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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
CONTRIBUTO PARA O ESTUDO
DO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO
- O TRABALHO A BORDO DE NAVIOS DA MARINHA COMERCIAL –
BEATRIZ EUSÉBIO DA COSTA
Dissertação de Mestrado apresentada no âmbito do Mestrado Científico em Direito do
Trabalho, sob orientação da Sra. Professora Doutora Maria do Rosário Palma Ramalho.
OUTUBRO DE 2016
RESUMO
De forma a ajustar a legislação nacional aos comandos da OIT, Portugal aprovou
a Lei n.º 146/2015, de 9 de setembro que regula a atividade e bordo de navios da marinha
mercante comercial.
Este novo regime veio, em linha com a Convenção de Trabalho Marítimo de 2006,
introduzir importantes alterações para as condições de trabalho e de vida dos marítimos.
Revela-se uma maior preocupação em garantir que o trabalho a bordo é prestado de forma
digna, sem violar importantes direitos do trabalhador: o direito ao descanso, à alimentação
e à retribuição.
Não obstante o esforço dos Estados para criar mecanismos que reforcem e tutelem
o direitos dos trabalhadores marítimos, continuam a existir matérias que carecem de uma
análise mais detalhada. O tema da contratação de marítimos por terceiras entidades que
não os armadores é um desses exemplos.
No presente trabalho pretendemos analisar o regime especial do contrato de
trabalho a bordo de navios comerciais, bem como apreciar as suas principais
particularidades, entre as quais, a formação, a segurança e a saúde dos marítimos; o
recrutamento; a retribuição; o local de trabalho e o repatriamento.
O regime aplicável ao contrato de trabalho a bordo será confrontado não apenas
com o regime geral do trabalho em vigor em Portugal, mas também com a legislação
internacional que aborda esta matéria.
Para além de debatermos as principais questões relacionadas com este contrato de
trabalho, pretendemos, no essencial, apresentar as principais regras jurídicas que o
regulam, as quais se encontram dispersas por inúmeros diplomas legais.
Com efeito, apesar de o regime do trabalho a bordo ser aquele que historicamente
mais tem preocupado a OIT, são poucas as obras que, em Portugal, se dedicam a este
tema. Por essa razão, acreditamos ser essencial promover o debate sobre estas matérias,
para com isso criar soluções jurídicas que melhor se ajustem à realidade do setor
marítimo.
Palavras-chave: Trabalhador Marítimo, Armador, Formação, Repatriamento,
Recrutamento, Estado de bandeira, Estado do porto.
ABSTRACT
In order to adapt national legislation to ILO regulations, Portugal approved Law
no.146 of 9 September 2015 which regulates work on board of ships engaged in
commercial activities.
This new regime was adopted - pursuant to the Maritime Labour Convention 2006
- to make major changes to the working and living conditions of seafarers. There is greater
concern for ensuring that shipboard work is provided in a dignified manner, without
breaching important seafarers’ rights: the right to rest, food and remuneration.
Notwithstanding the effort States have made to create mechanisms which
strengthen and oversee seafarers’ rights, there are still some areas which require more
detailed analysis. A case in point is the hiring of seafarers by third party entities other
than ship-owners.
The present work seeks to analyse the special regime pertaining to employment
agreements on board commercial vessels as well as ascertaining their main features,
including training, the health and safety of maritime workers; recruitment; remuneration;
the workplace and repatriation.
The legislation applicable to seafarers’ employment agreements will be compared
not only with the general employment regime in force in Portugal, but also with the
international legislation pertaining to this area.
Besides discussing the main issues related with this employment agreement, we
are essentially seeking to present the main legal rules regulating said agreements and
which are to be found dispersed amongst numerous laws.
Indeed, despite the fact that the on-board employment regime is the one which has
historically been the greatest cause of concern to the ILO, there are few works devoted to
this theme in Portugal. This is why we believe it is essential to foster a debate about these
topics, thereby allowing us to create legal solutions which better suit the real state of
affairs in the maritime sector.
Key words: Seafarer, Ship-owner, Training, Repatriation, Recruitment, Flag state, Port
State.
2
AGRADECIMENTOS
O espaço limitado desta secção de agradecimentos, seguramente, não me
permite agradecer, como devia, a todas as pessoas que, ao longo deste Mestrado, me
ajudaram a realizar mais esta etapa da minha formação académica. Desta forma, deixo
apenas algumas palavras, poucas, mas um sentido e profundo sentimento de
reconhecido agradecimento.
À Professora Dra. Maria do Rosário Palma Ramalho, orientadora da dissertação,
o meu sincero agradecimento pela orientação, pela partilha de conhecimentos e pelas
sugestões sempre tão objetivas.
Expresso também a minha gratidão à Dra. Carlota Leitão da DGRM, à Dra.
Neusa Van-Dúnem da DGERT e ao Dr. Pedro Martins da Promarinha, pela
disponibilidade e apoio incondicionais que muito elevaram os meus conhecimentos no
setor e, sem dúvida, muito estimularam o meu desejo em abordar este tema.
Aos meus colegas da sociedade de Advogados PLMJ, pela disponibilidade,
colaboração e também pelo incentivo neste trabalho de investigação. Agradeço
principalmente pela pedagogia, por tanto valorizarem a formação e, sobretudo, por me
terem permitido conciliar o estágio com a preparação desta dissertação.
Às minha eternas amigas Daniela Verdasca, Adriana Neves, Sara Arrábida,
Teresa Martins e Cláudia Ferreira um Muito Obrigada por todo o carinho e amizade que
manifestaram. Agradeço, de forma especial, a ajuda, o apoio e a preocupação, nos
momentos de maior aflição.
Ao Humberto Antunes pela amabilidade, pela compreensão inesgotável, pelo
carinho desmedido, pelas palavras doces e pela transmissão de confiança e de força, em
todos os momentos. Por tudo, a minha enorme gratidão!
3
Ao meu querido tio Deniz Marques da Costa, por ter sido incansável,
extremamente dedicado e um excelente orientador quanto ao uso correto da língua
portuguesa. Mais do que um tio, um professor!
À Minha Família, em especial aos meus queridos pais, à minha irmã e ao João
Futscher, um enorme obrigada por acreditarem em mim e naquilo que faço e por todos
os ensinamentos de vida. Espero que esta etapa, que agora termino, possa, de alguma
forma, compensar todo o carinho, apoio e dedicação que, constantemente, me oferecem.
A eles, dedico todo este trabalho.
.
4
ABREVIATURAS E OUTRAS INDICAÇÕES DE LEITURA
1. ABREVIATURAS
A. Autor
AAFD Associação Académica da Faculdade de Direito (Lisboa)
AB Arqueação Bruta
Ac. Acórdão(s)
AC Acordo Coletivo
ACT Autoridade para as Condições do Trabalho
AE Acordo de Empresa
AESM Agência Europeia de Segurança Marítima
AISC Associação Internacional das Sociedades de Classificação
al. (als.) Alínea(s)
artigo (arts.) Artigo(s)
BdC Bandeiras de Conveniência
BFD Boletim da Faculdade de Direito (Coimbra)
BIMCO Baltic And International Maritime Council
BIT Bureau International du Travail
BTE Boletim do Trabalho e Emprego
CC Código Civil
Ccom Código Comercial
Cfr. ou Cf. Confrontar; Confirmar
CE Comunidade Europeia
CEDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CEE Comunidade Económica Europeia
CEEP Centro Europeu das Empresas Públicas
CEJ Centro de Estudos Judiciários
CES Confederação Europeia dos Sindicatos
cit. (cits.) Citada(o) ou Citadas(os
5
CITE Comissão Para Igualdade no Trabalho e no Emprego
CJ Coletânea de Jurisprudência
CMI Comité Marítimo Internacional
CNUDM Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
Código IMDG Código Marítimo Internacional das Mercadorias Perigosas
Código ISM Código Internacional de Gestão para a Segurança da Exploração dos Navios e para a Prevenção da Poluição
Código ISPS Código Internacional para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias
COTER Comissão de Política de Coesão Territorial
CPC Código de Processo Civil
CPT Código de Processo do Trabalho
CQN Chefe de quarto de navegação
CRP Constituição da República Portuguesa
CT Código do Trabalho
CTM 2006 Convenção do Trabalho Marítimo, de 2006
DGPNTM Direção-Geral de Portos, Navegação e Transportes Marítimos
DGRM Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos
DL Decreto-Lei
DMLC
Declaração de Conformidade do Trabalho Marítimo (Declaration of Maritime Labour Compliance)
DR Diário da República
EASME Agência de Execução para as Pequenas e Médias Empresas
ECSA European Community Shipowners' Associations
ed. (eds.) Edição (Edições)
ET Estatuto de los Trabajadores
ETF Federação Europeia dos Trabalhadores de Transportes (European Transport Workers Federation)
FAO/WHO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura/ Organização Mundial da Saúde (Food and Health Organization)
FITT FITT - Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes
6
HACCP Hazard Analysis and Critical Control Points
ICJP Instituto de Ciências Jurídico-Políticas
IDET Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho
IMCO Organização Marítima Consultiva Intergovernamental
IMP Instituto Marítimo-Portuário
IMT Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.
IPTM, I.P. Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos
LAMBN Lei n.º 146/2015, de 9 de setembro, que regula a atividade de marítimos a bordo de navios
LAT Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais
MARPOL Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios
MLCAR Comissão Técnica do Registo Internacional de Navios da Madeira
n.º (n.ºs) Número(s)
Nt. Nota
OCQN Oficial chefe de quarto de navegação
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMI Organização Marítima Internacional
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
op. Obra
OSH Guidelines for implementing the occupational safety and health provisions of the Maritime Labour Convention, de 2006
p. (pp.) Página(s)
PREMAC Plano de Redução e Melhoria da Administração Central
proc. Processo
PSC Controlo pelo Estado do Porto/ Port State Control
Reimp.
Reimpressão
RIM Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro, que aprova o regime aplicável à atividade profissional dos marítimos e à fixação da lotação das embarcações (Regulamento de Inscrição Marítima)
7
RTE Redes transeuropeias
SAM Sistema da Autoridade Marítima
SMS Sistema de Gestão de Segurança/Safety Management System
SOLAS 1974 Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de 1974
ss. Seguintes
STCW 1978 Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para Marítimos, de 1978
STJ Supremo Tribunal de Justiça
TC Tribunal Constitucional
TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
TJUE Tribunal de Justiça da União Europeia
TRC Tribunal da Relação de Coimbra
TRL Tribunal da Relação de Lisboa
TRP Tribunal da Relação do Porto
UCP Universidade Católica Portuguesa
UE União Europeia
UIT União Internacional das Telecomunicações
Últ. Último
UNICE União das Confederações da Indústria e dos Empregadores da Europa
Vd. Vide
v.g. Verbi gratia (por exemplo)
vol. Volume
2. OUTRAS INDICAÇÕES DE LEITURA
As palavras em itálico são utilizadas não apenas para referências noutras línguas
mas também para destacar uma ideia ou assunto.
8
Esta dissertação é escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico, resultante do
Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, em
16 de maio, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 52/2008
(publicado no DR n.º 145, Série I de 2008-07-29).
As referências sem mais ao Código do Trabalho reportam-se ao Código do Trabalho
de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com a última modificação
introduzida pela Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto.
9
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 12
PARTE I
DOS ASPETOS GERAIS DO TRABALHO MARÍTIMO ................................................................... 19
TÍTULO I LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO TRABALHO A BORDO DE NAVIOS ........................................ 20
CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICA ............................................................................................................................. 20
CAPÍTULO II O DIREITO DO TRABALHO MARÍTIMO A NÍVEL INTERNACIONAL ................................................. 24 CAPÍTULO III O DIREITO DO TRABALHO MARÍTIMO NA UNIÃO EUROPEIA .......................................................... 35
CAPÍTULO IV O DIREITO DO TRABALHO MARÍTIMO EM PORTUGAL ...................................................................... 40
TÍTULO II DIREITO COMPARADO ....................................................................................................................... 58
PARTE II
DO TRABALHO A BORDO DE NAVIOS DA MARINHA COMERCIAL ...................................... 64
TÍTULO I ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME ........................................................................................... 65
CAPÍTULO I NAVIOS, BANDEIRAS E REGISTO ............................................................................................................ 66
CAPÍTULO II SUJEITOS DA EXPEDIÇÃO MARÍTIMACOM RELEVÂNCIA PARA O REGIME LABORAL ............. 80
SUBCAPÍTULO I O EMPREGADOR ................................................................................................................................... 81
SUBCAPÍTULO II O TRABALHADOR MARÍTIMO ......................................................................................................... 105
CAPÍTULO III A TRIPULAÇÃO .......................................................................................................................................... 117
CAPÍTULO IV CATEGORIAS PROFISSIONAIS ................................................................................................................ 131
TÍTULO II DELIMITAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO ................................................ 142
TÍTULO III FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO ...................................................... 152
10
CAPÍTULO I CAPACIDADE DOS MARÍTIMOS ............................................................................................................. 152
CAPÍTULO II NACIONALIDADE DOS MARÍTIMOS ..................................................................................................... 160
CAPÍTULO III IDONEIDADE NEGOCIAL DOS MARÍTIMOS ......................................................................................... 169
CAPÍTULO IV FORMA E FORMALIDADES NO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO ...................................... 184
CAPÍTULO V DEVERES ESPECIAIS NA FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO ................... 189
CAPÍTULO VI RECRUTAMENTO E COLOCAÇÃO DE MARÍTIMOS ............................................................................ 190
TÍTULO IV AS ESPECIFICIDADES DO REGIME APLICÁVEL AO TRABALHO MARÍTIMO ................. 193
CAPÍTULO I A RETRIBUIÇÃO ........................................................................................................................................ 193
CAPÍTULO II O TEMPO DE TRABALHO ......................................................................................................................... 200 CAPÍTULO III O LOCAL DE TRABALHO ......................................................................................................................... 222
CAPITULO IV O REPATRIAMENTO .................................................................................................................................. 223
CAPÍTULO V O CONTRATO DE TRABALHO A TERMO .............................................................................................. 234
CAPÍTULO VI A INDEMIZAÇÃO EM CASO DE PERDA OU DE NAUFRÁGIO DO NAVIO ....................................... 247
CAPÍTULO VII A SAÚDE E A SEGURANÇA DOS MARÍTIMOS ..................................................................................... 249
SUBCAPÍTULO I A PREVENÇÃO DE ACIDENTES E A PROTEÇÃO DA SAÚDE ..................................................... 284
SUBCAPÍTULO II ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS ......................................................... 284
SUBCAPÍTULO III ACIDENTES, DOENÇAS E FALECIMENTO ...................................................................................... 290
CAPÍTULO VIII A ALIMENTAÇÃO, O ALOJAMENTO E AS INSTALAÇÕES DE BEM-ESTAR A BORDO DOS NAVIOS .......... 294
SUBCAPÍTULO I A ALIMENTAÇÃO ...................................................................................................................................... 294
SUBCAPÍTULO II ALOJAMENTO E INSTALAÇÕES DE BEM-ESTAR ............................................................................... 305
TÍTULO V RESPONSABILIDADES DOS ESTADOS ....................................................................................... ...310
CAPÍTULO I RESPONSABILIDADES COMO ESTADO DE BANDEIRA ..................................................................... 312
CAPÍTULO II RESPONSABILIDADE DO ESTADO DO PORTO .................................................................................... 329
11
CAPÍTULO III QUEIXAS ..................................................................................................................................................... 334
CONCLUSÕES ...................................................................................................................................... 341
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 350
12
INTRODUÇÃO
Não obstante os principais temas laborais serem comuns a todos os trabalhadores,
existem certos trabalhadores, nomeadamente os do setor marítimo, que, pelas condições
específicas associadas às atividades por si desenvolvidas, são protegidos por legislação
especial.
A humanidade tem mantido, desde sempre, uma forte relação com o mar, não
apenas pelos recursos aí disponíveis mas também porque continua a constituir a via de
transporte comercial mais utilizada a nível mundial.
Durante vários séculos, o transporte marítimo assegurou, e continua a assegurar,
de forma eficaz, a ligação comercial entre vários países e continentes, tendo-se revestido
de uma enorme importância para os Estados, principalmente em termos económicos.
A maioria do comércio mundial em volume é assegurada pelo transporte
marítimo, através do qual se procede à distribuição de inúmeros produtos
comercializados por portos e economias de todo o mundo. Por essa razão, o transporte
marítimo é uma das mais internacionais indústrias do mundo, servindo uma grande
percentagem do comércio global, transportando grandes quantidades de mercadoria de
forma eficaz, limpa e segura, sendo por isso considerado a espinha dorsal do comércio
internacional e um dos motores da globalização.
O comércio marítimo é identificado como um dos grandes propulsores dos
avanços económicos e políticos, tendo inclusivamente servido como instrumento para
aproximar e aprofundar as relações entre povos que nunca haviam interagido. Pelo que
se compreende a razão da célebre frase, “sem os navios e os marítimos, metade da
população passava fome e a outra metade congelava”.
Como em qualquer outro setor, também no marítimo os recursos humanos são o
fator chave na eficácia e eficiência das operações. O trabalho a bordo dos navios assume
assim uma importância extrema.
A vertente internacional da marinha de comércio, o meio em que ela se exerce e
os perigos profissionais inerentes, bem como a ausência de acordos em protegê-la da
concorrência internacional, tiveram reflexo no trabalho prestado a bordo de navios,
contribuindo para a especificidade da legislação que o regula. A própria importância dos
marítimos tem sido reconhecida ao longo dos tempos pelos povos, desde logo pelas
13
especificidades técnicas das funções em causa e pela enorme responsabilidade da
maioria das profissões exercidas a bordo.
O facto de as tripulações congregarem, com frequência, elementos de diferentes
nacionalidades, de passarem grande parte do seu tempo em alto mar, longe das suas
famílias, fora da ação regular das autoridades, num espaço bastante confinado, vinte e
quatro horas por dia, visitando diferentes países, com legislações igualmente distintas,
também contribuiu para um tratamento legislativo especial.
O trabalho a bordo dos navios comerciais apresenta diversas particularidades
que justificam a sua autonomização jurídica. As exigências de disciplina são um dos
primeiros fatores a evidenciar, uma vez que o funcionamento de um navio depende da
total colaboração entre os tripulantes; impondo um elevado grau de organização,
justificando-se por isso a aprovação de normas destinadas a garantir o seu controlo.
A solidariedade também é relevante, sendo que, pela sua natureza, o trabalho a
bordo pode incluir períodos de grande isolamento e pode envolver perigos variados;
razão pela qual os trabalhadores devem ser assistidos para além do simples salário,
recebendo particulares garantias nos casos de acidentes, doença ou naufrágio. Por sua
vez, as mesmas razões justificam que os empregadores possam exigir, em condições
excecionais, que os trabalhadores prestem atividades para além do previamente
acordado.
Destaca-se também a questão da descentralização: na maioria dos casos, o
empregador fica em terra, sendo todas as decisões que lhe assistem transferidas para o
comandante do navio.
O trabalho no mar tem características que fazem deste setor um dos mais
complexos a nível preventivo: o navio está em movimento, num ambiente marítimo,
que não é o ambiente “natural” do ser humano e à mercê de condições climáticas
extremas. Por esse motivo, intensificam-se as exigências de saúde e segurança
operacional e ocupacional a bordo dos navios.
Acresce que o afastamento do meio familiar e social e o sentimento de isolamento
levam a um aumento da fadiga e da ansiedade. Por essa razão, têm sido prioritárias as
questões do tempo de trabalho e de descanso a bordo.
Para além disso, é preciso acrescentar a internacionalidade do setor e a dificuldade
de controlar as condições em que o trabalho é executado. Uma das principais questões
14
que tem preocupado o legislador consiste, por isso, na uniformização da legislação, na
segurança a bordo e na proteção ambiental.
Ao longo do tempo, tem-se verificado que o "elemento humano" é uma das
principais causas de acidentes no mar, razão pela qual têm surgido cada vez mais
mudanças tecnológicas e regulatórias na indústria a nível do recrutamento, qualificação
e formação dos marítimos. A gestão de recursos humanos tornou-se cada vez mais
complexa em prol da segurança da navegação, sendo também cada vez mais rigorosas
as exigências de formação e qualificação.
