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Contos da vida, pelos cantos da Vila Prefeitura Municipal de São Paulo Secretaria Municipal de Cultura Programa de Valorização de Iniciativas Culturais Coletivo SIM e Associação Cultural Vila Maria Zélia São Paulo - 2011

Contos da vida, pelos cantos da Vila · histórias e desejos. Assim, os limites das artes não eram limites para nossa criação intergeracional. Nestes encontros histórias recentes

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Patrocínio Realização

Contos da v ida,pelos cantos da V i la

Prefeitura Municipal de São PauloSecretaria Municipal de Cultura

Programa de Valorização de Iniciativas CulturaisColetivo SIM e Associação Cultural Vila Maria Zélia

São Paulo - 2011

livreto_2011_capa Spread 1 of 2 - Pages(4, 5) 11/17/11 6:48:06 PM

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Éride AlbertiniGabriela Canale Miola

Paulo José Afonso CaldasRenata Fernandes

Thales Alves

Contos da v ida, pelos cantos da V i la

1a edição

São Paulo

Associação Cultural Vila Maria Zélia

2011

memórias e impressões de uma experiência de criação coletiva entre gerações da Vila Maria Zélia

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Uma das primeiras vilas operárias do Brasil, projetada pelo arquiteto francês Paul Pedraurrieux, baseada nas cidades européias do início do século passado, Maria Zélia começou a ser construída entre 1911 e 1912 pelo médico e empresário Jorge Street, a fim de abrigar os funcionários de sua fábrica de sacos de juta. Eram tempos áureos do café e a fábrica forneceria material fundamental para esta indústria. Na época, a família Street e os trabalhadores da fábrica habitavam juntos o lugar da vila. Cada família, dependendo de seu tamanho, tinha uma casa que a comportasse. Todos da família deviam trabalhar na fábrica para ter direito à casa e ao que a vila oferecia: creche, escola apenas para meninas, escola apenas para meninos, capela, jardins, coreto, armazéns – com os mais variados produtos e serviços –, ambulatório médico, dentista, açougue, clube esportivo e salão de festas. Esta estrutura de conforto oferecida ao funcionário representava um avanço para a política industrial da época. Street, que chegou ser diretor-geral do Departamento Nacional de Indústria e Comércio, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, chefiava a execução do projeto pessoalmente e acreditava que “não ia construir nenhuma obra de caridade, mas sim uma obra de justiça e de direito social”.

Hoje, passados quase cem anos, após ter sido tombada pelos órgãos CONPRESP e CONDEPHAAT, a Vila Maria Zélia possui forte apelo cultural e poético. Lugar de muitas passagens, evoca ao visitante as memórias de um cenário, um lugar perdido, escondido ou esquecido na cidade. Os visitantes, encantados, celebram o patrimônio esquecido pela modernidade, pelo progresso, pela especulação imobiliária. Numa visita, nenhum ruído é percebido. Este cenário, conformado pela forte arquitetura devastada pelo tempo, nos faz um apelo constante à memória. Uma memória, no entanto, quase muda e em preto e branco, que apela à ideia de felicidade e completude. Um cartão postal perdido da antiga vila, que nos completa em tudo o que hoje nos falta em uma cidade.

A Vila é um lugar de memória. Uma memória que, como qualquer outra, precisa ser trabalhada, alimentada, ressignificada. Pois, não sendo vivida, a memória se cristaliza em fantasias, em ruínas. Os moradores sabem bem o que significam essas imagens, porque não são visitantes, mas sim habitantes e, por isso, presenciam

Contos da vida pelos cantos da vila: memórias e impressões de uma experiência de criação coletiva entre gerações da Vila Maria Zélia / [Organizadora] Renata Fernandes; [textos] Éride Albertini; Gabriela Canale Miola, Paulo José Afonso Caldas; Renata Fernandes; Thales Alves / [Projeto gráfico] Luciana Santos / [Edição e Revisão] Thales Alves. – São Paulo: Associação Cultural Vila Maria Zélia, 2011.

48 p. : il., retrs.

1. Arte 2. Abordagem interdisciplinar do conhecimento 3. Intergeracional – Educação – Vila Maria Zélia – Patrimônio (São Paulo, SP) I.Albertini, Éride. II. Alves, Thales. III. Caldas, Paulo José Afonso. IV. Canale, Gabriela. V. Fernandes, Renata. V. Santos, Luciana.VI.Título.

ISBN 978-85-65281-00-3

CDD 700

O tempo e a V i la

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todos os dias o seu cotidiano, o poder do tempo. A arquitetura tombada da Vila pode ter sido esquecida por todos, cidadãos e governantes, pessoas comuns ou instituições governamentais e culturais, mas nunca foi esquecida pelo tempo. Cada prédio tombado tem, a cada dia, sua parede comida pelo tempo. Atualmente pertencendo ao INSS, hoje os imóveis não são de ninguém. São do tempo e de quem o compreender. Nenhuma pessoa física pode restaurar as paredes caídas dos galpões. Apesar de serem donos de suas casas, os moradores não podem alterar suas fachadas tombadas. Em 2010, os moradores foram cobrados pelos órgãos responsáveis pelo tombamento da Vila por atitudes de manutenção do patrimônio arquitetônico de suas casas.

Muitos ficaram surpresos, mal sabiam o que significava um bem tombado. Muitos fantasiaram e alimentaram medos infundados de perderem suas casas, pois não haviam preservado os padrões arquitetônicos tombados. Surpresa e medo permeavam o imaginário dos moradores em 2010.

Ao mesmo tempo, os prédios dos antigos colégios das meninas e dos meninos, onde muitos moradores estudaram, encontram-se em ruínas. Assim como outros dois pequenos imóveis e o galpão do armazém, que há anos aguarda restauração. No entanto, a cidade clama por ser ocupada. “A quem interessar possa” é uma frase contida no cimento das paredes deste lugar. Há quase uma década somente um galpão da Vila continua vivo, o antigo boticário, ocupado pela Associação Cultural da Vila e pelo Grupo XIX de Teatro. Ambos mantêm informalmente os cuidados cotidiano que todo imóvel pede. Mesmo assim, em 2011, observamos os prédios dos antigos colégios recebendo constantes “visitas” de adolescentes que interveem no tempo e atualizam seus efeitos. Picham, queimam, destroem o que puderem dentro dos galpões. São contra a lei constitucional de depredação de patrimônio público, ao passo que obedecem a lei de ocupação do que não tem dono.

Desde 1996, a Associação Cultural Vila Maria Zélia (ACVMZ) trabalha em prol da história, conscientização e revitalização da Vila. Em 2005, a chegada do Grupo XIX fortalece este olhar para a Vila e sua história, devido a estética de seus trabalhos e pesquisa acerca do tempo e da memória. Em 2010 e 2011, o Coletivo SIM! em parceria com a ACVMZ, intensifica este trabalho, com uma proposta multiartística e intergeracional que sugere o (re)encontro dos moradores com a cidade. Do corpo com a arquitetura. Da memória com o presente e todos os conflitos que ele traz. Sobretudo, propõe criar laços, lastros de afeto com a cidade e sua história.

Tudo isso para que a criação esteja acima da destruição, alimentando um ciclo virtuoso de vida.

Neste cenário, em 2010, as crianças da Vila e e sua forma de narrar foram “alvo” do interesse do Coletivo SIM!. Forma que percebemos híbrida em suas matérias e linguagens e que exaltamos contemporânea, por se apresentar muitas vezes fragmentada, não linear, mas coerente, instantânea e efêmera. Interessava-nos o presente de um lugar em que a memória paira pelas ruas e paredes. Tratamos de narrar contos, histórias de si e do outro. Narramos por meio de danças e imagens o conto popular Os sapatinhos vermelhos. Falamos sobre as escolhas, os cortes, o fim, a morte e a vida. Falamos sobre a arte. Criamos juntos, crianças e adultos, uma versão nossa sobre uma história ancestral.

