

disponível, para determinar que tipo de efeitos tal tipo de atividade hostil tem

sobre a cultura dos sobreviventes. É possível, por exemplo, que os padrões de

comportamento associados à eliminação de outros grupos possa ser assimilado à

cultura deles de modo que eles sejam impelidos a eliminar mais e mais.

(14) Persistência de ambos os grupos em equilíbrio dinâmico Esse é

provavelmente o mais instrutivo dos possíveis resultados finais do contato, visto

que os fatores ativos no equilíbrio dinâmico são provavelmente idênticos ou

análogos àqueles que, em desequilíbrio, estão ativos na mudança cultural. Nossa

primeira tarefa é estudar as relações obtidas entre grupos de indivíduos com

comportamentos de padrões diferenciados, e depois considerar que luz essas

relações atiram sobre o que é mais usualmente chamado de “contato”. Todo

antropólogo que esteve em campo teve a oportunidade de estudar tais grupos

diferenciados.

(15) As possibilidades de diferenciação dos grupos não são, em hipótese

nenhuma infinitas, mas servem claramente a duas categorias: (a) casos em que a

relação é principalmente simétrica, p. ex., na diferenciação das metades, clãs,

aldeias e nações da Europa; e (b) casos em que a relação é complementar, p. ex.,

na diferenciação de estratos sociais, classes, castas, faixas etárias, e, em alguns

casos, a diferenciação cultural entre os sexos4. Ambos os tipos de diferenciação

contêm elementos dinâmicos, de tal forma que quando determinados fatores de

restrição são removidos, a diferenciação ou divisão entre os grupos aumenta

progressivamente em direção seja a um colapso, ou a um novo equilíbrio.

(16) Diferenciação simétrica Para essa categoria podemos nos referir a

todos os casos em que os indivíduos em dois grupos A e B têm as mesmas

aspirações e os mesmos padrões de comportamento, mas se diferenciam quanto à

orientação desses padrões. Assim, membros do grupo A exibem padrões de

comportamento A, B, C em suas relações uns com os outros, mas adotam os

4 Cf. Margaret Mead, Sex and Temperament, 1935. Of the communities described in this book, the Arapesh and the Mundugumor have a preponderantly symmetrical relationship between the sexes, while the Chambuli have a complementary relationship. Among the Iatmul, a tribe in the same area, which I have studied, the relationship between the sexes is complementary, but on rather different lines from that of the Chambuli. I hope shortly to publish a book on the Iatmul with sketches of their culture from the points of view a, b, and e out-lined in paragraph 10. (See Bibliography, items 1936 and 1958 B.)

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padrões X, Y, Z em suas relações com os membros do grupo B. Da mesma forma, o

grupo B adota os padrões A, B, C entre si, mas exibem X, Y, Z ao se relacionarem

com o grupo A. Assim, uma posição está formada em que o comportamento X, Y, Z

é a resposta padrão a X, Y, Z. Essa posição contém elementos que podem levar a

uma progressiva diferenciação ou cismogênese no mesmo sentido. Se, por

exemplo, o padrão X, Y, Z inclui gabar-se, veremos que há uma possibilidade, se

gabar-se é uma resposta a gabar-se, que cada grupo dirigirá ao outro em uma

ênfase excessiva do padrão, um processo que se não for restringido pode apenas

levar a uma rivalidade maior, e cada vez mais extrema, e por último à hostilidade e

ao colapso do sistema todo.

(17) Diferenciação complementar Para essa categoria podemos nos referir

a todos os casos em que o comportamento e as aspirações dos membros dos dois

grupos são fundamentalmente diferentes. Assim, membros do grupo A tratam uns

aos outros com os padrões L, M, N, e exibem os padrões O, P, Q nas relações com

o grupo B. Em resposta a O, P, Q, os membros do grupo B exibem os padrões U, V,

W, mas entre eles, adotam os padrões R, S, T. Assim, fica claro que O, P, Q é

resposta a U, V, W, e vice-versa. Essa diferenciação pode se tornar progressiva. Se,

por exemplo, a série O, P, Q inclui padrões culturalmente considerados agressivos,

enquanto U, V, W inclui submissão cultural, é provável que a submissão promova

maior agressividade, que por sua vez irá promover maior submissão. Essa

cismogênese, ao menos que seja contida, conduz a uma progressiva distorsão

unilateral das personalidades dos membros de ambos os grupos, que resulta em

mútua hostilidade entre eles e deve acabar em colapso do sistema.

