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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA AÇÃO
COMUNICATIVA DE JÜRGEN HABERMAS
PARA A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
MARISTELA HEIDEMANN IAROZINSKI
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Área de Concentração: Educação Tecnológica. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Orientador: Prof. Dr. João Augusto de Souza Leão de Almeida Bastos.
CURITIBA 2000
ii
MARISTELA HEIDEMANN IAROZINSKI
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA AÇÃO
COMUNICATIVA DE JÜRGEN HABERMAS
PARA A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Área de Concentração: Educação Tecnológica. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Orientador: Prof. Dr. João Augusto de Souza Leão de Almeida Bastos.
CURITIBA
2000
iii
Ao meu esposo Alfredo, cujo
incentivo, apoio e compreensão
foram decisivos para a conclusão
deste trabalho.
iv
AGRADECIMENTOS
Aos filhos, André e Gabriel, pelos oportunos apelos de atenção e carinho.
Aos meus pais, Mathias (in memoriam) e Inocência, cujos ensinamentos nunca serão
esquecidos.
Meus sinceros agradecimentos ao Professor e Orientador, João Augusto de Souza Leão de
Almeida Bastos que, em me abrindo as portas ao Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia, permitiu-me desenvolver esta pesquisa. Os resultados, aqui expressos, são
fruto de sua segura orientação ao longo de nosso trabalho.
Agradeço intensamente aos Colegas do Mestrado, assim como também aos Professores e
Funcionários do PPGTE. Por algumas amizades inesquecíveis onde a paciência e a
compreensão nos momentos mais difíceis fizeram com que a comunicação entre nós se
tornasse num exercício permanente de aprendizagem.
Exprimo meu profundo respeito à Banca Examinadora pela aceitação e interesse
demonstrado em analisar este trabalho.
À CAPES, pela concessão de bolsa de estudos que tornou possível o desenvolvimento deste
trabalho.
Registro também vivamente meus agradecimentos ao Grupo de Estudos sobre Habermas,
por me apoiarem no sentido de aprofundar minha compreensão sobre a Teoria da Ação
Comunicativa.
À minha irmã, Claudia, por sua ajuda na estruturação final desse trabalho.
A todos aqueles que dedicam suas vidas a uma educação tecnológica, mais comunicativa e
emancipatória.
v
O Constante Diálogo
Há muitos diálogos
O diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado
o diálogo contigo mesmo
com a noite
com os astros
os mortos
as idéias
o sonho
o passado
o futuro
Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos.
(Carlos Drummond de Andrade)
vi
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................................................... VII
ABSTRACT.................................................................................................................................................VIII
INTRODUÇÃO................................................................................................................................................ 1
A AÇÃO COMUNICATIVA SEGUNDO ................................................................................................... 10
JÜRGEN HABERMAS................................................................................................................................. 10
2.1 JÜRGEN HABERMAS............................................................................................................................... 10 2.2 A AÇÃO COMUNICATIVA....................................................................................................................... 12 2.3 A MUDANÇA DE PARADIGMA................................................................................................................ 15 2.4 RAZÃO E RACIONALIDADE..................................................................................................................... 18 2.5 O MUNDO DA VIDA E O MUNDO DO SISTEMA........................................................................................ 25
A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA ............................................................................................................... 32
3.1 O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA HABERMASIANA .......................................................... 32 3.2 AS DIMENSÕES DA TECNOLOGIA ........................................................................................................... 38 3.3 AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA .................................................................................... 43
UM REFERENCIAL PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA............................................................................ 54
4.1 O CONHECIMENTO NA PERSPECTIVA DE UMA RACIONALIDADE COMUNICATIVA .................................. 55 4.2 PRÁTICA PEDAGÓGICA ANCORADA NA FILOSOFIA HABERMASIANA ..................................................... 62
4.2.1 Inter-Relações Educador-Educando ............................................................................................. 62 4.2.2 A Sala de Aula: um Espaço do Mundo Vivido?............................................................................. 66 4.2.3 Uma Concepção Diferenciada de Currículo................................................................................. 71 4.2.4 O Processo de Avaliação .............................................................................................................. 76 4.2.5 Interdisciplinaridade Comunicativa.............................................................................................. 81
4.3 UMA EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA VOLTADA PARA A EMANCIPAÇÃO ...................................................... 84
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................ 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................................... 96
vii
RESUMO
A motivação principal deste trabalho é explorar as possíveis contribuições da Teoria da Ação Comunicativa do filósofo e sociólogo Jürgen Habermas, com vistas a construir uma nova prática de educação tecnológica. Para isso, partiu-se da análise textual das principais idéias do referido autor e de um aprofundamento sobre as concepções de educação tecnológica. Com base na revisão de literatura, propusemos a construção de um referencial para a ação pedagógica no âmbito da educação tecnológica, conforme segue: 1) o conhecimento na perspectiva de uma racionalidade comunicativa, em que o conhecimento é obtido por uma racionalidade centrada na comunicação, onde a linguagem desempenha um papel fundamental; 2) uma prática pedagógica ancorada na filosofia habermasiana, onde as diferentes instâncias do processo educacional exigem dos sujeitos envolvidos uma postura crítica constante frente a suas práticas. Tanto no que diz respeito às relações educador-educando, o espaço da sala de aula, o currículo, o processo de avaliação e a interdisciplinaridade; 3) uma educação tecnológica voltada para a emancipação, caracterizada pela razão dialógica, crítica e reflexiva. Com base nesta teoria de Habermas, concluímos que a educação tecnológica agindo sob os pressupostos do paradigma da comunicação, terá subsídios para construir uma consciência crítica e reflexiva nos sujeitos, sobre as dimensões profundas das tecnologias e os efeitos que a mesma poderá trazer para a sociedade como um todo.
viii
ABSTRACT
This work aims at exploring the possible contributions of The Theory of the Communicative Action developed by the philosopher and sociologist Jürgen Habermas, in an attempt to build a new practice of technological education. In order to do so, the author’s main ideas were analyzed and the concepts of technological education were studied in more depth. Based on the bibliography, we proposed the development of the basis for a pedagogical action within the field of technological education, as follows: 1) knowledge aiming at a communicative rationality, in which knowledge is obtained through a rationality focused on communication, where language performs a fundamental role; 2) a pedagogical practice based on the Habermas philosophy, where the different instances of the educational process demand, from those involved, a constant critical attitude towards their practices taking into consideration the educator-leaner relationship, the classroom environment, the curriculum, the evaluation process, and the interdisciplinarity; 3) a technological education focused on emancipation, characterized by a critical and reflexive dialogical reasoning. Based on the Habermas theory, we concluded that a technological education working under the presuppositions of the communication paradigm, will provide enough tools to raise subjects' reflective and critical consciousness about technologies' different dimensions and their effects on society as a whole.
1
CAPÍTULO ICAPÍTULO ICAPÍTULO ICAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
A disseminação de novas tecnologias na sociedade é tradicionalmente comandada
por grupos dominantes e regida segundo seus próprios interesses. A tecnologia atinge os
diversos segmentos da sociedade de uma maneira exógena e muitas vezes distante das reais
necessidades destes segmentos. Assim, na maioria das vezes a tecnologia não tem sido um
fator de desenvolvimento social, mas um fator de perturbação e desagregação da
sociedade.
No Brasil, a situação é ainda mais reveladora desta realidade. Inspirada em uma
política econômica onde o lema era « vamos fazer crescer o bolo para depois dividi-lo », a
política tecnológica do país foi orientada em benefício de uma classe dominante detentora
de uma parcela significativa do capital da nação. Em conseqüência desta política, hoje
somos capazes de lançar foguetes, fabricar aviões, construir grandes usinas hidrelétricas,
etc, mas ao mesmo tempo não conseguimos resolver os problemas de educação e saúde da
população em geral. O índice de analfabetos em idade adulta é um dos mais altos do
continente, que segundo dados do IBGE, em 1997, o número de analfabetos no Brasil era
de 15,8 % da população. Enquanto, na Argentina, a taxa de analfabetos é de 3,8% da
população e, no Chile, de 4,8%. Uma quantidade importante de crianças não freqüentam a
escola por falta de vagas ou pela necessidade de trabalhar, impostas pela situação
econômica lastimável de grande parte das famílias. Além disso, milhares de pessoas
2
morrem de fome e de doenças como a cólera, o tifo e a malária, doenças típicas do
subdesenvolvimento. Esta situação ilustra bem a inutilidade da tecnologia para uma imensa
parcela da população que sofre estas conseqüências.
A absorção e o uso da tecnologia pela sociedade é fator fundamental para seu
desenvolvimento. Mas, para que a tecnologia torne-se útil efetivamente para o conjunto da
sociedade é preciso “educar” para a tecnologia. Neste sentido, a educação tecnológica
desempenha um papel fundamental.
As bases filosóficas do processo educativo irão influenciar diretamente sobre a
maneira como os sujeitos irão utilizar a tecnologia. Neste sentido, a educação tecnológica
pode contribuir para a apropriação da tecnologia pelo sujeito de modo que ela possa ser
utilizada como instrumento crítico e reflexivo no processo de emancipação. Assim, a
educação tecnológica pode ser um elemento importante capaz de mudar a relação de
utilidade da tecnologia.
Nossa proposta de trabalho é uma contribuição ao resgate da utilidade da tecnologia
em busca de uma nova abordagem de educação tecnológica inspirada na Teoria da Ação
Comunicativa do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas. Esta teoria defende a
emancipação e a libertação dos sujeitos por meio de um processo permanente de interação
com vistas a construir uma verdade coletivamente elaborada e socialmente aceita.
Meu interesse em pesquisar o tema desta dissertação não nasceu repentinamente,
pelo contrário, seu processo de maturação foi lento e gradual. No primeiro ano de mestrado
em 1997, apresentei dois trabalhos de conclusão das disciplinas, que influenciaram
sobremaneira (mesmo que de forma bastante prematura), sobre o tema aqui apresentado.
Um trabalho levantava questionamentos sobre as questões da tecnologia versus
desenvolvimento. O outro, intitulado “a comunicação nos grupos como fonte geradora de
3
conhecimento (IAROZINSKI, 1999)”, que com o passar do tempo, culminou, sem dúvida,
com o atual tema desta pesquisa.
De certa maneira, sempre tive grande interesse e inquietações por temas tais como:
tecnologia para quê e para quem?, comunicação, relação entre os sujeitos e as questões que
envolvem o conhecimento. Foi, então, a partir das discussões feitas por ocasião das
disciplinas cursadas, bem como do convívio com os professores e colegas, que as idéias
foram amadurecendo e ganhando corpo para se chegar ao tema atual. Estas discussões me
conduziram sem dúvida, a uma visão mais ampla e profunda no âmbito da educação
tecnológica fundamentada numa razão comunicativa, proposta por Habermas.
Meu encontro com o Habermas (ainda que apenas pelas traduções) foi decisivo
para o aprofundamento e ampliação do tema. A leitura da obra “Teoria da Ação
Comunicativa” em francês e em espanhol, contribuiu para uma maior compreensão dos
pensamentos de Habermas, que embora complexos, no fundo resgatam os aspectos sociais
que envolvem a tecnologia e conseqüentemente, a educação tecnológica.
A escolha do tema para a realização desta pesquisa visando uma educação
tecnológica mais comprometida com o sujeito e a sociedade, tem como razão principal a
inexistência de pesquisas efetivas que explorem a contribuição da Teoria da Ação
Comunicativa de Jürgen Habermas para o contexto da educação tecnológica.
A tecnologia deve contribuir para o enriquecimento do sujeito e para a estruturação
do grupo social, ao invés de agir como um elemento perturbador imposto pelo meio
exterior. Para isso é preciso estabelecer uma parceria entre a educação e a tecnologia. A
tecnologia será mais útil (verdadeira para o grupo) quanto maior for sua adequação às reais
necessidades dos sujeitos. Neste sentido, a tecnologia pode contribuir para o processo de
desenvolvimento e a emancipação a partir de uma relação intersubjetiva entre os sujeitos
4
levando-os a uma construção social do conhecimento. A educação tecnológica passa a ser
o eixo em torno do qual se constrói esse conhecimento individual e coletivo, que
contribuirá ao processo de criação de uma nova realidade.
Assim, a pesquisa que pretendemos realizar, pretende extrair subsídios para
responder à seguinte questão:
De que forma a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas, poderá
contribuir para uma educação tecnológica mais adequada às reais necessidades do sujeito,
inserido nos contextos da sociedade?
Tradicionalmente, a educação tecnológica está ancorada numa visão clássica do
conhecimento, onde o mesmo é segmentado, hierarquizado, ordenado e parcializado,
marcada pelos princípios e práticas do taylorismo1. Onde as atividades práticas
normalmente são simples aplicações técnicas, fruto de ações cognitivas e manipulativas
com vistas a inserção do sujeito no futuro mercado de trabalho, não havendo um trabalho
interdisciplinar, com a preocupação de uma visão de construção coletiva do conhecimento.
A educação tecnológica em suas práticas, muitas vezes, prepara os sujeitos para o mercado
e para exercer tarefas divididas e fragmentadas, privilegiando assim, uma postura adequada
ao taylorismo ainda reinante.
Esta visão estreita leva ao uso instrumental da tecnologia, que é vista como solução
de problemas que afetam mais diretamente os grupos dominantes e não às necessidades do
sujeito inserido na sociedade. Neste sentido, faz-se necessário repensar a prática da
1 O Taylorismo surgiu nos EUA no início deste século e pode ser entendido como uma abordagem da gestão
de empresas caracterizada pela aplicação dos princípios científicos cartesianos, ou seja, os problemas são
divididos em partes e cada uma das partes deve ser otimizada independente do todo. O Taylorismo considera
os sujeitos (operários) como máquinas sem sentimentos das quais é preciso extrair o máximo de sua
capacidade de trabalho.
5
educação tecnológica tão fortemente marcada pela razão instrumental, e a possibilidade de
uma prática ancorada pela razão comunicativa.
A caminhada em busca das contribuições de Jürgen Habermas justifica-se
plenamente. Na verdade, este autor desenvolveu o conceito de racionalidade comunicativa,
contribuindo em muito com o conhecimento na formação dos sujeitos, sendo que a mesma
se torna importante no momento em que deixa margens para trabalharmos no processo
educacional. Acredita que agindo comunicativamente, os sujeitos estariam caminhando
frente a um processo de libertação, com possibilidades de emancipação.
Frente às grandes mudanças provocadas pelo desenvolvimento científico e
tecnológico, vemos a necessidade de constantes reformulações das ações por parte dos
educadores em sua prática pedagógica. Ações estas que possam privilegiar a razão
comunicativa, ao invés da razão instrumental, tão fortemente presente nos
estabelecimentos de ensino, de um modo geral.
Segundo a análise de BOUFLEUER (1997, p.69), “a educação, para obter um bom
êxito no cumprimento de suas metas gerais de transmitir tradições culturais, de renovar
solidariedades e de socializar as novas gerações, necessita ser concebida por seus agentes
como uma ação comunicativa”. Neste sentido, a educação tecnológica por sua vez, com
suas características próprias que privilegiam uma ação crítica e reflexiva constante, frente à
construção do saber e que inevitavelmente envolve a tecnologia, nos parece o campo ideal
para a aplicação desta teoria.
Nas palavras de BASTOS, “a característica fundamental da educação tecnológica é
a de registrar, sistematizar, compreender e utilizar o conceito de tecnologia, histórica e
socialmente construído, para dele fazer elemento de ensino, pesquisa e extensão, numa
dimensão que ultrapasse os limites das simples aplicações técnicas, como instrumento de
6
inovação e transformação das atividades econômicas em benefício do homem, enquanto
trabalhador, e do país” (1998, p.32).
Frente a estas características, acreditamos que a Teoria da Ação Comunicativa
possa trazer contribuições significativas para a melhoria da educação tecnológica, tanto do
ponto de vista do processo ensino-aprendizagem, como de questões referentes à
racionalidade, à autonomia e competência comunicativa entre os sujeitos.
Os trabalhos filosóficos e interdisciplinares de Habermas se concretizaram através
das teorias que falam sobre a ação comunicativa. Neste sentido, suas obras nos mostram a
veracidade dos trabalhos filosóficos e científicos que permeiam os interesses no âmbito da
ciência e da tecnologia. Habermas posiciona-se como crítico e contra todas as formas de
manipulação, domínio e coações.
Em sua obra “Teoria da Ação Comunicativa”, Habermas trata das condições onde
os sujeitos a partir de uma situação ideal de fala, buscam resolver seus impasses utilizando-
se do discurso argumentativo, onde livre de coerções permite-se chegar a um entendimento
e de suscitar o consenso. Desenvolve um conceito de racionalidade baseada no diálogo,
simbolicamente mediada, que liberta os sujeitos das situações escravizadoras, tornando-os
capazes de emancipação.
Habermas propõe ações coletivas, ideais e democráticas, aguçando o pensamento
crítico, reflexivo e comunicativo tão importante na educação tecnológica. Sua contribuição
é sem dúvida significativa para o processo de entendimento e democratização do ensino
tecnológico, onde todos estão convidados a participar.
Acreditamos que o assunto, seja atual e pertinente, pois relaciona-se ao momento
de transformação que vive a educação como um todo, e mais especificamente, a educação
tecnológica.
7
O objetivo principal deste trabalho visa a explorar as possíveis contribuições da
Teoria da Ação Comunicativa do filósofo Jürgen Habermas com vistas a construir uma
nova prática de educação tecnológica. Face ao exposto, necessitamos, em termos
específicos:
• = Aprofundar os conceitos mais importantes da Teoria da Ação Comunicativa;
• = Resgatar as concepções e fundamentos da educação tecnológica;
• = Identificar um possível referencial para a ação pedagógica, ancorado na
filosofia de Jürgen Habermas para que possa servir de base para a formação de
sujeitos críticos, reflexivos e comunicativos, no âmbito da educação
tecnológica, com vistas à emancipação.
A metodologia trabalhada nesta pesquisa enquadra-se como pesquisa bibliográfica.
A mesma baseou-se na consulta de várias fontes, no intuito de conhecer e analisar os
principais textos disponíveis sobre o assunto. Ela teve seu início com uma revisão de
literatura para um melhor aprofundamento sobre o tema, visando a correlacionar a Teoria
da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas, no seu plano teórico, com as necessidades
identificadas no âmbito da educação tecnológica.
Na concepção de MARCONI e LAKATOS,
a pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico, etc. [...] Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas ou gravadas. [...] Dessa forma, a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras ( 1990, p.66).
8
Passada esta etapa de revisão bibliográfica, centralizamos esforços no sentido de
realizarmos uma análise crítica dos livros e pesquisas realizadas, relacionado às questões
da Teoria da Ação Comunicativa e da educação tecnológica.
No momento seguinte, elaboramos a construção do referencial de ação pedagógica,
o qual versará sobre a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas, aplicável à
educação tecnológica.
Prosseguindo a pesquisa, propusemos um referencial para a ação pedagógica
visando uma nova abordagem de educação tecnológica, baseado nas contribuições da
Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas, explorando as dimensões didático-
pedagógicas. Esta foi a etapa em que exigiu conseqüentemente um maior prazo para o
trabalho de reflexão e sua futura construção, estando aberta para futuras discussões.
Finalizando o trabalho, apresentamos as considerações finais, onde serão
comentados os pontos relevantes, as limitações e possíveis desenvolvimentos de trabalhos
futuros. Como afirmado anteriormente, nosso trabalho, no entanto, trata de uma pesquisa
de aprofundamento teórico, pois não optamos por uma pesquisa empírica.
Assim, o presente trabalho pode ser estruturado da seguinte forma:
O Capítulo I, descrito acima e que figura como introdução, aborda os aspectos
gerais da pesquisa: a formulação do problema, a justificativa, os objetivos e os
procedimentos metodológicos.
O Capítulo II visa buscar uma maior compreensão dos conceitos fundamentais que
envolvem a “Teoria da Ação Comunicativa”, segundo Jürgen Habermas. A estrutura deste
capítulo, trata dos pressupostos que se fazem necessários e que estão em jogo quando dois
ou mais sujeitos utilizam-se da linguagem para se entenderem acerca de algo no mundo.
Neste capítulo, evidencia-se a importância da racionalidade comunicativa que emerge das
9
interações que acontecem no mundo da vida, mediante a utilização da linguagem e de atos
de fala com o objetivo de um melhor entendimento sobre algo no mundo.
O Capítulo III encerra uma revisão sobre conceitos e fundamentos da educação,
passando, em seguida, para as dimensões da tecnologia, onde finalmente abordamos as
concepções da educação tecnológica, enfocando a importância do “educar para a
tecnologia”.
No Capítulo IV, é apresentado o referencial de ação pedagógica baseado nas
contribuições da Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas. Destacando questões
referentes ao conhecimento sobre as bases de uma racionalidade comunicativa, as relações
educador-educando, a sala de aula, o currículo, o processo de avaliação, questões sobre a
interdisciplinaridade, enfim, uma abordagem de educação tecnológica voltada para a
emancipação.
Finalmente no Capítulo V, são apresentadas as considerações finais e as referências
bibliográficas.
10
CAPÍTULO IICAPÍTULO IICAPÍTULO IICAPÍTULO II
A AÇÃO COMUNICATIVA SEGUNDO
JÜRGEN HABERMAS
Neste capítulo descreveremos sucintamente a biografia de Habermas, e
analisaremos as dimensões básicas da ação comunicativa, contendo seu significado, o salto
paradigmático para um maior entendimento de razão e de racionalidade, que pode ser a
cognitiva-instrumental ou a racionalidade comunicativa, bem como uma visão de
sociedade envolvida em dois mundos: o mundo da vida e o mundo do sistema.
