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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 13 N 0 85 Abril 2013

Contraponto Nº 85

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Abril 2013

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Page 1: Contraponto Nº 85

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 13 N0 85 Abril 2013

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CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

PUC

PUCEXPEDIENTE

Pontifícia Universidade católica de sÃo PaUlo

PUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretorasandra de camargo rosa mráz

diretora adjuntamercedes fátima de canha crescitelli

chefe do departamento de JornalismoJosé arbex Jr.

suplentevaldir mengardo

coordenador do Jornalismofrancisco chagas câmelo

vice-coordenador do Jornalismovaldir mengardo

c o n t r a Ponto

conselho editorialHamilton octavio de souza, José arbex Jr.,

José salvador faro, marcos cripa,Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmananna feldmann

secretário de redaçãoBruno laforé

secretária de produçãoJacqueline elise

editora de fotografiavictória mantoan

E D I T O R I A L

SUMÁRIO

capa: Bruno matos

Produção: ana Beatriz Paulichenco e thiago munhoz.

edição: ana Beatriz Paulichenco e altair Urbano.

agradecimentos especiais: ronaldo figueiredo e altair Urbano

iraque O legado de uma guerra injustificável ............................................. pág. 3

crisenasredações? Precarização, maximização do trabalho e demissões ........ pág. 6

drogas Novo projeto de lei é uma droga......................................................... pág. 9

educação Redações do Enem são alvo de polêmica .......................................... pág. 10

ensaiofotográfico “Seremos macacos de novo” ................................................................ pág. 12

machismo 420 Puquianas: elogio à beleza? ......................................................... pág. 14

entrevista Pesquisador esgrime memória contra conciliação ...................... pág. 16

megaeventos Imagina a festa ........................................................................................... pág. 20

economia A classe caiu ............................................................................................. pág. 21

resenha A outra face de Clarice Lispector ..................................................... pág. 22

crônica Vou te esperar, mas não demora ......................................................... pág. 22

antena Aluno da Cásper Líbero morre e ... .................................................... pág. 23

entrevista Valdir Mengardo, 32 anos de PUC-SP .................................... pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 3679.7746

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 85 - abril de 2013

Wt Gráficafone: 993.583.533

Fale com a genteenvie suas sugestões, críticas, comentários: [email protected]

Morta no último dia 8 de abril aos 87 anos, ela foi a primeira e única mulher a chegar ao mais alto cargo político do Reino Unido. O que poderia ser motivo de orgulho para as britânicas, no entanto, se transformou em desilusão. Margaret Thatcher chegou ao topo, pois agiu e se portou feito um homem, mudou até seu tom de voz e sua aparência, e contribuiu para a manutenção do sistema patriarcal e capitalista. Ela liderou o Partido Conservador inglês a partir de 1975 e chegou ao poder em 1979, governando por quase 12 anos.

Durante seu mandato, ela deixou marcas irreversíveis na economia, na política e na história do país. Foi responsável pelo corte de gastos do programa de bem estar social do governo, que beneficiava principalmente mulheres e crianças. A Dama de Ferro acreditava nas leis do livre mercado, livre concorrência e todas as leis do liberalismo. Como consequência, seu primeiro ano de governo foi marcado por altas taxas de desemprego e uma explosão de greves e protestos, além do episódio da Guerra das Malvinas contra a Argentina.

Também crente da meritocracia, ela foi bastante criticada pelas mulheres por ter nomeado somente uma única mulher para algum cargo no Parlamento: Janet Young, que foi líder da Câ-mara dos Lordes. Nesse contexto, Thatcher enfrentou graves crises sociais e não foi uma mulher amada pelo povo, nem pela imprensa britânica. E também muito menos pelas feministas. Sua relação com o feminismo, na verdade, era de ódio: “As feministas me odeiam, não é mesmo? E eu não as culpo. Afinal, eu odeio o feminismo. É um veneno”, afirmou Thatcher. De fato, seu governo dificultou imensamente a vida de milhares de mulheres inglesas e ela foi contra um dos princípios básicos do feminismo: a luta para a libertação de todas as mulheres. Thatcher foi bem sucedida como mulher individualmente, mas com certeza não visava uma emancipação coletiva do seu gênero.

Mais tarde, ela inclusive afirmaria que não devia nada à libertação feminina. “Ela odiou as feministas mesmo quando foi graças ao progresso do movimento feminino que os britânicos te-nham aceitado uma Primeira-Ministra que fosse mulher. Por causa de Thatcher, nunca mais haverá uma mulher de poder na política britânica e, em vez de abrir esta porta para outras mulheres, ela a fechou”, afirmou Morrissey, ex-vocalista da banda inglesa “The Smiths”, que sempre foi um dos maiores críticos do governo britânico e desafeto declarado de Thatcher, em artigo publicado no jornal inglês The Daily Beast no dia da morte da ex-Primeira Ministra.

Ela foi com certeza o maior exemplo da História de que não basta ter uma mulher no comando de um país para que haja o fim da opressão de gênero. Para lutar contra o machismo e o patriar-cado, é preciso ter uma mulher feminista de fato no poder. O Reino Unido pode ter dado um grande passo ao aceitar uma mulher como Primeira Ministra, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido para o fim das opressões de gênero tanto lá quanto no resto do mundo.

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3CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Por Pedro ceballose rafael magalnik

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Cerca de 170 mil civis iraquianos foram mortos e quase 3 milhões são refugiados

A Guerra do Iraque começou oficialmente no dia 20 de março de 2003, quando uma coli-

gação militar liderada por Estados Unidos e Reino Unido lançou uma série de ataques aéreos ao país. A resistência durou pouco e 20 dias depois, o exército norte-americano tomou a capital Bagdá, derrubando a famosa estátua do ditador Saddam Hussein na Praça do Paraíso, naquele que era o símbolo do regime e para muitos, o emblema da violência ocidental no Iraque. Saddam foi captu-rado em dezembro do mesmo ano, e enforcado no final de 2006.

No entanto, as relações ora conflituosas ora amistosas entre Estados Unidos e Iraque não são recentes. Na análise do jornalista Luiz Carlos Aze-nha – que esteve no Iraque semanas antes do início do conflito e foi correspondente internacional nos Estados Unidos pela Rede Globo – “Saddam Hussein serviu ao Ocidente [...] O Saddam recebeu financiamento pra comprar armas e tecnologia”. E de fato, o Iraque foi apoiado pelas potências ocidentais durante a Guerra Irã-Iraque, uma guerra que visava esmagar a revolução islâmica no Irã – insurgência que colocava os governos ditatoriais no Oriente Médio apoiados pelo Ocidente em perigo – e controlar seu petróleo. O desgaste foi mútuo e o Iraque, endividado, viu no Kuwait a solução perfeita – já que o país vizinho tinha uma saída estratégica para o mar e na visão de Saddam Hussein, fazia concorrência desleal na venda do petróleo – dando início à Guerra do Golfo.

Este conflito no início da década de 90 deu origem à invasão norte-americana em 2003.Uma coalizão de forças ocidentais e do Oriente Médio fez severas retaliações ao Iraque durante o período e várias sanções econômicas foram impostas ao país para evitar a militarização e a produção de armamentos. Em contrapartida, Saddam Hussein não autorizou a entrada de inspetores da ONU e da ONSCOM(Comissão Especial das Nações Unidas) – depois UNMOVIC (Comissão das Nações Unidas de Vigilância, Verificação e Inspeção) – para fis-calizar e verificar a existência de armas químicas, biológicas e nucleares, – muitas possivelmente for-necidas por nações ocidentais na época da guerra contra o Irã – alegando que estes programas eram usados para fins de espionagem.

Contudo, em 2002, as inspeções foram retomadas e nenhuma arma atômica foi encon-trada, mas mesmo assim, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha seguiram com o plano de ataque, desrespeitando o Conselho de Segurança da ONU que buscava uma solução pacífica para o desar-mamento do Iraque.

Uma nova guerra

A doutrina Rumsfeld – comandada pelo secretário de defesa norte-americano, Donald Rumsfeld – estabeleceu um novo padrão de guerra neste século XXI. Para evitar humilhações históricas do século passado como as que ocor-reram no Vietnã e na Coréia, o novo modelo militar tinha como objetivo reduzir drasticamente

Contudo, parece óbvio que a nova doutrina não funcionou, visto os nove anos de conflito e o alto número de baixas – 4.488 soldados mortos e mais de 30.000 feridos. Os primeiros estágios da guerra foram bem sucedidos, num combate que não se alongou, porém, os norte-americanos não calcularam o poder da resistência iraquiana, grande responsável pelo au-mento dos custos da guerra e do fracasso ao impor um novo modelo de governo liberal ao Iraque.

O legadO de uma guerra injustificávelDécimo aniversário da invasão do Iraque coloca em perspectiva a

história da manipulação da guerra mais cara da história dosEstados Unidos

Armas que nunca existiramEm 2003, o presidente George W. Bush ordenou o ataque ao Iraque, sob a justificativa da existência de armas

de destruição em massa no país, além de uma possível ligação do ditador Saddam Hussein com a Al Qaeda, acu-sada como responsável pelos atentados às torres gêmeas em 11 de Setembro de 2001.

“Na história recente, a invasão do Iraque foi baseada em premissas completamente falsas”, confirma Azenha. Dez anos depois, o que se sabe é que as alegações para a invasão eram inverídicas e o objetivo norte-americano passou longe e nunca foi de “desarmar o Iraque, libertar sua população e defender o mundo de um grave perigo”, como o próprio Bush afirmara em 2003.

Da mesma maneira, as declarações do cientista britânico e membro do serviço de inteligência britânico, David Kelly em 2003 à BBC – na época, ainda como uma fonte não revelada - alegavam que o governo britânico havia “tornado mais atraente” o documento que declarava que o Iraque poderia atacar apenas 45 minutos depois de uma possível ordem de Saddam Hussein, assim como o agente do alto escalão da inteligência britânica e ex-porta-voz de Tony Blair, general Michael Laurie afirmou em 2011 que o documento havia sido elaborado para “justificar a guerra”. O caso de David foi para a justiça e deu origem ao Inquérito Hutton logo após sua morte, supostamente por suicídio, um dia depois de depor para o Comitê de Inteligência e Segurança do Parlamento Britânico.

Os objetivos da expedição militar atualmente são mais claros. O petróleo iraquiano é tido como um dos melho-res do mundo, como o jornalista Luiz Carlos Azenha analisa, “O petróleo do Iraque tem uma característica muito especial: ele não é muito profundo comparativamente a outras reservas, é leve, fácil de refinar e a qualidade dele é altíssima. E não tem nenhuma dúvida de que a guerra foi movida com o interesse de controlar aquelas reservas para equilibrar o poder que a OPEP tem de regular o preço”.

Aliado aos interesses no combustível fóssil iraquiano, o Plano do Grande Oriente Médio, um projeto de recon-figuração estratégica da região e instalação de regimes modernos e laicos buscaria o fim de sociedades dominadas pelo islamismo e uma hegemonia de Israel na política regional.

a quantidade de baixas, buscando promover uma guerra rápida, barata e segura – sem mortes do lado norte-americano. Para isso, foi investido em sistemas de combate de alta tecnologia, com o aprimoramento da aeronáutica, visto o aumento de aviões não tripulados e ataques aéreos ao Iraque. O baixíssimo envolvimento terrestre e o uso de forças de elite, da mesma maneira,eram características desse novo sistema.

Na história receNte, a iNvasão do iraque foi baseada em premissas completameNte falsas

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Bush, Robert Gates e Condoleezza Rice em deserto iraquiano

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Segundo artigo do professor de Historia Mo-derna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Francisco Teixeira, “repetindo o erro histórico do Vietnã, do Líbano e da Somália, os Estados Unidos não conseguiam entender as diferenças culturais, a profunda alteridade do Islã e subestimaram a força do nacionalismo”. A ideia de que os soldados norte-americanos seriam recebidos como heróis por terem removido Saddam Hussein não se provou correta e uma onde de ataques, saques e sequestros se sucederam, provando a veracidade do estudo do professor Robert Pape, da Universidade de Chicago, que liga o aumento de campanhas terroristas no Oriente Médio com a ocupação militar estrangeira.

Números

Os números da guerra são uma estimativa, mas ainda são assustadores. Em quase nove anos de ocupação:9.287 soldados norte-americanos e de forças de coalizão foram mortos em combate, 12 a 20% dos militares que voltaram às suas casas foram diagnosticados com estresse pós-traumático, um veterano de guerra tenta suicídio a cada 80 minutos, mais de 30 mil oficiais foram feridos, 2,8 milhões civis estão refugiados, 110 a 170 mil civis iraquianos foram mortos, além de um custo de US$ 1,7 trilhão – que pode chegar a US$ 6 trilhões nas próximas quatro décadas devido aos juros – pelo governo americano desde o início da invasão.

Segundo estudo de Paul Gipe, autor de vá-rios livros sobre energia renovável,com o dinheiro gasto no Iraque –sem contar os gastos humanos – os Estados Unidos poderiam gerar de 40 a 60% de eletricidade com energia renovável.

Quem lucrou com a invasão?

A confirmação em 2006 de que o Iraque não possuía armas de destruição em massa, cenas de tortura contra iraquianos na prisão de Abu Ghraib, a péssima avaliação do governo Bush e a crise econômica de 2008 colocaram a ala republicana em situação bem desconfortável. O fortalecimento do Irã e a implantação de regimes democráticos nos países árabes deixou Israel impo-pular na comunidade internacional e aumentou a pressão sobre uma palestina livre. Tudo isso mais os gastos exorbitantes e a perda de vidas de civis e soldados foram altamente desgastantes e indu-zem a uma pergunta: afinal, quem lucrou com a invasão do Iraque?

As empresas petrolíferas obviamente e ma-joritariamente. No entanto, não é possível negar os ganhos da indústria bélica, comandada pelo lobby pró-armas norte-americano e de empresas responsáveis pela reconstrução da infraestrutura do país, como o cientista político da PUC-SP, Re-ginaldo Nasser, analisou em artigo para o Carta Maior: “o governo norte-americano contratou centenas de empresas para uma gama enorme de atividades sob a rubrica “reconstrução”: infra-estrutura do país (sistemas de água, eletricidade, gás e transporte), escolas e hospitais; serviços de segurança aos “novos trabalhadores”, treina-mento das forças iraquianas e suporte logístico às operações antiterrorismo; serviços financeiros, e, naturalmente, a sua indústria petrolífera”.

As operações militares continuaram no país até que o governo americano julgasse que o Ira-que estava pronto para assumir o próprio destino. Mas, na verdade, sob o pretexto da tranquilidade e da segurança interna do Iraque, o envio de empresas de reconstrução se iniciou. Os soldados americanos prestavam diferentes serviços como

a distribuição de alimentos à população faminta e apoio aos desabrigados. Mas para isso faltava infraestrutura. As empresas privadas entraram para tapar esse vazio.

Na área petrolíferaestão as já conhecidas dos brasileiros, Shell e Texaco – esta última perten-cente ao grupo Chevron, que coincidentemente ou não, tinha no conselho de diretores, a secretária de Estado de Bush, Condoleezza Rice –, além da Exxon Mobil, British Petroleum e Halliburton, esta última acusada de favorecimento por ter sido comandada pelo vice-presidente de George W. Bush, Dick Cheney. No setor de “segurança privada”, CACI e Titan lideram o setor; a CustlerBattles se assegura de veículos militares e armamentos; a Lockheed Martin e a Boing na engenharia aeronáutica;na construção civil, a californiana Bechtel; no setor alimentício, Nestlé, KFC, Pepsi e Coca-Cola são algumas das corporações presentes no Iraque. Um fato curioso é que muitas dessas empresas doaram vultosas quantias de dinheiro para a campanha

presidencial de George W. Bush em 2004.A contratação de empresas privadas, que

visavam os lucros acima de qualquer moralidade, acarretou em práticas de tortura e humilhação, como o iraquiano Shereef Akeet se refere a um prisioneiro no documentário “Iraque à venda – quem lucra com a guerra”, de Robert Gre-enwald: “Um dia o Sr. Sallah me chamou pra pedir ajuda. Os americanos tinham tirado-lhe o dinheiro e ele estava muito mal. Ele estava em Abu Ghraib. Contou-me que uma vez o despiram. Ataram-lhe o pênis. Eram mais de oito homens. Disse-me que eram americanos e que o empur-ravam de um lado para o outro, gozavam e riam dele. Perguntei quem lhe fez isso e disse-me que havia dois tipos de pessoa: umas com um tipo de uniforme militar e outras de civil. ‘Como de civil? ’, perguntei. Com calças e camisas normais, respon-deu-me. Essa foi a primeira vez que me dei conta que havia outro tipo de pessoa em Abu Ghraib.” Igualmente outro detento, Hassan Al-Azzawi,

“Na guerra, a verdade é a primeira vítima”A frase do grego Ésquilo não poderia ser menos adequada à mídia norte-americana no período da guerra.

