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    Fico

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    * Tchingunzo nya TangwaTendo adoecido a me do tshingunzu (morcego), foi este ao encontro do sol, aconselho do adivinhador, para que lhe curasse sua me.

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    BONECA DE PANO

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    Copyright 2006, by Vrios Autores& Unio dos Escritores Angolanos

    OrganizaoAdriano Botelho de Vasconcelos,Tom Bernardo e Neusa DiasCapaDesenhos na AreiaReviso

    Ana de SVerbete do Escritorwww.uea-angola/link:bioquemDesign Grfico e ImpressoZoomgraf-k

    Depsito Legal N 2949/06Tiragem: 1000 exemplares2 Edio: Luanda 2006Coleco: Sete Egos N 9Todos os direitos desta edio UEAE-mail: [email protected]@uea-angola.orgSite: www.uea-angola.orgFax: 222-323205 Telefones: 222-323205/222-322221

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    Unio dos Escritores AngolanosSete Egos

    ADRIANO BOTELHODE VASCONCELOSNEUSADIAS

    TOM BERNARDO

    BONECA DE PANOColectnea de Contos Infantis

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    Os tesouros que sedimentamo nosso patrimnio cultural

    Abreu Paxe *

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    A BONECA DE PANO

    Esta Colectnea de contos infantis constitui uma experincia

    digna de louvor. No tempo da literatura angolana, a literatura infantilainda jovem. Ela s ganha corpo e expresso, precisamente, depoisda independncia, isto , com a criao da UEA.

    Ao aproximarmos aos trinta anos de existncia de Angola comopas independente e soberano, com ele surge e desenvolve-se aliteratura infantil, quero dizer, a publicada em livro.

    Sentimo-nos embaraados, quando o Secretrio-geral, AdrianoBotelho de Vasconcelos, nos solicitou, ou seja, nos indicou a fim de

    que prefacissemos este livro, ao mesmo tempo que tomvamosisto como um desafio. Sem, no entanto, ignorarmos as nossaslimitaes nesta matria. E, ainda por cima, por se tratar da primeiraexperincia num trabalho que aglutinaos pesos pesadosda literaturainfantil angolana.

    Ao assumirmos tal responsabilidade, nesta obra, achamos quenos compete esclarecer alguns aspectos ligados sua estrutura eorganizao e que podem, consequentemente, facilitar a leitura. Elarepresenta textos narrativos que poderamos definir em termos

    genealgicos como contos narrativos de fico, uma vez que soaqueles que impressionam a criana, e no s. Possuem no entanto,condimentos fictcios. Aqui a imaginao e a fantasia criaram seresreais abrindo a estes seres qualidades que no lhes pertencem.

    O fruto desta faculdade leva-nos a constatar que ela aponta paraos mesmos objectivos: divertir e instruir para as orientaes bsicas,

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    a dimenso ldica e a intencionalidade, dando assim, satisfao scoisas reais do nosso espao, tempo e das leis da natureza.

    Os contos tm algo de extraordinrio e de sobrenatural, quandopersonificam animais, frutos, tubrculos e plantas.

    Estes contos, alguns com vestes da literatura tradicional oral, sona sua quase totalidade destinada a um pblico-auditrioindiferenciado no respeitante a classes etrias ou sociais. So contosde tipo pragmtico, visando incutir, nos seus consumidores, umestado de predisposio que os leve a encontrar respostas na actuaoprtica contra eventuais agresses do meio onde estejam inseridos

    de ordem moral e fsica.Pode-se notar nestes contos, como da praxe, a convivncia entrehomens e animais. Entre homens e outros seres orgnicos, acimaaludidos. A transferncia para estes seres: do mar, da vida, do nossomundo e dos outros. Coisas sobre os mundos: visveis e ocultos, omundo do mistrio.

    Nesta antologia foram reunidos, apenas, 12 (doze) escritores,embora se reconhea que sejam poucos os que escrevem para crianasem Angola. Os escritores aqui reunidos, como pequena amostra,por consequncia aparecem com uma mdia de 2 dois contos cada.Vamos indic-los consoante aparecem ordenados com os respectivoscontos, nomeadamente: Cremilda de Lima com dois contos O

    Aniversrio de Vav Imbo e O Nguiko e as Mandiocas; CostaAndrade com o conto O Castigo da Raposa; Gabriela Antunescom o conto Kibala, o Rei Leo; Henrique Guerra com o contoO Caador, o Jacar, e a Pedra Negra; Jorge Macedo com os contosTo! To! Tome o Pato, A Noite, a rvore e o Passarinho de

    Bibe Maravilha e Jj, o Menino de Olhos de Bimba; JosSamwila Kakweji com os contos A Lebre e o Mocho e A guia eas Galinhas; John Bella com o contoA Cano Mgica; Maria

    Joo com o conto A Viagem das Folhas do Caderno; Maria EugniaNeto com os contos O Bicho das Patas Mil, A Trepadeira queQueria Ver o Cu Azul; Maria Celestina Fernandes com os contos

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    Os Dois Amigos e As trs Aventuras; Ral David com os contosA Palanca Vaidosa, A guia e o Candimba; Yola Castro com os

    contos O Lpis de Cor Rosa, As duas Mangueiras.Nessas condies, tentador subestimar e menosprezar a

    importncia da literatura infantil e dos que a produziram e que aproduzem como projecto de desenvolvimento geral e relegar para oltimo plano este tipo de preocupaes. verdade que estaColectnea de contos infantis no culmina forosamente com umamudana brusca da situao deficitria que esta literatura desempenhano sistema do ensino As crianas no lem e poucos, se no nenhuns,

    so os professores que levam um livro para a escola, para com eleajudarem as crianas a criarem hbitos de leitura, se bem que sepossa constituir, provavelmente, numa ferramenta essencial doprocesso de ensino e aprendizagem, logo um livro escolar, o quepode obrigar os alunos a utilizarem-no.

    difcil, geralmente, convencer os pases e seus pares do valor daliteratura infantil angolana j que os livros, no seu cmputo geraltm entre ns, uma utilizao penosa, por um lado. Por outro lado,o que se publica em Luanda no chega s provncias, que j de sipossuem uma vida cultural - isto no sistema de ensino em Angola -muito mais pobre.

    evidente, enfim, que face diversidade cultural caractersticado nosso espao nacional, o importante que, para ns, e outrospases de frica, falemos, ou melhor, enalteamos os valores destegrande tesouro que sedimenta o nosso patrimnio cultural, a nossaalma, que a literatura tradicional oral, como subsdio, de certomodo, da literatura infantil, j que o contrrio pode contribuir ainda

    mais para a limitao dos horizontes da criana angolana.Carpe diem, j dizia Horcio.

    Ingombota, em Luanda aos 9 de Julho de 2004.

    Escritor e Membro da UEA

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    Costa Andrade

    Fernando da Costa Andrade nasceu no Huambo aos 12 de Abril de 1936. ObrasPublicadas: Terra da Accias Rubras (1975), Um Ramo de Miostis (1970), ArmasCom poesia e Uma Certeza (1973), Poesia Com Armas (1975), O Regresso e oCanto (1975), O Caderno dos Heris (1977), No Velho Ningum Toca (1978),O Pas de Bissalanka (1979), Histrias de Contratados (1980), O Cunene CorrePara o Sul (1981), Ontem e Depois (1985), Falo de Amor Por Amor (1985),Lenha Seca (1989), Os Sentidos da Pedra (1989), Memria de Perpura (1990),Lwini (1991), Luanda (1997), Terra Gretada (2000), Antrio de Naufrgio(2005) e Com Verso Comigo (2005).

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    O Castigo da Raposa

    Depois de muitas queixas sobre a falta de tranquilidade, sobretudo noite, no bairro do tio Kondombolo, o Soba decidiu mandarchamar Ombala o Galo e a Raposa.

    Pretendia ter uma conversa muito sria com os dois, pois oshabitantes daquela zona da cidade queixavam-se de no poder dormir.

    Todas as noites uma barulheira danada, entre galinhas e pintosno bairro do tio Kondombolo, o Galo.

    No faltou quem afirmasse categoricamente que era a Raposa acausadora de toda aquela zaragata, aquela confuso nocturna.

    Os protestos foram tantos que o Soba decidiu mand-los chamarpara pr a claro a questo que estava prestes a causar mesmo umconfronto armado, com tiros, pauladas e tudo, por parte de algumvizinho mais nervoso.

    A Raposa, que manhosa, ficou um tanto aflita, assustada mesmo,pois sabia melhor que ningum que era ela a verdadeira culpada.

    Assim, foi procurar o Galo a casa, de manh cedo, para fazer-lhe aproposta. Sugeria que se apresentassem juntos, como amigos, demodo que o Soba nada teria de dizer, limitando-se possivelmente aumas recomendaes.

    Kondombolo, porm, h j muito tempo que queria ver-se livreda Raposa. Mal a viu ao longe e adivinhando-lhe as intenesescondeu a cabea debaixo da asa.

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    A Raposa chegou entretanto. Cumprimentou com toda ahumildade, com o falso carinho que s ela capaz de fingir, e fez a

    proposta esperada: Querido Amigo Galo, vim c para irmos juntos ao Soba.

    Apresentando-nos os dois, nada temos a recear e acabam-se as intrigas.No achas?

    O Galo debaixo da asa responde: Estou cheio de medo, Amiga Raposa. Sabes l o que nos espera?

    Para evitar maiores castigos, pedi minha mulher Nsanji, a Galinha,que me cortasse a cabea. Apresentando-me com a cabea cortada, o

    Soba perdoar-me- certamente de todos os erros que tenhocometido. Como vs j estou de cabea cortada.A Raposa, atrapalhada, pergunta: E como que conseguiste cortar a cabea e continuar a falar? Isso no problema. Pedi minha mulher nSanji que fizesse

    o trabalho: cortar-me a cabea de um s golpe, deixando-a ligada aocorpo pela pele. Assim fez e aqui estou. Quando voltar s dar umponto e fica tudo na mesma.

    A Raposa, oportunista, no quis saber de mais nada. Correupara casa. Contando tudo mulher, pediu-lhe que lhe cortasse acabea rapidamente porque j era tarde para a hora marcada. O Galo

    j estava pronto, podia chegar primeiro a casa do Soba e assim s ele que seria perdoado. Que cortasse depressa para que ele corresse echegasse primeiro.

    A mulher da Raposa foi buscar um grande njaviti e de um sgolpe decepou a cabea ao marido, deixando-a pendurada a sangrar.Mas quando viu o marido cair morto, ficou desesperada e furiosa.

    Correu casa do Kondombolo para castig-lo pela mentira que levarao marido morte.Kondombolo j tinha partido quando chegou a mulher da

    Raposa. Esta encontrou a Galinha atrs de uma espessa rede, a chocare mal humorada.

    Onde est o teu marido? gritou-lhe de fora a Raposa.

    COSTA ANDRADE

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    Onde est, que quero hoje mesmo dar cabo dele, de ti e de toda avossa famlia se te atreveres a sair da?

    No te preocupes que o Galo foi ao Soba contar-lhe tudo. omerecido castigo para o teu marido e para ti, j que vocs no tmfeito outra coisa na vida seno assaltar traioeiramente as capoeiraspara se banquetearem com os pintos, as galinhas e os galos que adormem indefesos sem fazer mal a ningum. bem feito e notornes a aparecer para que te no suceda o mesmo. Ns vamosorganizar a nossa defesa.

