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Momentos de Ler… Momentos de Prazer... Biblioteca Escolar Dr. José dos Santos Bessa - Carapinheira EDITE PIMENTEL ELISA CARVALHO Conto de Natal UM NATAL SURPREENDENTE

Conto de Natal: Um Natal Surpreendente

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Conto de Natal da Biblioteca Escolar (2011)

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Page 1: Conto de Natal: Um Natal Surpreendente

Momentos de Ler… Momentos de Prazer...

Biblioteca Escolar

Dr. José dos Santos Bessa - Carapinheira

EDITE PIMENTEL

ELISA CARVALHO

Conto de Natal

UM NATAL SURPREENDENTE

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ra véspera de Natal. A geada que caíra durante a noite

vidrara a paisagem, envolvendo-a num leve manto transparente. O sol, apesar

do frio, iluminava já aquela manhã de 24 de dezembro, suspenso no céu, como

se alguém o tivesse pendurado no azul infinito.

Encolhida num velho casaco roçado, demasiado pequeno para o seu tamanho,

Ana abriu a porta e saiu da velha casa decrépita. Estremeceu com o frio que

se fazia sentir e soltou um sopro quente que se transformou numa nuvem de

fumo, em contraste com o ar gélido do exterior. Caminhou lentamente entre as

parcas hortaliças que resistiam à inclemência do inverno, contornou o limoeiro e

sentou-se num velho tronco decepado que jazia ao fundo do quintal.

Apesar do primeiro período ter já chegado ao fim, ainda não se adaptara às

mudanças que tinham ocorrido na sua vida: a mudança de casa, de escola, de

amigos…Tudo a perturbava ainda, mas o pior tinha sido o fecho da fábrica

onde trabalhavam os pais. Nada, nunca mais, seria como dantes! O pai tivera

que partir, em busca de um trabalho no estrangeiro… A mãe ficara diferente,

sempre tão calada e sempre tão triste!

Recordou Natais passados em família, quando a má sorte ou o azar ainda não

lhes tinha batido à porta. A casa, uma vivenda com primeiro andar, tinha um

jardim relvado, onde se destacava um pinheiro manso que enfeitavam com

luzes intermitentes de todas as cores. Lá dentro, junto à lareira, outra árvore

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de Natal sintética, que decoravam todos os anos com enfeites diferentes, abri-

gava um sem número de presentes que abriam à meia-noite, depois de uma

consoada onde abundavam os pratos e sobremesas próprios da época. Nunca

gostara particularmente da ementa e não havia Natal em que não fizesse uma

fita por ter de comer bacalhau, conforme era tradição!... Mal acabava de

comer, pedia licença para sair da mesa e mandava SMS às amigas ou, como

era hábito, embrenhava-se em frente ao computador: “ – corpo presente”,

dizia a mãe. A hora de desembrulhar os presentes era tudo o que lhe interes-

sava: livros, aos quais não ligava nenhuma, que arrumava na estante e esque-

cia num ápice; roupa e acessórios que vestia uma ou duas vezes e que guarda-

va no fundo do armário; jogos para a consola, CDs, DVDs,…

Nunca dera valor ao que tinha e agora… era tarde de mais! Lembrou-se de

um Natal em que ficara amuada, simplesmente, porque os pais não lhe tinham

dado o telemóvel que pedira!

Enquanto olhava os campos do Mondego, sossegados e estendidos à sua volta,

pensou nos tempos difíceis por que passava e apercebeu-se de que não só a

sua vida tinha mudado, mas também ela mudara. Cerrou os punhos e desejou

com todas as forças do seu ser voltar a ser feliz. Mas como poderia isso ser

possível?! Como conseguiria ela devolver à mãe a vontade de viver e a ale-

gria, se ela própria sentia uma tristeza tão avassaladora?! Como conseguiriam

fazer face às despesas que se acumulavam? Como iriam passar o Natal, sem

dinheiro, sem conforto, mas, sobretudo, sem a presença do pai e sem a boa

disposição da mãe? Tudo parecia pesar-lhe ainda mais e as lágrimas turva-

ram-lhe, momentaneamente, a visão, redobrando a intensidade do brilho

daquela manhã.