Em 2011 encontramos, além das crianças, as senhoras. E tivemos o desejo de proporcionar mais encontros, agora entre as gerações da Vila. Gerações de moradores, de histórias, de memórias, de sentidos e percepções. Desejávamos exaltar a Vila viva, para além do cartão postal. Desejávamos escutar as histórias do hoje e do amanhã. Contos da vida pelos cantos da vila quis trazer algumas questões de nosso tempo à consciência da velha Maria Zélia, de seus moradores, visitantes e responsáveis.

Contos da vida pelos cantos da vi laO presente livreto é uma documentação das ações culturais realizadas na Vila Maria Zélia ao longo de 2011. O projeto de criação coletiva trabalhou a identidade, o sentido da memória e do afeto com a cidade, por meio de um conjunto de propostas artísticas inspiradas pelo patrimônio histórico e cultural da Vila Maria Zélia encontrado na arquitetura e no modo de vida dos moradores, desenvolvido com crianças e também com senhoras da terceira idade moradores do local e arredores. Trata-se de uma proposta de produção e reflexão artística sobre a vida em comunidade e sobre o patrimônio cultural, realizada pela Associação Cultural Vila Maria Zélia em parceria com o Coletivo SIM!.

Sistematizamos nossas ações da seguinte forma:

1. Produção: oficinas intergeracionais e multiartísticas (dança, video, poesia e música), além de oficinas de linguagens específicas, como fotografia e canto coral. 2. Contextualização: visitas a museus e teatros

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3. Recepção: mostras de cinema, vídeo e concertos na Vila 4. Circulação da produção cultural dos moradores em centros culturais e educacionais nos arredores da Vila

Com esta estrutura, acreditamos potencializar a troca de saberes produzidos pelos moradores, além da reflexão a respeito da Vila e do bem cultural e patrimonial. Por meio dessa troca o morador produz (em oficinas), reflete com a cultura que vem até ele (mostras, cinemas, concertos), se conhece melhor pelos olhos do outro e da história (visitas a museus) e se mostra e coloca no mundo (circulação de sua produção em centros culturais e educacionais). O fio condutor no desenvolvimento desta estrutura foi o trabalho sobre a simbologia do patrimônio histórico, bem como do saber viver em comunidade.

Sobre a cria oNo ano de 2011, desenvolvemos um conjunto de ações culturais que teve como

eixo o trabalho sobre a cidadania, identidade e memória dos moradores da Vila. Para isso, produzimos arte. No primeiro ciclo de oficinas, que chamamos multiartísticas, os moradores da Vila puderam refletir e trabalhar, junto ao Coletivo SIM! a relação existente entre as pessoas e a cidade, a arquitetura e os corpos, por meio de atividades que trabalhavam o encontro de indivíduos das mais variadas idades, histórias e desejos. Assim, os limites das artes não eram limites para nossa criação intergeracional. Nestes encontros histórias recentes e memórias, danças e sons de hoje e de ontem, paredes e palavras gravadas no cenário da Vila foram matérias-primas das criações que resultaram poemas, músicas e uma videodança. A oficina de fotografia, orientada por Clécio Antão, ex-morador da vila, voltou o olhar dos moradores ao lugar onde habitam, e este olhar estético levou ainda mais à construção de afetos com os seus espaços, suas pessoas, sua natureza, sua arquitetura. A oficina de canto coral, que começou despretensiosa em quatro encontros, quase não teve fim. As senhoras e crianças da Vila adoraram cantar as músicas de suas vidas ao longo de três meses. Os resultados destas experiências foram compiladas na mostra intitulada ENTRE OS PRÉDIOS E NÓS montada no antigo boticário da Vila – de 19 a 27 de novembro, quando compartilhou-se o processo criativo e a visão de cada indivíduo deste grupo com os moradores e com o público interessado em ações culturais e artísticas entre diferentes gerações. Foi uma oportunidade de mostrar as muitas caras e os diferentes tempos da Vila Maria Zélia.

ApreciarEm parceria com o E-cine – escritório de cinema da Secretaria Municipal de

Cultura de São Paulo –, fizemos um ciclo de filmes sobre a história dos bairros da cidade. Ao final das sessões, longas conversas se sucediam, e histórias sem fim desenrolavam as memórias dos moradores em suas relações com as cidades onde viveram, nasceram, passaram, amaram, trabalharam, sofreram. A Vila Maria Zélia muitas vezes era o foco pois é o berço de muitos participantes do projeto. Para as crianças, animações que tratavam da aproximação entre gerações abriram portas para a aproximação real que propúnhamos. Aliados aos cinemas, proporcionamos passeios que despertassem um olhar cuidadoso para o bem tombado na cidade. Visitas guiadas ao Teatro Municipal, recém restaurado, e ao Museu de Arte Sacra ajudaram os moradores a perceberem o fio do tempo e a ação do homem no processo de construção e manutenção de um bem cultural. Encantados pela beleza dos lugares, pelas informações sobre processos de revitalização e de preservação, os moradores desejam este mesmo fazer na Vila.

Cada ação do projeto foi documentada e pôde ser comentada por todos os integrantes no blog http://coletivosim.wordpress.com, que ao longo do ano funcionou como um diário de bordo dos artistas-orientadores e do qual muitos materiais saíram para compor esta publicação impressa, a qual também contém uma produção multimídia sobre a experiência da criação coletiva. Neste livreto, o leitor encontrará memórias, descrições e reflexões sobre o nosso processo criativo. Com esta iniciativa visamos compartilhar o caminho percorrido, as dúvidas, as descobertas e o conhecimento envolvido no percurso de criação, esperando com isso, produzir outras reflexões sobre a arte, a memória, o patrimônio e o bem cultural para além da Vila Maria Zélia e do Coletivo SIM!

Boa leitura!

Renata Fernandes

Moradora da Vila desde 2009 e integrante do Coletivo SIM!, foi coordenadora técnica das ações dos projetos de 2010 e 2011 contemplados pelo VAI.

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O programa Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, possibilitou à Associação Cultural da Vila Maria Zélia e ao Coletivo SIM! desenvolverem o projeto Contos da vida pelos cantos da Vila. As ações atingiram os nossos objetivos: sensibilizar os participantes para a importância histórica da Vila, bem como de outros pontos da cidade de São Paulo, e, ao mesmo tempo, resgatar a memória das pessoas e as histórias destes lugares.

Os quatro cantos foram buscados em todas as ações, oficinas e linguagens desenvolvidas – cinema, teatro, fotografia, música, passeios, mostras – e, por meio delas, descobrimos outros cantos e outras identificações com a cidade, que colocaram a memória e a história de vida de cada um de nós, moradores da Vila, no centro da questão.

A participação e envolvimento das pessoas nesse projeto nos mostraram que estamos no caminho certo. Os participantes estabeleceram relações e comparações entre os locais visitados e a Vila, assim como entre as histórias narradas nos filmes sobre outros bairros e as histórias do nosso. Através dos comentários satisfeitos sobre as cenas das oficinas de teatro, as músicas escolhidas para o repertório do coral, a busca de outros cantos para fotografar, o lamento pelo término das atividades nos remetem a um pedido de “quero mais”.

Nas atividades, contamos com a participação de diferentes faixas etárias, o que possibilitou uma maior troca entre as gerações. Dessa relação, destacamos troca de experiências, o respeito e a curiosidade pelo novo: “a história de vida de cada um e de seus lugares”.

A Vila Maria Zélia, um lugar com tantas histórias, agora ganhou mais uma... espalhada pelos quatro cantos da Vila.

Éride Albertini,

Presidente da Associação Cultural Vila Maria Zélia e proponente do projeto ao VAI 2011. Gabriela Canale

Thales Alves Renata Fernandes

Paulo Afonso

Coletivo SIM!Mais um conto da v ida.. . Na v i la

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Por entre os pr dios e n sO velho, a pele e o elefante

Quando recebi o honroso convite de Gábi, Renata e Paulo para, a partir de 2011, integrar o Coletivo SIM! e, consequentemente, o projeto “Contos da vida…”, fiquei imaginando qual seria o espaço a ser ocupado pela poesia e pela criação e apreciação literária como um todo, nesse processo.