    Durante as duras batalhas travadas pela libertao do nosso pas

    da invaso inimiga os Pioneiros lutaram heroicamente contra forasmais poderosas e venceram, pondo em prtica prodgios de inveno.Av Chica conta vrias vezes a estria do castigo da Raposa e

    termina sempre dizendo: Os Pioneiros ganhavam sempre porque a inteligncia e a astcia

    a arma dos fracos contra os fortes e os malvados.Av Chica, porm, no consegue nunca reter a lgrima teimosa

    que reflecte, brilhante como o sol, o seu neto pioneiro, Zito, igual atodos os seus netos pioneiros, vtimas dos assassinos definitivamentederrotados pela fora invencvel da sua inteligncia, honestidade ecoragem.

    in Lenha Seca

    Edio: UEA, S da Costa / 1986

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    Cremilda de Lima

    Cremilda de lima nasceu em Luanda aos 25 de Maro de 1940. Obras Publicadas: AVelha Sanga Partida (1982), O Nguiko e as Mandiocas (1985), A Mkua QueBailoava ao Vento (1990), Missanga e o Sapupu (2001), O Tambarino Dourado(2001), A Kianda e o Barquinho de Fuxi (2002), Mussulo Uma Ilha Encantada(2003),O Maboque Mgico e Outras Estrias (2004), O Balo Vermelho (2005),O Aniversrio de Vov Imbo (2006) e A Colher e o Gnio do Canavial (2006).

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    O Aniversrio de Vov Imbo

    Nas barrocas da rua do Casuno, uma rua muito antiga da CidadeAlta, como chamado o bairro onde ela fica, h um Imbondeirocom um tronco muito, muito largo, alguns ramos finos, outrosgrossos e presos a eles folhas raras e frutos que parecem bales,baloiando ao sabor do vento.

    Certa noite, os habitantes dessa rua acordaram muitosobressaltados, pois l das bandas do Imbondeiro vinha um barulho

    muito esquisito...Acorda um, acorda outro, num instante todos os moradores

    daquela rua estavam em frente ao Imbondeiro.Que maravilha!...Todos olhavam de bocas abertas, a respirao suspensa, olhos

    esbugalhados de espanto!...O Imbondeiro estava todo iluminado com luzes de vrias cores:

    verdes, amarelas, brancas, azuis, castanhas, vermelhas...Uma msica muito bonita ouvia-se por toda a parte...claro

    alguma coisa muito importante tinha acontecido.Pois !...Vov Imbo tinha feito anos e as mcuas resolveram

    festejar o aniversrio do seu muitas vezes av.Para isso organizaram uma grande festa.

    As mcuas chamavam-se Mukuika, Mukuenda, Uki e Ueka.Elas eram muito amigas de vov Imbo.

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    Uma vez, hora do sunguilar, vov disse-lhes que ia fazer anos eelas, muito atarefadas, resolveram festejar o aniversrio do seu Pai

    Grande.Organizaram tudo. Fizeram os convites, falaram com os msicos

    e no se esqueceram do pitu.Mukuika e Mukuenda, foram os responsveis pelo

    embelezamento do lugar que estava muito lindo, com luzes, balese fitas de muitas cores e flores.

    Uki e Ueka, trataram de arranjar os msicos.Os quatro arranjaram o pitu. No foi difcil pois havia por ali

    muitos figos de piteiras, tambarinos, gajajas, maracujs e mangas.Para beber havia quissangua fresquinha preparada em cabaasenfeitadas de missangas de vrias cores.

    Numa grande quinda havia tambm kitaba, kifufutila,mikondos, bomb frito, castanha de caj e kitaba.

    Os msicos foram chegando...Faziam parte da orquestra tocadores de marimba, kissange,

    tambor, dikanza, violas, puita...Os tocadores de kissange eram os pardais, os tocadores de

    marimba eram os piriquitos. Os tambores eram tocados por doismacaquitos muito irrequietos sempre de orelhas espetadas e rabitono ar. A dikanza era tocada por um coelho, o violo por um papagaiomuito respeitvel, a puita por dois sapos.

    Todos os outros elementos da orquestra batiam palmas, cantavam,fazendo coro.

    Vov Imbo estava muito contente com a festa.O caso no era para menos pois estava tudo to lindo e muito

    bem organizado...Os convidados andavam de um lado para o outro, conversandouns com os outros, danando, comendo, fazendo cada vez maisamizades.

    Entretanto... Como era quase meia-noite, Vov Imbo ia apagaras velas.

    CREMILDA DE LIMA

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    Ento... uma a uma foram-se acendendo muitas, muitas luzinhasno meio do tronco do grande Imbondeiro.

    Vov Imbo tinha feito muitos anos... Mas como era muito fortede um sopro apagou as velas todas.

    Palmas e mais palmas... vivas e mais vivas, era s o que se ouvia...Os moradores daquela rua no conseguiam sair dali, to

    encantados estavam!...Tambm como era possvel ir embora, quando se podia apreciar

    algo to maravilhoso!...Ser que no estariam a sonhar?...

    O Cgado comandava a rebita... mais alm a Lebre e o Coelhodanavam a massemba.Mukuika e Mukuenda iam distribuindo o pitu e Uki e Ueka a

    bebida.As horas foram passando... passando... numa grande animao.Mas, como acontece em todas as festas, a msica foi deixando

    de se ouvir, as luzes foram-se apagando uma a uma...Os convidados depois de se despedirem de vov Imbo foram

    para as suas casas. Tudo ficou em silncio...Cada morador foi tambm para a sua casa, mas com a sensao

    de que estava mais alegre, mais feliz pois h muito tempo que novia um acontecimento assim to belo.

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    O Nguiko e as Mandiocas

    As mandiocas que viviam debaixo da terra em casinhas de tectoarredondado, fazendo vrios montinhos, estavam j a dormir.

    A noite era calma e com um luar muito bonito. Podia at ver-semuito bem a casa da vav Jaja, que vivia com seu neto chamadoMingo.

    No terreno em frente sua casa havia uma mandioqueira, masessa s dava sombra. Debaixo dela, vav tinha o fogareiro onde

    sempre fazia as refeies, o banquinho onde se sentava, o abano queutilizava para espevitar o fogo, a selha de aduelas de barril e a tbuaonde esfregava e lavava a roupa.

    Quando Mingo via que as mandiocas estavam boas para comercolhia-as e com elas fazia fuba de bomb, farinha de pau, ou entovendia-as cooperativa mais prxima.

    Mas, certo dia...Comea aqui a estria que vou contar...De manhzinha, bem cedo, as mandioqueiras que viviam perto

    da vav despertaram ao ouvirem a voz de Mingo que dizia: Estas mandiocas j devem estar boas para comer. Vou colh-

    las hoje tarde.As mandiocas ficaram muito assustadas, pois elas j sabiam qual

    ia ser o seu destino... Mexeram-se todas debaixo da terra e disseram: No, no vamos deixar que nos tirem daqui.

    CREMILDA DE LIMA

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    Pois no, dizia a mandioca maior. E olhem que eu no escapo,logo eu que j estou to grande e que no quero nem por nada ser

    pisada no pilo, para depois ser transformada em fuba e continuarainda a ser batida de encontro panela para virar funge...

    No! Ningum nos vai colher disseram todas ao mesmotempo. Ningum, nos vai tirar daqui! Mas para isso temos que nosunir e lutar para que Mingo no tenha fora para nos arrancar docho.

    Combinado! gritou logo a mandioca maior que era a queestava mais furiosa. Conversando umas com as outras... aguardaram

    o embate...Nesse preciso instante, ouviram ainda dizer: Mingo, corta ainda um tronco dessa mandioqueira a, essa

    que est a dar sombra para o tambor de gua, pois voc sabe que oChico j partiu o nguiko e o nosso almoo vai ser funge.

    Chico era tambm neto de vav Jaja e ia sempre passar as suasfrias com ela.

    Era to traquino que no parava quieto. Tudo lhe servia parabrincar. Portanto, o nguiko tambm serviu para fazer o seu carrinhode lata... Assim, vav, no tinha com que fazer o funge.

    Mas vav era to amiga de Chico que perdoava tudo... s que svezes tambm se zangava, claro... mas Chico prometia sempre termais juzo. Em casa da vav, ele encontrava muitos mimos: castanhade caj, farinha com acar para fazer conguenha ou quiquerra,bomb frito, quitaba, etc. Aquela vav era o mximo! Dizia oChico e enchia-a de beijinhos.

    Mas, voltemos nossa estria.

    O tronco da mandioqueira, que j tinha ouvido Mingo dizerque ia colher as mandiocas, pensou logo: Eh, p, j estou eu tambm na maka!... Mas no vou deixar

    que me cortem, no. No posso maltratar continuamente osgrozinhos de fuba, batendo-os sem cessar de encontro panela.Isso no posso fazer. No posso e estou decidido.

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    Mingo agarrou numa catana e dirigiu-se para a mandioqueirapara cortar o tronco. Cada vez que ele se chegava e levantava a catana

    para realizar a tarefa, a mandioqueira comeava a agitar com tantafora as suas folhas que ele no conseguia fazer nada. Tentou uma,duas, trs vezes e acontecia sempre a mesma coisa... A mandioqueiraagitava com quanta fora tinha as suas folhas.

    Vum ... Vum ... Vum ...Vum ... Vum ... Vum ...

    Mingo apanhou tamanho susto que comeou a gritar Vav, vav! Vem c, vem depressa! Na mandioqueira temkazumbi! Estou com muito medo. Vem depressa!

    Vav a arrastar os panos l foi o mais depressa que pode acudir oneto.

    Ch, menino, qu que foi mesmo? Vav, mesmo Kazumbi. Mas onde est?... No estou a ver nada...Mingo, ento explicou: Vav, no vou poder cortar o pau para fazer o nguiko, a

    mandioqueira est sempre a mexer.... Vem comigo, vem mais perto,vem s ver.

    Vav viu Mingo de catana na mo a querer cortar o tronco e amandioqueira a agitar as folhas com toda a fora. Parecia que estavaa fazer muito vento, mas s mesmo na mandioqueira...

    Eh! Eh! Eh! menino, deixa!. pode ser mesmo Kazumbi...Vamos embora para casa.

    Mingo ficou muito espantado com tudo isso e decidiu ficar deolho atento para ver o que se passava...J nem colheu as mandiocas.Sentou-se no cho bem perto da mandioqueira das makas para

    descobrir o que se passava...J estava cansado de tanto esperar, sem nada acontecer e ento

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    decidiu cochilar um pouco. A cochilar... a cochilar... o sono comeoua chegar de verdade e quase dormiu mesmo. Acordou sobressaltado

    pois pareceu-lhe que estava a ouvir rudos. Ficou muito atento...Afinal no era nada... Era ele que estava a pensar coisas!...

    Levantou-se e foi novamente cortar o tronco. Mas amandioqueira voltou novamente a agitar as suas folhas de tal maneiraque Mingo desistiu.

    Ento, Mingo resolveu ir colher as mandiocas.Mas que grande confuso!... Por mais que Mingo cavasse, no

    conseguia arrancar as mandiocas do cho, pois elas cada vez se

    prendiam mais terra. Mas que que se passa nesta lavra hoje? A mandioqueira nodeixa cortar o nguiko, as mandiocas no se deixam colher... Andamesmo aqui Kazumbi! Vamos esperar at amanh. Nem vale a penacontar mais nada vav. Ela vai ficar ainda mais assustada.