Embora o gigante NY Times, ao menos tenha publicado editoriais que clamavam por cautela, o Washington Post –segundo maior jornal norte-americano–apoiou a invasão, publicando nada menos do que 27 editorais em favor da guerra no ano de 2003, segundo informação do jornalista Greg Mitchell, que recentemente teve um artigo recusado pelo próprio jornal.

As coberturas sofreram com a falta de ceticismo quanto às informações providas pela Casa Branca e dos serviços de inteligência norte-americanos. “A imprensa seguiu a pauta do pentágono, que era dizer que o Saddam era um cara perigoso. Foi um nível de manipulação que talvez nunca tenha acontecido na história”, analisa Luiz Carlos Azenha. Ele completa: “A NBC pertence a General Electric, que fabrica mísseis, aviões e turbinas de avião. É óbvio que a NBC não seria contra essa guerra porque as grandes corporações de mídia dos EUA hoje, direta ou indiretamente, são ligadas também a grandes grupos econômicos, cujos interesses são aliados desse grande complexo industrial-militar. A mídia deixou de ser a mediadora entre as pessoas para defender seus próprios interesses econômicos quando ela defendia a guerra”.

A professora de Política Internacional do Mackenzie, Márcia Detoni, ainda afirma que o acesso aos fatos se dava por meio de jornalistas inseridos na linha de frente e entrevistas coletivas das Forças Armadas Americanas (informações controladas pelos militares) e da compra de imagens e informações da Al Jazeera.

A repetição da imagem das torres do World Trade Center sendo atingidas, a personificação do inimigo único–Osama Bin Laden e Saddam Hussein – e os slogans simples repetidos exaustivamente (“guerra contra o terror”), além do reforço das polaridades entre Ocidente e Oriente e islamismo e cristianismo apenas avigoravam o dever da América intervir e “defender a liberdade”, “continuar o trabalho de paz” e “superar os perigos do mundo”.E para isso a mídia foi muito útil e influente. Vale ressaltar uma passagem do artigo “Meios de comunicação como armas de guerra” do professor da UFPB e jornalista Carlos Azevedo que destaca bem as novas características da guerra moderna e do poder que o jornalismo tem como difusor da propaganda de guerra, “Hoje os norte-americanos antes de começarem qualquer conflito bélico promovem uma clara censura aos meios, principalmente à TV. Isso ocorreu na Guerra do Golfo(1990-91) contra o Iraque. As imagens dos bombardeios eram noturnas, reduzidas à apenas clarões numa tela esverdeada. Além disso, o discurso da rede mundial de TV, CNN dizia que com a precisão cirúrgica das bombas guiadas por computadores e sinais de rádio, as baixas civis eram reduzidas. Tratava-se de uma guerra “limpa” segundo a ideologia difundida pelos americanos. Versão acriticamente comprada pelas TVs brasileiras que aplaudiram esse novo tipo de guerra ‘sem sangue nem mutilações’”.

Ainda segundo Márcia, “outro aspecto limitante da cobertura foi a forte ênfase nos relatos dos chamados “embbeded reporters”, jornalistas inseridos nas linhas de frente de combate que se mostraram mais como porta-vozes das forças americanas que como observadores independentes. A visão da linha de frente era dada por estes repórteres quase soldados que acompanhavam as tropas americanas e não tinham informações do outro lado. A imprensa mundial passou a depender da Al Jazeera para ter um contraponto”.

Hoje, muitos veículos midiáticos estão passando seu passado a limpo, se desculpando de erros cometidos no início de tudo. O NY Times publicou uma nota de “mea culpa”, onde diz que a cobertura foi “de quali-dade insuficiente e que deixou de contestar os fatos”. Seguindo o exemplo, o Washington Post publicou sua autocrítica, assumindo que deram uma grande importância às informações da Casa Branca. “Nós estávamos tão focados em saber o que o governo estava fazendo que não demos a mesma atenção a quem disse que não era uma boa ideia ir à guerra. Foi um erro meu”, afirmou o editor-executivo Leonard Downie Jr. “As vozes que levantavam questões sobre a guerra eram solitárias. E nós não prestamos atenção suficiente às minorias.”, completou. O ombudsman Daniel Okrent completou, dizendo que as informações eram “baseadas em revelações sem confirmação que, em muitos casos, eram encobertas pelo anonimato de muita gente com interesses”.

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

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confessou que havia uma pessoa vestida de civil, dando ordens. Segundo ele, era das companhias privadas. Jogaram-no numa cela, espancaram-no e tiraram-lhe as roupas de forma selvagem. Foi interrogado por pessoas das companhias TITAN e CICA, empresas que fechavam contratos com o governo americano a qualquer custo, muitas vezes, sem licitação.

Da mesma forma, muitos caminhoneiros foram contratados pela empresa Halliburton e sofreram ataques surpresa a caminho de Bagdá, com dezenas de mortos, em consequência do uso de civis no lugar de militares. A TITAN promovia os que conheciam um pouco dos dois idiomas (inglês e árabe) e os contratava sem medir as consequências de uma tradução equivocada, que resultasse em prisões e torturas em base, muitas vezes, de opiniões pessoais. Não havia gerentes nem supervisores que pudessem avaliar os tradu-tores. Os contratos das empresas privadas tinham a proteção de Washington, particularmente a KBR

(empresa de engenharia, construção e serviços) e a Halliburton (serviço de exploração petrolífera).

Por outro lado, não foram apenas as companhias privadas que se beneficiaram com a guerra. O vizinho Irã atingiu o status de potência regional graças às duas guerras promovidas pelo Estado norte-americano: Afeganistão e Iraque. A queda de Saddam Hussein – que havia invadido o território iraniano em 1980 – e a expulsão do Talebã na região afegã – grande inimigo do go-verno xiita de Teerã – foram altamente benéficos para o país, embora este não fosse o objetivo dos americanos, que falharam na contenção de cho-ques internos no Iraque – xiitas estão no poder e o governo não conseguiu estabelecer a ordem e um governo totalmente alinhado com Washington.

Os curdos iraquianos – etnia que foi per-seguida por Saddam Hussein nas décadas de 80 e 90 – que estão no norte, numa região muito rica em petróleo ganharam mais autonomia ainda com

a presença norte-americana, já que foram aliados da coalizão que invadiu o Iraque e hoje possuem a melhor qualidade de vida do país.

Sem contar Barack Obama que se benefi-ciou com o desgaste dos republicanos: criticou a invasão, prometeu retirar as tropas norte-america-nas do país e faturou a eleição em 2008.

Violência

Na análise de Azenha, “Saddam tentou equilibrar as três forças que formaram o Iraque, criadas a partir do colonialismo. O colonialismo britânico equilibrou as forças internas e construiu uma nação artificial, que sobreviveu por causa do nacionalismo árabe representado pelo Saddam. Agora esse país corre o risco de se dividir por causa dessas forças internas, especialmente por causa do Curdistão, que busca se separar”.

É consenso que o exército norte-americano fracassou em conter as desordens civis no país, que hoje enfrenta um estado de guerra civil, num conflito sangrento entre xiitas e sunitas, ataques terroristas da Al Qaeda dentro do país, além do movimento de insurgência iraquiana, que foi contra o governo apoiado pelos Estados Unidos durante toda a invasão.

Os números da violência sectária aumenta-ram bastante em 2005, as vésperas da eleição para o governo de transição logo após um atentado a uma mesquita xiita no ano seguinte.

Futuro A retirada das tropas em 2011 não foi o final

das relações Estados Unidos-Iraque para Luiz Carlos Azenha: “Eles (Estados Unidos) precisavam manter algum tipo de poder, de pressão sobre o Iraque. De alguma forma, deixaram relações econômicas fortes e gente protegendo seus interesses dentro do Iraque”. Para o jornalista, a guerra deu certo para os Estados Unidos em certa parte, “eles assumiram direta e indiretamente o controle das reservas de petróleo do Iraque, que é uma das mais importantes para a regulação do preço mundial do petróleo. Nesse sentido, ela foi rentável para os Estados Uni-dos e ela rendeu muito para as grandes corporações de armamento, que receberam vultosas somas de dinheiro do tesouro americano, pago pelo cidadão comum americano para seus cofres”.

Entretanto, a guerra se mostrou dema-siadamente desgastante e custosa. Dada essa situação, “os americanos começaram a extrair petróleo através do fracking, altamente criticado pelos ambientalistas e passaram a depender mais do petróleo da África e estão tentando reduzir, substancialmente, a dependência do petróleo do Oriente Médio, justamente pra não ter que gastar tanto com essas aventuras militares”, argumenta Azenha, que ainda diz, “Dentro dessa estratégia geral do Estado Americano as reservas de petróleo da Venezuela, do Brasil e as reservas de gás da Bolívia assumem um papel muito mais importante do que sempre tiveram”.

É possível tirar muitas conclusões e lições importantes a partir do maior conflito militar do século XXI. A invasão foi um sucesso, mas, no entanto sob o ponto de vista da ocupação, os americanos fracassaram redondamente. Infeliz-mente quem paga o preço são simples iraquianos e norte-americanos que foram esmagados pelo poder das grandes corporações e colocados no meio de uma guerra que não era a deles, o que nos leva a frase de Jean-Paul Sartre, “Quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem”.

Família foge após conflito em Basra

Mais de 9 mil soldados estadunidenses e ocidentais foram mortos e 30 mil feridos, além dos suicídios provocados por estresse pós-traumático

Fumaça cobre palácio

presidencial após ataque

aéreo

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Por Gabriel collet,Julia Paolieri, lya fichmann,nina franco e Bruno matos

PrecarizaçãO, maximizaçãO dO trabalhO e demissões em série Pautam a vida dOs jOrnalistas

CONTRAPONTO

Não seria surpreendente afirmar que a em-presa midiática vem passando por uma crise

nos principais veículos de comunicação. Com o continuo avanço do mundo globalizado, no qual a Internet é predominante, o acesso à informação tornou-se cada vez mais rápido e fácil, levando à desvalorização do jornalismo impresso.

Também diversos acontecimentos ao lon-go dos anos tornaram as condições do trabalho jornalístico precárias, influenciando diretamente na qualidade do mesmo. Toma-se como exemplo o fato de em junho de 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF) ter aprovado a PEC que derrubou a necessidade do diploma para exercício da profis-são. A redução pela metade de 3 mil participantes do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (FENAJ) também evidencia a seriedade do caso.

Há praticamente 10 anos, a revista Caros Amigos, fundada em 1997 e que apresenta uma aproximação com políticas revolucionárias e de esquerda, vinha sofrendo uma crise financeira, que resultou, em março deste ano, na demissão de 11 funcionários que formavam a equipe de redação, composta em sua maioria por estagiários.

O grupo dispensado, nas muitas vezes que se reunia, reivindicava a favor de melhorias nas condições de trabalho, uma vez que não possuía carteira assinada, recolhimento do FGTS e INSS.

No começo de março, o dono e diretor geral da Caros Amigos, Wagner Nabuco de Araú-jo, informou a equipe sobre a proposta de uma redução pela metade na folha de pagamento, de R$ 32.000,00 para R$ 16.000,00, ou a demissão de 50% dos funcionários a fim de reduzir gastos e suprir a crise. Como resposta, um grupo de jornalistas da revista entraram em greve no dia 8 de março (sexta feira). Na segunda feira, dia 11 de março, Nabuco convocou os integrantes e, alegando falta de confiança, demitiu-os.

Segundo Hamilton Octavio de Souza, ex-editor chefe da Caros Amigos, e professor da PUC-SP, a revista passou por um período de jorna-lismo chapa branca, ao aproximar-se do ‘lulismo’, motivo pelo qual perdeu grande parte do público. “As matérias eram xoxas, sem pé nem cabeça. O leitor se afasta ao sentir-se enganado. A partir de 2009 construímos uma nova linha e resgatamos a credibilidade inicial”.

Durante a crise, a equipe não recebia os salários no prazo e, muitas vezes, doações externas supriam as dívidas. Como solução, a alternativa dada pelo editor chefe foi a implementação de mais anúncios na grade publicitária da revista, o que a época equilibrou seu andamento.

Hamilton acredita que a repercussão das demissões ocorridas na Caros Amigos foi maior do que as acontecidas na Record e no Estadão, pois a revista causa debate e é respeitada, mesmo pelos que não concordam com seus ideais. Apesar do incidente, admite que a crise abrange todas as outras empresas do jornalismo independente. O modelo neoliberal dominante incentiva o lucro e

Crise nas redações?

Novas tecnologias disseminam informação, mas ameaçam as formas tradicionais de produzir reportagens

o processo de terceirização, assim como a explo-ração do funcionário.

Em relação aos futuros passos da revista, o professor diz que “há uma grande chance de se manter no mercado, porém não com a mesma qualidade”.

Aos olhos do diretor geral Wagner Nabuco, “A crise é estrutural no mundo da comunicação. As redes sociais, assim como a Internet (modelo americano e imperialista), tornam a informação gratuita, resultando em uma queda de circulação das pequenas empresas.”

“Os funcionários nunca trabalharam com carteira assinada, eles pediam, mas sabiam que não era possível da minha parte.”

Ao ser questionado sobre sua reação em relação ao comportamento da equipe, afirmou sentir-se traído por um grupo que tinha confian-ça. A greve foi o ponto crucial para ter tomado a decisão de demiti-los. “Quem entra em greve numa sexta feira? Greve de fim de semana? Eu não conheço.”

Nabuco não considera a jornada de traba-lho e o piso salarial de seus funcionários injusta. “Trabalhar 5 horas diárias, ganhando três mil reais é precário? Eu acho um privilégio”. Cita que os funcionários nem sempre chegavam na hora, e saiam mais cedo quando tinham compromissos, pois não havia controle de horário.

Wagner Nabuco acredita que a revista, tra-balhando com um grupo de ‘Free-Lancers’, man-terá sua qualidade. “Não tenho dúvidas quanto à qualidade, Será ainda melhor, inclusive publicamos a edição de Abril com este grupo”.

Apesar das declarações de Nabuco, as condições de trabalho dos jornalistas estão longe de serem ideais. Nos últimos anos a função do repórter tornou-se múltipla, o trabalho antes realizado por uma equipe em muitas empresas hoje é feita por apenas um individuo. Fica sob responsabilidade de um so profissional escrever, editar, em alguns casos diagramar mais de uma matéria ao dia. Sem contar o constante pressão por prazo em um mercado no qual o “furo” e es-tar a frente do concorrente são essenciais. Muitas vezes esses profissionais por conta do curtíssimo tempo não encontram a oportunidade de apurar e aprofundar sua matéria ainda tendo que arcar com o compromisso da transparência da fidelidade com a realidade e com a imparcialidade tendo que executar o seu papel social com uma sobrecarga muito além de suas possibilidades.

O incidente exposto da Caros Amigos, assim como o de diversas outras empresas de comunica-ção, não particularmente evidencia a precarização no jornalismo, mas sim, é ferramenta na qual é possível perceber as condições em que a profissão esta atre-lada e os árduos caminhos que tende a seguir.

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(WagNer Nabuco)

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

A crise por detrás da crise – As demissões na área de comunicação são, em sua maioria, pro-váveis reflexos da crise de 2008 que continua cau-sando estragos em diversos setores profissionais.