As relações marítimas a bordo enfrentam também problemas essencialmente
económicos porque as despesas efetuadas com as tripulações tendem a representar um
dos mais elevados custos operacionais em que incorre o armador.
A desigualdade da regulamentação aplicável pelos vários Estados permite que
haja navios em que os trabalhadores experienciam condições de vida e de trabalho
degradantes, como forma de reduzir os custos.
Por essa razão, os Estados vêm congregando esforços para reforçar as suas
responsabilidades a nível da inspeção das condições de trabalho e de vida a bordo.
Além disso, face à inegável importância e à essencialidade do mar para a toda a
sociedade, tem vindo a ser produzida legislação específica para várias matérias
associadas ao universo marítimo.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ou simplesmente
Convenção de Montego Bay, foi um dos diplomas pioneiros na tentativa de aproximar
as legislações marítimas1.
A marinha mercante de comércio é uma das indústrias mais fortemente
regulamentadas a nível global, sendo vital que esteja sujeita a normalização nas áreas de
projeto, construção, navegação, manutenção, e, como é natural, na formação,
competências e condições de trabalho da tripulação.
Se assim não fosse, haveria uma infinidade de regulamentações nacionais,
eventualmente contraditórias, resultando em distorção comercial, confusão
administrativa, conflitos legais e desigualdades nas condições laborais e nos custos que
essas condições implicam, comprometendo a eficiência do comércio mundial.
1A CNUDM é um tratado internacional com origem na terceira Conferência da ONU sobre o Direito do Mar (III Conferência), a qual decorreu entre 1973 e 1982. Este tratado foi celebrado em Montego Bay, na Jamaica, a 10 de dezembro de 1982, e define e codifica conceitos herdados do direito internacional consuetudinário referentes a assuntos marítimos
15
Tendo em consideração as particularidades destas relações laborais, os Estados
têm sentido a necessidade de aproximar as legislações que regulam o trabalho a bordo
dos navios, de forma a criar um regime jurídico mais uniforme.
Ao longo deste trabalho será abordado o contributo internacional e regional para a
criação de normas especialmente aplicáveis aos contratos de trabalho marítimo no setor
comercial, principalmente no que concerne à Convenção de Trabalho Marítimo de
2006, aprovada pela OIT, e a sua influência no ordenamento jurídico português.
Portugal tem procurado ajustar a sua legislação às alterações internacionais e
regionais. As principais alterações legislativas ocorreram em 2015, com a aprovação da
Lei n.º 146/2015, de 9 de setembro, e com a ratificação da Convenção do Trabalho
Marítimo de 2006, o que reforça a importância da abordagem deste tema.
Sendo Portugal um país costeiro, com condições geográficas que permitem o
desenvolvimento do comércio marítimo, a atividade dos trabalhadores que prestam as
suas funções a bordo não pode ser menosprezada.
Na Parte I desta dissertação será feita uma abordagem sucinta sobre os aspetos
gerais do Direito Marítimo com influência no trabalho dos marítimos.
No Título I pronunciar-nos-emos acerca da evolução histórica da legislação de
direito marítimo, com especial relevância para o trabalho a bordo de navios, e da
importância do Direito Internacional e do Direito da União Europeia neste setor. Será
igualmente analisada a evolução da legislação que regula o contrato de trabalho a bordo
de navios da marinha mercante comercial em Portugal.
Seguidamente, no Título II será feito um enquadramento legal do contrato de
trabalho a bordo de navios em França, Itália e Espanha, onde se postulam, do mesmo
modo, regras especiais para o contrato de trabalho a bordo de navios. Sem prejuízo, a
análise de direito comparado será concretizada ao longo da dissertação.
Na Parte II dedicar-nos-emos, em concreto, ao contrato de trabalho dos
marítimos.
Por serem várias as especificidades deste regime, desde logo a nível da
identificação dos próprios sujeitos do contrato, serão explicados, no Título I, os
principais conceitos usados pelo legislador, de forma a melhor compreender o âmbito de
aplicação da legislação que regula a atividade dos marítimos. Essa análise centrar-se-á
16
na determinação do conceito “navio” como embarcação que prossegue a atividade
comercial; na identificação dos sujeitos da relação laboral, principalmente no que
concerne ao armador e ao trabalhador marítimo; e na determinação do direito aplicável.
Tendo em consideração que o nosso objetivo será proceder a uma análise crítica
do contrato de trabalho marítimo e da relação laboral marítima, cumpre, desde logo
referir que, neste Título, as matérias de direito marítimo, como a determinação do navio,
as regras de registo, as explicações relativas às bandeiras dos navios e a identificação
dos vários sujeitos da expedição marítima, não serão analisadas de forma profunda, com
o pormenor, a crítica e a profundidade que lhes estão normalmente associadas.
Por outras palavras, esta análise visa apenas abordar de forma geral algumas
matérias que tenham influência na relação laboral, sem as quais difícil será compreender
qual o âmbito de aplicação da lei e qual a razão de ser da necessidade de um regime
especial para este setor, o qual é cada vez mais regulado a nível internacional, nacional
e regional.
Em suma, não é nosso objetivo fazer uma abordagem profunda acerca dos temas
aqui tratados, os quais sempre seriam dignos de um tratamento autónomo em matérias
próprias do direito marítimo e não do direito do trabalho.
A este propósito, cumpre ainda referir que as expressões “trabalho marítimo” e
“trabalho a bordo de navio”, quando utilizadas ao longo desta dissertação, deverão ser
sempre interpretadas com o significado de trabalho marítimo a bordo de navio da
marinha mercante comercial.
Ainda neste ponto e por nos termos dedicado à identificação do marítimo como
parte da relação laboral, iremos abordar o regime aplicável à tripulação, designadamente
em matéria de lotação, embarque e desembarque.
Além disso e com o objetivo de dar a conhecer as atividades exercidas a bordo,
nomeadamente daquelas que são exercidas pelos inscritos marítimos, iremos identificar
as categorias profissionais reconhecidas por lei.
No seguimento dessa identificação serão explicadas as normas aplicáveis em
matéria de mobilidade funcional.
Por sua vez, no Título II será feita uma delimitação do contrato de trabalho
marítimo, nomeadamente no que respeita à sua caracterização como contrato de
17
trabalho e à aplicação de um regime especial. A este propósito serão identificados os
motivos pelos quais este contrato está sujeito a um tratamento especial.
No Título III será feita uma abordagem à formação do contrato de trabalho
marítimo. Serão aprofundados os pressupostos para a celebração do contrato, entre os
quais a idade e a aptidão física e psíquica dos marítimos.
A idoneidade negocial, a formação e a qualificação dos marítimos serão sujeitas a
análise crítica.
A questão da nacionalidade como requisito para o acesso a determinadas
profissões marítimas também será apreciada.
Ainda no âmbito da formação do contrato, iremos analisar a questão da forma e
das formalidades do contrato, assim como a questão dos deveres de informação pré-
contratuais exigidos pela legislação nacional.
Por fim, abordaremos as regras aplicáveis ao recrutamento dos marítimos.
O regime atual dos contratos de trabalho do pessoal da marinha de comércio será
apreciado no Título IV.
A este propósito serão abordadas as especificidades do regime do contrato de
trabalho a bordo, entre as quais a retribuição; o tempo de trabalho; o local de trabalho; o
repatriamento; o contrato de trabalho a termo; a indemnização em caso de perda ou de
naufrágio do navio; a segurança e a saúde dos marítimos; a alimentação; o alojamento e
bem-estar nas instalações.
Apenas não serão apreciadas as questões relativas ao regime da segurança social e
à cessação do contrato de trabalho marítimo. A primeira, porque face às especificidades
de regime seria sempre digna de um estudo mais profundo e autónomo, e a segunda, por
não apresentar especificidades em relação ao regime geral que justifiquem a sua
abordagem em detalhe, dado achar-se sujeita ao regime geral do CT.
Não obstante não analisarmos em profundidade a questão da cessação do contrato
de trabalho marítimo, todas as especificidades de regime que com ela estejam direta ou
indiretamente relacionadas serão apreciadas, em temas como o repatriamento; a
indemnização em caso de avaria, perda de navio ou naufrágio e a caducidade do
contrato de trabalho a termo.
18
Por fim, no Título V, será dado destaque à responsabilidade dos Estados de
bandeira e dos Estados do porto, para assegurar o cumprimento das normas aplicáveis
às condições de vida e de trabalho marítimo, de molde a assegurar o cumprimento da
legislação aplicável.
19
PARTE I
DOS ASPETOS GERAIS DO TRABALHO MARÍTIMO
20
TÍTULO I
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO TRABALHO A BORDO DE NAVIOS
CAPÍTULO I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O Código de Hamurabi, oriundo da Mesopotâmia, Babilónia, estabelecia regras
para a construção naval, fretamento de navios, responsabilidade de fretador,
abalroamento, indemnizações e trabalho dos tripulantes dos navios (leis 234 a 240)2.
No entanto, as primeiras e mais relevantes leis de navegação, objeto de
compilação e que resultam de documentos autênticos, são as afamadas Leis Rhodias da
antiga Grécia3.
Rhodes era uma ilha situada no sul da Grécia, forte e independente a nível
marítimo, conhecida por nela se situar uma das sete maravilhas do mundo: o Colosso de
Rodes. Entre 1000 a.C. e 600 a.C., o povo de Rhodes desenvolveu uma forte frota
comercial e expandiu-se pelo Mediterrâneo, estabelecendo colónias comerciais ao longo
da costa oeste de Itália, França e Espanha.
Ao mesmo tempo, este povo desenvolveu regras de direito para dirimir disputas
marítimas incluindo, especialmente, aquele que é considerado o primeiro código de
Direito Marítimo: as Leis Rhodias, criadas em 475 a.C.. Tem sido incontestável entre os
autores que os principais fundamentos da jurisprudência náutica sobre transporte
marítimo, avarias e responsabilidade, se devem ao governo da ilha de Rhodes.
As normas das Leis Rhodias expandiram-se pelo Mediterrâneo e serviram de
inspiração para as futuras legislações marítimas, tendo sido integradas na Lex Rhodia de
Iactu inserida no Digesto (Título II, Livro XIV). Desse modo, o direito marítimo
edificado sobre as Leis Rhodias sobreviveu através do Império Romano, conhecido pelo
seu enorme poder comercial, que o adotou4.
A este respeito, destacamos a famosa passagem narrada no Digesto (D.14.2.29)
em que Eudemon de Nicomédia, que havia naufragado, se queixava ao imperador
2 Nos termos da Lei 239 deste Código, se um homem contratasse um barqueiro, teria que pagar 6 [Kures de cevada] por ano. 3 BORGES, José Ferreira, Projeto de seis títulos do código de comércio marítimo, março, 1821, p. 10. 4 A propósito das referências romanas às Leis Rhodias vide DUHAIME, Lloyd - Lex Rhodia: The Ancient Ancestor of Maritime Law, September 22, 2008 e ELLART, Carlos Sa´Nchez-Moreno - Lex Rhodia (Encyclopedia of Ancient History), Law of the sea, Rhodian.
21
romano Antonino de que fora saqueado pelos habitantes das Ilhas Cíclades, visando a
solução contrária à das Leis Rhódias. Este obteve a seguinte resposta ”‘rex et dominus
mundi sum; lex Rhodia, autem, regina et domina maris est’”5.
Neste período, o Digesto Justiniano fixava a forma de retribuição dos tripulantes,
ao mesmo tempo que estipulava uma obediência destes aos proprietários das
embarcações6.
Apesar de o povo romano se ter dedicado ativamente ao comércio marítimo e ter
sido responsável pela primeira norma relativa ao domínio marítimo no Mediterrâneo,
com a declaração do Mare Nostrum, que refletia a vontade do poder militar romano, não
há indícios que apontem para uma forte influência romana no desenvolvimento de
diretrizes de trabalho marítimo.
Na Idade Média, várias cidades prosperaram graças ao comércio proporcionado
pelos portos e à atividade dos comerciantes. Como consequência, o trabalho marítimo
passou a ser regulado por um conjunto de leis baseadas no “costume do mar”, que se
aplicavam a todos os trabalhadores de qualquer nacionalidade e em qualquer lugar,
reconhecendo os seus deveres e tutelando os seus direitos, tendo em conta que esses
eram homens livres, ao contrário do que acontecia com os agricultores7.
Os autores identificam os Juízos d’Oleron e o Consulado do Mar como os dois
mais importantes monumentos jurídicos medievais nesta matéria8.
Os Consulados do Mar surgem em Espanha a partir do séc. XIII como uma
instituição destinada fundamentalmente a solucionar disputas comerciais entre
comerciantes e para promover e proteger os interesses dos comerciantes catalães e
aragoneses. Deste modo, os Consulados eram verdadeiros “tribunais marítimos” com
jurisdição própria em matéria comercial dada a incapacidade objetiva que os tribunais
ordinários tinham para resolver correta e justamente os litígios entre os comerciantes9.
5 “Sou o rei e o senhor do mundo; mas a senhora e a rainha do mar é a Lei Ródia”, cf. MARTINS, Eliane M. Octaviano, Curso de Direito Marítimo, vol. 1, Manole, 2013, p. 21 e FERREIRA, Guilherme Barbosa, A (R)Evolução do Direito Marítimo, p. 6. 6 Cf. FILIPE, Eusébio, O Direito do Trabalho Marítimo, 1972, p. 15. 7 Bureau International du Travail, Dix ans d'Organisation Internationale du Travail, Genève, 1931, pp. 240 a 241 e p. 243. 8 SANTOS, Madalena M - Os direitos marítimos da antiguidade e as manifestações da sua influência na formação de alguns costumes, leis e institutos do direito português - breves notas, in Separata de estudos em homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, edição da FDUL, Coimbra Editora, 2003, p. 578. 9SANTOS, Madalena M - Os direitos marítimos da antiguidade e as manifestações da sua influência na formação de alguns costumes, leis e institutos do direito português - breves notas, in Separata de estudos em homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, edição da FDUL, Coimbra Editora, 2003.p. 581.
22
Il Consolato del Mare (O Consulado do Mar)10 destaca-se por ser uma das mais
antigas coleções de leis e usos sobre o direito marítimo aplicados e criados pelos
referidos consulados, tendo sido responsável por regular o comércio do Levante (zona
comercial marítima do mediterrâneo).
Esta compilação ficou conhecida por ser bastante abrangente, versando sobre
temas como a propriedade dos navios, os deveres e responsabilidades dos mestres ou
capitães dos mesmos, os direitos dos marinheiros e seus salários, o frete, o
salvamento11, tornando-se, a partir do século XV, numa espécie de código internacional
nos países mediterrâneos que nela se inspiraram para criarem as suas próprias
compilações.
Os Juízos d’Oleron (Rôles d’Oléron) são uma compilação de leis marítimas
publicadas por Ricardo I que colecionava, em pergaminho, várias sentenças que se
aplicavam nessa ilha francesa, rota de relevante e intenso comércio de vinho e de sal.
Esta compilação foi bastante prestigiada, tendo tido uma forte influência para os países
da zona ocidental da Europa, nomeadamente em França e Inglaterra. Tais juízos
estiveram em vigor nos tribunais marítimos franceses no final do século XI e início do
século XII12.
Mais tarde, devido à descoberta de novas rotas e à insaciável procura por novas
espécies de produtos, o comércio marítimo intensificou-se exponencialmente, o que
exigiu a adoção de normas mais específicas. Para além disso, com a formação dos
Estados europeus, o fim da unidade do direito do mar e a necessidade de coordenar as
decisões dos tribunais, começaram a surgir diversos códigos marítimos.
Neste contexto, destacam-se as Leis de Wisby que são conhecidas como um
código de costumes marítimos adotado na ilha de Gotland, na Suécia, sendo que Wisby
era o principal porto. Esta legislação aplicava-se aos países nórdicos e regulava o
governo do Mar Báltico. De acordo com as leis de Wisby, o marinheiro teria direito a
salário integral para a viagem13.
10 No entanto, a origem deste livro é alvo de discussão. Acredita-se que tenha sido escrito em Barcelona entre os anos de 1258 e 1266, cfr. FERREIRA, Guilherme Barbosa - A (R)Evolução do Direito Marítimo, Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015, p. 7 e Justice and Legal System Reseacrh Institute, Maritime Law Teaching Material, Hailegabriel Gedecho Feyissa, 2009, p. 6. 11 MATOS, Azevedo - Princípios de Direito Marítimo, vol. I, Edições Ática, 1955, pp. 23 e 24. 12 SCHAFFER, Richard / AGUSTI, Filiberto / DHOOGE, Lucien J. - International Business Law and Its Environment, Cengage Learning Legal Studies in Business, Academic Series, ninth edition, 2015, p. 160. 13 A origem exata das leis da Cidade de Wisby, Gothland, é bastante discutida pelos historiadores, reconhecendo-se-lhes forte semelhança com as Leis d’Oleron. Sobre este tema vide REDDIE James, An Historical View of the Law of Maritime Commerce, Edinburg, cap. V, 1841.
23
No ano de 1597, destacam-se os Recessos da Hansa Teutónica (“Laws of Hansa
Towns”)14, promulgados pela Assembleia geral da Liga Hanseática que se reunia em
Lubeck, e publicados pela primeira vez em Lübeck, Alemanha, em 1597, verdadeiros
regulamentos náuticos das cidades marítimas do norte15.
Já no século XVII, em França, surgiu a Ordenação Francesa de Colbert, com que
foi promulgada a Ordonnance Touchant la Marine, de 1681, (Ordenança de Colbert)16,
que visava unificar o direito marítimo e que assegurava, quer aos marítimos, quer aos
armadores, maiores garantias práticas, nomeadamente no que respeitava a condições de
trabalho. José Ferreira Jorge refere-se a ela como o código marítimo do mundo
mercante17.
Este código teve a finalidade de uniformizar e codificar o direito marítimo,
compreendendo o direito marítimo público, privado, administrativo e ainda o direito
internacional, dividido em cinco livros. A sua relevância para o direito marítimo da
época é inquestionável, tendo-se firmado durante dois séculos como a base do direito
marítimo18.
A esse propósito, EUSÉBIO FILIPE refere que “um dos capítulos da referida
obra que estatuiu sobre os direitos e obrigações dos tripulantes passou para o Código
do Comércio Francês, de 1808, e para os outros códigos que se lhe seguiram”19.
A Ordenança de Colbert vigorava em Portugal como direito subsidiário através da
Lei da Boa Razão (1769)20.
14 Estes regulamentos tornaram-se famosos pela Liga que lhes estava associada: a Liga Hanseática, uma aliança de cidades mercantis que estabeleceu e manteve um monopólio comercial sobre quase todo norte da Europa e Báltico, no fim da Idade Média e começo da Idade Moderna (entre os séculos XIII e XVII). A este propósito vd. SILVA, José - Princípios de Direito Mercantil e Leis da Marinha, para uso da mocidade portugueza, destinada ao comércio: Tratado VI, Parte II, Da Policia dos Portos, e Alfandegas de ordem de sua alteza real, o principe regente nosso senhor, Contendo as Ordenações de Marinha de França, Impressão Regia, Lisboa, 1819. 15 Os artigos 45.º a 47.º, 49.º e 52.º, estabeleciam normas aplicáveis às relações laborais. 16 As Ordenações de Marinha de França foram promulgadas no Reinado de Luís XIV, tendo ganho bastante estima em toda a Europa. São compostas por cinco livros que tinham os seguintes títulos: 1. Des officiers de l'amirauté; 2. Des gens et des bâtiments de mer; 3. Des contrats maritimes, chartes-parties, engagements et loyers des matelots; prêts à la grosse, assurances, prises; 4. De la police des ports, côtes, rades et rivages; 5. De la pêche en mer. 17 BORGES, José Ferreira - Projeto de seis títulos do código de comércio marítimo, março, 1821, p. 11. 18 SCHAFFER, Richard / AGUSTI, Filiberto / DHOOGE, Lucien J. - International Business Law and Its Environment, Cengage Learning Legal Studies in Business, Academic Series, ninth edition, 2015, p. 160. 19 EUSÉBIO, Filipe - O Direito do Trabalho Marítimo, Estudos Laborais, Direção-Geral do Trabalho e Corporações do Ministério das Corporações e Previdência Social, Lisboa, 1972, p. 15. 20 GOMES, Manuel Januário Costa - O Ensino do Direito Marítimo - O Soltar das Amarras do Direito da Navegação Marítima, Almedina, Coimbra, 2005, p.44
24
Como esclarece AZEVEDO MATOS, “a célebre Ordenança sobre a Marinha
fixou verdadeiramente o direito marítimo europeu e vigorou como direito subsidiário,
por força da Lei de 18 de agosto de 1769”, denominada Lei da Boa Razão, que remetia
para as leis das “nações cristãs, iluminadas e polidas”21.