    E Mingo foi para casa.A mandioqueira mais velha, aquela que dava sombra para a vav,

    aquela que j conhecia tanta coisa deste mundo, apercebeu-se que seestava a passar alguma coisa na lavra...

    Viu a mandioqueira que dava sombra para o tambor de gua aagitar as folhas e viu tambm que Mingo no tinha conseguidocolher as mandiocas.

    Ento, reuniu todas as folhas do seu tronco e disse-lhes Filhas, aqui na lavra esto-se a passar umas makas muito feias

    e ns no podemos ver s e calar, preciso falar, corrigir quem esterrado. E contou tudo o que sabia. Depois de tudo bem conversado,a mandioqueira mandou duas folhas como emissrios, cada uma

    com a sua tarefa.A primeira chegou perto das mandiocas e disse: Mam grande sabe tudo o que se est a passar na lavra e

    mandou-me aqui para vos dizer que vocs no esto a fazer bem. preciso deixar o Mingo colher vocs, no refilar, porque o fim dasmandiocas alimentar as pessoas.

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    Nhum!... l vem esta com recadinhos... No vale a pena dizeresnada pois j tommos a nossa deciso. Ningum nos vai tirar daqui.

    Bem, vocs tomaram uma deciso bastante errada, pois huma coisa que esqueceram. O trabalho na lavra no vai parar. Vocsforam plantadas, cresceram e tm que ser colhidas. Depois vai havernova plantao e novas mandiocas.

    As mandiocas a princpio no estavam a concordar. Mas, depoisde conversarem umas com as outras, viram o erro que estavam afazer e disseram.

    mesmo... Mam grande tem razo e depois vamos servir

    mesmo para qu? Para apodrecer aqui no cho? No! Isso no! Isso ser egostas e ns no somos, nem queremos ser.E todas em coro disseram. Vai, vai dizer mam grande que j compreendemos tudo e

    no vamos mais criar problemas ao Mingo, nem vav. E, depois,como que o Chico vai fazer a sua quiquerra ?

    O segundo emissrio no teve tanta sorte...Mal chegou, ouviu logo um estrondo e uma voz vinda do tronco

    que dizia: O que que vens c fazer? melhor voltares pelo mesmo

    caminho. Trago um recado da Mam grande. Um recado? Eh! Eh! Eh! Tem graa! Pois, se por causa do

    nguiko podes ir embora, que aqui ningum vai cortar tronconenhum.

    Calma! Calma! Espera a... eu ainda no disse nada.Ouviu-se outro estrondo e a mesma voz bem zangada que disse:

    Nem precisas de falar parece que Mam grande fez calar asmandiocas, mas connosco no vai conseguir nada. Anda, vai-teembora!

    A folha que trazia uma misso e queria cumprir tudo direitinhos disse:

    Calma! preciso saber ouvir! E eu ainda no falei... Que pressa

    CREMILDA DE LIMA

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    A BONECA DE PANO

    essa de me mandar embora? Fala, ento disse o tronco com um grande estrondo.

    Pois !... No vou dizer muita coisa. S uma pergunta: como que vav Jaja vai cozinhar o funge? Com as mos?

    Perante a pergunta deste emissrio, comeou a ouvir-se umburborinho na mandioqueira e o tronco comeou a sentir-se sozinhoe a meter o rabinho entre as pernas, como se costuma dizer.

    Todos os troncos, tronquinhos, folhas e folhinhas se puseram aescutar uns aos outros... at que um deles em nome de todos disse:

    Sim, senhor, Mam grande tem razo. Como que vav vai

    cozinhar o funge? Pois , ainda bem que compreenderam, pois no custa nadasermos bons e prestveis. Mam grande vai ficar contente. Vou-meembora, mas quero lembrar a todos que cada um de ns, se existe,tem uma tarefa a cumprir portanto bom nunca esquecer isso.

    E o segundo emissrio tambm conseguiu cumprir a sua tarefa...

    In: Conto Indito

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    Gabriela Antunes

    Maria Gabriela Antunes nasceu no Huambo aos 08 de Julho de 1937. Obras Publicadas:A guia, a Rola, as Galinhas e os 50 Lweis (1982), Luhuna o Menino Que noConhecia Flor-viva (1983), Kibala o Rei Leo (1983), A Abelha e o Passro (1982),O Castigo do Drago Gluto (1983), O Jardim do Quim (1985), O Joo e o Co

    (1986) e Roupa Nova (1988).

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    Kibala, o Rei Leo

    No, eles j no podiam aguentar mais aquele leo. Est bemque era o rei, mas um rei tem de melhorar as condies de vida doseu Povo. E aquele rei no fazia nada disso. Pelo contrrio: s sesentia feliz quando sabia o povo infeliz. E como que o seu Povopodia ser feliz com um rei assim? No, eles j estavam fartos daquelerei. Eles tinham de fazer alguma coisa. Mas o qu, perguntavamentre si os animais, as rvores, as flores e os frutos da mata.

    O rei no gostava do Bom... nem do Belo... nem dos outros...Quando havia luar, no conseguia dormir. E ento berrava,

    berrava, berrava at acordar todos os animais. Depois ria. Ria e diziasatisfeito Se o rei no dorme, os escravos no podem dormir...

    Como ele s gostava de carne, achava que os frutos no prestavampara nada. Ento, quando as rvores estavam carregadinhas, eleabanava-as e espezinhava os frutos cados, sem se incomodar emestragar a comida de tantos animais.

    Depois ria. Ria e dizia satisfeito Se o rei no gosta de frutos, osescravos no podem gostar...

    E nem sequer se importava com os pssaros cujos ovos oufilhinhos repousavam nos ninhos que, ao cair, se desfaziam!

    Quando chegava a estao das chuvas e as flores vermelhas eamarelas, azuis e brancas, rosas e lilases brotavam das ervas, das plantasrasteiras e dos arbustos, ele espezinhava-as, no se preocupando em

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    saber aonde as borboletas iriam poisar, no se preocupando em sabercomo que as abelhas iriam fazer o seu mel...

    E os animais sofriam e lamentavam-se... e a pouco e poucocomearam a pensar no que poderiam fazer para se livrarem do rei.

    E um dia... um dia, o rei estava com fome e resolveu ir procurade caa. sua aproximao, todos os animais fugiam. Ele olhavapara um lado, olhava para outro, at que viu um lugar cheio deflores de vrias cores, junto do qual se achavam uma palanca com arde doente e duas crias. E ele, maldosamente, pensou:

    Depois de comer aqueles desgraados, j tenho uma cama fofa

    para me deitar e dormir uma boa soneca. E quando, sorrateiro, iasaltar sobre o fraco animal... catrapuz... caiu num buraco fundo. Emal caiu, comeou num berreiro que, se assustou uns, no assustououtros, pois a armadilha fora o resultado de muitas conversas,discusses e trabalho nocturno de vrios chefes de famlia dasredondezas...

    E por uma ou outra razo, ningum se aproximou do rei; masno ntimo todos se sentiam mais felizes por verem o tirano naquelascondies.

    E ele berrava, berrava e rugia e assim continuou pela noite fora,noite essa de calma para o resto da mata...

    E na manh seguinte, a vida continuou. Uns ficaram a tratar dacasa e dos filhos, outros saram para o trabalho e as crianas forampara a Escola.

    E pararam quando passaram pelo rei. Mas no riram, que ascrianas no se riem dos adultos! Mas sorriram... E passaram por lde novo, quando vieram da Escola. E o rei, ou melhor o leo, disse-

    lhes: Tragam-me gua. E digam aos vossos pais que me venhamlibertar, seno...Mas eles nem ouviram tudo. Chegaram a casa, deram o recado

    aos pais, mas estes no se preocuparam em libertar o rei, no sepreocuparam em matar-lhe a sede.

    Eles estavam mais preocupados com a organizao da mata... a

    GABRIELA ANTUNES

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    diviso de tarefas... o auxlio aos velhos... a Escola para os maisnovos... os medicamentos...

    E naquela manh, quando a palanca ia para o centro mdicotirar umas anlises, teve de passar pelo leo... No quis olhar, masele disse-lhe: Bom dia, amiga; ajuda-me a sair daqui. Ao que elarespondeu: Eu? A quem querias comer?. E l se foi...

    Depois foram os catuitis e os peitos celestes, que iam aocasamento do amigo bico de lacre, que ouviram. Venham... venham-me ajudar. E tragam-me gua... guuuua... E o Xexe, que era opssaro mais atrevido da mata, respondeu. Isto que era bom!

    E assim se passaram muitas horas e alguns dias.E Kibala, o rei-leo, s olhava, pois j no tinha foras parapedir ajuda. E as crianas eram as nicas que por l paravam,apostando hoje ele vai falar. No, hoje, ele no vai falar...

    E numa tarde, o cgado, que regressava de frias em casa doprimo, viu que havia uma total mudana na sua mata. E foi ter comum grupo de mais velhos que falavam debaixo de uma rvore.Perguntou-lhes o que se passava. E ficou a saber tudo... tudo o queacontecera.

    E o cgado pensou. Pensou e depois disse-lhes: Meus amigos,vocs j mostraram que no querem mais este rei. J o castigaram.

    J mostraram, tambm que podem e sabem governar a mata. Todosem conjunto! Mas se deixarmos o leo morrer nestas condies,seremos to cruis como ele. Vamos dar-lhe gua, comida e tratardele. Depois mandamo-lo para um local onde ele ainda possa sertil... Mas no devemos deix-lo morrer. Isso no!...

    E todos concordaram com as palavras sbias do velho cgado

    que j conhecera trs reis-Kibala, o rei-leo, o pai deste rei... e o avdeste rei...

    in 4 Estrias

    Edio: INIC / 2003

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    Henrique Guerra

    Henrique Lopes Guerra nasceu em Luanda aos 25 de Julho de 1937. Obras Publicadas:A Cubata Solitria (1962), Quando Me Aconteceu Poesia (1977), A Tua Voz

    Angola (1978), Alguns Poemas (1978), Estruturas e Classes Econmicas e ClassesSociais (1979) e Trs Histrias Populares (1980).

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    O Caador, o Jacar e a Pedra Negra

    Solitrio andando pela mata, procura de caa, um caador foiparar junto ao rio, onde encontrou um leo a lutar com um jacar.

    Ao ver o caador, diz o jacar: Caador, mata este animal que do ar e deixa-me vivo a mim

    que sou da gua, e eu fico teu aliado.Diz o leo: No, caador. Mata antes este tipo que da gua e deixa-me

    vivo a mim que sou do ar, e eu fico teu aliado.Diz o caador: No, no mato ningum. Este primo, aquele cunhado,

    como que posso matar um de vs?Diz o jacar: Mata sim, caador. Tens de matar um de ns. Mata antes este

    tipo e eu fico teu aliado.Diz o leo: A mim no, caador. Mata antes este tipo que da gua, e eu

    que ando nas matas fico teu aliado.O caador ficou perplexo. Pensou, pensou, por fim decidiu-

    se. Bem, j que tenho de matar um deles, mato o leo, queanda nas matas. Apontou a arma, um tiro, dois tiros, o leocaiu morto.

    Depois o caador olhou para trs e viu uma mulher, que lhe diz:

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    Porque que mataste o leo? No vs que ele nosso amigo,anda nas matas a proteger-nos?