Para tentar a sobrevivência frente a uma crise capaz de atingir todo o sistema produtivo e os lucros de um periódico, o jornal tende a cortar gastos. Os cortes podem ser desde a reformulação na configuração dos cadernos, por exemplo, até medidas mais cruéis aos profissionais da área, as demissões.

No começo deste ano de 2013 muitos gru-pos demitiram em massa seus profissionais. Muitos jornalistas e repórteres perderam seus empregos e tiveram que encarar uma nova realidade, muitos, sem, aparentemente, motivo justificado de suas demissões.

O Grupo Estado foi o primeiro a denunciar que sim, há uma crise iminente na área da co-municação. Inicialmente, como forma de pagar as contas, o jornal Estado de São Paulo, principal mantenedor do Grupo, anunciou modificações em sua versão impressa. Segundo comunicado interno do Estadão assinado por Ricardo Gandour, Diretor de Conteúdo, “No próximo dia 22 (de abril de 2013), 2a feira, ‘O Estado de S.Paulo’ estreia uma nova configuração de cadernos e um novo processo de produção industrial e logístico. O jornal adotará a configuração de 3 cadernos mais 1 suplemento”.

Mas as novidades não se limitaram a uma nova configuração e produção. Confirmados, cer-ca de 20 jornalistas, sendo 5 da área de Esportes, 4 de Economia e outros de Metrópole e Vida, foram cortados. Segundo o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, José Augusto Camargo, o Guto, “As demissões no Estadão são injustificadas”.

Estudo comprova que 80% dos jornalistas sofrem de estresse

São preocupantes os resultados da pesquisa “Reestruturação positiva e qualidade de vida dos jornalistas” do doutor em psicologia e professor titular da Universidade de Campinas, José Roberto Heloani.

Iniciada em 2003 e finalizada em 2012, a pesquisa contou com a participação de 250 jornalistas, focando temas como saúde mental, subjetividade, identidade e assédio moral. Os quase dez anos de estudo detectaram um alarmante aumento de casos de depressão, assédio e opressão dentro das redações. As consequências dessas condições são possíveis ser notadas na qualidade de vida dos profissionais, vulneráveis a problemas graves de saúde; destituídos de sua autoestima; com dificuldades de estabilizar a vida pessoal e suscetíveis ao uso de tranquilizantes e outras drogas mais pesadas, como a cocaína.

Para o professor parte desse problema deve-se à perceptível mudança da divisão do trabalho dentro dos veículos de comunicação. O trabalho antes subdividido hoje é realizado por um único individuo. “O jornalista se tornou polivalente, ele é repórter, ao mesmo tempo trabalha com a redação do texto, faz as fotos e em alguns casos ele mesmo dirige o carro de reportagem e faz a diagramação” – declarou Heloani em entrevista a rádio Câmera dos Deputados em 17 de novembro de 2010. O autor ainda aponta para o fato de essa rea-lidade tornar ainda mais rotativa o expediente das empresas, fazendo com que o profissional seja descartável e substituível. “Você percebe que esse ramo segue a lógica empresarial, justamente da reestruturação. São conglomerados. Existe uma financeirização desse ramo. Dar lucro é fundamental. Então, essa foi uma percep-ção. Ficou claro que a qualidade de vida do jornalista em geral é muito baixa. Ficou também bastante claro que há duas gerações que se hostilizam e isso é muito triste, mas é uma hostilidade induzida. Você tem um estímulo a jogar um contra o outro, tanto que eu até denominei o pessoal mais jovem de “menudos”. É uma pessoa que, até pelo gás, pela saúde, aceita qualquer condição. Então, por isso, eles são mantidos – explica o pesquisador.

A grande concorrência leva a omissão de crimes contra a personalidade, como o assédio e o abuso moral. “O assédio aumentou, mas o número de pessoas que recorrem à Justiça diminuiu”. O mais grave desses casos se transformou em escândalo com o assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo ex-diretor de redação do Estado de S. Paulo, Pimenta Neves.

O Doutor exalta o fato de que no Brasil há seis grandes grupos de comunicação. O que faz das opções do mercado limitadas, exigindo muita coragem do jornalista para fazer uma denúncia formal de assédio, já que acaba correndo grande risco de ser marcado por essas companhias, sendo convidado, a partir do incidente, a ocupar cargos em veículos menores – caso esses não prestem serviço às empresas que controlam a comunicação no país. “A pessoa pode até pensar em mudar de área, ir para assessoria ou área acadêmica, mas nenhuma alternativa é fácil” – disse ao Portal da Imprensa em março desse ano.

A desregulamentação é outra causa aparente da crise. Para o autor a queda do diploma no que diz respeito à designação dos trabalhadores da área de comunicação como grupo, uma categoria, foi algo completamente desvantajoso, pois o grupo deixou de possuir uma identidade, o que por sua vez enfraqueceu o sindicato. Segundo ele apesar de representar pessoas cultas e com bagagem de educação e cultura muito elevadas, é um sindicato mais franco do que muito sindicato rural.

As condições precárias e muitas vezes cruéis parecem explicar a assustadora porcentagem dos casos de estresse. 80% dos jornalistas entrevistados apresentam o sintoma da doença, sendo que 25% já apontam indícios de pré-exaustão, estágio que pode levar à um Acidente Vascular Cerebral (AVC), Acidente Cardiovas-cular (Ataque Cardíaco) ou até mesmo uma Isquemia Cerebral. Isso significa que um entre quatro jornalistas está propício a ter um ataque cardíaco. “É um estresse que fugiu do controle, está cronificado. Ele dá indícios que pode te levar ao hospital. Então, você já vê pessoas usando de tal maneira o seu organismo para mostrar que ainda é produtivo, que é melhor do que o outro, que vão ter consequências físicas e psíquicas, em curto, médio e longo prazo”.

O uso de drogas aumentou em 25%. O álcool é a droga mais recorrente, além de café e energético em alta medida. Porém o estudo também revela o aumento do uso de drogas estimulantes, como cocaína e an-fetamina. “É uma forma de o cara conseguir escrever quatro ou cinco matérias em veículos diferentes, dormir três ou quatro horas, e dar conta do recado. Muitas vezes, sem tempo de ir ao psicólogo ou ao médico, o cara ouve falar de alguém que conseguiu ter um pique legal com “uma cheirada numa carreira” e aí ele perde o pé. É cada vez maior o número de pessoas que trabalham intoxicadas”.

As mulheres jornalistas dentro do estudo se apresentam como as mais afetadas, com a carga horária de trabalho acima da média e com o nível de res-ponsabilidade maximizado, essas são obrigadas a dedicar menos tempo em suas famílias, sentindo-se culpadas, cobradas e com um constante sentimento de fracasso. As relações pessoais aparecem como uma das maiores dificuldades dos jornalistas, as exigências da profissão os impedem muitas vezes de construírem relacionamentos estáveis com pessoas fora da área, as causas mais frequentes são o ciúme e a infidelidade.

A pressão social aparece como outra ocasio-nadora do sentimento de fracasso presente no cotidiano do profissional. O professor explica que o olhar da sociedade mira o jornalista como um dos responsáveis pela denúncia de injustiças, golpes, fraudes, mas por outro lado, a realidade nem sempre é essa, estabelecendo uma enorme distância entre a representação social e a pessoal.

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

A lógica sistemática mundial que inspira à maximização dos lucros, e consequentemente, faz com que profissionais sejam demitidos tem impe-dido condições e ambientes saudáveis de trabalho. Em qualquer ambiente quando há demissões, mas o montante de trabalho a ser produzido per-manece o mesmo, há o acúmulo de tarefas para os profissionais restantes, e na área jornalística o raciocínio é o mesmo.

O alto índice de demissões ligado a outros agravantes tem conduzido à maximização do trabalho do profissional de comunicação. Essa pressão constante em uma profissão que por si só já exige muito do profissional consegue exau-rir o jornalista, até torna-lo vulnerável devido às exigências que lhe cabem.

Além, portanto de ter suas condições de trabalho maximizadas, ou seja, trabalhar a mais

sem nenhum aumento de remuneração, o jor-nalista que com o tempo e a manutenção dessas condições passa a experimentar estados desagra-dáveis e precários em relação ao seu bem estar mental, tem que encarar que a identidade real de sua profissão encontra-se muito distante da ide-alizada, de modo que está em posição garantida somente por um contrato.

Segundo pesquisas, é cada vez maior o nú-mero de jornalistas que, já em péssimos ambientes de trabalho, e com um salário inferior ao piso, se recusam a denunciar possíveis ameaças que rece-bem ao exercerem sua função. Esse aumento se dá, pois a competitividade para permanecer em-pregado no mercado é muito alta, e muitas vezes a denuncia pode acabar em sua demissão.

A posição dos Sindicatos está justamente em defender o profissional de jornalismo e melho-

rar ou oferecer auxílio ao especialista. Conforme o próprio Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo criado em 1937, há a ação em “defesa dos jornalistas, defesa da melhoria da profissão, melhoria das condições de vida e de saúde dos jornalistas e nas lutas em defesa da democracia e da cidadania”.

Profissional em comunicação tende a não receber apoio de sua empresa – A respeito do aumento de ameaças feitas aos profissionais da área de comunicação, a jornalista Lúcia Rodrigues, na época repórter pela Rede Brasil Atual, foi mais um caso divulgado como mais uma refém do ato, mas que, ao contrario de muitos profissionais, teve coragem de denunciar a “agressão” verbal pela qual passou.

A jornalista que em dezembro de 2012 havia ganhado o 29º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, pela série de reportagens sobre a reintegração de posse do Pinheirinho, estava entrevistando o atual vereador do PSDB e ex-co-mandante da Rota, Paulo Telhada, quando esse a ameaçou.

Segundo os diálogos contidos na gravação da entrevista, Lucia Rodrigues perguntara sobre a legalidade da empregar primos, uma vez que o vereador havia contratado um primo para traba-lhar em seu gabinete. À pergunta, Telhada reagiu: “Eu aconselho você a tomar cuidado com o que você vai publicar, porque a paulada vem depois do mesmo jeito, no mesmo ritmo”.

A repercussão de tal ameaça serviu também como demonstração da qualidade dos ambientes nos quais jornalistas se veem obrigados a trabalhar, sem nenhuma segurança.

A jornalista foi ao ar com a matéria que continha a ameaça de Telhada, mas algumas ho-ras depois da divulgação, Lucia foi demitida pelo veículo, onde trabalhava desde 2011.

O não apoio por parte das empresas a seus funcionários, que são quem mantém a produtivi-dade, causa danos ainda maiores quando algum profissional se vê coagido e sem coragem de expor a causa, justamente pelo mesmo fim que levou Lucia: a exclusão do mercado.

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Por lu sudré *

Corre na Câmara dos Deputados um pro-jeto de lei que estabelece novo marco

legal na política de drogas no Brasil. O PL 7663/10, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB/RS) divide opiniões entorno do uso das drogas ilícitas, do tráfico e de suas criminalizações. As principais mudan-ças propostas são o aumento em até 2/3 nas penas para traficantes de drogas, o fomento ao incentivo federal, estadual e municipal às comunidades terapêuticas, a classificação das drogas de acordo com a sua capacidade de criar dependência no usuário e defesa da internação involuntária como única medida passível de ser aplicada aos dependentes químicos. Em 2011, a de-cisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que confirma a constitucionalidade e legalidade da Marcha da Maconha em todo território nacional, além do processo de legalização e regulamentação da maconha no Uruguai e em estados americanos, colocaram em evi-dência a discussão sobre políticas públicas para as drogas e sua descriminalização.

Segundo o deputado Osmar Terra o projeto de lei 7663/10, também conhecido como Nova Lei Anti-Drogas, tem como proposta fundamental oferecer melhor estrutura de atendimento aos de-pendentes de drogas e suas famílias. As opiniões contrárias ao projeto apontam que esse recrudesce uma política de drogas repressora, que dá margem para a violação dos direitos humanos, atingindo principalmente a população de rua, perpetuando a criminalização da juventude e da pobreza. O PL prevê a separação das drogas em três categorias, diferenciando o usuário dos traficantes assim como as medidas que devem ser tomadas para cada caso. Os movimentos antiproibicionistas dizem que o projeto é fundamentado em um padrão de reação às substâncias não confirmado, além de contribuir veementemente com a precarização do sistema carcerário do país, uma vez pretende aumentar as penas para crimes que envolvam sustâncias com “alto poder de dependência”. O Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR - coletivo antiproibicionista da cidade de São Paulo, que também promove a Marcha da Maconha) realizou um protesto no começo do mês de abril contra o PL 7663/10 no Viaduto do Chá, no qual foram distribuídos cigarros, aspirinas, cachaça Camelinho e conhaque Dreher. Segundo o coletivo, o objetivo do protesto era mostrar a hipocrisia da “guerra às drogas”, argumentando que o que faz uma droga ser considerada legal ou ilegal não são critérios de saúde e sim questões políticas e econômicas.

A priorização das internações involuntárias propostas pelo PL se opõe às leis atuais, nas quais os tratamentos devem ser norteados por uma po-lítica de redução de danos e em que a abstinência não é uma pré-condição para o tratamento, sendo a internação levada em conta como última medi-da. A defesa integral da internação compulsória e involuntária como pilar do tratamento, subverte

PL 7663/10 é considerado um retrocesso na politica de drogas do país pelos movimentos antiproibicionistas e sociais

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CONTRAPONTO

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Marcha da Maconha, 2012

os princípios da lei da Reforma Psiquiátrica, que propõe um novo estatuto social para o doente mental e usuários de drogas, que garanta a cida-dania, os direitos e deveres e individualidade do cidadão. A reforma pretende eliminar gradualmen-te a internação como forma de exclusão social, substituindo tal modelo por uma rede de serviço psicossocial, que inclui os CAPS (Centros de Aten-ção Psicossocial), centros de convivência e cultura assistidos, entre outros. O cientista social Marcos Magri afirma que entre a década de 80 e meados de 90, o Estado brasileiro reviu o modelo de abor-dagem para os distúrbios psicossociais, passando de um modelo institucionalizante manicomial para um modelo de abordagem antimanicomial com a finalidade de eliminar a internação e criar um ambiente social integrador, mas evidencia um défict em equipamentos e em formação de profissionais necessários para realizar a mudança proposta. “É necessário implementar a Reforma Psiquiátrica em sua completude. A redução de da-nos é uma das abordagens possíveis com usuários de drogas, sendo reconhecida pelo Ministério da Saúde porém pouco adotada pelos Munícipios e Estados”, afirma Magri.

Outra crítica ao PL é sua disposição para convênios com instituições privadas, as chamadas “comunidades terapêuticas”, representadas ma-joritariamente pelas instituições religiosas, ação que viola o estado laico e desenvolve um sistema de financiamento em ações de saúde paralelo ao SUS (Sistema Único de Saúde). Para Marcos Magri, o PL segue a lógica do contra-ataque diante do inicio da Reforma Psiquiátrica. “Os mega eventos foram um catalisador deste PL que inclui também o debate sobre a diminuição da idade penal. A inter-nação é um recurso usado inconstitucionalmente,

por exemplo, em casos como o da Unidade Experimental de Saúde do Estado de São Paulo. Neste local ficam inter-nados jovens maiores de 18 anos sob a justi-ficativa de incapacidade mental, porém todos são oriundos da Fun-dação Casa, original-mente internados por crimes e não por algum distúrbio psicossocial”, complementa o cientis-ta social. A proposta do deputado Osmar Prado ainda é acusada pelos movimentos sociais e antiproibicionistas de fortalecer est igmas preconceituosos, au-mentando a repressão

contra os usuários, uma vez que determina às instituições de ensino que efetivem uma ficha de notificação, suspeita ou confirmação de uso e de-pendência de drogas e substâncias entorpecentes para fins de registro, estudo de caso e adoção de medidas legais.