Por breves instantes, fechou os olhos. Quando os reabriu, viu que não estava

sozinha. Ao seu lado, estava uma menina extremamente bela. Um olhar miste-

rioso iluminava-lhe o rosto de feições delicadas, emoldurado por longos cabe-

los azuis. Os seus belos olhos de azul-marinho fixavam-na, transmitindo-lhe

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confiança e coragem. Apesar de vestir, apenas, uma longa túnica de cetim

azulada não parecia sentir frio. Era de tal modo diferente que parecia ter

chegado de outro mundo, de outra realidade: uma aparição inexplicável e

surpreendente! Ana pensou estar a viver um grande sonho! Esfregou os olhos e

respirou fundo. A linda menina sorriu e perguntou-lhe por que razão estava ali

sentada, sozinha, junto daquele tronco velho, a tremer de frio… triste e

pensativa, com o olhar tão distante a observar o infinito.

Confundida, Ana não reagiu de imediato:

– Será que a menina está mesmo a falar comigo?! Não será imaginação

minha?!

Disfarçadamente, quis tocar-lhe, mas teve receio. O vestido era tão delicado!

Não fosse ela estragá-lo! Como poderia depois comprar um como aquele?!

Com alguma timidez, decidiu, finalmente, perguntar-lhe quem era e de onde

tinha vindo, pois nunca a vira por aquelas redondezas…

Muito sorridente, a menina do vestido azul respondeu-lhe que tinha chegado há

pouco tempo para passar o Natal.

Ana ficou delirante. Afinal, estava na companhia de uma bela menina meiga e

simpática. Nem queria acreditar que teria companhia por alguns dias!

Conversaram horas a fio…, correram…, brincaram…, divertiram-se…, deli-

ciando-se com a dança dos pequenos salpicos das águas do rio que passavam

agitadas e apressadas em direção ao mar que as aguardava, certamente,

para juntos comemorarem o Natal numa tranquila imensidão azul.

O tempo passou tão repentinamente que nem se aperceberam do desfilar das

horas; o sol começava já a despedir-se no horizonte; sombras de mistério

caíam sobre a terra húmida e fria. Gostariam de continuar juntas, mas a mãe

de Ana deveria estar preocupada com a sua ausência. Certamente,

esperava-a já com alguma ansiedade para participar em toda a azáfama

natalícia, apesar de, desta vez, estarem só as duas, sem o pai, afastado delas

pela primeira vez, num país tão distante…

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Lentamente, retomaram o caminho de regresso a casa. Ana, cuja tristeza amea-

çava invadi-la de novo, pensava no pai… Porém, tudo em seu redor parecia

conspirar para a celebração de uma noite de Natal inesquecível e surpreenden-

te…

Repentinamente, caiu um intenso nevoeiro. Um ventinho leve e suave começou a

espalhar pequenos flocos de neve. A tarde escura clareou e encantou com a sua

beleza. As estrelas, no negrume do céu, cintilaram uma última vez, antes de desa-

parecerem, engolidas por uma nuvem branca. Pareciam estar tão perto que Ana

levantou os braços para lhes tocar. Saltou uma e outra vez. Riu e começou a

rodopiar.

– Parece magia! É magia! – exclamava ela. As árvores estão a ficar branqui-

nhas… parecem pintadas! As ruas e os telhados também... É fascinante!

– Foi um anjo celestial que nos quis surpreender e alegrar! – gritava com grande

entusiasmo Ana, esquecendo-se, por momentos, de que a mãe já estaria preocu-

pada.

– O Natal pode ser mágico, se conseguirmos entrar no espírito natalício e não

pensarmos, apenas, na troca de presentes. Se olharmos à nossa volta, com muito

amor no nosso coração, se deixarmos de pensar, somente em nós próprios e se

esquecermos as nossas pequenas amarguras e o nosso egoísmo, tudo pode mudar

– afirmou a menina.

Tens razão! – concordou Ana – Basta deixarmo-nos levar pela paz e pela har-

monia que vêm ao nosso encontro. Assim, tudo será maravilhoso!...

