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CONTEÚDO DE ABRANGÊNCIA DE TRABALHO (DIREITO PENAL IV) TÍTULO XI: DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CAPÍTULO I – Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral a) Peculato (CP, art. 312); b) Peculato mediante erro de outrem (CP, art. 313); c) Inserção de dados falsos em sistema de informações (CP, art. 313-A); d) Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (CP, art. 313-B); e) Concussão (CP, art. 316); f) Corrupção passiva (CP, art. 317); g) Facilitação de Contrabando e Descaminho (CP, art. 318); h) Prevaricação (CP, art. 319); i) Prevaricação Imprópria (CP, art. 319-A). CAPÍTULO II – Dos crimes praticados por particulares conta a Administração em geral a) Usurpação de Função Pública (CP, art. 328); b) Resistência (CP, art. 329); c) Desobediência (CP, art. 330); d) Desacato (CP, art. 331); e) Corrupção Ativa (CP, art. 333); f) Descaminho (CP, art. 334); g) Contrabando (CP, art. 334-A). CAPÍTULO III – Dos crimes contra a Administração da Justiça a) Denunciação Caluniosa (CP, art. 339); b) Comunicação falsa de crime ou contravenção (CP, art. 340); c) Autoacusação falsa (CP, art. 341); d) Falso Testemunho ou Falsa Perícia (CP, art. 142). BIBLIOGRAFIA BÁSICA 1. André Estefam; 2. Cezar Roberto Bitencourt; 3. Guilherme de Souza Nucci; 4. Paulo Queiroz;

CONTEÚDO DE ABRANGÊNCIA DE TRABALHO (DIREITO PENAL V) · geral, ainda que inserido no Capítulo I do Título XI do Código Penal, que deve ser aplicado a todas as hipóteses contempladas

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CONTEÚDO DE ABRANGÊNCIA DE TRABALHO (DIREITO PENAL IV)

TÍTULO XI: DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CAPÍTULO I – Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral

a) Peculato (CP, art. 312);

b) Peculato mediante erro de outrem (CP, art. 313);

c) Inserção de dados falsos em sistema de informações (CP, art. 313-A);

d) Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (CP, art. 313-B);

e) Concussão (CP, art. 316);

f) Corrupção passiva (CP, art. 317);

g) Facilitação de Contrabando e Descaminho (CP, art. 318);

h) Prevaricação (CP, art. 319);

i) Prevaricação Imprópria (CP, art. 319-A).

CAPÍTULO II – Dos crimes praticados por particulares conta a Administração em geral

a) Usurpação de Função Pública (CP, art. 328);

b) Resistência (CP, art. 329);

c) Desobediência (CP, art. 330);

d) Desacato (CP, art. 331);

e) Corrupção Ativa (CP, art. 333);

f) Descaminho (CP, art. 334);

g) Contrabando (CP, art. 334-A).

CAPÍTULO III – Dos crimes contra a Administração da Justiça

a) Denunciação Caluniosa (CP, art. 339);

b) Comunicação falsa de crime ou contravenção (CP, art. 340);

c) Autoacusação falsa (CP, art. 341);

d) Falso Testemunho ou Falsa Perícia (CP, art. 142).

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

1. André Estefam;

2. Cezar Roberto Bitencourt;

3. Guilherme de Souza Nucci;

4. Paulo Queiroz;

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5. Rogério Greco;

6. Rogério Sanches;

Florianópolis/SC, janeiro de 2019.

Prof. Airto Chaves Junior, Dr.

TÍTULO XI

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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CAPÍTULO I

DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

DOS CRIMES COMETIDOS PELOS PARTICULARES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Esse Título encerra o atual Código Penal. Ele se divide em:

a) Capítulo I: Crimes funcionais (praticados por funcionários públicos). Estão entre os arts. 312 e 327.

b) Capítulo II: Crimes praticados por particulares contra a Administração. O funcionário público é vítima. 328 - 337-A

c) Capítulo II-A: Crimes praticados por particulares contra a Administração Estrangeira. O bem jurídico protegido é a regularidade na transação comercial internacional. – 337-B - 337-D.

d) Capítulo III: Crimes contra a Administração da Justiça - Arts. 338-359.

e) Capítulo IV: Crimes contra as finanças públicas – art. 359-A/359-H.

OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

CP, Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei nº 6.799, de 1980)

O art. 327 do Código Penal é norma penal explicativa. Ele traz o conceito de funcionário público para o sujeito ativo dos crimes contra a administração (Capítulo I). A dúvida que pode surgir neste contexto é a seguinte: nos tipos penais previstos neste capítulo II (crimes praticados por particulares contra a Administração Pública) este conceito também serve para se estabelecer o que é “funcionário público” com relação ao sujeito passivo do crime?

1ª corrente (Mirabete e Bitencourt): para o primeiro autor, este conceito previsto no art. 327 do Código Penal funciona tanto para o sujeito ativo quanto para o sujeito passivo. Neste caso, o artigo 327 não se limitaria apenas ao capítulo I, mas ao todo o Código Penal. No mesmo sentido, registra Bitencourt: não há por que fazer a distinção, para fins de aplicação do conceito extensivo de funcionário público, entre sujeito ativo e sujeito passivo do delito. E isso porque o art. 327 emite um nítido comando geral, ainda que inserido no Capítulo I do Título XI do Código Penal, que deve ser aplicado a todas as hipóteses contempladas no ordenamento penal, contidas ou não no Código.

2ª corrente (Magalhães Noronha, Luiz Regis Prado e Hungria): não se pode aplicar o art. 327 ao Capítulo II. Se a intenção do legislador fosse dar um conceito uniforme, ele traria o conceito de funcionário público como final do título, não do capítulo.

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Essa segunda orientação doutrinária sustenta que só se utiliza o conceito do art. 327 quando o funcionário atuar no polo ativo do crime. Esses autores tratam da topologia do art. 327 do Código Penal, diante do que, há restrição do alcance do texto normativo. O alcance, então, figuraria apenas em relação às hipóteses em que os funcionários das entidades figurem como sujeitos ativos dos delitos funcionais.

Pergunta: o defensor dativo é funcionário público?

Sim, hoje o STF e o STJ (RHC 2012.01180621, 5ª Turma, 05/06/2013) entendem que o advogado dativo exerce função pública e, portanto, para fins penais, é funcionário público, praticando crimes funcionais.

Pergunta: e aquele que exerce múnus público, é considerado funcionário para fins penais?

Não, porque esse não exerce função pública. Função importante não é sinônimo de função pública. Assim, os depositários, os curadores, os administradores de bens, por exemplo, não são considerados funcionários públicos.

Funcionários públicos por equiparação:

Art. 327, § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

O art. 327, § 1º traz o conceito de funcionário público por equiparação. Quem exerce cargo, emprego ou função:

a) Em entidade paraestatal;

b) Em empresa prestadora de serviço contratada;

c) Em empresa conveniada.

A letras (b) e (c) são contratadas para a execução de atividade típica da administração pública.

Entidade paraestatal: autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações públicas).

Pergunta: o gerente do Banco do Brasil, em razão do desempenho de suas funções, pode ser

vítima de desacato?

Aos adeptos a 1ª orientação doutrinária, sim.

Atenção: não se deve confundir atividade típica da Administração Pública com atividade típica para a Administração Pública. Ou seja, não é porque a Administração está contratando uma atividade que essa atividade contratada passa, automaticamente, a ter caráter de serviço público.

Para fins de equiparação a que executa execução de atividade típica da Administração Pública, duas observações merecem destaque, conforme orientação do STJ:

a) Para o terceirizado que exerce função de lançamento de informações no sistema de dados da Caixa Econômica Federal (REsp 1023103/CE);

b) Para o agente que era médico e administrador de hospital particular conveniado com o sistema único de saúde (REsp 331055/RS).

Essa segunda orientação foi ratificada pelo Supremo (HC nº 97710/SC) e está em plena conformidade com a doutrina: o § 1º do art. 327 não dá margem a dúvidas quanto à qualidade de funcionário público

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quando, por exemplo, determinado hospital, por meio de seus médicos ou administradores, atende pacientes pelo SUS, mediante convênio. Essa atividade, não se pode negar, é tratada como “atividade típica da Administração Pública”, consoante o disposto no art. 194 da CF, que pode ser gerida, complementarmente, pela iniciativa privada (art. 24, parágrafo único, da Lei n. 8.080/90). (Bitencourt)

Pergunta: qual a importância desta “equiparação”? Ela alcança o funcionário público vítima?

Doutrina Majoritária: o alcance da equiparação não atinge o funcionário público quando vítima do crime. Isso em razão de sua localização (a equiparação está no Capítulo dos crimes funcionais).

Fernando Capez1, por exemplo, anota que não comete o delito de desacato o indivíduo que ofende a honra de empregado de uma empresa privada, concessionária de serviço público ou de integrante de uma empresa pública. Para Noronha2, a equiparação constante no § 1º somente é aplicável às hipóteses que os indivíduos sejam sujeitos ativos dos crimes funcionais e não sujeitos passivos. Nesta hipótese, para os autores, o sujeito ativo é particular, pelo que, deverá responder por um dos crimes contra a

honra.

Jurisprudência: nos tribunais, a situação é dividida. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região decide que não há equiparação ao servidor vítima de crime funcional:

TRF-1 - APELAÇÃO CRIMINAL ACR 355211520124013300 (TRF-1). Data de publicação: 08/08/2014. Ementa: PENAL. APELAÇÃO. CRIME DE DESACATO. ART. 331 DO CP. FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO. ART. 327, § 1º DO CP. APLICAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO DO DELITO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Impossibilidade de se estender o conceito de funcionário público por equiparação aos sujeitos passivos do delito de desacato, nos termos do art. 327, § 1º do Código Penal. 2. Não merece reforma a sentença que determinou a extinção do processo em razão da ilegitimidade ativa do Ministério Público, ao fundamento de que o delito em questão é o de injúria - art. 140 do CP. 3. Apelação a que se nega provimento.

Nos Tribunais Superiores, porém, tanto STJ (HC 52989/AC, 2006) quanto STF (HC 79.823-RJ - 2000) admitem a equiparação para o sujeito passivo da infração (exemplo: desacato). Neste caso, o gerente do Banco do Brasil poderia responder por crime de peculato e também figurar como vítima (sujeito passivo) de crime de desacato (equiparações que seriam advindas do § 1º, do art. 327, do CP). Acompanha esse entendimento o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DESACATO PRATICADO CONTRA SERVIDOR PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO (ART. 331, CAPUT, C/C ART. 327, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA INSURGÊNCIA QUANTO AO FATO DA VÍTIMA NÃO SER FUNCIONÁRIA PÚBLICA. COBRANÇA DE ESTACIONAMENTO ROTATIVO NÃO É ATIVIDADE TÍPICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESCABIMENTO. OFENDIDA QUE É CONTRATADA DE EMPRESA CONCESSIONÁRIA PARA PRESTAR ATIVIDADE ESTATAL. SERVIDORA PÚBLICA POR EQUIPARAÇÃO. EXEGESE DO ART. 327 DO CÓDIGO PENAL. ALEGADO QUE A VÍTIMA DEMONSTROU INTERESSE EM ACEITAR A RETRATAÇÃO DA APELANTE DESCONSIDERADA PELO ÓRGÃO MINISTERIAL. IMPOSSIBILIDADE. CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA QUE NÃO PERMITE RETRATAÇÃO. OFENSA IRROGADA A VÍTIMA NA PRESTAÇÃO DO LABOR E COM O INTUITO DE MENOSPREZAR SERVIDOR PÚBLICO. CRIME DE DESACATO PERFEITAMENTE CARACTERIZADO. DESCONTROLE EMOCIONAL DA APELANTE QUE NÃO SERVE PARA JUSTIFICAR AS OFENSAS PERPETRADAS CONTRA A VÍTIMA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

1 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal; parte especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 386. 2 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 208.

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DOSIMETRIA DA PENA IRREPARÁVEL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 2015.025091-7, de Seara, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, Terceira Câmara Criminal, j. 23-06-2015).

Observem, porém, que prevalece na doutrina que essa equiparação do § 1º só alcançaria o sujeito ativo da infração penal, não o passivo. O principal argumento é a localização do dispositivo ao final do capítulo que trata dos crimes funcionais.

(Ano: 2016 Banca: FGV Órgão: MPE-RJ Prova: FGV - 2016 - MPE-RJ - Analista do Ministério Público – Administrativa). O conceito de funcionário público para fins penais não se confunde com o conceito para outros ramos do Direito. Em sendo crime próprio praticado por funcionário público contra a Administração, aplica-se o artigo 327 do Código Penal, que apresenta um conceito amplo de funcionário público para efeitos penais. Por outro lado, o artigo respeita o princípio da legalidade, disciplinando expressamente em que ocasiões determinado indivíduo será considerado funcionário público para fins de definição do sujeito ativo de crimes próprios. Sobre o tema ora tratado e de acordo com o dispositivo acima mencionado, é correto afirmar que:

a) Exige-se o requisito da permanência para que seja reconhecida a condição de funcionário público no campo penal;

b) Somente pode ser considerado funcionário público aquele que recebe qualquer tipo de remuneração no exercício de cargo, emprego ou função pública;

c) Aquele que exerce cargo em autarquias, entidades paraestatais ou fundações públicas, não é considerado funcionário público para efeitos penais;

d) O perito judicial não é considerado funcionário público para efeitos penais, já que apenas exerce a função transitoriamente;

e) É equiparado a funcionário público, para efeitos penais, aquele que trabalha para empresa contratada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Redação de parte do art. 327, § 1º, do CP).

Resposta “E”.

Pergunta: e quanto ao particular que atua em concurso com o funcionário público, pode ele responder pelo crime funcional?

A resposta a essa questão deve ser avaliada a partir da leitura do art. 30 do Código Penal:

Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Circunstâncias tem origem em circum stare, que significa “estar ao redor”. São dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas “circundam” o fato principal. As circunstâncias não integram a figura típica, podendo contribuir, contudo, para aumentar ou diminuir a sua gravidade (Bitencourt). A falta de uma circunstância não faz, portanto, com que desapareça o crime. Em regra, as circunstâncias influenciam no quantum da pena. Elas podem ser:

CIRCUNSTÂNCIAS OBJETIVAS CIRCUNSTÂNCIAS SUBJETIVAS

Referem-se ao fato objetivamente considerado, à qualidade e condições da vítima, ao tempo, lugar, modo

e meios de execução do crime

Dizem respeito referem ao agente, às suas qualidades, estado, parentesco, motivos do crime, etc.

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As circunstâncias objetivas e as elementares do tipo (sejam elas objetivas ou subjetivas) se comunicam, mas

desde que estejam na esfera de conhecimento dos participantes

Essas circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam entre coautores e partícipes, por

expressa determinação legal (CP, art. 30)

Elementares são dados essenciais à figura típica, sem os quais ou ocorre uma atipicidade absoluta, ou uma atipicidade relativa. Exemplo de elementar: o crime de furto é descrito como o fato de alguém “subtrair”, para si ou para outrem, “coisa alheia móvel”. Aí temos os seus elementos. Faltando, por ex., o elemento “alheia”, sendo própria a coisa móvel subtraída, o fato é atípico, não constituindo crime (salvo o disposto no art. 346 do CP). A ausência de uma elementar pode produzir dois efeitos.

1º EFEITO

ATIPICIDADE ABSOLUTA

2º EFEITO

ATIPICIDADE RELATIVA

Ocorre quando, excluída a elementar, o sujeito não responde por infração alguma.

Ocorre quando, excluída a elementar, não subsiste o crime do qual se cuida, havendo a desclassificação

para outro delito.

Exemplo: Processado o sujeito por prevaricação (CP, art. 319), prova-se na instrução criminal que ele não era funcionário público ao tempo da prática do crime. Não responde pelo crime de que trata o art. 319 e nem por

qualquer outra infração (atipicidade absoluta)

Exemplo: processado o sujeito por crime de peculato (CP, art. 312), prova-se na instrução criminal que não

era funcionário público ao tempo da prática da conduta. Desaparece o crime de peculato, mas

subsiste o crime de apropriação indébita (CP, art. 168) ou furto (CP, art. 155)

Conclusão: não se pode confundir elementar com circunstância. As elementares interferem na qualidade do crime, as circunstâncias interferem na quantidade da sanção.

Então, a resposta é a seguinte: a circunstância de funcionário público se comunica ao coautor ou partícipe, respondendo o particular pelo crime funcional contra a Administração – art. 30, CP. Circunstância de caráter pessoal quando elementar do crime é comunicável. Assim, o particular poderá responder por peculato, concussão, etc.

Vejam a questão:

(Ano: 2014 Banca: CESPE Órgão: MPE-AC Prova: CESPE - 2014 - MPE-AC - Promotor de Justiça). Miguel, Abel e Laerte, ocupantes de cargos de direção em determinada câmara municipal, previamente ajustados e em união de esforços com Pires, empresário, todos agindo consciente e voluntariamente, associaram-se permanentemente com vistas à apropriação de verbas públicas, simulando operações comerciais entre a referida casa legislativa e empresa de fachada. Para tanto, os referidos servidores públicos determinavam que seus subordinados emitissem ordens de pagamento em valores superiores aos efetivamente contratados. O grupo foi objeto de investigação, que resultou em denúncia pela prática dos crimes de peculato doloso e de quadrilha, recebida por juízo criminal. Antes da prolação da sentença, os acusados efetuaram a reparação do dano ao erário. Com relação a esse caso hipotético:

( ) O crime de peculato é delito próprio de agente na função de servidor público, de modo que Pires, por ser empresário, deve responder por delito diverso do praticado pelos servidores da câmara municipal.

FALSA

Vejam que a expressão “funcionário público” é elementar do crime de peculato. Se é elementar, de acordo com a parte final do art. 30 do Código Penal, será estendida ao coparticipante que dela tenha conhecimento. Por isso, Pires responderá, mesmo sendo pessoa estranha à Administração Pública, pelo mesmo crime cometido pelo funcionário público.

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CAUSA DE AUMENTO DE PENA:

CP, art. 327, § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei nº 6.799, de 1980)

A pena aumenta-se de 1/3 quando o agente for ocupante de:

a) Cargo em comissão;

b) Função de direção;

c) Assessoramento em:

1. Órgão da administração direta;

2. Sociedade de economia mista;

3. Empresa pública;

4. Fundação pública (espécie de autarquia).

ATENÇÃO: não abrange autarquias em geral.

IMPORTANTE: o STF decidiu que os chefes do executivo exercem função de direção de órgão da administração direta. Logo, em caso de prática de crime funcional, sempre responderão com majorante do art. 327, § 2º do Código Penal.

Peculato

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Peculato culposo

§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Trata-se de crime funcional impróprio.