O parecer do Conselho Federal de Psicolo-gia (CFP) sobre o PL 7663/10 pontua que O tema da política de drogas pressupõe uma complexida-de que precisa ser reconhecida e que há muitas formas de se oferecer tratamento equivocado aos desafios postos pelo consumo de drogas no mun-do, pela dependência química e pelo tráfico de substâncias tornadas ilícitas. O CFP posicionou-se contrariamente ao projeto de Osmar Terra, con-siderando-o uma grave ameaça aos direitos civis e um caminho totalmente equivocado para uma resposta pública eficiente diante dos problemas de saúde pública que envolvem o abuso de drogas no Brasil. Luís Fernando Tofóli, professor de Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas, afirmou em seu artigo – publicado na coluna de Saúde da revista Carta Capital – que “O projeto faz uma grande trapalhada ao emaranhar dependência química com uso de drogas. A literatura mostra claramente que o contingente de dependentes das drogas ilegais mais comuns no Brasil é algumas vezes menor do que o número total de usuários. Políticas e eventuais medidas para estes grupos devem ser distintas”. Tofóli prossegue escrevendo que a mídia, com honrosas exceções, ajuda mais a embaralhar e estigmatizar a questão do que estimular o debate qualificado e define o projeto como “um conjunto de retrocessos míopes à pesquisa científica e às reais e sérias demandas de cuidados que a questão do uso problemático de substâncias impõe a este país”.

*Colaborou Bruno Matos

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Por andressa vilela,nana medeiros, thiago munhoz

e victoria azevedo

redações dO enem sãO alvO de POlêmica

CONTRAPONTO

A imprensa distorceu o debate sobre a políticaeducacional do país

Mais uma vez, a grande mídia utilizou-se do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)

para criar polêmica e formular críticas ao gover-no que, no entanto, não são sustentadas por argumentos sólidos ou baseadas no verdadeiro conhecimento sobre assunto. Visto que o tema da redação de 2012 era “O movimento imigra-tório para o Brasil no século XXI”, duas foram as ocorrências discutidas: textos contendo erros gramaticais que receberam nota máxima e alunos que, no meio de sua redação apresentaram receita de macarrão instantâneo e o Hino do Palmeiras e, ainda assim, tiveram suas redações corrigidas e avaliadas com notas na média. Todos os casos foram publicados pelo jornal O Globo, no dia 18 de março.

A crítica à educação nacional, principal-mente ao Enem, deveria focar no desempenho dos participantes, que é o verdadeiro objetivo do exame. O Enem não foi criado para aprovar ou de-saprovar estudantes, assim como seus métodos e critérios não compreendem questões operacionais de avaliação. O grande debate criado em torno de redações “problemáticas” e que, no entanto, receberam boas notas, impede que importantes discussões em relação à educação sejam realiza-das. Paulo César Carvalho, mestre em linguística pela USP, e professor de Gramática e Interpretação de Texto do Sistema Anglo Ensino, afirma que “de fato, denúncias de corrupção, vazamento de gabarito, etc, comprometem a imagem do Enem e a credibilidade na avaliação, mas isso não tem relação com a eficácia da prova como recurso de avaliação dos candidatos.”

O Enem foi adotado como política pública de avaliação no governo de Fernando Henrique Cardoso, e, desde então, sofreu algumas mudan-ças, dentre elas a possibilidade de ser utilizado para se ter acesso a cursos de ensino superior e profis-sionalizante, incluindo nas universidades públicas, através do Sisu – Sistema de Seleção Unificado. O debate sobre melhoria do ensino no país, na última edição do exame, desconsiderou a opinião de pesquisadores acadêmicos que auxiliaram no desenvolvimento de tal projeto e o que se pensa sobre o que é correto ou não, no âmbito do estudo da linguagem, diante das variantes linguísticas e condições sociais do país. Para o professor do Departamento de Linguística da PUC-SP, Egon Oli-veira Rangel, “todas as diferentes manifestações de uma língua são igualmente válidas e adequadas a seus propósitos. Não há, portanto, nem fala nem escrita correta ou errada. Há diferentes formas de se expressar, oralmente ou por escrito, cada uma delas própria de determinados contextos e/ou situações sociais.” Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília (UnB), concorda: “o que existe são expectativas, da parte das pessoas letradas, quanto às convenções culturalmente estabelecidas sobre os diversos gêneros textuais que circulam na sociedade”. Dessa maneira, o que cabe discutir é a adequação da escrita e da fala conforme a situação exigir, por exemplo, não se espera encontrar em um texto acadêmico uma

linguagem que se ouve em uma conversa entre dois amigos.

Ainda que o exame esteja em processo de aperfeiçoamento, é necessário refletir sobre as possibilidades de inclusão social que esse permite e como seus resultados são utilizados para analisar e modificar o sistema de ensino brasileiro. Para Car-valho, “A prova não é mero pretexto para verificar a memória do candidato, que chamamos no senso comum de ‘decoreba’. O que importa é o modo como o aluno estabelece relações entre dados do conhecimento, como transita pelos caminhos da interdisciplinaridade, como articula informações de diferentes áreas do saber. É um exame que privilegia a leitura!”

A mídia prefere ignorar quais são os crité-rios empregados pelo Enem, além de desconhecer seu processo de desenvolvimento, o que envolve seus princípios e objetivos. Para o professor Egon, “o risco de essas avaliações, cujo objetivo é aferir o desempenho das redes públicas de ensino, serem tomadas como parâmetro para toda e qualquer avaliação escolar não tem sido sequer mencionado. Nem se tem discutido, na mídia, a que interesses as avaliações sistêmicas têm servido.”

Como a última edição da prova não foi a primeira a ser criticada, o Ministério da Educação (MEC) decidiu adotar novos critérios para a avalia-ção dos textos, que entraram em vigor a partir de 2012. Houve mudanças principalmente nos itens

a serem avaliados. Entre eles estão: o domínio da norma padrão da língua portuguesa, compreensão da proposta de redação e demonstração de conhe-cimento da língua necessária para argumentação do texto. Assim como redações que apresentem “impropérios (insultos), desenhos e outras formas propositais de anulação” poderiam sofrer a anu-lação, segundo o edital do exame.

Como resposta ao episódio das redações que receberam nota máxima independente de erros de ortográficos como “rasoável” e “trousse”, o MEC divulgou a seguinte nota:

“A coordenação pedagógica do exame, sob responsabilidade das professoras da Universidade de Brasília e doutoras em linguística, Vilma Reche Corrêa e Maria Luiz Monteiro Sales, esclarece que é preciso considerar que a análise do texto é feita como um todo, e que eventuais erros de grafia não significam que o aluno não domine os padrões da língua”. E ainda: “Uma redação pode ser nota 1.000 mesmo apresentando alguns erros em cada competência avaliada.” Já o Inep (Instituto Nacio-nal de Estudos e Pesquisas Educacionais) apontou que os avaliados no Enem ainda estão passando por um “processo de letramento na transição para o nível superior” e convergiu com o MEC na justificativa que de uma redação avalia-se como um todo, ou seja, “pequenos desvios gramaticais não afetam a nota final se o texto for bem nas competências avaliadas.”

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(paulo césar carvalho)

Os corretores valorizaram a capacidade ar-gumentativa, a clareza de ideias e o conteúdo das redações, considerando que os autores daqueles textos compreenderam a proposta de trabalho apresentada, apesar de alguns erros ortográficos. Para o professor Marcos Bagno, da Universidade de Brasília (UnB), “Numa situação de tensão como é um exame, é mais do que natural que ocorram desvios ortográficos. Os critérios do ENEM são corretíssimos quanto a isso.”

Aos olhos da sociedade – Quando os resultados do Enem foram divulgados, muitos participantes ficaram insatisfeitos tanto com o resultado quanto com a impossibilidade de ver a correção. Desse modo, um grupo criado no Fa-cebook com o nome “Ação Judicial – REDAÇÃO ENEM 2012”, com mais de 30 mil integrantes, prometeu promover manifestações e entrar na justiça para que as correções fossem disponibili-zadas. O grupo, que recebeu apoio do procurador da República, Oscar Costa Filho, do Ministério Público Federal no Ceará (MPF/CE), conseguiu um acordo com o MPF, em fevereiro de 2012 para ter acesso aos textos, porém não pôde obter revisão dos mesmos.

As insatisfações com questões operacionais do Enem levaram muitos a concordarem e estimu-larem a crítica ao exame, que está em risco de se consolidar como um sistema de avaliação falho diante da visão da sociedade pautada na aborda-gem midiática. Para o professor Egon, “como qual-quer iniciativa do governo federal, o ENEM pode e deve ser discutido. Mas o mínimo que se exige de uma discussão desse tipo é que os promotores do debate conheçam o assunto e se perguntem, por exemplo, sobre que tipo de avaliação o ENEM — assim como qualquer outra avaliação sistêmicas — promove, com que consequências.”

A desaprovação sensacionalista pode ser considerada uma posição elitista de parte da sociedade, que concorda com a ideia de zerar redações que apresentem erros de português. Essa atitude pode ser comparada ao preconceito em relação às variações linguísticas regionais e sociais. Para o professor Marcos Bagno,” É uma ideia autoritária e fascista, e justamente por isso defendida pela mídia conservadora. A filosofia do ENEM, democrática, é valorizar tudo o que puder ser valorizado. A mídia só quer atacar o governo e se vale de qualquer pretexto, inclusive de mentiras, para alcançar esse objetivo.“

A discussão principal, portanto, não é se a prova do ENEM deve ser reestruturada ou adequada para que todos os alunos tenham as mesmas oportunidades de passar no exame, mas sim, deve-se questionar a qualidade dos ensinos básicos no país, para que todos os alunos tenham as mesmas condições de realizar a prova. A edu-cação é um privilégio de poucos em nosso país e assim muitos brasileiros ficam à margem do domínio da norma culta. Não se deve nivelar por baixo a prova, tornando-a mais fácil, pois essa tem de ser exigente.

Redações incomuns abrem debate sobre eficácia da correção

“Tentei enganar os avaliadores. A gente sempre escuta que o pessoal que corrige só lê o primeiro parágrafo e a conclusão, resolvi fazer no centro, no segundo e terceiro parágrafos”. Foi essa a justificativa de Fernando César Maioto Júnior, quando perguntado pelo G1 porque havia colocado trechos do hino do Palmeiras em sua redação do Enem 2012. Ainda assim, ele obteve nota 500.

Outro caso parecido aconteceu ainda na mesma edição da prova, quando Carlos Guilherme Custódio Ferreira incluiu em seu texto, com a mesma intenção de Fernando, uma receita de macarrão instantâneo e ganhou nota 560.

Segundo nota divulgada pelo Inep, os corretores “identificaram a impertinência do texto inserido”, entretan-to, os alunos não teriam fugido ao tema completamente e por isso mereceram uma pontuação na média.

As “provocações” teriam garantido aos alunos notas baixas nas competências I e II, que consistem em “demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita” e “compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo”, segundo o edital do exame. No entanto, não teriam sido consideradas como insultos, pois não apresentavam, em nenhuma instância, uma proposta que ferisse os direitos humanos, algo que anularia a redação.

Apesar da declaração dada pelo Inep, ainda existe o questionamento de se os corretores realmente consi-deraram as competências contidas no edital ou se simplesmente não leram tais redações até o fim.

Com toda a polêmica acerca desses textos, vieram à tona informações sobre as condições de trabalho a que são expostos os corretores do Enem. Segundo uma corretora que falou à reportagem do portal R7 Notícias, os professores são remunerados com R$1,90 a cada texto corrigido, valor inferior ao oficial, divulgado pelo MEC, que seria de R$2,35 por prova. Além disso, o número de redações corrigidas por dia é cem, quantidade que provoca, depois de certo tempo trabalhando, um alto grau de confusão mental e cansaço.

A baixa remuneração e o grande volume de redações para corrigir em pouco tempo afastam profissionais mais qualificados, e desqualificam o trabalho dos envolvidos na correção, uma vez que precisam fazer sua função com pressa.

Essa questão coloca em pauta a divisão que deve ser levada em conta na hora da avaliação do Enem como um todo. Segun-do o professor Paulo César Carvalho, “há duas questões distintas: uma, é a prova de redação; outra, a sua correção. De fato, não adianta a prova ser boa se não é bem aplicada, se não é bem corrigida.”

Depois da intensa repercussão dos casos, 300 corretores que avaliaram as redações de 2012 foram afastados do cargo com a justificativa de que não teriam cumprido os requisitos de qualidade na hora da avaliação. Além disso, o Inep estuda alterar mais uma vez os critérios de correção a fim de punir com zero as redações que apresentarem algum tipo de insulto. De acordo com o site Brasil Escola, o presidente do Inep, Luiz Cláudio Costa, afirmou que cerca de 300 re-dações apresentaram esse tipo de ocorrência no exame de 2012.

Adoção do Enem por instituição privadagera protesto

Em 2011, outro caso revelou certa intolerância e incompreensão por parte da população em relação ao exame. A partir desse ano, houve uma crescente incorporação do Enem no sistema seletivo de inúmeras univer-sidades e faculdades do país, entre elas, algumas instituições privadas. A adoção cada vez maior do exame em suas políticas criou uma linha de pensamento crítico na população quanto a quem irá frequentar universidades e faculdades anteriormente cursadas apenas pelas classes mais altas da sociedade.

Muitos casos de negação aos sistemas seletivos que abarcam o ENEM em instituições particulares que an-teriormente não o utilizavam ocorreram. No ano de 2012, a universidade Mackenzie adotou a nota do Enem como mais uma maneira de ingressar estudantes à instituição. O fato criou uma inquietação principalmente nos alunos da universidade, que se reuniram no dia 21 de março para protestar contra a nova política. Na ma-nifestação, 800 pessoas bloquearam faixas da Rua da Consolação na frente do Mackenzie exigindo a retirada do Enem do processo seletivo da universidade.

Em resposta ao protesto, a universidade diz que a adoção do exame é uma “tendência irreversível”. A reitoria ainda acrescentou que “O Enem pode ser considerado o mais democrático e inclusivo dos processos seletivos no país. Neste sentido, o Mackenzie segue o exemplo de outras instituições educacionais de primeira linha no Brasil, tanto públicas quanto privadas, que já incluíram esta iniciativa em sua seleção.”

Macarrão instantâneo e Hino do Palmeiras: segundo o Inep, redações não teriam fugido ao tema totalmente

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

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CONTRAPONTO

ensaiofotográfico

“SeremoS macacoS de novo”

CONTRAPONTO

ensaio fotográfico

Por: amanda abade e Pedro ceballos

As feições opacas, distantes e apáticas, a indiferença frente à histeria das crianças e agitação pelo cárcere em jaulas mínimas são alguns dos traços perceptíveis dos animais do Zoológico de São Paulo, um dos maiores do mundo.Instituições como essa se defendem de qualquer pressuposto moral ao alegar funções como preservação das espécies,

pesquisas científicas, educação da população e, sobretudo, recreação.No entanto, críticas apontam que os zoológicos conduzem a um estado condicionado do ser selvagem, num habitat

artificial sem predadores e sem estímulos.Nesta relação homem-animal, os animais são reduzidos a sua existência imagética, ao espetáculo e à simples aparên-

cia. Afinal, o que estamos ensinando às futuras gerações ao colocar animais em cativeiro para puro entretenimento? No ápice da modernidade tecnológica e do entretenimento para as massas, ainda é plausível a busca por diversão

em zoológicos?

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13CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

“SeremoS macacoS de novo”

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Por thaís stagnie victor labaki agostinho

Página do Facebook reúne mais 1500 seguidores e propõe um cardápio com as meninas mais “gostosas” da faculdade

CONTRAPONTO

420 Puquianas: elOgiO à beleza?

Machismo

Com os avanços na comunicação e a criação do Facebook, a inclusão digital trouxe as mais

diversas páginas de entretenimento. Entre elas, podemos citar as que compartilham fotos, piadas e memes. A recém criada “420 Puquianas” foi feita com a intenção de postar fotos das garotas mais “gatas” da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Reunindo mais de mil seguidores em menos de dois dias, a página escolhe cada uma das garotas e diz qual curso elas fazem, seus hobbies e em alguns casos a sua idade.