    Diz o caador: No, minha irm. No bem assim. No vs que eu sou

    caador? Tinha de matar um deles. Gasto dinheiro com cartuchos epreciso de arranjar caa para cobrir as despesas.

    Diz o jacar: Obrigado, caador. Salvaste-me a vida e agora sou teu aliado.

    Vem da comigo, que eu vou apresentar-te ao meu pai. E a minha espingarda?

    A espingarda podes deix-la a, sobre a areia da praia.O caador escondeu a espingarda num stio retirado e os doisentraram na gua.

    Nadaram, nadaram, nadaram, deram um grande mergulho.Chegaram ao fundo do rio e entraram por um buraco. Foramandando pelo buraco at que encontraram uma grande sanzala.

    No meio da sanzala havia um baile muito animado, com moasmuito lindas.

    Diz o jacar: Boas tardes, meninas.Dizem meninas: Boa tarde, amigo. Como ? Trouxeste peixe para a gente comer? No diz o jacar. Este no peixe. um amigo meu, que

    me salvou a vida. Ah! Ento se assim, entrem, comam e dancem que a casa

    vossa.Entraram, comeram e danaram. Depois despediramse e

    foram andando. Encontraram a irm do jacar.Diz a irm: Boa tarde. Como , meu irmo? Trouxeste peixe para a gente

    comer?- No, minha me. Este no peixe. meu amigo e vou lev-

    lo casa do pai porque me salvou a vida.

    HENRIQUE GUERRA

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    -Ah, bom! Ento se assim, podem ir para casa, porque o paideve estar quase a chegar.

    Foram andando e encontraram uma velha muito doente, com ocorpo todo coberto de espinhos. Diz o caador:

    Boa tarde, minha avozinha. Ento o que tem? Boa tarde, meu neto. Olha, estou muito doente, tenho o corpo

    todo coberto de espinhos. Mas no se podem tirar com as mos, scom a boca.

    S com a boca? S com a boca.

    - Est bem, minha avozinha. J lhe vou tirar esses espinhos.O caador ps-se a tirar os espinhos do corpo da velha com osdentes. Quando terminou tinha a boca toda ensanguentada. A velhadeu-lhe uma pomada para que ele lha espalhasse pelo corpo, e cincolitros de vinho para bochechar. O caador aplicou a pomada nocorpo da velha e bochechou os cinco litros de vinho. A velha ficoucurada e o caador tambm.

    Diz a velha: Trs Calebungo!E imediatamente apareceu uma mesa coberta com uma linda

    toalha e cheia de belas comidas, doces, laranjadas e gasosas geladas.Pois que, quando uma pessoa tem certos poderes, basta dizer TrsCalebungo para que imediatamente se realizem coisasextraordinrias. Mas isso no sucede com todas as pessoas, s acontececom algumas pessoas que, atravs de muito estudo e de muitotrabalho, por terem muita experincia e muita sabedoria ou porterem realizado feitos extraordinrios, conseguem adquirir esse poder

    de fazer coisas difceis e fora do vulgar. Come, meu neto diz a velha , porque tu me curaste apesarde eu no ser tua av. No teu lugar, outros teriam passado ao largo,dizendo: Ela no minha me, me dos outros.

    O caador e o jacar comeram e a velha perguntou: Aonde vo, meu filho?

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    Respondeu o caador: Vou casa deste meu amigo, porque eu lhe salvei a vida e ele

    vai apresentar-me ao pai. Est bem, meu filho. Mas cuidado, quando chegar o pai dele

    no te sentes do seu lado esquerdo, senta-te do lado direito. Est bem, minha av. Boa tarde. Boa tarde.Puseram-se a caminho e o caador comeou a pensar: Como isto? Chegmos ao baile e perguntaram: Ento, nosso

    amigo, trouxeste peixe para a gente comer?, No, este no peixe,

    um meu amigo que me salvou a vida e agora vou lev-lo casa dopai. Depois encontrmos a irm: Como , meu irmo, trouxestepeixe para a gente comer?, No peixe, este um amigo meu queme salvou a vida e agora vou lev-lo casa do pai. Depoisencontrmos a me: Como , meu filho, trouxeste peixe para agente comer?, No, este no peixe, um amigo meu que mesalvou a vida e agora vou lev-lo casa do pai. O caso est a pr-sefeio, parece que me querem comer. Bem, no preciso de ter medo,coragem de homem!

    Foram andando e finalmente chegaram casa. Sentaramse nasala e pouco depois apareceu o pai do jacar:

    Boa tarde, meu filho. Trouxeste peixe para a gente comer? Boa tarde, meu pai. Este no peixe, um amigo meu que me

    salvou a vida, e por isso no o podemos comer. assim? assim. Ento est bem. Sentem-se a meu lado e vamos comer.

    O pai do jacar sentou-se e o jacar e o caador sentaram-se suaesquerda. Foi servida comida. Comearam a comer e a certa altura ocaador, lembrando-se das palavras da velha, levantou-se e foi sentar-se do lado direito.

    O pai do jacar virou-se de um golpe e atirou uma dentada parao lado esquerdo. Apanhou a perna do jacar.

    HENRIQUE GUERRA

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    diabo, enganei-me. Julguei que estava aqui o teu amigo,mas ele mudou-se para o outro lado e agora, em vez de o morder a

    ele, mordi-te a ti. meu pai. Ele meu amigo e no o podemos comer. Veio da

    terra e daqui a bocado tem de voltar para a terra. Ento est bem. Quem entra aqui no pode voltar para a terra

    e ns temos de o comer. Mas como teu amigo e te salvou a vida,pode voltar para a terra. Espera aqui um bocado que eu vou buscarbois, cabras e galinhas para ele levar.

    No, meu pai. Se ele levar bois, cabras e galinhas no pode

    voltar para a terra. O melhor ele entrar para dentro da tua barrigae tirar de l a casca de laranja e a pedra preta que est por detrs dalaranjeira.

    Ento est bem. Ele entra na minha barriga e tira de l a cascade laranja e a pedra preta que est por detrs da laranjeira. Mas stem cinco minutos para andar dentro da minha barriga.

    O pai do jacar abriu a boca e o caador entrou por ela. Desceu,desceu, entrou na barriga e encontrou a laranjeira. Tirou a casca delaranja e a pedra preta que estava por de- -trs da laranjeira. Voltou,subiu, e quando ia a sair o pai do jacar fechou a boca.

    Implora o jacar: meu pai, no comas o meu amigo. Ele salvou-me a vida e

    tem de voltar para a terra. Peo-te esse grande favor.O pai do jacar abriu a boca e o caador saiu. Despediuse de

    toda a gente e o jacar acompanhou-o na viagem de regresso.O caador voltou para a terra, com a pedra negra e a casca de

    laranja. Encontrou a espingarda no mesmo lugar onde a deixara

    escondida, apanhou-a e seguiu o seu caminho.Foi andando at chegar a uma lavra onde encontrou um velho. Boa tarde diz o velho. Boa tarde. Que fazes por aqui, velho? Ando procura da menina Mariquinhas, com quem nenhum

    superior ainda conseguiu casar-se.

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    Ento se ainda nenhum superior conseguiu casar-se com ela,como queres tu casar-te, tu que s velho, velho?

    Eu no posso casar-me com ela porque no tenho dinheiro, eo pai dela s quer dinheiro, onde mete a cara quer dinheiro, onde sesenta quer dinheiro. Eu queria encontrar a menina Mariquinhas paralhe pedir esmola. A casa dela ali por detrs daquela pedra grande,mas eu nada posso fazer para abrir a pedra.

    assim? assim. Boa tarde.Nesse momento tocou a sineta da lavra, anunciando que o

    trabalho havia terminado, e os homens que ali trabalhavam voltarampara o acampamento. Vendo que o caminho para a pedra grande seencontrava desimpedido, o caador tirou a pedra preta e a casca delaranja, bateu na pedra com a casca de laranja.

    Diz o caador: Trs Calebungo!Logo apareceu um belo fato de casimira. Trs Calebungo!

    Apareceram uns belos sapatos de polimento.O caador vestiu o fato, calou os sapatos e foi andando para a

    pedra grande, atrs da qual se situava a casa da menina Mariquinhas.Bateu na pedra com a casca de laranja:

    Trs Calebungo!A pedra abriu-se e na abertura por ela deixada apareceu a prpria

    Mariquinhas: no havia nada mais lindo neste mundo!A menina e o caador ficaram perplexos um perante o outro.

    Impressionado pela grande beleza da jovem, o caador fez-lhe logo

    ali uma declarao de amor, afirmando que queria casar-se com ela.Ento nesse momento a sineta tocou e os homens voltaram aotrabalho da lavra. A pedra fechou-se imediatamente. O caador tevede se vir embora.

    No dia seguinte o caador bateu na pedra antes de os homensirem para o trabalho. A pedra abriu-se e o caador confessou o seu

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    grande amor Mariquinhas, ao qual ela afirmou tambmcorresponder. Avisou-o, porm, de que o pai era muito exigente e

    que s a deixaria casar-se com um homem que tivesse muito dinheiro.Permitiu, contudo, que o caador a fosse visitar mais vezes. At queum dia se decidiu a telefonar ao pai, dizendo-lhe que gostava muitode um homem e que esperava o consentimento do pai para se casarcom ele.

    O homem que quiser casar-se contigo tem de apresentar trscasas sem janelas e sem divises interiores, tendo apenas duas portas.Do cho at ao tecto tm de estar cheias de dinheiro.

    Ao saber daquilo o caador retirou-se para um stio escondido,puxou da sua pedra preta: Trs Calebungo!Logo apareceram trs casas cheias de dinheiro, at o tecto era

    feito de dinheiro e dinheiro saa pelas portas. Se fossem barcos, ascasas ter-se-iam afundado ao peso de tanto dinheiro. Posto ao correntedo facto, o pai da Mariquinhas ficou mais satisfeito que um macacocom cem cachos de bananas e permitiu que os dois se casassem.

    A notcia daquele acontecimento espalhou-se rapidamente e todaa gente ficou admirada, pois nem mesmo o prprio rei haviaconseguido casar-se com a Mariquinhas.

    O rei ficou cheio de inveja e de ressentimento e resolveu vingar-se. Armou um grande exrcito para derrubar o caador, mas este, fora de dinheiro, armou tambm um exrcito poderoso. Travou-seuma grande batalha e o rei saiu vencido.

    E, depois do casamento, o senhor Joo (assim se chamava ocaador) mais uma vez puxou pela sua pedra negra, Trs

    Calebungo!, e imediatamente apareceu um belo prdio de segundoandar, dotado de todas as comodidades, onde ele foi morar com asua esposa.

    E assim viveram sossegados, sem problemas, o senhor Jooentregue sua profisso de caador, a senhora Mariquinhas todaentregue aos trabalhos da casa.

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    Um dia o senhor Joo saiu a dar um passeio e, por esquecimento,deixou a pedra negra e uma caneta no quarto, em cima da mesa de

    cabeceira. A lavadeira, que ali entrara para tirar a roupa suja, avistoua pedra e pensou:

    Se calhar esta pedra que d a sorte toda ao senhor Joo.Espera l, vou esconder a pedra e depois levo-a ao senhor rei.