Classificação dos Crimes funcionais:

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a) Crimes funcionais Próprios (ou propriamente dito): faltando a qualidade de servidor do agente, o fato passa a ser tratado como indiferente penal. Está-se diante de um caso de atipicidade absoluta. Particular praticando o mesmo comportamento não interessa para o direito penal.

b) Crimes Funcionais Impróprios: desaparecendo a qualidade de servidor do agente, desaparece o crime funcional. Há, então, uma desclassificação para um crime não funcional. Está-se diante de um caso de atipicidade relativa.

Ato de Improbidade: todo agente que pratica crime funcional incorre, também, em ato de improbidade administrativa. Isso porque a prática de crime funcional é ato lesivo à Administração Pública e ofende os seus princípios norteadores (legalidade, moralidade, eficiência, etc.). Agora, atenção: nem todo ato de improbidade configura crime.

CRIMES FUNCIONAIS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Os Crimes funcionais do Código Penal estão previstos nos artigos 312 a 326. São, em regra,

dolosos. A única exceção é o PECULATO CULPOSO.

Os Atos de Improbidade Administrativa estão previstos nos artigos 9, 10 e 11 da Lei de

Improbidade Administrativa. Deve-se lembra que os ATOS DE IMPROBIDADE podem ser dolosos e

culposos.

Objetividade jurídica: em todas as modalidades de peculato, figuram como objetos jurídicos a Administração Pública, a propriedade pública e particular e a probidade administrativa.

Espécies de peculato:

a) PECULATO DOLOSO. Divide em:

1. Peculato próprio (duas modalidades):

* Peculato-apropriação;

* Peculato-desvio.

Ambos são previstos no art. 312, caput, do Código Penal.

Tipo Objetivo: trata-se de tipo misto-alternativo, já que pode ser praticado mediante duas condutas alternativamente previstas no tipo: “apropriar-se” ou “desviar”.

“Apropriar-se” é tomar como seu, agindo como verdadeiro proprietário. Neste caso, a conduta pode ser comissiva ou omissiva. No primeiro caso (forma comissiva – ação), haveria apropriação propriamente dita. Aqui é possível a tentativa. Já, no segundo caso (forma omissiva – omissão em restituir), há negativa na restituição (não fazer). Neste caso, não se admite a tentativa.

Então, resumidamente, a tentativa do crime de peculato doloso é possível, salvo quando se tratar de “peculato-apropriação” por meio de “negativa de restituição”, já que, nesse caso, o crime tem natureza unissubsistente.

Bens públicos ou particulares: no peculato-apropriação a conduta é de apropriar-se de bens móveis que são públicos ou particulares custodiados pela Administração Pública.

Pergunta: então é possível peculato de bem particular?

Claro que sim, mas desde que este esteja custodiado pela Administração Pública.

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Já no peculato-desvio a conduta é desviar estes mesmos bens. Desviar, nada mais é do que alterar o destino do bem, neste caso, em proveito próprio ou alheio.

Pergunta: se a alteração do destino ocorre em favor da própria administração, há peculato?

Jamais. Para caracterização desse crime, é necessário que o desvio seja em proveito próprio ou alheio, e não em proveito da própria vítima.

Mas atenção: em qualquer caso do “peculato próprio”, é pressuposto destas duas modalidades de peculato a posse anterior e lícita do bem.

Pergunta: e se o funcionário não tiver a posse lícita do bem?

Neste caso, praticará o peculato-furto, previsto no § 1º (modalidade de peculato impróprio).

Pergunta: e se o agente visa, com o apoderamento do bem, ressarcir-se de eventual crédito

que tenha para com o Estado (compensação), pode-se dizer que há “exercício arbitrário das

próprias razões”?

Não. Neste caso, há peculato.

Pergunta: e se o servidor atuar mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa e por

conta disso, obtiver a posse do bem?

Neste caso, poderá haver roubo (157) ou extorsão (158).

Agora, imagine que o servidor recebe a posse do bem em razão do cargo e dele se utiliza,

sem qualquer autorização, mas o restitui. Imagine um delegado de polícia que se utiliza de

veículo apreendido em inquérito policial para fins particulares. Pergunta: o funcionário

comete o crime de peculato?

Não. Aqui há o chamado “peculato-uso”, que não se subsumi ao tipo, justamente por ausência de ânimo de apropriação, de assenhoramento. O fato, portanto, é atípico.

Improbidade Administrativa: conforme anotado anteriormente, ainda que seja o fato atípico, pode o agente ter cometido ato de improbidade administrativa (art. 9º, IV, da Lei 8.429/92).

Prefeito Municipal: em se tratando de Prefeito Municipal, tipifica-se o delito previsto no art. 1º, II, do Decreto-Lei 201/67.

2. Peculato impróprio (duas modalidades):

* Peculato-furto (CP, art. 312, parágrafo 1º)

* Peculato mediante erro de outrem (CP, art. 313).

O peculato impróprio é o peculato do funcionário público que, não tendo a posse do bem, aproveita-se facilidade que proporciona a condição de funcionário público (que facilita) para a prática do crime, para subtrair, ou, ainda, para concorrer para que terceiro subtraia.

XXXVII CONCURSO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

PROCESSO SELETIVO PREAMBULAR OBJETIVO - FASE MATUTINA - 21ª QUESTÃO

( ) O peculato impróprio ou peculato-furto ocorre quando o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se

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da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

VERDADEIRA.

Mas, atenção: neste último caso (concorre para que terceiro subtraia) deve o agente concorrer dolosamente. Isso porque a concorrência culposa vai levar para o peculato culposo).

Isso é importante porque o funcionário que retira do patrimônio público determinado bem para si, sem se aproveitar de qualquer modo de facilidades decorrentes do cargo, comete o crime de FURTO.

No Peculato Mediante Erro de Outrem, a conduta é apropriar-se do que recebeu por erro de outrem. Aqui, o terceiro erra espontaneamente, por conta própria. Lembrar que o “erro” dever ser ESPONTÂNEO. Se for o erro provocado pelo funcionário, poderá existir crime de estelionato.

Art. 313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

XXXVII CONCURSO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

PROCESSO SELETIVO PREAMBULAR OBJETIVO - FASE MATUTINA - 21ª QUESTÃO

( ) O peculato impróprio ou peculato-furto ocorre quando o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

VERDADEIRA

b) PECULATO CULPOSO (CP, art. 312, parágrafo 2º):

Ocorre quando o servidor, por imprudência, negligência ou imperícia, coopera culposamente ou contribui para o crime doloso (funcional ou não) de outrem (particular ou servidor) contra a administração.

Pergunta: qual a razão dessa construção típica?

Deve-se ter em mente que não se pune a participação culposa de crime doloso. Assim, criou-se um tipo específico para quem, por culpa, colabora para com o resultado do crime doloso, em prejuízo da administração.

Reparação dos danos: opera efeitos extremamente benéficos no peculato culposo:

§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Assim, pode regrar a extinção da punibilidade ou a redução da pena pela metade.

Pergunta: e a reparação dos danos na prática do peculato doloso, traz ela alguma vantagem

ao infrator?

XXXIX CONCURSO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PROVA PREAMBULAR

FASE MATUTINA: 78ª QUESTÃO

( ) O crime de peculato, disposto no Código Penal Brasileiro, possui apenas modalidades dolosas. Não há em

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nenhuma das modalidades previsão para extinção da punibilidade em caso de ocorrer a reparação do dano pelo funcionário público antes do recebimento da denúncia, entretanto, cabe-lhe, em tendo reparado o prejuízo de

forma voluntária, o direito ao instituto do arrependimento posterior.

FALSA

Princípio da Insignificância:

Pergunta: mas o que é insignificante no plano concreto?

No Brasil, em 2008, os Tribunais Superiores consolidaram critérios para o reconhecimento do princípio da insignificância. São 4 (quatro) os critérios:

1º Critério: mínima ofensividade da conduta do agente.

2º Critério: nenhuma periculosidade social da ação.

3º Critério: reduzido grau de reprovabilidade do comportamento.

4º Critério: inexpressividade da lesão provocada.

SUPEERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

No estudo do que é ou não insignificante, o STJ analisa a insignificância da lesão para a vítima.

No estudo do que é ou não insignificante, o STF analisa a insignificância conforme a realidade

econômica do país

O STJ não aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública. A alegação é que o bem jurídico não é o patrimônio público, mas

a moralidade administrativa (Súmula 599)

Admite a aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra a Administração pública, inclusive ao

descaminho.

Prevalece em ambos os Tribunais que não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a fé pública, por exemplo, falsificação de moedas

Dúvida: é possível o reconhecimento da atipicidade material da conduta do “peculato” pelo

Princípio da Insignificância? Aí vem o problema:

1ª Corrente: não se aplica ao crime de peculato, visto que dentre os bens tutelados se encontra a probidade administrativa, cuja ofensa independe do valor do objeto material. Conforme esta corrente, não é possível o reconhecimento de dito princípio para os crimes contra a Administração Pública. Essa corrente prevalece no STJ (REsp 1060082/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em

17/06/2010, DJe 28/06/2010).

O Superior Tribunal de Justiça, aliás, no dia 20 de novembro de 2017, aprovou a Súmula 599, a qual contempla o seguinte teor:

Súmula 599-STJ:

O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública.

Pergunta: e, para o STJ, há exceção?

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A jurisprudência é pacífica em admitir a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho (art. 334 do CP) que, topograficamente, está inserido no Título XI do Código Penal, que trata sobre os crimes contra a Administração Pública.

Conforme o Superior Tribunal de Justiça, “a insignificância nos crimes de descaminho tem colorido próprio, diante das disposições trazidas na Lei n. 10.522/2002”, o que não ocorre com outros delitos, como o peculato, etc. (AgRg no REsp 1346879/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/11/2013).

Relativização da Súmula pelo próprio Tribunal: vejam, ainda, que em setembro de 2018, o próprio STJ afastou a incidência da Súmula 599 em caso específico de dano ao patrimônio público (Ver RHC 85272).

2ª Corrente: para o Supremo Tribunal Federal, é possível desde que: a) o objeto material esteja em desuso, em situação precária, sendo de valor irrisório; e b) seja devolvido; c) que a conduta não provoque interrupção do serviço público. HC 107370/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 26.4.2011. Fonte: Informativo n. 624, STF. No mesmo sentido, também do STF: HC 87.478, HC 77.003-PE, HC 95.758, HC 98.159, HC 92.438 e HC 62.012-CE.

No ano de 2011, a 1ª Turma do Supremo concedeu habeas corpus para aplicar o princípio da insignificância em favor de militar denunciado pela suposta prática do crime de peculato-furto. Na espécie, foram apreendidos gêneros alimentícios na posse do paciente, avaliados em R$ 215,22, pertencentes à organização militar em que trabalhava como cozinheiro. Consignou-se que a jurisprudência do STF, mesmo no caso de delito militar, admite a aplicação do aludido postulado desde que, presentes os pressupostos gerais, não haja comprometimento da hierarquia e da disciplina exigidas dos integrantes das forças públicas. Ressaltou-se, por fim, que na situação dos autos, não houvera lesividade ao patrimônio, pois os bens permaneceram no local. No tocante à hierarquia e à disciplina, assinalou-se que estas não foram comprometidas, uma vez que ocorrera o desligamento do denunciado das Forças Armadas. HC 107638/PE, rel. Min. Carmen Lúcia, 13.9.2011. (HC-107.638). No mesmo sentido, HC 112388 / SP - SÃO PAULO. Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 21/08/2012. Órgão Julgador: Segunda Turma.

Dúvida: então, o Supremo Tribunal Federal não segue a orientação da Súmula 599 do STJ?

Isso mesmo. No STF, há julgados admitindo a aplicação do princípio mesmo em outras hipóteses além do descaminho, como foi o caso do HC 107370, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/04/2011 e do HC 112388, Rel. p/ Acórdão Min. Cezar Peluso, julgado em 21/08/2012. Segundo o entendimento que prevalece no STF, a prática de crime contra a Administração Pública, por si só, não inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, devendo haver uma análise do caso concreto para se examinar se incide ou não o referido postulado.

Tese Institucional do Ministério Público do Estado de São Paulo: só se aplica o princípio da insignificância aos fatos que correspondem a crimes contra o patrimônio.

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Formas anômalas de Peculato

1. Peculato por equiparação: CLT, art. 552.

A CLT equipara a peculato doloso quaisquer atos que acarretem malversação (desvio de dinheiro) ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais.

Art. 552 - Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 925, de 10.10.1969)

Pergunta: e neste caso, de quem é a competência para processo e julgamento?

A competência, em regra, é da Justiça Estadual, salvo se a prática atingir bem, serviço ou interesse da União (CRFB/88, art. 109, IV).

2. Peculato eletrônico: Código Penal, art. 313-A.

Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000):

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) – crime formal de consumação antecipada.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Observação: é uma espécie de falso ideológico, pois só pode praticar o crime o funcionário autorizado, ou seja, quem tem legitimidade para incluir ou excluir a informação.

Objetividade Jurídica: este crime visa a proteção da confiabilidade e integralidade dos sistemas informatizados sob a responsabilidade do Estado.

Tipo Objetivo: é tipo misto alternativo. Na primeira parte, há dois núcleos: “inserir” ou “facilitar” a inserção de dados falsos em sistemas informativos; na segunda, outros dois: “alterar” ou “excluir” (indevidamente) dados corretos (verdadeiros) no sistema de informação.

Objeto material: é o dado, falso ou verdadeiro, ou seja, o elemento de informação. Vejam que o “sistema de informação” é o gênero. As espécies são: a) sistemas informatizados; b) bancos de dados.

O que difere o primeiro do segundo é apenas o “local” em que o elemento de informação é armazenado. O “Eletrônico”, como um computador, uma rede de informática ou meio semelhante; o físico, como arquivos impressos, livros, fichas cadastrais, etc.

O tipo fala em “funcionário autorizado”. É, portanto, crime próprio (há autores que sustentam ser crime de “mão própria” – Delmanto, por exemplo).

Classificação quanto ao resultado (natural): é crime formal de consumação antecipada, sendo desnecessário que se logre a vantagem indevida objetivada ou então, que provoque efetivo dano. A tentativa é possível, pois se trata de conduta cindível.

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Atenção: a Lei 9.504/97, que trata das normas gerais das eleições, em seu art. 72, incrimina conduta semelhante a esta, mas desde que a fraude se refira ao resultado do pleito eleitoral. Em atenção ao princípio da especialidade, nestes casos, aplica-se a norma eleitoral:

Art. 72. Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos:

I - Obter acesso a sistema de tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagem de votos; (…)

3. Peculato Hacker: Código Penal, art. 313-B.

Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000):

Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000).

Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Tipo Objetivo: “modificar” ou “alterar” sistema de informação ou programa de informática. “Modificar” quer dizer mudar por completo o sistema de informações ou programa de informática; “alterar” significa efetuar mudanças parciais.

Relevância da conduta: é necessário que essa alteração seja potencialmente prejudicial à Administração ou a terceiros, sem o que não se poderá reconhecer mais do que uma infração administrativa, dada a atipicidade material da conduta (Estefam). Não é necessário, contudo, que cause efetivo dano, deve GERAR ESSA POSSIBILIDADE.

Pergunta: e se haver dano?

Neste caso, incide o aumento de pena previsto no parágrafo único.

Objeto material: são dois:

a) Sistemas de Informações, conforme se estudou no artigo anterior, trata-se o “sistema de informação” de gênero. As espécies são: a) sistemas informatizados; b) bancos de dados.

b) Programa de informática (ou software), conceito que deve ser emprestado do art. 1º da Lei 9.609/98:

Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

Agora, atenção: esse dispositivo não delimita expressamente que o comportamento do hacker deva recair sobre sistemas de informação ou programa de informática da Administração Pública, tal como faz o art. 313-A.

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Diante disso, pergunta-se: é possível a prática desta infração contra o particular?

Não. Apesar de não trazer expressamente, está ele inserido no Capítulo I, do Título XI da Parte Especial do CP, o qual trata dos crimes cometidos por funcionário público conta a Administração em Geral.

Tipo Subjetivo: é o dolo, que pode ser direto, ou eventual.

Classificação quanto ao resultado (natural): é crime de formal e se consuma antecipadamente (antes de qualquer dano efetivo), já que o tipo não exige qualquer resultado naturalístico.

Tentativa: prevalece na doutrina que é possível, embora de difícil caracterização prática.

Concussão

Art. 316, caput. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Trata-se de crime funcional impróprio.

Neste tipo penal, pune-se o funcionário público que exige vantagem indevida, em razão do cargo (ainda que fora de sua função ou antes de assumi-la, mas em razão dela), para si ou para outrem.

É uma espécie de extorsão, mas praticada por funcionário público com abuso de autoridade contra o particular.

Rogério Greco diz que a Concussão é “delito irmão” do crime de Corrupção Passiva.

Pergunta: então, qual a diferença entre a corrupção passiva e a concussão?

A diferença entre ambos está nos NÚCLEOS: na concussão temos o exigir, enquanto na corrupção passiva o funcionário solicita, pede (não coage, não intimida), ou seja, o agente negocia (a corrupção passiva envolve negociação). O verbo, portanto, é que define se é concussão ou corrupção passiva.

Atenção quanto a entrega da coisa em razão da prática de concussão: quando a outra parte entrega a vantagem exigida, ela é vítima. Neste ponto, é atípica a conduta daquele que entrega a coisa ao autor da concussão. Ou seja, na concussão, o verbo é EXIGIR, o que pressupõe iniciativa do servidor público.

O verbo exigir denota imposição, intimidação. Há, neste caso, um constrangimento, uma ameaça (é o que distingue da corrupção passiva).

Mal grave e injusto: não é preciso que o autor do fato prenuncie mal grave e injusto, sendo suficiente o temor que o cargo inspira.

Elemento subjetivo do tipo: a conduta exigir deve “ser para si ou para outrem”, que é o elemento subjetivo específico do crime.

Pergunta: a exigência, necessariamente, precisa ser feita pelo funcionário?

Não. A exigência pode ser feita pelo próprio agente diretamente, ou por interposta pessoa, de forma indireta. Pode, ainda, ser verbal ou escrita, explícita ou implícita.

Nexo causal entre a exigência e a função exercida: é imprescindível. Sempre deve haver nexo causal entre a exigência e a função exercida. Este nexo causal é fundamental para que se diferencie a

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concussão da extorsão. O aluno deve lembrar que a concussão pode ser praticada por qualquer pessoa, inclusive pelo funcionário público ou por pessoa a seu mando (autoria mediata). Quando a exigência não tem nexo de causalidade com a função exercida pelo funcionário público, não se trata de concussão, mas pode caracterizar crime de extorsão.

Não é necessário estar no exercício da função: o tipo prescreve “ainda que fora da função, ou antes de assumi-la”.

Objeto Material: vantagem indevida.

Pergunta: e se a vantagem for devida?