2.1 Jürgen Habermas
O pensador e crítico Jürgen Habermas, nasceu em 18 de junho de 1929, sendo
considerado por muitos como o principal herdeiro da Escola de Frankfurt, encontrando-se
ainda como crítico extraordinário frente a todas as práticas sociais. A chamada “Escola de
Frankfurt” nasceu com a fundação do “Institut für Sozialforschung”, (Instituto de
Pesquisas Sociais), no ano de 1923. Foi a partir de um colóquio consagrado ao marxismo,
no qual participaram Lukács, Pollock, Korsch, Wittfogel que nasceu a idéia de uma
instituição permanente voltada a estudar criticamente os fenômenos sociais.
11
Ao terminar o segundo grau, em 1949, J. Habermas estudou durante 4 anos e meio
filosofia, história, psicologia, economia e literatura alemã, nas universidades de Göttingen,
Zurique e Bonn.
Concluiu sua tese de doutorado (1954) sobre o filósofo alemão Schelling (1775-
1854), intitulado “O absoluto e a história”.
Sua carreira acadêmica foi particularmente brilhante. Entre 1955 e 1959, foi
pesquisador do Instituto de Pesquisas Sociais em Frankfurt, onde se tornou assistente de
Theodor W. Adorno, aos 27 anos de idade, fato excepcional na Alemanha.
Em 1961, trabalhou em sua tese de pós- doutorado: “Mudança Estrutural na Esfera
Pública”, sob a orientação de Wolfgang Abendroth, da Universidade de Marburg, cujo
patrocínio lhe foi negado anteriormente tanto por T. W. Adorno como por Max
Horkheimer, intensificando-se ali um distanciamento de Habermas para com os mestres da
Escola de Frankfurt.
Entre 1961 e 1964, foi professor de filosofia em Heidelberg, tornando-se
posteriormente professor de filosofia e de sociologia na universidade de Frankfurt até o
ano de 1971.
De 1971 a 1982, foi diretor do Instituto de Pesquisa Social Max-Planck, em
Starnberg (perto de Munique), período no qual Habermas aprofundou suas pesquisas em
relação à Teoria da Comunicação.
Em meados de 1982, retornou a seu posto de professor na Universidade J. W.
Goethe, em Frankfurt, aposentando-se em junho de 1994. Atualmente é professor nos
Estados Unidos da América nas Universidades de Harvard e Yales.
De suas principais obras destacam-se: Estudante e Política (1961), Evolução
Estrutural da Vida Pública (1962), Teoria e Prática (1963), Lógica das Ciências Sociais
12
(1967), Técnica e Ciência como Ideologia (1968), Conhecimento e Interesse (1973), Teoria
da Ação Comunicativa v.1 e v.2 (1981), Consciência Moral e Agir Comunicativo (1983),
Teoria da Ação Comunicativa: Complementos e Estudos Prévios (1984), O Discurso
Filosófico da Modernidade (1985), Pensamento Pós-Metafísico (1988), Passado Como
Futuro (1990), dentre outros.
No próximo item, passamos a analisar o núcleo principal do pensamento
habermasiano.
2.2 A Ação Comunicativa
Jürgen Habermas descreve em sua Teoria Crítica, a grande inquietação a respeito
dos efeitos do positivismo nas sociedades modernas, onde impera uma razão técnica e
instrumental2, própria do capitalismo avançado. Longe de se contentar com esta
abordagem, desenvolve suas pesquisas na busca sistemática de um novo entendimento de
racionalidade, que se materializa através da ação comunicativa.
Nas palavras de HABERMAS (1987a, T.1, p.390)3, “[...] eu mostrarei que uma
mudança de paradigma para o da teoria da comunicação tornará possível um retorno à
tarefa que foi interrompida (grifo do autor) com a crítica da razão instrumental. Esta
2 A razão instrumental é uma razão metódica, individualista e subjetiva, que se materializa pelas relações
entre o sujeito e o objeto, voltada para o aspecto cognitivo e instrumental visando ao domínio e ao êxito sobre
a natureza e os homens. 3 As traduções para o português de obras em língua francesa e espanhola que aparecem neste trabalho são de
responsabilidade da autora.
13
mudança de paradigma nos permite retomar as tarefas, desde então negligenciadas, de uma
teoria crítica da sociedade”.
Habermas buscou integrar conceitos da filosofia e da ciência, estudando a razão na
sua mais profunda dimensão, na busca de uma maior compreensão, possibilidades e limites
da racionalidade.
Em sua Teoria da Ação Comunicativa, Jürgen Habermas, parte do princípio de que
os homens são capazes de ação, e para tanto utilizam-se da linguagem para se
comunicarem com os seus pares, buscando chegar a um entendimento.
Conforme as palavras de HABERMAS (1997, p.418)
Chamo ação comunicativa (grifo do autor) àquela forma de interação social em que os planos de ação dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extraverbais) orientada ao entendimento. À medida em que a comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível a ação comunicativa. A idéia da razão instrumental (clássica), é reformulada em termos da razão
comunicacional, através de relações intersubjetivas, nas quais pela interação de dois ou
mais sujeitos, os mesmos buscam entender-se sobre determinado assunto ou objeto, a fim
de compreendê-lo.
Das relações intersubjetivas é que se permite discernir a universalização dos
interesses numa discussão. É exatamente neste ponto, que o fundamento de uma ética da
discussão exige a reconstrução de um espaço crítico, aberto e pluralista. Desta forma, a
racionalidade passa a ser vista como uma fonte inspiradora nas ações humanas, visando à
emancipação dos homens e a um maior entendimento do mundo.
Nesse contexto, a linguagem torna-se um ponto de destaque em sua teoria.
Podemos considerar a linguagem, como toda e qualquer forma de comunicação que pode
14
transformar ou modificar o comportamento. Seriam todos os estímulos que o meio
transmite (ou que você capta do meio) e que nos influencia de alguma maneira.
O próprio HABERMAS, citado por INGRAM (1994, p.37), justifica-se perante o
fato de ter aprofundado questões referentes à linguagem:
[...] O que nos eleva acima da natureza é a única coisa cuja natureza podemos conhecer – “a linguagem”. Pela sua estrutura, a autonomia e a responsabilidade nos são dadas. Nossa primeira frase expressa de forma inequívoca a intenção de um consenso universal e sem limites... só numa sociedade emancipada, realizadas a autonomia e a responsabilidade dos seus membros, a comunicação poderia desenvolver-se no diálogo não autoritário e universalmente prático do qual derivam sempre, implicitamente, tanto nosso modelo de ego-identidade, reciprocamente constituído, como nossa idéia de um consenso autêntico. Nessa medida a verdade das proposições se baseia na antecipação da boa vida.
A linguagem sob o ponto de vista habermasiano, é concebida como o elo de
interação entre os indivíduos como forma de garantir um processo democrático nas
decisões coletivas, onde através de argumentos e contra-argumentos, livres de coerções, os
sujeitos buscam conseguir acordos.
Em 1981, Jürgen Habermas publica a sua Teoria da Ação Comunicativa, com o
propósito de investigar a razão, dando a ela um novo conceito: a razão comunicativa.
Segundo o próprio autor, a obra tem por finalidade desenvolver:
10) um conceito de racionalidade comunicativa, que substitua a redução cognitiva-instrumental da razão; 20) um conceito de sociedade em dois níveis, que relacione os paradigmas do mundo vivido e do sistema; 30) uma teoria da modernidade, que explica as patologias sociais (HABERMAS, 1987a, T.1, p.14). Na seqüência, serão abordados os principais pontos da Teoria da Ação
Comunicativa, na tentativa de esclarecer este novo paradigma proposto por Jürgen
Habermas.
15
2.3 A Mudança de Paradigma
Neste momento, descreveremos o tipo de racionalidade que figura nos diferentes
paradigmas da reflexão filosófica, quais sejam: o paradigma da filosofia da consciência ou
do sujeito e o paradigma da filosofia da linguagem ou da comunicação.
A filosofia da consciência está baseada na relação do sujeito cognoscente (nossa
consciência, nossa mente) com os objetos, onde através desta autoconsciência solitária o
mesmo poderia obter pleno conhecimento dos objetos, da sociedade e do mundo que o
cerca. Neste paradigma, o sujeito, dotado de uma razão monológica, estabelece uma
relação puramente cognitivo-instrumental com os objetos, não trabalhando a relação
intersubjetiva que é extremamente importante para que se estabeleça uma racionalidade
comunicativa.
Para Jürgen Habermas, o conhecimento não acontece apenas na interação solitária
do sujeito com os objetos, mas na interação da filosofia da consciência com a filosofia da
linguagem, onde os sujeitos atuam numa relação de reciprocidade e que juntas buscam um
entendimento.
Conforme HABERMAS, citado por PRESTES (1996, p.75), entender-se significa
“um processo de obtenção de acordo entre sujeitos, lingüística e interativamente
competentes [...]. Os processos de entendimento têm como meta um acordo que satisfaça
as condições de um assentimento, racionalmente motivado, ao conteúdo de uma emissão”.
A filosofia da linguagem ou da comunicação, é defendida por Habermas com vistas
a superar a abordagem do paradigma do sujeito, próprio de ações positivistas,
fragmentadas e conservadoras, onde numa relação entre sujeitos utilizam-se de argumentos
16
para tornar a razão mais humana, mais crítica e social, possibilitando desta maneira uma
ação mais eficaz para a emancipação dos homens e o entendimento da sociedade.
Para termos uma maior compreensão do processo pelo qual a racionalidade foi
entendida durante séculos, Siebeneichler nos descreve a grande mudança de paradigma no
qual Habermas se defrontou a partir da década de setenta:
Se vê confrontado com dois paradigmas possíveis: o da filosofia da consciência ou do sujeito e o da comunicação, ou seja, o paradigma do conhecimento de objetos e o paradigma do entendimento entre sujeitos capazes de falar e de agir. O que define cada um destes paradigmas é sua relação com o sujeito cognoscente. No paradigma da filosofia da consciência, que serviu de moldura a Descartes, Spinoza, Leibniz, Kant, Schelling e Hegel, o sujeito é interpretado basicamente como dotado de capacidade de assumir um duplo enfoque com relação ao mundo dos objetos possíveis: o conhecimento de objetos e a dominação. [...] No paradigma da comunicação proposto por ele o sujeito cognoscente não é mais definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objetos para conhecê-los ou para agir através deles e dominá-los. Mas como aquele que, durante seu processo de desenvolvimento histórico, é obrigado a entender-se junto com outros sujeitos sobre o que pode significar o fato de ‘conhecer objetos’ ou ‘agir através de objetos’, ou ainda ‘dominar objetos ou coisas’ (SIEBENEICHLER, 1989, p. 61-62).
A mudança de paradigma, proposta por Habermas, supõe não apenas a passagem
do raciocínio lógico ou do processo de interpretação do conhecimento, onde o sujeito
conhece isoladamente; mas baseia-se principalmente em tomarmos as ações e os atos de
fala como ponto de partida e de extrema importância no interior das relações.
Diante desses dois grandes paradigmas, Habermas questiona o paradigma da
filosofia da consciência. Inicia-se então, a partir desse momento (década de setenta), uma
busca intensa em suas pesquisas, para explicar o que é paradigmático para a racionalidade
comunicativa, “[...] não é mais a relação do sujeito isolado com algo no mundo objetivo,
representável e manipulável; o que é paradigmático, é ao contrário a relação intersubjetiva
que se instaura entre os sujeitos capazes de falar e de agir, assim que eles se entendem
entre si sobre alguma coisa” (HABERMAS, 1987a, T.1, p.395).
17
Podemos notar, neste sentido, que o grande avanço ou o grande salto paradigmático
proposto por Habermas em relação ao paradigma anterior, é que ele não apenas criticou de
modo radical o pensamento moderno, mas foi além, propôs e construiu toda uma teoria
alternativa baseada no paradigma da comunicação.
Vejamos a seguir alguns itens inscritos e/ou presentes nos diferentes paradigmas:
Tabela 1 – Os Paradigmas
Paradigma da consciência ou do sujeito Paradigma da linguagem e da comunicação
Conhecimento obtido pela racionalidade centrada no sujeito;
Conhecimento obtido pela racionalidade centrada na comunicação;
Paradigma cartesiano; Paradigma do entendimento e da comunicação;
Baseado em ações cognitivo-instrumentais; Baseado em ações comunicativas;
Pensador solitário que conhece o mundo; Sujeito dialógico (intersubjetivo);
Visando operação lógica do conhecimento; Visando ao entendimento entre sujeitos;
Conhecimento de objetos e sua dominação; Predomínio da liberdade de expressão;
Reflexão sobre conhecimento e moralidade; Discurso mediado por um saber falível;
Racionalidade unilateral/abstrata; Atitude de reciprocidade;
Concepção metódica; Racionalidade vista como um processo concreto;
Razão transcendental; Baseado em profundas reflexões e negociações;
Regras e normas que dominam e controlam; Promove um saber histórico-dialético e contextualizado;
Razão instrumental. Razão comunicativa.
Analisando estes dois paradigmas, percebe-se grandes e intensas mudanças em relação
ao modo como o conhecimento poderá ser construído e/ou adquirido. Porém, este
processo, através do qual acontece a passagem da teoria da consciência para a teoria da
18
comunicação, foi profundamente estudado por Habermas, visando o caráter emancipatório
dos sujeitos.
No entanto, o foco central para este salto paradigmático fundamentou-se
principalmente numa visão diferenciada de razão e racionalidade, assunto este que
trataremos a seguir.
2.4 Razão e Racionalidade
Entender a razão e a racionalidade envolve questões que remontam aos problemas
do próprio ser humano, no sentido de buscar um fundamento que explique sucintamente o
sistema complexo do qual fazemos parte. Assim, apesar desta abrangência, iremos
centralizar nossos esforços no resgate da compreensão destes conceitos, à luz da Teoria da
Ação Comunicativa.
De acordo com as palavras do próprio HABERMAS, (1997, p.506) “a teoria da
ação comunicativa se propõe a investigar a ‘razão’ inscrita na própria prática comunicativa
cotidiana e reconstruir a partir da base de validez da fala um conceito não reduzido de
razão (grifo do autor)”.
Mas, afinal, o que poderíamos conceituar como sendo razão? Que expressões
deveríamos ou poderíamos utilizar para sermos considerados como seres racionais?
Para PRESTES, (1996, p.12) “a razão é resultado de aprendizagem, de uma
evolução social” sendo que, em seguida, a mesma autora afirma que “a razão não é
meramente dedutiva, manipuladora de objetos, mas expressão de liberdade e eticidade”
(1996, p.21).
19
Habermas propõe um conceito amplo de razão, enfatizando a importância da
linguagem na relação intersubjetiva, para uma maior compreensão, onde seu poder
fundamenta-se no processo de reflexão.
O conceito de razão para Habermas apoia-se na linguagem, na expressão dialógica
que se concretiza pela relação entre os sujeitos que estabelecem uma discussão.
A conceituação de razão, o claro entendimento do que seja razão, para Habermas é de fundamental importância. Se em Kant a razão é subjetiva, inata, transcendental, e se em Popper ela é objetiva, em Habermas ela é comunicativa, dialógica. Se para o positivismo ela é a capacidade de manipular corretamente regras formais, para a ação comunicativa ela é a capacidade de dialogar seguindo a lógica do melhor argumento (PINENT, 1995, p.37). A razão, para WEBER (1999) envolve a crença em ações baseadas numa dimensão
calculista, única, abstrata, pragmática, homogênea, que controla e manipula,
individualmente elaborada, baseada em um processo inabalável, que deverá ser substituída
de acordo com a nova proposta de Habermas, em uma nova forma de razão: concreta,
dialógica, concebida a partir de reflexões, relações de compartilhamento e por um processo
de compreensão.
De acordo com BASTOS, (1998, p.58) “a razão comunicativa é um dos pilares do
pensamento habermasiano, que propõe a mudança de paradigma: da razão instrumental
para a razão comunicativa. As bases estão lançadas para a construção da teoria crítica ou a
crítica da sociedade”.
A racionalidade possui uma relação muito estreita com o saber, e ao fato de sermos
ou não racionais, o próprio Habermas nos fornece alguns exemplos esclarecedores, de
pessoas que podem ser mais ou menos racionais, de acordo com suas atitudes e ações pois
incorporam um saber. HABERMAS (1987a, T.1, p.24) nos diz que “podemos nomear
como ‘racionais’ os homens e as mulheres, as crianças e os adultos, os ministros e os
cobradores de ônibus, mas não os peixes, as montanhas, as estradas ou as escolas. Podemos
20
nomear de ‘irracionais’ os atrasos, as desculpas, as intervenções cirúrgicas, as declarações
de guerra, [...] mas não o mau tempo, uma doença ou um ganho na loteria”.
Para HABERMAS (1987a), a racionalidade tem menos a ver com o conhecimento
e a produção de saberes, do que com o modo como os sujeitos capazes de linguagem e de
ação fazem uso ou aplicam seus saberes.
Segundo suas próprias colocações:
Chamamos ‘racionalidade’ em primeiro lugar à disposição por parte do sujeito falante e atuante de adquirir e utilizar um saber falível. Enquanto os conceitos básicos da filosofia da consciência impuserem que se compreenda o saber, exclusivamente como saber de algo no mundo objetivo, a racionalidade limita-se ao modo como o sujeito isolado se orienta em função dos conteúdos das suas representações e dos seus enunciados. [...] Quando, pelo contrário, entendemos o saber como transmitido de forma comunicacional, a racionalidade limita-se à capacidade de participantes responsáveis em interações de se orientarem em relação a exigências de validade que assentam sobre o reconhecimento intersubjetivo. A razão comunicativa encontra os seus critérios no procedimento argumentativo da liquidação direta ou indireta de exigências de verdade proposicional, justeza normativa, veracidade subjetiva e coerência estética (HABERMAS, 1990b, p.291). BASTOS (1998, p. 61), nos diz que “a racionalidade não é abstrata, mas é história
da intersubjetividade concretizada pelo possível entendimento”.
O conceito de racionalidade normalmente é visto de forma restrita, ou seja na sua
concepção estritamente cognitiva.
No entanto, conforme HABERMAS (1990a, p.69-70):
A racionalidade não tem tanto a ver com a posse do saber do que com o modo como os sujeitos capazes de falar e de agir empregam o saber. Ora, tanto as atividades não-lingüísticas como as ações de fala encarnam um saber proposicional; contudo, o modo específico de empregar o saber decide o sentido da racionalidade, que serve como medida para o sucesso da ação. Se tomarmos como ponto de partida o uso não-comunicativo do saber proposicional em ações teleológicas, iremos detectar a idéia da racionalidade orientada para um fim (Zweckrationalität) tal como foi elaborada na teoria da escolha racional. E se partirmos do uso comunicativo do saber proposicional em atos de fala, descobriremos a idéia da racionalidade orientada para o entendimento (Verständigungsrationalität), que numa teoria do significado pode explicitar apoiando-se nas condições para a aceitabilidade de ações de fala.
21
Habermas, ao estudar a teoria de Jean Piaget, percebeu a evolução do pensamento
lógico, a razão com um processo de construção, pois segundo PRESTES (1996, p.14), “a
perspectiva ontogenética de Jean Piaget mostra a razão como resultado contínuo de
construção, a partir de sua base biológica”.
No entanto, para Piaget, a razão origina-se a partir do momento em que o sujeito
interage com o objeto. Quanto maior for a interação entre sujeito-objeto, mais rapidamente
acontecerá o processo de construção do conhecimento. Ao agir sobre o objeto, o sujeito
passaria a conhecer suas propriedades, começaria a construir o seu próprio conhecimento
através das “leituras” das informações ali presentes. Poderíamos dizer que seria um
processo constante de assimilação e acomodação em relação ao mesmo, permanecendo
desta forma sobre as bases de uma razão individualista e monológica.
Esta razão limita-se às estruturas cognitivas, quando na verdade esta consciência
pensante deveria se constituir a partir de todo um contexto (bem mais amplo), envolvendo
o mundo prático e a história do sujeito, numa relação sujeito-sujeito e sujeito-objeto. A
racionalidade engloba todos estes fatores, não se limitando ao aspecto cognitivo.
Habermas, no entanto, situa-se num nível mais social, com sua filosofia da
comunicação, que parte do princípio de que os sujeitos são capazes de ação, e para tanto
utilizam-se da linguagem para se comunicarem com os seus pares, buscando chegar a um
entendimento acerca de algo. A razão para Habermas, neste caso, envolveria não apenas a
interação sujeito-objeto, mas seria a capacidade de utilizar a linguagem, numa razão
coletiva e dialógica.
Conforme BASTOS (1998, p. 58), “a primeira noção de razão tentou definir a
primazia do sujeito (autoconsciência) sobre a relação sujeito-objeto, gerando a filosofia da
consciência e afirmando que o conhecimento de si próprio é mais importante que a
22
realidade. J. Habermas propõe a mudança de paradigma: da filosofia da consciência para a
filosofia da lingüística e da comunicação”, onde a razão é construída pelas relações entre
os sujeitos que buscam um entendimento.
A razão instrumental tem suas origens no desenvolvimento da ciência ocidental nos
séculos XVI e XVII, sendo entendida como a base unificadora da explicação dos
fenômenos econômicos, políticos, educacionais, etc, visto que sua aceitabilidade é
facilitada, pois a mesma se ajusta à lógica dos interesses econômicos dominantes.