O primeiro sinal para me (nos) ajudar nesta busca veio antes ainda do contato com senhorinhas e crianças, em nosso encontro de criação, no qual, inspirado numa experiência que tive num outro projeto com jovens, eu trouxe como proposta o aguçar de nossos sentidos humanos – olfato, audição, tato – para, a partir de algo não-verbal, conseguirmos trazer à tona memórias e sensações que pudessem, num outro momento, se materializar, aí sim, em palavras, versos, frases.

Entretanto foi o sentir das propostas vindas da dança, dos espontâneos movimentos dos corpos, das artimanhas visuais que faziam pessoas aparecerem e desaparecerem num determinado espaço, da naturalidade com que os sons e as palavras desenhavam canções; ou seja, o desenrolar e desvendar dos primeiros encontros, que foram me (nos) trazendo os sentidos de nossa ação e, talvez, a mais instigante de todas as descobertas sobre o lugar da poesia neste projeto: ela, simplesmente, não existia a olhos nus.

A poesia estava escondida. Em cada pessoa que ousou embarcar conosco nessa aventura. E em cada canto – muito mais que quatro – da Vila. Escondida nos bancos e nas folhas das árvores da praça. Embaixo do tinteiro do boticário. No confessionário da igreja. Na amizade sincera de João. Nos sons da palavra “mexerica”. E as senhorinhas as leram e as declamaram, uma a uma, cada qual com os versos que suas memórias conseguiram (re)construir. E as crianças as tatuaram na pele, em partes do corpo, e as lançaram no ar para que se escondessem de novo, de repente atrás de outro banco da praça, no verde das folhas de uma outra árvore, embaixo de outro tinteiro, confessando novos e doces pecados.

“Pra gente ver por entre os prédios e nós. Pra gente ver o que sobrou do céu”.

*Poetaescritor e educador social. Integrante do Coletivo SIM! e graduado em Letras pela PUC-SP *Artista e educadora. Integrante do Coletivo SIM! e graduada em Dança pela Unicamp

por Thales Alves*por Renata Fernandes*

Neste ano nosso objetivo na Vila foi sugerir o encontro do velho com o novo. Aqui tudo o que leva o nome de “velho” tem urgência em ser visto com respeito. Talvez mais do que isso: com afeto. Como artista, entendo que isso é algo que se aprende.

Um dia sugerimos que as crianças se escondessem na paisagem da velha casa devorada pelo tempo. Ao realizar a tarefa, tocavam sua parede. Eu queria fotografar este encontro entre os corpos e os prédios da Vila. No encontro entre peles, a foto levou tempo a ser tirada, pois eu fotografava uma a uma entrando no enquadramento e se posicionando, até que todas estivessem escondidas. Na espera, podiam ouvir o silêncio e o discurso daquela abandonada casa. Ao fim de dez minutos, imóveis, as crianças se descolaram da paisagem e me contaram que, de repente, a parede começou a se mexer. Havia formigas trabalhando nela. Sentiram cheiros de flores e de mato. Sentiram seus corpos formigarem. Disseram que não conseguiriam mais ficar parados. Viram cores vivas de pertinho que, de longe, não existiam naquela casa monocromática. Ouviram um vento diferente soar.

Outro dia fizemos a mesma proposta às senhoras. Desta vez na antiga escola. Menos crianças, elas não se aprofundaram nas paredes. Mas, ao tocarem a pele do prédio, riam, imaginando quão engraçado seria muitas senhoras de costas, procurando algo que ninguém sabia exatamente o que era.

Observei as crianças enraizando. As senhoras expandindo-se, saindo de si. Movimentos complementares, necessários. A proposta era se aproximar. Ninguém se manteve no mesmo lugar. Todos tocaram a pele dos velhos prédios da Vila Maria Zélia. Esta provavelmente foi a primeira vez que estes moradores tocaram a pele de suas casas, da sua Vila. Como toda primeira vez, emociona, abre espaço pra escuta, amolece as nossas paredes. Aproximamos a pele da casa da pele do morador. Eu, observando, mergulhada em memórias minhas, me senti aconchegada dentro da cidade, num espaço que também é meu, também é eu. Também é tanto quanto eu.

Lembro-me do dia em que toquei a pele da mão do meu avô que eu amo e me lembrei da pele enrugada de um elefante que eu nunca havia tocado, mas achava engraçado. Eu tinha uns 4 anos. Achei engraçada a pele do meu avô e amei mais o elefante. Naquele dia eu era mais íntima dos seres que eram grandes e velhos, porque não tinha medo de tocá-los.

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A expectativa musical por Paulo Afonso*

O estado de expectativa musical se dá quando um ouvinte, munido de sua bagagem musical, tem a intenção de ouvir música. E, geralmente, isso não ocorre de forma passiva. Quando a pessoa prepara sua atenção para ouvir música, resgata de sua bagagem possibilidades musicais logo que o som começa a ser captado, justamente pela necessidade de entender como aqueles sons se encaixam em seus padrões musicais pré estabelecidos. É, portanto, com esse resgate que surge o espaço e o movimento de compor.

Esse processo sugere que o ouvinte tenha de fazer escolhas sobre como esses sons vão figurar musicalmente, para que estes se tornem música ou para que a música seja entendida. Esse estado de expectativa, bem definido, é pré-requisito, inclusive para que o ouvinte se surpreenda com súbitas mudanças numa música, já que o estado implica haver uma condição de normalidade de padrões na comunicação, que pode ser quebrada.

Nossa dinâmica de composição coletiva de canções foi desenvolvida com base em tais concepções. Dentro do processo dos encontros de criação, surgiram palavras, frases, poesias, construídas a partir de sensações e memórias. Pegando uma estrofe (refrão), produzida coletivamente, voluntários cantarolavam trechos, da forma que melhor conseguiam. As ideias eram ouvidas, aprendidas e escolhidas. O processo de escuta e reprodução, mesmo que de melodias inseguras e confusas, se configuraram numa parte importante da composição que tocava o coletivo. Foi o momento em que, na intenção de entender a melodia, cada indivíduo propôs sua versão, rearrumando, compondo e afirmando quando reproduzia. A medida em que fomos aprendendo as melodias e cantando, estas ficavam mais definidas e fortes.

A composição da sequência da canção levou em conta a expectativa de como se podia dar a continuidade. E, em consequência disso, os resgates de bagagem funcionaram trazendo previsões e ideias de sequências comumente ouvidas, que podiam ser encaixadas. Podemos fazer um paralelo com a brincadeira de telefone sem fio, na qual, no processo de ouvir, procuramos entender os sons ditos e acabamos por interpretá-los, rearrumando os sons em palavras diferentes. Dessa forma, inclusive, proponentes e afirmadores cooperaram na composição de três refrões que fazem parte da trilha composta para a nossa videodança.

*Músico, compositor e educador, formado pela UNIRIO. Integrante do Coletivo SIM! e ministrante das oficinas de canto coral neste projeto

O tempo e a cria o por Gabriela Canale*

Pensar um projeto entre três gerações é pensar na força do tempo. Como é possível criar, quando as referências e histórias têm linhas e datas distantes? É possível criar entre gerações? É possível algum tipo de encontro? Posso dizer que sim, é possível. E se pudesse definir um motor que nos colocou no movimento do encontro e da criação, o chamaria de memória. É ela, a memória, a mãe das musas. É a memória a mãe de todas as artes.

Criar com senhoras e com crianças é perceber que não é a idade que define se é possível ou não realizar o encontro e a criação, mas sim a forma com que se estabelece a relação com a memória. Tive o privilégio de encontrar senhoras abertas, dispostas, crentes que o hoje é um campo aberto para experimentar e recriar a memória. Tive o prazer de criar com crianças que se interessam pelo ontem, que reconhecem a história de onde vivem. E tive, também, o privilégio de criar com três artistas que sabem que a arte é o lugar para estar aberto, para ouvir com o corpo todo, para existir dentro de uma interrogação.