CAPÍTULO II
O DIREITO DO TRABALHO MARÍTIMO
A NÍVEL INTERNACIONAL
À evolução do comércio internacional seguiu-se a universalização das regras
marítimas. As leis marítimas mais antigas eram uniformes. O seu valor residia no facto
de terem surgido da experiência e de serem adequadas às necessidades de uma
comunidade que não conhecia fronteiras nacionais: a comunidade internacional dos
marítimos.
Não obstante as operações marítimas serem internacionais, envolvendo indivíduos
de diferentes jurisdições, a uniformidade histórica das leis marítimas enfraqueceu com o
emergir dos nacionalismos.
O aspeto complexo internacional do local onde se exerce a atividade marítima e
onde se encontra o navio, por um lado, e o facto de as leis laborais serem nacionais, por
outro, geram diferentes problemas.
As diferenças entre legislações nacionais podem, por exemplo, criar resultados
imprevisíveis e desiguais para os trabalhadores. Para além disso, a existência de vários
Estados com leis próprias que regulam o trabalho marítimo implica que as condições
laborais não sejam comuns em diferentes territórios, variando em cada jurisdição.
Criar normas uniformes de direito laboral, aplicáveis aos marítimos, tornou-se
uma solução capaz de evitar grande parte dos problemas relacionados com as condições
de vida e de trabalho dos trabalhadores a bordo.
No século XIX, este entendimento permitiu a ponderação e aplicação de regras
relativas à navegação marítima de forma uniforme a nível global.
A Organização das Nações Unidas, idealizada para zelar pela paz e segurança
internacionais, fomentou a consolidação da regulação marítima. Várias tentativas
frustraram essa expectativa. Apesar dos progressos decorrentes da primeira e da
21 MATOS, Azevedo, Princípios de Direito Marítimo, vol. I, Edições Ática, 1955, p. 26.
25
segunda Conferência, pouco se avançou na obtenção do consenso em algumas questões
mais sensíveis22.
Porém, a 10 de dezembro de 1982, durante a terceira Conferência das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, foi criada a Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (CNUDM), um tratado multilateral celebrado pelos membros da ONU
em Montego Bay (Jamaica) que define e codifica conceitos herdados do direito
internacional consuetudinário referentes a assuntos marítimos, como mar territorial,
zona económica exclusiva, plataforma continental e outros, e estabelece os princípios
gerais da exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e
os do subsolo. Esta Convenção criou o Tribunal Internacional do Direito do Mar que
tem competência para julgar as querelas relativas à interpretação e à aplicação daquele
tratado.
Os Estados que participaram na criação da Convenção reconheceram que, em
particular, todos os países devem, em regra, manter um registo de navios no qual
figurem os nomes e as características dos navios que arvorem a sua bandeira, e exercer a
sua jurisdição em conformidade com o seu direito interno sobre todo o navio que arvore
a sua bandeira e sobre o capitão, os oficiais e a tripulação, em questões administrativas,
técnicas e sociais que se relacionem com o navio.
A propósito do trabalho marítimo, o artigo 94.º, n.º 3, alínea b), da Convenção,
prevê que todos os Estados adotem, em relação aos navios que arvorem a sua bandeira,
as medidas necessárias para garantir a segurança no mar, no que se refere à composição,
condições de trabalho e formação das tripulações, tendo em conta os instrumentos
jurídicos internacionais aplicáveis.
1. COMITÉ MARÍTIMO INTERNACIONAL (CMI)
Em 1897, vários advogados e comerciantes fundaram, na Bélgica, o Comité
Marítimo Internacional, a mais antiga organização internacional do mundo no âmbito
marítimo, com a preocupação de unificar o Direito Marítimo23. Este Comité constitui
uma Organização Privada Internacional.
22 A este propósito vd. NETO, Júlio Soares de Moura - Reflexões sobre a Convenção do Direito do Mar, Coleções Relações Internacionais, André Panno Beirão/ Antônio Celso Alves Pereira (coord.), Brasília, 2014. 23 De acordo com o artigo 1.º da Constituição do CMI “it is a not-for-profit international organization established in Antwerp in 1897, the object of which is to contribute by all appropriate means and activities to the unification of maritime law in all its aspects. To this end it shall promote the
26
O CMI é conhecido como o principal harmonizador das normas privadas de
Direito Marítimo, sendo composto por 56 Associações de Direito Marítimo nacionais, o
que corresponde a cerca de 11.000 pessoas com funções associadas ao comércio
marítimo, à advocacia, à prática financeira e aos seguros, entre outras24.
Nas conferências intergovernamentais foram discutidas e adotadas convenções e
protocolos criados pelo CMI durante décadas, antes da criação da OMI, mais
concretamente entre fevereiro de 1905 (Collision and Salvage) e dezembro de 1979
(Hague/Visby Rules and SDRs).
Até 1960 as normas de direito marítimo e práticas comerciais associadas eram
essencialmente monopólio do CMI.
Acontece que muitas funções do CMI foram assumidas pela OMI aquando da sua
criação. Em consequência, o CMI passou a ser um membro consultivo da OMI.
Atualmente, o CMI colabora com a OMI em matéria de tratamento dos marítimos
(“Fair Treatment of Seafarers”) no caso de incidentes marítimos. Esta colaboração
compreende, nomeadamente: a revisão das regras relevantes (CNUDM e MARPOL); a
elaboração de orientações relevantes para as questões de tratamento justo; a preparação
de apresentações pertinentes ao Comité Jurídico da OMI ou outras organizações
relevantes e o acompanhamento e promoção do reconhecimento e adesão às orientações
da OMI sobre o tratamento justo dos marítimos em caso de acidente marítimo.
2. OMI – ORGANIZAÇÃO MARÍTIMA INTERNACIONAL
A 6 de março de 1948 foi adotada pela ONU uma organização especializada na
proteção e segurança da navegação marítima e na prevenção da poluição marinha por
navios, a qual se reuniu pela primeira vez no ano seguinte.
Essa organização é designada como OMI e foi criada em Genebra com o nome
inicial de Organização Consultiva Intergovernamental Marítima25, com o lema “safe,
secure and efficient shipping on clean oceans, through cooperation”26.
establishment of national associations of maritime law and shall co-operate with other international organizations”. 24 A propósito da história desta instituição vd. FRAWLEY, Nigel H.- A Brief History of the CMI and its relations with IMO, the IOPC Funds and other Organisations, 07 de janeiro de 2011, e LILAR Albert/ Carlo Van Den Bosch - The International Maritime Committee, 1897-1972. 25 A sua designação foi alterada, em maio de 1982, para Organização Marítima Internacional (OMI). 26 De acordo com o artigo 1.º da Convenção que criou a OMI, o seu principal objetivo é “fornecer mecanismos de cooperação entre os Governos no campo da regulamentação governamental e práticas
27
Atualmente, a OMI é composta por 171 Estados-Membros e três membros
associados e está sedeada em Londres, no Reino Unido27.
São órgãos da OMI: a Assembleia, o Conselho, cinco Comités principais
(“Maritime Safety Committee”; “Marine Environment Protection Committee”; “Legal
Committee”; “Technical Cooperation Committee” e “Facilitation Committee”), os
Subcomités e o Secretariado.
A OMI tem contribuído para a criação de leis marítimas uniformes a nível
internacional. Compete-lhe criar normas globais para o desempenho do transporte
marítimo no âmbito da segurança ambiental, promovendo internacionalmente a
inovação e a eficiência no transporte marítimo.
Deste modo, a principal tarefa da OMI tem sido a de desenvolver e manter um
quadro regulamentar global para este meio de transporte e a sua atual missão é garantir
a segurança, prevenir desastres ambientais, aprofundar questões jurídicas e promover a
cooperação técnica, a segurança marítima e a eficácia da navegação.
Esse trabalho deu origem a um conjunto de convenções internacionais, alicerçadas
em várias recomendações que regem todos os aspetos da navegação marítima28.
Não obstante as resoluções e as recomendações adotadas pela Assembleia da
OMI não serem diretamente vinculativas, o seu conteúdo pode ser extremamente
importante e gerador de disposições jurídicas internacionais.
Como veremos, a OMI desempenha um papel fundamental, não apenas na
garantia de que o ambiente marinho não seja poluído pelo transporte marítimo, mas
também na salvaguarda da vida dos trabalhadores marítimos. Em matéria laboral,
destaca-se a Convenção STCW sobre normas de formação, de certificação e de serviço
de quartos para os marítimos, que é um dos instrumentos internacionais mais
relacionadas com assuntos técnicos de todos os tipos que interessem à navegação comercial internacional; encorajar e facilitar a adoção geral dos mais altos padrões possíveis em matéria de segurança marítima, eficiência da navegação e prevenção e controle da poluição marinha por navios” 27 Efetivamente, a OMI inclui as principais bandeiras de registo de navios; inclui todos os principais estados costeiros e inclui organizações intergovernamentais, como é o caso da União Europeia e ainda organizações não-governamentais, como a AISC. 28 Entre as quais se destacam: a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS 1974); a Convenção MARPOL - Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, de 1973, alterada pelo Protocolo de 1978 (MARPOL 73/78); a Convenção STCW 78 - Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos; a Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento; a Convenção Internacional sobre a Prevenção da Poluição por Hidrocarbonetos, Resposta e Cooperação; a Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos; a Convenção que institui o Fundo Internacional para Compensação pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos; a Convenção de Atenas sobre a responsabilidade e compensação para os passageiros no mar.
28
importantes em matéria de formação dos trabalhadores que exercem atividade a bordo
de navios.
3. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT
A OIT promove desde 1919 um ambiente de trabalho sadio e decente. Esta
organização foi fundada em simultâneo com a Sociedade das Nações, pelo Tratado de
Paz, assinado em Versalhes, que veio pôr fim à Primeira Guerra Mundial, tendo como
objetivo principal a melhoria das condições de trabalho.
Em 1944 realizou-se em Filadélfia a 26.ª Conferência Internacional do Trabalho,
em que foi adotada a Declaração na qual se reafirmou o propósito de justiça social e ao
qual foi associada a noção do primado dos objetivos sociais na política internacional,
alargando o seu mandato e a sua competência, que deixaram de estar confinados ao
campo das condições de trabalho29.
A OIT é conhecida por desenvolver um sistema de normas internacionais que
abrangem todas as matérias relacionadas com questões laborais. Estas normas assumem
a forma de convenções e de recomendações internacionais sobre o trabalho.
As convenções da OIT são verdadeiras normas internacionais sujeitas a ratificação
pelos Estados-Membros desta Organização para que sejam incorporadas no seu
ordenamento jurídico interno, enquanto as recomendações são instrumentos não
vinculativos que definem a orientação das políticas e ações nacionais, constituindo
simples indicações aos Estados-Membros, aconselhando a adoção de determinadas
medidas30. Tanto as convenções como as recomendações pretendem ter um impacte real
sobre as condições e as práticas de trabalho em todo o mundo.
A OIT já adotou mais de 180 convenções e mais de 190 recomendações sobre um
vasto leque de matérias laborais. Temas como a liberdade sindical e negociação
coletiva; a igualdade de tratamento e de oportunidades; a abolição do trabalho forçado e
do trabalho infantil; a promoção do emprego e formação profissional; a segurança
social; as condições de trabalho; a administração do trabalho e inspeção do trabalho; a
prevenção de acidentes de trabalho; a proteção da parentalidade (maternidade e
29 Em 1969, ano em que a OIT comemorava o seu 50.º aniversário, foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz, com o qual se reconheceu o papel desta Organização em prol do progresso social. 30 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, p.61.
29
paternidade) e a proteção de várias categorias de trabalhadores, nas quais destacamos os
trabalhadores marítimos.
As normas internacionais do trabalho influenciam consideravelmente a legislação,
as políticas e as decisões judiciais adotadas a nível nacional, bem como as disposições
das convenções coletivas de trabalho. Independentemente de um país ter ou não
ratificado uma determinada convenção, as normas fornecem orientações sobre o
funcionamento das instituições e mecanismos nacionais no domínio do trabalho, bem
como sobre a adoção de boas práticas em matéria de trabalho e de emprego. Por
conseguinte, as normas internacionais do trabalho têm um impacte sobre a legislação e
as práticas nacionais que ultrapassa largamente a simples adaptação da legislação às
obrigações impostas por uma convenção ratificada.
(i) O Trabalho Marítimo na OIT
A propósito da unificação do direito do trabalho marítimo e de modo a que
houvesse leis uniformes para todos os Estados, independentemente do pavilhão do
navio em que se estivesse embarcado, em 1919 foram apresentadas várias propostas à
Comissão da Legislação Internacional do Trabalho da Conferência da Paz, em Paris,
para que fosse adotada uma organização especial para o trabalho marítimo, dotada de
autonomia, a qual deveria coexistir com a OIT.
Porém, essa pretensão não foi concretizada, para não afetar a unidade da
instituição que estava a ser projetada (a OIT).
Reconhecendo a importância e a especificidade do trabalho marítimo e
considerando que o trabalho normal das indústrias e das empresas e o trabalho a bordo
não poderiam ser regulados da mesma forma, a OIT adotou uma proposta apresentada
pela delegação francesa, segundo a qual as questões relacionadas com as regalias e os
direitos a assegurar aos trabalhadores marítimos deveriam ser objeto de sessão especial
da Conferência Internacional do Trabalho reservada ao trabalho marítimo31.
No seguimento dessa proposta, em 1920 o Conselho de Administração da OIT
criou uma Comissão Paritária Marítima (“Joint Maritime Comission”), um órgão
permanente com papel determinante nas atividades marítimas da OIT.
31 PACETTI, Maria Teresa/ CAETANO, Maria Liseta - O Direito Marítimo da OIT e a Sua Influência na Ordem Jurídica Portuguesa, Direção-Geral das Condições do Trabalho, Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Lisboa, 1998, p. 21.
30
Assim, todas as questões laborais marítimas passaram a ser submetidas ao exame
desta Comissão, antes da apreciação pela Conferência. Com esta decisão assegurou-se o
tratamento continuado das questões laborais que envolvessem trabalhadores marítimos.
Esta Comissão é paritária, nela tendo assento os representantes dos armadores e
de marítimos em número igual, eleitos pelos respetivos grupos de trabalhadores e
empregadores, presentes nas sessões marítimas da Conferência.
Entre as várias competências desta Comissão que presta assessoria ao Conselho
de Administração sobre questões marítimas, destaca-se a atualização da figura “salário
básico mínimo” para marinheiros capazes, criada de acordo com Recomendação n.º
187, de 1996, sobre os salários dos marítimos, horas de trabalho e equipamento dos
navios. Nestes termos, foi criado um subcomité (“Subcommittee on Wages of
Seafarers”) da Comissão Paritária Marítima sobre os salários dos marítimos.
De facto, o papel da OIT na criação de normas uniformes sobre o trabalho
marítimo tem sido fundamental.
Do total de recomendações e de convenções adotadas até hoje pela OIT são várias
as que versam sobre as condições de trabalho dos marítimos.
Para além das Convenções ratificadas por Portugal, que serão elencadas em
momento posterior32, inúmeras são as Convenções da OIT respeitantes à “gente do
mar”, de que são exemplo as seguintes:
Convenção n.º 53, de 1936, sobre certificados de competência dos oficiais;
Convenção n.º 55, de 1936, sobre obrigações do armador (em caso de doença ou
acidente dos marítimos);
Convenção n.º 56, de 1936, sobre seguro de doença (Trabalho Marítimo);
Convenção n.º 57, de 1936, sobre horas de trabalho e lotações (Trabalho
Marítimo);
Convenção n.º 70, de 1946, sobre segurança social (Gente do Mar), revista pela
Convenção n.º 165, de 1987;
Convenção n.º 133, de 1970, sobre alojamento da tripulação;
Convenção n.º 134, de 1970, sobre prevenção de acidentes;
Convenção n.º 163, de 1987, sobre o bem-estar dos marítimos;
Convenção n.º 164, de 1987, sobre proteção da saúde e cuidados médicos;
Convenção n.º 178, de 1996, sobre inspeção de trabalho;
32 Quanto às convenções ratificadas por Portugal, p. 50.
31
Convenção n.º 179, de 1996, sobre recrutamento e colocação de marítimos;
Convenção n.º 180, de 1996, sobre horas de trabalho marítimo e lotações dos
navios;
Convenção n.º 185, de 2003, sobre documentos de identidade da gente do mar
(revista).
Para além disso, a OIT emitiu diversas recomendações que versam sobre as matérias de
trabalho marítimo, entre as quais destacamos:
Recomendação n.º 49, de 1936, referente à duração do trabalho a bordo e
efetivos;
Recomendação n.º 107, de 1958, referente ao recrutamento dos trabalhadores do
mar (navios estrangeiros);
Recomendação n.º 109, de 1958, referente aos salários, duração de trabalho a
bordo e efetivos;
Recomendação n.º 138, de 1970, referente a formação profissional;
Recomendação n.º 142, de 1970, referente ao bem-estar dos marítimos nos
portos e a bordo.
(ii) A OIT e a Convenção do Trabalho Marítimo de 2006
Todos os esforços da OIT culminaram na criação, em 2006, da Convenção do
Trabalho Marítimo (de ora em diante “CTM 2006”) 33, com o objetivo de compilar, num
único documento as várias regras que foram sendo implementadas em convenções e
recomendações anteriores34.
Esta Convenção entrou em vigor no plano internacional em 20 de agosto de 2013
e veio estabelecer as normas mínimas de trabalho e de vida aplicáveis aos marítimos a
33 Esta Convenção concilia 68 convenções e recomendações da OIT em matéria de trabalho marítimo. Sobre este tema vd. LAVELLE Jennifer - The Maritime Labour Convention 2006: International Labour Law Redefined, 2014, Informa Law from Routledge, New York. 34 De acordo com o Preâmbulo da Convenção, “Desejando elaborar um instrumento único e coerente que integre, tanto quanto possível, todas as normas actualizadas contidas nas convenções e recomendações internacionais do trabalho marítimo existentes, bem como os princípios fundamentais enunciados noutras convenções internacionais do trabalho, nomeadamente: a Convenção (n.º 29) sobre o Trabalho Forçado, 1930; a Convenção (n.º 87) sobre a Liberdade Sindical e a Protecção do Direito Sindical, 1948; a Convenção (n.º 98) sobre o Direito de Organização e de Negociação Colectiva, 1949; a Convenção ( n.º 100) sobre a Igualdade de Remuneração, 1951; a Convenção (n.º 105) sobre a Abolição do Trabalho Forçado, 1957; a Convenção ( n.º 111) sobre a Discriminação (emprego e profissão), 1958; a Convenção ( n.º 138) sobre a Idade Mínima de Admissão ao Emprego, 1973; a Convenção ( n.º 182) sobre as Piores Formas de Trabalho das Crianças, 1999.”
32
bordo de navios 35 . A sua aprovação foi um passo essencial para garantir uma
concorrência leal entre armadores e condições equitativas para os proprietários de
navios que arvorem bandeira de países que a ratificaram.
A CTM 2006 foi aprovada por representantes do governo, empregadores e
trabalhadores na Conferência Internacional do Trabalho da OIT, com o objetivo de criar
padrões internacionais para a primeira indústria do mundo verdadeiramente global.
Amplamente conhecida como uma "Declaração de direitos marítimos" (“seafarers’ bill
of rights”), é única por se destinar a marítimos e armadores.