Natureza da vantagem:

1ª corrente: parte da doutrina e jurisprudência exige que a natureza tenha origem patrimonial. Isso em virtude do paralelo entre os crimes de concussão e extorsão.

2ª Corrente (prevalece): a concussão não é delito contra o patrimônio, logo, não se exige vantagem patrimonial (Bitencourt, Nucci, Rogério Greco, Estefam). Exemplo: concessão de título honorífico, a conferência a título de graduação, enfim, a vantagem indevida pode não ter necessariamente valor econômico.

Pergunta: a pessoa que aceita a exigência e entrega a vantagem indevida pratica algum

crime? Pratica corrupção ativa?

Não. Quando há a exigência, quem a aceita e entrega a vantagem é vítima, porque a corrupção ativa (art. 333, CP) tem as condutas de oferecer e prometer, ou seja, pressupõe a iniciativa de corromper. Além disso, se o particular entregou a vantagem, o fez em razão de prévia ameaça praticada pelo servidor público.

Mas, atenção: a conduta de entrega pode configurar crime se restar configurado um prévio ajuste de vontades entre o servidor e o particular (liame subjetivo entre ambos).

Vantagem em proveito próprio ou de terceiro: é elementar do tipo. Se for em favor da Administração, não há concussão. Neste caso, pode haver excesso de exação (CP, art. 316, § 1º).

Consumação e tentativa: a concussão se consuma no momento da exigência. Considera-se consumado o crime no momento em que a vítima toma dela conhecimento. Neste caso, será possível a tentativa?

Há três situações:

1ª Situação: concussão praticada na forma verbal e direta (face a face): não é possível, pois se trata de crime unissubsistente.

2ª Situação: concussão praticada por intermédio de outra pessoa. Neste caso, o iter criminis pode ser interrompido antes que a exigência chegue ao conhecimento do ofendido e, por isso, é possível a tentativa.

3ª Situação: concussão realizada por escrito em hipótese que o documento é extraviado ou interceptado antes de chegar às mãos do particular, destinatário da exigência. Também é possível.

QUESTÃO RELACIONADA

Ano: 2007 Banca: FCC Órgão: TRE-PB Prova: FCC - 2007 - TRE-PB - Analista Judiciário - Área Judiciária. Mário, policial militar, em uma "diligência" de rotina encontra João, foragido da Justiça. Quando descobre tratar de criminoso foragido, Mário exige de João a quantia de R$ 10.000,00 para não o conduzir à prisão. Pedro, policial militar parceiro de Mário, vê a cena e prende Mário e João, antes que João entregasse o dinheiro exigido para Mário. Neste caso, Mário cometeu crime de tentativa de concussão:

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( )

FALSA. O crime é de concussão consumado.

Concussão por médico: o médico “X”, atendendo pelo SUS (equiparado a funcionário público para fins penais) que exige vantagem indevida condicionando-a ao atendimento do paciente. Que crime pratica?

A questão da Prisão em Flagrante: o aluno deve atentar é a classificação desse crime quanto ao resultado naturalístico. Trata-se de crime formal, ou seja, que prescinde de resultado naturalístico para consumação. Crime formal é aquele crime de consumação antecipada, ou seja, é aquele em que existe um resultado previsto expressamente no tipo, mas esse resultado não precisa ocorrer para que se verifique a consumação do delito.

Então, ATENÇÃO: a prisão em flagrante em crimes formais é plenamente possível, mas desde que ocorra enquanto o agente estiver em situação de flagrância, e não no momento do exaurimento do delito.

Prisão em Flagrante (CPP, art. 302):

I – está cometendo a infração penal (1ª modalidade de flagrante próprio ou real): O agente está no local praticando o núcleo do tipo.

II – que acaba de cometer a infração penal (2ª modalidade de flagrante próprio): O agente continua no local do crime, apesar de já haver cessado a execução.

III – Perseguido “logo após” (flagrante impróprio): O agente não está mais no local, porém é perseguido após rápidas diligências.

IV – Encontrado “logo depois” (flagrante presumido): O agente também abandonou o local, mas é encontrado em situação que faz presumir ser o autor da infração.

Se o flagrante não ocorreu NA exigência, a prisão somente poderá ocorrer em virtude de mandado.

Isso é muito explorado em concursos. Não se precisa do recebimento da vantagem para consumação do crime, precisa-se apenas da exigência. O recebimento da vantagem é mero exaurimento típico. Então, resumidamente, a prisão em flagrante no momento do recebimento (se este ocorrer num contexto temporal diverso da exigência) não é válida, devendo ser objeto de RELAXAMENTO (prisão ilegal). Apesar disso, a apreensão daquilo que se entregou ao agente é válido para comprovar a prática da infração. Não confundam os institutos!

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Corrupção Passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Verbos do tipo:

a) Solicitar;

b) Receber;

c) Aceitar promessa.

(...) para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.

ATENÇÃO: nas práticas de “receber” e “aceitar promessa”, pressupõe-se a prática de corrupção ativa por parte do particular (que oferece ou promete).

Classificação:

a) Corrupção Passiva Própria: é aquela que tem como objetivo um ato ilícito pelo funcionário público.

b) Corrupção Passiva Imprópria: é aquela que tem como objeto um ato lícito da parte do funcionário público.

Pergunta: E por que isso é crime?

Porque o funcionário público já é remunerado pelo seu trabalho, de forma que não pode haver de forma nenhuma ingerência, interferência do particular.

Pergunta: é possível a aplicação do princípio da insignificância para o crime de corrupção

passiva?

Para o crime de Corrupção Passiva, melhor dizer que não é cabível a aplicação do princípio da insignificância. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é neste sentido.

Consumação e tentativa:

Solicitar: esta modalidade estará consumada no momento da solicitação, ou seja, quando a vítima tomar conhecimento dela. Trata-se de crime formal de consumação antecipada.

Receber: esta modalidade se consuma no momento em que o agente entra na posse da coisa, no momento em que recebe em que se apodera da coisa. Aqui o crime é material.

Aceitar promessa: estará consumado o crime no momento em que o funcionário concorda com a promessa. A aceitação pode ser feita desde por escrito ou mesmo, por um simples sinal afirmativo com a cabeça de que aceitou a promessa.

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A tentativa é possível nas três formas. É de difícil caracterização, no entanto, nas primeira e terceira hipóteses.

Atenção para o Flagrante Delito: na corrupção passiva existe flagrante no recebimento, porque este não é mero exaurimento e sim conduta típica.

Pergunta: o jurado pode incorrer na prática esse crime?

Vejam que o art. 445 do Código de Processo Penal, diz que o jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável criminalmente nos mesmos termos em que são os juízes togados, a exemplo do que ocorre com o crime de corrupção passiva.

Pergunta: e quanto à questão da gravação da conversa feita por um dos interlocutores, envolvido no crime de corrupção passiva. Imagine que o particular grava clandestinamente conversa que mantém com o servidor quando este lhe solicita vantagem indevida. Essa prova é válida em Processo Penal?

Corrupção exaurida: é o que a doutrina reconhece como a majorante do §1º. Há autores, porém, que não concordam com essa nomenclatura (Rogério Greco, por exemplo), especialmente porque o exaurimento relativo ao crime de corrupção não ocorre quando o funcionário faz ou deixa de fazer alguma coisa a que estava legalmente obrigado, mas, sim, quando recebe a vantagem indevida.

Incidência da majorante do § 1º: essa causa especial de aumento de pena só pode ser aplicada ao caput do art. 317 do Código Penal, haja vista que, além de sua situação topográfica, para que reste configurada a infração penal prevista pelo § 2º do mencionado artigo, o agente não poderá atuar com a finalidade de obter vantagem indevida, para si ou para outrem.

Facilitação de contrabando ou descaminho

Art. 318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334):

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Bem jurídico tutelado: a Administração Pública e a Moralidade Administrativa. Especialmente, no que tange aos específicos deveres funcionais ligados à coibição de contrabando ou descaminho.

Tipo Objetivo: é “facilitar”, no sentido de “desimpedir”, “auxiliar”. O agente que pratica esse crime visa tornar fácil, afastar as dificuldades do contrabando e/ou do descaminho. Essa conduta pode ser comissiva ou omissiva. Mas atenção: essa facilitação precisa ser com infração de dever funcional do agente, pois, se não houver a transgressão funcional, poderá haver participação no crime do art. 334 do Código Penal, jamais neste caso estará presente a figura do art. 318.

CONTRABANDO DESCAMINHO

Importa ou exporta mercadoria absoluta ou relativamente proibida

Toda fraude empregada para iludir no todo ou em parte pagamento de impostos de importação ou exportação

Então, para não confundir: o crime do particular é o de praticar o contrabando ou descaminho; o crime do funcionário público é o de facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho.

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Sujeito ativo: trata-se de crime próprio do funcionário público e com o dever funcional de repressão ao contrabando ou descaminho. Então, além de ser servidor público, deve estar entre as atribuições do agente o dever de prevenir contrabandos e descaminhos. Funcionário público que tenha por missão a prevenção ou repressão do contrabando ou descaminho. É possível a participação de funcionários que não tenham essa missão ou mesmo de particulares.

Pergunta: e o servidor que não apresenta tal qualidade (não comporta a missão de repressão

do contrabando ou descaminho), que crime pratica?

Não. Neste caso, deverá ser considerado concorrente do contrabando ou descaminho, ou seja, a ele se imputará coautoria ou participação da prática do art. 344 ou 344-A do Código Penal.

Sujeito passivo: o Estado, por meio da União.

Elemento Subjetivo: o dolo, somente. É o dolo genérico (não há fim especial).

Pergunta: a consumação dessa infração está condicionada ao sucesso do contrabando ou descaminho? Não está. A consumação se dá com a efetiva facilitação, ainda que não se consume o contrabando ou descaminho.

Tentativa: é possível, desde que a facilitação seja realizada por ação; se for por omissão não há possibilidade, pois, a omissão própria não admite o fracionamento da conduta.

Vejam agora essa questão: João, funcionário da alfândega, sabedor que seu amigo Pedro irá

chegar de viagem repleto de componentes eletrônicos na bagagem que deveriam extrapolar

o valor da isenção, propõe ficar de plantão nesse dia, para viabilizar a passagem de Pedro

sem que seja importunado. Pedro chega de viagem, com as mercadorias, mas depois de

passar por João pela alfândega, é pego por outro funcionário, sendo instaurado o

competente inquérito. O Ministério Público deixa de denunciar Pedro por entender que o

valor não chegava a lesionar o interesse do Estado (princípio da insignificância). Qual seria a

situação em relação a João?

Resposta: a conduta é atípica, ou seja, a inexistência do injusto de contrabando ou de injusto de descaminho, que são os elementos objetivos do tipo de facilitação de contrabando ou descaminho, descaracteriza o crime de facilitação. Aplica-se, neste caso, o PRINCÍPIO DA ACESSORIEDADE LIMITADA.

Competência: é da Justiça Federal. Competência em razão da matéria. É absoluta.

Pergunta: e se o agente for servidor público estadual ou municipal, qual a competência?

Ainda que o agente seja estadual, municipal ou distrital, a competência será da Justiça Federal, isso por conta do interesse direto da União.

Pergunta: será que a extinção da punibilidade do crime de descaminho pelo pagamento dos

tributos alcança o crime do art. 318 do Código Penal que lhe é conexo?

Não se estende a esse crime, ou seja, mesmo que a punibilidade daquele crime seja extinta, o agente que praticou a facilitação responderá pela infração, pois isso afeta a punibilidade, não o injusto penal.

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Prevaricação E prevaricação imprópria

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007).

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Antes de passar a análise dos crimes de “prevaricação”, vamos ver as principais diferenças entre corrupção passiva (CP, art. 317), tráfico de influência (CP, art. 332) e exploração de prestígio (CP, art. 357, CP):

CORRUPÇÃO PASSIVA

(CP, art. 317, caput)

CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA

(CP, art. 31, § 2º)

TRÁFICO DE INFLUÊNCIA

(CP, art. 332)

EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO

(CP, art. 357)

Os verbos são:

Solicitar, receber e aceitar promessa de vantagem

indevida em razão da função.

Os verbos são:

Pratica, deixa de praticar ou retarda ato

de ofício,

Os verbos são:

Solicitar, exigir, cobrar, obter, a vantagem ou

promessa de vantagem, sob pretexto de influir em ato

de funcionário público.

Os verbos são:

Solicitar ou receber, dinheiro ou outra

vantagem, a pretexto de influir em ato de juiz,

jurado, MP, funcionários da Justiça

É crime de funcionário público contra a

administração, ou seja, dos 3 aqui estudados, é o único que

é cometido em razão da função. Por isso, é o crime

mais grave (com pena maior).

É crime de servidor público contra a

administração. Mas, neste caso, o

funcionário cede a pedido ou influência de

outrem

É crime de particular contra a administração pública.

É crime contra a administração da Justiça.

Tanto o tráfico de influência como a exploração de prestígio são os chamados crimes de venda de fumaça – porque ele age a pretexto de influir. Trata-se de uma fraude.

Diferença relacionadas ao crime de prevaricação (art. 319, CP) e corrupção passiva privilegiada (CP, art. 317, § 2º): a prevaricação descreve a conduta de retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. O que distingue os tipos é o elemento subjetivo do tipo – a intenção especial do agente (que na prevaricação age para satisfazer interesse ou sentimento pessoal).

Consumação do crime de prevaricação: a consumação se dá no momento em que o funcionário praticar, deixar de praticar ou retardar ou ato de ofício.

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Concurso de Pessoas: a prevaricação é crime de mão própria, só admitindo participação do particular (não coautoria).

Conflito aparente de normas: a prevaricação é crime subsidiário em relação à concussão e à corrupção passiva.

Condescendência criminosa x prevaricação: a condescendência se parece com a prevaricação, mas tem uma importante diferença. Na condescendência criminosa do art. 320 do Código Penal, a relação é entre chefe e subordinado. Neste caso, o chefe deixa de tomar medida em relação ao seu subordinado por condescendência.

PREVARICAÇÃO IMPRÓPRIA: art. 319-A, do Código Penal:

Deixar o Diretor de penitenciária ou agente público de cumprir o seu dever de vedar aos presos acesso a aparelhos telefônicos, de rádio ou similar que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. A conduta aqui é omissiva própria.

Vejam que não configura este crime ingressar com o celular no presídio. Essa conduta (entrar com aparelho de comunicação móvel no presídio) caracteriza a prática do crime do art. 349-A, do Código Penal:

Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009).

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009).

XXXVIII CONCURSO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

PROCESSO SELETIVO PREAMBULAR OBJETIVO - FASE MATUTINA 68ª QUESTÃO

( ) Na hipótese do acusado, processado pelo delito de prevaricação, restar provado durante a instrução criminal que ele não era funcionário público ao tempo do cometimento do fato, a ausência de uma elementar leva a atipicidade na modalidade relativa.

FALSA, pois seria “absoluta” a atipicidade.

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TÍTULO XI

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CAPÍTULO II

DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

Usurpação de função pública

Art. 328 - Usurpar o exercício de função pública:

Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.

Parágrafo único - Se do fato o agente aufere vantagem:

Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Atenção ao conflito aparente de normas penais (5 SITUAÇÕES BASTANTE COBRADAS EM PROVAS):

a) fingir-se funcionário público: art. 45 da Lei de Contravenções Penais (Lei 3.688/41).

b) exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício - art. 47 da Lei de Contravenções Penais (Lei 3.688/41).

c) agente titular de cargo público temporariamente suspenso por determinação judicial: art. 359 do Código Penal.

d) Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica: CP, art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.

e) Conflito com Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65): a usurpação de função pública não se confunde com o abuso de autoridade: com efeito, uma coisa é exceder-se no exercício da função pública (abuso), e outra, completamente distinta, é investir-se na que não possui.

Bem jurídico tutelado: o bom funcionamento da Administração Pública, já que pessoas sem atribuição legal para exercer determinada atividade atuam de forma ilícita.

Sujeito ativo: qualquer pessoa, geralmente o particular.

Pergunta: o servidor público, em serviço, pode praticar esse crime?

Sim, quando se investe em função que absolutamente não possui.

Sujeito passivo: o Estado.

Tipo Subjetivo: é o dolo. A ausência do ânimo (dolo) de usurpar impossibilita o juízo de tipicidade. Exemplo: Escrivão de Polícia que procede o interrogatório do autuado para acelerar os trabalhos na delegacia.

Consumação: é crime formal. O momento consumativo corresponde, então, a prática do primeiro ato de ofício relativo à atribuição usurpada.

Pergunta: será que a mera ostentação da função satisfaz o tipo?

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Não, é necessária a prática de algum ato neste sentido. Mas a ostentação pode caracterizar a contravenção penal do art. 45 da LCP.

Tentativa: é possível, pois o iter criminis pode ser fracionado em vários atos.

Parágrafo único: incorre na qualificadora. Se o agente aufere vantagem com o fato, a pena é maior. Essa vantagem pode ser patrimonial ou não. Aqui o agente pratica o ato de oficio, usurpando a função pública, movido por essa finalidade que é determinada vantagem, em regra, econômica. Além disso, como a lei prevê apenas o aferimento de vantagem, não é necessária sua fruição, podendo, pois, a vantagem auferida destinar-se a outrem (Bitencourt).

Crime formal: trata-se de crime formal que não exige o resultado material para se consumar; excepcionalmente, porém, a obtenção de vantagem não representa o simples exaurimento do crime, mas, ao contrário, ante previsão expressa, qualifica a figura delituosa, sendo digna de maior reprovação social (Bitencourt).

Competência: depende da função usurpada. Se for função de natureza federal, o processo e julgamento competem à Justiça Federal; do contrário, a competência será da Justiça Estadual.

Resistência

Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio: Pena - detenção, de dois meses a dois anos. § 1º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa: Pena - reclusão, de um a três anos. § 2º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

Bem jurídico: preservação da autoridade e prestígio da Administração Pública.

Sujeito ativo: pode praticar o crime de resistência qualquer pessoa que resistir ao ato, não necessariamente a pessoa destinatária do ato.

Sujeito passivo: são dois:

a) Primário: o Estado, ferido no desenvolvimento regular de suas atividades.

b) Secundário: funcionário público incumbido de cumprir o ato, bem como o particular que o auxilia.

Tipo objetivo:

a) OPOR-SE, NO SENTIDO DE RESISTIR. Assim, o agente resiste à execução do ato legal, ou seja, ato que está sendo executado naquele momento. A violência ou ameaça tem que ser empregada no momento da execução do ato. Pergunta: será que a violência empregada por particular contra particular para evitar a prisão em flagrante (flagrante facultativo) caracteriza o crime de resistência?

Jamais. Se uma pessoa do povo efetua prisão em flagrante, fazendo uso de seu direito previsto no art. 301 do CPP, e o preso opõe resistência ao ato, não comete resistência, mas crime contra a pessoa (lesão, ameaça, etc.).