Essa “febre”, porém, não é uma novidade. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) já existia um fotolog destinado ao mesmo tipo de entretenimento. Mas foi com o blog “501 Ma-ckenzistas”, criado no final de 2011, que essa ideia se intensificou. No ano de 2013 tomou propor-ções maiores, já que alunos de várias faculdades aderiram a essa moda e inclusive passaram a fazer parcerias de divulgação das páginas de Facebook entre si: 501 ESPM, 501 Cásper e até mesmo a 501 PUC (criada anteriormente à 420 Puquianas mas que, diferentemente dessa, procura colocar fotos das estudantes de todas as PUCs do Brasil). Hoje, existem mais de sete páginas com o mesmo intuito, divididas pelo Facebook, Tumblr, Insta-gram e blogs. Somando os seguidores de cada uma, é possível estimar que existam mais de 20 mil pessoas interessadas.

Funcionamento – Diversas garotas, inclusive algumas que não tiveram suas fotos publicadas, foram entrevistadas. As eleitas pela página disseram que os “olheiros”, como são chamados os criadores, primeiro as adicionaram e explicaram o projeto de desenvolvimento da página e depois pediram a autorização das ga-rotas para o uso de sua imagem. A seleção das garotas acontece através da atenção dos olheiros na própria faculdade, de indicações de terceiros ou das próprias meninas.

“Eles pediram para postar sim, me mos-traram o 501 PUC e explicaram que iriam fazer o mesmo projetinho com as casperianas”, disse Mariana Graciolli, 24 anos, ex aluna da Faculdade Cásper Líbero. “Eu adorei o convite, ainda mais porque eu já saí da faculdade”.

Os “olheiros” das páginas não quiseram dar entrevista ao Contraponto.

Autoestima – O principal motivo das en-trevistadas para participar da página foi que ao serem chamadas, automaticamente se sentiram mais bonitas.

“Para mim, que tenho a autoestima ex-tremamente baixa, foi uma maneira de ver que eu não era ‘tão ruim’ quanto eu pensava”, disse Marina Corrêa, 18 anos, indicada ao Miss Bixete 2013 do Instituto Mauá de Tecnologia. “Sempre tive grandes problemas com a minha estética! Desde pequena que não me acho bonita ou que tenho um corpo atraente. O que eu faço pra dar

uma melhorada na autoestima é viver diariamente malhando na academia! (risos)”.

No caso da Mariana, por outro lado, nem com mais de quinhentas curtidas em sua foto postada pela “501 Cásper” ela disse ter elevado sua autoestima.

“Não afetou a autoestima, mas esses con-vites sempre me deixam bem feliz. Sinal que as horas na academia estão dando certo! (risos)”. Ao perguntar se ela se sentia mais bonita antes ou depois da postagem, a jovem respondeu: “Até agora me acho baixinha e sem graça”.

Esse depoimento nos permite observar uma contradição curiosa: de um lado uma vontade de

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Mariana Graciolli, 24, ex-estudante da Faculdade Cásper Líbero

Rachel Fernandes, 23, apareceu na página 501 Cásper

esses coNvites sempre me deixam bem feliz. siNal que as

horas Na academia estão daNdo certo!

Natália Reis, 3º semestre de Economia, PUC, 1a colocada no Miss Bixete 2012

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Monique Carreira, 5º semestre de Administração, PUC

Beatriz Prison, 3º semestre de Administração, PUC

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como uma brincadeira. “Claro que isso eleva a autoestima, mas não fiquei muito afetada com isso, afinal, é uma brincadeira de faculdade!”, contou Rachel Fernandes, 23 anos, que apareceu na página “501 Cásper”.

É interessante observar também a quan-tidade de homens que ao verem as fotos das meninas, decidiram adicioná-las sem ao menos as conhecerem. “Muitas pessoas me adicionaram depois da foto publicada. Também vieram com uns papinhos, mas nem liguei para isso, sabia que isso seria normal, mas me assustou a quantidade de pessoas que me adicionou”, disse Rachel ao perguntarmos se a vida dela havia mudado após a publicação da foto. E não foi apenas com a Rachel que isso aconteceu.

“Pelo fato da sua foto estar no perfil do Centro Acadêmico da faculdade, acabam sim muitas pessoas tentando te adicionar. Depois sem-pre tem um ou outro que chega e fala pra você: ‘Ah, é você que tá concorrendo a miss bixete?’ (risos) Para mim foi super tranquila essa parte de ‘dar em cima’. É uma seleção tranquila e todos levam na brincadeira! Então se alguém acaba dando em cima de você porque te viu no perfil, é simplesmente porque te achou atraente”, disse a caloura Marina.

Segundo o site G1, houve um aumento de 15% nos índices de estupro desde o início de 2013. Tanto isso é alarmante que o professor da PUC-SP e jornalista Leonardo Sakamoto escreveu em seu blog um texto falando sobre o jovem do século XXI com uma mentalidade reacionária e conservadora que acha normal “assediar uma moça com uma cédula de dinheiro na balada, dando a entender que ela estava à venda”, como o professor citou.

Um exemplo dessa forma de pensamento conservador é a fala de um estudante da FEI que não quis ser identificado “Devem ter algumas meninas meio metidas, mas isso não as torna ‘não namoráveis’. As que postam fotos de decote ou de roupa muito colada já é um pouco mais suspeito. Acho que, para esse caso, a maior chance é de que seja uma opção perigosa para se namorar. (...) Com certeza deve ter alguma garota lá que

seja interesseira ou infiel, mas não dá para dizer que são todas.”

Igualdade? – Algumas faculdades já possuem páginas para divulgar os homens mais bonitos. Mas enquanto as das mu-lheres possuem mais de 1000 seguidores, as dos homens não chegam nem a 500. A grande questão é que não se trata de uma igualdade interessante entre os gêneros e sim, de uma “objetificação” do ser hu-mano. Ao serem perguntadas se seriam “Olheiras”, algumas das entrevistadas disseram que achariam super interessante estar nessa posição.

“Acho a página muito legal, se ti-vesse tempo ia me divertir absurdos indo atrás das “gatas”! (risos)”, disse Mariana Graciolli

Já Marina não concorda com a atitude. Apesar de ter participado do con-curso Miss Bixete 2013, a caloura disse não gostar de julgar o outro pela aparência. “Não faria! Ser julgada todos os dias pela sociedade já é difícil, não julgaria ninguém por ser bonita ou feia.”

O que nos faz perguntar: até que ponto devemos aceitar um padrão de beleza sem questioná-lo e até que ponto devemos fazer com que esse padrão norteie o interesse sexual pelo outro?

valorização de si por meio da beleza, e de outro um confinamento dentro de padrões estéticos impostos e largamente aceitos, pela sociedade tão exigente que acaba gerando um descontentamen-to generalizado das pessoas com seus corpos. Essa supervalorização da beleza leva garotas inseguras com seu físico a tentarem mudar sua aparência para se inserirem nos padrões, seja através de dietas, exercícios ou cirurgias.

Machismo – O machismo engloba toda pressuposição de que existe uma inferioridade do sexo feminino em relação ao masculino. Apesar de vivermos em uma sociedade na qual a igual-dade entre os sexos está cada vez mais próxima, o pensamento machista ainda reina. Um dos seus desdobramentos é banalizar a representação da mulher como objeto.

A página é vista pela maioria das pessoas

Panfleto entregado em São Carlos no dia da manifestação feminista

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as que postam fotos de decote ou de roupa muito

colada (...) são uma opção perigosa para se Namorar

“Miss Bixete”

No início do ano de 2013 aconteceu um episódio lamentável na USP de São Carlos denominado “Miss Bixete”. A proposta do evento é realizar um desfile com as “bixetes” mais gostosas. Uma prostituta também é contratada para mostrar os peitos. As meninas desfilam em uma passarela enquanto os veteranos gritam em coro as seguintes palavras “peitão, peitão, peitão” e algumas calouras aceitam participar e exibir o seu corpo.

A Frente Feminista da universidade marcou um protesto para o dia evento. Durante o ato, as ma-nifestantes foram agredidas com copos de cerveja, hostilizadas e até dois alunos ficaram pelados simu-lando atos sexuais com uma boneca inflável.

Antes da festa, os organizadores distribuíram um panfleto que também causou polêmica em que estava escrito “Cinquenta Golpes de Cinta – A cura para o fogo no rabo dessa mulherada mal comida”. O folheto em questão faz alusão ao best seller Cin-quenta Tons de CInza.

O evento repercutiu nas redes sociais e a direção da universidade afirmou que irá investigar os alunos que ficaram nus e poderá até expulsa-los. Em uma nota, os organizadores do evento afirmaram que a “festa“ reflete a liberdade de expressão. A frente feminista afirmou que é um evento machista que submete as mulheres a situações extremamente constrangedoras.

Anúncio da página 420 Puquianas ao atingir 1000 curtidas em menos de

dois dias

Charge feita por Carlos Latuff em menção ao Miss Bixete São Carlos

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Por isabel Hararie rute Pina

A ideia era ficar seis meses aqui e seguir via-jando, mas acabei ficando seis anos”, conta

o brasilianista James N. Green em entrevista ao Contraponto sobre sua primeira vinda ao Brasil. Politicamente engajado com a América Latina desde a década de 1960, quando percebeu que as próximas intervenções políticas americanas poderiam ser feitas no continente, se instalou no Brasil, onde militou em diversas organizações e instituições e ajudou a fundar, em 1978, o Movi-mento Gay de São Paulo.

Atualmente, professor do Departamento de História da Brown University, colabora com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), comissão criada em 2011 visando investigar viola-ções de direitos humanos ocorridas no Brasil por agentes do Estado.

Embora saiba que a CNV não fará com que os militares que praticaram a tortura e que foram anistiados sejam punidos, o brasilianista acredita que articulações como esta, assim como processos civis contra torturadores e caravanas da anistia, sejam importantes meios de se reacender o debate em torno do tema: “A Comissão da ver-dade vai obrigar o Estado a lidar com o passado”, acredita.

Ainda seguindo a temática, Green é autor de Apesar de Vocês, livro que reúne uma enorme quantidade de documentos a fim de contar a his-tória das pessoas que combateram, nos Estados Unidos, as atrocidades do regime militar brasileiro no período compreendido entre 1964 a 1985. Ele mostra que a censura e limitações às liberdades no Brasil geraram protestos nos âmbitos universitá-rios, religiosos, políticos e artísticos. “Escrevi para “desvender” essa imagem unilateral dos Estados Unidos”, explica ao dizer que geralmente o país é visto apenas como inimigo, quando, na verdade, a sociedade americana também é complexa e composta por vários setores distintos.

O título do livro, ele pegou emprestado da música de Chico Buarque de Hollanda: “É uma música brilhante que os censores acreditavam se tratar sobre uma namorada!”. Confira a íntegra da entrevista a seguir.

Em entrevista, o brasilianista estadunidense James Green fala sobre a necessidade de punição aos torturadores do regime militar

brasileiro e se vê otimista com a Comissão da Verdade

CONTRAPONTO

PesquisadOr esgrime memória cOntra cOnciliaçãO

Entrevista

Contraponto – Como foi sua aproximação aca-dêmica com o Brasil? Como se deu a mudança de percepção do país do carnaval e do futebol para o Brasil da ditadura, que praticava a tortura?James N. Green – Eu sou produto dos anos 1960 nos Estados Unidos. Eu estava envolvido em movimentos contra a guerra do Vietnã, nas articulações pelos direitos civis. Era um momento de muita politização e eu estava envolvido nisso – fui preso várias vezes em manifestações. Nesta movimentação, eu percebi que a próxima interven-ção americana seria na América Latina. Então eu resolvi aprender espanhol, fui para o México e lá fui para uma escola que tinha curso de espanhol de manhã e cursos sobre a América Latina com fortes influências de Paulo Freire – que estava exilado na época. Para mim, foi uma conscientização sobre a América Latina.Nesse momento, organizei com mais sete pessoas um coletivo de estudos depois da faculdade. Morá-vamos juntos e uma vez por semana estudávamos América Latina e, por vários motivos, eu optei estudar o Brasil. Assim, entrei em contato com o Committee Against Repression in Brazil (Comitê contra a repressão no Brasil) em Washington, or-ganizado por Marcos Arruda, que foi um militante da Ação Popular preso em 1970. Ele foi torturado,

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

CONTRAPONTO

a família o ajudou a sair da prisão e ele conseguiu sair do país, foi para Washington, onde morava a mãe, e organizou uma atividade contra a visita do governo do Médici à Casa Branca na época do Nixon. Eu entrei em contato com ele dois anos depois, já nos Estados Unidos, em janeiro de 1973. Eu era muito jovem, romântico e revolucionário, e tinha o imaginário de fazer a mesma coisa – ser revolucionário, clandestino. Era o romantismo da juventude. Então eu comecei a ajudá-lo na Fila-délfia, onde eu morava.

Eu estava envolvido em campanhas sobre o Brasil e, depois que houve o golpe no Chile, todo mundo mudou seu interesse para lá, para ajudar a divul-gar a situação, o envolvimento norte-americano, ajudar os exilados, fazer campanhas. Eu fiz isso durante dois anos e depois tive vontade de conhe-cer a América Latina. Então eu viajei com minha irmã e um colega pela América Central, depois fiquei seis meses na Colômbia e fui para o Brasil. A ideia também era ficar seis meses aqui e seguir viajando, mas acabei ficando seis anos.

Aqui eu entrei em uma organização clandestina, depois participei da Convergência Socialista, militei no PT, na Universidade de São Paulo (USP) e tam-bém fui um dos fundadores do Movimento Gay de São Paulo em 1978. Voltei aos EUA para fazer movimento sindical. Eu era funcionário público, mas na verdade gostaria de voltar para o Brasil, mas não tinha dinheiro. Foi aí que alguém falou: “Você tem que estudar”. Então fiz o doutorado em História da América Latina e História do Brasil, mais para ter a oportunidade para voltar ao Brasil. Então meu envolvimento com o país era político,

uma relação constante.

CP – Em O tempo vivo da memória, Ecléa Bosi escreve que “o passado reconstituído não é refúgio, mas uma fonte, um manancial de ra-zões para lutar. A memória deixa de ter um caráter de restauração e passa a ser memória geradora de futuro”. Pensando nisto, por que o resgate do passado seria importante para a transformação do presente? A Comissão da Ver-dade seria uma mola propulsora para que isso ocorra?J.G. – É uma pergunta muito densa e com uma resposta muito complicada. Eu acho que, primei-ramente, temos que voltar a 1979: a conciliação que houve com a Lei da Anistia, que foi aprovada com poucos votos em um congresso totalmente antidemocrático e que anistiava os torturadores, cria uma situação de eliminar e evitar a possibilidade memória, de dizer “vamos esquecer a repressão”.Isso criou uma situação de não querer enfrentar o passado. Não se enfrentou a violência policial, a violência do Estado. E não se con-seguiu travar um diálogo dizendo que tudo isso era uma tradição

profunda, uma tradição na qual os escravos foram torturados, na qual a classe trabalhadora sempre foi maltratada pela Polícia, onde existia a repressão de rodas de capoeira, por exemplo, não se falou da repressão policial no Estado Novo... Não houve esse debate. E por vários motivos: por oportu-nismo, pelo medo que tinham os militares, por políticos que queriam aproveitar a nova situação política e ir adiante e etc.Todas essas atuais articulações, como o proces-so civil da família Teles contra o coronel Ustra, a Comissão da Verdade ou a própria Caravana da Anistia são tentativas políticas de obrigar a sociedade rever o passado que alguns setores da sociedade queriam abafar. E isso é fundamental porque, se não se entende profundamente os erros do passado, não se soluciona esses problemas que produzem as violações de Direitos Humanos e a repressão do Estado.Algumas pessoas reivindicam o papel de punição da Comissão da Verdade – mas ela não vai cumprir esse papel –, outros exigem investigações amplas, além do período de 1964 a 1985. Eu acho que a Comissão da verdade vai obrigar o Estado a lidar com o passado, vai provocar um debate nacional, pois vai sair nos jornais os relatórios, informações, as audiências e tudo isso. Eu também acho que ela vai abrir caminho para outras atividades políticas futuras que irão mais a fundo, porque o mais importante, para mim, seria reverter essa Lei da Anistia e punir os responsáveis do Estado pelas violações dos Direitos Humanos.Isso é fundamental: a punição. E era muito difícil

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A lei da Anistia, aprovada em 1979, poupou os torturadores

Protesto em frente ao Ministério da Justiça em São Paulo, onde se julgava o coronel Ustra: o processo é um dos recursos a favor da memória

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Eixo

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

A presidenta Dilma Rousseff discursou na instalação da

Comissão da Verdade ao lado de José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique

Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva

há alguns anos, pois não havia mobilizações su-ficientes, havia acordos com militares por parte de vários setores de governos que não queriam se voltar para o passado. Mas comissões como essa podem dar acesso a documentos que eu imagino que não desapareceram, que estão ainda guardados nos arquivos do Exército, que estão em algum lugar. A Comissão de Verdade vai tentar fazer isso.CP – Mas você acha que ela tem um papel de conciliação ou de justiça?J.G. - Eu acho que, embutidos nessa Comissão da Verdade, estão interesses muito contraditórios. Uns que querem conciliação, outros que querem aproveitar o momento para abrir longos debates e possibilidades de criar novas instâncias políticas para punições. A Comissão não vai punir ninguém, isso é evidente. Ela vai terminar depois de dois anos com um relatório.Mas, por exemplo, um processo como o da famí-lia Teles, que depois de 8 anos muitos achavam que era besteira, que não ia adiantar para nada, de repente abre espaço, eu prevejo, para outros tantos processos civis contra torturadores e que podem mudar a realidade.Se olhássemos para a realidade argentina alguns anos atrás, jamais poderíamos imaginar que [Jorge Rafael] Videla sairia encarcerado perpetuamente; houve lá uma lei de anistia em que ele foi anistiado. Mas agora ele está condenado a ficar o resto da vida no cárcere. Eu até acho que pode acontecer algo parecido aqui, mas vai ser muito difícil porque o Estado brasileiro é um estado de conciliação. Aqui sempre se soube conciliar os conflitos para manter-se no poder.Até no próprio processo de redemocratização.Totalmente. Essa conciliação está embutida desde que uma minoria portuguesa logrou ao dominar uma população majoritariamente negra, escrava e de índios e conseguiu manter-se no poder. Já são 500 anos.