Esta Convenção é bastante abrangente e aborda os direitos dos marítimos e as
condições dignas de vida e do trabalho marítimo, incluindo, entre outros, a idade
mínima, contratos de trabalho, horas de trabalho e descanso, pagamento de salários,
férias anuais remuneradas, repatriamento, cuidados médicos a bordo, o uso de
licenciados, contratação de serviços privados, alojamento, alimentação, proteção da
saúde e segurança e prevenção de acidentes e do tratamento das queixas dos marítimos.
A CTM 2006 foi projetada para ser globalmente aplicada, de fácil compreensão,
facilmente atualizável. Por essa razão, tornou-se um importante reforço no regime
internacional que regula o trabalho marítimo, complementando as principais convenções
da Organização Marítima Internacional (IMO) em matéria de segurança dos navios e
proteção do ambiente marinho36.
Na verdade, a CTM 2006 juntou-se a outras convenções, pilares fundamentais da
regulamentação internacional do transporte marítimo, estas da responsabilidade da
OMI, nomeadamente a SOLAS (segurança marítima), a MARPOL (prevenção da
poluição) e a STCW (formação e certificação do pessoal de mar).
Atualmente, 70 Estados-Membros ratificaram a Convenção responsável por regular
as condições de trabalho para os marítimos em mais de 80 por cento da arqueação bruta
mundial de navios37.
35 A CTM 2006 foi adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho na sua 94.ª sessão, em Genebra, a 23 de fevereiro de 2006. 36 “This Convention shows how tripartite dialogue and international cooperation can combine constructively for the most globalized of industries to concretely address the challenges to securing decent working and living conditions for seafarers, while simultaneously helping to ensure fair competition for ship owners,” por Cleopatra Doumbia-Henry, Diretora do Departamento de Normas da OIT (“International Labour Standards Department”), 23 de agosto de 2013. 37 O cálculo da arqueação bruta (AB) é feito, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo I da CTM 2006 e com a alínea c) do número 1 do artigo 2.º da LAMBN, nos termos das disposições constantes no Anexo I da Convenção Internacional sobre a Arqueação dos Navios, 1969, ou de qualquer outra convenção que a tenha substituído. A arqueação do navio é necessária para conhecer o seu porte e a sua lotação para que o navio não possa ser sobrecarregado tendo em conta a sua capacidade. De acordo com o Artigo 58.º do DL
33
(iii) Estrutura da CTM de 2006
A CTM 2006 é composta por três partes distintas, mas ligadas entre si: os Artigos,
as Regras e o Código. Os Artigos e as Regras estabelecem os direitos e os princípios
fundamentais, bem como as obrigações fundamentais dos Estados que ratificaram a
Convenção. O Código indica o modo de aplicação das Regras, sendo composto por uma
Parte A (normas obrigatórias) e uma Parte B (princípios orientadores não obrigatórios).
As disposições das Regras e do Código estão agrupadas sob os seguintes cinco
títulos:
Título 1: Condições mínimas exigidas para o trabalho dos marítimos a bordo
dos navios; requisitos respeitantes à idade mínima, certificado médico,
formação e qualificação e recrutamento e colocação;
Título 2: Condições de trabalho, incluindo o contrato de trabalho marítimo,
salários, duração do trabalho ou do descanso, direito a férias, repatriamento,
indemnização dos marítimos em caso de perda do navio ou de naufrágio,
lotações e desenvolvimento das carreiras e das aptidões profissionais e
oportunidades de emprego dos marítimos;
Título 3: Alojamento, lazer, alimentação e serviço de mesa; os requisitos de
maior interesse para o projeto do navio, pois pretende garantir-se que os
marítimos disponham de alojamento e de locais de lazer adequados a bordo,
o que terá certamente impacte no projeto dos espaços de acomodação das
tripulações dos navios. Os requisitos aí enumerados incluem áreas mínimas
de camarotes, mobiliário, ventilação, aquecimento, refeitórios, sanitários,
enfermaria, escritórios, iluminação, níveis de vibração e ruído;
Título 4: Proteção da saúde, cuidados médicos, bem-estar e proteção em
matéria de segurança social;
n.º 265/72, de 31 de julho, a arqueação de uma embarcação é a medição do volume dos seus espaços internos comercialmente úteis, bem como o resultado dessa medição, e procura aferir a capacidade comercial da embarcação. Já a arqueação bruta de uma embarcação é o resultado da medição do volume interno de todos os seus «espaços fechados», com exceção daqueles que as próprias regras de medição «excluem» da arqueação (artigo 59.º, n.º 1 do mesmo diploma). Como vimos anteriormente a AB foi o requisito utilizado para determinar a entrada em vigor da CTM 2006 e é um conceito utilizado, na legislação laboral marítima, para definir a aplicação das normas estabelecidas a propósito de determinadas matérias.
34
Título 5: Cumprimento e aplicação das disposições com a especificação das
responsabilidades do Estado de bandeira, do Estado do porto e dos
fornecedores de mão-de-obra.
A CTM 2006 foi adotada com a criação de exigentes critérios de execução e de
aplicação, para garantir que alcançaria mudanças reais para os marítimos e armadores e
evitar ser vista como um "paper tiger”38. Os Estados pretendiam garantir que a CTM
2006 obtivesse um forte apoio por parte do setor marítimo, especialmente dos Estados
de bandeira.
De acordo com o Direito Internacional e segundo a prática da OIT, as convenções
tornam-se obrigatórias 12 meses após registo das ratificações. Ora, para entrar em vigor,
a CTM 2006 precisava de registar pelo menos 30 ratificações pelos países que
representassem pelo menos 33% da arqueação bruta (“AB”) da frota mercante mundial.
Este requisito percentual foi rapidamente cumprido, mas a reunião das 30
ratificações demorou alguns anos, apesar das recomendações da União Europeia.
Finalmente, a 20 de agosto de 2012, verificou-se a ratificação da convenção pela
Federação Russa e pelas Filipinas, atingindo-se assim as 30 ratificações necessárias,
sendo que as frotas combinadas destes países totalizam quase 60% da arqueação bruta
da frota mercante mundial, muito acima do número mínimo de 33%39.
A indústria marítima está a executar ativamente a Convenção e a OIT prevê que a
Convenção acabe por receber a ratificação quase universal de membros relevantes da
OIT40.
38 Expressão utilizada neste caso para normas internacionais que aparentam ser poderosas, importantes e vinculativas dos Estados-Membros, mas que na verdade não o são. 39 Atualmente a CTM 2006 já foi ratificada por 70 Estados-Membros, tendo sido Cabo Verde, China, Índia, Mongólia e Roménia, os últimos países a ratificar. 40 Como se pode verificar em “MLC, 2006: What it is and what it does… - High ratification rate, stringent requirements”, disponível em http://www.ilo.org/
35
CAPÍTULO III
O DIREITO DO TRABALHO MARÍTIMO
NA UNIÃO EUROPEIA
Numa conjuntura em que 75% das transações comerciais da Europa com outros
países e 40% do transporte de mercadorias no interior da Europa são efetuadas por via
marítima e em que, anualmente, cerca de 400 milhões de passageiros utilizam as vias
navegáveis europeias, o setor marítimo é cada vez mais alvo de regulamentação e objeto
de análise por parte dos Estados-Membros da União Europeia41.
A abertura do mercado marítimo permitiu que as companhias de navegação42
operassem livremente noutros países. Por essa razão, a uniformidade na interpretação e
na aplicação do Direito no setor marítimo tem sido uma preocupação constante para os
Estados-Membros.
Para além disso, importa compreender que há razões de ordem geográfica,
demográfica, económica, estratégica, securitária e de procura de recursos naturais que
mostram a importância da regulamentação marítima para a UE.
A nível geográfico é necessário considerar que a UE se situa num vasto continente
rodeado por dois oceanos e quatro mares43, fazendo com que o espaço marítimo sob
jurisdição dos Estados-Membros da União Europeia seja maior do que o espaço
terrestre da própria UE. Acresce que 23 dos 28 Estados-Membros da UE são costeiros44.
Para além disso, cerca de metade da população da UE vive em zonas costeiras, ou a
menos de 50 quilómetros do mar.
A par das razões demográficas, estão as económicas, visto que as regiões
marítimas são responsáveis por 40% do PIB europeu e que entre 3% a 5% do PIB
europeu é gerado pelas indústrias ou serviços do setor marítimo.
41 Informação disponível no portal da União Europeia. 42 Companhias de navegação é uma designação normalmente utilizada para identificar entidades que oferecem uma vasta gama de serviços de forma a colaborar com os armadores ou proprietários dos navios. Esses serviços incluem o recrutamento, a contratação de trabalhadores, a prestação de assistência da tripulação, a celebração de contratos de afretamento, entre outros. De acordo com o DL n.º 61/2012, de 14 de março, companhia é o proprietário de um navio, o gestor de navios, o afretador em casco nu ou qualquer outra organização ou pessoa que tenha assumido perante o proprietário a responsabilidade pela operação do navio e que ao fazê-lo concordou em cumprir todos os deveres e obrigações impostos pelo Código ISM (artigo 3.º, al. f)). 43 Oceano Atlântico, Oceano Ártico, Mar do Norte, Mar Mediterrâneo, Mar Negro e Mar Báltico. 44 PINTO, Márcia Estrela Ramos - A União Europeia e a Segurança Marítima: As missões EUNAVFOR Atalanta e EUCAP Nestor, Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2015, p. 22.
36
Associada à importância do setor marítimo no universo europeu, está a fonte de
mão-de-obra que a indústria marítima e o setor dos transportes a ela associados
comportam. Como já tivemos oportunidade de explicar, esta categoria de trabalhadores
(“os marítimos”) exige um tratamento especial, atendendo às diferentes circunstâncias
em que o seu trabalho é prestado.
Apuradas as razões pelas quais o setor da navegação marítima é tão relevante no
seio europeu, mais fácil se torna compreender a importância do comércio e do trabalho
marítimo para a Europa.
O principal objetivo da política marítima europeia é impedir práticas abusivas a
bordo de navios que fazem escala nos portos da UE; melhorar o emprego e as condições
de trabalho para os marítimos a bordo de navios com bandeira de Estados da UE; tornar
a profissão marítima mais atraente e garantir a conformidade com os padrões de
formação estabelecidos.
A Comissão Europeia tem como objetivo criar uma força de trabalho marítimo
adequada ao transporte marítimo europeu; criar emprego de marítimos europeus,
tornando o setor de transporte mais atraente, especialmente para os jovens; salvaguardar
o know-how marítimo europeu; promover a segurança marítima e da segurança e da
proteção do ambiente.
A UE tem ajustado a sua legislação às mais recentes atualizações normativas
internacionais e assegura a sua correta aplicação, inclusive por países terceiros. Acresce
que a UE tem como missão melhorar as condições de trabalho dos marítimos, muito
embora preservando a competitividade da frota europeia através do monitorização e da
implementação e correta aplicação das Convenções da OIT sobre o Trabalho Marítimo,
em especial a CTM 2006.
Como já referimos, a OIT adotou, em 2006, a Convenção do Trabalho Marítimo
para garantir condições de trabalho e de vida dignas a bordo para todos os marítimos,
independentemente da sua nacionalidade e da bandeira dos navios em que navegam.
A UE apoiou fortemente a CTM 2006 e ajustou a sua legislação de acordo com o
conteúdo da CTM 2006, apesar de não ser parte da OIT, razão pela qual não pôde
ratificar a própria Convenção45.
45 Para ultrapassar a dificuldade de participação da UE na OIT, foi criado um mecanismo que permite a sua presença como membro observador, com a conjugação de processos de consulta interna entre os órgãos da UE e os seus Estados-Membros, o que permite coordenar as negociações entre os Estados-Membros para que coincidam com os objetivos da UE. Ver Memorandum of Understanding de 16 de julho de 2004, celebrado entre a OIT e a Comissão da Comunidade Europeia.
37
Por não poder ratificar a CTM 2006, a UE convidou e autorizou expressamente os
seus Estados-Membros a ratificarem a Convenção e a adotarem as normas aí
estabelecidas46.
Para além disso, outro passo importante para o trabalho marítimo foi a
implementação na legislação da UE das disposições da CTM 2006 através do Acordo
Social celebrado entre os parceiros sociais “European Community Shipowners
Association” - ECSA 47 e Federação Europeia de Trabalhadores em Transportes
“European Transport Workers 'Federation” – ETF48/49, através da Diretiva 2009/13/CE
de 16 de fevereiro de 2009 (artigo 5.º da Diretiva) 50.
Este acordo não abrange a matéria de proteção social, uma vez que, para além de
ser matéria da competência exclusiva da UE, estão em causa obrigações que não
emergem da esfera jurídica dos parceiros sociais, mas sim dos Estados.
Estas alterações determinam a intervenção das administrações dos Estados em
campos de Direito Público e Administrativo, sendo que os trabalhadores ou
empregadores não estão em posição de estabelecer essas normas ou criar estruturas
administrativas de controlo e inspeção às quais terão de estar sujeitos.
A UE optou por aplicar o referido Acordo através de uma Diretiva, uma vez que
várias das normas ali previstas carecem de legislação nacional para entrar em vigor. No
entanto, como resulta do ponto 12. do preâmbulo da Diretiva em causa, os Estados-
Membros podem confiar aos parceiros sociais, a pedido conjunto destes, a execução da
Diretiva, na condição de adotarem todas as medidas necessárias para assegurar que
podem, em qualquer altura, garantir os resultados por ela impostos. 46 A Decisão do Conselho, de 7 de junho de 2007, autorizou os Estados-Membros a ratificarem, no interesse da Comunidade Europeia, a Convenção sobre o Trabalho Marítimo de 2006, da Organização Internacional do Trabalho (Decisão 2007/431/CE). Esta autorização deve-se também ao facto de a CTM 2006 abordar matérias no domínio da coordenação dos regimes de segurança social que são, de acordo com o artigo 3.º do TFUE, de competência exclusiva da UE, o que significa que só ela pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos nessa matéria. Nos termos do artigo 2.º da referida decisão, os Estados-Membros devem esforçar-se por tomar as medidas necessárias para depositar os seus instrumentos de ratificação da Convenção junto do Diretor-Geral do Secretariado Internacional do Trabalho o mais rapidamente possível, de preferência antes de 31 de dezembro de 2010. 47 A Associação de Armadores da Comunidade Europeia (European Community Shipowners’ Associations - ECSA) foi fundada em 1965 sob o nome de "Comité des Associations des Armateurs des Communautés Européennes (CAACE)". 48 A Federação Europeia dos Trabalhadores em Transportes (ETF) é uma organização sindical europeia, criada em 15 de junho de 1999, que engloba sindicatos de trabalhadores de transportes da União Europeia, do Espaço Económico Europeu e dos Países da Europa Central e Oriental. 49 O Acordo relativo à Convenção sobre Trabalho Marítimo foi celebrado a 19 de maio de 2008 pelas referidas organizações, desejosas de contribuir para a criação de condições equitativas a nível global no setor marítimo. 50 Esta Diretiva também altera a Diretiva 1999/63/CE, que visa proteger a saúde e segurança dos marítimos através do estabelecimento de requisitos mínimos em matéria de tempo de trabalho.
38
Como podemos verificar no preâmbulo do Acordo celebrado entre a ECSA e a
ETF relativo à Convenção sobre Trabalho Marítimo, 2006, consta que:
(…) o instrumento apropriado para aplicação do presente acordo é uma
diretiva na aceção do artigo 249.º do Tratado; que a diretiva vincula os
Estados-Membros quanto ao resultado a alcançar, deixando na esfera da sua
competência a escolha da forma e dos meios; o artigo VI da convenção autoriza
os membros da OIT a aplicar medidas que sejam substancialmente equivalentes
às regras da convenção e visem favorecer a plena consecução do seu objetivo e
propósito geral e dar efeito às disposições já referidas; a aplicação do acordo
por meio de uma diretiva e o princípio da «equivalência substancial» na
convenção visam, por conseguinte, dotar os Estados-Membros da capacidade de
aplicar os direitos e princípios de forma consentânea com as disposições dos
n.ºs 3 e 4 do artigo VI da Convenção.
Uma das principais vantagens em incorporar a CTM 2006 na legislação da UE
consiste no facto de lhe conferir uma maior capacidade de fiscalização no espaço
comunitário, por exemplo, ao nível de processos por infração na própria União
Europeia, o que fortalecerá ainda mais a observância da lei, devendo os Estados assumir
as suas responsabilidades em relação aos navios que arvoram a respetiva bandeira.
Para complementar o acervo normativo e para assegurar a aplicação efetiva destas
disposições internacionais, duas diretivas foram introduzidas sobre as responsabilidades
do Estado de bandeira e obrigações do Estado do porto para os Estados-Membros:
i. A Diretiva 2013/54/UE sobre as responsabilidades do Estado de bandeira
para cumprimento e execução da CTM 2006, com o propósito de garantir
que os Estados-Membros assumem de forma eficaz os seus deveres enquanto
Estados de bandeira no que diz respeito à implementação da CMT;
ii. A Diretiva 2013/38/UE, que altera a Diretiva 2009/16/CE relativa à inspeção
pelo Estado do porto, de forma a obrigar os Estados-Membros a garantir,
através do seu mecanismo de inspeção, que o tratamento dos navios e da sua
tripulação, por parte de navios que arvorem bandeira de um Estado que não
ratificou a CTM 2006, não é mais favorável do que o de um navio com
bandeira de um Estado que ratificou a Convenção.
39
Estas Diretivas têm gerado mecanismos específicos que garantem a
monitorização, conformidade e manuseio de equipamentos de bordo e os procedimentos
de reclamação em terra, de acordo com o Estado ser Estado do porto ou Estado de
bandeira.
Em paralelo, a Diretiva 1999/95/CE visa melhorar a segurança no mar, o combate
à concorrência desleal dos armadores de países terceiros e proteger a saúde e segurança
dos marítimos a bordo dos navios que utilizam os portos da UE.
Outros aspetos relativos ao emprego e às condições de trabalho dos marítimos que
trabalham a bordo dos navios com bandeira dos Estados-Membros da UE são
abrangidos pelas seguintes diretivas:
Saúde e segurança: as Diretivas 89/391/CEE e 92/29/CEE;
Tempo de trabalho: Diretivas 1999/95/CE e 1999/63/CE;
Segurança Social: Regulamento (CE) n.º 883/2004.
Além disso, a Diretiva 2015/1794/UE alterou o âmbito de cinco diretivas relativas
à legislação laboral da UE, abrangendo o trabalho marítimo.
Para concluir, o direito social adicional da UE, que passa a ser aplicável aos
marítimos é o seguinte:
Proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do
empregador: Diretiva 2008/94 /CE;
Informação e consulta dos trabalhadores: Diretiva 2009/38/CE e Diretiva
2002/14/CE;
Aproximação das legislações dos Estados-Membros sobre
despedimentos coletivos: Diretiva 98/59/CE;
Aproximação das legislações dos Estados-Membros na proteção dos
direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas,
estabelecimentos ou partes de empresas ou de estabelecimentos: Diretiva
2001/23/CE.
Com estas alterações os trabalhadores marítimos passaram a ter uma proteção
mais especializada, de acordo com as especificidades do trabalho por si exercido. Além
disso, estas alterações promovem a melhoria das condições de vida e de trabalho na UE,
aumentando assim a capacidade de atração para o trabalho marítimo.
Por fim, estas mudanças verificadas na UE, relativas aos direitos dos
trabalhadores marítimos, são extremamente importantes, uma vez que, apesar de nas
40
últimas duas décadas ter crescido a importância atribuída aos direitos sociais no seio da
UE, os Estados-Membros sempre se esforçaram por manter o poder de decisão sobre
aspetos que são considerados sensíveis, em particular no setor marítimo onde a
legislação social tendia a ser excluída devido à dificuldade em obter acordo ou à pressão
de lobbies51.
CAPÍTULO IV
O DIREITO DO TRABALHO MARÍTIMO EM PORTUGAL
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
De acordo com MARIA TERESA PACETTI e MARIA LISETA CAETANO, em
Portugal, “embora se conheçam alguns diplomas do século XIV, nos reinados de D.
Afonso IV - sobre fretamento -, e de D. Fernando – sobre franquia de embandeiramento,
prémios de construção, é no século XVII que surge o primeiro trabalho de codificação,
com o Regimento da Casa das Índias”, que incidia sobre matéria relacionada com o
comércio marítimo52.