Essa oposição deve ser empregada com “violência à pessoa” e / ou ameaça. Atenção: não se exige “GRAVE” ameaça. Assim, para caracterizar o crime, é suficiente que ocorra lesão corporal leve ou simples vias de fato.

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Pergunta: a ofensa (não é violência) dirigida ao servidor ou ao particular caracteriza o crime?

Não. A ofensa verbal pode caracterizar desacato ou injúria, conforme proferido contra o servidor ou contra o particular.

b) ATO LEGAL: essa legalidade é indispensável, não só formal (meio e forma de execução do ato) mas, também, material.

Outra coisa: não confundir ILEGALIDADE com INJUSTIÇA do ato. Se for justo ou não, isso não é, por vezes, critério para ser avaliado pelo servidor que cumpre a ordem. O ato ilegal gera atipicidade da conduta; o ato injusto, por ser discutido, configurará resistência.

Pergunta: e se o ato for ilegal?

A ilegalidade do ato do servidor público torna LEGÍTIMA a resistência e afasta a tipicidade do comportamento. Veja-se, porém, que essa resistência deve ser proporcional, na forma do art. 25 do Código Penal (legítima defesa), pois aí, o ato do servidor passa a ser, nada mais, nada menos do que uma injusta agressão.

c) FUNCIONÁRIO COMPETENTE: o executor do ato deve ter efetiva competência funcional. Essa qualidade estende-se ao particular que assiste o funcionário, em sua presença (EXIGE-SE A PRESENÇA DO ASSISTIDO).

Pergunta: esse auxílio deve ser obrigatoriamente, solicitado pelo servidor?

Não, a elementar é o auxílio, não o auxílio solicitado. Já disse que é imprescindível que se solicitado ou não tem que estar auxiliando.

Tem-se então como elementares do crime:

1. Oposição mediante violência ou ameaça;

2. À execução de ato legal;

3. Contra funcionário público ou particular que lhe preste auxílio.

Pergunta: caracteriza o crime a resistência passiva?

Jamais. Vejam que essa “resistência” deve ser, SEMPRE, ATIVA. E não se pune a resistência passiva justamente porque não exercida mediante violência ou ameaça a pessoa. Exemplos: não há crime de resistência se o sujeito: a) sai correndo a fim de evitar sua prisão; b) demora para franquear a entrada de oficial de justiça que cumpre mandado de busca e penhora; c) deixar de abrir a porta ao servidor; d) agarrar-se a uma árvore para evitar ser conduzido à Delegacia; e) atirar-se no chão com o mesmo objetivo. Em alguns desses casos, pode caracterizar o crime de desobediência, mas jamais resistência.

Pergunta: a mera fuga a perseguição policial configura resistência?

Também não, pois a oposição só pode ser positiva, mediante violência ou ameaça.

Violência contra a coisa: o Direito Penal Brasileiro só pune a violência à pessoa.

Pluralidade de servidores: o emprego de ameaça ou violência contra a pluralidade de servidores não desnatura o crime único. O juiz deve considerar essa pluralidade na dosimetria da pena.

Elemento Subjetivo: é crime punido somente a título de DOLO.

Pergunta: e se o destinatário da medida comportar séria dúvida acerca da legalidade do ato?

Neste caso, depende do que motivou sua dúvida. Duas situações:

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1ª Situação: se estiver em dúvida se o ato é legal ou ilegal, não pode o agente resistir. Se resistir, isso pode configurar crime de resistência a título de dolo eventual.

2ª Situação: se o sujeito não sabia (ou não poderia saber) que a ordem derivava de servidor público (o erro, então, está na qualidade de ser o agente funcionário público), tem-se afastado o dolo por ERRO DE TIPO. O fato, neste caso, é atípico.

O disparo de arma de fogo no curso de perseguição policial à paisana não configura o crime de resistência, quando o sujeito do delito não tem consciência de que está resistindo a ato legal do funcionário. (TJSP, Ap. Criminal, 4ª Câmara de Direito Criminal. Pub. em 23/04/2008)

Pergunta: e, se o agente estiver o agente totalmente embriagado ao momento da

resistência, há crime?

Neste caso, predomina a orientação de que a embriaguez completa (aquela que gera um estado de inconsciência) exclui o dolo e, por consequência, o crime de resistência. Vejam, porém, que essa orientação desconsidera a regra contida no art. 28 do Código Penal (que trata da exclusão da culpabilidade, tão somente, em casos de embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior).

Rogério Greco, por exemplo, diz que se deve analisar o caso concreto com cautela, de modo que se o agente estiver embriagado a ponto de não saber o que faz, não se terá condições de identificar o dolo, principalmente com relação a eventual ameaça proferida.

Mas, atenção: se a embriaguez não for completa, haverá crime.

Classificação quanto ao resultado natural: o crime é formal. Se há o sucesso na resistência, o sucesso gera a qualificadora do §1º.

Tentativa: admite-se, pois, o crime é plurissubsistente.

Revista pessoal: verificar critérios de legitimidade.

A prova do crime: prevalece (STJ) que não se pode sustentar um decreto condenatório pela prática do crime de resistência se a única testemunha da infração é exatamente o policial que figurara vítimas (sujeito passivo secundário) do crime. (VER AÇÃO PENAL 359 – 2002/0083637-7, de 26/03/2009 – Delegado de Polícia. Conforme o STJ, neste caso, o Delegado não é testemunha).

Situações que envolvem o parágrafo 2º:

a) A mera contravenção de vias de fato e a de ameaça ficam absorvidas;

b) Entre a pena da resistência e a da lesão corporal há a previsão concurso de crimes (“sem prejuízo da violência”). Assim, quando da violência praticada no ato de resistir resultarem lesões corporais ou morte, haverá a aplicação cumulativa das penas correspondentes à resistência e as decorrentes de dita violência (lesões corporais ou homicídio). Somente nessas hipóteses haverá aplicação cumulativa de penas (Bitencourt).

Pergunta: e quanto ao desacato cumulado com a resistência?

Há três correntes:

1ª Corrente (Jurisprudência): se o agente desacata e ameaça o servidor público no exercício das funções, só responde pelo delito mais grave, neste caso, pelo desacato.

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2ª Corrente (Nucci e TJ/SC): a resistência, mesmo possuindo uma pena inferior, absorve o delito de desacato. Neste caso, a competência seria do JECrim. Do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, tem-se essa orientação (Apelação Criminal n. 2014.023965-9, de São Miguel do Oeste, Rela. Desa. Marli Mosimann Vargas, j. em 03/02/2015).

3ª Corrente (Rogério Greco e Lélio Braga Calhau): o desacato não é meio para que o agente resista à execução do ato legal, tal como ocorre quando pratica violência ou ameaça ao funcionário ou aquele que auxilia. Por isso, há concurso material de infrações, vez que há mais de uma conduta produzindo mais de um resultado.

DESOBEDIÊNCIA

Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Bem jurídico: o prestígio da ordem administrativa.

Sujeito Ativo: qualquer pessoa.

Pergunta: o funcionário público pode figurar no polo ativo desse crime?

Dependendo da natureza da ordem, é possível, mas só em duas situações bem específicas:

a) O funcionário Público destinatário da ordem não se encontra no exercício de suas funções: a ordem não tem nexo funcional.

b) Quando a questão envolver desatendimento de ordens judiciais proferidas em decisão de ação de mandado de segurança (Art. 26 da Lei do MS diz isso – 12.016/2009, SALVO SE SE ESTIPULAR PENA DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM – STJ 96655, 2008).

Pergunta: e a questão do oficial de justiça que deixa de cumprir ordem judicial, pratica ele

esse crime?

Vejam a questão:

(MP-MG, promotor, 2005). Um oficial de justiça não promove o despejo de pessoa pobre, no prazo estabelecido pelo juiz no mandado, por ficar com pena de seus filhos menores que ficariam na rua. Depois de alguns dias, após constatar que a pessoa providenciou abrigo para seus filhos, o oficial cumpre o mandado. Considerando o não cumprimento do mandado no prazo estabelecido, o promotor acusa o oficial por crime de desobediência. No caso, a acusação deve ser acolhida, pois houve a intenção de contrariar o mandado do juiz.

( )

FALSA, pois somente o particular pratica esse crime ou então, o funcionário que aja como particular. Pode praticar, em tese, prevaricação, dependendo do motivo.

Igualmente, não há crime de desobediência se o PERITO deixa de atender a requisição feita pela Autoridade Policial, pois o Perito é equiparado a funcionário público e esse “não cumprimento do dever” refere-se ao cargo que ele ocupa.

Sujeito passivo:

a) Principal: o Estado;

b) Secundário: o funcionário público desprestigiado na sua ordem.

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Tipo Objetivo: é “desobedecer” (núcleo do tipo), que possui o sentido de não cumprir, não atender.

Elementares:

a) O funcionário público deve emitir uma ordem diretamente ao destinatário. Não há desobediência, por exemplo, se a polícia fez mera solicitação ou pedido. Trata-se de fato atípico. Tem que ser ORDEM. (RT/492.398). O policial tem que valer-se do poder de polícia.

b) A ordem deve ser individualizada, substancial e formalmente legal.

c) O destinatário deve ser obrigado a atendê-la. Neste caso, ele pode recusar expressamente, inclusive:

STJ, Súmula nº. 319/2005: Encargo de Depositário – Recusa:

O encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado.

Pergunta: pode este crime ser praticado por omissão?

Sim. O crime pode ser comissivo (se a ordem configura um não fazer e o sujeito faz) ou omissivo (se a ordem configura um fazer e o sujeito não faz).

Atenção: para existir crime de desobediência, é imprescindível que não exista sanção especial como consequência do seu descumprimento. Assim, se a desobediência gerar infração administrativa, não há de se falar em crime de desobediência, salvo se expressamente assim a lei prever. Conforme o Supremo:

A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não há crime de desobediência quando a inexecução da ordem emanada de servidor público estiver sujeita à punição administrativa, sem ressalva de sanção penal. Hipótese em que o paciente, abordado por agente de trânsito, se recusou a exibir documentos pessoais e do veículo, conduta prevista no Código de Trânsito Brasileiro como infração gravíssima, punível com multa e apreensão do veículo (CTB, artigo 238). (HC 88.452, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-5-2006, Segunda Turma, DJ de 19-5-2006.)

Isso é muitíssimo importante para fins de responsabilidade penal. Vejam, por exemplo, o teor do art. 195 do CTB: “Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes: infração grave. Penalidade: multa”.

A pena é tão somente a de multa, pois não há qualquer referência a eventual responsabilização pelo crime de desobediência na penalidade do art. 195 do CTB. A sanção é a pena de MULTA.

Diferente é a redação do art. 219 do Código de Processo Penal:

CPP, Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.

O art. 219 do Código de Processo Penal traz que se a testemunha recebe ordem para comparecer em juízo, e não comparece, além da multa, pode responder por desobediência.

Resumidamente, só configura o crime de desobediência se a sanção (administrativa ou civil) faz referência expressa ao art. 330 do Código Penal (ressalvando-o).

Pergunta: a fuga à voz de prisão configura o crime? Duas posições na jurisprudência:

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1ª Posição: não, pois é instinto de liberdade e não vontade de desobedecer (não haveria dolo, portanto).

2ª Posição: se o agente é cientificado da ordem dada pela autoridade, deixa de atendê-la e procura se retirar do local, há crime de desobediência (STJ/STF).

Pergunta: e se a “desobediência” ocorreu em observância ao direito ao silêncio, há crime?

Neste caso, não. Não se pode enxergar crime de desobediência no descumprimento de uma ordem que, caso cumprida, geraria prova contra si mesmo. Isso é desdobramento da autodefesa.

Essa “não obrigação” de produzir prova contra si mesmo decorre do Princípio do Nemo Tenetur se Detegere. Conforme este princípio, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Previsões:

CRFB-88, Art. 5°, LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) também prevê este princípio (art. 8°, n. 2, g).

Esse princípio envolve:

a) Direito ao silêncio ou de ficar calado (art. 5º, LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”). Preso na CRFB/88: qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito criminal ou mesmo administrativo (suspeito, indiciado, acusado ou condenado).

b) Direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa lhe incriminar. Enquanto para a testemunha existe o dever de dizer a verdade, isso não se aplica ao Acusado.

Pergunta: e o comportamento passivo, pode o acusado ser obrigado a submeter-se?

Prevalece na doutrina que é necessário a diferenciação do comportamento ativo e o passivo. Não se pode obrigar o agente a comportamentos ativos que lhe possam incriminar, mas passivos podem ser exigidos (apenas se submeter, sujeitar).

c) Direito de não ser constrangido a confessar a prática de ilícito criminal. O acusado não pode ser constrangido fisicamente e/ou psicologicamente para que confesse o crime investigado.

d) Inexigibilidade de dizer a verdade. No Brasil o dever de dizer a verdade não é dotado de coercibilidade, já que não se pune o crime de perjúrio (diferentemente do que ocorre nos EUA, por exemplo).

Pergunta: o réu pode mentir acerca dos seus dados pessoais (sobre a pessoa dele)?

Para o STF o direito ao silêncio não abrange o direito de falsear a verdade quanto a identidade pessoal (HC 72.377).

e) Direito de não produzir nenhuma prova incriminadora que envolva o seu corpo humano.

E aí vem um detalhe muito importante. O acusado não é obrigado a praticar nenhum comportamento desse tipo. E aí surge a diferença entre as chamadas provas invasivas e provas não invasivas. Atentem para essa diferença:

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1. Prova invasiva: é uma prova que envolve o corpo humano e implica na utilização ou extração de alguma parte dele. Exemplo: bafômetro.

2. Prova não invasiva: consiste numa inspeção ou verificação corporal, não implicando na extração de nenhuma parte do corpo humano. Exemplo disso é o exame clínico feito pelo médico. Essa é uma prova que pode ser feita, mesmo sem o consentimento. Neste caso, não há penetração no corpo humano e nem extração de alguma parte dele.

Atenção ao direito ao silêncio no Tribunal do Júri: no Tribunal do Júri, direito ao silêncio não pode ser usado como argumento para convencer os jurados. Essa vedação foi trazida pela nova lei nº 11.689 e é um aspecto muito interessante, pois era instrumento muito explorado pela Acusação em plenário: “quem cala consente”.

Com a Lei 11.689, a presença do acusado não é mais obrigatória no dia do julgamento, mesmo em se tratando de infração inafiançável.

A questão do sigilo profissional:

- Não configura o crime a conduta de MÉDICO que deixa de apresentar fichas clínicas da vítima de lesão corporal, pois, para tanto, necessita da anuência do paciente ou responsável, nos termos do Código de Ética Médica. Exceção para as questões de quebra desse sigilo. Exemplo: prova de que o agente está contaminado pelo HIV para a prova da prática do art. 131 do Código Penal.

- Não é crime de desobediência à recusa do ADVOGADO em prestar informações requisitadas pelo Ministério Público sobre fatos havidos em processo no qual funcionou, bem como acerca de suas relações profissionais com seu cliente, sobretudo, quando isso importar em qualquer prejuízo para seu cliente. O inciso XIX do art. 7º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil traz ser direito do advogado recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.

Elemento subjetivo do crime de desobediência: somente o DOLO.

Consumação: o crime se consuma no momento do desatendimento da ordem.

Pergunta: e na modalidade omissiva?

Deve-se, neste caso, dar o agente público um prazo razoável para o cumprimento da ordem. Assim, na modalidade omissiva, o crime se consuma no momento em que se escoou o prazo e não se atendeu.

Tentativa: é possível, mas apenas na modalidade comissiva.

Situações de análise de aparente conflito de normas penais (Princípio da Especialidade):

a) Art. 359, do Código Penal: desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito:

Art. 359. Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial:

Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

b) Art. 307, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97):

Art. 307. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código:

Penas - detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição.

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Parágrafo único - Nas mesmas penas incorre o condenado que deixa de entregar, no prazo estabelecido no § 1º do art. 293, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação.

O dispositivo do CTB trata da questão do agente já condenado à suspensão, e que viola aquilo que fora determinado no âmbito judicial ou administrativo. Neste caso, será ele submetido a nova suspensão adicional. Se estiver suspenso por um ano, somará mais um ano, ficando dois anos sem poder dirigir.

d) Art. 10, da ACP (Lei 7.347):

Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.

Peculiaridade: é a única espécie de desobediência que não é de menor potencial ofensivo.

Só configura esse crime se indispensável para o ajuizamento da ACP; se for dispensável, configura o crime do art. 330 do Código Penal.

e) Arts. 100 e 101, do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/83):

Art. 100. Constitui crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa:

I – obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade;

II – negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho;

III – recusar, retardar ou dificultar atendimento ou deixar de prestar assistência à saúde, sem justa causa, a pessoa idosa;

IV – deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei;

V – recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público.

Art. 101. Deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida nas ações em que for parte ou interveniente o idoso:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

DESACATO

Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Inconstitucionalidade: há orientação doutrinária no sentido de que o crime de desacato não foi recepcionado pela atual ordem constitucional. Embora esteja ele formalmente vigente, a tipificação da

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conduta fere o direito fundamental à liberdade de expressão, prevista no art. 5º, IV da CRFB/88. É que, no âmbito de controle de convencionalidade, nos julgamentos do Recurso Extraordinário 3497033 e HC 87.585, o Supremo Tribunal Federal sedimentou orientação de que as normas dos tratados internacionais de direitos humanos têm status de supralegalidade, ou seja, o seu valor prepondera sobre as normas ordinárias, dentre as quais, o Código Penal. Assim, em caso de conflito, devem os tratados prevalecer.

Ver Item 11 da Corte Americana de Direitos Humanos: as leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos atentam contra a liberdade de expressão e o direito a informação.

Em dezembro de 2016, essa tese ganhou força, tendo em vista uma decisão proferida pela 5ª Turma do STJ (Ver: REsp 1640084). No precedente, o Tribunal descriminaliza a conduta tipificada como crime de desacato a autoridade, por entender que a tipificação é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). A decisão, tomada na sessão do dia 15 de novembro de acompanhou parecer do Ministério Público Federal apresentada no Agravo em Recurso Especial (AREsp) 850.170/SP. Segue o parecer da Subprocuradoria-Geral da República:

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já se pronunciou no sentido de que a criminalização do desacato contraria a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). 4. Na colisão entre normas de direito interno e previsões da CADH, as regras de interpretação nela previstas (art. 29) determinam a prevalência da norma do tratado. 5. O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo país e incorporados ao direito interno na forma do artigo 5º, § 2º, da Constituição brasileira, têm natureza supralegal (RE n. 466.343). 6. Resta inviabilizada a condenação por desacato com fundamento em norma interna incompatível com Tratado Internacional de Direitos Humanos (norma supralegal), do qual o Brasil é signatário. 7. Parecer pelo provimento do agravo e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso especial."