    A senhora Mariquinhas, que se encontrava na sala de costura,teve um pressentimento e dirigiu-se para o quarto. No encontrandoali a pedra, perguntou lavadeira:

    Ouve c, lavadeira. No encontraste em cima da mesa de

    cabeceira do quarto uma pedra negra? No, minha senhora. Apenas encontrei esta caneta que o senhorJoo esqueceu em cima da mesa de cabeceira.

    Se ele se esqueceu da caneta tambm se esqueceu da pedra. No encontrei nenhuma pedra, minha senhora. Encontrei s

    a caneta. Mas porqu, alguma coisa de importncia? No nada. s uma pedra negra que serve para curar a tosse

    disse a Mariquinhas, a disfarar a atrapalhao.Logo que acabou o trabalho, a lavadeira foi a correr casa do rei

    e entregou-lhe a pedra negra, dizendo que ela era a causa da sorte dosenhor Joo.

    Ento, o rei mandou o administrador e os sipaios que fossemimediatamente prender o senhor Joo. Quando este voltava dopasseio, foi preso e metido na priso.

    E logo o prdio onde morava se transformou numa cubata decapim, cubata miservel pior que as dos acampamentos doscontratados.

    E agora as coisas esto assim: o senhor Joo sozinho e triste nasua cela escura, o rei satisfeito no palcio a gozar o prazer da vingana.Vai para o quarto ms que a situao se mantm, o senhor Joo nasua cela sem a mnima comodidade, longe da sua linda esposa, semnenhum companheiro na priso com quem conversar.

    Ento pediu que lhe deixassem receber roupa de casa para mudar,

    HENRIQUE GUERRA

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    pois a que tinha vestida j estava muito suja e na cadeia no deixavamque os presos lavassem a roupa. O rei autorizou que a mulher do

    senhor Joo lhe mandasse uma muda de roupa.A senhora Mariquinhas arranjou um saco onde meteu a roupa e

    dois gatos. O saco foi entregue ao prisioneiro, e, quando este odesamarrou para tirar a roupa, os gatos saltaram para fora e lanaram-se imediatamente caa de ratos.

    Em breve apanharam um rato, pois a cadeia estava cheia de deles.Diz o rato:

    senhores gatos, deixem-me viver. Porque que me agarram

    se eu no fao mal nenhum?Dizem os gatos: Ns vamos te comer porque tu comes os mantimentos dos

    outros. A no ser que nos faas um favor, mas no sabemos se tenscoragem.

    Tenho coragem, sim senhor. Digam l o que querem que eufaa.

    Tens coragem? Tenho coragem, sim senhor. Olha, ento queremos que vs casa do senhor rei e tires de l

    uma pedra negra que est no quarto, em cima da mesa de cabeceira. Sim senhor, senhores gatos. E para j.Ento os gatos largaram o rato.O rato saiu da priso por um buraco seu conhecido, atravessou

    os campos metendo-se pelo capim, e achou-se defronte da casa dorei. A comeou a roer a parede, roeu at a furar, e em breve estavano quarto do rei. Nessa altura encontrava-se o rei na sala de jantar,

    de maneira que o rato no teve a mnima dificuldade em roubar apedra. Saiu pelo buraco que havia feito, meteu-se pelo capim e embreve se encontrava na priso.

    Entregou a pedra aos gatos. Estes entregaram-na ao senhor Joo,o senhor Joo entregou-lhes duas fatias de carne e os gatos ofereceramuma parte ao rato, como paga dos seus servios.

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    O senhor Joo pegou na sua pedra negra, recuperada pela astciado rato, Trs Calebungo!, achou-se fora da priso, Trs

    Calebungo!, imediatamente apareceu um belo carro. O senhor Joometeu-se no turismo e foi ao encontro da sua linda esposa, quenessa altura j se encontrava vestida apenas com peles.

    in Trs Histrias Populares

    Edio: UEA / 1989

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    Jorge Macedo

    Jo rge Macedo na sceu em Ma lanj e ao s 14 de Outub ro de 1941 . Obra sPublicadas:Itetembu (1966), As Mulheres (1970), Pai Ramos (1971), Irmhumanidade (1973), Gente do Meu Bairro (1977), Clima do Povo (1977), Voz deTambarino (1978), Geografia da Coragem (1989), Pgina do Prado (1989),Literatura Angolana e Texto Literrio (1989), Sobre o Ngola Ritmos (1989), OLivro das Batalhas (1993), O Menino Com Olhos de Bimba (1999), Ternura deOlhos Verbais (2004), Apontamentos Histricos 1979-200 (2004) e As Aventurasde JJ na Aprendizagem da Lngua (2004).

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    As Aventuras de Jjna Aprendizagem da Lngua

    To! To! Tome o Pato.

    Todo pequenininho, nesses azulados dias de alegria, Jj tinhacomeado a chamar as coisas pelo seu nome. A primeira vez quealegremente conseguira dirigir a ti Ado a palavra p-p! p-p! p-p!, este no soube como traduzir para fora de si a vibrao

    incontrolvel que o seu lindo pardalzinho lhe proporcionara.Antes de adormecerem marido e mulher ti Ado confessou

    Cati o enorme e vasto delrio que o pequerruchinho do Jjconseguira causar-lhe. Calculo a tua emoo respondeu a Cati. Eu quase me matei de alegria quando, vezes sem conta, sem parar,como se colhesse estrelas mil, uma a uma, ele disse pela primeiravez, sorrindo: ma-m! ma-m! ma-m!

    (...)Noutro dia, o mais lindo Kassulinha do mundo deu-lhe para se

    divertir a gargalhadas ilimitadas com a repetio trauteada de palavrasque ia ouvindo pronunciar pela D, a Tt e o Zzito, seus irmos.E visto que o menino no se cansava de transfigurar com graa ebeleza o que ouvia dizer aos irmos, estes riam-se torrencialmente.

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    Eis seno quando o garotinho de oiro mais repetia trauteamentosengraados para ver a Dd, a Tt, e o Zzito a matarem-se de rir

    rir rir!Nesse momento a Televiso de Angola TPA passava o filme de

    bonecos animados de Tom and Jerry. Numa das cenas o co-alemoperseguia o eterno rival. Mas como o bichano de casa no comia osmalandros dos ratos, que roam po e queijo, chourio e sola dos pse j descaradamente se passeavam diante dos donos da casa, numadescontraco nunca vista, como se fossem tambm filhos da casa,Cati, marido e filho, enraivecidos contra o maldito do gato que no

    engolia os cachorros dos roedores, gritaram a uma s voz: a! Co,come o gato. Jj no se fez rogado. Antes pelo contrrio, acelerou ojogo da repetio brincalhona do que tinha ouvido dizer pelos pais eirmos, exclamando entre copiosas gargalhadas: To! To! To. Tomeo pato! Tome o pato! Tome o pato!

    A linda transportao das palavras ouvidas para outras de sentidocompletamente diferente desencadeou sonoros e imensos risos atodos. E como a risada tambm lhe proporcionava indizvel gozo, ogarotinho foi repetindo cada vez mais ruidosamente:

    To! To! To! Tome o pato! Tome o pato! Tome o pato!

    * * *

    Como toda e qualquer criana, desde tenra idade, a loucura pelosrebuados era excessiva no pequenito corao do lindo Menino deOlhos de Bimba. Foi por isso que, depois de comear a falar, dizendoruidosa e repetidamente p-p!, ma-m, a terceira palavra a aprender

    foi ptardo, isto , rebuado. Os seus espectadores de sempre,quando o ouviam pronunciar ptardo matavam-se de rir, poistraduziam esta palavra como se fosse para tarados. E o espectculoaumentava porque de facto o consideravam mais que loucoconsumidorzinho de guloseimas, pior que tarado!

    A quarta palavra que aprendeu foi na-na-na que ele vivia toda

    JORGE MACEDO

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    A BONECA DE PANO

    a hora a cobrar me, pois, para banana, o Menino de Olhos deBimba era pior que macaco!

    Era um rapazinho muito espertote! Apenas tinha um ano e jpronunciava palavras com duas e trs slabas. Os vocbulos maiscompridos ele dividia-os em pedaos de duas slabas. Aprendia-osconforme a seduo que exerciam e o interesse que despertavam sua imensa paixo menina.

    Adorava leite, ch e arroz doce super aucarados. A querida mevivia a controlar-lhe o excesso de sacarose. A satisfazer o irrequietoapetite do seu bbezinho de estimao, temia estar ela, me, a contribuir

    para a sua candidatura a um hipottico diabtico de palmo e meio. Imaginem que eu, me, esteja a colaborar para a infelicidadedo meu menino de oiro. Seria um crime. Que me seria eu? disseCati, de si para si.

    Por isso o super aucaramento dos acepipes do garotinho setornaram um verdadeiro pesadelo acrescentado aos j excessivoscuidados que qualquer me digna deste nome experimenta. Ummenino vive cercado de um sem nmero de perigos, de doenas.

    Que o Menino de Olhos de Bimba ignorava profundamente.Por isso vivia a reclamar super aucaramento de bebidas e comidas,gritando desalmadamente: atrcar! atrcar! atrcar! atrcar! atrcar!

    De brao esticado e mozita aberta pedia socorro aos pais eirmos. A turma tinha combinado nunca satisfazer-lhe a loucapaixo. E o menino chorava at no ter mais lgrima para derramar!

    Um dia tia Berta, enfermeira que se encontrava em casa a visit-los, reparou na penosa batalha que o garoto travava para a famlialhe transformar papa e leite em doido melao!

    Fez ver que sem exageros deviam satisfazer em parte o pedidodo Menino de Olhos de Bimba. Com efeito , quando se pequenovive-se a idade do acar abundante!

    inAs Aventuras de Jj na Aprendizagem da Lngua

    Ed. UEA / 2004

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    Jj, o Menino de Olhos de Bimba

    Os meninos nesse dia brincavam o jogo do meu. Neste jogoos bambinos olham todos para uma coisa, uma borboleta que passa,um avio que voa, um carro, um papagaio de papel, uma pombabranca, uma manga madura de cima de mangueira, etc.. Elesprocuram no qualquer coisa, mas sempre a coisa mais bonita. um jogo de ser o primeiro a descobrir e a dizer meu. Quandoalgum deles v passar, por exemplo, uma bicicleta e diz meu, todos

    dizem do mesmo modo meu, meu, meu e por a ningumse entende com ningum. s vezes quem grita mais alto e muitasvezes dizendo meu, meu, meu at dizer basta, fica o vencedor.Os outros deitam-se a chorar porque querem cada um ser o vencedore agora sentem haver perdido o tesoiro, sem ningum lhes ter ditonada.

    Nesse dia a turma, isto , Jj-chefe, Bolinhas o chefe-segundo,o Piriquito, o Calofas e o Cabalacunda encontravam-se frente lojado Maia a s dez da manh. O sol estava escondido no cu que

    tinha nuvens escuras e a chuva mostrava-se toda pronta para comeara molhar os bibes deles. Foi Calofas que viu voar um lindo pssaro,gritando com toda a boquinha e sua garganta azul de bimba: m. Os camaradas de jogo disseram todos uma m.Eram vozes de passarinho, doces, leves, a dizer, m, e comum gritar que no acordava nem os ouvidos leves de uma beb

    JORGE MACEDO

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    A BONECA DE PANO

    dormindo sono mido. Como sempre, o Calofas com essa voz detrompete, gritou mais alto e mais vencedor. Os outros ento choram

    e ele pode contar pelos dedos da mo os pingos, de lgrimas quedeita de jogo em jogo. Para completar uma lgrima esses seus pingostm de ser juntos um a um de muitos jogos, at completar ummolhinho de orvalho.