Explicam as autoras que este manuscrito dispõe sobre remunerações e outras
formas de pagamento, consoante os cargos do pessoal a bordo, sobre a concessão de
privilégios, alguns deles transacionáveis, a que cada um tinha direito na toma-viagem, a
corrupção, a inscrição de todos os embarcados no livro de matrícula, a idade mínima
para embarcar, os direitos e regalias, as descargas e arrecadação das mercadorias dos
navios53.
Em 1821, foi elaborado um projeto do Código Comercial Português por José
Ferreira Borges, que pecou por não se pronunciar sobre as especificidades de trabalho
marítimo.
51 LAVELLE Jennifer - The Maritime Labour Convention 2006: International Labour Law Redefined, 2014, Informa Law from Routledge, New York, p.3. 52 Lei de D. Afonso II (1211); no reinado de D. Dinis adaptaram-se medidas de proteção do comércio marítimo, destacando-se a instituição da obrigação de pagamento de uma quantia em função da tonelagem de navios. Lei sobre fretamento e carga de navios no reinado de D. Afonso IV; Leis de D. Fernando. Sobre o tema vd. GOMES, Manuel Januário Costa - O Ensino do Direito Marítimo - O Soltar das Amarras do Direito da Navegação Marítima, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 50 e 51. 53 PACETTI, Maria Teresa/ CAETANO, Maria Liseta - O Direito Marítimo da OIT e a Sua Influência na Ordem Jurídica Portuguesa, Direção-Geral das Condições do Trabalho, Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Lisboa, 1998, p. 13.
41
O Código Comercial de 1833, de Ferreira Borges, influenciado pelo Código
Comercial francês de 1807, separou o comércio marítimo, que se encontrava regulado
na parte segunda54.
Nos finais do século XIX, surgiram os princípios gerais reguladores do regime de
trabalho a bordo no Código Comercial Português. As disposições referentes ao trabalho
dos marítimos estavam incluídas no Capítulo IV (“Da Tripulação”) do Livro III do
Código Comercial de 1888, o qual era dedicado ao comércio marítimo.
Subsidiariamente, as lacunas existentes eram preenchidas com recurso a algumas
disposições do Direito Civil.
Assim, no domínio do trabalho a bordo, existia uma tradição que provocava o
aparecimento de regras próprias; o que se pode constatar pelo teor dos artigos 516.º a
537.º do Código Comercial de 188855.
Para melhor se compreender a evolução da legislação nacional, importa esclarecer
que o legislador optou por separar as regras aplicáveis em dois grupos essenciais: o
primeiro referente à lotação das embarcações, à inscrição, matrícula e categorias de
marítimos, e o segundo relativo às condições de trabalho a bordo das embarcações.
Atualmente, esta conclusão é reforçada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 384/99,
de 23 de setembro, que aprovou o regime jurídico relativo à tripulação do navio e
revogou os artigos 516.º e ss do Código Comercial de 1888.
Nos termos do artigo 12.º deste diploma, as matérias relativas à lotação dos
navios, bem como as que disciplinam a inscrição marítima, cédulas marítimas,
classificação, categorias, cursos, exames, tirocínios e certificação dos marítimos, estão
sujeitas a legislação especial e que, estão igualmente sujeitos a legislação especial os
regimes jurídicos dos contratos individuais de trabalho a bordo dos navios.
A propósito do primeiro grupo de normas, a 1 de dezembro de 1892 foi aprovado
por Decreto o Regulamento Geral das Capitanias, que constituiu um instrumento
fundamental para as atividades marítimas civis - entre as quais se destacam as
atividades de pesca e as de comércio - designadamente no que toca à intervenção do
Ministro da Marinha nessas atividades. Mais tarde, devido à desatualização e dispersão
54 José Ferreira Borges elaborou o primeiro Código Comercial Português em 1833, que foi aprovado e promulgado nesse mesmo ano e ficou conhecido como Código Ferreira Borges com uma vigência de 60 anos. 55 CORDEIRO, António Menezes - Cessão de exploração de um navio, contrato de trabalho a bordo particular responsabilidade marítima emergente da matrícula, parecer do professor doutor Menezes Cordeiro, CJ, III, 1988, p. 37
42
da legislação, o Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de julho, aprovou o novo Regulamento
Geral das Capitanias, que substituiu o anterior e cujo regime se mantém em vigor56.
Posteriormente, o Decreto n.º 16 135, de 8 de novembro de 1928, regulou as
lotações das tripulações dos navios da marinha mercante nacional, tendo sido entretanto
revogado pelo Decreto-Lei n.º 45 968, de 15 de outubro de 1964.
O Decreto n.º 21 952, de 8 de dezembro de 1932, por sua vez, estabeleceu os
preceitos reguladores do registo de inscrição marítima e respetiva cédula do pessoal da
marinha mercante nacional. Neste decreto o contrato de trabalho a bordo era designado
como contrato de matrícula.
Este diploma foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 23 764, de 13 de abril de 1934,
com alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 26 051, de 15 de novembro de
1935, n.º 37 519, de 13 de agosto de 1949 e n.º 41 643, de 23 de maio, o qual veio
estabelecer os preceitos legais para o registo de inscrição marítima e das matrículas e
vigorou por mais de trinta anos, mantendo uma natureza regulamentar57.
No entanto, os constantes aperfeiçoamentos introduzidos nos meios de exploração
do comércio marítimo e das pescas, a consequente necessidade de uma melhor
preparação do pessoal, e ainda o reconhecimento de que muitas das disposições do
Decreto-Lei n.º 23.764 estavam inadequadas, aconselharam a revisão deste último
diploma.
Por outro lado, e tendo-se verificado que o referido decreto-lei revelava a
existência de numerosas disposições de carácter nitidamente regulamentar, foi julgado
mais conveniente que elas passassem a constituir o Regulamento da Inscrição Marítima,
Matrículas e Lotações.
Com efeito, uma nova regulamentação foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 45 968,
de 15 de outubro de 1964, que visava pôr fim ao nível excessivamente pormenorizado
que caracterizava a legislação anterior, adotando um esquema de remissão dos aspetos
de execução para um regulamento, e pelo Decreto n.º 45 969, da mesma data, que
aprovou o Regulamento da Inscrição Marítima, Matrícula e Lotações dos Navios da
Marinha Mercante e da Pesca.
56 Este diploma sofreu a última modificação legislativa com o DL n.º 191/98, de 10 de julho, relativo ao regime jurídico aplicável aos meios de salvação de embarcações nacionais. 57 CORDEIRO, António Menezes - Cessão de exploração de um navio, contrato de trabalho a bordo particular responsabilidade marítima emergente da matrícula, parecer do professor doutor Menezes Cordeiro, CJ, III, 1988, p. 37.
43
Mais tarde, devido a profundas transformações da vida económica, o Decreto-Lei
n.º 104/89, de 6 de abril, veio estabelecer o novo Regulamento da Inscrição Marítima e
o Decreto-Lei n.º 355/93, de 9 de outubro, estabeleceu o regime de fixação da lotação
de segurança das embarcações nacionais.
Ambos os diplomas foram revogados pelo Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de
outubro58, que veio estabelecer as normas reguladoras da atividade profissional dos
marítimos relativas à sua inscrição marítima e à emissão de cédulas marítimas; à sua
aptidão física, classificação, categorias e requisitos de acesso e funções a desempenhar;
à sua formação e certificação, reconhecimento de certificados, recrutamento e regimes
de embarque e de desembarque e à lotação de segurança das embarcações.
Neste grupo normativo, a tendência é para abranger os trabalhadores dos vários
setores marítimos, independentemente da atividade praticada, ou seja, comércio, pesca,
investigação, entre outros.
Como se pode verificar pelos diplomas supramencionados, o legislador começou
por regular essencialmente matérias que se relacionavam com a inscrição, formação e
matrícula dos marítimos. Tais matérias caracterizavam de tal forma o contrato de
trabalho a bordo, pela necessidade de especialização destes trabalhadores, que este já
era conhecido como contrato de matrícula.
Já quanto às condições de trabalho da tripulação, cabia, nessa altura, ao Código
Comercial de 1888 regê-las.
Neste período, a legislação especial responsável por reger as condições de
trabalho dos marítimos estava desatualizada e apresentava o grave inconveniente de não
permitir a renovação da regulamentação coletiva do trabalho no setor. As regras
aplicáveis aos contratos de trabalho estavam bastante dispersas, sendo que para além
das imposições nacionais, Portugal ratificou, como veremos, várias Convenções da OIT
relativas às condições de trabalho a bordo, em especial no ano de 1951. Para além disso,
ainda não estavam delimitadas as diferenças de regime entre os contratos de trabalho a
bordo de embarcações de comércio (marinha mercante ou de comércio) e outras, como
as de pesca ou de recreio.
Por estas razões, foi criado um novo Regime Jurídico do Contrato Individual de
Trabalho do Pessoal da Marinha de Comércio, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/73, de
1 de março.
58 A mais recente alteração deste diploma foi introduzida pelo DL n.º 181/2014, de 24 de dezembro.
44
Este diploma inovador aplicava-se ao pessoal da marinha de comércio, ficando de
fora do seu âmbito de aplicação setores da marinha que não se reconduziam ao
comércio, como o da pesca59.
Nesta fase e tendo em consideração a importância do comércio e dos transportes
marítimos, o legislador português mostrou sensibilidade e preocupação face às
especificidades das condições do trabalhado desempenhado pelos trabalhadores a bordo
de navios da marinha de comércio.
Saliente-se que o referido diploma veio aproximar o contrato de trabalho a bordo
do regime geral do contrato de trabalho; firmar o contrato de trabalho em causa com um
negócio celebrado não já pelo comandante e o tripulante mas entre o armador e o
trabalhador; permitir o contrato sem prazo; consagrar a polivalência das funções a
bordo60. Pela primeira vez adotou-se entre nós, nesta matéria, uma técnica precisa de
codificação, incluindo-se no mesmo diploma quase toda a regulamentação referente ao
contrato individual do trabalho no setor da marinha de comércio.
Sem esquecer as especialidades próprias deste tipo de trabalho, procurou-se um
justo equilíbrio e uniformidade entre os vários setores de trabalho subordinado. Por esta
razão, procurou-se, tanto quanto possível, adaptar o regime jurídico do contrato
individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de
1969. Tomaram-se também em consideração as orientações de carácter internacional e a
mais moderna legislação europeia neste campo.
O Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, foi entretanto revogado pela alínea a) do
artigo 49.º da Lei n.º 146/2015, de 9 de setembro, que regula, atualmente, a atividade
dos marítimos a bordo dos navios que arvoram a bandeira portuguesa.
2. LEGISLAÇÃO ATUAL
Recentemente e na linha dos desenvolvimentos legislativos quer a nível
internacional, quer a nível europeu, Portugal adotou um conjunto de diplomas legais de
59 Anos mais tarde, a Lei n.º 15/97, de 31 de maio, veio estabelecer o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca. Este foi um passo muito importante para os trabalhadores da pesca, porque não havia uma lei que se aplicasse especificamente ao trabalho a bordo desse tipo de embarcações, estando, por isso, sujeitos ao Regulamento de Inscrição Marítima (RIM). Por outro lado, mais de 75% dos trabalhadores não tinham direito a férias, subsídio de férias ou subsídio de Natal. A nível internacional, a OIT aprovou em 14 de junho de 2007, na conferência anual da Organização Internacional do Trabalho, a Convenção n.º 188, sobre o trabalho na pesca. 60 CORDEIRO, António Menezes - Direito marítimo, cessão de exploração de um navio, contrato de trabalho a bordo particular responsabilidade marítima emergente da matrícula, parecer do professor doutor Menezes Cordeiro, CJ, III, 1988, p. 39.
45
forma a introduzir alterações no Direito do Trabalho Marítimo. Entre os vários diplomas
que se encontram em vigor e para uma correta contextualização, destacamos os
seguintes:
Lei n.º 18/2012, de 7 de maio, que transpôs a Diretiva n.º 2009/18/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, que estabelece os
princípios fundamentais que regem a investigação técnica de acidentes no
setor do transporte marítimo;
Lei n.º 146/2015, de 9 de setembro (de ora adiante “LAMBN”), que regula a
atividade de marítimos a bordo de navios que arvoram bandeira portuguesa,
bem como as responsabilidades do Estado português enquanto Estado de
bandeira ou do porto, tendo em vista o cumprimento de disposições
obrigatórias da CTM 2006, da Organização Internacional do Trabalho e que
transpõe as Diretivas 1999/63/CE, do Conselho, de 21 de junho de 1999,
2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro de 2009, 2012/35/UE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, e
2013/54/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de
2013, e que procede à segunda alteração aos Decretos-Leis n.os 274/95, de 23
de outubro, e 260/2009, de 25 de setembro, e à quarta alteração à Lei n.º
102/2009, de 10 de setembro, e que revoga o Decreto-Lei n.º 145/2003, de 2
de julho;
Decreto-Lei n.º 285/93, de 18 de agosto, que estabelece normas relativas ao
serviço de alimentação a bordo dos navios de comércio;
Decreto-Lei n.º 274/95, de 23 de outubro, que transpôs para a ordem jurídica
interna a Diretiva nº n.º 92/29/CEE, do Conselho, de 31 de março, relativa às
prescrições mínimas de segurança e saúde que visam promover uma melhor
assistência médica a bordo dos navios. A atualização mais recente ocorreu
com a Lei n.º 146/2015, de 9 de setembro;
Decreto-Lei n.º 198/98, de 10 de julho, que estabelece o regime jurídico da
atividade do gestor de navios;
Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro, que aprova o regime jurídico
relativo à tripulação do navio;
Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro (de ora adiante “RIM”), que
aprova o regime aplicável à atividade profissional dos marítimos e à fixação
46
da lotação das embarcações. A alteração mais recente foi introduzida pelo DL
n.º 181/2014, de 24 de dezembro;
Decreto-Lei n.º 146/2003, de 3 de julho, que transpôs para a ordem jurídica
interna a Diretiva n.º 1999/95/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
13 de dezembro, relativa à aplicação das disposições respeitantes ao período
de trabalho dos marítimos a bordo dos navios que utilizam portos da
Comunidade;
Decreto-Lei n.º 180/2004, de 27 de julho, que transpôs para a ordem jurídica
nacional a Diretiva n.º 2002/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
27 de junho, relativa à instituição de um sistema comunitário de
acompanhamento e de informação do tráfego de navios;
Decreto-Lei n.º 106/2004, de 8 de maio, que regulamenta a aplicação da
Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de
1974, (SOLAS 1974), e o respetivo Protocolo;
Decreto-Lei n.º 51/2005, de 25 de fevereiro, que transpôs para a ordem
jurídica interna a Diretiva n.º 2002/84/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 5 de novembro, que altera as Diretivas em vigor no domínio da
segurança marítima e da prevenção da poluição por navios, alterando os
Decretos-Leis n.os 180/2004, de 27 de julho, 293/2001, de 20 de novembro,
547/99, de 14 de dezembro, 27/2002, de 14 de fevereiro, e 280/2001, de 23 de
outubro;
Decreto-Lei n.º 206/2005, de 28 de novembro, que transpôs para a ordem
jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/103/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 17 de ovembrro, que altera a Diretiva n.º 2001/25/CE, relativa
ao nível mínimo de formação dos marítimos, alterando o Decreto-Lei n.º
280/2001, de 23 de outubro;
Decreto-Lei n.º 226/2006, de 15 de novembro, que aprova normas de
enquadramento do Regulamento n.º 725/2004, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 31 de março, relativo ao reforço da proteção dos navios e das
instalações portuárias, e transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º
2005/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro, relativa
ao reforço da segurança nos portos;
47
Decreto-Lei n.º 226/2007, de 31 de maio, que transpôs para a ordem jurídica
interna a Diretiva n.º 2005/23/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8
de março, relativa ao nível mínimo de formação dos marítimos, e altera o
Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro;
Decreto-Lei n.º 13/2012, de 20 de janeiro, que estabelece um conjunto de
medidas a respeitar pelo Estado Português na sua relação com as organizações
encarregues da inspeção, vistoria e certificação dos navios, com vista ao
cumprimento das convenções internacionais sobre segurança marítima e
prevenção da poluição marinha, transpondo a Diretiva n.º 2009/15/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009 (DR 20 janeiro), a
partir de 21 de janeiro de 2012;
Decreto-Lei n.º 51/2012, de 6 de março, que transpôs a Diretiva n.º
2009/21/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009,
relativa ao cumprimento das obrigações do Estado de bandeira, destinada a
reforçar a segurança marítima e a prevenção da poluição causada por navios,
mediante a adoção de um conjunto de regras a serem seguidas pelos Estados
de bandeira em várias circunstâncias da exploração dos navios, aumentando a
transparência e qualidade da atuação das suas administrações marítimas e o
controlo sobre os navios das suas bandeiras;
Decreto-Lei n.º 61/2012, de 14 de março, que transpôs transpõe a Diretiva
2009/16/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009,
relativa à inspeção de navios pelo Estado do porto, e revoga os Decretos-Leis
n.os 195/98, de 10 de julho, 156/2000, de 22 de julho, 284/2003, de 8 de
novembro, e 58/2007, de 13 de março. Alterado pelo Decreto-Lei n.º 27/2015,
de 6 de fevereiro;
Decreto-Lei n.º 27/2015, de 6 de fevereiro, que procede à primeira alteração
ao Decreto-Lei n.º 61/2012, de 14 de março, transpondo a Diretiva n.º
2013/38/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de agosto de 2013,
que altera a Diretiva n.º 2009/16/CE, de 23 de abril de 2009, relativa à
inspeção pelo Estado do porto;
Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de março, que transpôs a Diretiva n.º
2012/35/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de
2012, que altera a Diretiva n.º 2008/106/CE, do Parlamento Europeu e do
48
Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao nível mínimo de formação
dos marítimos;
Decreto-Lei n.º 134/2015, de 24 de julho, que regula a atribuição de um
subsídio social de mobilidade aos cidadãos beneficiários, no âmbito dos
serviços aéreos e marítimos entre o continente e a Região Autónoma da
Madeira e entre esta e a Região Autónoma dos Açores, prosseguindo objetivos
de coesão social e territorial.
Para concluir, numa perspetiva global, apesar de a legislação portuguesa continuar
a ser bastante dispersa no que respeita ao direito do trabalho dos marítimos, os dois
principais instrumentos que, atualmente, regulam a essência da atividade dos
trabalhadores marítimos em Portugal são o Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro
– RIM –, e a Lei n.º 146/2015, de 9 de setembro – LAMBN.
3. A INFLUÊNCIA INTERNACIONAL NO DIREITO DO TRABALHO MARÍTIMO
PORTUGUÊS
Portugal tem acompanhado a evolução legislativa a nível internacional sobre o
trabalho marítimo (“trabalho a bordo de navio”), através da ratificação de convenções
internacionais e da adoção, a nível interno, de mecanismos que satisfaçam as exigências
previstas pelo legislador.
A título de exemplo, a Resolução da AR n.º 60-B/97, de 14 de outubro, veio
aprovar, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o
Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da mesma Convenção.
(i) O Contributo da OMI
Portugal assinou, em 6 de março de 1948, a Convenção Instituidora da
Organização Marítima Consultiva Intergovernamental, tendo a sua aprovação para
adesão ocorrido através do Decreto n.º 117/76, de 9 de fevereiro, e a sua aceitação
verificou-se a 17 de março de 1976. Deste modo Portugal tornou-se o 91.º Estado a
aceder à OMI (o 19.º Estado-Membro da União Europeia).
Pelo Decreto do Governo n.º 79/83, de 14 de outubro, Portugal aprovou, para
ratificação, a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar,
49
1974, (SOLAS 1974), e aprovou a adesão aos Protocolos de 1978 e de 1988 à referida
Convenção através do Decreto do Governo n.º 78/83, de 14 de outubro, e do Decreto n.º
51/99, de 18 de setembro.
Portugal aprovou ainda a adesão às várias emendas ao anexo da Convenção
Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de 1974, (SOLAS 1974),
através do Decreto n.º 21/98, de 10 de julho61; do Decreto n.º 16/2007, de 27 de julho62;
e do Decreto n.º 17/2007, de 1 de agosto63.