Mas, atenção: o afastamento do desacato não impediria a responsabilidade por outra figura típica penal, sendo que o ato poderia ser enquadrado como calúnia, injúria, difamação, entre outros, pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual ofensiva, utilizada perante o funcionário público.

Situação Atual da Jurisprudência do STJ: em maio de 2017, os ministros da Terceira Seção do STJ decidiram que desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser crime, em conformidade com o previsto no art. 330, do Código Penal. Essa matéria foi levada à Seção (que reúne as duas Turmas de Direito Penal do STJ) após a decisão da 5ª Turma de dezembro de 2016 pela descriminalização da conduta. O objetivo é que a matéria fosse pacificada. Decidiu-se, em maio, que a tipificação do desacato é uma proteção adicional ao agente público contra possíveis “ofensas sem limites” do particular (Ver, STJ, HC 379269).

3 PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5o DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). […] (RE 349703. Relator: Min. Carlos Ayres Britto) – Grifou-se.

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Ordem dos Advogados do Brasil: em novembro de 2017, fora ajuizada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 496 no STF pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para questionar o artigo 331 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), que tipifica o delito de desacato a funcionário público no exercício da função. O relator é o Ministro Luís Roberto Barroso.

Atual Posição do Supremo Tribunal Federal: a 2ª Turma, por maioria, denegou a ordem de “habeas corpus” impetrado em favor de civil, condenado pela prática do crime descrito no art. 299 do CPM (desacato). A defesa sustentou a inconstitucionalidade da imputação do delito a civil, bem assim a incompatibilidade da criminalização da conduta com o Pacto de São José da Costa Rica.

Conforme o Supremo, no que se refere à suposta incompatibilidade desse delito com a liberdade de expressão e de pensamento, garantidos pelo Pacto de São José da Costa Rica e pela Constituição, sabe-se que os tratados de direitos humanos podem ser: a) equivalentes às emendas constitucionais, se aprovados após a EC 45/2004; ou b) supralegais, se aprovados antes da referida emenda. De toda forma, estando acima das normas infraconstitucionais, são também paradigma de controle da produção normativa.

Por conseguinte, a figura penal do desacato não tolhe o direito à liberdade de expressão, não retirando da cidadania o direito à livre manifestação, desde que exercida nos limites de marcos civilizatórios bem definidos, punindo-se os excessos. A Constituição impõe à Administração a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, podendo-se dessumir daí a compatibilidade entre a defesa da honra e intimidade do funcionário público e a liberdade de expressão. Ver: HC 141949/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13.3.2018. (HC-141949). Vencido o ministro Edson Fachin, que concedeu a ordem.

É infração penal de menor potencial ofensivo: cabe transação penal e também, suspensão condicional do processo.

Bem jurídico: prestigio da ordem administrativa.

Sujeito Ativo: qualquer pessoa, porque é crime comum.

Pergunta: pode o funcionário público praticar o crime de desacato? Há três correntes:

1ª corrente (Hungria): Sim, desde que fora da função, pois neste caso está agindo como particular.

2ª corrente (Bento de Faria): Sim, desde que inferior hierárquico do ofendido.

3ª corrente (Magalhães Noronha): Sim, independentemente da hierarquia.

E no exercício da função o funcionário público:

1ª corrente: não pratica o crime de desacato porque é crime praticado por particular.

2ª corrente: pratica, mas desde que desacate superior hierárquico.

3ª corrente (Mirabete): pratica, não importando a hierarquia da vítima. Essa terceira corrente é majoritária

A questão do advogado como sujeito ativo: vejam que o Estatuto da OAB diz a respeito:

Art. 7º São direitos do advogado:

§ 2º. O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. (Vide ADIN 1.127-8)

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Neste caso, a expressão “ou desacato” foi declarada inconstitucional pelo STF.

Sujeito passivo:

a) Primário: o Estado;

b) Secundário: o funcionário público humilhado.

Pergunta: o gerente do Banco do Brasil pode ser vítima de desacato?

Sim, dependendo da corrente que se adote para funcionário público vítima. Os Tribunais Superiores admitem a possibilidade. Ou seja, a depender da corrente adotada, é possível.

Tipo Objetivo: é desacatar, que significa humilhar, menosprezar, desprestigiar.

Tipo Subjetivo: é o dolo específico (intenção de menosprezar o servidor).

É crime de ação livre: humilhar, menosprezar, desprestigiar o funcionário público de qualquer maneira, por ação, palavras, escritos, gestos, etc.

Pergunta: será que a alteração de ânimo, o descontrole emocional ou a embriaguez podem

descaracterizar o dolo para caracterização desse crime?

Sim, é possível. Predomina o entendimento de que a exaltação e a embriaguez completa (estado de inconsciência) excluem o elemento subjetivo (dolo). Exemplo: estado de embriaguez completa, ainda que voluntária.

Para Heleno Cláudio Fragoso a embriaguez do agente pode excluir o elemento subjetivo do tipo e afastar a tipicidade. Nesse sentido: RT 719/444, RT 550/330 – é o entendimento majoritário.

Na mesma linha, Celso Delmanto entende que a exaltação (ou cólera) exclui o elemento subjetivo do tipo (dolo).

Nelson Hungria dizia que a ira é incompatível com o dolo do desacato. Washington de Barros Monteiro também era partidário desse entendimento.

Mas, atenção quanto a isso: deve-se analisar essa questão com bastante cuidado, pois se exigir um espírito sereno para a prática do desacato é, simplesmente, restringir sua incidência a quase impossibilidade de caracterização do tipo.

Conforme a Exposição de Motivos do Código Penal, no item 85:

* Se estiver no exercício da função, o ultraje pode ou não estar ligado ao oficio.

* Se não estiver no exercício da função, a ofensa tem que ter nexo funcional.

Pressuposto: a presença do servidor vítima no local do ultraje.

Pergunta: e o ultraje realizado por telefone, pode configurar desacato?

Não, porque o funcionário não está no local. Neste caso, configura crime contra a honra. Outro exemplo: não é possível crime de desacato contra o juiz da causa em razões recursais, justamente porque o juiz não estava no local da elaboração da petição.

Consumação: no momento que o servidor toma conhecimento do ultraje, não importando se se sentiu ofendido ou não. É crime formal, ou seja, que independe de resultado natural.

Tentativa: para a maioria não é possível porque exige a presença do servidor. Há corrente doutrinária, porém, que sustenta que é possível a tentativa (Mirabete e Pierangeli).

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Ofensa contra vários servidores: considera-se crime único, desde que no mesmo contexto fático.

Concurso de crimes:

a) O desacato absorve a injúria, por ser este elemento constitutivo e conceitual daquele.

b) Se o agente desacata, desobedece e ameaça o funcionário, só responde pelo delito mais grave que é o desacato. Os demais ficam absorvidos (posição majoritária).

CORRUPÇÃO ATIVA

Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

Bem jurídico tutelado: é a Administração Pública, especialmente sua moralidade e probidade administrativa. O bem jurídico tutelado pela proibição da corrupção é o regular funcionamento da Administração Pública.

Sujeito Ativo: qualquer pessoa. Trata-se de crime comum.

O tipo é misto alternativo (plurinuclear).

Elementos do crime:

a) as condutas de oferecer e prometer;

b) vantagem indevida a funcionário público;

c) para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.

1. Oferecer e/ou prometer:

O verbo oferecer deve ser entendido no sentido de apresentar uma proposta para entrega imediata (presente); O verbo prometer dá a entender que oferecimento seja para momento futuro.

Atenção: vejam que o verbo “dar” não faz parte do tipo penal da corrupção ativa. E o que isso quer dizer? Quer dizer que a efetiva entrega da vantagem indevida exigida (concussão) ou solicitada (corrupção passiva) pelo funcionário público não encontra tipicidade aqui.

Caso hipotético: determinado fiscal de obras de determinado município solicita vantagem indevida ao responsável por uma construção. Ainda que nada tenha de errado com o projeto, o responsável pela obra, temendo por eventual retaliação por parte do fiscal, aceita fazer o pagamento solicitado e entrega o valor ao fiscal. Neste caso, o particular praticou crime de corrução ativa?

Não, pois o tipo penal do art. 333 não prevê o núcleo “dar”. Desse modo, tem-se fato atípico ao comportamento do particular que, cedente as solicitações/exigências do servidor público, entrega-lhe vantagem indevida (Greco).

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Resumidamente: o crime não se caracteriza sem a oferta de vantagem explícita. Para que se configure a corrupção ativa, é indispensável que a oferta ou promessa sejam feitas espontaneamente pelo agente (Bitencourt).

2. Vantagem indevida a funcionário público:

Existe controvérsia acerca da natureza da vantagem. Há autores que defendem a ideia de que a vantagem deve ter natureza patrimonial. Prevalece, porém, a orientação de que a vantagem indevida pode ter qualquer natureza, isto é, econômica, moral, sexual, etc., pois não se trata de crime contra o patrimônio (diferentemente do que ocorre, por exemplo, no tipo penal do art. 159, do CP).

3. Para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

A oferta ou promessa de vantagem indevida deve ter por finalidade que o funcionário público pratique, omita ou retarde ato de ofício (dolo específico).

“Ato de Ofício”: é atribuído às funções exercidas pelo funcionário perante a Administração Pública.

Pergunta: há necessidade de que o mencionado ato seja ilícito?

Não. Se o funcionário público vier a retardar ou omitir o ato de ofício, ou a praticá-lo com infração ao dever funcional, a pena será aumentada em um terço, conforme determinação contida no parágrafo único do art. 333 do Código Penal (causa especial de aumento de pena).

Corrupção antecedente ao ato comercializado: é indispensável que a oferta ou promessa sejam feitas antes da prática do ato pelo funcionário público. A Corrupção Ativa só pode ser antecedente ao ato comercializado. Não existe corrupção ativa subsequente ao ato comercializado. Só se o particular quanto primeiro se promete ou oferece para depois ver realizado o ato.

Corrupção subsequente ao ato comercializado: é própria do crime de corrupção passiva (crime funcional). A corrupção passiva pune a corrupção antecedente e a corrupção subsequente. Será antecedente quando 1º o funcionário solicita, recebe ou aceita a vantagem indevida para, depois, praticar o ato; será subsequente quando primeiro o funcionário pratica o ato para depois, receber ou aceitar vantagem indevida.

Agora, ATENÇÃO: a entrega de determinada vantagem ao servidor público, ainda que subsequente ao ato, pode significar o cumprimento de uma promessa anterior realizada pelo particular. Isso confirmaria a prática da corrupção ativa consumada desde o momento em que tal promessa fora feita. Só neste caso a entrega da vantagem posterior ao ato de ofício seria relevante penal ao particular.

Pergunta: e se após a prática da infração funcional por parte do servidor público, o particular

lhe oferecer a propina (?), há crime?

Não. A oferta subsequente é fato atípico para o particular. No entanto, para o funcionário pode configurar crime de corrupção passiva, a depender do caso.

Portanto, para efeitos de caracterização da corrupção ativa, o oferecimento ou promessa da vantagem ilícita deve ser anterior ao comportamento praticado pelo funcionário. Caso o agente, após a prática do ato de ofício pelo funcionário público, venha lhe oferecer ou prometer vantagem indevida, o fato não se subsumirá ao tipo penal que prevê o delito de corrupção ativa (Greco).

Outra dúvida: será que pedir para o servidor público “quebrar um galho” ou “dar um

jeitinho” caracteriza o crime de corrupção ativa?

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Não, mas se o servidor público “der um jeitinho”, cedendo o pedido ou influência do particular, praticará o crime de corrupção passiva privilegiada (art. 317, §2º, CP), assim como o particular (CP, art. 29). Então, ambos responderão por esse crime: o servidor como autor e o particular como partícipe.

Código Penal, art. 317, §2º (corrupção passiva privilegiada)

Código Penal, art. 319 (prevaricação)

Cede pedido ou influência de outrem É espontâneo, não há interferência externa

Não busca satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Busca satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Presentes: e o ato de presentear o servidor com gratificações como forma de agradecimento

caracteriza crime?

Predomina que não. Esse fato é atípico. O Código Penal pune a outorga de vantagem para realização de ato futuro, e não a concessão de presentes como forma de gratidão por ato passado. Não existe oferta ou promessa de vantagem, mas conduta de agradecimento posterior ao ato de ofício, o que descaracteriza o delito.

O recebimento, a depender do caso, pode configurar ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/92).

Conflito aparente de normas (Princípio da Especialidade): Corrupção Ativa x Corrupção Ativa em Transação Comercial Internacional x Corrupção Ativa de Testemunha x Corrupção Ativa nas Eleições x Corrução Ativa no Código Penal Militar:

Código Penal, art. 333

Código Penal, art. 337-B

Código Penal, art. 343

Código Eleitoral (Lei 4.737/65,

art. 299)

Código Penal Militar (D.L. 1001/69, art. 309)

Corrupto: funcionário

público

Corrupto: funcionário público

estrangeiro

Subornado: Testemunha, etc.

Eleições

Dar Dar Dar Dar

Oferecer Oferecer Oferecer Oferecer Oferecer

Prometer Prometer Prometer Prometer Prometer

Observação: no caso da corrupção do CPM (art. 309), é aplicável apenas quando a conduta atentar contra interesse das instituições militares.

Crime unilateral: a corrupção ativa não depende de uma corrupção passiva. É um ato unilateral, de modo que um crime não pressupõe o outro. É bastante comum, porém, que ambos os crimes (corrupção ativa e corrupção passiva) ocorram num mesmo contexto fático. Exemplo: o particular que oferece vantagem indevida ao servidor público para que este deixe de lavrar uma multa comete delito de corrupção ativa (CP, art. 333), enquanto o servidor que recebe a vantagem indevida oferecida pelo particular comete crime de corrupção passiva (CP, art. 317).

Código Penal, art. 317 Código Penal, art. 333

Corrupção Passiva Corrupção Ativa

Solicitar (início da corrupção)

Receber Oferecer (início da corrupção)

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Aceitar promessa de futura vantagem Prometer (início da corrupção)

Elemento subjetivo: é punido a título de DOLO, acrescido de uma finalidade especial (determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício).

Consumação: no momento em que o funcionário tentado toma conhecimento do oferecimento ou da promessa.

Classificação quanto ao resultado natural: tal como a concussão, é crime formal ou de consumação antecipada, independentemente da omissão, do retardamento ou da prática do ato de ofício.

Tentativa: é possível, a depender do modo de execução. Por escrito, por exemplo, é possível a tentativa.

Parágrafo único: só será majorado se o funcionário infringir dever funcional (for ilícito) e, de fato, for materializado pelo funcionário público. Se o ato praticado for lícito não se aplica a majorante porque aí, ele não infringe o dever funcional. Só há incidência da majorante se o ato praticado é ILÍCITO.

XXXIX CONCURSO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PROVA PREAMBULAR

FASE MATUTINA - 94ª QUESTÃO

( ) É possível, segundo entendimento doutrinário predominante, a ocorrência do crime de corrupção ativa sem que exista simultaneamente o cometimento da corrupção passiva, pois as condutas são independentes.

VERDADEIRA

Descaminho

Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.06.2014)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

§ 1º Incorre na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho; (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

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§ 2º. Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

Protege o interesse da Administração Pública no controle sobre a entrada e saída de mercadorias do país, bem assim no recebimento de impostos sobre a exportação e importação.

O descaminho é, fundamentalmente, um ilícito de natureza fiscal (pois lesa somente o erário público) particularmente a aduana nacional.

Assim, a simples introdução no território nacional de mercadoria estrangeira sem pagamento dos direitos alfandegários, independentemente de qualquer prática ardilosa visando iludir a fiscalização, tipifica o crime de descaminho (Bitencourt).

Núcleos do tipo: iludir.

Objeto material: mercadorias (coisas móveis, apropriáveis e suscetíveis de negociação) PERMITIDAS, desde que neste caso se busque iludir, no todo ou em parte, o pagamento do direito ou imposto devido em razão da entrada, saída ou consumo da mercadoria.

Diferença entre o CONTRABANDO e o DESCAMINHO:

O descaminho é também chamado de “contrabando impróprio”. Decorre da entrada ou saída do território nacional de produtos lícitos, desde que o agente burle o pagamento do imposto aduaneiro.

CONTRABANDO DESCAMINHO

Importa ou exporta mercadoria absoluta ou relativamente proibida

Toda fraude empregada para iludir no todo ou em parte pagamento de impostos de importação ou

exportação

ATENÇÃO: vejam que há normas especiais que cuidam, também, dessas práticas. Assim, a depender do objeto material, o crime será outro. Exemplo: Lei de Drogas, Estatuto de desarmamento, etc.

Condutas comissivas e omissivas: o agente pode realizar "a conduta de modo comissivo” (p. ex., indicar que a mercadoria não é tributável ou atribuir valor a menor para evitar a tributação, etc.) ou “omissivo” (deixar de declarar na entrada ou saída da mercadoria no território nacional).

Figuras Equiparadas (§ 1º):

Inciso I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei:

É aquela realizada entre portos ou pontos do território brasileiro, abrangendo os rios que correm em seu território, que é privativa dos navios nacionais, salvo as exceções previstas em lei, como determina o art. 178, § 3º, da Constituição Federal (casos de necessidade pública). Trata-se de norma penal em branco homogênea, já que a navegação de cabotagem é definida pela Lei n. 9.432/97, art. 2º, IX: “navegação realizada entre portos ou pontos do território brasileiro, utilizando a via marítima ou esta e as vias navegáveis interiores”.

Inciso II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho:

Até 2014, esta figura equiparada abrangia também o contrabando. Agora, só faz referência ao descaminho. Exemplo: equiparação feita pelo Decreto-lei n. 288/67, “em relação às mercadorias saídas

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da Zona Franca de Manaus” com mercadorias além do limite permitido para isenção de tributos. Importa anotar que esse Decreto não comina a respectiva sanção penal. Limita-se a equiparar a ação incriminada a descaminho, assumindo a condição de leis complementador da norma penal em branco

Inciso III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem.

Só realiza esse crime o agente que esteja no exercício de atividade comercial ou industrial (ver formas equiparadas previstas no § 2º do art. 334) e pratique uma das condutas descritas no tipo: vender, expor à venda, manter em depósito ou, de qualquer modo, utilizar a mercadoria. Exemplo: utilização de microcomputadores trazidos clandestinamente do exterior em seu estabelecimento comercial.

Vendedores Ambulantes e Camelôs: a leitura do §2º permite concluir que o dispositivo alcança os ambulantes e camelôs, mesmo que não sejam eles comerciantes regularmente estabelecidos. Por outro lado, a norma não alcança qualquer pessoa que, eventualmente, adquira, em sua residência, mercadoria de procedência estrangeira irregular ou clandestina. E que, pretende-se punir aquele que, com habitualidade, exerce o comércio, como diz a lei, mesmo clandestino ou irregular.