Guardo comigo uma imagem muito especial destas experiências. Trata-se de uma montagem que eu fiz em que há uma espécie de encontro impossível. Uma “fotografia” em um dos prédios tombados da Vila Maria Zélia, na qual veem-se as crianças, as senhoras e eu. Um detalhe importante: as senhoras e as crianças nunca tiraram esta foto juntas. Na realidade, a imagem que vemos é uma sobreposição que eu criei de uma foto feita com as crianças e de outra feita com as senhoras. Mas, nela, há também outras pessoas. Mesmo que elas não tenham sido fotografadas, estão lá. Há o fotógrafo. Há, ainda, Jaime Scatena e Francesca Woodman. Foi a partir da obra de ambos que criamos a ideia da foto. A proposta foi encontrar um canto da Vila para tentar nos esconder, tentar sumir no espaço.

Ítalo Calvino, em As cidades invisíveis, nos lembra que as cidades são construídas sobre outras cidades. E todas estão presentes. São camadas. Esta imagem é o retrato da memória do nosso tempo. De como construímos nossas imagens e nossas memórias a partir de múltiplas referências. Nela, vejo todas estas pessoas que listei, e tantas outras. Toda a memória em processo. A arquitetura da Vila. A história da fotografia. Todas as formas com que cada corpo entendeu seu lugar naquele espaço. As gerações que se encontram para criar juntas. Uma fotografia aparentemente impossível. Mas que é, na realidade, um retrato do tempo. Um retrato da memória: grande terreno de criação.

* Jornalista e artista multimídia. Mestre em Letras (UEL). Integrante do Coletivo SIM! e doutoranda em Literatura Comparada (USP)

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Encontro 1 As senhoras

Numa quarta-feira, dia 06 de julho, realizamos o primeiro encontro com as senhoras na Associação Vila Maria Zélia. O encontro foi ministrado por Renata e Gabriela.

Começamos com Renata conduzindo uma proposta de reconhecimento do espaço e de sincronicidade entre todas. Em seguida, fizemos uma dança circular de chegada no espaço, uma dança ancestral sobre o tempo e as relações.

Depois, vimos fotografias de Francesca Woodman. A fotógrafa nos interessou porque tem uma delicadeza entre fundo e personagem, entre arquitetura e movimento do corpo. A relação com o espaço, o corpo feminino que se esconde no ambiente, abriu a percepção para as imagens. Percebemos detalhes como cor, figurino, movimento, intenção etc. Vimos também uma fotografia de Jaime Scatena que faz uma releitura de Francesca. Percebemos então a ideia de atualização de imagem e de como o corpo de cada um se relaciona com o movimento da foto.

Em seguida, vimos imagens da Vila Maria Zélia tiradas há mais de 40 anos. As senhoras reconheceram e relataram algumas experiências pessoais sobre os espaços. Então, escolheram um lugar da Vila em que desejavam fotografar: a escola. Lugar onde muitas delas estudaram e que, hoje, é um prédio tombado, sem uso cotidiano.

Sugerimos um jogo para realizar a foto no espaço. A ideia foi retomar a relação entre corpo e arquitetura, que as fotografias da Francesca nos sugeriram. Estabelecemos duas regras:

REGRA 1

Escolher um espaço que quisessem ocupar, aquele em que se sentissem bem, confortáveis, em que cada um se sentisse quase invisível. A ideia da invisibilidade era uma sugestão importante.

REGRA 2

As pessoas deveriam entrar uma de cada vez, respeitando o fluxo de todos. A foto seria feita apenas quando todos estivessem no espaço.

Voltamos para o boticário, espaço de realização dos encontros. Tivemos um momento final de quietude, de solidão, de digestão. Sentamos e ficamos um minuto de olhos fechados, em silêncio, ouvindo sons de folhas, e mais um minuto em que ouvimos o texto de Ítalo Calvino sobre cidades invisíveis. Abrimos os olhos. Aí, vimos as imagens que fizemos e selecionamos as duas que mais gostamos.

Foi um prazer ver as imagens. Não houve unanimidade sobre a questão da cor e do desaparecimento. Algumas acharam que a foto colorida faria as pessoas “desaparecerem” mais. Assim, nos comprometemos a fazer duas versões das imagens.

Finalizamos quando cada uma recebeu um papel e escreveu uma palavra que tivesse relação com as experiências do dia. Palavras que, desde então, morariam em nossa Gaveta de palavras, no boticário da Vila.

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Encontro 2

Este encontro aconteceu sábado, 09 de julho. Seguiu basicamente o mesmo processo do encontro com as senhoras e foi ministrado pelas mesmas artistas.

Dançamos, percebemos o espaço, sincronizamos nossos movimentos. Depois, vimos fotografias da Francesca Woodman. Percebemos as diferentes formas de se mostrar e se esconder em um espaço e em uma fotografia. Em seguida, vimos fotos antigas da Vila Maria Zélia e conversamos sobre patrimônio histórico, tombamento, o tempo etc.

Escolhemos lugares que gostaríamos de fotografar na Vila e realizamos performances no espaço externo ao boticário, seguindo as regras de desaparecer no lugar e entrar no enquadramento um de cada vez.

Voltamos para o boticário. Concentramo-nos e ficamos “ouvindo” um pouco o silêncio, de olhos fechados. Vimos as imagens e escrevemos uma palavra sobre o encontro.

As crian as

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Encontro 3 As senhoras

Nosso segundo encontro com as senhorinhas da Vila ocorreu no dia 13 de julho, quarta-feira, e foi ministrado por Gabriela, Paulo e Thales. No primeiro momento a proposta, apresentada pelo Thales, foi de aguçarmos os sentidos. Por meio do olfato, do tato e da audição, convidados por folhas secas de árvores, folhas de manjericão, lavanda, cravo, pecinhas plásticas de artesanato, sons da natureza (chuva e pássaros) e sons improvisados no próprio ambiente, como batidas na porta, sugerimos que elas, com os olhos vendados, introspectiva e espontaneamente, fossem curtindo lembranças, sentimentos, sensações para, num depois, cada uma representar tudo em apenas uma palavra por escrito num pedaço de papel e, em seguida, fixar esta palavra, de modo a ficar visível a todos, na parte do corpo que, para elas, mais representava esta palavra. Surgiram palavras como lembranças, infância, calma e relaxamento. Fizemos, ainda, uma rodada na qual cada uma expressou o processo que levou à representação pela palavra.

Para retomar o encontro anterior, Gábi apresentou os produtos artísticos criados por elas junto com os que foram criados no último sábado pelas crianças, inclusive os vídeos feitos a partir das performances. Foi chamando a atenção para alguns detalhes interessantes: como as crianças acompanhavam com o corpo as linhas do espaço escolhido, as diferenças entre o colorido e o preto e branco etc. Elas ficaram positivamente surpresas com o resultado, sobretudo com a última foto, criada pela Gábi, que sugeria uma sobreposição das fotografias das senhorinhas e das crianças num mesmo espaço. Com esta mesma foto projetada, de uma a uma elas foram entrando no enquadramento da imagem capturada e deixando a projeção da foto ficar sobre o corpo. Quando todas já estavam no espaço, fomos alternando as imagens projetadas até, finalmente, termos a saída uma a uma do espaço.

Enfim, digitamos e projetamos na parede as palavras antes escritas

e sugerimos, a priori, a composição de quatro versos, partindo ou não das palavras, a fim de formarmos um pequeno poema. Entre ajustes de concordância e de ordem das palavras e dos versos, tivemos este resultado:

Por que foges de mim O perfume das flores O brilho do sol O barulho da mata nativa?

Lembro da minha infância Através dos aromas

Passamos para uma etapa de construção coletiva, na qual o grupo, verso a verso, foi compondo uma melodia para o poema. Paulo foi mediando as entradas e sugestões das senhorinhas para potencializar a apropriação de todas quanto às propostas individuais cantaroladas.

Antes de nos despedirmos, Paulo anunciou uma investigação que cada uma delas teria de fazer para ser apresentada, a princípio, na próxima semana: coletar sons que existiam na Vila e que hoje não existem mais.

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Encontro 4 As crian as

Este encontro aconteceu sábado, dia 16 de julho. Contou com as mesmas etapas e os mesmos artistas do encontro com as senhorinhas.