Portugal aderiu também à Convenção Internacional sobre Normas de Formação,
de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos (STCW), de 1978, através do
Decreto n.º 28/85, de 8 de agosto, e aderiu, através do Decreto n.º 32/85, de 16 de
agosto, à Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimo (SAR).64
Como consequência da ratificação e aprovação regular destas Convenções, as
normas nelas constantes vigoram na ordem jurídica portuguesa, conforme determina o
artigo 8.º, n.º 2, da CRP.
(ii) O Contributo da OIT
Como país signatário do Tratado de Versalhes, Portugal é membro da OIT desde a
sua criação, ou seja, desde 1919.
Como referimos anteriormente, o papel da OIT tem sido fundamental no
tratamento específico das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores marítimos.
61 Emendas adotadas pela Conferência SOLAS 1994, as quais conduziram à introdução dos novos capítulos IX, X e XI. 62 Emendas adotadas pela Conferência SOLAS 2002. 63 Emendas relacionadas com o capítulo XII, adotadas pela Conferência SOLAS 1997. 64 Para além destas Convenções e de acordo com a informação disponibilizada pela DGRM, Portugal aderiu ainda às seguintes Convenções da OMI: Convenção Internacional das Linhas de Carga (LL); Convenção sobre o Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar (COLREG); Convenção Internacional sobre a Segurança de Contentores (CSC); Convenção relativa à Organização de Satélites Marítimos (IMSO); Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL); Convenção Internacional sobre a Prevenção, Atuação e Cooperação no Combate à Poluição por Hidrocarbonetos (OPRC) e Protocolo sobre a Prevenção, Atuação e Cooperação no Combate à Poluição por Substâncias Nocivas e Potencialmente Perigosas (Protocolo HNS à OPRC); Convenção Internacional sobre a Intervenção no Alto Mar em Caso de Acidente que Provoque ou Possa Vir a Provocar a Poluição por Hidrocarbonetos (INTERVENTION); Convenção para a Prevenção da Poluição Marinha por Operações de Imersão de Detritos e Outros Produtos (LC); Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos (CLC); Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos (FUND); Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos por Poluição causada por Combustível de Bancas (BUNKERS); Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima (SUA); Convenção Internacional sobre a Arqueação dos Navios (TONNAGE); Convenção sobre Facilitação do Tráfego Marítimo Internacional (FAL).
50
Resultado desse intenso esforço são as várias recomendações e convenções que
abordam tais temáticas.
Como membro da OIT, Portugal ratificou várias das suas Convenções, entre as
quais:
Convenção n.º 7, de 1920, sobre a idade mínima para o trabalho no mar. No
artigo 2.º da referida Convenção estabelece-se que «os menores de 14 anos não
podem ser admitidos ao trabalho a bordo dos navios, exceto naqueles em que só
trabalhem membros de uma mesma família.» A Convenção n.º 7 foi ratificada
por Portugal, pelo Decreto-Lei n.º 43 020, de 15 de junho de 1960;
Convenção n.º 8, de 1920, relativa à indemnização por desemprego em caso de
perda por naufrágio, ratificada pelo Decreto n.º 133/80 de 28 de novembro;
Convenção n.º 22, de 1926, relativa ao contrato de trabalho dos marítimos,
ratificada pelo Decreto n.º 112/82, de 11 de outubro;
Convenção n.º 23, de 1926, referente ao repatriamento dos marítimos, revista
pela Convenção n.º 166, de 1987, ratificada pelo Decreto n.º 113/82, de 11 de
outubro;
Convenção n.º 68 de 1946, relativa à alimentação e ao serviço de mesa a bordo,
ratificada pelo Decreto-Lei n.º 38 340, de 16 de julho de 1951;
Convenção n.º 69, de 1946, relativa à aptidão profissional dos cozinheiros de
bordo, ratificada pelo Decreto-Lei n.º 38 344, de 21 de julho de 1951;
Convenção n.º 72, de 1946, sobre férias remuneradas, ratificada pelo Decreto-Lei
n.º 38 349, de 30 de julho de 1951;
Convenção n.º 74, de 1946, relativa aos diplomas de aptidão do marinheiro
qualificado, ratificada pelo Decreto-Lei n.º 38 365, de 06 de agosto de 1951;
Convenção n.º 75, de 1946, relacionada com o alojamento da tripulação do navio,
ratificada pelo Decreto-Lei n.º 38 377, de 07 de agosto de 1951. Sobre esta
matéria incidiu também a Convenção n.º 92, de 1949, aprovada pelo Decreto-Lei
n.º 38 800, de 25 de junho de 1925;
Convenção n.º 78, de 1946, relacionada com o exame médico de aptidão de
crianças e adolescentes para o emprego em trabalhos não industriais, aprovada
pelo Decreto n.º 111/82, de 07 de outubro;
Convenção n.º 108, de 1958, sobre documentos de identificação nacionais dos
marítimos, ratificada por Decreto-Lei n.º 47 712, de 19 de maio de 1967;
51
Convenção n.º 145, referente à continuidade dos empregos marítimos, de 1976,
aprovada pelo Decreto n.º 109/82 de 06, de outubro;
Convenção n.º 146, de 1976 (revisão da Convenção n.º 91, de 1949, e Convenção
n.º 132, de 1970), que aborda as férias remuneradas, ratificada pelo Decreto n.º
108/82, de 6 de outubro;
Convenção n.º 147, de 1976, da OIT (revisão da Convenção n.º 62),
relativamente às normas mínimas a observar nos navios mercantes, ratificada
pelo Decreto n.º 65/83, de 25 de julho.
Frise-se que a Convenção n.º 72 e a Convenção n.º 75 não chegaram a entrar em vigor
por não terem recebido o número de ratificações necessárias.
A propósito da aplicação da CTM 2006, o Ministério português da Economia e do
Emprego e o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território publicaram a Portaria conjunta n.º 293/2013, de 14 de maio, relativa à
implementação das disposições da Convenção do Trabalho Marítimo, de 2006.
O processo de ratificação da CTM 2006 e a respetiva regulamentação foram
atribuídos a um grupo de trabalho no qual participaram as seguintes entidades com
competência nas matérias abrangidas pela Convenção: a Direção-Geral do Emprego e
Relações do Trabalho e a Autoridade para as Condições do Trabalho, do Ministério da
Economia e do Emprego; e a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços
Marítimos, do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território.
Considerando que até à data da Portaria não se tinha concluído o processo de
ratificação da CTM 2006, nem da respetiva regulamentação, e que não se previa que tal
ocorresse até 20 de agosto de 2013, data de entrada em vigor da Convenção, e
atendendo à necessidade urgente de o Estado português transmitir aos armadores com
navios a arvorar a bandeira portuguesa orientações sobre a implementação das
disposições da CTM 2006, evitando-se que o atraso na conclusão dos processos traga
prejuízos para a economia portuguesa, foi designada a entidade competente para os
efeitos previstos na CTM 2006.
Desse modo a Portaria designou a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança
e Serviços Marítimos como entidade responsável pelo desempenho das tarefas
52
decorrentes das responsabilidades que cabem a Portugal enquanto Estado de bandeira
relativamente à CTM 2006.
A CTM 2006 foi aprovada por Resolução da Assembleia da República n.º 4/2015
e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 7/2015, de 12 de janeiro, ambos
publicados no Diário da República, 1.ª série, n.º 7, de 12 de janeiro de 2015, na sua
forma não alterada.
A ratificação foi registada no BIT a 12 maio de 2016, pelo que a sua entrada em
vigor será a 11 de maio de 2017.
A ratificação por Portugal implicou a adoção de um conjunto de medidas legais e
realização de ações que passaram designadamente pela revisão do regime jurídico do
contrato individual do pessoal da marinha do comércio; pela revisão e atualização da
legislação sobre o alojamento das tripulações, alimentação e serviço de mesa a bordo;
pela atualização do regime condições de reconhecimento e atribuições das Sociedades
Classificadoras (no caso de o Estado pretender delegar nestas entidades as suas
responsabilidades enquanto Estado de bandeira); regulamentação específica para o setor
marítimo do regime das agências privadas de recrutamento e colocação de marítimos;
legislação que estabeleça a criação de um sistema efetivo de inspeção e certificação, que
assegure que as condições de vida e de trabalho a bordo dos navios que arvoram a
respetiva bandeira cumprem as normas da Convenção (responsabilidades enquanto
Estado de bandeira e Estado do porto); implementação de um conjunto de definições,
para efeitos da aplicação da Convenção, por exemplo, a do trabalhador marítimo, mais
abrangente que a de inscrito marítimo constante do RIM.
4. PARCEIROS SOCIAIS PORTUGUESES DO SETOR MARÍTIMO
Em Portugal regista-se uma elevada fragmentação de sindicatos associados à
indústria de transporte marítimo, muitas vezes com notória sobreposição de domínios de
atividade, caso dos sindicatos SEMM, SOEMMM, SINCOMAR E OFICIAISMAR. A
título de exemplo, já foram criadas, em Portugal, as seguintes estruturas de
representação coletiva dos trabalhadores:
FESMARPOR - Confederação dos Sindicatos Marítimos e Portuários
FESMAR-Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores do Mar
FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços
FSM - Federação dos Sindicatos do Mar
53
Sindicato dos Estivadores, Lingadores e Conferentes do Porto de Viana do
Castelo
SAMP – Sindicato dos Trabalhadores Administrativos da Atividade Portuária
Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro
Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos
do Centro e Sul de Portugal
Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações e Juntas Portuárias
SINDICATO XXI – Associação Sindical dos Trabalhadores Administrativos,
Técnicos e Operadores dos Terminais de Carga Contentorizada do Porto de
Sines
SEMM - Sindicato dos Engenheiros da Marinha Mercante
Sindicato da Mestrança e Marinhagem de Câmaras da Marinha Mercante
Sindicato dos Transportes Costeiros e da Marinha Mercante
SITMAQ - Sindicatos dos Fogueiros de Terra e da Mestrança e Marinhagens de
Máquinas da Marinha Mercante
SMMP - Sindicato dos Marinheiros de Portugal
SOEMM - Sindicato dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas da Marinha
Mercante
SIMAMEVIP – Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de
Viagens, Transitários e Pesca
STFCMM – Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha
Mercante
OFICIAIS/MAR – Sindicato dos Capitães, Oficiais, Pilotos, Comissários e
Engenheiros da Marinha Mercante
SINCOMAR - Sindicato dos Capitães e Oficiais da Marinha Mercante
Tendo em conta a dispersão normativa e a consequente insegurança provocadas
pela multiplicidade de diplomas nacionais, internacionais e regionais que regulam, à sua
maneira, os direitos dos marítimos e as suas condições de trabalho, a união entre
trabalhadores e empregadores torna-se indispensável, de forma a alcançar soluções que
superem os problemas específicos deste setor.
54
De facto, verificam-se em Portugal exemplos de negociação coletiva que
constituem uma grande conquista dos trabalhadores marítimos que ao longo dos anos
puderam obter de forma ímpar a sua autonomia coletiva.
Destacamos o Acordo Coletivo celebrado entre a Empresa de Navegação
Madeirense, Lda., e outras e a FESMAR — Federação de Sindicatos dos Trabalhadores
do Mar65, pelo facto de ser bastante completo, uma vez que trata um grande conjunto
dos problemas enfrentados pela “gente do mar”66. Este AC aborda matérias que dizem
respeito ao recrutamento, à celebração do contrato individual de trabalho marítimo e à
atividade profissional; aos direitos e deveres dos trabalhadores; ao tempo de trabalho; ao
registo; às retribuições; à alimentação; às condutas a adotar em caso de o navio se
encontrar em zonas de guerra; ao repatriamento; ao alojamento, à higiene e segurança; à
formação profissional.
O referido AC foi objeto da Portaria de Extensão n.º 15/2015, nos termos da
qual as disposições constantes no referido AC são tornadas aplicáveis na Região
Autónoma da Madeira: a) às relações de trabalho estabelecidas entre empregadores, não
filiados nas associações de empregadores outorgantes, que prossigam a atividade
económica abrangida, e aos trabalhadores ao serviço dos mesmos, das profissões e
categorias previstas, filiados ou não nas associações sindicais signatárias; b) aos
trabalhadores não filiados nas associações sindicais signatárias, das profissões e
categorias previstas, ao serviço de empregadores filiados nas associações de
empregadores outorgantes67.
O Acordo de Empresa entre a TRANSTEJO – Transportes Tejo, SA, e o
SITEMAQ - Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e
Fogueiros de Terra68; o Acordo de Empresa entre a SOFLUSA – Sociedade Fluvial de
Transportes, SA, e o Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha
65 A FESMAR é parte em vários acordos coletivos e acordos de empresa, celebrados nomeadamente com a United European Car Carriers, Unipessoal Lda.; com a Douro Azul - Sociedade Marítimo-Turística, S.A. e a Douro Azul - Agência de Viagens e Turismo, S.A.; com a Porto Santo Line - Transportes Marítimos, Lda.; com a PROMARINHA - Gabinete de Estudos e Projectos, S.A. e com a Tomaz do Douro - Empreendimentos Turísticos, Lda. e a Via D’Ouro - Empreendimentos Turísticos Lda.; todos disponíveis no portal do BTE (http://bte.gep.msess.gov.pt/) 66 A última das alterações a este AC encontra-se publicada no BTE n.º 15, de 22/04/2012. Alterações salariais disponíveis no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 19, de 22 de maio de 2013, e no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 22, de 15 de junho de 2014. 67In Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, Relações de Trabalho, Série III, n.º 11, de 03 de junho de 2015. 68 Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 28, de 29 de julho de 1999, com as últimas alterações e texto consolidado publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, de 8/8/2014.
55
Mercante e outros69; e o Acordo de Empresa entre a CELTEJO – Empresa de Celulose
do Tejo, SA, e o SITEMAQ – Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha
Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outros70, demonstram também a relevância da
negociação coletiva neste setor.
Um dos aspetos importantes da negociação coletiva tem sido a contribuição para
a identificação e definição das diversas categorias de trabalhadores marítimos e para a
abordagem mais específica de questões próprias do direito do trabalho marítimo não
previstas na lei, como veremos em momento oportuno.
5. A FISCALIZAÇÃO NO CUMPRIMENTO DAS NORMAS DE DIREITO DO
TRABALHO MARÍTIMO
A Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos
(DGRM) tem atribuições e competências de regulamentação, supervisão e fiscalização
do setor marítimo-portuário e da náutica de recreio, as quais estão descritas na alínea ii)
do n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 7 de janeiro.
A propósito das responsabilidades do Estado do porto, de acordo com o artigo
38.º da LAMBN, qualquer navio que arvore bandeira estrangeira e se encontre em porto
ou fundeadouro nacional no decurso normal da sua atividade ou por razões inerentes à
sua exploração pode ser inspecionado pela DGRM.
A estrutura funcional e organizacional da atual administração marítima
portuguesa compreende as seguintes entidades:
A DGRM –Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços
Marítimos, que, como vimos, tem por missão a execução das políticas de
preservação e conhecimento dos recursos naturais marinhos, a execução das
políticas de pesca, da aquicultura, da indústria transformadora e atividades
conexas, do desenvolvimento da segurança e dos serviços marítimos,
incluindo o setor marítimo-portuário, bem como garantir a regulamentação, a
inspeção, a fiscalização, a coordenação e o controlo das atividades
desenvolvidas no âmbito daquelas políticas;
69 Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 45, de 8 de dezembro de 2005, com as alterações constantes dos Boletins do Trabalho e Emprego, n.º 43, de 22 de novembro de 2007, n.º 22, de 15 de junho de 2009, n.º 32 de 29 de agosto de 2010 e n.º 19, de 22/5/2014. 70 Com alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 15, de 22/04/2013.
56
A DGPM –Direção-Geral de Política do Mar. Tem por missão desenvolver,
avaliar e atualizar a Estratégia Nacional para o Mar (ENM), elaborar e
propor a política nacional do mar nas suas diversas vertentes, planear e
ordenar o espaço marítimo nos seus diferentes usos e atividades, acompanhar
e participar no desenvolvimento da Política Marítima Integrada da União
Europeia e promover a cooperação nacional e internacional no âmbito do
mar;
AUTORIDADE MARÍTIMA – através da Direção-Geral da Autoridade
Marítima (DGAM), exerce funções de soberania. Zela pelo cumprimento das
Leis Marítimas e de Segurança Marítima. Tem sob a sua dependência as
Capitanias dos Portos/Delegações Marítimas e a Polícia Marítima;
O SAM – Sistema de Autoridade Marítima – goza de prerrogativas do poder
público para fazer cumprir as leis marítimas em águas sob soberania e
jurisdição portuguesas (coordenado pela Autoridade Marítima). Da sua
composição fazem parte integrante a Autoridade Marítima Nacional, a
Polícia Marítima, a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança
Pública, a Polícia Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a
Direção-Geral de Saúde, o Instituto da Água, a DGRM, as Regiões
Autónomas e as Autoridades Portuárias.
As principais atribuições do SAM são:
a. Segurança e controlo da navegação;
b. Assinalamento marítimo, ajudas e avisos à navegação;
c. Salvaguarda da vida humana no mar e salvamento marítimo;
d. Proteção civil com incidência no mar e na faixa litoral;
e. Proteção da saúde pública.
As Capitanias são dirigidas por um oficial da armada, o Capitão do Porto, que
tem competências muito vastas e é o comandante local da Polícia Marítima.
Dependem da Direção-Geral da Autoridade Marítima e podem ter Delegações
Marítimas. As suas principais atribuições são:
a. Segurança e disciplina da navegação marítima, fluvial e lacustre;
b. Assistência a pessoas e embarcações em perigo;
c. Assistência em caso de calamidades e acidentes;
d. Fiscalização dos requisitos operacionais das embarcações;
57
e. Fiscalização, proteção e combate à poluição;
f. Fiscalização das atividades das pescas, dentro da sua área de
jurisdição;
g. Proteção e preservação das espécies, fauna e flora marítima;
h. Fiscalização do Domínio Público Marítimo;
i. Efetuar a inscrição marítima e demais averbamentos do Regulamento
de Inscrição Marítima (RIM);
j. Farolagem e balizagem.
A Polícia Marítima é um serviço de policiamento marítimo que nasce da
especificidade das atividades ligadas à navegação e à existência de normativos
particulares nas zonas costeiras e portuárias. Tem por objetivos:
a. Assegurar o cumprimento das leis e regulamentos marítimos e
portuários;
b. Colaborar na prevenção da criminalidade;
c. Fiscalizar o cumprimento das leis, regulamentos e demais normas
nacionais e comunitárias, que enquadram a pesca e o seu exercício;
d. Proceder à instrução preparatória dos processos por infrações
marítimas nas Capitanias.
O serviço SAR – Search and Rescue (Serviço de Busca e Salvamento
Marítimo) tem por missão a salvaguarda da vida humana no mar, bem como
os respetivos procedimentos. O Sistema Nacional para a Busca e Salvamento
Marítimo, tutelado pelo Ministério da Defesa Nacional, engloba as Regiões
de Busca e Salvamento (Search and Rescue Regions - SRR) localizadas em
Lisboa e Santa Maria, onde opera o serviço de busca e salvamento marítimo,
que funciona no âmbito da Marinha. Este último integra os seguintes órgãos:
centros de coordenação de busca e salvamento marítimo (Maritime Rescue
Coordination Centre) MRCC Lisboa e MRCC Delgada; subcentros de busca
e salvamento marítimo - MRSC; unidades de vigilância costeira e unidades
de busca e salvamento.
Em Portugal, a entidade responsável pela investigação técnica dos acidentes
marítimos é o GPIAM – Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes
Marítimos cujas atribuições são a investigação dos acidentes e incidentes
marítimos, com o objetivo de identificar as causas, elaborar e divulgar os
58
correspondentes relatórios, promover estudos e formular recomendações em
matéria de segurança marítima que visem reduzir a sinistralidade marítima.
Por fim, a Autoridade para as Condições do Trabalho 71 , também pode ser
chamada a intervir de modo a garantir o cumprimento das condições de segurança e
saúde no trabalho e a promover a melhoria das condições de trabalho através do
controlo do cumprimento das normas laborais no âmbito das relações que envolvam os
trabalhadores marítimos72.