Inciso IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

Tem-se, aqui, um tipo especial de receptação. Por isso, o tipo penal contido no art. 181, § 1º, do Código Penal deve ser afastado pelo princípio da especialidade.

Este inciso IV exige que o agente realize a conduta no exercício de atividade comercial ou industrial, bem assim que tenha consciência de que os documentos que acompanham a mercadoria de procedência estrangeira sejam falsos ou simplesmente que esteja essa mercadoria desacompanhada dos documentos exigidos por lei.

A expressão “que tenha consciência de que os documentos que acompanham a mercadoria de procedência estrangeira sejam falsos” faz entender que o falso deve ser afastado para fins de incriminação (tendo em vista ser meio necessário – e que, portanto, fica absorvido pelo crime de descaminho) em relação ao crime contra a Administração Pública.

Pergunta: e se o agente não se encontra no exercício de atividade comercial ou industrial?

Neste caso, poderá ele responder pelo crime de receptação, previsto no art. 180, § 1º, do Código Penal.

O § 2º diz que se equipara às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

Causa de Aumento de Pena (§ 3º): a pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial (atenção para a alteração legislativa de 2014.

Ação Penal: é pública incondicionada.

Competência: é da JUSTIÇA FEDERAL, pois sempre envolve lesão a interesse da União (CRFB/88, art. 109, IV).

Pergunta: mas de que lugar?

A competência é racione loci (ou territorial), e deve o fato ser julgado perante o Juízo Federal do lugar em que houve a apreensão dos bens (Súmula 151, do STJ).

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Consumação:

Em regra, a consumação do descaminho se dá com a liberação da mercadoria pela alfândega. Assim, tanto o contrabando quanto o descaminho, quando realizados regularmente através da alfândega, somente com a liberação da mercadoria e entrega ao destinatário poder-se-á ter como consumada a importação ou exportação.

Pergunta: e se o crime seja praticado em outro local:

2 situações:

NA MORALIDADE IMPORTAÇÃO NA MODALIDADE DE EXPORTAÇÃO

Consuma-se no momento em que o produto ingressa no pais, ainda que se encontre nos limites da zona fiscal

O delito se consuma quando a mercadoria transpõe a linha de fronteira do território nacional.

Classificação quanto ao resultado natural: trata-se de crime formal (conforme precedente da Quinta Turma do STJ e do STF" (HC 218.961/SP, Reiª Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 15/10/2013, Dje 25/10/2013) (AgRg. nª REsp. 1442168/ES, Agravo Regimental no Recurso Especial 2014/0058751-3, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., j. 30/5/2014).

Tentativa: por tratar-se de crime plurissubsistente, é teoricamente possível.

Mercadoria apreendida em Aduana: neste caso, parte da doutrina (Bitencourt, por exemplo) não reconhece possível a tentativa do contrabando ou do descaminho, mesmo antes de transpor as barreiras alfandegárias. Para essa orientação doutrinária, poder-se-á estar, inclusive, diante de um crime impossível, dependendo das circunstâncias, ou, ainda, de meros atos preparatórios. Acreditamos que confisco e multa, no plano administrativo, resolvem satisfatoriamente a infração fiscal.

A questão do Princípio da Insignificância:

Conforme os Tribunais Superiores, “o ingresso irregular de mercadorias estrangeiras em quantidade ínfima por pessoas excluídas do mercado de trabalho que se dedicam ao ‘comércio formiga’ não tem repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da insignificância”.

Assim, não será qualquer quantidade de mercadoria, sem o correspondente pagamento dos tributos alfandegários, que tipificará uma infração penal. Em matéria tributária, a própria Receita Federal oferece os parâmetros para o critério da insignificância, quando, por exemplo, fixa um valor mínimo como piso para justificar a execução fiscal ou a própria inscrição em dívida ativa.

Em resumo, é atípica a introdução de mercadorias estrangeiras em quantidade ou qualidade submetidas ao limite de isenção tributária fixado pelo regulamento fazendário específico.

Regra: deve-se reconhecer aplicável o princípio da insignificância sempre que o imposto devido e não pago não ultrapasse o montante legal em que se dispensa o ajuizamento de execução fiscal (Lei 10.522, art. 20 – R$ 10.000,00). Ver: STJ, REsp. 1425012/PR, Recurso Especial 2013/0051543-5, 6ª T. Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, D]e 10.17 /2014; STF, HC 120617 /PR, 1ª T., Reiª. Minª Rosa Weber, j. 4/2/2014).

Na redação original, o valor era de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Mas com a redação dada pela Lei no. 11.033/2004, fora elevado para R$ 10.000,00 (dez mil reais):

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

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Posição atual dos Tribunais Superiores:

a) Posição do Superior Tribunal de Justiça: a primeira coisa que o aluno deve entender é que o princípio da insignificância só é aplicável ao crime de descaminho — previsto no artigo 334 do Código Penal — quando o valor dos tributos não pagos for igual ou inferior a R$ 10 mil. Para o STJ, esse limite não poderia ser alterado por portaria do ministro da Fazenda, mas por lei, SOMENTE.

Essa orientação vingou até o ano de 2017. Naquele período, tanto a 5ª quanto a 6ª Turmas do STJ decidiam que o valor de 20 mil reais, estabelecido pela Portaria MF n. 75/12 como limite mínimo para a execução de débitos contra a União, NÃO poderia ser considerado para efeitos penais. (Não deveria ser utilizado como novo patamar de insignificância). Precedentes do STJ: REsp 1409973/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, julgado em 19/11/2013. REsp 1334500/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, julgado em 26/11/2013.

No entanto, em março de 2018, a orientação mudou: por maioria de votos, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu revisar o Tema para 157 dos recursos repetitivos e fixou em R$ 20 mil o valor máximo para incidência do princípio da insignificância no caso de crimes tributários federais e de descaminho.

A revisão foi necessária, entre outras razões, em virtude de recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema e do parâmetro fixado pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda (Fonte: REsp 1688878; REsp 1709029).

O Ministério da Fazenda elevou o valor mínimo para efeitos de cobrança, em algumas situações, conforme se verifica na leitura do art. 2º da Portaria nº 75, de 22 de maio de 2012, que diz:

Art. 2º. O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito.

b) Posição do Supremo Tribunal Federal: em março de 2014, o STF alterou o entendimento quanto ao valor limite para aplicação do Princípio da Insignificância diante dos crimes tributários, previdenciários e de descaminho. Segundo o Supremo Tribunal Federal, é insignificante o crime de Descaminho quando o valor do débito tributário for igual ou inferior a R$ 20.000,00 (Habeas Corpus 118067). Vejam o exemplo:

EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais em quantia de R$ 15.748,38 (quinze mil, setecentos e quarenta e oito reais e trinta e oito centavos) enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito dada à aplicação do princípio da insignificância. 4. Habeas corpus concedido para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o restabelecimento do juízo de absolvição sumária exarado na instância ordinária (STF, HC 123035 / PR – PARANÁ, julgado em 19/08/2014).

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Então, o entendimento atual do STF é de que “alterado o quantum correspondente ao ajuizamento da execução fiscal, não existe nenhuma razão para não se modificar também a incidência do princípio da insignificância, no âmbito dos crimes tributários, previdenciários e descaminho”.

A questão dos cigarros (contrabando ou descaminho?): conforme o STJ, a introdução de cigarros em território nacional é sujeita a proibição relativa, sendo que a sua prática, fora dos moldes expressamente previstos em lei, constitui o delito de contrabando, o qual inviabiliza a incidência do princípio da insignificância (Ver RHC 40779, julgado em fevereiro de 2016).

Pagamento do tributo e a extinção da punibilidade:

A doutrina amplamente majoritária entende que, por ter natureza tributária, ainda que inexista regra específica tratando da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, devem ser aplicáveis às mesmas regras dos crimes de sonegação fiscal. Assim, deve-se aplicar o art. 34 da lei 9.245/95 também ao crime de descaminho.

Obs.: a Lei 10.684/2003, em seu art. 9º, § 2º, não trata do momento do pagamento do tributo ou contribuição social.

Nos Tribunais Superiores, embora exista controvérsia jurisprudencial, o STF tem se posicionado favoravelmente à sua aplicação:

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334, § 1º, ALÍNEAS “C” E “D”, DO CÓDIGO PENAL). PAGAMENTO DO TRIBUTO. CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. ABRANGÊNCIA PELA LEI Nº 9.249/95. NORMA PENAL FAVORÁVEL AO RÉU. APLICAÇÃO RETROATIVA. CRIME DE NATUREZA TRIBUTÁRIA. 1. Os tipos de descaminho previstos no art. 334, § 1º, alíneas “c” e “d”, do Código Penal têm redação definida pela Lei nº 4.729/65. 2. A revogação do art. 2º da Lei nº 4.729/65 pela Lei nº 8.383/91 é irrelevante para o deslinde da controvérsia, porquanto, na parte em que definidas as figuras delitivas do art. 334, § 1º, do Código Penal, a Lei nº 4.729/65 continua em pleno vigor. 3. Deveras, a Lei nº 9.249/95, ao dispor que o pagamento dos tributos antes do recebimento da denúncia extingue a punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 4.729/65, acabou por abranger os tipos penais descritos no art. 334, § 1º, do Código Penal, dentre eles aquelas figuras imputadas ao paciente – alíneas “c” e “d” do § 1º. 4. A Lei nº 9.249/95 se aplica aos crimes descritos na Lei nº 4.729/65 e, a fortiori, ao descaminho previsto no art. 334, § 1º, alíneas “c” e “d”, do Código Penal, figura típica cuja redação é definida, justamente, pela Lei nº 4.729/65. 5. Com efeito, in casu, quando do pagamento efetuado a causa de extinção da punibilidade prevista no art. 2º da Lei nº 4.729/65 não estava em vigor, por ter sido revogada pela Lei nº 6.910/80, sendo certo que, com o advento da Lei nº 9.249/95, a hipótese extintiva da punibilidade foi novamente positivada. 6. A norma penal mais favorável aplica-se retroativamente, na forma do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal. 7. O crime de descaminho, mercê de tutelar o erário público e a atividade arrecadatória do Estado, tem nítida natureza tributária. 8. O caso sub judice enseja a mera aplicação da legislação em vigor e das regras de direito intertemporal, por isso que dispensável incursionar na seara da analogia in bonam partem. 9. Ordem CONCEDIDA ((HC 85942/SP, 1ª T., Rei. Min. Luiz Fux, j. 24/5/2011).

Superior Tribunal de Justiça: igualmente, do STJ tem-se que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado. (Ver: HC 362478, de 28 de setembro de 2017).

Em sentido contrário, ver Inf. 555 do STJ, de 2015 (da 5ª Turma).

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Contrabando

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

§ 1º. Incorre na mesma pena quem: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

§ 2º. Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)

§ 3º. A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

O art. 334-A foi inserido no Código Penal pela Lei nº 13.008, de 26 de junho de 2014. Antes da referida reforma, os crimes de contrabando e descaminho recebiam o mesmo tratamento, encontrando-se, inclusive, na mesma figura típica do Código Penal.

Com a alteração legislativa, o crime de contrabando passou a figurar no tipo penal do art. 334-A, sendo punido de forma mais severa que o delito descaminho.

Contrabando: importação ou exportação de produtos proibidos. A proibição de entrada ou saída da mercadoria pode ser absoluta ou relativa. Será absoluta quando a entrada ou saída do bem é vedada por sua natureza; será relativa quando defesas mediante determinadas condições.

Núcleos do tipo:

a) Importar: realizar a entrada do bem no território nacional.

b) Exportar: promover a saída do objeto das fronteiras do Brasil.

ATENÇÃO: vejam que há normas especiais que cuidam, também, dessas práticas. Assim, a depender do objeto material, o crime será outro. Exemplo: Lei de Drogas, Estatuto de desarmamento, etc.

Norma penal em branco: a norma em comento está em branco, necessitando-se de complementação pelas normas que estabelecem ou relacionam as mercadorias cuja importação ou exportação seja proibida, absoluta ou relativamente.

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CAPÍTULO III

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

Bem jurídico tutelado: a regularidade administrativa e a honra contra quem se reputa o fato criminoso sabidamente falso.

O crime de denunciação caluniosa é formado por uma calúnia + dar causa a instauração (...).

Sujeito ativo: é crime comum. Qualquer pessoa pode praticá-lo, inclusive pelas autoridades responsáveis por esses procedimentos.

Pergunta: e se da denunciação resulta prisão em flagrante?

Neste caso, resulta aquilo que a doutrina chama de Flagrante Forjado, também chamado de flagrante fabricado. Nesta espécie, agentes do Estado ou particulares criam provas de um crime inexistente, colocando, por exemplo, no interior de um veículo, substância entorpecente para que determinada pessoa seja colocada em situação que permita ser ela presa em flagrante. Neste caso, além de, obviamente, não existir crime para o condutor do veículo, restará configurado o crime previsto no art. 339 do Código Penal (denunciação caluniosa) para o forjador do flagrante.

Sujeito passivo: o Estado-administração, e a pessoa inocente em face de quem se imputa o crime.

Denunciação caluniosa x Calúnia: no crime de calúnia, o sujeito imputa falsamente fato definido como crime com o objetivo (dolo) de macular a honra da vítima. Na denunciação caluniosa, o sujeito pretende mais que macular a honra. Ele objetiva que, do fato, decorra uma investigação sustentada em “elementos” ilegais ou ilegítimos. A diferença está, então, no dolo do agente.

Denunciação de Contravenção Penal: o legislador usou a expressão “crime” do caput do dispositivo. No entanto, deve-se atentar a redação do §2º que traz, em seu texto, hipótese de denunciação de contravenção penal: A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. Então, segundo o §2º, a imputação de contravenção penal é uma denunciação caluniosa privilegiada (a pena é diminuída pela metade).

Questão doutrinária: Nelson Hungria denominava a denunciação caluniosa como calúnia qualificada. Entretanto, deve-se tomar cuidado com essa expressão, pois todos os crimes contra a honra admitem causas de aumento de pena, previstas no art. 141 do Código Penal. Porém, o único que admite forma qualificada é a injúria (art. 140, § 3º).

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CALÚNIA DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

Imputação falsa de fato definido como crime. Imputação falsa de fato definido como infração penal (gênero das espécies crime e contravenção penal).

Objetividade jurídica: honra objetiva. Objetividade jurídica: administração da justiça.

Consuma-se quando o fato, que precisa ser certo e determinado, chega ao conhecimento de terceira

pessoa.

Consuma-se com a movimentação da máquina administrativa ou judiciária, consideradas de forma ampla (é o que prevalece no âmbito doutrinário e

jurisprudencial)

A regra é que a ação penal será de iniciativa privada. Excepcionalmente essa ação penal será pública condicionada à representação: se a vítima for

funcionário público e a ofensa tiver nexo funcional. Será pública e condicionada à requisição do Ministro da Justiça: se a vítima for o Presidente da República

ou Chefe de Governo Estrangeir.

A ação penal será pública incondicionada.

Admite retratação. Não admite retratação.

Crime de ação livre: pode dar causa por qualquer modo, palavras, gestos, escritos.

Imputa CRIME de que saiba inocente: esse crime pode existir ou não. Se o crime existe, sabe-se que aquele não é o autor.

XXXVII CONCURSO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

PROCESSO SELETIVO PREAMBULAR OBJETIVO - FASE MATUTINA - 21ª QUESTÃO

( ) Caracteriza a prática do crime de denunciação caluniosa dar causa à instauração de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe qualquer fato relevante de que o sabe inocente.

FALSA.

Condutas Puníveis:

Dar causa a:

a) Investigação policial:

1ª corrente: para caracterização do crime é imprescindível a efetiva prisão em flagrante, lavratura do Termo Circunstanciado ou a Instauração do Inquérito Policial. Neste sentido, Guilherme de Souza Nucci:

A investigação policial, referida no tipo penal, necessita ser o inquérito policial - que é procedimento administrativo de persecução penal do Estado, destinado à formação da convicção do órgão acusatório, instruindo a peça inaugural da ação penal -, não se podendo considerar os meros atos investigatórios isolados, conduzidos pela autoridade policial ou seus agentes, proporcionados pelo simples registro de uma ocorrência (...).

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2ª corrente (majoritária): a simples movimentação da máquina administrativa já é suficiente para configuração do crime. Neste sentido, Rogério Greco:

Se, de alguma forma, com a sua denunciação caluniosa, o agente fez com que fosse deflagrado qualquer tipo de investigação, entendemos que o delito restará configurado, pois o agente, efetivamente, deu causa à instauração de investigação policial. Assim (...) a expressão investigação policial deve ser entendida em seu sentido amplo, não se restringindo à inauguração específica do inquérito policial.

b) Processo judicial: em de 19 de outubro de 2000, a Lei 10.028 alterou o caput do art. 339, acrescentando as elementares de dar causa à “instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa”. Antes dessa lei, somente dar causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial tipificava esse crime. Depois dela, restou muito mais abrangente a possibilidade de tipificação da denunciação caluniosa. Assim, o ajuizamento de uma ação civil pública com base no suposto crime praticado pelo agente já tem o condão de caracterizar o crime de denunciação caluniosa.

c) Investigação administrativa: a infração administrativa deve corresponder a uma infração penal.

d) Inquérito civil: procedimento investigatório cuja presidência é do Ministério Público. Lembrar que, para efeito de denunciação caluniosa, o interesse difuso ou coletivo investigado no Inquérito Civil deve corresponder a uma infração penal.

e) Ação de improbidade: o ato ímprobo deve corresponder a uma infração penal. Isso é relevante porque nem todo ato de improbidade constitui infração penal (caráter fragmentário do Direito Penal).

Resumidamente: não importa o procedimento, o seu objeto tem que corresponder a um fato considerado infração penal, mesmo que o procedimento não sirva para apurar o crime em si. Todos esses procedimentos têm que versar sobre fatos que configuram CRIME ou CONTRAVENÇÃO PENAL.

Além disso, em todos esses procedimentos se dá causa contra alguém de que sabe inocente.

Denunciação de Infração Inexistente: a denunciação caluniosa pode ocorrer quando a infração penal atribuída a alguém nunca tiver existido.

Denunciação de Infração Existente a Inocente: a denunciação caluniosa pode ocorrer quando, embora existente a infração penal, a pessoa a quem o agente imputa a sua prática não for o seu autor.

Ciência de infração inexistente ou da inocência do denunciado: o agente deve saber (ter ciência) que imputa um delito inexistente, ou mesmo, se existente, da inocência daquele a quem acusa.

Dúvida do denunciante: se existir dúvida, o delito restará afastado.

Elemento Subjetivo: punido a título de dolo, com finalidade especial de querer dar causa a instauração destes procedimentos. Necessita-se, portanto, do DOLO ESPECÍFICO.