Começamos com o experimento sensorial trazido por Thales, onde as crianças vivenciaram o olfato, o tato e a audição, de olhos vendados, a fim de trazer lembranças e conhecimentos próprios delas. Em seguida, expuseram suas sensações e acharam, cada um, uma palavra que pudesse abarcar as experiências vividas. Paulo e Thales também entraram na brincadeira e escreveram suas palavras. Surgiram palavras como João, mexerica, folhas, papel, movimento etc. Obviamente, chamou-nos atenção a palavra “João”, escrita por um garoto chamado Cristiano. Ele justificou dizendo que as sensações que sentiu o fizeram lembrar de João, o seu melhor amigo. As palavras foram escritas em papéis e fixadas em partes do corpo que

tivessem alguma ligação com elas.

O segundo momento contou com uma retomada do encontro anterior e as crianças puderam ver fotos e filmes feitos no dia, assim como também puderam ver a produção das senhoras, o que gerou uma forte reação de identificação e pertencimento de grupo. Pudemos perceber o respeito que as crianças têm pelos seus conhecidos mais velhos, e a força que isso trouxe às atividades, quando viram que as senhoras também faziam aquilo que elas, as crianças, estavam fazendo. Depois, filmamos uma performance junto à projeção de fotos dos encontros anteriores, usando as palavras fixadas no corpo e sonorizando as palavras cantando ou falando ritmicamente, de forma livremente improvisada. As regras para a performance eram: entrar um a um, sonorizando sua palavra, trabalhando movimentos que a palavra pudesse sugerir; achar uma

posição para “sumir” na projeção; e, após todos terem entrado, sair na mesma ordem de entrada.

O terceiro momento, assim como com as senhorinhas, utilizou todas as vivências para a elaboração de frases para uma canção. As frases eram dadas pelas crianças e, depois de satisfeitos – com inúmeras frases –, propusemos composições de frases por meio de eliminação e/ou fusão de partes que líamos e combinávamos, assim como realocações de frases na ordem do texto. Com isso, pudemos dar uma enxugada e buscar sentidos mais profundos e

poéticos do que simplesmente dizer “isso é legal” ou “fazer isso é legal”. O poema musicado pelas crianças, deliciosamente joanino, ficou assim:

Ver é bonito, é João João não me bate Balança passa mão

Movimento é João Movimento é João

As plantas fazem um balanço legal, legal, Mexerica movimenta o João

Balança com João Movimento é João

Por fim, a canção foi gravada para ser usada posteriormente.

legal

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Encontro 5 As senhoras

Ministrado por Paulo e Thales, iniciamos nosso terceiro encontro com as senhorinhas da Vila, no dia 20 de julho, quarta-feira, com uma busca por palavras escondidas. Sugerindo que todas elas ficassem com os olhos fechados, Thales fez a leitura de um poema de sua autoria, denominado Espontânea mente, que traz em seus versos o anúncio de uma busca por algo desconhecido.

Notamos que o poema, talvez tanto por não oferecer um raciocínio linear quanto por conter termos não tão comuns à nossa fala cotidiana, como “pseudo vida” ou “antissemiótico”, fez com que “nossas” senhorinhas, em certos momentos, ao explanarem o que ficou dele para cada uma, lançassem mão de pequenas críticas, do tipo “poderia ser mais curto” e “algumas palavras são complicadas de se entender”. Entretanto, ao mesmo tempo, lembravam de trechos do poema que mais se identificaram,

todas elas tendo alguma relação com a memória, com passagens de suas vidas, principalmente da infância. Aos poucos, fomos mediando um diálogo para que elas percebessem diferenças entre esta proposta de texto e outras existentes em nosso dia a dia, por exemplo notícia de jornal. Por ser um poema, existe a possibilidade de o entendermos de forma menos racional, muitas vezes deixando espaço para que ele nos pegue de surpresa numa ou noutra passagem, fazendo com que saiamos dele em pensamento por algum instante para voltarmos depois.

Quando foi percebido que tínhamos, enfim, destacado a questão da “busca ou percepção de algo escondido” como tema transversal do poema, passamos para a etapa seguinte. Sugerimos dois momentos, sendo um dentro do boticário e outro fora dele. O desafio de cada uma, agora, seria de procurar palavras que,

de repente, estavam escondidas nas coisas ou espaços existentes no boticário. Para este primeiro momento, sugerimos que fosse um substantivo. Observamos que não seriam necessariamente palavras escritas em algo, e sim uma coisa, um nome que representasse o que estaria escondido. Thales foi até o canto da sala e começou a bater-cara, retomando a lembrança da brincadeira de esconde-esconde trazida por uma delas. Quando chegasse ao número 50, todas deveriam estar de volta

aos seus lugares, com a palavra, antes escondida e agora achada, memorizada.

Sugerimos, então, que guardassem na memória tais palavras para darmos continuidade. O segundo momento consistiu em ser o mesmo desafio anterior, porém, agora, com dois detalhes diferentes: a procura seria por palavras escondidas em espaços da Vila e a palavra seria um verbo. Nossa escolha de alternar entre substantivo e verbo se deu como um modo de investigar se as

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palavras poderiam se relacionar com maior fluidez no momento seguinte, de composição textual coletiva, ao termos uma combinação de nomes e ações, e, desse modo, permitir uma maior riqueza poética. Quando todas se reuniram, em poucos minutos, na porta do boticário, entramos para iniciarmos a próxima etapa.

Com todas novamente sentadas, cada uma relatou o que encontrou, tanto dentro do boticário, como nos espaços da Vila, entre substatntivos e verbos: confessar (escondido no confessionário da igreja), dedicação, sentar (no banco da praça), fé, caindo (nas folhas da árvore da praça), mesa, cuidar (no jardim e, também, num banco da praça), tinteiro, divertir (no clube da Vila) e porta. Percebemos que por trás de cada palavra existiam histórias, memórias maravilhosas. Apenas como experimento de produção textual com as palavras, arriscando, inclusive, reconstrui-las, chegamos coletivamente à seguinte estrofe:

Porta aberta de-dic-ação: Tinteiro diverte com fé E confessa caindo na mesa

Em seguida, Paulo retomou os sons que, segundo as senhorinhas, já existiram, ou ainda existem, na Vila, ao que tivemos: bentevi, panelas, cachorro latindo, maritacas, gatos, carro do gaz, vendedores ambulantes. Rapidamente, Paulo explorou com cada uma delas como marcariam a tonicidade das sílabas de algumas palavras, sendo a parte mais forte representada por um bater de palma durante a fala da palavra.

Por fim, mostramos a elas a gravação da música feita pelas crianças e notamos que ela trouxe uma sensação diferente às senhorinhas. Elas perceberam que havia ali algo mais descontraído e rítmico. Avaliamos que este seria um recurso importante para ter sido explorado antes da criação do novo texto com as palavras achadas, e não no final do encontro, pois poderia ter sugerido mais naturalmente novas possibilidades de se trabalhar com as palavras, sem a necessidade de uma mediação tão intensa nossa.

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Encontro 6 As crian as

O último encontro com as crianças, antes dos encontros integrados, aconteceu dia 23 de julho, sábado, e foi ministrado por Renata e Thales. Desejávamos trabalhar mais a fundo a narrativa e, mais uma vez, a memória foi nosso recurso escolhido. Abrimos nosso encontro brincando com danças pelo espaço do boticário. Primeiramente, acordamos nossas memórias guardadas em nosso esqueleto, percutindo cada osso do nosso corpo. Sentimos as reverberações. Depois uma boa massagem nos músculos acordaram e amoleciam as memórias guardadas na carne, além de ajudarem-nas a escorrer na pele. Uma leve ensaboada a seco em nossas peles fizeram as memórias verterem para o espaço da sala. Então, fizemos um grito do coração – o “rá”. As crianças adoraram a força que despertou nelas com o grito.

Com todos prontos, iniciamos com as danças de cada partezinha do corpo que tinha algo a contar.