Existem dois tipos de racionalidade, as quais seguem direções distintas: a
racionalidade cognitivo-instrumental, em que as ações do sujeito são de relações de
domínio sobre a natureza e os sujeitos, visando a manipulação instrumental, e a
racionalidade comunicativa em que as ações do sujeito são de relações com os outros
sujeitos, visando ao entendimento comunicacional.
Segundo HABERMAS (1987a, T1, p.26), a racionalidade cognitivo-instrumental
“[...] tem a conotação de uma auto-afirmação com êxito no mundo objetivo, possibilitada
pela capacidade de manipular informadamente e de adaptar-se inteligentemente às
condições de um entorno contingente”.
A racionalidade cognitivo-instrumental ou razão instrumental caracteriza-se pelo
distanciamento entre o sujeito e o objeto, por um sujeito tipicamente solitário, que visa a
operação lógica dos conhecimentos, numa atitude calculista e metódica. Neste sentido,
como ela é parcial, preestabelecida, pronta, absoluta e auto-suficiente, ela por si só se
justifica e se perpetua. O grupo dominante aproveita esta visão parcial e unidimensional,
para reforçar suas idéias e impor sua dominação.
A razão instrumental reduz a riqueza dos fenômenos aos seus conceitos, regras e
relações pré-estabelecidas, ou seja, ela elimina da realidade aquilo que não se ajusta a seus
23
princípios. A evolução do conhecimento e da aprendizagem ficam reféns de princípios
universais tidos como imutáveis e verdadeiros, não havendo espaços para questionamentos
e uma visão da realidade baseada na multiplicidade das vozes.
A razão instrumental leva a considerar o educando não como um sujeito, mas como
um objeto. Esta visão levou ao desenvolvimento de uma racionalidade unilateral que
despreza o potencial crítico e os sentimentos nos sujeitos, limitando-se a explorar seu
caráter abstrato na concretização de uma razão individual e monológica.
Limita às condições que o sujeito deverá realizar a fim de alcançar e realizar seu
objetivo último. Ações estas que são fundamentadas nas intervenções que realizam num
mundo de coisas existentes. Elas são dirigidas para um objetivo específico e manipuladas
visando ao sucesso.
É a aplicação lógica guiando a ação do sujeito, envolvendo um domínio consciente
da realidade, através de conceitos abstratos ao invés de ações concretas, onde a disciplina e
o método na conduta da vida é o objetivo principal. Estas ações normalmente estão ligadas
ao poder, controle, estrutura, etc. O sujeito age solitariamente sendo o único a se beneficiar
de seus cálculos e a questão dos contratos sociais, da partilha do poder de decisão são
descartadas.
A racionalidade cognitivo-instrumental, sendo ela única e imutável, admite a
possibilidade de cálculo para a obtenção dos resultados desejados, levando à tecnização
das ações calcadas numa educação metódica e calculista. Fica evidente o argumento
cartesiano que privilegia a racionalidade subjetiva no paradigma da consciência,
fundamentada num saber empírico visando a um fim último.
Habermas não apenas concorda com as críticas feitas às atuais sociedades
modernas, que se utilizam de uma racionalidade instrumental e inconsistente, mas busca
24
encontrar a razão no mundo da vida, partilhadas nas práticas cotidianas. Sendo assim, a
razão é trazida por Habermas para o mundo da vida, onde a comunicação não é um
instrumento (sujeito-objeto) para a auto-realização dos sujeitos, mas através da razão
comunicativa na busca do entendimento e do consenso compartilhado com os outros
sujeitos.
Como já foi referenciado, Habermas ao questionar o paradigma da filosofia da
consciência, inicia então uma busca intensa em suas pesquisas para explicar o que é
paradigmático para a racionalidade comunicativa, “[...] não é mais a relação do sujeito
isolado com algo no mundo objetivo, representável e manipulável; o que é paradigmático,
é, ao contrário, a relação intersubjetiva que se instaura entre os sujeitos capazes de falar e
de agir, assim que eles se entendem entre si sobre alguma coisa” (HABERMAS, 1987a,
T.1, p.395).
Para HABERMAS (1987a), a racionalidade comunicativa acontece a partir da
relação intersubjetiva entre os sujeitos, num discurso sem violência, permitindo desta
forma realizar o entendimento e suscitar o consenso. Baseia-se principalmente na
compreensão e no aprendizado, o que permite desta forma uma socialização sem repressão
e que conduz a um livre reconhecimento (dos objetos e fatos) por parte dos sujeitos
envolvidos.
Conforme SIEBENEICHLER (1994, p.66),
O conceito “razão comunicativa” ou “racionalidade comunicativa” pode, pois, ser tomado como sinônimo de agir comunicativo, porque ela constitui o entendimento racional a ser estabelecido entre participantes de um processo de comunicação que se dá sempre através da linguagem, os quais podem estar voltados, de modo geral, para a compreensão de fatos do mundo objetivo, de normas e de instituições sociais ou da própria noção de subjetividade.
25
Ainda para o mesmo autor, “razão comunicativa é a comunicação lingüística
voltada ao entendimento e ao consenso” (SIEBENEICHLER, 1989, p.177).
A razão comunicativa faz parte do mundo vivido, o qual é formado por símbolos
que nascem das interações e vivências entre os sujeitos, e que são transmitidos de gerações
a gerações pela atividade comunicacional. Neste sentido, a razão comunicativa propicia um
auto-conhecimento, fruto da liberdade e entendimento alcançados através das condições de
uma socialização comunicativa dos indivíduos.
O mundo da vida e o mundo do sistema é o objetivo do próximo item, de forma a
buscar compreender suas particularidades e relações.
2.5 O Mundo da Vida e o Mundo do Sistema
A teoria crítica da sociedade é entendida e subdividida por Jürgen Habermas em
dois grandes mundos, quais sejam: o Mundo do Sistema e o Mundo da Vida.
O mundo do sistema pode ser considerado como o mundo formal, das regras, das
leis, das normas, etc... ou seja, um mundo “artificial” criado pelo próprio homem visando
ao êxito e ao domínio sobre a natureza. Ele se reflete na organização da sociedade, na
educação, na abordagem científica, etc.
É o mundo construído a partir de um determinado paradigma dominante em
determinada época, onde toda a organização social, política, econômica e cultural é
moldada a partir deste paradigma.
O mundo do sistema tenta controlar o mundo da vida. Isso gera muitas vezes um
distanciamento entre o mundo do sistema (leis, regras e ações planejadas) e o mundo da
26
vida (necessidades reais dos sujeitos, seus sentimentos e percepções), gerando problemas
tais como: insatisfação, miséria, submissão e violência.
O mundo da vida conforme Sérgio Paulo Rouanet, “é o lugar das relações sociais
espontâneas, das certezas pré-reflexivas, dos vínculos que nunca foram postos em dúvida”
(ROUANET, 1989, p.23).
A tabela 1 esclarece as peculiaridades presentes nos dois mundos: Mundo do
Sistema e Mundo da Vida.
Tabela 2 – Teoria Crítica da Sociedade
Mundo do Sistema Mundo da Vida Modos de produção e reprodução artificial Modos de produção e reprodução
simbólica
Estado/Economia Experiência comunicativa intersubjetiva
Poder/Dinheiro Cultura, linguagem e verdades falíveis
Conhecimento voltado a interesses Conhecimento tácito
Relação a fins Relação a meios e fins (sejam normas, fatos, vivências)
Ação instrumental e/ou estratégica S – O Ação comunicativa S – S
Êxito e domínio Entendimento, liberdade e autonomia reflexiva
Fonte: (Quadro adaptado de MEDEIROS, 1995, p.12).
Segundo PRESTES (1996, p.84), “na teoria de Habermas há, por um lado, o mundo
da vida dos grupos sociais em que as ações são coordenadas pelo entendimento e, por
outro, o mundo do sistema que se regula a si mesmo através das ações em relação a fins.
Considerações isoladas de cada um deles resultam em unilateralismo”.
27
De acordo com o próprio HABERMAS (1997, p.489), “ o mundo da vida pode ser
conceituado como sendo aquilo onde os participantes da interação iniciam e discutem suas
operações interpretativas”.
Ou ainda para PRESTES (1996, p.82), “o “mundo da vida” (lebenswelt) é um
horizonte pré-científico, intuitivo, não tematizado e não questionável em princípio”.
Num contexto mais social, segundo MARAUN, citado por KUNZ (1991, p.86), “o
mundo da vida é a instância em que o sentido material se faz presente na história individual
[...] que envolve de uma ou de outra forma todas as suas ações – independente se isto
acontece de forma consciente ou inconsciente”.
Podemos perceber que o mundo da vida é um conceito que faz parte e completa a
ação comunicativa. É o espaço onde se constrói a razão comunicativa, a partir das relações
intersubjetivas entre os sujeitos. HABERMAS (1990b, p.278) nos diz que “enquanto o
falante e o ouvinte se entendem frontalmente acerca de algo num mundo, eles movem-se
dentro do horizonte do seu mundo de vida comum e este continua a ser para os
intervenientes como um pano de fundo intuitivamente conhecido, não problemático,
indesmembrável e holístico.
Neste sentido, é evidente que o mundo da vida funciona realmente como um pano
de fundo, pois fornece subsídios para se chegar a um entendimento na ação comunicativa,
ou seja, seria uma base de sustentação para que ocorra uma verdadeira ação comunicativa
entre os atores. Estes possuem no seu mundo da vida todo uma tradição cultural, um saber
implícito, pré-teórico, uma linguagem própria, um conhecimento tácito.
O mundo da vida (lebenswelt) nos ensina muitas coisas, pois são através das
interações que estabelecemos com os outros que iremos direcionar nossas ações de modo
28
mais ou menos racional. Poderíamos dizer que é no mundo da vida que interagimos e
aprendemos as ações tidas como racionais.
Por “interação”, Habermas entende a esfera da sociedade em que normas sociais se
constituem a partir da convivência entre sujeitos, capazes de comunicação e ação. Nessa
dimensão da prática social, prevalece uma ação comunicativa, isto é, “uma interação
simbolicamente mediada”, a qual se orienta “segundo normas de vigência obrigatória que
definem as expectativas recíprocas de comportamento e que têm de ser entendidas e
reconhecidas, pelo menos, por dois sujeitos agentes” (HABERMAS, citado por
GONÇALVES, 1999, p.129).
Nesse contexto, é oportuno lembrar as palavras de MORAN (1999a, p.6), quando
nos diz que “pela interação aprendemos, nos expressamos, confrontamos nossas
experiências, idéias, realizações; pela interação buscamos ser aceitos, acolhidos pela
sociedade, pelos colegas, por alguns grupos significativos”.
A capacidade de interação, de socialização e a maneira de como os sujeitos irão
agir durante suas vidas, estão diretamente ligados ao fato de os mesmos serem capazes de
julgar e responder por suas ações no mundo da vida. Neste sentido o mundo da vida
fornecerá subsídios, normas e regras para que os mesmos tenham uma base sólida para
prosseguirem de forma bastante correta a lidarem também com o mundo do sistema.
Para HABERMAS (1987a), a socialização dos participantes de um mundo da vida
oferece segurança às novas situações que surgem na dimensão do tempo histórico, e são
diretamente ligadas às condições do mundo existente.
O conceito de mundo da vida ou mundo vivido para HABERMAS (1987a, T.2. p.
149), envolve todo um contexto em que “[...] os atores comunicativos situam e datam seus
pronunciamentos em espaços sociais e tempos históricos”.
29
Assim, pode-se inferir que o mundo da vida seja o espaço onde estão presentes
nossas emoções, expectativas e ações do nosso cotidiano. Espaço este, onde os atores
partilham suas experiências, falando sinceramente sobre acontecimentos que são próprios
da sua cultura. É o mundo da vida, como diz BOUFLEUER (1997, p.43), “que faz com
que um ato de fala seja familiar, permite apreender o seu sentido e antecipar as condições
de sua aceitabilidade”.
O mundo da vida fornece uma maior abertura na comunicação, onde os envolvidos
utilizam-se freqüentemente de uma linguagem simbolicamente mediada, permitindo desta
forma, uma maior interação, organização e compreensão dos fatos.
MORAN (1999b, p. 1-2).considera que:
Pela comunicação procuramos estruturar, organizar a complexidade pessoal (grifos do autor) – as incertezas de cada um, as nossas contradições, as nossas possibilidades. Procuramos também estruturar, organizar a complexidade grupal, as incertezas nas relações interpessoais, nas múltiplas interações de grupos pequenos e grandes, sólidos e mutáveis, masculinos e femininos, reconhecidos e desconhecidos, conservadores e inovadores. Pela comunicação procuramos compreender a complexidade social, a complexidade das interações estruturais [...]. Para as pessoas de um mesmo grupo social, onde a realidade familiar é muito
semelhante e ao mesmo tempo o saber cultural é particular daquele grupo, o mundo da vida
funciona como um processo de intercompreensão e de exteriorização, onde elas partilham
e ao mesmo tempo atualizam suas convicções.
E é neste mundo em que os sujeitos interagem de forma mais intensa e sincera,
visando a um entendimento sobre algo no mundo, seja ele: objetivo, social ou subjetivo;
onde as verdades são passíveis de questionamentos e erros.
Neste contexto em que se compartilha normas, sentimentos, expectativas, emoções
e afetos, próprios de seu mundo da vida, teríamos experiências comunicativas onde os
sujeitos terão uma maior liberdade de expressão, criticidade e autonomia.
30
Ao elaborar a Teoria da Ação Comunicativa, Habermas parte de uma filosofia que
trata do ser humano, enquanto sujeitos ou atores dotados de linguagem e que são movidos
para a compreensão dos fatos através dos três mundos, quais sejam: o mundo objetivo
(como o conjunto de todas as entidades sobre as quais são possíveis enunciados
verdadeiros); o mundo social ( como o conjunto de todas as relações interpessoais
codificadas por regras); e o mundo subjetivo ( como o conjunto das experiências vividas às
quais o falante tem um acesso privilegiado).
Neste sentido, é evidente que a ação comunicativa abrange os três mundos a que se
referem os atos da fala cotidiana: objetivo (das coisas externas), social (normas e
convivência social) e o subjetivo (vivências, sentimentos e afetos). Para HABERMAS
(1987a), os participantes da comunicação baseiam os seus esforços de entendimento mútuo
num sistema de referências composto exatamente desses três mundos. Mesmo que, não na
mesma intensidade, esses três mundos se relacionam de uma maneira muito estreita frente
às pretensões que estão em evidência nas interações sociais.
Nesse contexto, HABERMAS (1990a, p.79-80) descreve que:
Mesmo que o mundo ao qual a fala se refere indique a pretensão de validez correspondente, isso não quer dizer que as outras pretensões estejam ausentes. De um modo geral as pretensões que não estão em evidência em primeiro plano acabam como que subsidiando a pretensão dominante. Uma ordem, por exemplo, constitui uma pretensão de correção normativa, mas que perde sua validade sem os pressupostos de que seja objetivamente realizável e de que o ordenante esteja falando de modo sincero. No entanto, é o mundo da vida que contribui para que os sujeitos cheguem a um
entendimento sobre estes três mundos a que se referem um ato de fala. Estes
correspondem, respectivamente, às tradições culturais, aos ordenamentos sociais e às
estruturas de personalidade, que Habermas coloca como os componentes básicos ou
estruturas básicas do mundo da vida que são a cultura, a sociedade e a personalidade.
31
Segundo HABERMAS (1987a, T.2, p.151-152),
Em relação ao aspecto funcional do entendimento, a ação comunicativa serve à tradição e à renovação do saber cultural; em relação ao aspecto de coordenação da ação, serve à integração social e à criação da solidariedade; e, por fim, em relação ao aspecto da socialização, serve à formação de identidades pessoais. As estruturas simbólicas do mundo da vida se reproduzem pela via da continuação do saber válido, da estabilização da solidariedade dos grupos e da formação de atores capazes de responder a suas ações. O processo de reprodução enlaça as novas situações com os estados do mundo já existentes. [...] A estes processos de reprodução cultural, integração social e socialização correspondem os componentes estruturais do mundo da vida que são a cultura, a sociedade e a personalidade.
Dando prosseguimento, passaremos ao capítulo três, que trata das questões
referentes à educação tecnológica.
32
CAPÍTULO IIICAPÍTULO IIICAPÍTULO IIICAPÍTULO III
A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
A Teoria da Ação Comunicativa é uma teoria crítica e reflexiva, onde teoria e
prática devem estar vinculadas visando desenvolver uma relação de não dominação entre
os sujeitos, fornecendo desta maneira subsídios, para que os mesmos possam construir um
conhecimento capaz de esclarecimento e emancipação no âmbito da educação tecnológica.
Neste capítulo abordaremos a questão da educação tecnológica. Para tanto,
faremos, de início, uma pequena explanação sobre o contexto da educação na perspectiva
habermasiana, em seguida, as dimensões da tecnologia, para, finalmente, entrarmos no
mérito sobre as concepções de educação tecnológica propriamente dita.
3.1 O Contexto da Educação na Perspectiva
Habermasiana
Por educação entendemos todo um processo de formação, construção e
reconstrução permanente dos sujeitos pelo qual todos passam. A educação, nesta
perspectiva, seria um processo contínuo e dinâmico, onde através da interação se possa
enriquecer esta caminhada. Ou como diria (PRESTES, 1996, p.73), a educação não deveria
33
se preocupar apenas com a “formação de sujeitos com capacidade moral e intelectual, mas
também construirmos uma competência comunicativa dialógica”.
Trata-se “do ato de educar, orientar, acompanhar, nortear, mas também o de trazer de
“dentro para fora ” as potencialidades do indivíduo” (PELIANO, 1999, citando Grinspun).
Potencialidades estas que muitas vezes estão intrínsecas nos sujeitos e que na maioria das
vezes dependem única e exclusivamente de oportunidades para o aperfeiçoamento integral
de todas as suas funções humanas.
Neste sentido, concordamos com BASTOS (1998), que a educação não deve ser
vista apenas como fonte transmissora de conhecimentos para formar um sujeito
intelectualmente competente, mas para que juntos, educadores e educandos, possam
construir e reconstruir os conhecimentos, baseados numa visão do todo, inserido em tudo.
Conhecimento este, visto não apenas como a dissecação de um saber, mas para
trabalharmos com o coração e com a ética da vida.
Essa construção e reconstrução do conhecimento constitui uma educação que leva
em conta a palavra do homem. “Ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume
conscientemente sua essencial condição humana. (...) A educação reproduz, assim, em seu
plano próprio, a estrutura dinâmica e o movimento dialético do processo histórico de
produção do homem. Para o homem, produzir-se é conquistar-se, conquistar sua forma
humana” (FREIRE, 1987, p. 13).
FREIRE (1987) critica a concepção bancária de educação, que é oposta à educação
problematizadora, porque ela se conduz como ato de depositar, escamoteando a
criatividade, impedindo o saber, porque nega o dinamismo da busca. Através dela somente
o professor educa, sabe, pensa, diz a palavra, disciplina a classe, prescreve sua opção, atua,
34
escolhe o conteúdo programático, enfim só ele é o sujeito do processo e anula o poder
criativo dos educandos, domesticando-os e impedindo a conciliação educador-educandos.
Na concepção bancária, o educador não consegue ver o sentido da vida humana,
pois nega que “o pensar do educador somente ganha autencidade do pensar dos educandos,
mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. (...) E, se o pensar só
assim tem sentido, se tem sua fonte geradora na ação sobre o mundo, o qual mediatiza as
consciências em comunicação, não será possível a superposição dos homens aos homens”
(FREIRE, 1987, p. 64).
A educação problematizadora, ao vencer a contradição educador-educando, gerada
pela educação bancária, e ao assumir o diálogo, torna o educador não apenas aquele que
educa, “mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também se educa. Ambos, assim, tornam-se sujeitos do processo, em que
crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem. Em que, para ser-se,
funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra
elas” (FREIRE, 1987, p.68).
Contrariamente à educação tradicional, a educação na perspectiva habermasiana
nega o homem abstrato e desligado do mundo e nega o mundo como algo ausente do
homem, pois a reflexão é feita a respeito dos homens em suas relações com o mundo,
tornando-se um esforço constante por meio do qual os homens vão se percebendo
criticamente. É uma educação que, ao invés de assistencializar, criticiza à medida que “se
funda na criatividade e estimula a reflexão e a ação verdadeira dos homens sobre a
realidade, responde à sua vocação, como seres que não podem autenticar-se fora da busca e
da transformação criadora” (FREIRE, 1987, p. 72).
35
Enquanto a educação bancária evidencia a permanência, a passividade, a concepção
problematizadora, enfatiza a mudança respondendo à condição dos homens como seres
históricos e à sua historicidade.
A esse respeito afirma FREIRE: A educação problematizadora, que não é fixismo reacionário, é futuridade revolucionária. Daí que seja profética e, como tal, esperançosa. Daí que corresponda à condição dos homens como seres históricos e à sua historicidade. Daí que se identifique com eles como seres mais além de si mesmos – como “projetos” - , como seres que caminham para frente, que olham para frente; como seres a quem o imobilismo ameaça de morte; para quem o olhar para trás não deve ser uma forma nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor conhecer o que está sendo, para melhor construir o futuro. Daí que se identifique com o movimento permanente em que se acham inscritos os homens, como seres que se sabem inconclusos; movimento que é histórico e que tem o seu ponto de partida, o seu sujeito, o seu objetivo (1987, p.73).
A educação problematizadora inclui o diálogo que se concretiza no amor ao mundo
e aos homens. Para FREIRE (1987), é pelo diálogo que se dá a pronúncia do mundo, que é
um ato de criação e recriação. O diálogo só é possível se existe a fé nos demais homens,
antes de encontrar-se frente a frente com eles, não uma fé ingênua, já que o homem
dialógico é crítico.