    Em breve uma bela menina saiu da curva, debaixo de umasombrinha azul/vermelha e cor madura de caju e a todos viramcom os mesmos olhos, com o mesmo relgio, gritando a uma svoz: m... m... .

    Acharam piada. Pareciam cabritinhos chamado pela mem... m... e isso abriu-lhes um rio de gargalhadas. Destavez ganharam todos e no ganhou ningum, pois a sombrinha erade cinco cores, uma para cada um dos cinco periquitos.

    Na curva vinha um barulho leve de motorizada que pareciacomear a andar mas os garotos s lhes ouviam a voz. Todorepimpo, o Cabalacunda apressou-se a dizer: meu... meu! Osoutros estavam calados e a querer ver primeiro para depoisCabalacunda jogar s vozes, ento que esfregava as mozitas aoouvir calados os colegas e ele sozinho a dizer: meu, meu! Gaiatoe vencedor, quando de repente o que parecia motorizada era um avporco sujo que continuava a dizer prrobrroo, probrroo, como sefosse uma motorizada.

    Ao ver to porco, porco feio, forte, Cabalacunda viu de repenteque a voz lhe cara da garganta, ele prprio tremendo de calafrio. Osoutros que se riam a bom rir com grandes pedaos de gozo. Depressasorriram. Depressa tornaram ao seu lindo jogo de ter lindas coisas, o

    azul da praia, as cores bonitas do crepsculo, os pssaros de penas deencantar, e no sei o que mais, sem se cansarem, apenas por teremgosto ao que lindo e saberem pronunciar palavrinhas de oiro queenchem o corao com mundos belos.

    Nessa altura qualquer dos meninos da turma do Jj sentiapossuir os bolsos cheios do muito que j tinham visto e conquistado.

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    As coisas de no caberem neles certamente j caam do sonho desobreter. Os meninos, esses queriam era possuir, possuir, possuir at

    no poderem mais.As nuvens continuavam a encher o cu com cores de chuva e

    cada vez mais uns pingos de sol. A chuva essa grande senhora domundo continuava a preparar-se para sair do cu rua . Encontrava-se j vestida de saia preta, blusa cinzenta, botes de espuma. Ocrepsculo fazia-lhe um risco. Agora sim, preparada, acendia a luzdo quarto, apagava tornava a acender com rpidos relmpagos. Aoverem quo belo eram os relmpagos os meninos ento gritavam

    mais alto, m, m.Eis seno quando um claro piscou o olho, rebentando a altosberros uma grande trovoada. A s se sabe que, cheiinhos de medo,os garotos cada um sumiu para o seu beco, perdendo na fuga todosos mundos maravilhosos que tinham ganho beleza das horas.

    inO Menino de Olhos de Bimba

    Edio da Cmara Municipal de Viana do Castelo 1999

    JORGE MACEDO

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    A BONECA DE PANO

    A Noite, a rvore e o

    Passarinho de Bibe Maravilha

    Eram cinco da manh, mas a noite continuava muito noite.E dentro da noite, muitas outras noites falavam umas para as

    outras, xuluiii-x-chilrii, dizendo coisas muito bonitas entreelas. As noites dentro da noite andavam depressa, os montescaminhando no se sabe para onde. De repente, os montinhos

    paravam para jogar o jogo do limo-tira-teimas, mas depressa, ospais numa s mozada agarravam as crianas fazendo-as seguir paraa frente. Afinal, caminhando os montes-noites e seus filhinhos, osmontculos andavam a espelhar-se por toda a parte, para que nem aluz mais forte deste mundo os apagasse da vida. Eis porque tornavamas horas cada vez mais escuras. A noite lutava com todas as foras etodas as trevas para ser sempre noite. A noite uma pessoa compessoas com pessoas dentro de si. A noite quer sempre viver. Porisso luta para que o mundo seja escurido. Mas quem diria que um

    pssaro to-menino, to-pequeno, to-nada pudesse lutar sozinhocontra um gigante do tamanho do mundo: noite. Pois o que paraesta vida, para o passarinho a morte: escurido. Trevas.

    Caminhando, vencedora, a noite poisava em todas as coisas oseu peso esmagador, e em vez de caminhar com pernas de ventopara no magoar o orvalho, calara montanhas e as estrelinhas,

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    coitadinhas, facilmente se apagavam uma a uma.O passarinho morava numa rvore do mato, beira do rio. A

    rvore cheirava a sisal e a cacimbo de cafezais, atravs do vento quede l trazia palavras do passarinho. A noite calada de pares demontanhas gigantes e montes, esmagava que esmagava, ao que umpassarinho, gemendo, gemendo dizia a custa o seu meigo piu, piu.

    A rvore bem gemia tambm a todo o vento e a toda a dor. Anoite cara sobre ela com todas as foras e a pobre no sabia j comopoderia continuar a ser ninho e a ser esperana de vida para o coitadodo seu tesoiro cor-de-crepsculo, boquinha de orvalho e de mel.

    rvore-me, porque gemes assim? Porque te faltam foras para libertara voz linda, que o mais lindo canto?Nessa terrvel luta quem poder viver a noite e a luz no mesmo

    ninho? A noite quer viver. O pirilampo tambm quer viver, por issoo passarinho geme e meigamente diz: piu... piu... piu... piu.

    A rvore, o ninho, a raiz, gemem e dizem: Morra eu, viva o bambino. Sabem o canrio que ele possui o

    canto mais belo do mundo.A rvore gritou, gritou, gritou at que algum a ouviu. Era a

    estrela polar que se encontrava debaixo das guas do rio para se salvarde ser apagada pelas botas esmagadoras do monte. Como a rvoretem os ps enterrados at beira do rio, a estrela polar que l seencontrava em banho-maria entrou pela rvore dentro e disse para ocanrio: Oh! Coitadinho do pequerrucho! Que mal fizeste para tequererem esmagar? Iiiiih! Que lindas so as cores do teu bibe! Porque carga de gua h olhos que esmagam tanta beleza e tanto encanto?Olha, eu dou-te esta boquinha de ouro que devers guardar como o

    maior tesouro da tua vida. uma estrela que toda a gente tratarcomo biquinho vermelho, mas que de facto ser de facto sempreestrela para amanhecer.

    Ao dizer isto a estrela polar desapareceu.Logo aps o seu desaparecimento, o pssaro de bico-maravilha

    foi reparando que cada vez que dizia piu... piu, a sua boca soltava

    JORGE MACEDO

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    chamas de ouro, que se foram juntando e transformaram a noiteem pirilampo, em lume, aurora, claro, claridade e risonha manh.

    A rvore que tanto gemia, foi sentindo um claro alvio, medidaque o seu lindo passarinho se libertava, at que ela, rvore, cara emmos de um grande sono. O canrio cantava o mais lindo hino deamor, a claridade espalhava do seu corpinho perfume a cheirar aorvalho, a leite. O pssaro de bibe-maravilha nunca mais parou decantar e a noite jamais pde evitar o nascer do dia em todas as manhsdo mundo.

    In: O menino de olhos de bimbaEdio da Cmara Municipal de Viana do Castelo, 1999

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    Jos Samwila Kakweji

    Jos Samwila Kakuweji nasceu em Caianda, Provncia de Moxico aos 15 de Agosto de1943. Obras Publicadas: Viximo (1987) e Viximo II (1989).

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    A Lebre e o Mocho

    No passado a Lebre e o Mocho viviam como bons amigos evisitavam-se com a maior frequncia possvel.

    Certa vez a Lebre, cheia de curiosidade, perguntou assim aoMocho:

    Ora, amigo Mocho, diz-me l uma coisa: entre uma galinhapreta e outra branca, qual das duas achas ser mais esperta?!

    E o Mocho respondeu prontamente:

    Afinal, a esse assunto muito fcil responder. Eu acho que agalinha preta mais esperta, porque ela consegue pr ovos brancos,ao passo que a galinha branca no capaz de fazer a postura de ovosnegros.

    A Lebre ficou muito satisfeita e agradeceu: Sinto-me feliz e estou bastante agradecida, amigo Mocho!...

    Mas, ainda tenho c outra dvida: em relao tua gerao, todosvs sois espertos, pois no!? Agora diz-me l tambm se a mochela

    capaz de pr um ovo escuro!...A resposta do Mocho j estava na ponta do bico: Em verdade te digo que a minha mulher to esperta que

    nada lhe custa colocar-te aqui aos ps um ovo bem escuro comobreu.

    Depois desta aposta, o Mocho dirigiu-se a uma gruta que ficava

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    ali perto. Entretanto, quando l chegou, j a fmea havia acabado depr um ovo branqussimo.

    Ento, o Mocho sentiu tamanha vergonha e comeou a pensar: Se, por acaso, agora eu saio desta caverna, luz do dia, como

    que vou explicar a todos os animais presentes a que prometiapresentar um ovo escuro da postura da minha mulher?!...

    Incapaz de cumprir a sua promessa, eis que o Mocho optou porpermanecer na gruta todo o perodo diurno, s saindo dela a cobertoda noite.

    Conto indito do povo Luvale

    JOS SAMWILA KAKWEJI

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    A BONECA DE PANO

    A guia e as Galinhas

    Outrora, enquanto as guias ainda no sabiam voar, eram muitoamigas das galinhas.

    Certo dia, porm, a guia achou uma agulha mgica e com elacoseu as suas penas e comeou a voar a partir dali.

    Entretanto, as galinhas, tendo visto a sua amiga no cu, no espaoa adejar livremente, tambm gostaram de fazer aquilo e um dia

    pediram-lhe: Amiga, empresta-nos a tua agulha, porque ns tambm

    queremos voar e admirar as belezas que tu desfrutas l das alturas!A guia respondeu: No posso! Receio que vs percais a agulha e, portanto, se

    rompa a nossa velha aliana!..Todavia, as galinhas insistiram na sua pretenso: Podes estar descansada e confiar em que ns a guardaremos

    com maior segurana! afianaram as desgraadas.No fim, a guia anuiu e emprestou-lhes a sua prestimosa emgica agulha, sem deixar fincar a tremenda ameaa:

    Eu empresto-vos a minha agulha contanto que a no percaissob pena de cortarmos as relaes de amizade ora existentes.

    Depois dali, sem passar largo tempo, correu uma notcia muito

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    triste quando se soube que a primeira Galinha que se tinha utilizadoda preciosa agulha a perdera de dia para noite.

    Ali, a guia mobilizou os seus irmos e suas irms; ficaramfuriosos e comearam a dar caa s galinhas ao tornarem-se, a partirdaquele dia, inimigos at que os galinceos recuperassem a agulhaperdida.

    At hoje em dia, as galinhas se refugiam para locais seguros,como debaixo de arbustos, sempre que avistam a guia. Mas aps opavor passar, eis que elas voltam a esgaravatar a terra no esforo dereaver a agulha alheia por elas perdida.

    Conto indito do povo Luvale

    JOS SAMWILA KAKWEJI

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    A BONECA DE PANO

    John Bella

    Jonh Bella nasceu em Luanda aos 30 de Setembro de 1968. Obras Publicadas: guada Vida (1995), Panelas Cozinharam Madrugadas (2001), A Cano Mgica(2001), Cntico Romntico ( Paz) (2003) e A Esperteza dos Animais (2006).