(18) Reciprocidade Apesar de as relações entre os grupos poderem ser

largamente classificadas em duas categorias, “simétrica” e “complementar”, essa

divisão é até certo ponto turvada por outro tipo de diferenciação, que podemos

descrever como recíproca. Nesse tipo, os padrões de comportamento X e Y são

adotados pelos membros de cada grupo em suas relações com o outro grupo, mas

ao invés do sistema simétrico por meio do qual X é uma resposta a X e Y é uma

resposta a Y, encontramos aqui que X é uma resposta a Y. Assim, em cada instância

particular o comportamento é assimétrico, mas a simetria é recuperada ao longo de

um grande número de instâncias já que algumas vezes o grupo A exibe X ao que o

grupo B responde com Y, e às vezes o grupo A exibe Y ao que o grupo B responde

com X. Casos em que o grupo A às vezes vende sagu para o grupo B, e esse último

às vezes vende a mesma mercadoria para A, pode ser considerado recíproco; mas,

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se o grupo A habitualmente vende sagu para B enquanto esse último habitualmente

vende peixe para A, eu penso que devemos considerar esse padrão como

complementar. O padrão recíproco, note-se, é compensado e equilibrado nele

próprio e portanto, não tende em direção à cismogênese.

(19) Pontos para investigação:

(a) Precisamos de uma pesquisa própria para os tipos de comportamento

que podem levar à cismogênese do tipo simétrico. No momento, apenas é possível

apontar para a presunção e rivalidade comercial, mas não há dúvida de que muitos

outros padrões serão encontrados acompanhando o mesmo tipo de efeito.

(b) Precisamos de uma pesquisa dos tipos de comportamento que são

mutuamente complementares e levam à cismogênese do segundo tipo. Aqui

podemos agora citar apenas a agressividade contra a submissão, exibicionismo

contra admiração, estímulo contra manifestações de debilidade e, além disso, as

várias combinações possíveis desses pares.

(c) Precisamos verificar a lei geral assumida acima, de que quando dois

grupos exibem comportamento complementares uns aos outros, o comportamento

interno entre membros do grupo A deve necessariamente ser diferente do

comportamento interno entre os membros do grupo B.

(d) Precisamos de uma análise sistemática da cismogênese de ambos os

tipos dos vários pontos de vista descritos no parágrafo 10. No momento eu só olhei

para o assunto a partir dos pontos de vista etológico e estrutural (parágrafo 10,

aspectos A e B). Além disso, os historiadores marxistas têm nos dado uma imagem

do aspecto econômico da cismogênese complementar na Europa Ocidental. É

provável, no entanto, que eles próprios tenham sido influenciados indevidamente

pela cismogênese que estudaram e tenham sido assim levados ao exagero.

(e) Precisamos saber algo sobre a ocorrência de comportamento recíproco

em relações que são preponderantemente simétricas ou complementares.

(20) Fatores de restrição Mas, mais importante que quaisquer dos

problemas do parágrafo anterior, precisamos de um estudo dos fatores que

restringem ambos tipos de cismogênese. No momento, as nações da Europa estão

bem avançadas na cismogênese simétrica e estão prontas para avançar nas

gargantas umas das outras; enquanto dentro de cada nação podem-se observar

hostilidades crescentes entre os vários estratos sociais, sintomas da cismogênese

complementar. Igualmente, nos países governados por novas ditaduras podemos

observar estágios iniciais da cismogênese complementar, o comportamento de seus

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associados levando o ditador cada vez mais ao orgulho e à agressividade.

O propósito do presente artigo é sugerir problemas e linhas de

investigação mais que declarar respostas, mas provisoriamente podem ser

oferecidas sugestões aos fatores que controlam a cismogênese:

(a) É possível que, na verdade, nenhuma relação saudável e equilibrada

entre grupos seja puramente simétrica ou complementar, mas que cada relação

contenha elementos da outra. É verdade que é fácil classificar as relações em uma

ou outra categoria de acordo com as ênfases predominantes, mas é possível que

uma dose muito pequena de comportamento complementar em uma relação

simétrica, ou uma dose de comportamento simétrico em uma relação

complementar, pode percorrer um longo caminho em direção à estabilização da

posição. Exemplos desse tipo de estabilização talvez sejam comuns. O fazendeiro

está em uma relação predominantemente complementar e nem sempre confortável

com seus aldeões, mas se ele participar do jogo de críquete (uma rivalidade

simétrica) uma vez por ano, isso pode ter um efeito curiosamente desproporcional

em sua relação com eles.