Realmente, tudo era mágico… As águas do rio, que cantarolavam no seu per-

curso rotineiro, espalhavam a sua alegria e as árvores deleitavam-se ao ouvi-las,

num extenso manto branco acetinado, pintalgado com algumas folhas amarela-

das.

O ambiente era de festa: até os mendigos se sentiam felizes e esqueciam a sua

miséria; os doentes toleravam, com mais resignação, a sua dor; e todas as crian-

ças do mundo vibravam de alegria.

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Aquela noite mágica e encantada de dezembro estava iluminada com luzes

multicolores de diferentes tamanhos e feitios, em que o frio intenso dava forma

aos cristais de gelo, com tanta imaginação e arte que pareciam ser moldados

por conceituados escultores para embelezarem o palácio de um Imperador!

Eram obras de arte da mãe natureza a alegrar a grande festa de Natal com

aqueles magníficos presentes naturais e universais!

Ana regressou a casa… Tinha de transmitir à mãe toda a alegria que sentia!

Poderiam saborear juntas os doces natalícios, as rabanadas, o arroz-doce, os

sonhos... Também queria colocar alguns presentes junto ao pinheiro e, apesar de

serem poucos, não importava… O mais importante era que a mãe se sentisse

feliz!

Aproximando-se do casario salpicado de branco, Ana vislumbrou um vulto,

colado a uma pequena janela. Era a mãe que perscrutava a noite,

angustiada… Um novo olhar iluminou o seu rosto pálido e triste, quando viu a

filha. Ana vinha com o rosto afogueado pelo frio e pela correria, os seus olhos

brilhavam, os cabelos em desalinho como que faiscavam, os seus lábios

moviam-se, parecia que estava a cantarolar…

– Está na hora de me ir embora – despediu-se a menina vestida de cetim cor do

céu.

Ana olhou para ela sem compreender…

– Mas não fiques triste! Deixo-te este livro. Sempre que o abrires e o leres,

estarei de novo junto a ti. Nunca mais te sentirás sozinha!...

Ana olhou para o livro que trazia desde que saíra de casa. Não teria tudo

passado de um sonho? Impossível! A aventura que vivera ao longo daquela

tarde parecia tão real…

Ia responder que não seria a mesma coisa, quando a mãe abriu a porta, num

gesto brusco que denotava preocupação.

– Entra depressa, que está muito frio! Por onde andaste? Sabes que horas

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são?! – indagou a mãe, com um suspiro de alívio.

Ana, já no patamar da porta, olhou para trá e esboçou um gesto de despedida.

Porém, a “menina azul” tinha desaparecido… Lembrou-se da magia daquele

dia e sentiu uma paz interior invadir-lhe a alma. Nunca esqueceria as conversas,

as brincadeiras, os ensinamentos da menina de longos cabelos azuis!

Correu para a mãe e abraçou-a com todas as forças que tinha. A ausência do

pai tornou-se mais premente…

– Então, então…O que é que se passa? – começou a mãe, enquanto a apertava

nos seus braços – já estava preocupada contigo… Estamos só as duas, é verda-

de, mas não é por isso que não vamos celebrar o Natal! Esqueceste-te de…

– Não te preocupes, mãe! – interrompeu Ana – Está tudo bem. Tive um dia

maravilhoso! Este Natal vai ser diferente de todos os outros, é verdade. Mas

será um Natal muito feliz…

Tinha de ajudar a mãe a pôr a mesa. O bacalhau com as batatas e as couves já

fumegavam, mas Ana não se queixou da ementa.

Sentaram-se à mesa e olharam uma para a outra. Ana pensou no pai. Onde

estaria? Como passaria o Natal? Nem ela, nem a mãe tiveram forças para

expressar a dor que sentiam por ele não estar presente. Com um nó na

garganta, Ana pegou nos talheres. No momento em que ia levar a primeira

garfada à boca, bateram à porta. A mãe levantou‑se e correu para a abrir,

como se tivesse estado o tempo todo à espera daquele momento. Com o garfo

suspenso no ar e com um olhar fixo, Ana ficou estupefacta e nem queria

acreditar no que via! Era o pai! O pai tinha vindo passar o Natal com elas!

Vinha com ar cansado, mas muito feliz.