CP – Mas por mais que eles se mantenham no poder, o Pollack fala muito de uma “memória sub-terrânea”; que vai se formando na clandestinidade e explode em momentos de crise. Você acha que estamos vivendo um desses momentos?J.G. – Eu acho que o grande problema, o grande desafio das pessoas que tentam reverter esse pro-cesso e recuperar essa memória é que realmente ele está reduzido a um cerco da sociedade que, ou foram participantes desse processo, ou tive-ram laços familiares afetados por essa realidade. E é grande a parcela da população que não tem muita clareza e informação sobre o período, para quem tudo isso é muito vago. Mas esses atores sociais conseguiram criar a Comissão da Verdade e acho que estão tentando reabrir o debate para que novas gerações de jovens possam saber mais sobre essa história.Eu estava hoje com o marido de uma aluna mi-nha que disse que jamais aprendeu algo sobre a ditadura militar no colégio público em São Bernardo do Campo, onde ele estudou. Ele até brincou dizendo que estava aprendendo com a mulher dele que estava tendo aulas de história do Brasil com um gringo. É loucura isso. Mas ele está aprendendo a história brasileira de maneira muito indireta porque são dados que a história oficial ainda não tem, sobre história da ditadura militar que eles querem abafar. Claro que um ou outro professor, que é muito esclarecido, vai insistir nisso. Mas, em geral, não há debates em sala de aula sobre se os militares tinham ou não esse direito de tomar o poder, sobre o direito dos cidadãos em resistir e lutar contra, por exemplo... Não tem nada disso, não há interesse.

CP – Então a Comissão da Verdade, as caravanas pela anistia, os processos civis e outras atividades são fundamentais para obrigar o debate na so-ciedade.J.G. – A população do Brasil é muito jovem, dois terços não viveram, não têm essa memória.Não viveram, não tem essa cultura. Pode até ser que assistiram e viram alguma coisa em Amor e revolução, mas é complicado. O Estado, os gover-nos, os partidos políticos ficam em uma situação complicada, porque muito deles estão envolvidos com aquele período.Durante o ato no dia da condenação do Coronel Ustra, havia muitas pessoas novas e que pareciam muito emocionadas. Apesar de não ter vivido isso, elas queriam resgatar essa memória.É muito complicada essa história de memória porque existem outros elementos. Há pessoas que querem reinventar o passado, que querem reescrever a história. Vou dar um exemplo óbvio: a mídia durante a campanha eleitoral da Dilma “revelou” seu passado, distorcendo sua participação na Colina, sua prisão e tal. O vídeo dela fazia uma biografia rápida, falava da ditadura e que ela fez parte da resistência, depois foi fazer carreira política no Sul, foi mi-nistra, aquela coisa rápida e que estava correta. Mas a história não é só essa. A história é que ela acreditava no socialismo, achava que a luta armada era pra derrubar a ditadura e imedia-tamente passar pra uma fase de socialismo, e essa foi a ideologia dela como geração. Mas depois se diz que ela estava na luta pela de-mocratização. Mentira. Ela estava na luta pelo socialismo, nos moldes cubanos, soviéticos. Os próprios militantes estão recontando seu passa-do. Querem recuperar uma parte da memória mas não falam de tudo.

CP – Você acha que essa outra memória é tão importante quanto?J.G. – Muito importante, porque parte da realida-de. Qual é o problema? Queríamos o socialismo sim, a ditadura do proletariado sim. O Ivan Seixas diz que faria de novo, outros acham que a luta armada foi um erro. Mas muitas pessoas querem não tocar nesse assunto. Incomoda as próprias pessoas. Elas mudaram.CP – E o que você acha dessa questão da Comis-são da Verdade, na sua inauguração, ter trazido o Sarney, o Collor, a Dilma e o Lula todos juntos, reunidos?J.G. – Eu acho ótimo. A questão é o que a Co-missão da Verdade vai poder produzir. Qual serão as limitações que vão ser impostas. Vamos ver os resultados.

CP – Assim como você, muitos estadunidenses também se opuseram às ditaduras na América Latina. Onde estão e o que fazem hoje essas pes-soas? Elas ainda atuam politicamente? J.G. – O meu livro [Apesar de vocês, Cia. Das Letras] foi produto de uma conversa com um bra-sileiro que estava fazendo doutorado nos Estados Unidos que fez um comentário dizendo que os americanos não fizeram nada contra a ditadura. Não é verdade. Eu, inclusive, não fiz muito, mas alguma coisa fiz. Mas também tem professores, por exemplo, que fizeram muita coisa, sem com-pensações, honras ou medalhas. Eles fizeram porque era uma obrigação. O meu livro foi escrito para preencher um vazio na historiografia na qual ninguém sabia nada sobre essa solidariedade, esse trabalho de resistência que foi realizado nos Estados Unidos contra a ditadura militar.Ninguém sabe dessas coisas por vários motivos. Primeiro, por causa da censura. Só nas redes de in-

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formação clandestinas circulava informação. Então, se você fazia parte da rede que tinha ligação com o Marcos Arruda em Washington, por exemplo, você sabia dessa resistência. Mas eram poucos. Isso não foi publicado, não saiu na Veja. O famoso desfile da Zuzu Angel em 1971 em Nova York, onde ela protestava que seu filho estava desaparecido, apa-receu nos jornais dos Estados Unidos, mas aqui no Brasil ninguém deu uma nota sobre isso. Então eu escrevi um capítulo sobre essa resistência. Mas ainda temos que escrever sobre o Chile, temos que falar mais sobre o que pessoas como o Miguel Arraes ou como Márcio Moreira Alves fizeram. São histórias que ainda têm que ser contadas. Existe uma tendência de pensar que os Estados Unidos são o inimigo, pois apoiou o golpe, que é um país onde há um capitalismo forte, que defen-de as multinacionais e, às vezes, apoia governos reacionários no mundo inteiro. Mas quem diz isso não percebe que a sociedade americana também é complexa, com vários setores sociais, tanto de direita quanto da esquerda, setores que apoiaram o golpe e setores que se solidarizaram. Estão escrevi para “desvender” essa imagem unilateral dos Estados Unidos – assim como os americanos também têm uma ideia unilateral do Brasil, “o país do carnaval e do oba-oba”.

CP – Nas organizações dos capítulos, você extrai o título dos “entreatos” de letras de músicas. Por que você escolheu esse caminho?J.G. – Por dois motivos. Eu acho que a música foi muito importante na resistência. A música mexia, emocionava, mobilizava as pessoas. E também captu-rava momentos e experiências, especialmente entre autores como Chico Buarque de Hollanda, que é uma pessoa muito especial e sensível, e eu gostaria de homenagear. E também porque essa é uma música que eu gosto. Fico chorando quando escuto.

CP – Chico Buarque disse uma vez que suas piores obras foram concebidas durante a ditadura e que ele já cansou de ouvir músicas como Apesar de você sendo exaustivamente tocadas e ouvidas por pessoas que não dão a menor atenção ao conte-údo da letra. Ele, assim, coloca em dúvida o valor da música de protesto. O que você acha disso?J.G. – Eu não sei. Não conheço bem essa entrevis-ta, não poderia comentar. Eu tenho uma coleção de vídeos dele, em um eu acho até que ele fala o contrário.Mas eu tenho com essa época: eu gosto muito das músicas. Foi o auge do Chico Buarque, entre A Banda e o ano de 1975, mais ou menos, que é quando, para mim, ele cai um pouco. Mas, pode ser porque é outro momento. Ele foi muito

importante em cada disco porque respondia uma ansiedade social, de um setor da juventude. Nem só sobre política. O fato que ele cantava sob perspectiva da mulher, mexia com as questões de gênero. Um cara que é heterossexual, era uma sensibilidade enorme que poucos músicos têm.

CP – Que seria abafada nesse período?J.G. – Não, não foi abafada. Eu acho que ele expressava. Tudo bem, algumas músicas foram censuradas.Não as músicas, mas toda essa ânsia de uma geração...Claro, foi uma época de abafamento. A música da sua juventude é a música que fica com você. Esta é a música da minha juventude no Brasil. Tem a ver com gerações. Mas o Chico logra em manter fãs de várias gerações, como os Beatles. Por quê? Por-que ele tem uma coisa profunda, que as pessoas que nem viveram aquilo gostam. Minha afilhada adora Chico Buarque de Hollanda. Para mim, é maravilhoso porque eu posso compartilhar disso. Eu odeio muitas músicas atuais, não suporto. Que pena que ele está de saco cheio porque Apesar de você é uma música brilhante que os censores acreditavam se tratar sobre uma namo-rada! Aquele era o momento. “Cálice”? Foi um maravilhoso jogo de palavras. E cantada com ele e Milton Nascimento... Esse período pra mim é muito emocionante.

CP – Voltando à resistência nos EUA, aqueles ati-vistas daquela época ainda atuam politicamente no país hoje?J.G. – Essas pessoas hoje em dia têm entre 60 e 70 anos, mas ainda atuam. Um exemplo: um jovem casal de uma família operária do Meio

Oeste, Harry, descendente polaco e seminarista, e Loretta, que ela queria ser freira. Eles se conhe-ceram e estavam envolvidos no movimento con-tra a guerra no Vietnã. Foram para Washington para fazer política, conheceram Marcos, ficaram impressionados com a história de tortura dele e quiseram fazer alguma coisa. Eles ajudaram Marcos a fazer todas as atividades. Depois, ao longo da vida deles, fizeram militância política por todo os Estados Unidos. Estão aposentados hoje em dia. Eles militavam em escolas, comunidades, faziam várias atividades. Se uma pessoa em 1972 fazia uma coisa sobre um país distante, por uma ques-tão onde tinha laços particulares, ela acabava conhecendo algum um cara torturado e criava essa sensibilidade. Por exemplo, tem um pastor que entregou as denúncias de tortura em 1970 no OEA (Organização dos Estados Americanos). Ele seguiu 40 anos de militância política pelos direitos humanos, foi para o Chile, depois para a Argentina, para a América Central. Nós estamos querendo, com a Comissão de Anis-tia, fazer uma homenagem a essas pessoas, para divulgar seus trabalhos. E nenhum deles queria ser estrela. Eram apenas militantes políticos.

CP – Você acha que a atuação no âmbito da polí-tica externa dos EUA hoje, como, por exemplo, a guerra ao narcotráfico na Amazônia, são atitudes tão autoritárias quanto na época da ditadura?J.G. – Existe um governo, um sistema, que defende o capitalismo, as multinacionais e os grupos que ainda se mantêm no poder. Às vezes é mais brando, às vezes, mais duro. O Obama é uma pessoa que defende o sistema capitalista. Eu acho que houve uma noção, pelo menos de um setor do Partido Democrata, que não se deve apoiar os regimes autoritários. Eu vou fazer uma campanha em 2013/2014, quan-do se completam 50 anos da ditadura militar, pedindo que o governo americano peça des-culpas pelo seu envolvimento no golpe militar de 1964. Mas o governo americano não tem essa capacidade de pedir desculpas, nem para os conflitos internos.Brady Tyson, um pastor metodista e missionário no Brasil em 1962, foi expulso do país em 1966 por denunciar o envolvimento americano nas ditaduras da América Latina. Ao longo da sua vida, foi mi-litante em defesa dos direitos humanos. Quando ele foi da ONU (Organizações das Nações Unidas) em 1978, em Genebra, ele pediu desculpas pelo envolvimento e apoio dos EUA ao golpe do Chile e ao governo Pinochet. O governo o tirou de Wa-shington, ele teve que dizer que era uma opinião pessoal dele e não do governo. É um país de democracia e imperialismo. Imperia-lista, que vive da exploração do mundo, mas que tem uma forte tradição democrática. Portanto, criam-se essas contradições enormes. É um país imperialista em decadência. Os EUA tentaram policiar o mundo depois da derrota da URSS, participou em várias guerras por diversos motivos, causou uma crise econômica enorme que não sei se vamos superar. A Europa também enfrenta uma crise muito grande, não sei se vai superar tampouco.

CP – Mas você acredita que a política externa dos EUA depois da queda do bloco socialista não mudou?J.G. – É diferente. Não é que mudou para ser um país esclarecido que está sempre do lado do bem. O Estado americano é um estado cuja sua função é defender interesses econômicos.

os estados uNidos são um país imperialista em

decadêNcia

a coNciliação que houve com a lei da aNistia cria uma situação que elimiNa e evita a

possibilidade da memória

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CONTRAPONTO20 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Corrupção, superfaturamento,

problemas com prazos

e origem dos recursos. Longe da imaginação,

o pessimismo é mais que um prognóstico, é

realidade

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rod

uçã

o

Por andré neves sampaio,Beatriz morrone

e João Previattelli

Criar novas leis, ignorar os cidadãos, gastar verbas públicas em estádios. Em nome da Copa, governo e FIFA se unem para realizar

um evento lucrativo para poucos

CONTRAPONTO

imagina a festa

Mega eventos

Não vai ser só a copa da celebridade, da menina bonita, dos jogadores ou de quem tem ingres-

so. (...) A gente vai fazer uma Copa de todo mundo, feita por todo mundo. E quando a gente fala todo mundo, é todo mundo mesmo.” Narrada pelo can-tor Tom Zé, a propaganda da Coca-Cola expressa em pouco mais de um minuto o que é vendido em todos os outros anúncios ligados à Copa do Mundo de 2014: futebol, carnaval, samba, mulher bonita, praia e caipirinha. Recorrendo aos famosos estereótipos brasileiros, a publicidade ajuda a criar a expectativa de que, durante aquele mês, teremos um grande evento, onde todos os problemas não serão empecilhos, e sim parte da festa.

Do total de ingressos a venda, apenas 10% custa R$ 85, sendo estes os mais baratos, com pos-síveis descontos para idosos, estudantes ou bene-ficiários de programas sociais do Governo Federal. Como um terço da população brasileira recebe um salário mínimo mensal (IBGE 2010), teria de desem-bolsar 12,5% de seu rendimento para assistir a um jogo do evento. Assim, o valor dos ingressos afasta grande parte da população, mostrando que a FIFA, organizadora do evento, não só ignora a realidade brasileira, como também alavanca esse preço em prol de um lucro privado.