Para que o diálogo seja verdadeiro, é necessário que exista um pensar verdadeiro,
um pensar crítico, que não aceite separação entre o homem e o mundo mas uma firme
solidariedade entre eles. Sem o diálogo crítico também não há comunicação. Pois é pela
comunicação dialógica que os sujeitos se encontram para em inter-colaboração transformar
o mundo.
No Brasil, a educação não é vista como prioridade, aliás está longe de o ser. No
entanto, os discursos em prol de uma educação para todos visando a uma sociedade mais
justa e igualitária não se concretiza nas ações. As instituições escolares que aí se
encontram, refletem e reforçam a hegemonia da classe dominante, excluindo sobremaneira
os sujeitos das classes sociais menos favorecidas. A escola que ora se apresenta reproduz o
36
atual sistema social, que exclui, desvincula, classifica, seleciona, rotula e marginaliza
grande parte da população. O que se confirma nas palavras de PRESTES (1996, p.57), que
“[...] os cursos e os conhecimentos trabalhados pela escola perdem seu vínculo com as
exigências das necessidades sociais e atrelam-se a interesses de grupos que detêm o
poder”.
A partir dessas premissas, quanto mais se concretiza, na sociedade como um todo e
mais especificamente nas instituições escolares, práticas pedagógicas voltadas ao incentivo
do individualismo, da exclusão e da competitividade. Faz-se necessário desenvolver ações
buscando uma maior socialização e participação dos sujeitos, voltadas ao entendimento,
pois, o sujeito individualista é aquele que visa a dominação e manipulação, sendo este
justamente o paradigma cartesiano criticado por Habermas.
Face a este quadro, Habermas nos fornece margens para interpretarmos, em sua
Teoria da Ação Comunicativa, que seria possível construirmos uma nova e democrática
estrutura nos atuais sistemas de ensino, buscando basicamente uma conciliação entre os
dois mundos: o mundo do sistema e o mundo da vida, onde a teoria e a prática estariam
interligadas através de ações concretas, numa dinâmica de interação entre os atores
envolvidos visando a novas racionalidades.
Quando os pais querem educar os seus filhos, quando as gerações que vivem hoje querem se apropriar do saber transmitido pelas gerações passadas, quando os indivíduos e os grupos querem cooperar entre si, isto é, viver pacificamente com o mínimo de emprego de força, são obrigados a agir comunicativamente (HABERMAS, 1993, p.105). Tendo a educação como o elemento central do sistema, o pensamento
habermasiano é contrário a qualquer tipo de repressão dos direitos à liberdade dos sujeitos.
Torna-se essencial que educadores e educandos se relacionem num ambiente livre de
coações, para que juntos se comuniquem a respeito de suas experiências pessoais, seus
37
conhecimentos tácitos, na busca de uma nova aprendizagem. Ou, como afirma (BASTOS,
1998), as teorias e as práticas da ação educativa passam pelas ações entre sujeitos –
reflexivos e críticos, detentores de saberes e geradores de novos conhecimentos, a partir de
experiências compartilhadas entre todos que ali estão, não para ensinar e aprender, mas
para aprender a aprender.
À educação cabem algumas funções básicas. Qualquer que seja sua função, a
mesma deverá ter o cuidado para não reduzir a razão dos sujeitos no sentido individual e
monológico.
A escola, por sua própria natureza, exerce um papel fundamental na transmissão cultural, na socialização e na construção da personalidade individual, isto é, na reprodução das estruturas simbólicas do mundo da vida e, portanto, para o seu bom funcionamento, ela deve ser regulada pelos processos de ação comunicativa com vistas a alcançar o entendimento (PINTO, 1996, p.152).
O processo de ensino-aprendizagem deve ser visto como um laboratório de
conhecimento, fundamentado em interesses e gerados a partir da realidade dos alunos.
Conhecimentos estes inacabados e incompletos, numa dinâmica permanente de
intercâmbios, pois quando o transferimos para uma outra realidade, temos um outro
conhecimento. Na perspectiva habermasiana, comunicar é gerar outros conhecimentos,
visando à emancipação dos sujeitos.
As teorias mais modernas da aprendizagem, sobretudo aquelas identificadas com o saber pensar e o aprender a aprender, garantem que a construção do conhecimento começa do começo, ou seja, do background sociocultural de cada um, com o objetivo específico de fazer do aluno sujeito, não objeto de aprendizagem; não existe tábula rasa, analfabetismo absoluto; todos falam, se comunicam, usam um vocabulário básico, manejam conceitos dentro do senso comum, possuem referências da realidade em que estão inseridos, e assim por diante; este será o ponto de partida se quisermos uma educação emancipatória (DEMO, 1994, p.32).
38
3.2 As Dimensões da Tecnologia
A sociedade como um todo, e mais especificamente, o sistema educacional está
passando por um processo de transformação muito grande, onde os avanços tecnológicos
exigem novas posturas dos atores sociais envolvidos. Nos locais de trabalho (empresas,
escolas, fábricas, universidades, etc), exige-se uma visão mais sistêmica4 e menos
cartesiana5, visando um sujeito em interação com os outros sujeitos e com as tecnologias.
Falar em tecnologia, nos remete também a considerar a técnica, haja visto que a
tecnologia está diretamente relacionada com a técnica. Os conceitos de técnica e
tecnologia muitas vezes se confundem, dada a sua proximidade, sendo desta maneira
utilizados de forma a não expressar seu real significado. Dentre as técnicas existentes e
disponíveis, podemos dizer que algumas são mais simples, outras mais complexas. No
entanto, todas trazem em seu bojo um conhecimento tácito que é próprio dos sujeitos.
Partindo desse pressuposto BASTOS (1997, p.67), revela estas preocupações
quando afirma que “a técnica não é concebida como pura realidade objetiva, mas como
modelo explicativo de uma linguagem do homem. Ela guarda o arsenal de conhecimentos
tácitos que têm seus significados profundamente educativos”.
Também com muita propriedade, José Ruy Ribeiro nos descreve o seu
entendimento de técnica como sendo “a habilidade que o homem tem para executar
determinada operação ou tarefa, habilidade que pode ser uma destreza motora ou
4 Visão sistêmica – é uma abordagem que contempla o todo e as partes de um fenômeno, sem privilegiar
apenas o todo ou apenas as partes. A compreensão do fenômeno é obtida observando-se as inter-relações
recíprocas entre partes e o todo. A visão sistêmica pretende ter uma visão global dos fenômenos.
39
intelectual, resultante de conhecimentos intuitivos, empíricos [...] e sujeita a treinamentos
específicos para aperfeiçoá-la” (RIBEIRO, 1995, p.264).
Nesse contexto, é oportuno lembrar as palavras de Milton Vargas, quando nos diz
que:
[...] A técnica, no sentido geral, é tão antiga quanto o homem; pois aparece com a fabricação de instrumentos. E, de acordo com a Antropologia, não há homem sem instrumentos, por mais rudimentares que sejam. A fabricação da pedra lascada e o aparecimento do homem seriam fatos simultâneos. E a essa fabricação já corresponderia um saber fazer: uma técnica. [...] Desta forma a técnica é originalmente um saber fazer que caracteriza a presença de uma cultura humana (VARGAS, 1994, p.18-19). O desenvolvimento técnico foi e continua sendo muito importante, pelo acúmulo do
conhecimento empírico que as pessoas aplicam na prática. No entanto, com o
aperfeiçoamento dessas técnicas e reflexões mais profundas sobre sua real dimensão no
contexto político, econômico, cultural e social, a tecnologia é concebida.
O conceito de tecnologia para GAMA (1986, p.30-31), significa “estudo e
conhecimento científico das operações técnicas ou da técnica. Compreende o estudo
sistemático dos instrumentos, das ferramentas e das máquinas empregadas nos diversos
ramos da técnica, dos gestos e dos tempos de trabalho e de custos, dos materiais e da
energia empregada”.
Segundo ROCHA NETO (1996), a tecnologia pode ser entendida como uma
cultura (formada pela simbiose da ciência com a técnica) e assim ela representa mais que
um conjunto de produtos, processos e máquinas. Ela abrange um contingente bem mais
amplo de concepções e processos abstratos, que envolve todo um conjunto de
conhecimentos.
5 Visão cartesiana – é um abordagem onde o todo é decomposto em partes e cada parte é analisada ou
estudada isoladamente. A compreensão do fenômeno é obtida a partir do conhecimento de cada uma das
40
De uma maneira bem ampla, podemos dizer que a tecnologia é um conjunto de
conhecimentos científicos aplicados para a obtenção de resultados desejados. Neste
aspecto, é oportuno resgatar o pensamento de Marc J. De Vries que salienta este fato:
A tecnologia é uma atividade humana. Desde o início da história da humanidade o ser humano tentou mudar o seu ambiente de maneira que suas necessidades fossem satisfeitas da melhor maneira possível. Antigamente, as realizações tecnológicas eram extensões diretas das aptidões humanas: as simples ferramentas eram extensões das mãos e dos dedos, os instrumentos de caça eram extensões dos braços e das pernas, os potes e as panelas, extensões das mãos e assim sucessivamente. Assim, esta característica implica que as normas e os valores (humanos) desempenham um papel importante na tecnologia (DE VRIES, 1999, p.1).
Neste sentido, seria ingênuo pensarmos a neutralidade da tecnologia, pois ela traz
consigo valores embutidos que servem tanto para a dominação (destruição) como para a
emancipação (construção) dos sujeitos.
Partindo desta abordagem e do entendimento de que a tecnologia baseia-se num
conjunto de conhecimentos científicos, voltados para a satisfação dos desejos humanos, a
tecnologia, como não é neutra, seguirá o rumo que lhe for dado – boa ou má, amiga ou
inimiga do homem. Neil Postman oportunamente nos coloca esta não neutralidade da
tecnologia:
Primeiro, a tecnologia é uma amiga. Torna a vida mais fácil, mais limpa e mais longa. Pode alguém pedir mais de um amigo? Segundo, por causa de seu relacionamento longo, íntimo e inevitável com a cultura, a tecnologia não convida a um exame rigoroso de suas próprias conseqüências. É o tipo de amigo que pede confiança e obediência, que a maioria das pessoas está inclinada a dar porque suas dádivas são verdadeiramente generosas. Mas é claro, há o lado nebuloso desse amigo. Suas dádivas têm um pesado custo. Exposto nos termos mais dramáticos, pode-se fazer a acusação de que o crescimento descontrolado da tecnologia destrói as fontes vitais de nossa humanidade. Cria uma cultura sem uma base moral. Mina certos processos mentais e relações sociais que tornam a vida humana digna de ser vivida. Em suma, a tecnologia tanto é amiga como inimiga [...] (POSTMAN, 1994, p.12).
partes. As inter-relações são desprezadas.
41
Pensar em tecnologia leva-nos a refletir sobre seus resultados. É inegável os
benefícios que a mesma tem trazido para a sociedade como um todo nos últimos anos. No
entanto, precisamos estar atentos para os conteúdos políticos e sociais que permeiam todo
o contexto. Acreditamos que de nada adiantará usufruirmos de tecnologias de ponta, de
última geração, se para a grande parcela da população lhes é negado este acesso. O
desenvolvimento tecnológico deveria portanto, estar atrelado às tecnologias que mais se
adequassem às reais necessidades da grande parcela da população.
Frente ao exposto, acreditamos que a tecnologia, não só pode como deve ser
trabalhada ao longo de todo o processo educacional, fazendo com que desde a pré-escola
até os graus mais elevados de ensino os educandos sejam levados a construírem uma visão
crítica e reflexiva sobre os possíveis efeitos e seus significados. A moldagem social da
tecnologia, fica evidente no exemplo mostrado por José Monserrat Neto:
A ponte de “Long Island”, construída em Nova York possui altura máxima, nos vãos de sustentação construídos sobre a pista, de apenas 2,70 metros, é muito baixa e impede a passagem de ônibus e caminhões. Só passam carros de passeio. Por mais estranho que pareça, não se trata de erro de projeto ou limitação da tecnologia existente na época. Robert Moses, o engenheiro responsável pela solução “técnica”, tinha como objetivo deliberado impedir que as pessoas negras e pobres que viajavam de ônibus chegassem aos locais de recreação dos brancos ricos ou de classe média que tinham, evidentemente, carros de passeio. Um “efeito social” premeditado – a discriminação de negros e pobres – foi fator determinante neste obra de engenharia civil (MONSERRAT NETO, 1997, p.3).
Como percebemos, a tecnologia pode ser vista como algo que poderá ser usada para
múltiplos objetivos, sendo sempre associada ao conhecimento. Todas entretanto, trazem
consigo benefícios e malefícios, onde os benefícios nem sempre são obtidos por todos.
Dessa forma, a educação tecnológica deverá ter entre os seus princípios a busca do
entendimento global dos efeitos da tecnologia pelos sujeitos.
Fala-se em sociedade do conhecimento, porque as tecnologias se alteram
rapidamente, muitas vezes não respeitando suas conexões com o meio ambiente, com o
42
meio educacional, com a cultura, etc. Temos aí, neste caso, uma tecnologia profundamente
cartesiana, onde não há uma preocupação com a globalidade, levando-se em consideração
apenas aspectos parciais. Assim, muitas vezes as soluções tecnológicas são obtidas sem
uma reflexão mais abrangente, ocasionando outros problemas. Precisamos ter o cuidado
para não sermos guiados por ela, ou como assevera BASTOS (1997, p.10), precisamos ter
nas mãos o poder de “controlar a tecnologia em vez de ser controlado por ela, eis a grande
questão”.
Pensar a tecnologia é pensar no futuro, suas implicações no ambiente social,
econômico e cultural. A nós educadores e educandos, cabe uma pergunta: de que adiantaria
vivermos numa sociedade altamente tecnológica, onde a exclusão e a miséria continuam a
fazer parte do quadro social?
A tecnologia é necessária. No entanto, precisamos refletir sobre suas concepções e
características, visando desta maneira condições de vida humana digna de ser vivida por
todos. Isto implicaria numa reavaliação dos caminhos percorridos e a percorrer pela
tecnologia, cabendo à educação tecnológica esta árdua e, ao mesmo tempo, feliz tarefa a
priorizar.
[...] a tecnologia, apesar de seu enorme poder, em última instância pode e deve ser controlada e usada com fins pacíficos e socialmente proveitosos. Isto só é possível se a tecnologia estiver nas mãos de pessoas verdadeiramente educadas – homens e mulheres cuja moral e capacidade intelectual tenham sido desenvolvidas ao máximo. Na nossa opinião, esta idéia resume, com autoridade, o grande objetivo da Educação Tecnológica (REIS, 1995, p.116 e 117).
A construção desta consciência crítica e reflexiva no que concerne ao processo de
construção dos conhecimentos tecnológicos, será o aspecto que trataremos a seguir quando
abordaremos o contexto da educação tecnológica.
43
3.3 As Concepções de Educação Tecnológica
Frente ao acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, torna-se necessário
que as instituições de ensino tenham uma visão ampla de educação tecnológica, onde as
tecnologias não se tornem algo que lhes possa transmitir “medo” ou “insegurança”, mas
que consigam perceber ao longo do processo suas tendências e os valores que permeiam
cada uma delas na sua mais profunda dimensão. Fato este que servirá de estímulo para
futuras mudanças nas práticas conservadoras, até então muito presentes nos
estabelecimentos de ensino.
Por educação tecnológica (ET) não concebemos o simples fato de os educadores
solicitarem aos educandos que, ao final do processo de ensino-aprendizagem, os mesmos
saibam construir um objeto ou uma determinada ferramenta, onde todas as atividades
desenvolvidas em sala de aula estão diretamente voltadas para este objetivo. Muito embora
estas práticas sejam realizadas com freqüência nos estabelecimentos de ensino tecnológico
como finalidade última, efetiva-se ali, naquele momento, uma educação puramente técnica
(o fazer pelo fazer); limitando a compreensão dos educandos no sentido de alcançarem
uma visão mais ampla e profunda das tecnologias.
Nos ensinos tecnológicos, são raras as práticas pedagógicas baseadas em trabalhar
opções de escolha entre as mais diversas tecnologias, a possibilidade de diferentes soluções
para resolver os problemas e suas implicações na sociedade como um todo. É comum ao
educador a tarefa de conduzir os educandos na direção de seus objetivos pré-estabelecidos,
e pior ainda, incutindo-lhes única e exclusivamente a necessidade de uma formação
profissional para o mercado de trabalho, reduzindo o sujeito aos valores do capital. De
44
acordo com GINESTIE (1999), estas práticas conduzem a um ensino da tecnologia
direcionado em função do novo perfil exigido para o mercado de trabalho, reduzindo as
atividades escolares a aplicações das técnicas. O ensino tecnológico nunca se preocupou
em estudar as razões profundas do ser humano.
É oportuno esclarecer a diferença entre o ensino tecnológico e a educação
tecnológica. O ensino tecnológico é mais restrito, limitando-se à transmissão de
conhecimentos técnicos aplicados nas práticas escolares no ambiente das escolas técnicas e
da rede de formação profissional. A educação tecnológica, por sua vez, tem por
fundamento as concepções amplas e profundas que envolvem a educação maior, em suas
vinculações com a tecnologia e a sociedade, ultrapassando assim a simples transmissão de
conhecimentos técnicos. Ela contempla a reflexão e a discussão da tecnologia em suas
dimensões sociais, culturais e econômicas, embasando e orientando todas as formas das
práticas escolares.
Alguns autores entendem a educação tecnológica apenas como uma adaptação dos
sujeitos frente às transformações tecnológicas, ou em seu sentido estritamente técnico,
adequação às necessidades do mercado de trabalho, ou ainda, limitando a educação
tecnológica apenas aos sujeitos de determinada área específica. Do nosso ponto de vista,
este entendimento restrito deve ser associado ao ensino tecnológico e não a educação
tecnológica que tem uma abordagem mais ampla. Neste sentido, alguns destes mesmos
autores, no decorrer de suas colocações, posicionam-se com uma visão mais ampla no que
diz respeito ao conjunto de conhecimentos e procedimentos que devem ser internalizados e
desenvolvidos no contexto da educação tecnológica.
45
Assim, no entender de NAVEIRA (1997, p.1), “chama-se educação tecnológica à
capacidade de atuação, de forma pró-ativa, no processo de adaptação das pessoas à
mudança tecnológica”.
Ou, de acordo com as colocações de BAPTISTA (1993, p.17):
Chamamos Educação Tecnológica ao conjunto de situações de ensino-aprendizagem que visam facilitar, nos educandos, a análise de conjunturas, estruturais ou contingentes, em que a técnica é o fator determinante; isto, no intuito quer de lhes ampliar e precisar a consciência do mundo, quer de neles operacionalizar essa consciência, tendo em vista uma futura participação ativa, bem sucedida, nos ambientes técnicos.
A educação tecnológica deve contribuir para a formação da personalidade dos
sujeitos, não apenas fornecendo subsídios para que os mesmos saibam programar o seu
videocassete, utilizar bem o datashow, ou a utilizar os computadores de última geração.
Sua preocupação não concerne única e exclusivamente a um ensino técnico, visando a uma
boa escolha de sua futura profissão, ou ainda, limitando o acesso de todos a uma educação
tecnológica. Mas esta educação deve ser orientada para que os sujeitos adquiram uma boa
noção do que sejam efetivamente as tecnologias e as conseqüências socioculturais de suas
escolhas.
As práticas tradicionais de ensino tecnológico, onde o saber é sistematizado,
livresco, formal e repetitivo, onde a forma adquire uma importância maior que os próprios
conteúdos, boicotam nos educandos a construção do saber que está em jogo conduzindo
desta maneira à redução dos conhecimentos, limitando-se apenas aos conhecimentos das
máquinas e ferramentas no seu aspecto meramente técnico.
Por estar relacionada ao ensino técnico no Brasil, a educação tecnológica necessita
rever suas concepções e fundamentos no que diz respeito às tecnologias, não apenas
repetindo gestos mecanicamente com simples aplicações técnicas, num adestramento ou
treinamento, mas num processo educativo de dialogar, refletir, organizar, registrar,
46
sistematizar e diferenciar as tecnologias que possam aumentar ou diminuir as
desigualdades sociais.
Corroboramos a posição de BASTOS (1997, p.6), ao afirmar que “a educação no mundo
de hoje tende a ser tecnológica e, conseqüentemente , exige entendimento e interpretação
das tecnologias”.
Ainda para o mesmo autor, BASTOS (1997), a educação tecnológica deve ser
trabalhada desde a pré-escola, não adjetivada, mas numa relação intersubjetiva; onde ela
não seja nem simples transmissora, nem simples aplicadora, mas intérprete das tecnologias,
conduzindo o sujeito a se inserir na sociedade. A educação tecnológica é investigadora,
num processo constante de pesquisa, proporcionando subsídios para que o próprio sujeito
organize sua vida. Nesta perspectiva, a educação tecnológica, por nascer da educação,
visará ao desenvolvimento dos sujeitos, proporcionando desta maneira a emancipação dos
mesmos.
Nesse contexto, REIS (1995, p.49), faz interessante análise quando aponta as
finalidades associadas à educação tecnológica, num estudo comparativo efetuado em
Portugal e na Inglaterra:
A Educação Tecnológica procura melhorar os indivíduos no sentido em que estes conheçam melhor as suas potencialidades e as suas fraquezas; tomem consciência de si mesmos; desenvolvam a capacidade de investigação, a autoconfiança e a independência; se tornem mais aptos a levantar questões do que em as aceitar; e se preparem para tomar decisões e aceitar a responsabilidade dessas mesmas decisões. [...] promova o desenvolvimento de indivíduos criativos, perspicazes, preocupados com o que os rodeia e confiantes. Desta forma, parece que a primeira finalidade da Educação tecnológica não é ensinar a usar a mais moderna peça de hardware, mas em perguntar quando e porquê ela deve ser usada.