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    A Cano Mgica

    No princpio do mundo, Kalunga criou o Galo, a Galinha, oPato, o Ganso, o Peru e a Pomba-Cinzenta, cada um sua forma.

    Num certo dia, chamou-os junto a um lugar sagrado, e falou-lhes:

    - Subirei para o Cu... l o meu lugar... e vocs, aqui na terra,portem-se como deve ser. No exijam nada que eu mandarei tudo o

    que for necessrio... A lua, o sol, o vento, as nuvens, o calor, o frio,o dia, muitas e muitas coisas eu enviarei.Quando vos faltar gua da vida nos lagos, rios e lagoas, encherei

    as nuvens de suor e chuva que molhar de novo a terra.Naquele lugar, estavam todas as aves reunidas. Ningum quis

    faltar ao ltimo apelo do criador. Por isso mesmo, estavam alisentadas escutando tudo, sem um rudo sequer, enquanto Kalungacontinuava...

    - Todos vocs aqui presentes, vivero de igual, numa grande gaiola

    chamada capoeira. Nunca vos faltar o milho, a cevada, o trigo, emal nenhum vos acontecer se fizerem tudo como eu mandar, e nodesobedecerem a nada...

    A Pomba-cinzenta voar nos altos cus. Mas, ter que ser naterra onde vir buscar o que comer, e dormir... O Pato e o Gansonadaro nas guas lmpidas dos rios, lagos e lagoas mas, muita

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    ateno! Saberei o devido momento para vos mandar alimento egua... No ser preciso pedirem, sob pena de serem castigados! A

    porta da gaiola estar sempre aberta. Podero sair e entrar nela sempree quando quiserem.

    Depois de tantas recomendaes, chegou a vez do GrandeKalunga seguir para o cu. Ningum o viu partir. Os animaissentiram apenas um rudo e uma nuvem colorida em que ela neladesapareceu.

    Ao anoitecer, aps terem-se fartado de saborear as delcias danatureza oferecidas pelo Kalunga, o Galo, a Galinha, o Peru, o Ganso

    e a Pomba-Cinzenta, em fila indiana, entravam na capoeira.Alguns momentos depois, tudo parecia mais calmo...No bosque, pela manh, o verde esperanoso das plantas, parecia

    dar bom dia aos Pssaros e Libelinhas...Ao entardecer, os raios de sol davam luz s guas puras da ribeira,

    onde o pato e o seu primo Ganso, ora mergulhavam, ora nadavam,numa alegria que parecia no ter fim.

    Isso durou at que, numa bela manh, os animais da gaiola saramem protesto de algo que, para eles, no estava a correr nada bem...

    Juntaram-se ali mesmo, onde um dia viram Kalunga partir pelaltima vez, aps ter falado para eles...

    - C c ra c... Isto j de mais! refilava a Galinha gag. Estou farta de tanto frio, quando justo preciso de calor para aqueceros meus ovos...

    Kalunga deveria mudar logo o frio para o calor, sempre que euestivesse a desenvolver o germe das minhas crias!

    - Pois en, pois en! reclamava o Pato-penudo. Olhem aqui

    para mim...Quando estou farto de calor e preciso de uma boa gua para mebanhar, no consigo, pois tenho de esperar pela chuva... E a chuva,s Kalunga tem guardado e envia quando bem lhe apetece! concluiu.

    - O meu primo tem razo- acrescentou o Ganso-lisudo.

    JOHN BELLA

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    tambm sofro a mesma praga que ele! Por vezes tenho de andarmilhas de distncia para encontrar gua... Quando chego perto de

    um rio, os peixes dizem-me que o Kaluga ainda no encheu as nuvensde suor, por isso as primeiras gotas de gua no caram sobre o rio.Temos de cobrar isso ao Kalunga- rematou.

    - E eu? queixava-se o Peru-grando. - De todos ns, sou onico que no consigo esvoaar um bocadinho sequer... Quedesajeitado Kalunga... Deveria ele morrer!

    - ... acrescentou a Pomba-cinzenta- como gostaria de sergrande como vocs... Mas, olhem pra mim... Kalunga ao me fazer,

    deu-me esse corpinho apenas... reduziu-me em to pequenina! Etodos comearam a resmungar, resmungar at que o Galo-gal quel estava, escutando tudo e todos disse:

    - Para qu tanta confuso?!Por acaso, esqueceram-se todos do ltimo apelo do grande

    Kalunga de que, ele mesmo mandaria tudo a seu tempo sem termosque reivindicar nada, sob pena de sermos castigados?! Como seriapossvel Kalunga nos dar frio, a chuva e o calor s num dia?

    Tu... Pomba-cinzenta- continuava o Galo. Como te atrevesqueixar-te se entre ns, aves de capoeira, s a ti Kalunga deu oprivilgio de ter asas para poder voar a qualquer distncia nas alturas?!Que falta de gratido a vossa! E tu, peru-grando... deverias agradecerao Kalunga por ter-te feito entre ns, o mais corpulento de todos!

    Mas, antes que o Galo terminasse com o seu discurso repudiador,o Pato penudo interrompeu-lhe dizendo:

    - A ti, senhor Galo... Quem deu ordens para falar em nossonome?!

    - verdade... Quem voc tambm?! - desafiou-o a Galinha-gag.- mesmo en... metido! O que ests para a dizer, seu Galo da

    crista baixa?!Insultou-o o Ganso-lisudo.- Acho que ele no est bom da cabea... Est a endoidecer!

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    ironizou a Pomba-cinzenta.- urgente tomarmos medidas contra este Galo! No v ele estragar

    todos os nossos planos. Rematou o Peru-grando.- Temos que fazer algo para o calar! avanou a pomba nas suas

    palavras.E todos comearam a murmurar contra o Galo, at que o pato

    decidiu:- J sei... para o calarmos e no nos incomodar mais, vamos achar

    uma corda e amarr-lo numa rvore... para no mais falar, o seu bicoser tambm atado com fio e deixamo-lo a... J assim, poderemos

    continuar -vontade com as nossas decises, sem sermos interrompidospor este palerma! disse o Peru, com ares de chefo.- Aplaudido, aplaudido gritavam todos, mostrando estarem de

    acordo com o Peru. De seguida cercaram o Galo. Agarraram-no, efizeram-lhe o que o peru sugeriu.

    Livres da opinio do Galo, as restantes aves regressaram assim, aoprincpio daquilo que haviam conversado.

    - E como faremos ns para fazer chegar o nosso protesto ao grandeKalunga?! perguntou o Pato.

    - Sim, verdade! acrescentou a Galinha.- Ah, mas ento no sabem?! dizia o Peru, num tom de gozao.

    O imbecil do Kalunga deu asas Pomba... s ela poder subir salturas de onde ele se encontra, e levar a nossa mensagem de protesto! Certo! Certo! Concordaram os restantes, enquanto o Galo permaneciaamarrado rvore com o bico atado para no poder falar mais.

    Depois, os cinco decidiram subscrever numa carta todas asreclamaes que possuam contra o Grande Kalunga e entregaram-na

    Pomba. Est, enquanto voava, voava levando o protesto subscrito nacarta que carregava no bico. A carta ia-se tornando cada vez mais negrana cor to triste... porque nela no continha a obedincia, a gratido e oamor que deve existir entre os seres.

    Era uma carta carregada de dio e mentiras, desobedincias eingratido. Por isso mesmo provocou a ira do Grande Kalunga. Este,

    JOHN BELLA

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    decidiu castig-los da maneira mais severa, exprimindo l de cima, numavoz sonante e autoritria, profticas palavras que se fazem cumprir at

    hoje. Ele decidiu assim:- Por desobedecer-me e no ser grata pelas qualidades que lhe dei, tu

    Pomba, sers expulsa do galinheiro!... passars a viver recolhida numlugar no alto que se chamar pombal, para no te aperceberes domomento em que ser colocada a rao para as outras aves comerem. Sepor acaso te aperceberes e rpida desceres e comeares a comer os primeirosgros do cereal, elas correro a baterem-te, e voltars a fugir voando parao pombal. Pois, delas no poders te defender... continuars desse

    tamanho como sendo a ave mais pequena entre elas!...E por seres tambm a portadora da carta de protesto com todasessas asneiras, deixaro de chamar-te Pomba-cinzenta para seres o Pombo-correio...

    Passars a levar o correio dos homens de um Pas para o outro, cadavez mais distante e sem descanso. Em paga, nunca recebers vencimentopor esta trabalho! L est, o teu castigo merecido. Logo de seguida, asentena para o Peru...

    - A ti, senhor Peru prosseguia Kalunga na sua clera.- Chamaste-me desajeitado criador, imbecil, e como se no bastasse

    at, sugeriste a minha morte! Pois bem... Como tal, continuars assimsem poder voar. Entregar-te-ei ao bicho-homem e ele te far viver durantetodo o ano, mas no poders passar o Ano Novo! Morrers na vsperado Natal, como merenda para a mesa da famlia. Esta a tua punio.

    Quando j o Pato-penudo tentava esconder-se para no ser atingidospelos castigos, eis que chega a sua vez, e Kalunga decide:

    - Pato s, Pato sers para sempre! A festa nenhuma sers convidado...

    Quando por l s escondidas apareceres, os festeiros pegaro em ti, jogar-te-o para o ar dizendo: Camarada... Patos-fora! A mesma desgraater o teu Ganso que continuar com uma voz rouca, muito rouca.Esse, ser o vosso destino! Rematou Kalunga. E quanto a si,Galinha... sers canja-de-Galinha, Galinha cabidela e teu corpo arderem chamas para churrasco do bicho-homem. M sorte, por te teres

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    juntado aos revoltosos contra mim! Finalizou.Por ter praticado uma boa aco, o Galo no foi castigado mas,

    at pelo contrrio... foi premiado. Com o seu poder invisvel masforte, Kalunga desamarrou o Galo e decidiu:

    - Galo... entre todos, fostes o nico que demonstraste uma boaaco, ao te opores contra estes malfeitores, e por isso fostehumilhado por eles! Pois bem... por no me teres desobedecido, aopraticares o bem segundo os bons princpios, dar-te-ei um prmio.

    A partir de agora passars a comandar a capoeira, e sers Rei-em-chefe da mesma! J no te chamaro de Galo da crista baixa pois,

    dar-te-ei uma crista enorme parecida com a coroa de um Rei...Andars a bater em todas as aves sempre que achares necessrio, eelas no podero reivindicar... se o fizerem, eu no darei ouvidos,para castigo maior!

    Quando por sinal o bicho-homem decidir comer-te, no te aflijasporque a tua alma no morrer. Estars logo aqui a meu lado. E seporventura algum perguntar ao homem qual foi a carne que comeu,ele responder: comi carne de Galinha! O meu poder vai transferiresse sacrifcio para o corpo da Galinha, e tu no sentirs nada. Poiscomo j disse, a tua alma ficar aqui, a meu lado. E, como forma daminha suprema gratido, Galo; poders fazer um pedido tuaescolha!

    E o Galo, sem mais demora pediu:- Sim, grande Kalunga... Quando for madrugada, quero ser eu,

    a trazer o dia para todos.- Decidido - respondeu Kalunga. - sempre que escurecer, pela

    madrugada bastar entoares esta cano mgica:

    - C crcc... e o dia, comear logo amanhecer.E por isso que hoje, quando o Galo canta pela madrugada, odia comea a clarear. Foi assim que tudo aconteceu.