Ana correu para a porta e pendurou-se no pescoço do pai, beijando-o com

muito carinho e saudade.

– Pai! Pai! Nem posso acreditar! O Natal é mesmo mágico e surpreendente! Estás

aqui connosco! É maravilhoso! – exclamava Ana.

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Por alguns instantes, os olhos rasos de lágrimas, continuaram abraçados,

falando todos ao mesmo tempo, emocionadíssimos! Havia tanto para dizer,

para contar… recordar!

A noite de Natal continuou a desenrolar-se lenta e docemente, envolvendo na

sua ternura aquela família que já passara por muitas tristezas e dificuldades.

Depois de tantas surpresas fantásticas, Ana despediu-se dos pais e foi

deitar-se, vencida pelo cansaço de um dia maravilhoso. As emoções tinham sido

tão intensas! Levantou-se e correu até à janela do seu quarto. Lá fora, a noite

continuava a encantar com toda a sua magia, envolta num leve manto branco e

silencioso. No negrume do céu, uma pequena estrela cintilava, parecendo sorrir

-lhe lá longe, de outro universo. Ana estava muito feliz, mas sentia a falta da

sua amiguinha. Queria contar‑lhe todas as novidades – o regresso do pai, a

alegria que ela e a mãe sentiam… Como teria a “menina azul” passado o

Natal? “ – Amanhã, encontrar-nos-emos junto ao presépio… e poderemos

contar todos os pormenores da noite de consoada uma à outra” – pensou Ana,

com satisfação.

Já deitada, com o candeeiro aceso, pegou no livro que a menina dos cabelos

azuis lhe deixara. Com curiosidade, observou-o de ambos os lados, abrindo-o,

depois, com muito cuidado. Ao folhear as primeiras páginas, viu que a linda

menina vestida de azul ilustrava o texto com a sua leve túnica da cor do céu!

Estupefacta, não resistiu à leitura de algumas páginas e, em breves segundos,

foi transportada para um mundo longínquo e fantástico. Tinha iniciado a maior

aventura de toda a sua vida! A “menina azul” era a protagonista daquela

história que Ana queria desvendar!

A madrugada aproximava-se a passos largos, mas Ana continuava tão envolvi-

da na leitura que o sono chegou sorrateiro, apenas para lhe fazer companhia.

Não a deixando dormir, ficou ao seu lado a admirá-la com muita ternura,

enquanto continuava a ler. O entusiasmo era evidente. Pestanejava, caindo num

brando torpor, mas logo sorria e estremecia, recusando-se a adormecer…

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A aventura continuava… “Estas paisagens são deslumbrantes! Que

personagens tão belas! Tudo é magnífico! Estou num mundo encantado! Como

gostaria de viver no meio de tanta beleza e felicidade!…”

Ao virar das páginas, a “menina azul” emergia do livro, aparecendo por entre

as palavras e as ilustrações, convidando-a para ficar ali a fazer-lhe

companhia, para viver novas aventuras, sempre que ela abrisse o livro e

entrasse no mundo dos sonhos.

A manhã chegou apressadamente, sem se fazer anunciar. A mãe bateu à porta

do quarto e acordou-a. Ana despertou do sonho maravilhoso que tivera. O

livro que estivera a ler permanecia aberto, caído sobre a almofada… Sorriu.

Pela primeira vez, compreendeu que a “menina azul” fazia parte do mundo

encantado dos livros. Um mundo que podia ser seu, sempre que ela quisesse…

Bastava deixar-se enfeitiçar pela magia das palavras…

Saltou da cama, repleta de energia. Queria ir ver o Menino Jesus no presépio,

a estrela cintilante no cimo do pinheiro… Queria aproveitar todos os instantes

daquele maravilhoso Natal passado em família!

Vestida com o casaco novo que o pai lhe trouxera, parecia uma princesa, tão

bela como a menina que ilustrava as páginas do livro que estivera a ler. Até

os seus longos cabelos negros refulgiam com reflexos azuis, azuis da cor do

céu.

Edite Pimentel

Elisa Carvalho

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EDIÇÃO:

Biblioteca Escolar

Agrupamento de Escolas

Dr. José dos Santos Bessa - Carapinheira

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