Pra gringo ver – O governo não ignora a realidade, mascara: seja expulsando populações locais, como os índios residentes na Aldeia Mara-canã, ou removendo o termo “favela” do Google Maps, o bem comum é novamente colocado em segundo plano, a favor do privilegio de instituições privadas. Por ter abrangência nacional em um país famoso por abrigar diversas características cultu-rais, o evento não pode, para o cumprimento de cronogramas e obtenção de lucro, prevalecer sobre a preservação da identidade nacional.

“Isso a gente sempre vê. Por exemplo, na primeira visita do Papa João Paulo II, em 1980, houve toda aquela coisa de pintar calçada, tirar o mendigo, dar uma “maquiada”’. Para o jornalista Mauro Beting, o fato de esconder grupos social-mente marginalizados é vergonhoso: “Quer dizer, a gente sabe que tem, mas não quer que os outros vejam uma realidade que é nossa. É lamentável. A FIFA não quer fazer só evento, quer fazer estádio e evidentemente ganhar a partir disso”.

Para a participante do Comitê Popular da Copa, Talita Anzei Gonsales, estudante de Enge-nharia Ambiental e Urbana da UFABC (Universidade Federal do ABC), “esses foram mais exemplos de que a Copa não é pra população brasileira, mas apenas para aqueles que podem pagar por ela. Essa é apenas mais uma ação pra mascarar o Brasil. Além dessa há muitas outras, como o processo de higienização no centro de São Paulo, no qual os moradores de rua vêm sofrendo diariamente para saírem dali”.

Pendura a conta – Em 2007, quando o Brasil foi escolhido como país sede da Copa do Mundo de 2014, o orçamento estimado para a construção e reforma das praças esportivas era de

R$ 2,7 bilhões. Atualmente, quase um ano antes da abertura do evento, o custo esperado chega a R$ 7,1 bilhões, um aumento de 163% (com as devidas correções inflacionárias)*.

“É legal o legado que vai ficar para os nossos filhos, mas a conta que nossos bisnetos vão pagar é imoral”, afirma Mauro Beting, considerando que o dinheiro deveria ser utilizado em setores carentes de investimentos, como saúde, transporte, cultura e educação. Chega a ser paradoxal que no mesmo país onde o piso salarial de professores do ensino básico da rede pública é de R$ 1.567 (pouco mais que dois salários mínimos), todo esse dinheiro seja gasto na construção de estádios de futebol, ainda mais em lugares onde não há público suficiente para garantir a manutenção deles. Um exemplo é o estádio Arena Amazônia, em Manaus.

Além do superfaturamento e do aumento de preço dos materiais para construção baseados em especulações (todos os 12 estádios irão custar mais que o previsto), 90% das obras em andamen-to estão atrasadas, como já admitiu, com certo eufemismo, o ministro do esporte Aldo Rebelo.

Os atrasos levantam questionamentos, também, sobre o cumprimento e respeito às leis constitucionais do país, soberanas e obrigatórias. A necessidade de rápida adaptação do Brasil a di-versos critérios exigidos para sediar o evento, pode acabar por prejudicar a ordem nacional. Assim acredita Talita Gonsales: “Um exemplo disso é a formação da Secretaria Especial da Copa, presidida pela vice-prefeita Nadia Campeão, que irá tratar diretamente dos assuntos da Copa em São Paulo. Não se sabe o que será feito desta instituição após o término do evento. Além disso, a Lei Geral da Copa abre precedentes para outros tipos de ações de exceção, o que deve preocupar a população brasileira, por não sabermos até que ponto estas exceções podem chegar”.

Entretanto, para Mauro Beting, a FIFA tem, pela própria experiência acumulada, a noção de até onde pode chegar. “As áreas, os entornos dos estádios são da FIFA, mas o resto a gente abre as portas, abre os camarotes para ela. Se bem administrado, o evento não prejudicará o funcionamento da nação”, conclui.

Pode, Arnaldo? – A influência da FIFA sobre os diversos escalões do governo é vista, claramente, no período pós 2007 através do lobby existente, sobretudo pela consolidação da chamada “Bancada da Bola” (congressistas que são diretamente utilizados pelas federações para legislar e executar projetos que as beneficie). Dessa forma, ela consegue que diversas ações sejam executadas sem a consulta popular, como foi com a Lei Geral da Copa, projeto que beneficia patro-cinadores do evento mesmo indo contra artigos e leis vigentes no país.

Em um manifesto do Comitê Popular da Copa, diversas dessas violações foram expostas, como a restrição do comércio de rua e popular durante os jogos (Artigo 11), que cria novos tipos penais e restringe a liberdade de expressão e a cria-tividade brasileira. Além disso, chargistas, imprensa e toda a torcida que utilizarem os símbolos da Copa podem ser processados (Artigos 31 a 34).

O próprio Estatuto do Torcedor foi ignorado na formulação da lei, que abre um precedente legal permitindo a venda de bebidas alcoólicas em estádios; a proibição visava, sobretudo, a redução da violência nos jogos. Mas, como já foi esclare-cido em diversas oportunidades pela FIFA e pelo governo, o lucro é o principal objetivo da Copa, mesmo que seja às custas “de todo mundo”. E quando eles dizem todo mundo, “é todo mundo mesmo”.

*Fonte: Uol

é legal o legado que vai ficar para os Nossos filhos, mas a coNta que Nossos bisNetos vão pagar é imoral

(mauro betiNg)

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21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

o trabalhador da classe média quer apreNder, se beNeficiar

e saber usar o crédito. a questão está em como ele se

direcioNa fiNaNceirameNte sem se eNdividar

Por: ana Beatriz Paulichenco,Bia Ávila, marcela reis

e Petra monteiro

CONTRAPONTO

Economia

explorada. Ao invés de ser usada para o empre-endedorismo, se submete ao consumismo. Falta uma visão a longo prazo: muitos deixam de investir em educação, por exemplo, para adquirir bens materiais ou prazeres imediatos. Há a carência de orientação financeira e social e de liderança. “Passamos a ser um país carente de decisões em-preendedoras e qualitativas” afirma.

A problemática do índice – Mas afinal, seria possível definir a classe média, um estrato tão hetero-gêneo e diversificado? O professor Martin Ravallon, da Universidade de Georgetown, define como uma classe que não se considera pobre pelos padrões estabelecidos nos países em desenvolvimento, e ainda não é pobre de acordo com os padrões dos países ricos. “Ganhar U$3-4 por dia inclui a pessoa na classe média. Mas estar na média é não conseguir se diferenciar e ter que sobreviver em uma faixa que não é nada satisfatória”, opina Mañas. Essa classifi-cação puramente econômica, para Cristina Helena, esconde dados. “Ela tem um viés de interpretação que não é correto, pois define riqueza e pobreza meramente por quantidade de dinheiro”.

O problema de considerar como classe C um grupo tão diversificado é ignorar suas parti-cularidades. Para os que vivem às margens desse índice, é ainda mais complicado: voltar para a classe D é relativamente fácil, principalmente com o recente problema das dívidas. Por essas razões,

Em dez anos, o Brasil presenciou o fenômeno da ascensão da classe C. Segundo o SAE (Secre-

taria de Assuntos Estratégicos), esse novo estrato social corresponde a mais de 50% da população, somando cerca de 94,9 milhões de brasileiros. De acordo com o economista Marcelo Neri, eles detêm mais de 46% do poder de compra no Brasil, superando todas as outras classes. O novo nicho de mercado, recentemente explorado pela publici-dade, ganha entre R$ 1.064,00 e R$ 4.560,00. O maior acesso ao crédito e o aumento dos salários fizeram com que esses brasileiros experimentassem um novo estilo de vida. “É uma população nume-rosa, ansiosa, desejosa de consumo que conseguiu melhorar, colocar móveis em casa, por o filho na escola, comprar uma roupa melhor”, explica a professora da PUC-SP e doutora em Economia de empresas Cristina Helena Pinto de Mello.

No governo Dilma, no entanto, o quadro está mudando. Percebe-se que a Classe C está extremamente endividada e já enfrenta uma res-trição de consumo graças por consequência disso. “O trabalhador da classe média quer aprender, se beneficiar e saber usar o crédito. A questão está em como ele se direciona financeiramente sem se endividar”, explica o professor da PUC-SP e doutor em Ciências Sociais Antônio Vico Mañas. A Classe C usa esses empréstimos para comprar supérfluos, como bens eletroeletrônicos. No entanto, não consegue diminuir os gastos e, na hora de pagar as contas, as dívidas se acumulam. “Se um número grande de pessoas continuar a não pagar, a cadeia produtiva sofrerá um baque. Bolhas surgirão no mercado, negócios deixarão de crescer e as pes-soas, de ter trabalho”, prevê Manãs.

O governo abaixou a taxa de juros e aumen-tou políticas assistencialistas, mas ainda não é o suficiente. Essas intervenções paliativas para trans-formar a realidade dos indivíduos – como o ‘Bolsa Família’ – não substituem um investimento em infra-estrutura e logística de emprego. “Não se ensinou a pescar. Deu-se o peixe para quem era considerado carente, mas ficou nisso”, acrescenta.

Segundo a sétima edição da pesquisa Ob-servador Brasil 2012, feita pela empresa Cetelem BGN, em 2011 cerca de 2,7 milhões de brasileiros mudaram seus perfis de renda, saindo das classes D e E para integrar a C. Mas o que houve de fato foi apenas um salto de uma classe para a outra, essecialmente não ocorreu uma mudança efetiva nas condições econômicas reais dessa população. Como afirma a professora Cristina Helena, “É uma questão apenas de denominação, não houve uma mudança de fato real”.

A Classe C brasileira, por ser uma camada da população que recebe pouco, quando com-parada com o mesmo patamar dos países desen-volvidos, é majoritariamente trabalhadora e não empreendedora. “Uma classe desse porte deveria alavancar a economia com trabalho, inovação”, explica Mañas. Mas não é isso que acontece. O Brasil é considerado no mundo um país de gente criativa, mas essa criatividade não está sendo bem

A camada social que mais cresce no Brasil está a um passo da crise

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esse estrato encontra-se mais desprotegido das oscilações de renda – o aumento de preços e as variações do PIB - sendo considerado mais frágil.

E o futuro? – Percebe-se que essa camada enfrenta um período difícil, com muitas famílias endividadas e falidas. Isso explica-se pelo fato de sua ascensão social ter sido uma consequência da expansão do crédito e de maciças políticas assistencialistas. Segundo Neri, essa “seria uma conquista muito mais pelo lado do consumo do que da capacidade produtiva”. O governo, dese-joso desse consumo, acaba subsidiando o povo sem gerar infraestrutura. Para Cristina Helena, “as consequências dessa crise em que a classe C está imersa vão depender do modo como a imprensa comunicará as razões da frustração gerada pelas dívidas, de modo a que eles entendam porque estão adquirindo menos”.

Não há como negar que mudanças hão de ser feitas para que a situação da classe C se esta-bilize. “É preciso acreditar na população de traba-lhadores, dar o apoio necessário para que o crédito recebido não seja destinado para o endividamento, mas para atingir o que no início se chamou de fe-licidade’’, defende Mañas. Cristina Helena arrisca uma previsão: “Em um prazo de mais ou menos 30 anos, teremos uma reconfiguração desse grupo sócio econômico: as pessoas vão comprar em po-tencial maior de consumo. Mas em um prazo mais curto eu não vejo um cenário tão positivo, porque enquanto não transformarmos nossas condições de produção, não conseguiremos mudar essa realidade para o país”. É necessário aumentar as condições de produção com o intuito de amparar a distribuição de renda e, nesse sentido, resolver os gargalos estruturais significativos que o país apresenta. “Só assim o Brasil poderá crescer, e acho difícil que não consiga”.

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Se fosse por qualquer outra pessoa, eu não estaria aqui. Se não fosse por ele estar chegando naquele ônibus, eu prova-

velmente estaria dormindo em casa, sonhando. Exausta. Porém, trocaria o sonho mais doce e mais cativante – daqueles que o despertador toca e você tenta a todo custo continuar nele – só pela oportunidade de vê-lo de novo. De vê-lo sorrindo ao descer na rodoviária e ver uma morena tímida esperando de pé, com os braços cruzados para se proteger do frio de São Paulo.

Olhei o relógio: 5h40. “Talvez o ônibus tenha chegado mais cedo”, pensei esperan-çosa. Respirei fundo e rolei os olhos para o lado, procuran-do-o entre os poucos rostos que demonstravam cansaço e passavam pela rodoviária. Não demorou muito até que eu desistisse, sentasse em uma lanchonete e esfregasse os olhos com o dorso da mão para afastar o sono. Olhei ao meu redor mais uma vez e vi um garotinho andando apressado com uma mãe tranquila.

Ele carregava uma mo-chila com algum desenho ani-mado qualquer e parecia feliz. Não devia ter mais do que seis anos de idade, com seu cabelo curto e liso e sua pele bronzea-da naturalmente. Praticamente saltitava, enquanto a mãe levava uma mala de rodinhas e outra maior de mão. Pararam no meio do corredor e ela tirou um celular do bolso.

“Mãe, será que ele vai gostar de me conhecer?”, ele perguntou entusiasmado. “Será que ele vai gostar de mim?”, acrescentou iludido. A mãe ignorou as perguntas do filho e

continuou esperando que alguém atendesse a ligação. Desviei o olhar para que não percebessem meu interesse, mas continuei prestando atenção no garotinho e sua mãe, que continuou tentando ligar mais algumas vezes para um telefone que ninguém atendia, até que desistiu.

“Vem”, ela disse. “Vamos até a casa dele, está muito cedo. Ele deve estar dormindo”.

Imaginei se a mulher havia avisado que estava indo visitar o dono das ligações não atendidas. Imaginei se ele era pai, tio ou primo do garoto radiante. Minha mente pessimista e treinada para sempre ver o drama nas coisas criou um cenário no qual o homem estava casado e a mulher chegava com o filho bastardo para estragar o relacionamento. Só faltava uma música de suspense e os nomes dos atores subindo pela tela da televisão para se tornar o final de um episódio de novela.

Ri sozinha e de mim mesma por ter pensado naquilo e comprei um café para me esquentar, imaginando na facilidade que o meu visitante esperado ia ter de se adaptar ao clima daqui durante esse fim de semana. Nós dois gostávamos de frio, de rock supervalori-zado, de chocolate quente e de videogame. Isso devia ter sido suficiente para fazê-lo ficar aqui comigo, mas nem tudo funciona de uma maneira tão simples assim.

Por isso eu estava o esperando na rodoviária. Por isso eu estava toman-do um café para me esquentar às seis horas da manhã em plena sexta-feira. Porque eu queria ter certeza que aquilo tudo o que eu senti quando ele estava aqui ainda era tão intenso quando parecia.

“Oi”, ouvi uma voz que meu coração já estava acostumado. E sim, meu sentimento estava tão intenso quanto parecia.

uma linha ideológica. Clarice se valia de pseudônimos para assinar seus artigos: foi Tereza Quadros, Helen Palmer, Ilka Soares, mas foi a própria Clarice Lispector também. Os temas abordados pela escritora nessas páginas eram dicas, apelos à originalidade da mulher, feminilidade, crônicas, moda e sedução.

A revista masculina voltada para o público elitizado Senhor foi fundamental para tornar alguns contos da es-critora conhecidos antes que esses ganhassem edições em livros. Clarice encontrou dificuldade em achar um veículo que publicasse seus contos, a escritora não supria a deman-da de mercado da época caracterizada pelo ‘’realismo socia-lista’’. O trabalho na revista Senhor abriu muitas portas para Clarice, sua ficção ganha mais espaço na mídia e a partir daí publica centenas de crônicas em jornais. Nessa época a escritora deixa claro seu maior interesse pela literatura em detrimento do jornalismo. Clarice nunca se ateve a um gê-nero de publicação, às veze publicava contos e inovava sua forma de escrever, como na crônica ‘’Desafios aos analistas’’ que tem apenas uma linha. Em As crônicas vale destacar ‘’Mineirinho’’, crônica em que Clarice se posiciona de modo a defender os direitos humanos ao retratar a morte de um marginal e conta a história desse de forma literata.