    In: A Cano Mgica

    Edio Ch de Caxinde, 2001

    JOHN BELLA

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    A BONECA DE PANO

    Maria Celestina Fernandes

    Maria Celestina Fernandes nasceu no Lubango aos 12 de Setembro de 1945. ObrasPublicadas: A Borboleta Cor de Ouro (1990), Kalimba (1992), Retalhos da Vida(1992), A rvor dos Soba (2001), Poemas (1995), Presente (2003), O MeuCanto (2004), Os Panos Brancos (2004) e A Estrela Que Sorri (2005).

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    A BONECA DE PANO

    Os Dois Amigos

    Sabes o que um amigo? No sabes?Ento, para melhor compreenderes o que isso , eu vou contar-

    te como o Marito e a J se conheceram e se tornaram amigos.Marito sentia falta de algum com quem pudesse falar vontade,

    algum para partilhar as coisas boas e ms: as alegrias da escola e oscastigos que o entristeciam muito, as brincadeiras, os segredinhos,

    as histrias que a vov Pancha inventava e lhe contava ao adormecer,etc.

    Ele j andava mesmo um pouco triste, por no encontrar umapessoa com algum tempo para lhe dar um pouquinho de ateno.

    Ora, um dia estava Marito sentado no banco do jardim quandopassou por ele a J, uma menina da mesma idade.

    J olhou para Marito e sorriu-lhe. Foi um sorriso to bonitoque cativou o rapazito solitrio. Ele viu naquele gesto simptico umconvite para serem amigos.

    Assim, Marito levantou-se e foi ao encontro da menina que lhetinha sorrido com aquele sorriso to bonito.

    J, sempre sorridente, estendeu a mo a Marito e de mos dadaspassearam pelo jardim. At parecia que j se conheciam...

    Depois pararam e ficaram sentados debaixo de uma grandefigueira carregada de figos vermelhos, toda coberta de folhas, muitas

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    folhas que abanavam com o vento e davam uma sombra fresquinha.Marito falava e a companheira escutava-o. Quando J falava ele

    tambm lhe prestava toda ateno e os dois entendiam-se, mesmoquando as palavras no transmitiam tudo o que eles queriam dizer.

    J repartiu com Marito os dois doces de jinguba que traziaembrulhados num papel.

    Marito tirou as mas da ndia e o tamarindo que guardava nosbolsos e ofereceu a J.

    Procuraram pedrinhas, cavaram buracas e depois disso Maritoensinou J a jogar Kiela; traaram riscos na areia e jogaram macaca;

    brincaram o zero, zero. Enfim, fizeram tudo o que lhes apeteceufazer juntos naquele momento.Entretanto o sol comeou a ficar vermelho, j queria ir deitar-se,

    era hora de parar a brincadeira e irem para a casa.Os dois estavam cansados, mas aquele cansao s dava alegria,

    por isso separaram-se com pena.Marito tinha finalmente encontrado uma amiga e ele era tambm

    amigo de algum, que ainda mais fixe!A partir daquele dia, o Marito e a J nunca mais se perderam de

    vista e quando se encontravam era uma festa e havia sempre muitacoisa para contar.

    Na ausncia pensavam um no outro e sentiam saudades sepassasse muito tempo sem se verem; acreditavam e ajudavam-semutuamente.

    Eles nunca se zangavam quando no estavam de acordo, porquenem sempre as pessoas podem ver as coisas da mesma maneira; faziamo possvel por conciliar os pontos de vista.

    No achas isso maravilhoso?Agora que j sabes o que um amigo, se ainda no tens nenhumvai procura, difcil viver sem amigos. Na dificuldade o bomamigo consola e ajuda.

    Indito

    MARIA CELESTINA FERNANDES

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    A BONECA DE PANO

    As Trs Aventureiras

    Era uma vez trs manas formigas aventureiras.Nini se chamava a mais velha das manas formigas, a segunda era

    Non e Ninote a cassule, por sinal a mais gorduchinha e irrequieta.Um dia estavam as trs manas passeando pelas praias da nossa

    ilha quando uma coisa lisa e dura, enterrada na areia da praia, chamou-lhes ateno. Curiosas como eram, tentaram logo desenterrar a talcoisa.

    Puxa daqui, puxa dali, depois de muito suarem elas conseguiramo que queriam, retiraram da areia a coisa lisa e dura, que afinal eraum pedao de casco de coco.

    Aps todo o esforo que tinham feito as manas formigas deramum mergulho para refrescar e afastar o cansao do corpo. Em seguidasaram da gua, deitaram-se na areia de barrigudinha para o ar eassim ficaram a relaxar, bronzeando-se ao sol e deliciando-se com ascarcias da brisa amena que soprava.

    Mas Ninote, que era a menina das mil ideias, enquanto deitava,no estava s aproveitando o bem bom do mar, do sol e do ventofresquinho a sua cabecinha, como sempre, no parou de pensarum s segundo.

    De um salto levantou-se, agarrou no pedao desenterrado,sentou-se bem prximo das manas e lanou para fora tudo o quetinha na cabea.

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    Tenho estado aqui a pensar e a repensar no que poderamosfazer com esta casca de coco e j tenho uma ideia. Vamos construir

    um barquinho de recreio. Este sempre foi o nosso sonho, acho quechegou o momento de o realizarmos. O que acham?

    Nini e Non levantaram-se e sentaram-se tambm. Ficaramcaladas por um tempo a reflectir no que a mana cassule acabava depropor. Foi Nini, a mais velha, quem quebrou o silncio dizendo:

    Bem, a tua ideia no m, na verdade este o nosso maiordesejo, mas um barco no s o casco, e o resto?

    A Non, tambm j entusiasmada com o projecto, avanou:

    Ora vejam, o principal para a construo do barco mesmo ocasco e isso j temos. Agora h que pensar nas velas e nos remos.Trapos e bocados de madeira encontraremos de certeza, porque oque mais abunda por aqui, infelizmente, so montes de lixo e emalgum deles havemos de achar o que necessitamos.

    Todas abanaram a cabea em sinal de acordo e falaram: isso mesmo, tens razo, material havemos de encontrar

    facilmente.E concluram com a palavra de ordem Mos obra, ao trabalho,

    companheiras!Traaram o plano de trabalho. Foram distribudas as tarefas.

    Ninote, a sabichona, era a mais rpida a dar sugestes.Com a ligeireza e habilidade, que bem caracterizam as incansveis

    formiguinhas, elas trabalhavam dia e noite sem parar.Comearam por preparar o casco limpeza por dentro primeiro,

    para tirar os restos de coco ainda colados casca, depois limpeza porfora. Aps isso passaram ao trabalho de dar forma verdadeira ao

    barco. Fizeram as velas, os remos e colocaram trs banquinhos, parapoderem viajar comodamente.Quando tudo parecia terminado e a contento de todas, Ninote

    disse: Minhas meninas, esta cor no d. tristonha demais para o

    nosso esprito alegre e aventureiro. Temos de lhe dar mais vida.

    MARIA CELESTINA FERNANDES

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    A BONECA DE PANO

    Tens razo, Ninote, mas de onde vamos tirar a tinta para pintar? perguntaram-se as manas.

    Olhem s, acol naquela lanchonete esto a fazer obras,certamente que deve haver nas latas atiradas para o cho sobras detinta rematou Ninote.

    Esta cassule tem sempre ideias bu fixes, vamos l dar umaolhadela.

    Passaram uma revista e sempre deu para aproveitar os restinhosque os senhores da pintura tinham deixado no fundo das latas. Dosrestinhos de tinta fizeram uma mistura da qual saiu um azul marinho

    vivo, bem ao gosto das manas formiguinhas. Agora sim! O nosso barco est mesmo de fazer inveja gabaram-se elas. E acrescentaram Isto s para dar mais raiva dacara... Ah, ah desataram a rir.

    Estavam muito felizes com o barquinho que tinham construdoe no deixavam de ter razo, porque era na verdade muito lindo!

    Marcaram a data da inaugurao e, pontualmente, no dia e horacombinado, lanaram o barco gua e partiram para o passeio htanto tempo idealizado.

    Ninote era praticamente a comandante do barco. No momentoda partida ergueu a bandeirola branca em sinal de que seguiam empaz; a mesma paz que as trs irms desejavam do fundo do coraopara todos.

    Utilizaram os remos para a largada, depois, de velas ao vento, aforam elas ao sabor das ondas e dos ventos.

    De quando em quando, sobre as suas cabeas sobrevoavambaixinho gaivotas, para apreciar o barquinho de casca de coco e

    admirar a tripulao de formigas aventureiras que seguiam l dentro.Aps algum tempo no alto mar elas enxergaram uma ilha cobertade coqueiros e para l rumaram.

    Chegadas a ilha coberta de coqueiros, ficaram encantadas com abeleza e o sossego que por l reinava. Ao contrrio da grande ilha deonde tinham partido, aquela tinha praias limpas, sem grandes

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    amontoados de pessoas e um mar muito azul. Vamos descer para melhor apreciarmos esta beleza da natureza

    falaram as trs ao mesmo tempo.Dito isto, lanaram a ncora ao mar; com a ajuda dos remos

    alcanaram a terra e desceram do barquito, preparadas para um bompasseio pelo stio.

    Andando pela areia dourada e limpa, iam admirando os encantosda ilha. Cruzavam-se com outras formigas, que, sempre atarefadas eapressadas, a muito custo paravam para falar, mas elas aceitavamisso bem, porque assim mesmo a maneira de viver delas. Trabalhar,

    sempre trabalhar.Porm, medida que iam avanando pela ilha adentro, iamficando cada vez mais espantadas com as luxuosas moradias quedescobriam, com sinais de muita riqueza barcos caros, muitacomida, muita bebida, enfim tudo o que afinal estaria bem se, nomnimo, para as crianas esfarrapadas, que encontravam a cada passopedindo esmola, no faltasse o po, sade, escola e uma casita paramorar assim pensavam as sonhadoras formiguinhas.

    J cansadas de tanto ver e caminhar decidiram ir para o mar esoube-lhes bem mergulhar naquela gua fresquinha e transparente.

    Como tinham gostado tanto da ilha, elas decidiram ficar por luns dias. E de novo mos obra; e do trabalho surgiu uma lindabarraquinha feita de palmas de coqueiro.

    Foi muito agradvel o tempo que passaram ali, na ilha doscoqueiros, mas tinha chegado a hora do regresso para o retomar dastarefas do dia a dia. As formigas como j sabem tm pouco tempopara a mangonha.

    Aconteceu, no entanto, que na hora da largada, Nini e Nonrepararam que Ninote estava triste demais. As irms nocompreendiam a razo de to exagerada tristeza, se estavamregressando casa e alm do mais a cassule no era nada choramingas.

    Afinal o que era? Vou vos contar...Era paixo! A cassule tinha-se apaixonado, guardando segredo

    MARIA CELESTINA FERNANDES

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    A BONECA DE PANO

    absoluto. Discretamente, sem se dar a aperceber, estava umformigoque se vinha despedir de Ninote e olhava para ela com ar sonhador,

    todo enamorado e muito triste tambm. S quando o barquinhocomeou a mover-se que as irms deram conta do que estava aacontecer. Pois Ninote com lgrimas nos olhos acenava para o talamigo e a dado momento, no se contendo mais, grito