TÍTULO II
DIREITO COMPARADO
Diversos países europeus postulam regras especiais para o contrato de trabalho a
bordo. É o caso do Direito francês, do Direito italiano e do Direito espanhol, os quais
serão sumariamente analisados de seguida.
FRANÇA
O Código de Comércio, redigido em 1807, dedicava o seu livro II ao comércio
marítimo (artigos 190.º a 426.º). Mais concretamente, previa o referido Código, nos
artigos 250.º a 270.º, normas referentes à formação, aos seus efeitos e a dissolução do
contrato de marinheiro.
Estas disposições foram, entretanto, revogadas pela Lei de 13 de dezembro de
1926, que aprovou o Código de Trabalho Marítimo. Foi, ainda, publicada a Lei de 17 de
dezembro de 1926, que aprovou o Código Disciplinar e Penal da Marinha Mercante.
O contrato de trabalho marítimo (contrat d’engagement maritime) vinha
definido no artigo 1.º do Código de Trabalho Marítimo, que se passa a transcrever:
«Tout contrat d’engagement conclu entre un armateur ou son représentant et un marin,
71 A ACT assume as atribuições da Inspeção-Geral do Trabalho e do Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, tem a sede em Lisboa e dispõe de dezenas de serviços desconcentrados. Foi criada, pelo Decreto-Lei n.º 326-B/2007, de 28 de setembro. 72 De acordo com o n.º 3 do artigo 43.º da LAMBN, sempre que a DGRM, no desenvolvimento das suas funções de certificação e inspeção, verificar indícios da prática de ilícitos contraordenacionais, remete à Autoridade para as Condições do Trabalho um auto de notícia.
59
et ayant pour objet un service à accomplir à bord d’un navire en vue d’une expédition
maritime, est un contrat d'engagement maritime régi par les dispositions de la présente
loi.»
Com a publicação da Ordonnance n.° 2010-1307, de 28 outubro de 2010, que
aprova o Código dos Transportes, o Código do Trabalho Marítimo foi revogado, à
exceção dos artigos 40.º (indemnização em caso de não cumprimento da viagem a
realizar), 73.º (cozinheiro do navio), 75.º (comida da tripulação) e 76.º (bebidas
alcoólicas a bordo), os quais foram mantidos em vigor.
Acontece que, para além dessas exceções, outros artigos do Código do Trabalho
Marítimo mantêm-se em vigor, na medida em que não tenham sido publicadas
disposições regulamentares substitutivas.
É o caso da segunda alínea do artigo 9.º, que consagra que o contrato a bordo
menciona a morada e o número de telefone do inspetor do trabalho marítimo, e do artigo
21.º que prevê que o marítimo deve executar fora do horário de serviço, trabalho de
limpeza no convés e nos anexos, sem direito a receber remuneração extraordinária.
Mantêm-se, ainda, em vigor o artigo 54.º, referente ao local, tempo de cumprimento e
pagamento dos salários e o artigo 113.º, relativo à proibição de trabalho noturno por
menores salvo conselho médico que o excetue.
Assim, cabe ao Código dos Transportes prever as regras especiais para o
trabalho a bordo de navios justificadas pela natureza específica das atividades no mar,
ajustando, em grande parte, as regras do Código do Trabalho à especificidade do
trabalho em navios.
No entanto, o Código do Trabalho francês continua a reger, em larga medida,
esta relação laboral. A articulação das disposições do Código do Trabalho com as
disposições do Código dos Transportes está prevista no artigo L5541-1 do Código dos
Transportes, nos termos do qual o Código do Trabalho é aplicável a todos os marítimos
sujeitos a disposições específicas, exclusão ou adaptação, expressamente previstas pelo
Código dos Transportes. Significa então que o silêncio do Código dos Transportes
implica a aplicação, sem adaptação, das regras do Código de Trabalho aos marítimos.
Por fim, o desenvolvimento de normas laborais legais para os marítimos é
confiado ao Gabinete do Trabalho Marítimo ligado à Direção Marítima.
A propósito do tema em apreço, o Código dos Transportes dedica-se, na sua
Quinta Parte (artigos L5000-1 a L5000-6), aos transportes e à navegação marítima. Para
60
efeitos da apreciação do contrato de trabalho marítimo a bordo de navio, destacamos o
Livro II, sobre a navegação marítima, no qual se abordam questões relacionadas com os
documentos de bordo, os títulos de navegação marítima, a segurança e prevenção da
poluição, assistência no mar; o Livro IV, sobre o transporte marítimo; e o Livro V,
sobre as gentes do mar, onde se inclui o título respeitante ao trabalho marítimo (título
IV).
Cumpre ainda destacar que, ao contrário do que acontece no regime português,
em França é o Código dos Transportes que, no essencial, regula a atividade dos
marítimos que exerçam a sua atividade a bordo de navios de comércio e de pesca. Não
há por isso dois diplomas distintos que tratem de ambas as atividades em separado, sem
prejuízo de que, ao longo das normas constantes do Código dos Transportes, existem
regras específicas para o caso dos trabalhadores de pesca e para os marítimos do
comércio.
O Código dos Transportes francês faz ainda uma distinção entre aqueles que são
considerados gentes do mar, mas não são marítimos, e aqueles que, não sendo
considerados gentes do mar, exercem a sua atividade em ambiente marítimo ou a bordo
do navio. Por força dessas diferenças, o legislador francês, ciente das especificidades
das funções exercidas a bordo, explica define os regimes aplicáveis em matéria laboral a
cada um desses grupos de trabalhadores.
ESPANHA
Em Espanha, o Estatuto de los Trabajadores (ET), aprovado pela Lei n.º
8/1980, de 10 de março, enumera, no seu artigo 2.º, as relações de trabalho especiais,
contemplando os desportistas profissionais, domésticas, artistas em espetáculos
públicos, trabalhadores deficientes que prestam serviço em centros especiais de
emprego, estivadores portuários e outros trabalhos expressamente declarados como
especiais por lei.
O citado artigo 2.º, com a epígrafe “relações laborais de carácter especial”,
regula determinadas relações incluídas no Direito do Trabalho, mas que não se regem
61
por aquele Estatuto 73 . Na realidade, havendo trabalhos com caraterísticas muito
particulares, deverão existir regras laborais específicas para os regular74.
A análise jurídica das relações especiais de trabalho consagradas no artigo 2.º
fez com que MORENO VIDA concluísse que “não se possa falar de um normativo
comum para regular de forma unitária a «figura» unitária das relações especiais de
trabalho”75.
O contrato de embarque é então um contrato de trabalho especial? A resposta é
afirmativa. Vejamos:
BAYÓN CHANCÓN, já na década de sessenta do século passado, reconhecia
que dentro do género “contrato de trabalho” existem – como espécies, um contrato de
trabalho comum e contratos de trabalho especiais, reconhecendo, todavia, que a
declaração era ousada no que diz respeito à existência ou não de um tipo de contrato de
trabalho comum76.
Entendem ANTONIO NAVARRO e MIGUEL CARRO que as relações de
trabalho no mar derivam da peculiaridade das fontes normativas. A nível interno,
normas laborais como o ET, o Real Decreto n.º 1561/1995 sobre jornadas especiais e,
ainda, normas não laborais que afetam, em determinados aspetos, a relação de trabalho,
como é o caso da Lei 27/1992, de Puertos del Estado y de la Marina Mercante.
Defendem, ainda, aqueles autores que a grande maioria das relações laborais no mar se
regulam pelo ET, por disposições constantes nas convenções coletivas e, no caso de se
tratar de pessoal da confiança do armador, por normas estabelecidas no Real Decreto n.º
1382/1985, respeitante às relações laborais especiais da alta direção, com as necessárias
remissões para o regime geral existente77.
Em suma, pode dizer-se que o regime jurídico do contrato de embarque está
contido, em primeiro lugar, no ET (em matéria de regulamentação das horas de
trabalho, dias especiais e descanso, regras de tripulação mínima e segurança da vida
humana no mar, regras de qualificações profissionais na marinha mercante e de pesca,
regras de emprego, desemprego e segurança social para os marítimos) e, ainda, nos
contratos coletivos e convenções marítimas da OIT ratificadas por Espanha.
73 IGELMO, Carro - Curso de Derecho del Trabajo, 1991, p. 565. 74 HERNÁNDEZ - Bejarano, Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, 1986, p. 71 75 VIDA, Moreno - Comentário al Estatuto de los Trabajadores, 1998, p. 78. 76 CHANCÓN, Bayón - Contratos Especiales de Trabajo. Concepto, 1965, p. 10. 77 NAVARRO, Antonio, e CARRO, Miguel, El Contrato de trabajo, 2011, pág. 1257.
62
A CTM 2006 foi ratificada pelo Reino de Espanha, em 4 de fevereiro de 2010,
com entrada em vigor em 20 de agosto de 201378.
No entanto, apenas foi aprovado o Real Decreto n.º 357/2015, de 8 de maio79,
sobre cumprimento e controlo da aplicação da CTM 2006. Este diploma visa apenas
estabelecer regras de controlo para garantir a conformidade com CTM 2006 e tem como
pressuposto garantir também o cumprimento da Diretiva n.º 2013/54/EU, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013.
De facto, não obstante a ratificação e aprovação da CTM 2006, ainda não
verificaram alterações no regime do contrato de trabalho marítimo a nível interno.
ITÁLIA
Em Itália, vigora o Código da Navegação (Codice della navigazione), aprovado
em 30 de março de 1942, com as sucessivas alterações, de entre as quais a última em 12
de setembro de 201480.
O Código da Navegação contém 1331 artigos e está dividido em várias partes, a
saber: I Parte – Da navegação marítima e interna; II Parte – Da navegação aérea; III
Parte – Disposições penais e disciplinares; e IV Parte – Disposições transitórias e
complementares. Passemos, de seguida, a destacar alguns aspetos relevantes no direito
de navegação.
O Direito laboral marítimo italiano consagra o contratto di arruolamento nos
artigos 323.º a 375.º do Código da Navegação.
À semelhança do que acontece no direito laboral marítimo português, também o
mestre do navio exerce poder disciplinar sobre a tripulação (artigo 1249.º do Código da
Navegação).
Quanto ao contrato di arruolamento, a doutrina italiana tem considerado que
esse contrato é um subtipo do contrato de trabalho subordinado comum81.
78 Publicado no "Diário Oficial" de 22 de janeiro de 2013. 79 Publicado em BOE núm. 111, de 9 de maio de 2015, pp. 40711 a 40721. 80 Antonio SCIALOJA foi o autor do Código da Navegação, que tem a particularidade de ter codificado todo o Direito Marítimo, evitando a sua absorção pelo Direito Civil (neste sentido, CORDEIRO, Menezes, Cessão de exploração de um navio. Contrato de trabalho a bordo. Particular responsabilidade civil marítima emergente da matrícula, 1988, p. 38). 81 MENGHINI, Luigi, I Contratti di lavoro nel diritto della navigazione, Il lavoro del personale della navigazione marítima ed interna, 1998, pp. 62 e ss.
63
MENEZES CORDEIRO, a esse respeito, menciona que “os doutrinadores
apontam a intervenção pública nesse tipo contratual, com relevo para a proliferação de
normas injuntivas e a presença tradicional de normas sobre a assistência a bordo, o
repatriamento e o dever de, em caso de necessidade, desenvolver atividades
extraordinárias, a cargo do trabalhador”82.
82 CORDEIRO, Menezes, Cessão de exploração de um navio. Contrato de trabalho a bordo. Particular responsabilidade civil marítima emergente da matrícula, 1988, pp. 39.
64
PARTE II
DO TRABALHO A BORDO DE NAVIOS
DA MARINHA COMERCIAL
65
TÍTULO I
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME
Antes de analisarmos o regime aplicável ao contrato de trabalho a bordo de
navios, iremos fazer breves referências a vários conceitos que são utilizados pelo
legislador nacional neste setor.
O nosso objetivo será explicar qual o âmbito de aplicação da legislação aplicável
ao contrato de trabalho em apreço.
Como sabemos, o Direito deve acompanhar a evolução da sociedade e ajustar-se
às especiais características dos setores que nela se desenvolvem.
Tendo em conta as particularidades da indústria marítima, a diversidade e a
especificidade técnica das atividades que lhes estão associadas, são vários os conceitos
próprios do direito do marítimo que merecem ser analisados, de forma a melhor
compreendermos a legislação aplicável.
Por essa razão iremos abordar os conceitos utilizados pelo legislador que
consideramos relevantes para efeitos da aplicação do regime do contrato de trabalho a
bordo.
Esses conceitos coincidem com o local do trabalho (navio), assim como os
sujeitos da relação laboral (empregador e/ou armador e trabalhador).
Esta análise centrar-se-á assim:
(i) No conceito “navio”, como embarcação que prossiga a atividade
comercial;
(ii) No fenómeno das bandeiras de conveniência e os efeitos das condições de
vida e de trabalho dos marítimos;
(iii) Na identificação dos sujeitos da relação laboral, principalmente no que
concerne ao armador e ao trabalhador marítimo;
(iv) No regime aplicável à tripulação, em especial, no que concerne às regras
de lotação, do embarque e do desembarque;
(v) Na identificação das categorias profissionais de marítimos previstas por
lei.
O nosso objetivo será abordar de forma geral algumas matérias que tenham
influência sobre o trabalho marítimo, sem as quais difícil se torna compreender o
âmbito de aplicação da lei e a razão de ser da necessidade de um regime específico para
66
este setor. Não é, portanto, nossa intenção, fazer uma abordagem profunda acerca dos
temas de Direito marítimo aqui tratados.
CAPÍTULO I
NAVIOS, BANDEIRAS E REGISTO
O NAVIO
O estatuto legal do navio foi formalmente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 201/98,
de 10 de julho.
De acordo com o n.º 1 do artigo 1.º desse diploma, o navio é o engenho flutuante
destinado à navegação por água. Assim, o navio será uma coisa dotada de certas
características funcionais e com determinadas partes integrantes (n.º 2 do artigo 1.º),
sendo uma realidade artificial porque realizada pelo Homem, flutuante porque mantém
uma parte emersa e afasta uma quantidade de fluído de massa superior à sua volta, que
se destina à navegação por água83.
Já LIMA PINHEIRO utiliza a definição de navio como o engenho apto a navegar
no mar e suscetível de ser utilizado no transporte de pessoas ou mercadorias84.
Os navios são então uma coisa móvel que compreende todas as partes do conjunto
destinado à navegação85, sendo suscetível de ser objeto do direito de propriedade86.
Em Portugal, a legislação que regula a classificação dos navios utiliza também a
expressão embarcação. Por essa razão, ambos os conceitos serão utilizados, ao longo
desta dissertação, com igual significado87.
83 CORDEIRO, António Menezes, Natureza jurídica do navio, p. 11 e 41, in II Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo, 11 e 12 de novembro de 2010 (coord. Manuel Januário da Costa Gomes), Almedina, junho 2012. 84 PINHEIRO, Luís Lima - O navio em direito internacional, pp. 97 e ss in II Jornadas de Lisboa de direito marítimo, 11 e 12 de novembro de 2010 (Coord. Manuel Januário da Costa Gomes), Almedina, junho 2012. 85 Sobre a discussão da natureza jurídica de navio vd MATOS, Azevedo - Princípios de Direito Marítimo, vol. I Edições Ática, 1955, pp. 40 a 46 e CORDEIRO, António Menezes, Natureza jurídica do navio, p. 11 e 41, in II Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo, 11 e 12 de novembro de 2010 (coord. Manuel Januário da Costa Gomes), Almedina, junho 2012. 86 Conforme se verifica no DL n.º 265/72, de 31 de julho. 87 Sobre as várias definições de navio e orientação dos autores, em especial sobre a distinção entre os navios marítimos e fluviais ver MATOS, Azevedo - Princípios de Direito Marítimo, vol. I, Edições Ática, 1955, p.33 a 35, sobre o tratamento histórico deste conceito, ver SILVA, José - PRINCÍPIOS de Direito Mercantil e Leis da Marinha, para uso da mocidade portugueza, destinada ao comércio, Tratado VI, Parte II, Da Policia dos Portos, e Alfandegas de ordem de sua alteza real, o príncipe regente nosso senhor, Contendo as Ordenações de Marinha de França, Impressão Regia, Lisboa, 1819, pp. 7 e ss.
67
Os navios podem ser integrados em várias categorias/tipos, uma vez que o fim a
que se destinam ou a atividade que prosseguem ditam a tipologia em que cada navio se
integra88.
Em Portugal, as embarcações da marinha classificam-se como embarcações
mercantes (de comércio, de pesca, rebocadores e auxiliares); de recreio, de investigação;
de guerra, ou outras89.
Na marinha mercante as embarcações também se distinguem pelo tipo de
atividade que prosseguem. Enquanto, por exemplo, a marinha de comércio é
responsável, fundamentalmente, pelo transporte de pessoas e mercadorias, a marinha de
pesca é responsável pelo desenvolvimento da atividade profissional da pesca, com uso
de embarcações.
Na marinha comercial, que é o objeto de estudo neste trabalho, os navios são
habitualmente classificados em três grandes grupos: (i) os navios de carga, (ii) os navios
de passageiros e (iii) os navios auxiliares/especializados90. Como veremos, apesar de a
indústria de pesca também envolver um importante mercado de trabalho para os
trabalhadores do setor marítimo, não será objeto desta dissertação.
No que concerne à definição de navio em matéria de direito do trabalho marítimo,
a LAMBN refere-se a navio como sendo qualquer embarcação pertencente a entidades
públicas ou privadas, habitualmente afeta à atividade comercial, salvo disposição
expressa em contrário (alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º). Ao adotar esta definição exclui
todos os navios que não prossigam a atividade comercial (navios de guerra, navios de
recreio, de investigação, unidades auxiliares da marinha de guerra)91.
88 A título meramente exemplificativo podemos destacar os navios de comércio, de pesca, embarcações de recreio; rebocadores; auxiliares. 89 Cf. artigo 19.º do DL n.º 265/72, de 31 de julho. 90 Os navios de carga são os navios graneleiros (graneleiros sólidos, petroleiros, químicos, gases liquefeitos) e os navios de carga unitizada (porta-contentores e roll-on/roll-off). Os navios de passageiros, incluindo os ferries, os ferries cruzeiros e os navios de cruzeiros, que oferecem um grande número de oportunidades de trabalho na área da hotelaria, turismo e entretenimento. Por sua vez, os navios auxiliares/ especializados são os rebocadores, embarcações de salvamento navios quebra-gelo, navios de apoio a plataformas, entre outros. Relativamente a este tema vd. SARDINHA, Álvaro Máximo – Objetivo, Trabalhar num navio, Transporte Marítimo Global, Lisboa, 2016, p. 12. 91O conceito embarcações de comércio constante no artigo 20.º do DL n.º 265/72, de 31 de julho, abrange todos os navios destinados ao transporte de pessoas e de carga, salvo as exceções estabelecidas. Por sua vez, na alínea d) do artigo 5.º do DL n.º 96/89, de 28 de março, define-se navio como toda a embarcação de comércio que opere no meio ambiental marinho.
68
Para além disso, estão excluídos os navios que naveguem exclusivamente em
águas interiores92 ou em águas abrigadas93 ou nas suas imediações ou em zonas onde se
aplique uma regulamentação portuária, bem como os navios afetos à pesca ou a
atividade análoga e embarcações de construção tradicional como dhows ou juncos.
Neste processo de atualização do direito do trabalho marítimo, o legislador
português acolheu a opção adotada na da CTM 2006 (alínea i) no n.º 1 e n.º 4 do artigo
I) e na Diretiva 2009/13/CE, do Conselho de 16 de fevereiro de 200994.
Podemos por isso concluir que, a LAMBN abrange, no essencial, as embarcações
que são classificadas pelo Regulamento Geral de Capitanias, como embarcações de
comércio.
Para além disso, o âmbito de aplicação da LAMBN foi alargado às unidades
móveis de perfuração ao largo e às unidades flutuantes de produção, armazenamento e
descarga que arvoram a bandeira nacional ou que operam, nos termos da legislação
nacional aplicável, em zonas marítimas sob jurisdição do Estado português (artigo 2.º, n.º
1, f), in fine).