Pergunta: é possível denunciação caluniosa a título de dolo eventual?

Duas orientações:

1ª corrente (Hungria, Rogério Greco, Estefam): não é possível o dolo eventual. Isso porque a expressão “de que o sabe” indica somente o dolo direto. Neste caso, a conduta movida por o dolo eventual é fato atípico. (Prevalece esta primeira corrente)

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2ª corrente (Bitencourt): afirma que é perfeitamente possível o dolo eventual. Agora, atenção: quando esse autor defende que o crime de denunciação caluniosa pode ser praticado a título de dolo eventual, não está ele se referindo a expressão “de que sabe inocente”. Como relação a ciência da inocência do denunciado, não se discute. Bitencourt anota que é indispensável que a imputação do sujeito ativo não encontre nenhum respaldo na verdade dos fatos e que, ademais, o sujeito ativo tenha certeza da inocência do imputado, isto é, daquele a quem atribui a prática de crime.

A natureza imperativa do verbo “imputar” afasta a possibilidade de dolo eventual neste ponto. Contudo, a despeito de o agente “saber que o imputado é inocente”, mesmo sem querer efetivamente, pode assumir o risco de dar causa à instauração de qualquer dos procedimentos referidos do tipo penal em exame. Para esse autor, então, a eventualidade não estaria compreendida em saber da inocência do imputado, mas de, como seu comportamento, dar causa à instauração de procedimento investigatório, ainda que não tenha a intenção direta de fazê-lo. Segue exemplo do autor:

Agiria com dolo eventual quem, sabendo que o sujeito passivo é inocente, não comunica a autoridade competente, mas segreda a terceiros, divulga, propaga na coletividade que o indigitado praticou determinado crime de ação pública; tomando ciência dessa divulgação, a autoridade competente instaura o procedimento devido, comprovando ao final que o imputado é inocente.

Não se pode negar que, nessa hipótese, sabendo da inocência de outrem, e mesmo sem desejar a efetiva instauração da investigação oficial, com sua ação deu causa à instauração da investigação referida no tipo do art. 339. Não se trata, convenhamos, de dolo direto; contudo, não se pode afirmar que dolo não houve e que a conduta é atípica, ou restaria apenas, residualmente, o crime contra a honra. Na realidade, esse comportamento, nas circunstâncias imaginadas, configura dolo eventual, e tipificada está a infração do art. 339 contra a Administração da Justiça. Por tudo isso, sustentamos a admissibilidade de dolo eventual no crime de denunciação caluniosa, ainda que infrequente (Bitencourt).

Dolo superveniente: não é possível o dolo superveniente, ele não configura o crime porque o dolo deve estar presente no momento em que o agente da causa. Não basta a superveniência. Se no momento de “dar causa” não sabia da inocência, estava no exercício constitucional de direito de petição.

Vejam que o dolo pode ser antecedente, concomitante e subsequente:

DOLO ANTECEDENTE DOLO CONCOMITANTE DOLO SUBSEQUENTE

ANTERIOR AO CRIME SIMULTANEO AO CRIME POSTERIOR AO CRIME

No Brasil, em regra, pune-se somente o dolo concomitante. Mas, há um caso em que o dolo antecedente é punido. Que caso é esse? É a questão da teoria da actio libera in causa (ação livre para a causa) na embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior

Quanto ao dolo subsequente, imagine o seguinte: João denuncia Pedro da prática de furto acreditando ser, realmente, Pedro, autor do crime. Porém, após alguns dias, João toma conhecimento através de fiéis informações de que Pedro é inocente. Neste caso, se João se cala, não levando ao conhecimento da autoridade encarregada da investigação a inocência de Pedro, pode ele ser responsabilizado por denunciação caluniosa em razão do seu dolo subsequente?

1ª Orientação (prevalece na doutrina): não pode João ser responsabilizado por denunciação caluniosa, pois, quando realizou a denúncia, acreditava cabalmente na informação prestada e, neste ponto, só pune o dolo concomitante.

2º Orientação (Rogério Greco): nos termos do art. 13, § 2º, “c”, do Código Penal, podemos entender que o agente, ao imputar a alguém a prática de um crime, que depois vem a saber ser inocente, cria para si a responsabilidade de impedir o resultado que, nesse caso, seria a sua condenação

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por um delito que não cometeu. Caso não atue, poderá ser responsabilizado pelo delito de denunciação caluniosa, via omissão imprópria, dada sua posição de garantidor.

Consumação: ocorre com o início da investigação ou dos procedimentos previstos no tipo. Lembrar que prevalece a orientação de que a investigação policial não precisa de instauração de Inquérito Policial.

Classificação quanto ao resultado natural: trata-se de crime material, ou seja, que exige a obtenção do resultado.

Tentativa: é possível, pois se trata de crime plurissubsistente em que o tipo pode ser desdobrado em dois momentos: 1º. O da conduta criminosa, traduzindo na formulação da denúncia falsa; 2º. O do resultado material, consistente na instauração do procedimento legal, cuja responsabilidade incumbe ao agente público.

Pergunta: será que a lavratura de boletim de ocorrência, sem qualquer investigação, pode

configurar o crime?

1ª situação (STJ): boletim de Ocorrência que não deu causa à deflagração de investigação ou de qualquer outro procedimento criminal não preenche o elemento objetivo do tipo para configurar o crime do art. 339 do Código Penal. Assim, o fato é penalmente atípico (HC 115.935, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21.05.2009)

2ª situação (Doutrina): se a notícia levada ao conhecimento da autoridade e registrada no Boletim de Ocorrência era idônea e apta a motivar a instauração de Inquérito Policial, por exemplo, não tendo sido deflagrado o procedimento por circunstâncias alheias a vontade do agente, deve-se reconhecer a forma tentada.

3ª situação: se a notícia levada ao conhecimento da autoridade policial é, de plano, inapta a conduzir qualquer investigação policial, o fato será mesmo considerado, o fato será mesmo penalmente atípico (ineficácia absoluta do meio – modalidade de crime impossível, nos termos do art. 17 do Código Penal).

4ª situação: não há crime se o agente se limita a registrar Boletim de Ocorrência os fatos ocorridos, sem apontar a prática de qualquer crime (fulano fica “rondando a minha casa todos os dias”); também não há denunciação caluniosa se registram aquilo que acreditam ter, sinceramente, ocorrido. Neste caso, há exercício regular de um direito.

A questão do advogado: advogado que expõe os fatos em nome do cliente não assume responsabilidade, salvo, se agiu sabendo da falsidade da imputação feita conta a vítima.

Retratação: não é possível a retratação extintiva da punibilidade, porque a retratação só extingue a punibilidade nos casos previstos em lei.

Pergunta: o Ministério Público pode denunciar alguém por denunciação caluniosa antes de

findo o procedimento de investigação?

1ª corrente (Noronha, Hungria, Bento de Faria, STF e TJ/SC): a denúncia do Ministério Público está subordinada ao encerramento do procedimento injustamente instaurado. Só pode denunciar após a conclusão do procedimento injustamente instaurado para evitar conflito de decisões. É a corrente majoritária.

2ª corrente (Fragoso e Mirabete): a própria lei não condicionou a ação penal. O crime é de ação penal pública incondicionada e por isso, independe de condicionante.

Parágrafo 1º: é uma majorante – se o agente se serve de anonimato ou nome suposto.

Pergunta: e por que a pena é majorada neste caso?

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Porque dificulta a responsabilidade penal.

Parágrafo 2º: é a denunciação difamatória. É hipótese de privilégio, desde que o fato imputado seja “contravenção penal”, e não crime.

Competência: em regra, será da Justiça Estadual. Será da Justiça federal quando:

a) O delito falsamente imputado foi perante a Justiça Federal apurado (TRF4 e STF);

b) Quando o servidor federal foi acusado da prática de crime funcional (STF).

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: por último, atenção ao conflito aparente de normas penais. A lei 12.850/13, na seção que trata “Dos Crimes Ocorridos na Investigação e na Obtenção da Prova” trouxe um novo tipo penal que cuida de “denunciação caluniosa”, mas em condições específicas em investigação ou instrução envolvendo “organização criminosa”:

Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Comunicação falsa de crime ou de contravenção

Art. 340 - Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Bem jurídico: regular andamento da administração da justiça.

Tipo objetivo: “provocar”, no sentido de “estimular”, “incitar” a ação da autoridade.

Autoridade, para este crime, deve ser aquela encarregada da persecução penal em sentido amplo, aqui abrangida a autoridade policial, judiciária, bem como o Ministério Público.

Fato que não terra ocorrido: o tipo penal deixa claro a necessidade de que o sujeito ativo saiba que o fato comunicado à autoridade competente não aconteceu. A elementar típica “sabe” está exigindo, nesse tipo de infração penal, a consciência atual, real e efetiva da inocorrência do fato comunicado (Bitencourt).

Confronto:

ART. 339 DO CÓDIGO PENAL

(DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA)

ART. 340 DO CÓDIGO PENAL

(COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME OU DE CONTRAVENÇÃO)

ART. 341 DO CÓDIGO PENAL

(AUTOACUSAÇÃO FALSA)

- Noticia infração penal e imputa a autoria a alguém que sabe ser

inocente;

- A falsidade recai sobre a autoria do fato.

- Noticia infração penal que sabe inexistente sem imputá-la a

alguém. Nesse caso, a imputação pode ser direcionada à

personagem fictício, ou seja, a pessoa que não existe.

- A falsidade recai sobre o fato.

- O agente assume a autoria de CRIME (contravenção penal não)

que não existe, ou então, de crime verdadeiro praticado por

outrem.

- A falsidade recai sobre a autoria do crime

Sujeito ativo: qualquer pessoa, crime comum.

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Sujeito passivo: a Administração da Justiça, que fora movimentada inutilmente.

Crime inexistente ou diverso: há o crime do art. 340 quando se noticia um crime que nunca ocorreu ou quando se noticia um crime de maneira essencialmente diversa.

Crime ou contravenção: vejam que o fato deve comportar tipicidade, ilicitude, culpabilidade e ainda, punibilidade.

Elemento Subjetivo: é punido a título de DOLO, somente.

1ª corrente (Bitencourt, Mirabete, Hungria, Noronha e Estefam): além do dolo, exige-se a finalidade especial de querer ver a máquina administrativa inutilmente movimentada. Esta corrente é majoritária nos tribunais também.

2ª corrente (Damásio): dispensa a finalidade especial, basta a vontade consciente de comunicar a autoridade.

Atenção: a doutrina majoritária e também, os Tribunais excluem o dolo eventual para esta infração. Havendo dúvida, não há crime.

Pergunta: e se o sujeito visou a comunicar falsamente uma infração penal para evitar que se

descubra outro fato delitivo por ele praticado, qual a solução jurídica?

Depende. Prevalece a seguinte orientação na doutrina: caso a falsa comunicação seja meio necessário para prática do outro crime e com ele se exaurir, deve por ele restar absorvido.

PRIMEIRA SITUAÇÃO: o empregado de uma empresa comunica falsamente ter sido roubado, visando a impedir que se descubra ter ele se apropriado do dinheiro do malote que era incumbido de levar ao banco, deve ele responder pela apropriação indébita em concurso material com a comunicação falsa de crime. Ou seja, deve responder por ambas as infrações (aquele que se pretendia encobrir e a falsa comunicação), em concurso material.

SEGUNDA SITUAÇÃO: o agente provoca ação de autoridade, comunicando falsamente a ocorrência, por exemplo, de um crime de furto, com a finalidade de fraudar o seguro. Veja que, neste caso, a comunicação do furto à autoridade (boletim de ocorrência) é meio necessário para o recebimento do valor segurado. Neste caso, prevalece a orientação de que o crime do art. 340 do CP fica absorvido pelo crime de estelionato (Greco, Hungria, Estefam, dentre outros). Em sentido contrário, Heleno Fragoso e Magalhães Noronha (defendem o concurso material de infrações em qualquer caso).

Consumação: no momento em que a autoridade pública pratica algum ato no intuito de esclarecer o fato criminoso.

Auto-acusação falsa

Art. 341 - Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem:

Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

Trata-se de uma espécie de AUTO-CALÚNIA.

Bem jurídico: regular andamento da administração da justiça.

Exemplos desse crime: o agente quer se livrar das consequências de uma infração penal mais grave e, para isso, se auto imputa outra, menos grave e que, segundo consta, aconteceu no mesmo dia e horário,

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só que em locais diferentes. Outro exemplo é o chamado exibicionismo, quando o agente quer ganhar reputação perante determinado grupo criminoso e assume autoria de crimes que, de fato, não praticou ou participou.

Sujeito ativo: é crime comum e, em regra, pode ser praticado por qualquer pessoa. A exceção fica por conta do coautor ou partícipe do delito realmente existente.

Pergunta: e se o agente concorreu de alguma forma para a infração?

Neste caso, não caracteriza o crime. Vejam que para ser autoacusação falsa, o sujeito ativo não pode ter concorrido de modo algum para sua existência.

Sujeito passivo: é o Estado (Administração da Justiça).

Autoridade: só pode ser a competente, isto é, aquela que tem atribuição para investigar, para apurar a existência de crime e respectiva autoria ou, pelo menos, determinar que se proceda a tal investigação. Assim, pode ser policial, ministerial ou judicial.

Perante autoridade dá a impressão que significa ser frente a frente, que deve ser diretamente a autoridade. Mas o crime é de ação livre, de forma que não precisa ser frente a frente.

Elemento Subjetivo: é punido a título de DOLO. Então, o agente deve ter pleno conhecimento de que o crime não existiu ou então, se verdadeiro, foi praticado por outra pessoa.

Observação: se o agente assume a autoria do crime praticado por outrem em razão de algum sentimento altruísta (pena, por exemplo), o crime ainda assim se mantém. Essa posição é a que prevalece. Mas esse motivo poderá servir como circunstância judicial favorável (CP, art. 59) – “motivos do crime”, por ocasião da dosimetria da pena.

Em resumo, a motivação altruística do agente, ou mesmo seu grau de parentesco para com o verdadeiro autor do crime objeto de autoacusação falsa, não altera sua tipificação.

Há orientação doutrinária (minoritária), porém, que sustenta que, a depender do motivo e da proximidade do “protegido”, pode caracterizar “inexigibilidade de conduta diversa”, excluindo-se a culpabilidade e, por consequência, deixando de ser infração penal.

Consumação: no momento em que a autoridade toma conhecimento da autoacusação. Não importam para a consumação, então, as ulteriores consequências.

Tentativa:

1ª Corrente (Hungria): não é possível.

2ª Corrente (Bitencourt, Noronha e Rogério Greco): admite-se a tentativa quando a autoacusação é feita por escrito.

Retratação:

1ª Corrente: não há extinção da punibilidade, pois não há previsão legal neste sentido (Esta corrente prevalece).

2ª corrente: a retratação se aplica ao crime do art. 341 por analogia in bonan partem do testemunho falso.

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Falso testemunho ou falsa perícia

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:

Reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

§ 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

O processo, qualquer que seja a sua natureza (civil, penal, administrativo) depende da prova oral e, muitas das vezes, da prova pericial, para que se consiga dar uma solução adequada ao caso colocado sob análise. A prova, portanto, deve ser o fundamento da decisão, sem a qual, não há como acolher qualquer pretensão trazida a juízo ou mesmo à Administração Pública, em sentido amplo. Durante a instrução criminal, as provas que mais interessam ao processo são, em regra, a prova testemunhal e a pericial.

Testemunha é a pessoa idônea, diferente das partes, capaz de depor, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedida das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos concernentes à causa.

Deveres da testemunha:

a) Comparecer ao local determinado, no dia e hora designados;

b) Identificar-se;

c) Prestar o depoimento;

d) Dizer a verdade.

Bem jurídico tutelado: resguardar o prestígio da justiça.

Sujeito Ativo: crime de mão própria.

Pergunta: o que é “testemunha” para efeitos desse crime?

Possui um conceito processual/penal. A regra é que só pratique o crime quem está na qualidade jurídico-processual de testemunha (não abrange, portanto, nem a vítima, nem o réu).

Há duas orientações com relação a abrangência do termo:

1ª orientação (Fragoso, Mirabete, Tourinho Filho, Bitencourt e Nucci): só responde a testemunha compromissada, porque somente ela se compromete, nos termos da lei, a dizer a verdade. Se as consequências para as não compromissadas fossem as mesmas de quem presta compromisso, não haveria razão alguma para que dele fosse o compromisso dispensado para algumas dessas pessoas.

2ª orientação (Magalhães Noronha, Luiz Regis Prado, STJ e STF – prevalece no campo jurisprudencial): basta ser sujeito que preste o depoimento, ainda que descompromissado. Isso porque o art. 342 do Código Penal não restringe à prática do crime para a testemunha compromissada, razão pela qual abrange todos os tipos de testemunhas: a testemunha compromissada e o mero informante.

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Vejam que essa segunda corrente tem como fundamento o art. 155 do Código de Processo Penal que trata, dentre outras questões, do livre convencimento motivado. Neste caso, a testemunha descompromissada pode servir de base para o juiz julgar, e t, por isso, induzi-lo a erro. Os Tribunais Superiores adotam essa orientação.

Do STJ: o crime de falso testemunho não depende do compromisso da testemunha (HC nº 20.924/SP, Quinta Turma, Ministra Laurita Vaz, DJU de 07/04/2003; HC: 92836 SP 2007/0246973-3, Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 27/04/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/05/2010).

Do STF: HC nº 69.358/RS, Segunda Turma, Min. Paulo Brossard, DJU 09/12/1994).

Solução: para STJ e STF, é irrelevante a formalidade do compromisso para a caracterização do crime de falso testemunho.

Assim, a falta de advertência da testemunha nos termos legais ou o compromisso indevidamente prestado não impossibilitam o delito, pois não é a advertência que faz surgir o dever da testemunha (Prado)

Agora, atenção: se houver fortes laços de afetividade entre a parte e a pessoa que irá prestar o depoimento (informante), não se pode exigir-lhe que diga a verdade, pois isso pode colocar em risco a unidade familiar. Aqui há uma inexigibilidade de conduta diversa que culmina por excluir a culpabilidade do agente, não havendo, portanto, crime. Exemplo: mãe chamada a depor contra o filho:

PENAL E PROCESSUAL. FALSO TESTEMUNHO. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. RELAÇÃO DE AFETIVIDADE. RÉU MARIDO DA DEPOENTE. PRECEDENTE DO STJ. 1 - Para a caracterização do crime de falso testemunho não é necessário o compromisso. Precedentes. 2 - Tratando-se de testemunha com fortes laços de afetividade (esposa) com o réu, não se pode exigir-lhe diga a verdade, justamente em detrimento da pessoa pela qual nutre afeição, pondo em risco até a mesmo a própria unidade familiar. Ausência de ilicitude na conduta. 3 - Conclusão condizente com o art. 206 do Código de Processo Penal que autoriza os familiares, inclusive o cônjuge, a recusarem o depoimento. 4 - Habeas corpus deferido para trancar a ação penal. (STJ - HC: 92836 SP 2007/0246973-3, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 27/04/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/05/2010).