Ao som da música, o movimento isolado de cada parte do corpo contava uma memória ao grupo. Sem palavras. Partimos, assim, para um segundo momento, quando brincamos de fazer as partes do corpo se encontrarem e se apaixonarem. Era uma brincadeira que lembrava Quadrilha, de Drummond (“João amava Teresa que amava Raimundo...”). O nosso foi mais ou menos assim: meu cotovelo amava meu pulso que amava meu joelho que amava o outro joelho que amava meu tornozelo que não amava ninguém. Meu cotovelo foi parar nas minhas costas, meus joelhos olhavam para fora, meu pulso encontrou minha orelha e meu tornozelo tocou o meu bumbum que caiu de amores pelo chão! Essa brincadeira de dança foi inspirada na dança do Forsythe, que pode ser vista no Youtube pelo link: http://youtu.be/6X29OjcBHG8

Depois destas histórias de amor, resolvemos sentar em grupo e

contar histórias de nosso corpo que vieram à memória com todas estas danças. Histórias de nariz, de pele, de braço e, enfim, histórias também de dor. Ao fim de uma longa contação de memórias, cada criança escolheu uma palavra da sua história e a “tatuou” em sua pele, no lugar do corpo que desejasse. Tínhamos diferentes materiais para este fim: barbantes, durex, fitas adesivas, canetas etc. Cada um poderia escolher como desejava tatuar sua palavra, sua memória, na pele.

Num terceiro momento, tentamos criar uma história coletiva, desta vez fictícia, com as palavras recolhidas de cada um do grupo. Acabou surgindo uma história meio real meio fictícia, porém que percebemos não ter

despertado muita relação das crianças com ela. Concluímos que elas gostaram mesmo foi de contar as histórias reais. De tatuar na pele uma memória importante, guardada lá no fundo.

No fim, brincamos de interagir com a projeção de palavras soltas no ar, dançando com elas. No inicio do jogo, entrou um a um para interagir com as palavras que estivessem projetadas na parede. Depois, todos puderam entrar quando desejassem. As crianças gostaram muito de brincar com a projeção, com as sombras e com as imagens projetadas em suas roupas e corpos. E, também, de fazer mímicas para suas histórias.

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Encontro 7 todos juntos

Ocorrido no dia 27 de julho, quarta-feira, e ministrado por Renata e Paulo, este encontro foi um dos mais autênticos de todo o processo. Foi a primeira vez que reunimos o grupo de senhoras e de crianças para uma proposta de criação coletiva. Não foi o mais romântico dos encontros, dadas as tensões e as contradições naturais da realidade. Considerando que muitas crianças das oficinas eram netas das senhoras que frequentavam o grupo, imaginávamos que seria o encontro mais tranquilo do mundo em relação à presença! Nada disso. As avós chamaram pelos netos e pelos amigos dos netos rua afora, e nada de eles mostrarem interesse em entrar no galpão do boticário para partilharem deste momento. Bater figurinhas lá fora, então, parecia mais interessante. Enfim, desistimos de esperar pelos meninos todos e começamos com quem estava conosco – muitas senhoras e poucas crianças.

Iniciamos com uma atividade mais corporal e lúdica, acordando nossos corpos e aguçando sentidos. A

atividade retomava um pouco a proposta realizada somente com as crianças no encontro passado (trabalhamos as memórias guardadas no corpo). Para isso, massageamos nossa pele, afagamos nossa carne, percutimos nossos ossos. Tudo para fazer movimentar nossas memórias. Há um ditado chinês que diz que o que vivemos até os sete anos fica guardado nos ossos. Um baque, uma tensão, ficam bem guardados nos nós de nossos músculos cansados. Uma queda, uma cirurgia, um banho de sol, ficam bem marcados em nossas peles. E tudo isso em nossa alma! Dançamos então com partes do corpo que nos levavam pelo espaço do boticário e nos levavam a tempos atrás. Brincamos novamente, mas desta vez com as senhoras, da dança “da parte do corpo que se apaixona pela outra”, a fim de despertar um sentido narrativo no espaço da dança.

Ao finalizarmos esta dança coletiva, sentamos todos juntos e falamos sobre memórias guardadas no corpo, no espaço, nas danças. Porém não contamos propriamente histórias.

Brincamos de criar outro tipo de narrativa, até porque as senhoras encontraram dificuldade em relacionar, de forma objetiva, memórias a partes do corpo. Para elas, não havia memória no cotovelo, nem história para contar do pé. Assim, fizemos uma ligação desta primeira atividade com um estudo proposto por Paulo nos últimos encontros. As senhoras e crianças nos trouxeram sons que simbolizassem coisas, palavras, histórias da Vila Maria Zélia. Ao emitir seu som, a pessoa poderia se mover, dançar com ele ou falar sobre ele. Neste momento, o grupo percebeu o quanto um som que lembramos pode ser uma memória do corpo, uma história do ouvido, do pé, da pele. Gravamos um amplo repertório de sons, escutamos belas histórias, entendemos que uma mesma referência sonora (por exemplo, um trem) pode ser muito diferente quando executado por

pessoas, por vozes diferentes.

Entre sons de trens, panelas, máquinas, sinos, pássaros, carros, vendedores variados – o leiteiro, o sapateiro, o doceiro, o vassoureiro – falamos sobre timbre, identidade, criatividade, loucura. “Quer dizer então que a forma como eu percebo a máquina de lavar funcionando pode virar música?” “Sim”, respondia o músico Paulo. “Quando eu escuto o trem passando, parece que sinto emoções diferentes a cada vez que ele passa, como se ele sentisse de forma diferente cada vez que naquele lugar passa. Será que estou louca?”, perguntava a senhora. “Não, a senhora está sensível e criativa”, respondia Paulo.

Sentir diferentes coisas que parecem iguais. Sentir sutilezas no que já foi esquecido e engolido pelo cotidiano. Retomar, ressignificar, recriar a memória. Pensamos: eis a arte?

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Encontro 8 todos juntos

Ministrado por Renata, Paulo e Thales, este foi nosso penúltimo encontro do processo, em 30 de julho, sábado – segundo encontro integrado. Senhoras e crianças estavam juntas no boticário novamente. O encontro anterior nos trouxe uma reflexão sobre o quanto o grupo de participantes da oficina, mesmo considerando a sensibilidade de muitos para manifestarem, de alguma forma, como tais experiências já estavam impactando seus olhares, mostrava a falta de referências dentro da arte e da história para dar limites, qualificar e valorizar as criações que estavam realizando, junto ao Coletivo SIM!, ao longo das últimas semanas. Percebíamos que os participantes sentiam prazer em realizar as propostas de criação, mas não se viam como criadores. Talvez se vissem, até mesmo, como alunos. Entendemos que para as senhoras essa era a referência cultural que traziam de suas histórias quando se encontravam numa relação de educação. Porém, sim, elas estavam numa situação

de educação, mas também de criação. Desejávamos, portanto, novos olhares na relação com o conhecimento. Um padrão necessário para que o estado de criação se instaurasse. Faltava uma certa consciência do ato de criar e do papel do criador em expressar dentro dos limites da história social e da arte.

Com base nisso, optamos por mostrar um conjunto de vídeos de obras de artistas, que julgamos pertinente nesse momento. Obras e discursos que se relacionavam com o que estávamos criando juntos – uma videodança, tendo como cenário, tema e matéria uma Vila tombada. O que é arte? Onde está a poesia? Podemos falar sobre tudo na arte? Foram perguntas respondidas no discurso de Adélia Prado, em entrevista cedida a uma rede de TV. Assim, começaram a entender que todos nós podemos fazer arte. Este vídeo abriu espaço para os participantes assistirem ao trabalho de Kazuo Ohno, por meio de um vídeo de dança que tinha a cidade como cenário.

Apreciaram o corpo velho e vivo do artista japonês, viram a morte no discurso da dança, as sombras e o frio no azul da imagem, e a mulher no seu vestido e na sua maquiagem. Também acompanharam a incrível dança das mãos proposta pelo vídeo Hands. Entenderam que todos podemos dançar. Enfim, mostramos a videodança realizada no fim do projeto passado – Vermelhos demais – que circulou este ano pelo festival Dança em foco. Enxergaram-se no papel de criadores.