(b) É certo que, como no caso citado acima em que o grupo A vende sagu

para B, enquanto esse último vende peixe para A, padrões complementares podem

às vezes ter realmente um efeito estabilizador através da promoção de dependência

mútua entre os grupos.

(c) É possível que a presença de um número verdadeiramente recíproco de

elementos em uma relação pode tender a estabilizá-la, prevenindo a cismogênese

que de outra forma pode resultar tanto de elementos simétricos como

complementares. Mas isso iria parecer, no mais, como uma defesa muito fraca: por

um lado, se considerarmos os efeitos da cismogênese simétrica sobre os padrões de

comportamento recíproco, vemos que esse último tende a ser menos exibicionista.

Assim, os indivíduos que formam as nações da Europa tornam-se cada vez mais

envolvidos em suas rivalidades internacionais simétricas, eles gradualmente

abandonam o comportamento recíproco, deliberadamente reduzindo a um mínimo

o comportamento comercial recíproco5. Por outro lado, se considerarmos da

cismogênese complementar sobre os padrões de comportamento recíproco, vemos

que essa metade do comportamento recíproco é suscetível está sujeita ao declínio.

5 In this, as in the other examples given, no attempt is made to consider the schismogenesis from all the points of view outlined in paragraph 10. Thus, inasmuch as the economic aspect of the matter is not here being considered, the effects of the slump upon the schismogenesis are ignored. A complete study would be subdivided into separate sections,

each treating one of the aspects of the phenomena.

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Onde a princípio ambos grupos exibiam tanto X como Y, um sistema gradualmente

evolui de modo que em um dos grupos exibe-se apenas X, enquanto os outros

exibem apenas Y. De fato, o comportamento que a princípio era recíproco, é

reduzido ao padrão complementar típico e pode, depois disso, contribuir à

cismogênese complementar.

(d) É certo que qualquer tipo de cismogênese entre dois grupos pode ser

verificada através dos fatores que os unem tanto em lealdade como em oposição a

algum elemento externo. Esse elemento externo pode ser um individual simbólico,

um inimigo do povo ou alguma circunstância bem impessoal – o leão se deitará

com o carneiro apenas se chover torrencialmente o bastante. Mas devemos notar

que onde o elemento externo é uma pessoa ou um grupo de pessoas, a relação dos

grupos A e B combinados ao grupo externo sempre será ela própria potencialmente

uma relação de cismogênese de um ou de outro tipo. O exame dos múltiplos

sitemas desse tipo é muito necessária, e especialmente precisamos saber mais

sobre os sistemas (p. ex., hierarquias militares) nos quais a distorsão da

personalidade é modificada nos grupos médios da hierarquia através da permissão

de que os indivíduos exibam respeito e submissão no trato com grupos superiores,

enquanto eles exibem agressividade e orgulho ao lidar com os inferiores.

(e) No caso da situação europeia, há uma outra possibilidade – um caso

especial de controle desviando a atenção para as circunstâncias externas. É

possível que essas responsáveis pela política de classes e nações devem-se tornar

conscientes dos processos com os quais estão jogando, e cooperando na tentativa

de solucionar as dificuldades. Isso, contudo, não é muito fácil de acontecer já que

a antropologia e a psicologia social não dispõem to prestígio necessário para

aconselhar; e, sem esse conselho, os governos continuarão a reagir às reações uns

dos outros, mais que prestar atenção às circunstâncias.

(21) Para concluir, podemos nos voltar aos problemas do administrador

face ao contato cultural negro-branco. Sua primeira tarefa é decidir qual dos

resultados finais esboçados no parágrafo 8 é desejável e passível de realização.

Essa decisão deve ser tomada sem hipocrisia. Se ele escolher a fusão, deve então

se esforçar por inventar a cada passo, de modo a promover as condições de

coerência que são descritas (como problemas de investigação) no parágrafo 10. Se

ele escolhe que ambos os grupos devam permanecer em alguma forma de

equilíbrio dinâmico, então ele deve inventar para estabelecer um sistema em que as

possibilidades de cismogênese sejam devidamente compensadas ou equilibradas

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uma contra a outra. Mas, a cada passo dado no sistema que esbocei há problemas

que devem ser estudados por estudantes treinados, e que quando resolvidos serão

uma contribuição, não apenas à sociologia aplicada, mas à própria base de nosso

entendimento dos seres humanos em sociedade.