Uma verdadeira educação tecnológica não se preocupa em “formar” o sujeito para
ser técnico em alguma coisa, mas prepará-lo como um todo para a vida. Que este sujeito
não dependa única e exclusivamente de uma profissão ou formação acadêmica para ser
47
feliz, mas que construa uma vida na escola que lhes dê subsídios para que possa continuar
pesquisando, aprendendo e se desenvolvendo na vida.
Enquanto a formação profissional prepara para o exercício de uma profissão ou de um leque de profissões (escolhendo-se, neste caso, o termo de ensino profissionalizante) a ET prepara para o exercício de todas as profissões ou, melhor dizendo, para o exercício de nenhuma profissão em especial. A ET pretende contribuir para a cultura geral do cidadão, sendo, por isso, integrada nos ciclos gerais dos sistemas de educação dos diversos países [...] (BAPTISTA, 1993, p.17).
Complementando esta posição, AZEVEDO (1991, p.92) afirma:
A educação tecnológica não se pode confundir, então, quer com a preparação para o exercício de uma profissão, quer com a manipulação de materiais ou a mera fabricação de objetos técnicos, quer ainda com uma “receita pedagógica” específica para alunos com dificuldades de aprendizagem, oriundos de meios sócioeconômicos mais desfavorecidos e mais ligados à produção.
Segundo PETEROSSI (1994), a educação tornou-se o fator de desenvolvimento
mais dinâmico dos conhecimentos científicos e tecnológicos devido ao seu estímulo
socioeconômico e por seu papel criador e difusor dos conhecimentos. A educação
possibilita que o estoque de saber acumulado seja difundido e ampliado o que facilitará ou
dificultará a novas descobertas. Através da elevação dos padrões culturais, o sistema
educacional se transforma em apoio aos sistemas científico e tecnológico e assegura o
progresso técnico equivalente às exigências econômicas e sociais do país.
Neste senetido, o principal objetivo de uma educação tecnológica é o preparo de
elementos competentes para desenvolver funções especializadas em determinado meio
socioeconômico. Para tanto, o educando precisa adquirir conhecimentos, desenvolver
habilidades de pensamentos e preparar-se para assimilar as mudanças e modificações das
estruturas provocadas pelo avanço contínuo dos novos conhecimentos e novas tecnologias.
Segundo PETEROSSI (1994, p.156), a educação tecnológica “visa preparar
indivíduos que conheçam, saibam fazer e tenham condições de responder a novos desafios.
48
O ritmo do avanço tecnológico não permite mais que se objetive a preparação de
profissionais somente para o fazer, já que este fazer não mais se reveste da posição de uma
conquista profissional duradoura, em face das mudanças aceleradas”.
A educação tecnológica deve, primeiramente, objetivar à preparação do docente a
partir da reflexão que integre o saber e o agir profissional, por meio de uma perspectiva de
educar para um sistema de educação tecnológica, voltado a um desenvolvimento
tecnológico e com o alcance socioindividual, ou seja, o docente deve ter um mínimo de
conhecimentos tecnológicos frente às exigências que concretamente o ensino apresenta.
A educação tecnológica deve colocar como base de suas ações a criatividade, pois o
avanço da tecnologia exige criatividade que torna-se essencial e que se dá por meio da
constante criação de instrumentos e mecanismos que se coloquem a serviço do homem.
Juntamente à criatividade, deve possibilitar a participação dos integrantes do processo de
modificações das exigências do meio. Por isso “deve formar elementos dotados de
conhecimentos e habilidades que os capacitem a acompanhar as mudanças. Ora, a
formação de indivíduos capazes pressupõe a existência de docentes que se mantenham
atualizados e tenham como preocupação básica despertar e manter em seus alunos a
curiosidade pelo saber, a disponibilidade para mudar, o desafio de criar novas respostas às
situações vivenciadas” (PETEROSSI, 1994, p.160).
Em outras palavras, a formação de docentes para o ensino tecnológico precisa
responder ao desafio de unir numa mesma proposta educacional as prioridades do
desenvolvimento tecnológico e os imperativos da formação integral dos elementos que irão
utilizar e gerar o conhecimento.
Assim, a educação tecnológica tem seus fundamentos na educação geral, embora
também o possa fazer no ensino profissionalizante, buscando desenvolver nos educandos
49
uma visão ampla dos diferentes aspectos e contextos que compõem a tecnologia. Trata-se
de fornecer subsídios aos cidadãos não apenas para exercer bem uma profissão, mas para
que possam atuar bem em diferentes profissões; e o mais importante, uma educação que
lhes proporcione uma formação para se construir a verdadeira cidadania como indivíduos
emancipados com vistas à plena realização ao longo da vida. Este é um desafio para a
educação tecnológica: desenvolver nos sujeitos a reflexão crítica e a autonomia.
Estudar, aprender e desenvolver-se estão se tornando processos a serem conduzidos ao longo de toda a vida. Da mesma forma, as instituições de ensino precisam passar a considerar que não mais deverão preparar as pessoas para o momento seguinte à formatura ( ou seja, para o ingresso no mercado de trabalho), mas sim para que, após este momento, estas estejam autonomamente capacitadas a prosseguir estudando, aprendendo, e se desenvolvendo (NAVEIRA, 1997, p.4).
Dessa forma, pensar na construção de saberes, não se limita a repetir
mecanicamente os mesmos gestos várias vezes, assim como a construção do conhecimento
não se limita à elaboração de uma atividade. Faz-se necessário que os educandos tenham
uma maior compreensão sobre as dimensões que envolvem as tecnologias, no seu contexto
histórico, cultural, econômico e social.
Refletir sobre a tecnologia pronta e acabada limita as possibilidades de se analisar
seus reflexos e conseqüências, permanecendo assim nos moldes de uma visão cartesiana,
que considera o fazer de maneira exclusivamente material e segmentada. É necessário que
se tenha claro, a evolução histórica e os interesses que permeiam as tecnologias.
Os conteúdos trabalhados em sala de aula, numa relação constante entre teoria e
prática, devem ser elementos de pesquisa, onde os educandos em conjunto busquem
soluções para os problemas que surgem na perspectiva de encontrarem respostas para suas
indagações, como, por exemplo, a viabilidade de determinada tecnologia na sociedade,
seus impactos e suas funções (de construção ou destruição dos sujeitos). Nesta perspectiva,
50
consideramos que, “além dos conhecimentos, os profissionais que formamos devem ter
ética e noção dos reflexos de sua ação profissional [...]” (RIBEIRO, 1995, p.265).
As atividades desenvolvidas numa educação tecnológica, não devem visar única e
exclusivamente a atividades práticas, onde os sujeitos ficam reduzidos a meros
observadores das atividades que realizam. Os sujeitos não podem ser considerados simples
executores de ações (prática pela prática), mas precisam realizar estas ações de forma
comunicativa com os outros sujeitos, garantindo desta maneira uma construção efetiva
sobre os conhecimentos em tecnologia, ampliando, desta forma, sua visão sobre a
tecnologia, não de maneira restrita, local, mas com uma visão mais totalizante e global.
Face ao exposto, depreende-se que a compreensão de educação tecnológica nasce
de uma concepção ampla de educação, ou como afirma BASTOS (1997) trata-se da
educação em interação com a tecnologia.
Entendemos por educação tecnológica, todo um processo de formação que atinge
os educandos (para todos e em todos os níveis) de maneira comunicativa, que vise a
facilitar o acesso a uma maior compreensão do desenvolvimento tecnológico. É preciso
entender seu processo histórico de concepção, elaboração, inovação e difusão; ter plena
consciência de como se faz, para quem, do porquê se faz assim e não de outra maneira,
ampliando a consciência dos educandos sobre os benefícios ou malefícios que a tecnologia
poderá trazer para a sociedade como um todo.
A construção auto-suficiente do sujeito social competente amplia-se no aprender a
aprender, uma vez que educação, ciência e tecnologia são decisivos para as mudanças dos
tempos atuais.
Segundo DEMO,
O aprender a aprender indica uma visão didática composta de dois horizontes entrelaçados, pervadidos pela competência fundamental do ser humano, que é a competência de construir a competência (grifo do autor), em contato com o mundo, com a sociedade, num
51
processo interativo produtivo. (...) Falando-se de educação, a socialização privilegia a apropriação de normas, valores, culturas e saberes relacionados com a formação do sujeito histórico, sobretudo os patrimônios do conhecimento. Trata-se do campo mais específico da aprendizagem, mais voltada a cobrir conteúdos úteis ou necessários ao desempenho social (1997, p.213-214).
O aprender a aprender distancia-se do armazenamento de conhecimento copiado,
do decorar, fazer prova, reproduzir e imitar o saber. Privilegia o questionamento que
constrói a teoria e a prática e intervém na realidade. Não combina com ofertas extensivas e
reproduzidas por professores que ensinam mas não pesquisam nem detêm a capacdidade de
produzir o próprio conhecimento.
Conhecer é, portanto, construir saberes, ter a habilidade de manejar e de produzir
novos conhecimentos em sentido ativo, produtivo e construtivo. Repassar meramente o
conhecimento, por um professor que imita, coloca o aluno na atitude passiva, receptiva,
copiadora e imitativa, dificultando o seu próprio desenvolvimento.
Construir essa didática do aprender a aprender no contexto da sociedade do
conhecimento, da sociedade globalizada, reagindo contra atitudes arcaicas, tais como: a
redução do professor a ministrador de aulas, ou a figura que apenas transmite
conhecimentos; entendimento da prática como atividade desvinculada da teorização. O
desafio está em saber pensar, cultivar o espírito crítico e questionador (DEMO, 1997).
A razão maior da educação tecnológica, por se tratar também de um processo
ensino-aprendizagem, é movida pela dinâmica humana, visando à possibilidade de troca
entre os parceiros, ao entendimento das ferramentas, à construção coletiva do
conhecimento, à criatividade e ao entendimento das tecnologias.
A educação tecnológica tendo como um dos princípios básicos a tecnologia,
desempenha um papel importante em ensinar a perceber as evoluções científicas e
tecnológicas que vêm ocorrendo, desde os tempos mais antigos até o momento
contemporâneo. Entender a importância e o valor das ferramentas antigas que
52
representavam para a sua época e com isso perceber as inovações e difusões que foram
sendo alcançadas. Enfim, levar o educando a adquirir ao longo do processo educacional, a
consciência de que nem sempre as tecnologias importadas ou de última geração, são as
mais apropriadas para determinada cultura.
Precisamos pensar numa educação tecnológica, como já foi colocado
anteriormente, para todos e em todos os níveis (ensino básico ou profissional), onde a
relação sujeito-tecnologia seja próxima e não distante, para perceber o valor das
tecnologias tradicionais e sua importância no processo de aperfeiçoamento das novas
tecnologias que fazem parte do cenário atual.
Os avanços tecnológicos hoje presentes fazem com que as instituições escolares
repensem suas práticas, objetivando metodologias de ensino que incentivem a troca, o
diálogo e a comunicação entre os atores. O ensino tradicional se dá através da transmissão
de conhecimentos predefinidos e acabados, mas segundo Habermas, estes conhecimentos
devem ser gerados e inacabados, o conhecimento deve ser coletivo, pois quanto mais se
comunica mais se aprende. Isto significa transformar o ensino numa pesquisa.
Nossa intenção é a de transformar estas práticas de ensino-aprendizagem num
laboratório de conhecimentos, onde todos, educadores e educandos, sejam agentes de
transformação, em que a geração desses conhecimentos seja fruto de ações comunicativas
entre os atores envolvidos e a meta para quem ensina e para quem aprende não seja
armazenar conhecimento, mas a forma compartilhada de abordar os conhecimentos.
Segundo a teoria de Habermas, os sujeitos que fazem parte do sistema educacional,
não podem ou não deveriam estar atrelados a nenhum interesse do mundo do sistema, pois
trata-se de um processo emancipador baseado nas relações intersubjetivas, onde neste local
todos, construiriam gradativamente um saber e sua história pessoal. Este é o desafio que
53
colocamos para o próximo capítulo: o de construir um referencial de ação para a educação
tecnológica, baseado na Teoria da Ação Comunicativa, explorando as dimensões didático-
pedagógicas.
54
CAPÍTULO IVCAPÍTULO IVCAPÍTULO IVCAPÍTULO IV
UM REFERENCIAL PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA
A Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas não estuda a educação
tecnológica diretamente, no entanto, deixa margens para colhermos possíveis contribuições
em benefício da educação tecnológica. A obra de Habermas fornece fundamentos para
trabalhar num processo conjunto entre teoria e prática, para perceber as tensões entre o
mundo da vida e o mundo do sistema numa dinâmica conjunta que envolve a educação
tecnológica.
Como já foi descrito no capítulo anterior, referimo-nos a uma educação tecnológica
para todos e em todos os níveis, onde o conhecimento tecnológico vai sendo aos poucos
construído com possibilidades de questionamentos e revisão, a partir das relações
intersubjetivas entre os sujeitos.
Pensar em ações pedagógicas sob a ótica habermasiana, remete a pensar a educação
tecnológica numa dimensão que ultrapasse as simples aplicações técnicas, onde a relação
sujeito-objeto centra-se numa razão instrumental, mas, em oposição a esta, buscamos a
relação sujeito-sujeito como ponto de referência para trabalhar a formação dos sujeitos
numa prática pedagógica que vise a um maior entendimento das tecnologias na sua mais
profunda dimensão, baseado numa razão comunicativa.
Nada do que iremos apresentar ou propor se coloca como produto final. Para ser
válida, a verdade não é de ninguém, não só pode, como deve ser sempre rediscutida,
55
reavaliada, para se chegar a um consenso, a um entendimento. Nas palavras de BASTOS
(1998, p.53), “ninguém é dono da verdade, nem mesmo Jürgen Habermas. Entretanto, suas
mensagens não são apenas filosóficas, são econômico-sociais e têm muito a ver com as
relações da educação tecnológica com a ciência e a tecnologia”.
Dando continuidade, analisaremos as contribuições de Jürgen Habermas mais
significativas que poderão nortear as ações pedagógicas no âmbito da educação
tecnológica, que deve ser crítica, reflexiva e comunicativa, tendo como fundamento a
Teoria da Ação Comunicativa, visando fundamentalmente a desenvolver a autonomia e a
emancipação dos sujeitos. A ação comunicativa é profundamente educativa, eis a grande
questão.
Na seqüência, introduziremos o conhecimento sob a ótica de uma racionalidade
comunicativa, e sua relação nos contextos de entendimentos lingüísticos.
4.1 O Conhecimento na Perspectiva de uma
Racionalidade Comunicativa
Neste momento, buscamos alcançar uma relação entre a Teoria da Ação
Comunicativa de Jürgen Habermas e a construção do conhecimento visando ao
desenvolvimento da educação tecnológica.
A teoria habermasiana fornece fundamentos para refletirmos sobre a questão do
conhecimento no âmbito da educação tecnológica, pois quando Habermas descreve sobre
as razões mais profundas que permeiam cada um dos paradigmas, tornam-se evidentes as
relações que acontecem no interior dos mesmos. Enquanto no paradigma da consciência ou
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do sujeito a relação se dá através da interação do sujeito com o objeto, em contrapartida,
vemos no paradigma da linguagem ou da comunicação uma relação baseada em ações
comunicativas entre os sujeitos a respeito de determinado objeto ou situação. Ou como
afirma BOUFLEUER (1997, p.60): “ao inserirmos nossa reflexão no paradigma da
comunicação o esforço não consistirá em saber como o sujeito pode conhecer e dominar
objetos ou situações, mas como ele pode chegar a um entendimento com outros sujeitos
sobre algo no mundo”.
Neste sentido, a Teoria da Ação Comunicativa, que tem como um dos objetivos
estudar a razão na sua mais profunda dimensão, visando a um projeto emancipador, mostra
que o conhecimento a ser construído percorre diferentes caminhos. Enquanto no paradigma
da consciência, o conhecimento é obtido por uma racionalidade centrada no sujeito onde
impera uma razão instrumental, no paradigma da linguagem o conhecimento é obtido por
uma racionalidade centrada na comunicação, onde a linguagem desempenha um papel
fundamental.
Segundo HABERMAS (1997, p.506), a Teoria da Ação Comunicativa se propõe “a
investigar a “razão” inscrita na própria prática comunicativa cotidiana e reconstruir, a
partir da base de validez da fala, um conceito não reduzido de razão (grifo do autor)”.
Tradicionalmente, a construção do conhecimento nos estabelecimentos de ensino
tecnológico acontecem de maneira sistemática, rígida e formal. A Teoria da Ação
Comunicativa é contra os sistemas rígidos e fechados; assim como é também contrária ao
pensamento mecanicista, não dialético, sem compromisso com as tecnologias e com o
homem na sociedade em geral. Neste sentido, Habermas leva a pensar numa educação
tecnológica, baseada em reflexões e negociações num contexto histórico-dialético, onde o
57
sujeito em relação com os outros sujeitos é gerador de sua própria história, preocupado
também com as questões humanas e sociais.
Infelizmente, a fragmentação do conhecimento conduz a uma racionalidade
instrumental e selvagem tão criticada por Habermas, racionalidade esta presente nas
sociedades capitalistas ocidentais onde impera uma razão instrumental, cartesiana,
solitária, mecânica, abstrata, linear e lógica-formal, voltada basicamente aos aspectos
cognitivos do sujeito para a manipulação dos instrumentos, o domínio das técnicas, o
controle das tecnologias, objetivando acima de tudo o dinheiro e o poder.
A relação ensino-aprendizagem nos estabelecimentos de ensino tecnológico,
normalmente trabalha a questão do conhecimento como um conteúdo a ser transmitido
para os educandos, pois estes são considerados na sua grande maioria como meros
recipientes vazios, onde neste caso o educador, detentor da verdade absoluta, transmitiria
para estes recipientes vazios (os educandos) os conteúdos pré-selecionados, muitas vezes
abstratos e sem relação com a práxis da vida cotidiana, como sendo os mais importantes e
fundamentais. As palavras de BAZZO (1998, p.105-106) assim confirmam: “considera-se,
em especial na área técnica, o aluno como um recipiente vazio de conhecimentos, técnicos
e científicos. Tal visão remonta às bases positivistas [...], que professam a neutralidade dos
indivíduos e a sublimação da ciência como verdades absolutas”.
Neste aspecto, temos uma passagem de Habermas que nos leva a refletir na relação
educador x educando que ocorrem no interior da sala de aula, onde a verdade não é de
ninguém, onde o conhecimento não é pura transmissão nem repasse de informação, mas
juntos num processo de intercompreensão buscam construir um conhecimento que é
provisório, baseado em negociações e entendimentos comunicacionais.
58
Os intérpretes renunciam à superioridade da posição privilegiada do observador, porque eles próprios se vêem envolvidos nas negociações sobre o sentido e a validez dos proferimentos. Ao tomarem parte em ações comunicativas, aceitam por princípio o mesmo status daqueles cujos proferimentos querem compreender. Eles não estão mais imunes às tomadas de posição por sim/não dos sujeitos de experiência ou dos leigos, mas empenham-se num processo de crítica recíproca. No quadro de um processo de entendimento mútuo – virtual ou actual – não há nada que permita decidir a priori quem tem de aprender de quem (HABERMAS, 1989, p.43).
Para Habermas o conhecimento à luz de uma racionalidade comunicativa se dá
através da competência para o diálogo, na possibilidade de troca, no entregar-se ao outro,
respeitando as diferenças e partilhando o mundo vivido, na compreensão histórica das
tecnologias em seu contexto social, político, e cultural. Para o referido autor, quanto mais
se comunica, mais se aprende, mais se sabe, mais se conhece. Neste enfoque,
conhecimento é entendimento entre educadores e educandos, a respeito de algo do mundo
objetivo, social e subjetivo.
Esta compreensão de conhecimento, como prática social construída
intersubjetivamente, remete a pensar sobre a educação tecnológica onde as ações
pedagógicas sejam partilhadas, objetivando a construção de um laboratório de
conhecimento. Com muita propriedade, BASTOS (1998, p.85) nos diz que: “o laboratório
de conhecimento, a ser elaborado pelos atores do ensino tecnológico, é a experiência
compartilhada entre agentes de transformação das tecnologias – professores e alunos –
todos partícipes de um saber compartilhado e feito das histórias de cada um”. E ainda,
corroboramos a afirmativa de BAZZO (1998, p.110) de que, os alunos neste ambiente “são
considerados membros ativos do processo, possuidores agora de conhecimentos [...] a
serem trabalhados, transformando-se em partícipes da construção histórica do seu tempo”.
A interação que ocorre neste processo é fundamental. Poderíamos dizer que ela faz
com que ocorra uma verdadeira aprendizagem. Neste processo não existe um
direcionamento preestabelecido por parte do educador de forma sistemática e rígida a ser
59
seguido, mas, aos poucos, todos os envolvidos vão construindo os conhecimentos numa
aprendizagem de falar e ouvir, ver e sentir, construir e reconstruir. O conhecimento não se
reduz a um ato cognitivo que é transmitido pelo educador, mas são dadas as condições
necessárias para que o educando os construa e os aplique às reais necessidades, fruto de
experiências e de vivências compartilhadas.