Prontos para criar, fizemos a proposta do dia, uma espécie de ensaio ao que viria a ser, uma semana depois, a gravação de nossa videodança. O grupo escolheu um lugar da Vila para realizar um jogo de dança, que seria filmado. O lugar escolhido foi a igreja. Lá, explicamos as regras do jogo. Sentados num banco largo, posto em frente à entrada da igreja, iniciamos

com uma pessoa sentada, realizando gestos cotidianos marcados no tempo oferecido pela música tocada pelo grupo fora de cena. Entrariam no jogo mais duas pessoas, com o fim de dançar, em uníssono, o movimento proposto pelo mestre. Quando nós pedíssemos, entraria uma nova pessoa em jogo, que levaria uma das pessoas a sair de cena. As trocas de pessoas seriam, assim, sucessivas, formando, a cada entrada, um trio diferente. O jogo durou cerca de 15 minutos e, ao fim, voltamos ao boticário e assistimos à produção. Tivemos risadas, silêncios e algumas perguntas ao longo da exibição.

Além de perguntas que, mesmo implícitas nas questões não feitas, pudemos ler na face de cada um: “Isso é dança?”, “Como isso pode virar uma videodança?”, “Como uma atividade tão divertida de ser realizada pode ser séria?”, “Isso tudo pode ser arte?”

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Encontro 9 todos juntos

Mais uma vez ministrado por Renata, Paulo e Thales, no sábado, dia 06 de agosto, tivemos o encontro final. Uma dor do fim. Um alívio do fim. A beleza do fim. Decidimos somente reviver a última experiência do encontro passado. Refilmamos o jogo de dança, em frente à igreja, aprofundando-o. Este momento resultou na nossa videodança final. Para isso, cuidamos melhor da imagem e da qualidade do jogo, do movimento. Relembramos as regras. Jogamos um pouco de brincadeira para, depois, jogar a sério. Afinamos os instrumentos que o Paulo nos trouxe. Afinamos corpos, ouvidos. Neste momento, aconteceu uma improvisação com os instrumentos, regida pelo próprio Paulo. Foi um bela improvisação, também material da trilha sonora da videodança. As crianças e senhoras adoraram escutar cada entrada de instrumento no coletivo de sons. Cada participante tinha o seu instrumento, com timbres muito

diferentes entre eles, e era bonito de ver a sonoridade composta instantaneamente na improvisação. Após esta preparação para o jogo, fomos ao cenário de nossa dança: a igreja.

Durante aproximadamente vinte minutos, jogamos, sem interrupção, uma espécie de dança das cadeiras, onde somente três pessoas cabiam. Formaram-se, ao longo deste tempo, os mais variados trios: 3 senhoras, 3 meninas, 3 meninos, 3 homens, 1 senhora+1 menina+1 mulher jovem, 2 meninos+1homem... As variações eram belas e muitas delas falavam por si. O movimento comentava o encontro dos corpos. O som tocado ao fundo pelos participantes que não estavam em cena (os que estavam em cena trocavam constantemente de papel com os que tocavam os instrumentos) completava o discurso da memória dos corpos e do lugar da igreja. O discurso do lugar da Vila.

Após a experiência, assistimos o fruto do nosso trabalho. Pudemos ver nos olhos de cada participante o orgulho pela criação, o encantamento de si, do lugar, da memória. Bateram palmas no final da exibição de um rascunho da obra final que levará meses

para ficar pronta. Tomamos um chá da tarde. Comemos sonhos. Enganamos a fome. Alimentamos a alma. Abraçamo-nos, mas não dissemos “adeus”. O que criamos neste encontro fica na memória, tem eternidade. Chegamos a um fim.

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Encontros de cria o

ENCONTRO 1

No dia 03 de julho, um domingo com aquele friozinho típico paulistano, os artistas do Coletivo SIM! se reuniram para o que denominaram Encontro de criação. A proposta foi mobilizar sentidos em experiências artísticas. Cada um dos integrantes fez uma proposta, que foi realizada por todos.

A partir das experiências, foram pensadas as atividades que seriam desenvolvidas com crianças e senhoras, em sete encontros realizados nos meses de julho e agosto, na Associação Cultural Vila Maria Zélia, com patrocínio do Programa VAI, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Renata Fernandes conduziu uma dança de chegada no espaço, uma dança ancestral, sobre o tempo e as relações. Depois, Gabriela Canale propôs a busca pelas palavras naquele espaço, em um caminho que reuniu as palavras que cada um trazia no corpo, as palavras do prédio tombado, onde ocorreu o evento, e as palavras do espaço externo. As doze palavras selecionadas pelos artistas foram trabalhadas, até se tornarem um

poema. O poema foi projetado na parede e o produto final foi uma performance sobre tal projeção.

Renata conduziu, então, uma série de dinâmicas em que os artistas desenvolveram gestos, ritmos, frequências, buscando uma dança conjunta realizada no espaço externo a onde estavam num primeiro momento. Esta etapa foi finalizada com a apreciação de imagens antigas da Vila e a leitura, feita por Thales Alves, de um trecho do livro As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino, trazido pela própria Renata, em que há uma reflexão sobre habitar o hoje, habitar a cidade que foi e a cidade que é.

Thales usou os sentidos para sugerir que todos buscassem memórias. Vendados, os artistas experimentaram cheiros, texturas, sons, e relacionaram com memórias individuais. As memórias despertaram uma discussão sobre o tempo presente, sobre a idealização do passado e sobre a relação do hoje com o que foi.

O Encontro de criação foi finalizado com uma composição musical. O processo, conduzido por Paulo Afonso Caldas, baseou-se em frases aleatórias

que reunimos. Em seguida, propôs-se cantarolar as frases e adicionar instrumentos musicais.

Tal composição contou com uma letra quase non sense, porém que

muito agradou e divertiu os artistas integrantes do coletivo:

Casa de ver / Ninguém mais quer ser pajé / Escolhia feijão com a minha’vó / Ficava na gaveta de madeira.

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ENCONTRO 2

A artista Gabriela Canale sugeriu uma interação do Coletivo SIM! com o seu projeto pessoal chamado SP Residência Artística (spresidenciartistica.wordpress.com), no qual investigou a escrita urbana de São Paulo e realizou uma série de intervenções e performances na cidade.

A proposta do encontro de criação foi realizar uma videoperformance, que fez parte do filme final da residência, São Paulo, cidade imaginada. O processo foi desenvolvido, com a participação dos artistas Paulo e Thales, pelas etapas a seguir:

- gravação da filmagem de uma performance;- projeção da filmagem da performance sobre as pessoas do coletivo, que criaram uma nova ação, para testar possibilidades de enquadramento;- gravação da filmagem desta sobreposição entre o primeiro vídeo e as pessoas do coletivo.

O resultado é uma videoperformance com a sobreposição de tempos e ações. Parte deste material foi editado e faz parte do curta-metragem São Paulo, cidade imaginada.

Além do vídeo, produzimos também frames, como este a seguir.

Oficina de canto

Músicas marcam momentos da vida de cada um, fazendo com que as pessoas se apropriem delas como parte de sua identidade. A oficina de canto coral fez ponte com a oficina de criação coletiva, valendo-se da memória musical de períodos especiais da vida das participantes, que são, na sua totalidade, mulheres de diferentes gerações, sendo a maioria de terceira idade.

As integrantes do coro sugeriram canções, das quais cinco foram votadas para o repertório: Fascinação (Maurice de Féraudy e Fermo Marchetti), Carinhoso (Pixinguinha), Andança (Edmundo Rosa Souto), Como uma onda (Lulu Santos) e Coco Dendê (Tradicional, anônima - versão aprendida oralmente de um coco retirado da obra Os cocos, de Mário de Andrade), que não é da época de nenhuma participante, mas foi trazida pelo regente, Paulo Afonso Caldas, para marcar esse presente encontro. Paulo também fez os arranjos, para duas e três

vozes, que foram executados durante todo o processo.

Os encontros proporcionaram momentos de comunhão, cooperação, superação e muito prazer. Todo encontro começava com uma preparação, em que o grupo se alongava, respirava, se massageava, e exercitava vocalmente, para, enfim, o trabalho com as canções ser desenvolvido.