Pergunta: a vítima pratica o crime de falso testemunho?

Jamais. A vítima não é testemunha, é parte interessada. A mentira dela pode configurar denunciação caluniosa, mas jamais o falso testemunho. A vítima se encontra no art. 201 do CPP.

Pergunta: e o acusado, pode responder por este crime?

Igualmente não. O acusado tem direito ao silêncio que abrange, inclusive, direito a não falar a verdade.

Pergunta: e a testemunha tem direito ao silêncio?

A instrução da chamada “CPI do Mensalão” trouxe essa questão arrolava suspeitos na qualidade de testemunhas para que tivessem a obrigação de dizer a verdade.

Pergunta: neste caso, o investigado (mas que é tratado formalmente como testemunha)

pode se valer do direito ao silêncio?

A solução é a seguinte: testemunha, enquanto testemunha, tem obrigação de dizer a verdade, sob pena de responder por falso testemunho (CP, art. 342). Mas, se a testemunha é submetida a um testemunho

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que pode incriminá-la, tem direito ao silêncio (STF, HC 73.035). Assim, se as respostas puderem resultar uma autoincriminação, também estará protegida pelo direito ao silêncio. Pode acontecer também que essa testemunha, durante o depoimento, diga algo que a incrimine. Neste caso ela não tem a obrigação de continuar depondo.

O contador, que foi inserido no art. 342 do Código Penal pela Lei nu 10.268, de 28 de agosto de 2001, é o especialista em cálculos.

Tradutor é aquele cujo trabalho é transcrever de uma língua para outra.

Intérprete é aquele que serve de intermediário para fazer compreender indivíduos que falam idiomas diferentes.

Concurso de agentes:

a) Falso testemunho: conforme a doutrina, a coautoria é INADMISSÍVEL (posição pacífica). Isso porque se trata de crime de mão própria. Assim, se duas testemunhas combinam prestar depoimento falso, objetivando uma corroborar com a mentira da outra, cada uma comete um crime autônomo (em conexão, conforme art. 76 do CPP). Admite-se, porém, a participação. Vejam o que diz Nilo Batista:

Se duas pessoas, no mesmo processo - e até na mesma assentada - praticam falso testemunho (art. 342 CP), há dois delitos e dois autores, sendo irrelevante que se houvessem posto de acordo sobre o procedimento adotado. Os crimes de mão própria não admitem coautoria nem autoria mediata na medida em que o seu conteúdo de injusto reside precisamente na pessoal e indeclinável realização da atividade proibida.

Há, porém, julgados do Supremo Tribunal Federal admitindo a coautoria entre advogado que induziu e a testemunha que mentiu:

EMENTA: Recurso ordinário. Habeas corpus. Falso testemunho (art. 342 do CP). Alegação de atipicidade da conduta, consistente em depoimento falso sem potencialidade lesiva. Aferição que depende do cotejo entre o teor do depoimento e os fundamentos da sentença. Exame de matéria probatória, inviável no âmbito estreito do writ. Coautoria. Participação. Advogado que instrui testemunha a prestar depoimento inverídico nos autos de reclamação trabalhista. Conduta que contribuiu moralmente para o crime, fazendo nascer no agente a vontade delitiva. Art. 29 do CP. Possibilidade de co-autoria. Relevância do objeto jurídico tutelado pelo art. 342 do CP: a administração da justiça, no tocante à veracidade das provas e ao prestígio e seriedade da sua coleta. Relevância robustecida quando o partícipe é advogado, figura indispensável à administração da justiça (art. 133 da CF). Circunstâncias que afastam o entendimento de que o partícipe só responde pelo crime do art. 343 do CP. Recurso ordinário improvido. RHC 81327 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EM HABEAS CORPUS. Relator (a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento:11/12/2001. Órgão Julgador: Primeira Turma.

Observação Importante: tem-se, aqui uma confusão entre coautoria e participação. No caso, em razão da natureza jurídica do crime de falso testemunho, vale frisar, pelo fato de ser um crime de mão própria, não se pode cogitar de coautoria, mas tão somente de participação. Portanto, tecnicamente, a coautoria não é possível (teoria objetivo-formal). Admite-se, tão somente, a participação na conduta do autor.

b) Falsa perícia: apesar de crime de mão própria (atuação pessoal), trata-se de uma exceção. Neste caso, admite-se o concurso de agentes, nas modalidades de coautoria e, também, de participação.

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Isso porque o laudo pode ser assinado por mais de um perito. Aliás, o laudo não oficial deve ser assinado por dois peritos e, neste caso, ambos do podem afirmar algo falso. Vejam a redação do art. 159, § 1º, do Código de Processo Penal:

§ 1º. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

PERITO é a pessoa que possui uma formação cultural especializada (portador de diploma de curso superior, tanto para o perito oficial quanto para o não oficial) e que traz seus conhecimentos ao processo auxiliando o juiz e as partes na produção da certeza necessária para se chegar ao julgamento. A sua função é elaborar um laudo, no qual deixará consignadas suas conclusões, por meio de um parecer técnico.

a) Perito Oficial: é a pessoa investida na função por lei, ou seja, trata-se de funcionário público de carreira cuja função consiste em realizar a perícia.

Pergunta: quantos peritos oficiais são necessários para a realização de uma perícia?

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.

Então, hoje, com a nova redação do art. 159, em virtude da Lei 11.690, caso o exame seja feito por perito oficial, basta um só perito.

b) Perito Não-Oficial: perito não-oficial é a pessoa nomeada pelo juiz ou pela autoridade policial para realizar determinada perícia. Também tem que ser portador de diploma de curso superior.

Veja, a nomeação do perito não-oficial é sempre subsidiária. A regra é buscar primeiro o perito oficial. Obviamente, caso não haja perito oficial, aí eu me socorro de um perito não-oficial.

A questão do ASSISTENTE TÉCNICO:

É um auxiliar das partes dotado de conhecimentos científicos que traz ao processo informações especializadas relacionadas ao objeto da perícia.

E quais seriam as diferenças entre o perito e o assistente técnico?

a) O perito é um auxiliar do juiz. Se for assim, significa que, pelo menos em tese, tem o dever de ser imparcial. Por outro lado, o assistente técnico é um auxiliar das partes e, sendo assim, tem uma atuação eminente e evidentemente parcial.

b) O perito está sujeito às mesmas causas de impedimento e suspeição do juiz, já que possui o dever de imparcialidade. E o assistente? Será que ao avô do Acusado pode funcionar como Assistente Técnico? Sim, pode. O assistente não está sujeito a essas causas de impedimento ou suspeição.

c) O perito, para fins penais, é considerado funcionário público? Qualquer deles é considerado funcionário público, tanto o oficial quanto o não oficial? Lembram do teor do art. 327, do Código Penal? Sim, nitidamente o perito oficial exerce um cargo; o não oficial, por seu turno, exerce, transitoriamente, função pública. Então, já entra no conceito. E o não-oficial exerce transitoriamente e sem remuneração, uma função. Ambos se encaixam, assim, no conceito legal de servidor público previsto no art. 327 do Código Penal.

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d) O perito não-oficial que se apropria do objeto do qual tem a posse para fazer uma perícia, que crime pratica? Apropriação indébita ou peculato? Pratica peculato, pois é servidor público para fins penais. E o assistente técnico? Esse, de modo algum, será considerado funcionário público, pelo que, responderia pelo crime de apropriação indébita.

e) Caso o perito passe uma afirmação falsa em seu laudo, qual é a consequência? Cuidado com isso. Para o perito que faz afirmação falsa, o Código Penal prevê o crime de falsa perícia. No mesmo tipo está no crime de falso testemunho. É o crime de falso testemunho ou falsa perícia do art. 342:

Art. 342 - Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Alterado pela Lei 10.268-2001)

f) E o assistente, responde pelo crime de falsa perícia? Não. O assistente pratica, neste contexto, o crime de falsidade ideológica (inserir informações falsas em seu laudo).

Sujeito passivo primário: administração da justiça.

Sujeito passivo secundário: eventual pessoa prejudicada pela falsidade.

Condutas: é crime plurinuclear (crime de ação múltipla):

a) Fazer afirmação falsa: o agente distorce a verdade. É uma falsidade positiva.

b) Negar a verdade: o agente, mesmo sabendo a verdade, nega a verdade. É a falsidade negativa.

c) Calar a verdade: o agente, mesmo ciente da verdade, não se pronuncia a respeito. O agente nada afirma ou nega, apenas se cala.

Pergunta: recusar-se a prestar o depoimento equipara-se a “recusar-se a responder as

perguntas”?

Não. São coisas absolutamente diferentes. Recusar-se a depor não configura falso testemunho. Pode, sim, caracterizar mera desobediência e tem como consequência a condução sob vara, nos termos do Código de Processo Penal (art. 218). Por isso, não constitui falso testemunho a negação ou recusa em prestar depoimento. Recusar-se a depor, enfim, não é o mesmo que cometer falso testemunho, que exige, como pressuposto, um depoimento, pois somente por meio deste se pode cometer aquele (Bitencourt).

A Verdade: é a perfeita correspondência entre a sua realidade e a sua expressão.

Para efeitos de tipicidade, considera-se a verdade do ponto de vista da testemunha (sua realidade), entre o que ela viu, ouviu ou soube e aquilo que relatou. Se essa correspondência faltar, duas situações são possíveis:

1ª Situação: se está diante de um erro (falsa percepção);

2ª Situação: se está diante de uma mentira (má-fé).

Somente na 2ª hipótese se tem o crime de falso testemunho. Ou seja, para haver falso testemunho, não basta a não correspondência da realidade com a sua expressão. Deve-se, OBRIGATORIAMENTE, haver faltar a correspondência da expressão com a sua ciência.

Vejam que o elemento subjetivo é o dolo (que pode ser genérico) que engloba a vontade e a consciência de falsear a verdade, negá-la ou omiti-la. O agente, portanto, deverá ter o conhecimento de que os fatos

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sobre os quais presta depoimento, por exemplo, são falsos, pois, caso contrário, não poderá ser responsabilizado por falso testemunho (erro de tipo).

Duas teorias cuidam da “verdade” no crime de falso testemunho ou falsa perícia:

1ª. Teoria Objetiva da verdade: conforme ela, não há crime quando a informação transmitida ou omitida corresponde ao que ocorreu efetivamente no mundo real.

2ª Teoria Subjetiva da Verdade: o Direito Penal Brasileiro acolheu a “teoria subjetiva da verdade”, em que, considera-se “verdade” do ponto de vista da testemunha (a realidade dela). Assim, pratica o crime aquele que falseia aquilo que sabe (o que não precisa ser necessariamente o que ocorreu). Pelas mesmas razões, ainda, se subsumi ao tipo a atitude de asseverar informação verdadeira falseando sobre a maneira como soube aquela informação.

Pergunta: e se a mentira recair sobre a qualificação da testemunha e não sobre o mérito da

causa?

1ª corrente (Noronha): pratica falso testemunho. Isso porque a identidade da testemunha pode ser importante para o juiz no momento de valorar a prova.

2ª corrente (majoritária): o falso tem que recair sobre os fatos da causa. Recaindo sobre condição pessoal da testemunha, pode configurar falsa identidade (CP, art. 307). Então, prevalece o entendimento de que, neste caso, haverá, em tese, o crime do art. 307 do Código Penal (falsa identidade).

Atenção: é necessário que a mentira recaia sobre fato juridicamente relevante. Exemplo: negar algo que efetivamente ouviu (1º caso) ou então, declarar ter presenciado o que jamais presenciou, apenas soube por outras pessoas (2º caso). Necessita, portanto, de potencialidade lesiva e sua pertinência em influir na prova e eventual solução de:

a) Processo judicial;

b) Processo administrativo;

c) Inquérito policial;

d) Juízo arbitral;

Pergunta: existe previsão de falso testemunho culposo?

Não. Não se pune a conduta culposa, razão pela qual é atípico o lapso de memória ou a declaração fantasiosa efetuada com base em sincera crença subjetiva.

Assim, para configurar o art. 342 do Código Penal, não basta a contradição objetiva, isto é, a expressão/realidade, mas sim a contradição subjetiva (expressão/ciência).

Pergunta: e se a testemunha mentir coagida por terceiro, responde pelo crime?

Neste caso, NÃO. A coação moral, se for irresistível, exclui a culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa.

Pergunta: e se o processo em que houve o falso testemunho for anulado, o crime de falso

permanecerá?

Neste caso, depende da extensão da anulação:

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a) se a nulidade atingir o testemunho, não há mais crime.

b) se a nulidade não atingir o testemunho, persiste o crime.

Consumação:

1ª situação: se o testemunho é oral, se consuma no momento em que a testemunha encerra do depoimento.

2ª situação: se o testemunho é entregue por escrito, consuma-se no momento em que o testemunho chega ao juízo, momento em que passa ao poder do Cartório (é isso também que se aplicam para laudos, pareceres ou demais perícias).

Pergunta: é necessário que o juiz tenha como válidas as declarações falsas para efeitos de

configuração do delito?

Não, basta, tão somente, a comprovação da falsidade.

Pergunta: suponha-se que testemunha mentiu sobre o mesmo fato em processo civil (que

apura a responsabilidade de ato ilícito) e, depois, em processo penal (que apura a

responsabilidade criminal). Neste caso, há concurso de crimes?

Prevalece que não. Se o agente falta com a verdade sobre o mesmo fato em juízo crime e cível, pratica crime único. Então, se é sobre o mesmo fato, a pluralidade de depoimentos não desnatura a unidade do crime. Pode, no entanto, essa pluralidade ser levada em consideração na dosimetria da pena.

Tentativa: prevalece a orientação que, embora de difícil configuração, é teoricamente admissível na falsa perícia, mas impossível no falso testemunho, salvo quando o testemunho for prestado por escrito (art. 221, § 1º, do CPP — crime plurissubsistente). Rogério Greco diz que o crime não admite tentativa.

Casos especiais:

a) Em processo comum: se o juiz, ao prolatar a sentença final, reconhecer que alguma testemunha fez afirmação falsa, calou ou negou a verdade, encaminhará uma cópia do depoimento a Autoridade Policial ou para o Ministério Público para investigação (CPP, art. 211, caput).

b) Falso testemunho prestado em carta precatória: a competência é do juízo deprecado, ou seja, o local do resultado (aplica o art. 70 do CPP, local onde se consuma o crime). A competência será do juízo onde a testemunha presta o depoimento.

c) Falso testemunho na Justiça do Trabalho (art. 114, IV, CRFB): a Justiça do Trabalho não tem competência penal. Então, neste caso, o falso será processado e julgado na Justiça Comum Federal.

Majorante do § 1º:

§ 1º. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

Suborno: entende-se como recompensa, oferta ou qualquer outra vantagem de cunho patrimonial. Aqui existe maior juízo de censura sobre o comportamento da testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete que se deixa subornar e pratica, efetivamente, o delito previsto pelo art. 342 do Código Penal.

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Pergunta: a pessoa que oferece ou promete dinheiro ou qualquer outra vantagem de

natureza econômica a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete para fazer

afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou

interpretação, responde por falso testemunho?

Não. Aqui há uma exceção pluralista à teoria monista. Assim, deve ela responder pelo delito tipificado no art. 343 do Código Penal, enquanto a testemunha deverá ser responsabilizada pelo delito previsto no art. 342, § 1º, do Código Penal:

Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:

Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

“Processo civil em que for parte entidade Administração Pública”: neste caso, pode ser parte “autora” ou “ré”.

Retratação do § 2º:

§ 2º. O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

A retratação é o ato de desdizer, de retirar o que se disse, de admitir a inverdade e corrigi-la. Retratação não se confunde com negação do fato ou negativa de autoria, pois pressupõe o reconhecimento de uma afirmação confessadamente errada, inverídica (Bitencourt). Retratar-se, então, não é apenas confessar a mentira, mas desdizer o que disse.

Trata-se de causa extintiva de punibilidade.

Efeito: a retratação extingue a punibilidade se for feita ANTES da sentença de primeiro grau no processo EM QUE OCORREU o ilícito.

Atenção: deve ocorrer antes da sentença de 1º grau. Se o processo estiver em grau de recurso, o único efeito possível é a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, b, do Código Penal.

Sentença: a expressão “sentença” tem sentido amplo, podendo tanto ser a proferida pelo juízo de primeiro grau quanto pelo colegiado, oportunidade em que será reconhecida como acórdão. Assim, nos processos de competência originária dos Tribunais, a retratação deverá ser levada a efeito antes da prolação do acórdão (Greco).

Pergunta: e quanto ao momento da retratação no procedimento bifásico do Júri?

Aqui, excepcionalmente, é possível a retratação após a pronúncia. Mas a retratação deve ocorrer antes da decisão dos jurados. Nucci, neste ponto, destaca: “o ápice é a decisão em sala secreta tomada pelos jurados. Se a decisão de mérito somente será proferida pelo Conselho de Sentença, não há cabimento para se levar em consideração a decisão de pronúncia, que simplesmente julga admissível a acusação”.

Comunicabilidade da Retratação: a retratação, nos crimes contra a honra (art. 143) é subjetiva e incomunicável. Além disso, somente é admitida na calúnia e difamação, sendo inadmitida na injúria.

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No crime de falso testemunho, há duas orientações:

1º orientação (Cezar Roberto Bitencourt, Fernando de Almeida Pedroso): a retratação é uma circunstância subjetiva, de caráter pessoal, que não se comunica aos demais participantes, na hipótese de concurso de pessoas.

2º orientação (prevalece na jurisprudência): no crime de falso testemunho, a retratação é objetiva e comunicável aos partícipes (isso porque o fato deixa de ser punível, desaparecendo para todos que nele concorreram. Ver, por exemplo: Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4 - HABEAS CORPUS: HC 30678 RS 2003.04.01.030678-0).

Pergunta importante: o promotor de justiça pode denunciar alguém por falso testemunho

antes mesmo da sentença de 1º grau?

1ª corrente (TJ/SC): sendo possível a retratação até a sentença de 1º grau, deve aguardar o seu encerramento para iniciar o processo penal por falso testemunho.

2ª corrente (TRF-4): o crime de falso testemunho é de ação pública incondicionada, e assim segue os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade. Por esta razão, mesmo antes de terminar o processo em que a testemunha mentiu, pode ser instaurado o processo para apurar o falso. Ver: REsp. 596500/DF Recurso Especial 2003/0171653-8, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, julgamento em 21/10/2004, publicado no DJ em 22/11/2004, p. 377.