A aprendizagem na teoria tradicional é vista como “armazenagem de
conhecimento” enquanto na ótica habermasiana é uma aquisição compartilhada de saberes.
A racionalidade, assim como o conhecimento, é um processo de aprendizagem, visto que,
“o conhecimento tem uma estreita relação com a racionalidade, já que esta se traduz como
forma de saber, conhecer, compreender, dar razões” (PRESTES, 1996, p.113).
Nesta perspectiva, Habermas propõe que se construa, no interior da sala de aula,
uma racionalidade vista como um processo permanente, concreto, compartilhada e
solidária com a pluralidade das vozes que ali se encontram, baseada em ações
comunicativas. Um conhecimento que não é transmitido “como receitas prontas”, mas,
pelo contrário, os conteúdos vão sendo elaborados aos poucos por todos no laboratório de
conhecimento (que seria a sala de aula). Neste local todos sabem, todos trazem consigo
experiências do mundo vivido que são próprias dos sujeitos. Experiências estas que devem
ser partilhadas, para se chegar a um conhecimento que nunca será completo e finito, mas
sempre provisório e relativo.
Neste sentido, convém lembrar as palavras de CORACINI, citado por BAZZO
(1998, p.298-299), de que o conhecimento pode ser visto sob dois aspectos, quando
escreve que:
Na escola vigente, o texto – científico, pedagógico, literário - , escolhido pelo professor, em função de um determinado conteúdo a ser desenvolvido, é o veículo do saber institucionalizado e, portanto, autorizado e, como tal não pode ser, ou quase nunca é, questionado, sobretudo porque representa o saber aceito e
60
‘conservado’ por uma comunidade [...]. Na visão que defendemos, todo saber pode ser questionado, ou pelo menos, deve ser visto na sua relatividade à situação de enunciação: momento histórico social, local geográfico, enunciadores, intencionalidade, tipo de discurso [...]. Uma vez aceito tal princípio, a única atitude possível, da parte do professor, na situação pedagógica de orientação dialógico-discursiva, será a de aceitar tal pluralidade e não querer reduzir tudo a uma única leitura, a um único ponto de vista, a um único padrão: o seu ou o do livro didático. Isso não significa ‘anarquizar’ as estruturas, romper definitivamente com as convenções sociais [aqui talvez as convenções acadêmicas sejam as mais dogmáticas e enraizadas], culturais e textuais vigentes, mas ajudar o aluno a assumir aquele aspecto convencionalizado, conceito ou conhecimento, não como uma verdade absoluta e universal, mas em toda a sua relatividade, como algo que pode ser mudado.
Nesse contexto, é fundamental que o educador trabalhe em sua prática pedagógica,
a construção e a formação da racionalidade no educando. No entanto, buscamos uma
racionalidade que não seja a cognitivo-instrumental que reduz a razão a ações vinculadas à
obtenção de determinados fins, tão fortemente presente nas práticas pedagógicas; mas uma
educação tecnológica que pense em trabalhar a formação de uma racionalidade baseada em
ações que incentivem as interações entre os sujeitos, na busca de um discurso voltado para
a verdade e para o entendimento. Pois, segundo HABERMAS (1997, p.459 ), “à medida
que as interações não ficam coordenadas através do entendimento, a única alternativa é a
violência que uns exercem contra os outros (de forma mais ou menos sublimada, de forma
mais ou menos latente)”.
Nas interações que ocorrem entre os sujeitos, ficam evidentes para os atores
envolvidos as formas de ações que permeiam as interações, se uma ação estratégica de
manipulação ou uma ação comunicacional. Para HABERMAS (1997, p.456), “a ação
estratégica e a ação comunicativa são introduzidas, portanto, como dois tipos autênticos de
interação. [...] os atores mesmos, em cada fase de uma interação, ainda que só seja de
forma vaga e intuitiva, podem saber se, de frente aos demais participantes, estão adotando
uma atitude estratégico-objetivante ou uma atitude orientada ao consenso”.
61
Ainda, para o mesmo autor, HABERMAS (1997), os sujeitos que atuam
estratégicamente, quer dizer os sujeitos que pensam de antemão em agir com más
intenções, pela realização de seus planos de ação, a comunicação lingüística é um meio
como qualquer outro; servem-se da linguagem para empregar ações manipulativas,
adotando um comportamento de beneficiar-se do outro sujeito como se o mesmo fosse um
instrumento, para o próprio êxito de sua ação.
Podemos perceber, portanto, que no nosso cotidiano são comuns ações voltadas ao
êxito e ações voltadas ao entendimento. No entanto, no contexto da educação tecnológica,
a sala de aula torna-se um espaço privilegiado de interações. Neste aspecto nos parece
evidente que os sujeitos envolvidos no processo não deveriam se utilizar da linguagem
para agir estratégicamente, induzindo e manipulando o outro em benefício de seu próprio
êxito, mas sim, adotar um agir comunicativo baseado no reconhecimento intersubjetivo, na
reflexão sobre os efeitos e conseqüências dos atos, orientados ao entendimento.
Estes conceitos, à luz da teoria habermasiana, implicam em refletir sobre as
possíveis ações que poderiam ocorrer no contexto de uma sala de aula e ou da escola.
Ações estas que podem impedir ou favorecer uma visão mais ampla sobre os efeitos sociais
da tecnologia. Neste sentido, educadores e educandos, agindo comunicativamente sobre as
dimensões da tecnologia, seria a forma ideal para combatermos a visão de que a tecnologia
é neutra. Na verdade, agindo comunicativamente, as interações pedagógicas podem munir-
se de instrumentos legais (propostas inovadoras e/ou transformadoras), no sentido de
beneficiar as camadas sociais marginalizadas que sofrem ou que foram manipuladas, com
tecnologias que foram concebidas, projetadas e implantadas na perspectiva do agir
estratégico, visando única e exclusivamente ao próprio êxito de quem a concebeu e/ou
implantou.
62
Na seqüência, abordaremos alguns aspectos básicos necessários a uma prática
pedagógica ancorada na filosofia de Habermas.
4.2 Prática Pedagógica Ancorada na Filosofia
Habermasiana
Pensar a prática pedagógica ancorada na filosofia habermasiana, tem validade para
as diferentes instâncias do processo educacional, seja na relação educador-educando, seja
na sala de aula como um espaço democrático ao resgate do mundo vivido, enfim, um
trabalho que trará modificações, exigindo uma constante postura crítica dos atores
envolvidos frente a suas práticas.
4.2.1 Inter-Relações Educador-Educando
As contribuições de Habermas poderão modificar profundamente as relações
educador-educando, o que significaria modificar o ensino tradicional. Habermas propõe o
entendimento entre os sujeitos, respeitando os vários pontos de vista dos diferentes atores
envolvidos, enriquecidos pela prática do mundo vivido. As diferenças não serão ameaçadas
ou postas em xeque, mas serão estimuladas e incitadas. Segundo BAZZO (1998, p.66) “é
exatamente nas diferenças que aparecem as grandes construções intelectuais e, por
conseqüência, a geração de novos conhecimentos”. Nesta abordagem, é fundamental que
se incentive nos educandos a capacidade de expressarem seus diferentes pontos de vista,
63
respeitar o interesse particular de cada um, extrair seus mundos da vida, questionar as
contradições, num debate dialético, não apenas em relação aos processos e produtos
tecnológicos, mas ao conjunto de conhecimentos e procedimentos a serem assimilados e
desenvolvidos.
No entendimento de HABERMAS (1997), neste ambiente (sala de aula), todos os
participantes teriam as mesmas oportunidades de expressar atos de fala que consideram
verdadeiros ou sinceros, para expressar seus diferentes pontos de vista, seus sentimentos e
seus desejos. Assim como podem aceitar ou opor-se aos demais participantes numa crítica
construtiva e não a que oprima, de modo que ninguém saia prejudicado, num ambiente
onde prevaleça o consenso e o entendimento, baseado numa democracia participativa.
Conforme HABERMAS, citado por SIEBENEICHLER (1994, p.169),
O conceito de “entendimento”, que é utilizado por Habermas para explicar a racionalidade e o agir comunicativo, é um conceito central e complexo. Ele está sempre referido a linguagens e comunicações, sendo utilizado em dois sentidos principais: a) como compreensão do significado de atos de fala; b) como produção do entendimento, isto é, a realização do consenso entre participantes da comunicação acerca de fatos, objetivos, avaliações, normas sociais e experiências, vivências subjetivas. Neste sentido, o entendimento caracteriza o próprio processo comunicativo, voltado ao consenso. E constitui um conceito dinâmico.
Praticar o exercício do consenso na sala de aula e que tenha como apoio a filosofia
habermasiana, que é uma prática extremamente democrática, poderia ser um bom começo.
Porém, bem sabemos que este processo é lento e gradual, tornando-se assim necessário que
se inicie este trabalho na pré-escola, para que educadores e educandos estejam
gradativamente aptos a fazer “contratos pedagógicos” (na escolha dos conteúdos e/ou
temas a serem trabalhados, pesquisados, etc), mediados pelo entendimento lingüístico.
Tudo isso num processo de discussão crítica, num exercício de argumentar e contra-
argumentar, para que as ações que irão nortear o processo de ensino-aprendizagem sejam
64
compreensíveis para todos os atores envolvidos. A democracia, nas palavras de
HABERMAS (1994, p.101), significa “as formas institucionalmente garantidas de uma
comunicação geral e pública, que se ocupa das questões práticas: de como os homens
querem e podem conviver sob as condições objetivas de uma capacidade de disposição
imensamente ampliada”.
Neste ambiente, os conteúdos a serem trabalhados, as atividades propostas, serão
sempre objeto de discussão e redefinição. Os conhecimentos não serão meras transmissões,
onde os educandos aceitam passivamente, mas farão parte de um processo ativo e dinâmico
que se concretiza através do diálogo, numa relação constante de construção e reconstrução
das situações problemas que se apresentarem.
É fundamental que na sala de aula o educador desenvolva nos educandos a
capacidade de comunicação, formando sujeitos questionadores onde as verdades são
falíveis. Segundo DEMO (1994, p.22) “a verdade não é de ninguém e pode sempre ser
rediscutida naquilo que depende de consenso para ser válida”.
Mesmo que este exercício do consenso pareça ser complicado e gere a maior
polêmica, a prática do mesmo, na compreensão de BASTOS (1998), enriquece as
experiências em sala de aula, pois quando abordamos um tema, trabalha-se o todo e as
partes, numa visão não fragmentada, sistêmica do processo. A “polêmica”, que a princípio
possa parecer oriunda deste exercício, vai aos poucos transformando-se na sua maior
simplicidade, à medida que os sujeitos envolvidos vão dialogando sobre o assunto.
Adotando o mesmo raciocínio, BAZZO (1998, p.108) diz que não podemos ficar
atrelados aos comportamentos conservadores, percebendo que o exercício do consenso
também configura-se como importante, pois caso contrário “as aulas expositivas
silenciosas, bem organizadas, que permitam a atuação neutra dos indivíduos dela
65
participantes, por exemplo, afiguram-se como mais proveitosas, porque permitem
transmitir mais e melhor o conteúdo. As possíveis ‘perturbações’ que poderiam quebrar a
seqüência da transmissão do conteúdo ficam assim afastadas, garantindo um fluir lógico da
reprodução dos conhecimentos já estabelecidos”.
O desafio para a mudança implica em rever as posturas trabalhadas na práxis
pedagógica, pois bem sabemos que as ações muitas vezes comunicam mais que as próprias
palavras. Comprometer-se com uma prática comunicativa no processo de ensino-
aprendizagem de forma verbal é uma coisa, porém sua prática concreta no cotidiano nem
sempre condiz com o discurso. Superar as ações de uma educação tecnológica
conservadora, quase sempre individualista, elitizante e autoritária, parece ser “uma luz no
final do túnel”, onde o educador, agindo sobre os fundamentos da Teoria da Ação
Comunicativa, poderá utilizar-se do diálogo para romper com esta prática tradicional, em
busca de uma democracia participativa.
A prática pedagógica que buscamos construir é a do conhecimento, baseado no
novo paradigma proposto por Habermas, onde, coletivamente, educadores e educandos
partilham suas vivências e experiências utilizando-se da linguagem para construir um
conhecimento que é inacabado e temporário. Buscamos um ensino que valorize a pesquisa
como um processo histórico, de busca, de investigação, na elaboração e construção dos
conhecimentos. Um ensino com pesquisa, que possibilite a construção do conhecimento,
utilizando metodologias de ensino que estimulem os educandos a trabalhar em parcerias,
em grupos, em interação com os outros sujeitos, para que juntos construam um
conhecimento em base sólida, digno do desafio pelo qual se defrontarão nos diferentes
caminhos que irão percorrer. Este conhecimento é fruto de uma aprendizagem que se
66
concretizou através da articulação entre o mundo da vida e o mundo do sistema, onde a
sala de aula torna-se um espaço privilegiado no resgate do mundo vivido.
4.2.2 A Sala de Aula: um Espaço do Mundo Vivido?
A estrutura da sociedade moderna é muito complexa. Devido a este fato, por
questões didáticas Habermas, entende a sociedade dividida em dois grandes mundos: o
mundo do sistema e o mundo da vida. O mundo da vida que HABERMAS (1997)
apresenta é um saber de fundo, um saber implícito, de conhecimentos tácitos, um saber
holísticamente estruturado. É também o lugar das relações sociais espontâneas, dos
vínculos não questionados, das certezas pré-reflexivas. Nessa abordagem, o mundo da vida
aparece como um contexto formador de horizonte dos processos de entendimento, visando
à atualização e à possibilidade de futuras ações.
A escola, por sua vez uma instituição burocrática, é o mundo do sistema. No
entanto, quando nos referimos às interações que ocorrem na escola e, mais
especificamente, na sala de aula onde o mundo vivido está presente, é fundamental que
ambos (mundo da vida e mundo do sistema) caminhem juntos.
O estudo de PRESTES (1996, p.84) sobre educação e racionalidade, mostra-nos de
forma muito interessante que, “na teoria de Habermas há, por um lado, o mundo da vida
dos grupos sociais em que as ações são coordenadas pelo entendimento e, por outro, o
mundo do sistema que se regula a si mesmo através das ações em relação a fins.
Considerações isoladas de cada um deles resultam em unilateralismo”.
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Buscamos uma prática pedagógica fundamentada nos processos de entendimento,
onde o mundo do sistema não apenas respeite, mas valorize e dê oportunidades para que o
mundo da vida tenha espaço para se expressar.
Nas instituições burocráticas, as ações são muito formais, impedindo sobremaneira
a participação dos sujeitos numa interação que vise algum tipo de entendimento. Esta
postura faz com que o mundo do sistema sufoque o mundo da vida, ou ainda, conforme
HABERMAS (1987a, T.2, p.409) estas atitudes são “uma ameaça à liberdade pedagógica e
à iniciativa dos professores”.
Habermas convida-nos a refletir sobre a possibilidade de uma interação entre o
mundo da vida e o mundo do sistema, onde ambos, através de entendimentos lingüísticos,
possam conviver pacificamente. Quando dissociados, o mundo do sistema
tradicionalmente impera absoluto sobre o mundo da vida, ocorrendo desta forma o que
Habermas chama de “colonização do mundo da vida”.
Normalmente a prática pedagógica baseia-se na razão instrumental, que
menospreza o mundo da vida e valoriza o sistema. Para que o mundo da vida não seja
colonizado pelo mundo do sistema, a situação pedagógica que ocorre na sala de aula não
precisa nem deve desprender-se do sistema, mas torna-se fundamental neste processo que
os educadores incorporem e apreciem nesta dinâmica, as sutilezas e as riquezas do mundo
vivido, pois a aprendizagem ocorre na articulação entre o mundo vivido e o mundo do
sistema.
O ensino tecnológico não se esgota num trabalho realizado em sala de aula, muitas
vezes limitado a conteúdos que perderam o nexo entre a escola e o mundo vivido.
Normalmente na relação educador-educando, que acontece na sala de aula, não existe um
trabalho de sintonia, nem de trocas que correspondam aos interesses e necessidades dos
68
educandos, gerando um ambiente de exclusão, de conflitos e de negação dos direitos
básicos. No entanto, precisamos romper com esta prática redutora, respeitando as
diferenças individuais e os saberes implícitos dos educandos, como também viabilizando
oportunidades igualitárias de utilização da linguagem para a construção do processo de
discussão crítica no âmbito do desenvolvimento tecnológico. BAZZO (1998, p.31) também
se preocupa com estas questões, quando afirma que, “com base nesses aspectos, não se
pode apenas apostar em técnicas didáticas esporádicas, que na realidade constituem uma
pedagogia ingênua e ineficaz, mas sim num aperfeiçoamento profundo dos conteúdos
daqueles que construirão o conhecimento científico-tecnológico do país.
O mundo da vida é um pano de fundo que fornece subsídios para que educadores e
educandos alcancem um entendimento através de ações comunicativas. Corroborando este
raciocínio, BASTOS (1998, p.70) é muito feliz ao descrever as profundezas que envolvem
o mundo da vida quando diz que “[...] o fundamental no mundo da vida é o entendimento
de todos e o esclarecimento dos pontos de vista. O entendimento lingüístico não é
puramente verbal, mas existencial, pois resguarda a unidade na multiplicidade das vozes”.
Habermas nos convida a aproveitarmos os conhecimentos e experiências que os
educandos trazem para a sala de aula (seus mundos vividos), considerando estes como um
ponto de partida para a construção de um trabalho político-pedagógico do educador e da
escola (mundo do sistema) como um todo. Pois bem, sabemos que, em cada sala de aula
existe um universo rico de experiências “fervilhando”, e caberá ao educador integrar este
mundo vivido ao cotidiano de sua prática, para que a sala de aula se torne realmente um
espaço de vida. Com efeito, para HABERMAS (1997, p.495) “como recurso, o mundo da
vida cumpre, pois, um papel constitutivo nos processos de entendimento”.
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A sala de aula, que é um local de muitas interações, onde os sujeitos trazem
consigo experiências e vivências que lhes são próprias, o educador deve extrair dos
educandos seus mundos da vida, seu interior, para juntos orientarem suas ações de forma
consciente. A interação entre os sujeitos é fundamental para a concretização de uma
pedagogia crítica, reflexiva e comunicativa. Concordamos com PINENT (1996, p.154), no
sentido de que “uma pedagogia só tem possibilidades de se efetivar na medida em que
chegar à sala de aula. A interação do professor com seus alunos dentro de uma sala de aula
forma a célula fundamental onde se operacionaliza (ou não) um processo pedagógico”.
Ou ainda, acreditamos no trabalho de uma pedagogia baseada em ações
comunicativas, que BOUFLEUER (1997, p.83) conceitua muito bem, como sendo “ aquela
que, da parte de seus proponentes ou participantes, vem marcada por uma atitude
fundamental voltada ao entendimento (grifo do autor)”.
Acreditar na pedagogia da ação comunicativa nos remete ao mundo vivido onde a
utilização da linguagem é de fundamental importância para o processo de entendimento.
Quando educadores e educandos se referem a atos de fala propriamente dito, este abrange
simultaneamente os três mundos: objetivo (das coisas externas), social (normas e regras) e
o subjetivo (vivências e sentimentos) visando alcançar o entendimento.
No entanto, HABERMAS (1997, p.458) diz que: “eu prefiro introduzir o conceito
de mundo da vida como um conceito complementar da ação comunicativa e entendo a ação
comunicativa como o meio através do qual se reproduzem as estruturas simbólicas do
mundo da vida”. O saber, no seu entendimento, é resultado de uma comunicação
compartilhada por essas estruturas que são: a cultura (as tradições culturais), a sociedade
(os ordenamentos sociais) e a personalidade (estruturas da personalidade).
70
Neste sentido, podemos afirmar que, no âmbito da sala de aula, o educador
resgatará o mundo vivido dos educandos, para que numa relação pedagógica possam
conservar e renovar os conteúdos culturais mais significativos, atuar de forma
questionadora e criativa frente à sociedade e à socialização tão importante neste processo
de formação da personalidade dos sujeitos.
A ação comunicativa para ser educativa, deve explorar nas ações de ensino-
aprendizagem as reflexões e críticas. O mundo da vida, neste contexto, baseado em ações
comunicativas, seria o local apropriado onde o educador despertaria no educando o
interesse por um discurso dialógico, voltado para o desenvolvimento de uma consciência
crítica e reflexiva no que tange aos problemas da sociedade em geral. A aula, na
perspectiva habermasiana, é o lugar da discussão científica, e esta discussão levará a um
maior entendimento das dimensões da tecnologia, da educação e da sociedade.
A escola, normalmente define os conhecimentos que considera válidos para serem
trabalhados, no entanto, estes conhecimentos deveriam ser elaborados pelos educadores e
educandos, discutidos e rediscutidos para se chegar a um consenso do que realmente é
válido para um determinado grupo social. Estas normas, regulamentos e princípios que
orientam o que deve ser lecionado, estimulam nos educandos a aceitarem passivamente e a
respeitarem como oficialmente válido e reconhecido os conteúdos trabalhados. Faz-se
necessário, portanto, uma reflexão que, à luz da Teoria da Ação Comunicativa, proponha
uma compreensão diferenciada de currículo. Assunto este que trataremos na seqüência.
71
4.2.3 Uma Concepção Diferenciada de Currículo
O currículo na perspectiva habermasiana, possibilita pensarmos na conquista de
uma sociedade mais justa, igualitária e democrática. No entanto, não abordaremos os
aspectos técnicos da construção curricular, mas tão somente uma concepção que
desabrochará em alguns princípios norteadores.