Por dois anos Clarice fez cerca de 60 entrevistas para série ‘’Diálogos possíveis com Clarice Lispector’’ para a Manchete. Percebe-se que o desejo da escritora ao entrevistar personalidades era revelar o inesperado, ela fazia um trabalho como entrevistadora muito peculiar. A última parte do livro As entrevistas mostra grandes personalidades como Tom Jobim, Nelson Rodri-gues, Sara Kubitschek, Darcy Ribeiro e Alzira Vargas do Amaral Peixoto sendo entrevistadas pela escritora.

Clarice Lispector é muito conhecida por seus contos e romances, mas o que pou-

cos sabem é que seus primeiros textos não fo-ram ficcionais, mas jornalísticos. O livro Clarice na cabeceira – jornalismo é organizado por Aparecida Maria Nunes e apresenta a Clarice que escrevia para as páginas dos jornais.

Na década de 40, Clarice era uma das poucas mulheres que trabalhavam em reda-ção de jornal. A escritora fez de tudo, menos editoria de polícia e nota social. Formou-se em Direito e isso a influenciou a escrever artigos ligados à área, como ‘’Observações sobre o fundamento do direito de punir’’, seu primeiro publicado, que foi taxado como ‘’sentimental’’ pelos amigos de redação, visto que Clarice nunca conseguiu esconder seu gosto e seu dom pela produção literária.

O livro divide a carreira jornalística de Clarice em quatro partes: Os primeiros textos na imprensa, As páginas femininas, As crônicas e As entrevistas.

Clarice procurava na imprensa um veículo para divulgar sua literatura e começa a trabalhar na Pan. Em Os primeiros textos na imprensa pode-se ver a força das personagens femininas, os con-flitos íntimos e o fluxo da consciência típicos da escritora na novela Triunfo. É possível perceber também o interesse da escritora por temas sociais, como no texto ‘’Deve a mulher trabalhar’’.

As páginas femininas fizeram parte da vida de Clarice durante quase dez anos. A convite de Rubem Braga a escritora aceitou escrever para a página feminina do Comício, que seguia

a Outra face de clarice lisPectOr

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Autor: ApArecidA mAriA NuNes

editorA: rocco,2012, 240 págiNAs

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23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

Por Jacqueline elise e letícia naísa

■ Aluno da Cásper Líbero morre e estudantes pedem maioridade penal aos 16

Victor Hugo Deppman, aluno de Rádio e TV da Faculdade Cásper Líbero, morreu no dia 9 de abril após ser assaltado na porta do prédio onde morava no Belém, zona leste da capital paulista. O assaltante, que estrava a três dias de completar 18 anos de idade, deu um tiro na cabeça de Deppman após pedir seu celular e fugiu. No dia seguinte, comovidos pela tragédia, os estudantes da faculdade organizaram uma passeata na Avenida Paulista em homenagem ao colega. Porém a passeata não foi só em memória ao colega: os alunos da Cásper Líbero também pediam a redução da maioridade penal no Brasil, segurando cartazes dizendo “medo: até quando?” e “diminuição da maioridade”. Embora a passeata tenha acontecido sem debates sobre o tema dentro da faculdade, os estudantes levantaram uma grande polêmica com este assunto, fazendo com que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, levasse ao Congresso Nacional um projeto de lei que mudaria completamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pedindo penas mais rígidas para menores criminosos. O assunto foi pautado nos jornais e nas redes sociais incansavelmente, trazendo diversos argumentos a favor e contra a redução da maioridade penal e inclusive resultou em declarações da presidente Dilma Rousseff, que se diz contra esta medida.

■ Praça Roosevelt recebeu Comissão Extraordinária de Direitos Humanos

Em oposição ao atual estado da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que tem sido rechaçada por causa de seu presi-dente, o pastor Marco Feliciano, organizações e ativistas realizaram a pri-meira sessão da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Minorias Praça Roosevelt, em São Paulo, no último dia 25 de abril. Lançada pela ONG internacional Conectas, Existe Amor em SP, Pedra no Sapato e Laerte Coutinho, que presidiu a sessão, o ato foi um pedido de tolerância e inclusão. As pautas abordadas foram sobre torturas, o sistema carcerário, união homoafetiva, aborto, regulamentação dos profissionais do sexo, além de ou-tras polêmicas. Além de Laerte, participaram da mesa o deputado federal Jean Wyllys, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário municipal de Direitos Humanos, José Gregori, o vereador Nabil Bonduki, o deputado Ivan Valente, o jornalista e coordenador da Conectas João Paulo Charleaux e outras pessoas solidárias à causa dos Direitos Humanos. Reuniram-se cerca de 500 pessoas na praça, que puderam se inscrever e falar no microfone. A reunião começou em torno das 19h e se estendeu até às 22h, terminando com um beijo entre Jean Wyllys e Laerte, que estampou os sites e capas dos jornais e portais no dia seguinte.

■ Continua a “Guerra ao Terror” nos EUA após ataque em Boston

Duas bombas foram detonadas no último dia 15 de abril durante a Maratona de Boston, nos Estados Unidos. Três pessoas foram mortas e cerca de 160 saíram feridas. Dois irmãos foram apontados como suspeitos, os dois eram de origem muçulmana nascidos na Chechênia, que moravam nos EUA legalmente desde 2003. O ataque foi considerado um ato terrorista e o irmão mais velho, Tamerlan Tsarnaev de 26 anos, foi morto durante uma perseguição policial na noite de 19 de abril. O irmão mais novo, Djokhar Tsarnaev, de 19 anos, está sendo julgado e pode ser condenado à pena de morte. Mais três suspeitos ligados ao atentado foram presos no último 1° de maio, sendo dois deles nascidos no Casaquistão. Segundo fontes da polícia norte-americana, os eles eram colegas de Djokhar na Universidade de Massachusetts e o teriam ajudado após o ataque.

ANTENA

Alunos da Cásper Líbero em passeata na Av. Paulista

■ Padre de Bauru é excomungado por defender liberdade sexual

Roberto Francisco Daniel, mais conhecido por Padre Beto, foi excomungado da Igreja Católica pela Diocese de Bauru, onde mora. No dia 23 de abril o padre recebeu uma nota da Diocese exigindo uma retratação por comentários que ele fez em vídeos e nas redes sociais, defendendo uma sexualidade livre e sem preconceitos (referindo-se a gays e lésbicas que sofrem diariamente com a homofobia), alegando que o padre “ia de encontro com as doutrinas da Igreja”. Após quatro dias, Beto anunciou sua renúncia à batina e, no dia 29, a Diocese comunicou oficialmente sua excomunhão. O padre ainda está in-dignado com a decisão, atacando a hipocrisia presente na Igreja que condena a defesa de grupos LGBTs, mas não excomunga membros envolvidos com pedofilia. Em entrevista exclusiva ao site G1, Beto afirmou que “no momento vou continuar sendo teólogo, além de professor, que continua a refletir sobre Deus, a fé e a nossa realidade. Tentar contribuir. E, agora, mais do que nunca manterei as reflexões sobre a moral sexual. Não dentro da igreja, mas sim na sociedade. O que está me tirando da igreja não é a vontade de me casar, de ter uma outra vida.”

■ Professores das escolas estaduais de São Paulo entram em greve

Exigindo um reajuste salarial de 36,74%, os professores da rede estadual de ensino de São Paulo anunciaram a paralização no dia 19 de abril e entraram em greve no dia 22, sem previsão de término. Mesmo assim, a Secretaria de Estado da Educação orientou aos pais levarem seus filhos à escola. Além do reajuste salarial, os professores estão reivindicando mudanças na política de contratação de novos docentes e a adoção de medidas contra a violência nas escolas. Na semana do dia 22, duas passeatas foram feitas na Avenida Paulista, a primeira delas antecedida por uma assembleia que decretou a greve e, segundo os organizadores, reuniu quase 20 mil manifestantes no vão do MASP e nas ruas. Ate então, nenhum acordo entre o sindicato e o governo do estado foi decretado.

■ Machismo no Movimento Estudantil da USP

Durante a última assembleia geral dos estudantes da USP, no dia 11 de abril, um caso de machismo foi denunciado em uma nota de repúdio da Frente Feminista da USP, que envolvia um militante do PCO (Partido da Causa Operária), André Sarmento. Ele é acusado de atacar verbalmente diretoras do DCE dizendo insultos machistas do tipo “da próxima vez, coloca um homem na mesa que garante melhor” e “não é porque você é mulher que eu não posso partir pra cima”, de acordo com uma nota oficial do site do DCE da USP. O Partido também acusou as mulheres do PSOL e do PSTU de usarem Tática 2 para atrair novos militantes e de se prostituirem.

Após a leitura da nota, militantes do PCO pediram direito de resposta, que lhes foi negado após consulta à plenária. O resultado foi um tumulto que implodiu a assembleia após a queda da caixa de som e uma briga que acabou que terminou inclusive com agressão física a uma das integrantes do DCE.

Após o caso, o DCE organizou um ato debate intitulado “Machismo Nunca Mais!” no auditório da Faculdade de História, que novamente terminou em polêmica após algumas falas contra as atitudes machistas do PCO. Uma das militantes do Partido pediu o microfone, que lhe foi negado novamente, pois a mesa não entregaria o microfone “a uma organização machista” durante o ato. Durante a confusão, uma das integrantes do PCO acusou o DCE de estar agindo de forma ditatorial.

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CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Abril 2013

CP - Além da sua ligação forte com o ME quanto es-tudante, aqui na PUC sabemos da sua participação no Porandubas, que foi um jornal muito importante. Que outros projetos você participou aqui?VM – O Porandubas foi um projeto bem interes-sante. Quem fazia era o Jorge Cláudio, mas entrou uma reitoria que não estava satisfeita com o pro-jeto e quiseram mudar. Foi uma experiência muito diferente porque era um jornal da universidade, bancado pela reitoria, mas que tinha autonomia total. Tanto que o Jorge Cláudio escrevia várias matérias criticando a reitoria? Quando o professor Wanderley assumiu a reitoria, me chamou, junto com o Lalo (Laurindo Leal Filho) e o Gabriel Priolli para formar um triunvirato que seria a comissão editorial do jornal. E mesmo assim, nós não pou-pávamos a reitoria de críticas. O Porandubas não era um jornal de assessoria de imprensa, era um jornal da comunidade.Já o PucViva é diferente porque veio do Movimen-to Puc Viva de 92. A idéia era fazer um jornal do movimento, centrado no ato que a gente fez em frente ao Tuca.No ano seguinte a professora Madalena, do Depar-tamento de Educação e os funcionários pediram pra continuar aquela experiência. Só que, diferente do Porandubas, que era um órgão comunitário da reitoria, o PucViva era um jornal das associações (AFAPUC e APROPUC)

CP - Como é a sua relação com a música? Você tinha a intenção de ser musico?VM – Eu sempre tive um pé na música. Em 1968 participei de alguns festivais universitários em São Paulo e no interior, sempre compondo. Alguns a

Trabalhou com nomes importantes do jornalismo brasileiro, foi preso pela repressão, venceu festivais de música e consolidou uma

invejável carreira na universidade

CONTRAPONTO

valdir mengardO,32 anOs de Puc-sP

Entrevista

P ara comemorar os 35 anos do Departamen-to de Jornalismo, o CP inicia uma série de

entrevistas com professores responsáveis pela construção do curso. Nada melhor para co-meçar a série do que o professor mais antigo: Valdir Mengardo.

CP - Você é um dos professores que acom-panhou mais fases do Departamento de Jor-nalismo. Você entrou no começo do curso? Valdir Mengardo – Não, eu entrei quando o cur-so já existia. Na verdade, quando o ele começou, em 78, tinha um perfil bem diferente. A ideia era de ser um curso mais voltado para a crítica da comunicação do que para a prática jornalística. Mas as primeiras turmas não concordaram com essa proposta e já em 80 começou uma mudança na grade curricular a pedido dos alunos. Começou então a segunda fase do curso, um pouco mais voltado para a prática, mas sem perder a reflexão crítica do jornalismo, que sempre foi nossa marca. Foi nessa segunda fase que eu fui chamado para dar aula na PUC.Eu me formei em Jornalismo na ECA em 1979 e um ano depois fui chamado para dar aula em Ri-beirão Preto, na UNAERP. Depois, eu fui chamado pelo Caio Túlio Costa pra substituir aqui na PUC o Julio Plaza. Na época eu até me assustei um pouco, porque eu acho que ele é um dos maiores designers gráficos do Brasil.

CP - Você sempre teve essa inclinação para a área de design ou foi na faculdade que isso aconteceu?VM – Quando eu entrei na universidade minha intenção era escrever, mas logo no segundo ano comecei a trabalhar como revisor em um jornal chamado Movimento e depois me tornei secretá-rio gráfico desse jornal, até ele fechar. Ao mesmo tempo eu trabalhava em um jornal do Samuel Weiner, o Aqui São Paulo, também como revisor, o que implicava conhecer o projeto gráfico. Além disso, no Movimento Estudantil, em 73,74, nin-guém sabia diagramar e, como a gente tinha que fazer um jornal, sobrava pra mim. Como repórter eu nem trabalhei. Eu escrevi em alguns jornais, como por exemplo, o Leia Livros, da antiga Brasiliense. Na época o editor era o Cláudio Ábramo e eu fazia a secretaria gráfica. Era um jornal de resenhas e sempre sobrava uma pra eu fazer. Mas nessa época eu estava fazendo meu mestrado na ECA e continuava escrevendo para os jornais da faculdade.

CP - Nesse período você fez parte do Movimento Estudantil. Você teve algum problema pessoal? Sofreu algum tipo de repressão?VM – Sim, eu fui preso aqui na PUC em 1977. Em outras passeatas escapei por pouco. Eu entrei na faculdade em 1974 e, nessa época, o pessoal de 68 já tinha ido embora. A gente tentava reconstruir o movimento estudantil, que estava esfacelado. Em 1975 fizemos a primeira greve universitária, a primeira assembléia e a primeira passeata fora do campus pós-68 e um ano depois conseguimos tirar o diretor. Eu militei na ECA até começar a organização do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos em 1977, que foi se consolidar em 78/79.

Por Guilherme almeidae nana medeiros

gente ganhou, em outros a gente foi preso...Em 1969 fizemos uma apresentação em um festival no interior de São Paulo que levantou o auditório. Sabíamos que o prêmio era nosso, só que, termi-nando a música, o delegado chamou a gente e ficamos detidos na cidade. O processo no DOPS, decorrente disso, durou mais ou menos um ano.

CP - E você toca desde criança?VM – Não, eu não toco nada. Eu sou letrista. Eu tenho muito parceiro, uns vinte espalhados por São Paulo. To vendo até de arrumar um tempo pra produzir um cd juntando todos os meus parceiros. Até hoje eu produzo.

CP - O que você destaca dos seus trinta anos de PUC?VM – Eu não tenho saudosismo. As coisas se repetem de um jeito ou de outro.Em uma época que eu fui chefe (de departamento) um movimento dos alunos culminou num negócio chamado RAD, as reuniões abertas deliberativas. Eram assembléias com voto por cabeça e tudo do curso era decidido assim. Isso veio dos estudantes. Depois os professores viram que tinham que dar força pra isso. Tudo isso foi motivado por proble-mas infraestruturares e problemas que não eram só do jornalismo.Se você fizer um balanço da época das RADs dá pra ver que foi uma coisa saudável pro curso, mas, tinha professor que achava loucura. Nessa época a coordenação do jornalismo era tripartite, tinha representação de professores, funcionários e es-tudantes. Depois esse modelo foi se esvaziando, as gerações mudando, mas cumpriu seu papel. O jornalismo é assim, tem ciclos.

CP - Você tinha influência pra seguir o jornalismo na sua família?VM – Na minha casa eu nunca tive referência de jornalista. Se eu tivesse aconselhamento paterno e materno provavelmente seria: não faça isso! Influ-ência em casa pra gostar de música eu tive. Meu avô principalmente comprava muito disco.

Mengardo divide seu tempo entre o Departamento, o jornal PucViva e a paixão pela MPB

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