A experiência foi finalizada com um concerto que sintetizou o que foi trabalhado na oficina.

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Oficina de fotografia

Realizou-se um ciclo de oficinas intensivas de fotografia durante os meses de julho e agosto. Tendo como foco temático do trabalho a própria Vila, mais uma vez a proposta era voltar o olhar dos moradores ao lugar onde moram e construir afetos com os seus espaços, suas pessoas, sua natureza, sua arquitetura. Por entre formas, texturas, luz e cores os moradores da vila mostram o que encontraram em suas buscas.

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*Fotógrafo, designer e ex-morador da Vila Maria Zélia

Ao ser surpreendido pelo convite para expor meu trabalho fotográfico durante o aniversário da Vila Maria Zélia, senti-me imensamente honrado. Sinto um enorme carinho por essa vila tão singular, cravada no coração de uma das maiores metrópoles do planeta, onde tive a felicidade de viver por um bom tempo. Mal sabia que minha participação nesse fomento cultural estava apenas começando...

Fui agraciado com o convite para participar do ciclo de oficinas do projeto deste ano no quesito Fotografia, que aceitei prontamente. O treinamento, apesar de todo planejamento, não teve um formato definido. A turma foi muito heterogênea. Havia mães e filhos, senhores e senhoras, mulheres... Não tivemos nenhum aluno mais avançado: todos portavam câmeras compactas que tiveram seus recursos multiplicados pela vontade e desejo de aprender. Foram quatro tardes de sábados. Começamos expondo a história da fotografia, voltando ao passado e aprendendo sobre essa fantástica arte. Como os recursos dos equipamentos eram simples, resolvi focar muito na área da composição fotográfica, no olhar fotográfico. Tivemos ótimos resultados!

Durante as saídas para fotografar, aos fins das tardes, o inverno que se despedia nos proporcionou luzes maravilhosas, douradas e suavemente quentes. O resultado desse trabalho pode ser contemplado no material gerado pelo grupo, que demonstrou que o aprendizado foi assimilado e cada um fez seu registro pessoal e único dos muitos cantos da vila, transformando essas imagens em mais alguns contos para sua história. Fico muito agradecido por esse retorno e me sinto realizado com o trabalho feito.

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FICHA TÉCNICA CONTOS DA VIDA PELOS CANTOS DA VILA

Concepção de projeto e ações ASSOCIAçãO CULTURAL VILA MARIA ZÉLIA - ACVMZ E COLETIVO SIM!

Proponente do projeto ao VAI 2011 ÉRIDE ALBERTINI

Produção cultural ACVMZ E COLETIVO SIM!

Coordenação técnica RENATA FERNANDES

Associação Cultural Vila Maria Zélia ÉRIDE ALBERTINI - Presidente

DÓRIS LENATE – Diretora de Patrimônio e Cultura

Coletivo SIM! GABRIELA CANALE – Jornalista, artista multimídia e educadora

PAULO JOSÉ AFONSO CALDAS – Músico e educador

RENATA FERNANDES – Artista da cena e educadora

THALES ALVES – Escritor e educador

Oficinas multiartísticas COLETIVO SIM!

Oficinas de fotografia CLÉCIO ANTãO

Oficinas de canto coral PAULO AFONSO CALDAS

Cinemas e passeios ACVMZ

Participantes das ações culturais MORADORES DA VILA MARIA ZÉLIA E ARREDORES

Mostra ENTrE OS PrÉdIOS E NóS

Concepção e montagem COLETIVO SIM! E ACVMZ

Videodança

Concepção COLETIVO SIM!

Roteiro, edição e direção audiovisual GABRIELA CANALE

Captação de imagens: PAULO AFONSO, RENATA FERNANDES E THALES ALVES

Direção musical, concepção e edição de trilha sonora PAULO AFONSO CALDAS

Direção de trabalhos corporais: RENATA FERNANDES

Intérpretes: CRIANçAS

ALINE CRISTINA DA SILVA JESUS, BRUNO GABRIEL VIEIRA

DA CRUZ, CAIO EDUARDO SEGURO, CRISTIANO JUNIOR,

DANIEL PORTO DE SOUZA, DANIELA NASCIMENTO DE

LEMOS, GIOVANNA MARTINS, MARIA JúLIA PORTO, MILENA

D’AGRELLA RIBEIRO, MONIC LENATE, PAULO MATHEUS

GARCIA LEAL, RAPHAELA VIEIRA, RODRIGO CÉSAR DE

MENEZES, YNGRID MARANHãO.

SENHORAS

ESMERADA LUPETTI CARVALHO, IVETE LANGHI SIEGRISTE,

IVONE CEZAR DE MATTOS, JOSEFA, MILENE DE MATOS,

JOSEFINA MARLENE R. LUALTE, LUZIA DE MOURA, MARIA

ARLETE V. GOMES, MARIA GILDA MOTTA, MARIA TEREZA DO

SANTOS BELTRANE, NEUZA MARTINS GONçALVES, ROSAURA

A. NASCIMENTO, THEREZA MARQUES CARVALHO, SUELI

MADEIRA GOMES.

JOVENS ADULTOS

RENATA FERNANDES, PAULO AFONSO CALDAS, THALES ALVES

E PAI DA ALINE.

PARTICIPAçãO ESPECIAL:

PELÉ – O VENDEDOR DE DOCES.

cinemas e passeios

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Coral

Direção musical e regência: PAULO AFONSO CALDAS.

Seleção de repertório e interpretação: DINAH M. BELLINI , DORIS LENATE, ESMERADA LUPETTI

CARVALHO, GLADYS A. GOMES, ISAURA ROBLES, IVETE

LANGHI SIEGRISTE, IVONE CEZAR DE MATTOS, MARIA GILDA

MOTTA, MARIA TEREZA DO SANTOS BELTRANE, REGINA

MARIA AQUINO GODOY, THEREZA MARQUES CARVALHO.

Exposição fotográfica

Concepção ACVMZ E CLÉCIO ANTãO

Criação de livreto

Organização RENATA FERNANDES

Textos ÉRIDE ALBERTINI, GABRIELA CANALE, PAULO AFONSO CALDAS,

RENATA FERNANDES, THALES ALVES E CLÉCIO ANTãO.

Fotos ACERVO COLETIVO SIM! E ACVMZ.

Projeto gráfico LUCIANA SANTOS

Edição e revisão THALES ALVES

Catalogação GLEISE FERREIRA LINO

Criacão dVd multimídia RENATA FERNANDES

Site www.coletivosim.wordpress.com

Criação e manutenção

GABRIELA CANALE E RENATA FERNANDES

Texto e imagens COLETIVO SIM!

Site www.vilamariazelia.org.br

Criação e manutenção ACVMZ

Material de divulgação

Projeto Gráfico LUCIANA SANTOS

Edição de Textos RENATA FERNANDES

Revisão THALES ALVES

Imagem GABRIELA CANALE

Parcerias E-CINE

Agradecimentos

Aos pais de cada criança participante, por acreditarem na arte como caminho para formação de seus filhos, permitindo a presença deles nas ações do projeto,

Às crianças participantes, por se disporem a iniciar suas lindas trajetórias de vida e a já construírem coisas novas no mundo mergulhadas no universo de quem veio antes,

Às senhoras participantes, por não terem medo do novo e acreditarem na possibilidade de criação e interação com o diferente,

Ao Vinícius e ao Ian,

Ao James e equipe de coordenação VAI 2011, por acreditarem em cada ação deste projeto e incentivarem, de forma fundamental, que todas as propostas do projeto fossem realizadas plenamente, com a qualidade e o comprometimento de todos os envolvidos.

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Page 25: Contos da vida, pelos cantos da Vila · histórias e desejos. Assim, os limites das artes não eram limites para nossa criação intergeracional. Nestes encontros histórias recentes

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Contos da v ida,pelos cantos da V i la

Prefeitura Municipal de São PauloSecretaria Municipal de Cultura

Programa de Valorização de Iniciativas CulturaisColetivo SIM e Associação Cultural Vila Maria Zélia

São Paulo - 2011

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