O currículo é uma construção social, resultado de uma produção social de seu
tempo, trazendo consigo valores, normas, ideologias, enfim, características implícitas da
sociedade e/ou da escola que o elaborou. Neste sentido, um currículo circunscrito a uma
sociedade capitalista, provavelmente será elaborado segundo seus princípios básicos,
voltados para a competição, o êxito e o domínio dos sujeitos sobre os objetos, na busca da
manutenção do status quo, visando à perpetuação da divisão entre as classes.
O currículo expressa também uma postura por parte de quem o elaborou, de
conservação ou de transformação das ações, influenciando sobremaneira não apenas a
programação dos conteúdos, mas o sistema de ensino em geral.
Na concepção tradicional de educação tecnológica, a programação curricular
normalmente é vista através de uma filosofia de hierarquização e separação estanque das
disciplinas ou dos módulos de aprendizagem. A elaboração dos conteúdos restringe-se aos
especialistas da área, à administração ou diretores, sem possibilidades de inter-
relacionamentos entre as diferentes áreas do conhecimento e sem a participação de todos
os atores envolvidos no processo pedagógico.
Para HABERMAS (1987a, T.2), este processo de excessiva regulamentação dos
programas escolares, conduzem a fenômenos como a despersonalização, inibição para
inovar, tão importante nos cursos tecnológicos, bem como perda de responsabilidade e
72
imobilismo. Considera também a socialização na escola fragmentada, como peças de um
quebra-cabeça de atos administrativos sujeitos a questionamentos. Faz críticas ao processo
burocrático que impera nas escolas, efetivado através de normas e regras que normalmente
são impostas, sem que se leve em conta as pessoas envolvidas, suas necessidades e
interesses, numa prática onde as experiências permanecem ausentes e seus contextos
vividos são desconsiderados.
Nesse aspecto, é oportuno lembrar as palavras de BASTOS (1998, p.73), quando
nos diz que os procedimentos pedagógicos,
estão imbuídos de razões instrumentais, caracterizando-se como classificações de racionalidade dedutiva e indutiva, como domínio dos sujeitos sobre os objetos. Os procedimentos pedagógicos envolvem também a seriação e divisão do saber, a avaliação material e quantitativa das experiências, a organização curricular marcada pelo positivismo e, enfim, a administração dominada pela burocracia.
Assim, Habermas, na seqüência de sua defesa por uma escola mais comunicativa e
democrática, descreve que a saída para esta condição passa por “[...] desburocratizar o
processo pedagógico. A constituição de uma legislação escolar deve embasar-se em
procedimentos de tomada de decisão que considere todos aqueles envolvidos no processo
pedagógico, como tendo capacidade de representar seus próprios interesses e de regular
seus atos por iniciativa própria” (HABERMAS, 1987a, T.2, p.410).
Elaborar uma programação curricular para o ensino tecnológico, tendo como base
os fundamentos habermasianos, leva-nos a pensá-la intimamente relacionada com as
contínuas e profundas transformações tecnológicas, permitindo ao mesmo tempo que todos
os sujeitos envolvidos direta ou indiretamente no processo pedagógico tenham voz ativa na
elaboração da mesma, não limitando-se apenas aos especialistas da área, direção ou
administração.
73
A programação curricular parte da premissa de que tudo poderia também ser diferente, tentando assumir para si o que era tarefa essencial da tradição, ou seja, realizar uma escolha legítima na massa do patrimônio tradicional. Ao precisar os objetivos didáticos, ao justificar a escolha dos mesmos, ao concretizar suas conexões e ao indicar os trâmites operativos singulares, a programação curricular reforça a coerção que impõe ser legitimada [...]. Para esse fim, exige-se aquela comunicação criadora de normas e de valores, que se inicia agora entre pais, professores e estudantes [...] (HABERMAS, 1990c, p.102).
Elaborar um currículo, envolvendo a participação de todos, é um meio
importantíssimo para que a Teoria da Ação Comunicativa concretize-se na educação
tecnológica; é um instrumento que reflete o sentido conservador ou transformador das
ações pedagógicas. Deste modo, uma das ações fundamentais é o estabelecimento de
relações numa interação lingüisticamente mediada, socializando os diferentes saberes
teóricos e práticos, visando à construção de um currículo que contribua para a qualidade do
processo de ensino tecnológico.
Acreditamos que esta concepção de currículo, além de ser elaborada por todos os
envolvidos no processo, deva privilegiar as disciplinas que trabalhem as relações
interpessoais, a coletividade, enfim, a comunicação entre os sujeitos para a construção dos
conhecimentos. A educação tecnológica tradicionalmente enfatiza o ensino técnico,
marcado pelas ações do instrumentalismo da técnica, numa relação em que a teoria e
prática estão dissociadas, numa perspectiva pedagógica que não socializa os saberes.
A flexibilidade e a reflexão sobre a elaboração do currículo deve ser uma constante,
pois quanto maior forem as interações dos sujeitos envolvidos no processo, mais profundas
serão as reflexões e discussões no contexto da educação tecnológica, onde os
conhecimentos passam a ser “lapidados” enriquecendo desta maneira o processo de ensino.
Bem sabemos que o currículo tem o poder de especificar os conteúdos que serão
trabalhados no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, segundo BASTOS (1998), o
importante é que o educador não permaneça atrelado somente aos conteúdos curriculares,
74
mas que extrapole para outras áreas outros conteúdos, num enriquecimento dos princípios
e das práticas, estabelecendo, desta forma, condições para que o processo de ensino se dê
com a garantia de qualidade.
Face ao exposto, torna-se urgente que a educação tecnológica reduza
progressivamente o ensino fragmentado em disciplinas isoladas e sem sentido, caminhando
em direção a práticas mais abrangentes e comunicativas, onde os conteúdos sejam vivos e
próximos da realidade dos educandos. Assim, um dos princípios básicos a ser empregado
pela educação tecnológica a fim de diferenciá-la das práticas conservadoras, é acreditar na
possibilidade de comunicação, ou como comenta BARUFFI (1998, p.1):
[...] a comunicação na escola, no processo formativo, tem merecido muito poucas reflexões, particularmente naquelas que direcionam para o esgotamento da possibilidade de comunicação, como propõe Habermas. Pressupõe a superação de posições totalitárias, centralizadoras, abstratas, para posições que valorizem o diálogo, a discussão, a compreensão, o compartilhamento do conhecimento, ou seja, a superação das propostas e programas individualistas.
Ou ainda, é oportuno citar outros argumentos de MORAN (1999a, p.6), em sua
defesa pela comunicação no contexto educativo:
Um dos eixos das mudanças na educação tecnológica (grifo nosso) passa pela transformação da educação em um processo de comunicação autêntica, aberta entre professores e alunos, principalmente, mas também incluindo administradores e a comunidade (todos os envolvidos no processo organizacional). Só vale a pena ser educador dentro de um contexto comunicacional participativo, interativo, vivencial (grifo do autor). Só aprendemos profundamente dentro deste contexto. Não vale a pena ensinar dentro de estruturas autoritárias e ensinar de forma autoritária. Pode até ser mais eficiente a curto prazo – os alunos aprendem rapidamente determinados conteúdos programáticos – mas não aprendem a ser pessoas, a ser cidadãos.
Desse modo, renunciar à cidadania significa perder sua própria identidade pela
prática de uma ação não comunicativa. Entretanto, bem se sabe que uma educação que se
preocupa com os educandos no sentido de que os mesmos exerçam sua cidadania,
normalmente privilegia a prática da participação e a partilha do poder de decisão.
75
Portanto, precisamos mais do que nunca, refletir sobre o ensino tecnológico onde a
prática pedagógica se insira num contexto onde a ação comunicativa seja fator
preponderante. Um ensino onde o objetivo não seja o simples fato de se transmitir
conhecimentos, mas através de ações comunicativas, juntamente com toda a comunidade
envolvida, que se questione e reflita sobre a formação do homem que deve estar implícita
nos programas curriculares.
Esta formação deverá fornecer subsídios para que o mesmo seja capaz de viver
numa realidade imprevisível, dentro de uma sociedade cheia de transformações. A
comunicação é um processo natural, e como tal, a comunidade em geral deverá fazer dela
um instrumento de participação, transformação e emancipação, visando desta forma a
possibilidade de vivermos numa sociedade mais comunicativa e portanto mais
democrática.
O ensino tecnológico, fundamentado na teoria habermasiana, significa rever a
práxis pedagógica dos educadores, o currículo, o envolvimento com o setor administrativo,
o processo de avaliação, etc. Onde o processo avaliativo, nas palavras de MEDEIROS
(1995, p.17-18), “longe de se constituir uma busca de verdades absolutas, caracteriza-se
pela consideração de todas as razões que justificam as pretensões de verdade levantadas
pelos participantes, relativas a qualquer dimensão factual, de vivência ou de norma do
objeto construído na avaliação. Visa a um mundo legitimado pela própria dinâmica de
busca de verdades”.
Expor os valores que permeiam o processo de avaliação é o objetivo do item
seguinte.
76
4.2.4 O Processo de Avaliação
Quando pensamos no processo de avaliação, normalmente nos vem à mente um
mundo cheio de indagações devido a sua complexidade. No entanto, o mesmo só pode ser
visto como um todo, pois faz parte do processo de ensino-aprendizagem, numa relação
onde teoria e prática estejam vinculadas.
O processo de avaliação pode ser visto de duas maneiras diferentes: a de manter a
estrutura social condizente com as sociedades modernas capitalistas, imposta pelo mundo
do sistema, baseando-se no paradigma do sujeito ou da consciência; ou poderá ser
considerado como algo contínuo, inserido num espaço democrático, resgatando o mundo
da vida, com base no paradigma do entendimento e da comunicação.
O processo de avaliação no ensino tecnológico tradicionalmente baseia-se em
práticas visando ao êxito e ao domínio dos conhecimentos tecnológicos, selecionando os
educandos em aptos e não-aptos. Segundo este ponto de vista, a lógica está impregnada de
valores por parte de quem a produziu, estipulando única e exclusivamente algumas
habilidades mínimas para atuar no futuro mercado de trabalho. Agindo nestes moldes, a
escola desconsidera o mundo da vida como fator importante, abdicando da possibilidade de
que os sujeitos, numa interação intersubjetiva, terão maior capacidade de agir através de
ações racionais neste mundo cheio de transformações tecnológicas, como também
assimilando e desenvolvendo ao máximo seus aspectos afetivos, sociais, cognitivos,
psicomotores.
Existem diferentes maneiras que o sistema disponibiliza para que o educador possa
medir o desempenho dos educandos, dentre elas podemos citar: selecionar em conceitos A,
B, C e D; lançar notas de 0 a 10, classificar em superiores, médios ou inferiores e assim
77
sucessivamente. Utiliza-se, na maioria das vezes, de provas escritas objetivas, numa
avaliação repetitiva e mecânica, onde premiar o acerto e castigar o erro é uma constante
nas práticas avaliativas. Todas estas formas ou critérios utilizados para avaliar a
aprendizagem dos educandos são condizentes com a lógica da eficiência do mercado, de
excluir, selecionar, rotular, verificar, classificar, alienar ou hierarquizar. Estas medidas
refletem única e exclusivamente o estágio de desenvolvimento do educando, podendo ser
comparada a uma fotografia sua num determinado momento (dia, hora e local).
Numa avaliação não podemos desconsiderar a problemática temporal. Hoje
pensamos e escrevemos de um determinado modo, no entanto, com o passar dos dias
estaremos provavelmente pensando e escrevendo de maneira diferente. Os critérios
mudam, transformando-se em outros critérios, é um trabalho em movimento que deve ser
considerado pelo educador.
Normalmente, avaliamos como fomos avaliados, onde o educador espera dos
educandos o que ele deseja, de acordo com o resultado final das atividades. Mais do que
isto, é necessário que o educador aceite as diferenças individuais, os diferentes pontos de
vista e se preocupe em investigar ou saber a evolução/progresso obtido no decorrer do
processo, tomando o educando como o próprio centro de referência para perceber em que
estágio de desenvolvimento o mesmo se encontra. Que torne também a aprendizagem
significativa, em oposição à repetitiva e mecânica, onde o educando participe ativamente
como protagonista (sujeito) do processo de ação e não apenas como mero objeto.
Percebemos que a nota “objetiva” é artificial, somente retrata fria e objetivamente o
educando, impedindo desta forma um trabalho que desenvolva e valorize o discurso com a
possibilidade de estimular o desenvolvimento de idéias próprias, sua criatividade, sua
78
independência e originalidade, tão importantes e fundamentais no processo de construção
do conhecimento.
É oportuno resgatar o pensamento de BAZZO (1998, p.109), a respeito do processo
de avaliação:
[...] assimilação do conteúdo programático é determinada pela fidelidade e rapidez na reprodução desse conteúdo, através de provas escritas. Nesses casos, a resposta que mais se aproxima da previsão que o professor elabora é encarada como aquela que demonstra maior assimilação do assunto, sendo portanto aquilatada com maiores conceitos. Cultua-se assim a reprodução precisa de conteúdos, a obediência às regras, o respeito pela hierarquia social, a aceitação daquilo que está posto, sem que se valorize a construção individual de conhecimentos (BAZZO, 1998, p.109).
No Brasil, por exemplo, chegamos ao ponto de algumas escolas implantarem o
sistema de exame (provas escritas), o famoso “vestibulinho”, para medir o desempenho das
crianças que poderão ingressar na educação infantil ou na primeira série do ensino
fundamental. Estas práticas percebemos como contrárias ao que a Teoria da Ação
Comunicativa propõe, pois, quando baseadas na reflexão monológica, inibem o processo
de liberdade individual e social. Neste sentido, corroboramos com HABERMAS (1987a,
T.2, p.153-154) quando diz que “as ações comunicativas não são somente processos de
interpretação onde o saber cultural é exposto a um “teste quanto ao mundo”; elas
significam simultaneamente os processos de integração social e de socialização”.
Nossa proposta de ação pedagógica para avaliar o processo de aprendizagem da
educação tecnológica baseia-se na integração dos dois mundos: o mundo do sistema e o
mundo da vida, pois acreditamos, concordando com Habermas, que não precisamos
abdicar do mundo do sistema, mas faz-se necessário que este também envolva e abranja o
mundo da vida. Neste sentido, o processo de avaliação abrangerá as duas formas: as
medidas quantitativas de desempenho, que refletem o mundo do sistema; e as qualitativas
que expressam o mundo da vida.
79
Nesta abordagem, as medidas de desempenho (notas, conceitos, etc.) normalmente
são exigências estipuladas pelo MEC, ou pelos órgãos reguladores que definem as
habilidades mínimas inerentes a cada profissão. Entendemos a avaliação numa perspectiva
que encerra um processo contínuo de aprendizagem, um espaço para a construção do
conhecimento, onde todos, no âmbito da democracia, tenham igualdade de chances para
utilizar a linguagem e se desenvolver. Trata-se, portanto, de uma avaliação crítica e
dialética, questionando normas e fatos, para juntos identificarmos as dificuldades e corrigi-
las no decorrer do processo de ensino–aprendizagem.
Quando dois ou mais sujeitos interagem, juntos eles podem avaliar. A avaliação da
aprendizagem não se encerra numa nota, prova ou na expressão de determinados conceitos.
Muito pelo contrário, o processo da avaliação deveria enriquecer a caminhada escolar,
valorizando a reflexão dialógica e as aptidões de cada educando num diálogo franco, para
que juntos possam encontrar as soluções para vencer as dificuldades e necessidades.
Conforme KOURGANOFF, citado por BAZZO (1998, p.46), “este princípio supõe
que o professor ame e conheça o seu ofício, cuja principal preocupação deve ser o êxito de
seus alunos em todos os sentidos e que, longe de se deixar desencorajar pela ‘má qualidade
das matérias-primas’, tenha orgulho e prazer com que os alunos, tal como são, progridam”.
Nesse contexto, é oportuno mencionar os objetivos e pressupostos de uma pesquisa
desenvolvida pelas Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul sobre a construção de um processo avaliativo pela via da
ação comunicativa, descrita pela professora Marilu Fontoura de Medeiros, destacando
alguns princípios básicos que nortearam a pesquisa. O processo avaliativo,
tem como pressupostos teórico-metodológicos princípios habermasianos, fundados no(a): (1) busca de uma comunidade de comunicação com o intuito de tematizar, questionar vivências, fatos e/ou normas na perspectiva de atos de fala (verbais e não-verbais) que inclua o ‘eu’, o ‘tu’ e o ‘outro’; (2) inclusão de ‘todos e de cada um’ em espaços públicos
80
como condição de construção, consolidação e aperfeiçoamento da radicalidade do processo democrático; (3) aceitação dos contrários e da diferença no espaço público, de transparência, visando o embate no uso do conhecimento, tematização das verdades; (4) valor do discurso argumentativo e da não violência, mesmo que simbólica; (5) desvelamento ideológico das contradições e da lógica interna no uso do conhecimento, desocultando os reais interesses e, neste processo, o desocultamento do ilegítimo pelas suas dimensões de inautentecidade/autenticidade, verdade/inverdade, justo/injusto; (6) assunção da reflexão não como monólogo reflexivo, mas como processo que se instaura com o outro, numa ação descentrada, intersubjetiva; (7) crítica dialética em oposição à crítica dogmática; (8) condição da construção socioindividual da liberdade como mediadora e resultante de um processo emancipatório, autônomo, crítico e reflexivo, construindo uma sociedade processualisticamente mais legítima (MEDEIROS, 1995, p.20).
Podemos concluir que, tal como acontece hoje, o processo de avaliação é uma
estrutura de poder, e neste caso o educador poderá utilizar-se destes instrumentos como
meio para atingir “o seu” objetivo final, numa prática muitas vezes em que o mestre
proclama e os alunos ouvem. As provas escritas podem ser um bom exemplo desta relação,
pois ao educando que não alcançou a média “x”, normalmente é dada uma segunda chance
para que o mesmo possa completar a média desejada. Este tipo de avaliação, com o
objetivo de oferecer oportunidade de um trabalho a mais para completar a nota é
inadequado, pois encerra o assunto e prejudica os educandos. Tal procedimento não é
percebido como um trabalho extra para que os mesmos possam enriquecer o processo de
pesquisa, de conhecimento e do pensamento crítico, que são construídos ao longo de todo
um processo.
As práticas avaliativas, baseadas na dialética crítica, têm como princípio básico a
razão comunicativa, que se efetiva pelo processo de argumentação apoiado em atos de fala,
na busca de uma prática emancipatória e transformadora da educação tecnológica. Através
do diálogo, os sujeitos irão questionar as verdades, que podem ser acatadas ou não pela
força da argumentação. Desde o início, o educador deve deixar bem claro como será este
processo, estabelecendo em conjunto as regras e normas, buscando chegar a um
entendimento, numa dinâmica onde todos os envolvidos sejam constantemente avaliados e
81
se auto-avaliem, pois a “problemática avaliação” tanto pode motivar como desmotivar o
educando.
Nesse sentido, BASTOS (1998, p.76-77) conclui: “na prática, isso significa,
submeter à crítica os conteúdos da tradição cultural, da ciência e da tecnologia, de modo a
obter a avaliação e a realizar novas aprendizagens. Significa também a concretização do
diálogo interdisciplinar que admite diferentes paradigmas subjacentes aos currículos e às
experiências escolares”.
O item a seguir tem a finalidade de apresentar a interdisciplinaridade do ponto de
vista da Teoria da Ação Comunicativa.
4.2.5 Interdisciplinaridade Comunicativa
Refletir sobre questões que envolvam a interdisciplinaridade parece-nos de
fundamental importância, haja visto que nos dias atuais a mesma se faz necessária para os
profissionais das mais diferentes áreas e níveis de conhecimento. No intuito de romper com
as barreiras entre as disciplinas e entre os profissionais da educação tecnológica,
precisamos pensar em ações pedagógicas baseadas numa maior interação, não apenas entre
as disciplinas, mas entre os profissionais das diversas áreas do conhecimento. Mediante
uma consciência crítica e interativa, os sujeitos podem abordar não apenas os problemas
tecnológicos, mas preocupar-se também com aqueles que afetam a sociedade em geral.
Como já referenciamos, Habermas opõe-se ao paradigma da consciência, onde o
cartesianismo impera absoluto na visão fragmentada das disciplinas concentrada no
pensador solitário, na operação lógica do conhecimento e nas ações cognitivo-
82
instrumentais, próprias de uma racionalidade unilateral e abstrata. Para superarmos esta
visão reducionista de racionalidade, temos que nos utilizar da reflexão e da crítica para que
num trabalho de cooperação interdisciplinar possamos construir uma outra visão de
racionalidade: ampla e descentralizada.
Na tentativa de construir um conceito flexível de interdisciplinaridade, entendemos
o conhecimento não como definitivo e acabado, mas provisório e inacabado, em que nesta
perspectiva, ninguém é dono da verdade, mas mediador do processo de reflexão e crítica
entre as ciências, onde a verdade passa a ser construída pela multiplicidade das vozes num
trabalho interdisciplinar e comunicativo.
Segundo POLONI (1999, p.1), a interdisciplinaridade pressupõe:
• = uma atitude de abertura, não preconceituosa, onde todo o conhecimento é igualmente
importante, onde o conhecimento individual anula-se frente ao saber universal; • = uma atitude coerente, sendo que é na opinião crítica do outro que fundamenta-se a
opinião particular, supondo uma postura única, engajada e comprometida frente aos fatos da realidade educacional e pedagógica.
Na prática, um grupo interdisciplinar compõe-se de sujeitos com diferentes
formações, portanto de diferentes disciplinas, com seus conceitos, razões, mundos vividos
e linguagens reunidos num só objetivo de trabalho.
Num trabalho interdisciplinar, todos estariam engajados num mesmo objetivo,
transformando o ensino em pesquisa, valorizando o diálogo, tendo como meta principal a
superação da razão instrumental, visando à formação de sujeitos críticos e reflexivos frente
às transformações tecnológicas.
Habermas propõe a interdisciplinaridade que se fundamenta no paradigma da
comunicação, onde os sujeitos capazes de falar e de agir buscam chegar a um
entendimento.
83
A comunicação, no sentido habermasiano, ocorre na presença de pelo menos dois sujeitos dispostos a dialogar. [...] Os dois sujeitos dispostos ao diálogo estão preparados para ouvir e serem ouvidos, e isto exige atitude empática nos falantes. Essas características, disposição para o diálogo e empatia dos participantes, cria condições para que um terceiro sujeito se junte à roda, e tantos mais quantos se conscientizarem das regras básicas do ambiente dialógico, que são a disposição de falar e de ouvir, com liberdade de expressão, livres de coerções, em linguagem clara, verdadeira, veraz e sincera, e com simetria de fala, isto é, com igual oportunidade a todos que desejem se expressar (PINENT, 1996, p.152-153).
A interdisciplinaridade, apoiada na Teoria da Ação Comunicativa, visa à superação
do trabalho isolado, do fracionamento do saber e da racionalidade técnica e instrumental
tão fortemente atrelada aos aspectos cognitivo-instrumentais. Baseia-se num conceito
amplo de razão, onde os sujeitos das mais diferentes áreas formam parcerias, numa atitude
de reciprocidade, de respeito e aceitação das individualidades, utilizando-se do processo
dialógico para a construção coletiva do conhecimento. Apoia-se também, na
intersubjetividade do mundo da vida, respeitando os valores éticos, normativos e morais
dos sujeitos envolvidos.
Nesse contexto, a subjetividade dos sujeitos não será deixada de lado, fato que
normalmente é desprezada pelo mundo do sistema (não comunicativo) das sociedades
modernas capitalistas. Mas, no mundo da vida (que é comunicativo) a subjetividade será
partilhada nas atividades interdisciplinares, pois um trabalho interdisciplinar se concretiza
pela prática do mundo vivido e do sistema, visando à unidade do conhecimento.
Para que haja uma verdadeira interdisciplinaridade entre os sujeitos, faz-se
necessário que haja ligações afetivas e uma comunicação verdadeira e sincera onde todos
sintam-se realizados, pois a interdisciplinaridade é colocar o mundo vivido na prática, é
partilhar as vivências e experiências com o objetivo de juntos dominarmos as tecnologias,
ao invés de sermos dominados por elas.
84
Nesta perspectiva, os sujeitos que fazem a história da educação tecnológica,
munindo-se de ações humanísticas devem buscar o caminho da cooperação, direcionando
suas atividades para futuras ações pautadas na interdisciplinaridade comunicativa proposta
por Habermas. O educador que está disposto a trabalhar de forma interdisciplinar, traz em
si um gosto especial por conhecer, pesquisar e respeitar os demais colegas, interage e
utiliza-se da ação dialógica como condição necessária para participar na prática de um
grupo interdisciplinar. Desta forma, o educador, sobre as bases de uma discussão racional,
adquire um nível mais avançado de reflexão e aprofundamento da crítica para se chegar
aos conteúdos utópicos da emancipação.
O exercício de trabalhar, sob a ótica de uma interdisciplinaridade comunicativa,
baseado na reflexão e no aprofundamento da crítica, fornecerá subsídios para alcançarmos
uma educação tecnológica voltada para a autonomia e emancipação dos sujeitos. Assunto
este que trataremos a seguir.
4.3 Uma Educação Tecnológica Voltada para a
Emancipação
O processo educativo, em sua mais ampla dimensão, deve trabalhar a formação do
homem como um todo e sua conscientização, numa relação dialética entre teoria e prática,
a partir de um contexto histórico, possibilitando desta maneira a emancipação dos sujeitos.
Segundo HABERMAS (1993, p.99), a emancipação “tem a ver com a libertação em
relação a parcialidades [...]. A emancipação é um tipo especial de auto-experiência porque
nela os processos de auto-entendimento se entrecruzam com um ganho de autonomia”.
85
Dessa forma, não podemos pensar numa educação tecnológica que continue a
trabalhar numa atitude passiva dos educandos, numa visão limitada pelas técnicas, mas sim
buscar um ensino que valorize as relações entre os sujeitos, o diálogo, a reflexão, a crítica e
a criatividade. Nesta perspectiva é preciso desenvolver a capacidade discursiva dos
educandos, opondo-se à mera repetição e cópia dos conteúdos, onde a linguagem torna-se
fator importante neste processo de problematização e de resolução dos problemas,
tornando-se uma constante no ambiente escolar para deles fazer a apropriação crítica dos
mesmos. É necessário que os educandos desenvolvam esta capacidade discursiva, para dela
fazer instrumento de emancipação.
A educação tecnológica a partir desta abordagem, deve preocupar-se
fundamentalmente com os processos interativos, uma vez que os mesmos produzem novas
aprendizagens e conseqüentemente sujeitos mais esclarecidos e emancipados.
Pelos processos interativos é possível submeter nossas tradições culturais, nossas experiências, os objetivos pedagógicos, os produtos da ciência e da técnica à reflexão e com isso clarificar as normas que orientarão o processo pedagógico e produzir aprendizagens junto aos alunos (e por extensão no meio social) que tornem os sujeitos cada vez mais esclarecidos e emancipados. A emancipação surge, então, da possibilidade de um processo de aprendizagem, assim como a razão é uma aprendizagem (PRESTES, 1996, p.123-124).
Cabe à educação tecnológica, a tarefa de criar condições para que a construção do
conhecimento tecnológico aconteça num processo gradativo de reflexão e crítica, onde as
experiências dos educandos sejam ouvidas e onde a comunicação se faça presente. Desta
maneira, as experiências são valorizadas e circunscritas no mundo da vida, pois é o mundo
da vida que fornece as possibilidades para a emancipação; mas a dimensão do mundo do
sistema, é também percebida, permitindo desta forma, a produção de um conhecimento
crítico, reflexivo e comunicativo.
86
Este conhecimento dará subsídios para que os educandos desenvolvam meios
capazes de perceber as dimensões em que a técnica, a tecnologia e a ciência podem
alcançar. Conhecimento este que também contribuirá para que os educandos consigam
resolver as situações-problemas com que irão se defrontar ao longo de suas vidas.
Não se trata de usar o conhecimento produzido, organizado, que os educadores
transmitem, mas aproveitar este conhecimento e fazer dele um diálogo, uma troca, nas
parcerias entre os educandos, para desenvolver suas capacidades e atuar de forma crítica e
reflexiva frente às transformações tecnológicas que estão ocorrendo no mundo moderno.
A mudança dessas práticas implica num novo modo de agir e pensar dos
educadores e educandos, para que juntos possam caminhar rumo às práticas de ensino-
aprendizagem diferenciadas através de uma razão que dialoga. É preciso resgatar a função
da educação tecnológica no que diz respeito à formação dos sujeitos, sob o ponto de vista
econômico, ético, político, cultural e social das tecnologias. Esta mudança significa não
existir mais um sujeito que age “sobre o outro”, mas um sujeito que age “com o outro”,
fundamentado na razão dialógica em busca de entendimentos.
A partir do momento em que a educação tecnológica esteja voltada ao
entendimento, “ela se orienta por processos de aprendizagem, a racionalidade ali presente
emancipa os sujeitos que dela participam” (PRESTES, 1996, p.124).
Para que ocorra a construção do conhecimento crítico, reflexivo e comunicativo
com vistas à emancipação, é fundamental a orientação do educador neste processo,
possibilitando a troca de experiências, os relatos, as discussões tão importantes neste
processo que normalmente acontecem na sala de aula. Ou, como diria BOUFLEUER,
(1997, p.85) “uma pedagogia que se inspira no paradigma da comunicação se apresenta
como prática emancipatória, humanamente libertadora, pois implica o reconhecimento de
87
cada sujeito como um “outro”, distinto e livre, possuidor de seu próprio horizonte de
sentido”.
A possibilidade de mudança implica em novas posturas e práticas dos educadores
frente à educação tecnológica, onde todos possam ter acesso às informações e aos
conhecimentos tecnológicos necessários, para tornarem-se cidadãos autônomos e
emancipados no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico. Resistir a este desafio
significa continuar deixando nas mãos dos grupos dominantes uma educação para a
tecnologia que não acontece, voltada a atender aos interesses restritos a estes grupos ou
quando muito, só atinge um número muito reduzido de sujeitos.
Nas palavras de HABERMAS (1987b, p.70):
Não são, entretanto, novas tecnologias que demarcam o caminho do progresso de uma formação social nas etapas progressivas de reflexão; por seu intermédio se suprime o caráter dogmático de formas de dominação e de ideologias superadas, a pressão do quadro institucional é sublimada e o agir próprio à comunicação libera-se como (um) agir que promove a comunicação propriamente dita. Com isso antecipa-se o objetivo de tal dinâmica, a saber: a organização da sociedade exclusivamente sobre a base de uma discussão livre de qualquer forma de dominação repressiva.
Se quisermos pensar numa educação tecnológica baseada na comunicação, na qual
acreditamos, precisamos tomar como ponto de partida o diálogo para sua real implantação.
Neste sentido, as ações didático-pedagógicas devem necessariamente começar pela
interação, onde a relação educador-educando estará fundamentada no processo dialógico,
crítico e reflexivo com vistas à emancipação.
Pela experiência profissional como docente e pelas observações em muitas escolas,
mesmo que intuitivamente, é oportuno ressaltar que este tipo de trabalho vem sendo
realizado por alguns educadores em suas salas de aula. Talvez eles não conheçam
Habermas, mas sensibilizados com o ensino tecnológico tradicional e a vontade de realizar
um trabalho diferenciado, suas concepções caminham rumo às práticas comunicativas.
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Nossa intenção é a de que este tipo de trabalho venha aos poucos ganhando adeptos para
que, mais tarde, não apenas os estabelecimentos de ensino tecnológico trabalhem desta
forma, mas que gradativamente vá abrangendo todo o sistema educacional na sua mais
ampla dimensão.
Bem sabemos que este processo é lento e gradual. No entanto, para que esta meta
se concretize, precisamos ir trabalhando com os educadores numa educação permanente,
pois o educador que conhece mais profundamente as razões que embasam sua prática
(Teoria da Ação Comunicativa) será crítico de sua própria práxis.
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CAPÍTULO VCAPÍTULO VCAPÍTULO VCAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a realização de nosso trabalho observamos uma crescente preocupação
com as questões que envolvem a educação e a tecnologia. No entanto, existem ainda
trabalhos que abordam o tema dentro de uma visão restrita, no que diz respeito a sua
abrangência e a sua importância para o verdadeiro desenvolvimento social e não apenas
como instrumento de acumulação de capital e de poder.
A partir de uma análise crítica percebemos claramente que esta visão mais restrita,
reflete os preceitos do paradigma cartesiano e positivista, desconexo dos contextos
socioculturais, o que nos conduz a considerar as relações com a tecnologia de maneira
reducionista e instrumental.. Dessa forma, para ampliar esta visão foi preciso buscar outro
paradigma que servisse de base a uma reflexão mais profunda da educação tecnológica.
O filósofo e sociólogo Jürgen Habermas nos oferece um arcabouço conceitual que
permitiu analisar as relações entre a educação e a tecnologia sob a ótica de um novo
paradigma: o paradigma da linguagem ou da comunicação. Dessa forma, pudemos
caracterizar duas abordagens: uma baseada na razão instrumental e a outra na razão
comunicativa.
Na razão instrumental, a tecnologia é ferramenta para a dominação e o controle da
natureza, onde os sujeitos são ensinados ou “treinados” a concebê-la e a usá-la sem
90
questionamentos. Os sujeitos tornam-se simples aplicadores de técnicas, preparados
segundo as necessidades do mercado de trabalho.
Esta abordagem está diretamente relacionada com a filosofia da consciência onde o
sujeito cognoscente , solitário, procura obter o domínio dos objetos e do mundo que o
cerca, não se preocupando com as necessidades reais da sociedade como um todo.
A abordagem comunicativa baseia-se na relação intersubjetiva entre os sujeitos,
isto é, na interação entre dois ou mais sujeitos, onde os mesmos buscam chegar a um
entendimento sobre determinado assunto ou objeto a fim de compreendê-lo, onde a base é
o questionamento da própria tecnologia durante o processo de ensino-aprendizagem,
visando à autonomia e à emancipação.
A partir dos princípios filosóficos da razão comunicativa nos foi possível um maior
entendimento do que deveria ser a “verdadeira educação tecnológica”. Nesta ótica, a
educação tecnológica abrange todo um processo de formação que atinge os educandos
(para todos e em todos os níveis) de maneira comunicativa, que vise a facilitar o acesso a
uma maior compreensão do desenvolvimento tecnológico. Portanto, faz-se necessário
entender seu processo histórico de concepção, elaboração, inovação e difusão; ter plena
consciência de como se faz, para quem, do porquê assim se faz e não de outra maneira,
ampliando a consciência dos educandos sobre os benefícios ou malefícios que a tecnologia
poderá trazer para a sociedade como um todo.
A razão comunicativa está ancorada na Teoria da Ação Comunicativa. Esta teoria
proposta por Jürgen Habermas, tem como um dos princípios básicos a construção do
conhecimento a partir da relação entre os sujeitos, que livres de coações utilizam-se da
linguagem para chegar a um entendimento sobre algo. O conhecimento nesta perspectiva é
construído por uma razão dialógica baseada na força da argumentação, estabelecida a partir
91
das experiências diferenciadas de cada sujeito, onde a linguagem desempenha um papel
fundamental.
Para auxiliar o entendimento de sua teoria, Habermas divide a sociedade em duas
esferas: o mundo do sistema e o mundo da vida. No mundo do sistema está materializada a
razão instrumental através de suas regras e leis formais. No mundo da vida estão os
sentimentos, as ações do cotidiano e os contextos sociais. É no diálogo entre o mundo da
vida e o mundo do sistema que a ação comunicativa deve ser estabelecida, aproximando
estes dois mundos. Este diálogo frutuoso conduz à autonomia e à emancipação dos
sujeitos.
Na busca de uma educação tecnológica mais adequada às necessidades reais da
sociedade, nosso trabalho baseou-se nas principais idéias de Habermas para dar uma
resposta ao problema de pesquisa.
Para realizar este trabalho fizemos uma síntese do pensamento de Habermas,
relacionado com a Teoria da Ação Comunicativa. Esta síntese tornou-se importante para
fundamentar o estudo como um todo, podendo oportunamente servir como subsídio para
aqueles que pretendem desenvolver pesquisas tendo como base conceitual essa Teoria.
A maior parte de nosso trabalho concentra-se na proposição de um referencial para
a ação pedagógica concentrada na educação tecnológica, baseada nos fundamentos da
Teoria da Ação Comunicativa proposta por Habermas.
Por ser um trabalho inicial, ele é bastante abrangente e se preocupa em relacionar o
maior número de proposições. Certamente, em trabalhos posteriores estas proposições
poderão ser validadas ou não, investigando na prática as possibilidades de aplicação da
Teoria da Ação Comunicativa na educação tecnológica.
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O esforço desta pesquisa tentou sintetizar um entendimento do conceito de
conhecimento alicerçado na perspectiva de uma racionalidade comunicativa. Este
entendimento é a base das proposições, pois estão fundamentadas em um novo paradigma
formulado por Habermas.
Enquanto, no paradigma da consciência, o conhecimento é obtido por uma
racionalidade centrada no sujeito, onde impera uma razão instrumental, no paradigma da
linguagem, o conhecimento é obtido por uma racionalidade centrada na comunicação. A
construção do conhecimento é fruto das relações intersubjetivas, relação sujeito-sujeito,
oposta à abordagem clássica que prioriza as relações entre sujeito-objeto.
Em seguida, descrevemos a prática pedagógica ancorada na filosofia habermasiana,
que inclui as inter-relações educador-educando, a realidade da sala de aula como um
espaço importante no resgate do mundo da vida, as questões relacionadas com o currículo
visando a uma concepção diferenciada, o processo de avaliação e a interdisciplinaridade
comunicativa.
As inter-relações educador–educando baseiam-se em processos permanentes de
argumentação e contra-argumentação, para chegarem a um consenso sobre algo. O
exercício do consenso que é uma prática extremamente democrática, torna-se fundamental
neste processo. Os conhecimentos não são meras transmissões, onde os educandos aceitam
passivamente, mas fazem parte de um processo ativo e dinâmico que se concretiza através
do diálogo, na busca constante de construção e reconstrução do conhecimento.
A sala de aula, fruto de muitas interações, será o lugar apropriado para resgatarmos
os valores do mundo da vida, as experiências e vivências dos educandos. Normalmente, o
mundo do sistema impera absoluto sobre o mundo da vida, cabendo ao educador neste
93
momento buscar, por uma prática pedagógica de diálogo do mundo do sistema com os
valores do mundo da vida.
A interação entre os sujeitos, que ocorre no interior de uma sala de aula, é
fundamental para a concretização de uma educação tecnológica crítica, reflexiva e
comunicativa.
A elaboração do currículo normalmente restringe-se aos especialistas da área,
expressando uma postura de conservação ou de transformação das ações por parte de quem
o elaborou, que deverá refletir, não apenas sobre a programação dos conteúdos, mas sobre
todo o sistema de ensino em geral. Acreditamos numa concepção de currículo cuja
elaboração, não se limite apenas aos especialistas da área, mas que leve em conta também
as necessidades e interesses de todas as pessoas envolvidas no processo pedagógico, onde a
excessiva regulamentação dos programas escolares e a burocratização que normalmente
existe nas escolas, cedam lugar para a concretização de uma escola mais comunicativa e
democrática.
O processo de avaliação, dada sua complexidade, reflete duas posturas claramente
definidas: a de manter a atual estrutura social condizente com os parâmetros quantitativos
da sociedade moderna através de notas e conceitos; a de resgatar e valorizar o mundo da
vida baseado no paradigma da comunicação, aceitando os diferentes pontos de vista,
considerando o educando como o próprio centro de referência de seu desenvolvimento, o
que nos conduz a explorar valores e medidas qualitativas. Neste sentido, avaliar o processo
de aprendizagem na educação tecnológica, nos remete a refletir num processo que envolva
os dois mundos propostos por Habermas, o que significa estimular o mundo do sistema, a
valorizar e resgatar as potencialidades do mundo da vida.
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Na seqüência de nossas análises, discutimos a possibilidade de um trabalho
interdisciplinar, tomando por base a ação dialógica na busca da construção coletiva de uma
racionalidade ampla e descentralizada, onde o conhecimento não é definido e acabado, mas
provisório e inacabado. Um trabalho interdisciplinar, onde a subjetividade dos sujeitos não
será deixada de lado, mas pelo contrário, será partilhada visando à unidade do
conhecimento.
Para finalizar este referencial para a ação pedagógica, propomos uma educação
tecnológica voltada para a emancipação, que é caracterizada pela valorização das relações
entre os sujeitos, da reflexão e da crítica. Uma educação tecnológica que sirva não apenas
para educar para as tecnologias, mas que estimule o pensamento crítico, para que os
sujeitos, todos os agentes envolvidos (professores e alunos), sejam agentes de
transformação e de mudanças, para que se posicionem frente as tecnologias e ao mundo.
Neste contexto, a orientação do educador é fundamental no processo de construção
coletiva do conhecimento, fundamentado na razão dialógica, crítica e reflexiva com vistas
à emancipação.
O conjunto das proposições apresentadas não foram aplicadas na prática. Mesmo
não sendo o objetivo principal de nossa pesquisa, a aplicação prática não deixa de ser rica
em ensinamentos, o que certamente demandará novas investigações. De certa forma, esta
situação justifica-se em função do tempo disponível para a realização do trabalho e pelo
caráter inicial das pesquisas sobre este assunto.
Certamente, as propostas precisam ser melhor detalhadas e a sua validação requer
uma longa prática associada a reflexões e aperfeiçoamentos teóricos. Este é um trabalho
que precisará ser realizado, mas que demandará tempo e esforços de vários pesquisadores.
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O embasamento teórico de nosso trabalho está centrado na Teoria da Ação
Comunicativa. Entretanto, a realidade é diversa e complexa. Para melhor entendê-la
devemos buscar vários pontos de vista, ou seja, a continuidade deste trabalho passa
também pela busca de um horizonte de entendimento mais amplo dentro dos trabalhos do
próprio Habermas e de outros autores que buscam as bases de um novo paradigma onde a
emancipação e a autonomia dos sujeitos sejam valorizadas.
Enfim, podemos imaginar as dificuldades em se trabalhar na prática com a
educação tecnológica fundamentada na Teoria da Ação Comunicativa, pois as práticas
escolares, especificamente circunscritas ao ensino técnico, permanecem demasiadamente
vinculadas ao mundo do sistema, burocrático e dissociado dos valores do mundo da vida.
No entanto, estas dificuldades não nos impedem de buscar caminhos que possam nos
oferecer respostas aos pressupostos de uma prática pedagógica inspirada na teoria
habermasiana.
Esse processo de concretização das proposições é lento e gradual, um trabalho para
realmente ser refletido a longo prazo, mas nem por isso iremos desistir de buscar uma
educação tecnológica baseada na ação, onde teoria e prática possam convergir para os
fundamentos do paradigma da comunicação, objetivando uma educação emancipatória.
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