De acordo com a referida lei, as dúvidas sobre a qualificação de um navio para
efeitos da aplicação da LAMBN são resolvidas pela DGRM, após consultar as
associações nacionais representativas dos armadores e dos marítimos a bordo (artigo 2.º,
n.º 3).
Como vimos, a caracterização de navio varia consoante o fim a que se destina (de
comércio, de guerra, de pesca, de recreio, de investigação).
Face ao exposto, a propósito do contrato de trabalho objeto deste estudo, o critério
utilizado para a definição de navio é o que subjaz ao desenvolvimento da atividade
comercial.
92 De acordo com o artigo 8.º da CNUDM, as águas situadas no interior da linha de base do mar territorial fazem parte das águas interiores do Estado. 93 A este propósito salientamos que, antes da entrada em vigor da LAMBN, o conceito de águas abrigadas estava definido no Decreto-Lei n.º 124/2004, de 25 de maio, mas apenas no que se relaciona com a Náutica de Recreio. Assim, este conceito é apenas utilizado para a navegação de recreio, a qual não cabe no âmbito de aplicação da CTM 2006, não sendo por isso relevante para efeitos de aplicação e interpretação da mesma. Por esse motivo, verificaram-se algumas dúvidas quanto à adequação desse conceito constante na CTM 2006 na legislação portuguesa (vd. UGT – Contributo da UGT sobre a interpretação de conceitos constantes da Convenção de Trabalho Marítimo, de 25.03.2011). Com a entrada em vigor da LAMBN, águas abrigadas são as águas compreendidas entre as linhas de base, tal como definidas no artigo 5.º da Lei n.º 36/2006, de 28 de julho, e uma linha cujos pontos distam 12 milhas náuticas das linhas de base (alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da LAMBN). 94 Esta definição foi também adotada pela Diretiva 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro de 2009.
69
Este critério tem sido utilizado em diplomas anteriores, como o Decreto-Lei n.º
145/2003, de 02 de julho, que transpôs a Diretiva n.º 1999/63/CE, do Conselho, de 21
de junho. Como referimos, em causa estava a aplicação do Acordo europeu relativo à
organização do tempo de trabalho dos marítimos. Nos termos do n.º 1 da cláusula 1.ª,
este acordo também só se aplicava aos navios de mar que estivessem normalmente
afetos à operação marítima comercial95.
Esta opção por aplicar normas a navios com base em critérios que apontam para a
sua finalidade tem sido constante na legislação internacional, de forma a delimitar os
diferentes regimes legais atendendo às especificidades das atividades desenvolvidas.
A propósito das Convenções preparadas pela OMI, podemos destacar como
exemplo da utilização desta técnica, o caso da Convenção Internacional para a
Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de 1974, (SOLAS 1974), - artigo 3.º, n.ºs 1 e 296
-, e da Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de
Serviço de Quartos para Marítimos, de 1978, (STCW 1978) - artigo 3.º97.
Por sua vez, a Convenção n.º 22 da OIT, de 1926, responsável por adotar diversas
propostas quanto ao trabalho dos marítimos e a Convenção n.º 23, sobre o repatriamento
dos marítimos, iniciaram a tendência de definir navio como qualquer tipo de navio em
embarcação de propriedade pública ou privada que habitualmente se dedique à
navegação marítima e excluíam a aplicação do regime por elas instaurado aos navios de
pesca98, de guerra, entre outros99.
Em última análise, cumpre concluir que o conceito de navio é essencial quer para
delimitarmos o âmbito de aplicação das normas de direito do trabalho marítimo, uma
vez que estas se aplicam apenas às embarcações por si abrangidas, quer para a
qualificação dos trabalhadores marítimos.
O conceito “navio” é, de facto, extremamente importante para compreendermos
qual o âmbito de aplicação da LAMBN, o que aliás resulta da designação do próprio
contrato de trabalho dos marítimos - “contrato de trabalho a bordo de navio”. 95 O mesmo se verifica no artigo 2.º, alínea a), do DL n.º 146/2003, de 3 de julho, que regula o período de trabalho dos marítimos a bordo de navios que utilizem os portos da comunidade. 96 Convenção aprovada por Portugal através do DL n.º 102/2004, de 8 de maio (DR n.º 108, Série I-A, de 8 de maio de 2004). 97 Convenção aprovada por Portugal através do DL n.º 28/85, de 8 de agosto (DR n.º 181, Série I, 8 de agosto de 1985). 98 Como veremos, a matéria de direito do trabalho a bordo de navios de pesca está sujeita a um regime diferente. Uma das particularidades é que ao longo deste regime não se utiliza a expressão navio mas sim embarcação - todo o barco ou navio registado e licenciado para a atividade de pesca (artigo 4.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 15/97, de 31 de maio. 99 Exclusão que também foi adotada nas Convenções da OIT n.ºs 72, 73, 74; 91; 92; 146; 147.
70
AS BANDEIRAS E O REGISTO
1. As Bandeiras
Devido à necessidade de sinalização e de identificação das embarcações, o uso das
bandeiras desenvolveu-se rapidamente no mar.
Atualmente, todos os navios arvoram uma bandeira responsável, em regra, por
identificar a jurisdição aplicável.
Em Portugal também se utiliza a expressão pavilhão nacional ou bandeira
nacional, designando o principal distintivo de nacionalidade de embarcações públicas
ou privadas, civis ou militares100.
2. A nacionalidade e o registo da propriedade
Aos navios é atribuída uma relação, um vínculo com o Estado, daí utilizar-se a
expressão “nacionalidade do navio”. Essa nacionalidade exprime um conjunto de
situações que envolvem uma relação entre determinados sujeitos – o proprietário, o
comandante, o armador, a gente do mar, os passageiros –, o navio e um determinado
Estado.
Do ponto de vista do Direito do Mar, o elemento de conexão relevante para o
estabelecimento da nacionalidade é o pavilhão (bandeira) que o navio esteja autorizado
a arvorar (artigo 91.º, n.º 1, da CNUDM).
A nacionalidade é atribuída por ato administrativo de um Estado, na medida em
que sejam observados os requisitos necessários para a atribuição da nacionalidade.
Não obstante a CNUDM não se pronunciar especificamente quanto aos critérios
vinculativos para atribuição da nacionalidade aos navios, em regra, os critérios adotados
pelos Estados são os seguintes: i) o critério da construção; ii) o da propriedade, iii) o da
nacionalidade do equipamento e iv) o critério misto. O critério misto vincula a
concessão da bandeira a uma diversidade de requisitos, como a nacionalidade do
proprietário, da tripulação e do comandante101.
100 Noutros países, a designação bandeira (drapeau em Francês, flag em Inglês, fahne em Alemão,) apenas é aplicada em terra, sendo habitualmente usado o termo pavilhão (pavillon em Francês, ensign em Inglês, flagge em Alemão) em ambiente marítimo. 101 No mesmo sentido, “os requisitos estabelecidos pelos estados podem dizer respeito a construção ou origem do navio, a nacionalidade dos proprietários e armadores; os oficiais que os comandam; a equipa de tripulação que os monta”., in MATOS, Azevedo - Princípios de Direito Marítimo, vol. I Edições Ática, 1955, p. 54.
71
De acordo com o artigo 5.°, n.º 1, da Convenção de Genebra de 29 de abril de
1958, sobre o Alto Mar, cada Estado é livre e soberano para fixar as condições pelas
quais concede a sua nacionalidade aos navios, e bem assim as condições de registo e o
direito de arvorar o seu pavilhão.
Estas disposições foram integralmente reproduzidas no artigo 91.°, n.º 1, da
CNUDM, nos termos do qual os Estados devem definir os requisitos necessários para a
atribuição da sua nacionalidade aos seus navios, para o registo de navios no seu
território e para o reconhecimento do direito de arvorar a sua bandeira.
A atribuição da nacionalidade a um navio gera e fundamenta competências para
os órgãos do Estado do pavilhão e adstringe esse Estado a determinados deveres de
regulação e de intervenção102. De facto, o navio e a sua tripulação estarão sujeitos à
jurisdição e ao ordenamento jurídico da sua bandeira que será competente para a mais
variadíssimas questões, entre as quais, as laborais, civis e penais.
Os deveres do Estado de bandeira consistem no exercício da jurisdição e do
controlo sobre o navio e tripulação, em questões técnicas, administrativas e sociais
(artigo 94.º, n.º 1, da CNUDM), o dever de manter o registo dos navios, e o dever de
garantir a segurança do navio, conforme arts. 94.º, n.º 3, e 94.º, n.º 4, da CNUDM.
Com efeito, hasteando a bandeira de uma nação, o navio passa a ser parte
integrante do território em causa, ao qual se aplicam quer as suas leis nacionais, quer as
convenções internacionais ratificadas por esse Estado.
Por esse motivo, a expressão Estado de bandeira – o Estado em cujas leis o navio
está registado ou licenciado103 –, está associada ao Estado representado pela bandeira da
embarcação e que nela exerce a sua jurisdição. Qualquer país pode ser Estado de
bandeira, até mesmo um país sem fronteira marítima (desde a Declaração de direito de
bandeira de 1921; como exemplo, a Bolívia e a Mongólia).
Em Portugal, de acordo com o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 201/98, de 10
de julho104, consideram-se nacionais os navios cuja propriedade se encontra registada
102 PINHEIRO, Luís Lima - O navio em direito internacional, pp. 97 e ss, in II Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo, 11 e 12 de novembro de 2010 (Coord. Manuel Januário da Costa Gomes), Almedina, junho 2012, pp. 99 e 100. 103 SARDINHA, Álvaro Máximo - Registo de navios / Estados de bandeira, Coleção Mar Fundamental, Lisboa, 2013, p. 7. 104 Diploma que define o estatuto legal do navio (anteriormente referido a propósito da noção de navio), retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-P/98, de 31 de julho.
72
em Portugal. A atribuição da nacionalidade portuguesa confere ao navio o direito ao uso
da respetiva bandeira, com os direitos e as obrigações que lhe são inerentes.
Como anteriormente referido, o registo da propriedade das embarcações pode
contribuir para determinar a sua nacionalidade. Essa foi precisamente a solução adotada
em Portugal. Assim sendo e em regra, uma vez efetuado o registo, a embarcação fica
habilitada a arvorar o pavilhão português.
Nestes termos, explica JANUÁRIO COSTA GOMES que “a ostentação do
pavilhão não constitui prova iuris e de iure da nacionalidade do navio”, “sendo apenas
um sinal exterior e prova aparente dessa nacionalidade”105. Daqui decorre que a prova
essencial é o certificado de registo do navio e não o hastear da bandeira da sua
nacionalidade.
No mesmo sentido, AZEVEDO MATOS refere que a bandeira não é prova
suficiente da nacionalidade do navio, tendo tal aferição de ser completada por outros
documentos de bordo106.
Para além disso, por conter os elementos que individualizam o navio, entre os
quais, o tipo, o nome, o número, a arqueação, o porto de registo, a nacionalidade, o
registo também permite a sua identificação.
Da indicação segundo a qual os navios possuem a nacionalidade do Estado cujo
pavilhão estão autorizados a hastear resulta que deve haver uma ligação substancial
entre o Estado e o navio.
A este propósito importa referir que, para combater vários problemas que se
fizeram sentir no setor da navegação marítima quanto ao cumprimento das exigências
legais e regulamentares impostas internacionalmente107, os Estados acordaram que a
nacionalidade do navio se consubstancia na noção do vínculo substancial (genuine link),
enquanto nexo de ligação entre o Estado e o navio, conforme critérios que variam
consoante os diferentes ordenamento jurídicos.
Este vínculo corresponde à capacidade de controlo pelo Estado de bandeira do
navio e da comunidade de pessoas e bens instaladas a bordo, em matérias
administrativas, técnicas e sociais (artigo 5.º da Convenção de Genebra sobre o alto
mar, de 1958)108.
105 GOMES, Manuel Januário Costa - O Ensino do Direito Marítimo - O Soltar das Amarras do Direito da Navegação Marítima, Almedina, Coimbra, 2005, p. 164. 106 MATOS, Azevedo - Princípios de Direito Marítimo, vol. I, Edições Ática, 1955, p. 63. 107 remeter para as bandeiras de conveniência 108 Remeter para responsabilidade do Estado de bandeira
73
Por sua vez a CNUDM manteve de forma geral os termos utilizados pela
Convenção de Genebra, de 1958, que faz depender a atribuição de nacionalidade a um
navio da existência de um vínculo substancial com o Estado de bandeira (artigo 91.º, n.º
1)109.
Como explica ALEXANDRA VON BOHM-AMOLLY, para a maioria da
doutrina, o vínculo substancial consiste numa relação especial entre o Estado e o navio,
que nasce no exato momento do registo110.
Por sua vez, resulta do artigo 92.º da CNUDM que os navios devem navegar sob a
bandeira de um só Estado (Princípio do monopólio do Estado do pavilhão) e, salvo nos
casos excecionais previstos expressamente em tratados internacionais ou na Convenção,
devem submeter-se, no alto mar, à jurisdição exclusiva desse Estado.
A nível nacional, o registo de embarcações está regulado pelos artigos 72.º e
seguintes do Capítulo V do Regulamento Geral das Capitanias111. De acordo com o
artigo 119.º desse Regulamento, os meios de prova tanto da nacionalidade das
embarcações e da carga, como do destino e da regularidade da viagem, quer em águas
nacionais ou estrangeiras, quer no alto mar, são a bandeira e os papéis de bordo.
Acresce que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do mesmo diploma,
as embarcações têm direito ao uso da bandeira portuguesa como indicação da sua
nacionalidade, se estiverem registadas de acordo com as regras de registo vigentes em
Portugal.
3. As bandeiras de conveniência
Considerando as condições e pressupostos adotados pelos diversos países, os
registos das embarcações podem ser classificados como Registos Nacionais ou Registos
Abertos112.
109 “Esta preocupação surgiu em meados do século XX como resposta a uma preocupação generalizada que se sentia por existirem diversos países que não exerciam qualquer controlo sobre os navios que arvoravam o seu pavilhão e que nem sequer tinham qualquer relação com os seus proprietários ou até com os próprios navios, por vezes dedicados a atividades ilícitas ou perigosas”, in BÖHM-AMOLLY, Alexandra von - Registo de Navios, in II Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo, 11 e 12 de novembro de 2010, (coord. Manuel Januário da Costa Gomes), Almedina, 2012, p. 174. 110 Idem, p. 175. 111 Aprovado pelo DL n.º 265/72, de 31 de julho. 112 A este propósito vd. MARTINS, Eliane M. Octaviano, Direito Marítimo: Nacionalidade, bandeira e registro de navios, in Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 85, 2011.
74
Nos Registos Nacionais, o Estado que concede a bandeira assegura um efetivo
controlo sobre os navios que aí se registaram, mantendo-os vinculados à sua
legislação113.
No entanto, muitas vezes o princípio do vínculo substancial é contrariado, com o
registo dos navios em Estados que oferecem condições extremamente atraentes pelos
baixos custos envolvidos, reduzidas exigências de segurança jurídica e pelo escasso
controlo. Estes registos são conhecidos como Registo abertos.
Os regimes abertos dividem-se em (i) Registos de Bandeira de Conveniência e (ii)
Segundos Registos.
A partir da Segunda Guerra Mundial os armadores de navios passaram a suportar
maiores encargos resultantes, essencialmente, da maior contribuição das empresas para
a segurança social e do mais elevado custo em resultado da adoção de normas de
segurança na navegação e de condições de trabalho das tripulações mais exigentes.
Por outro lado, a navegação aérea conquistou o mercado de transporte
internacional, não só de passageiros como também em relação a determinados tipos de
carga, aumentando a concorrência no comércio internacional.
Com a crise do petróleo de 1973, que provocou um forte período de recessão na
economia, assim como uma diminuição do comércio internacional, e,
consequentemente, uma quebra na procura mundial dos transportes marítimos, os
operadores do setor marítimo sentiram fortes dificuldades. Com efeito e de forma a
libertarem-se da regulamentação existente para o setor da navegação marítima, os
Estados intensificaram a prática de um sistema de registo aberto, dando origem às
famosas bandeiras de conveniência.
As bandeiras de conveniência não são um fenómeno só da atualidade. Já no século
XVI, os armadores ingleses faziam navegar os navios sob bandeira espanhola a fim de
poderem exercer o comércio com as "índias ocidentais"114.
Os registos abertos de bandeiras de conveniência (BdC)115 caracterizam-se pela
total facilidade de registo, pelos incentivos de ordem fiscal e pela não imposição de
vínculo entre o Estado de registo e o navio, pela desconformidade negativa entre o
113 Os registos também podem ser classificados em 4 grupos (registos domésticos tradicionais, registos tradicionais abertos, registos offshore; registos internacionais). Sobre o tema, European Parliament, Directorate General for Research - Outflagging and Second Ship Registers: Their Impact on Manning and Employment, p. 12 114 Esta questão foi abordada no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, P000371995, de 08-06-1995, em que foi relator Salvador da Costa, disponível em http://www.gde.mj.pt/ 115 Em inglês: FOC- Flags of Convenience Registries
75
desenvolvimento económico global e a sua frota mercante, pela autorização de recurso a
tripulação estrangeira, pela não ratificação das convenções internacionais sobre direitos
sociais e segurança ou impossibilidade de assegurar o controlo do cumprimento das
suas regras. Deste tipo de registo não resulta nenhum vínculo entre o Estado de registo e
o navio116.
Para além disso, os "Estados de conveniência" não exigem nem fiscalizam com
rigor o cumprimento e a adoção das normas e regulamentos nacionais ou internacionais
sobre as embarcações neles registadas.
Assim, simultaneamente às vantagens económicas oferecidas por tais registos,
verifica-se a aplicação de legislações e regulamentos menos “severos” sobre a
segurança a bordo.
A não exigência de vínculo substancial do Estado de bandeira com o navio e a não
observância de legislações e regulamentos relativos à segurança da navegação e à
obrigação de fiscalização decorre do facto de os Estados que concedem bandeira de
conveniência não serem signatários ou não cumprirem o disposto na CNUDM e noutras
convenções internacionais de extrema relevância no cenário da navegação.
Aliás, muitos dos Estados com Registo Aberto na vertente de BdC não têm sequer
instalações para garantir o cumprimento e a fiscalização das normas nem optam por
contratar empresas internacionais com competência para tal.
Neste contexto, a adoção de BdC consiste numa estratégia empresarial que visa
maior eficiência e lucro, pondo em causa a aplicabilidade de normas de direito que
interferem no custo do frete117, nomeadamente as normas laborais, tributárias e relativas
a segurança marítima e poluição marinha118.
A propósito deste tema, a ITF tem tido um papel ativo na luta contra este tipo de
práticas119.
116 Ver, a este propósito, BÖHM-AMOLLY, Alexandra von - Registo de Navios, in II Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo, 11 e 12 de novembro de 2010, (coord. Manuel Januário da Costa Gomes), Almedina, 2012, pp. 178 e ss. 117 Frete é o preço que se paga pelo uso ou pela locação de embarcação ou de qualquer outro meio de transporte. 118 “A Norwegian ship owner, for example, could more profitably operate his vessels under the flag of Panama or Liberia than under the traditional flag of Norway. Countries like Panama and Liberia allowed the hiring of crews from anywhere in the world, and they charged registration and tonnage fees, but little or no income tax on the wages of the seafarers or on the ship owning corporation. It was for such reasons that the registry flags of Panama and Liberia were called “convenient.”, in CARLISLE Rodney - Second Registers: Maritime Nations Respond to Flags of Convenience, 1984-1998, p. 320 e ss, in The Northern Mariner/le marin du nord, XIX No. 3, (July 2009), pp. 319-340. 119 A ITF é uma Organização Internacional Não-Governamental, fundada em 1896, em Londres, por líderes sindicais dos marítimos e estivadores europeus que perceberam a necessidade de se organizarem
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A ITF esclarece que os armadores tiram proveito da regulamentação mínima;
taxas de inscrição reduzidas; pequenos ou nenhuns impostos; liberdade de contratar
mão-de-obra barata. Esta situação, além de colocar em causa as condições de vida e de
trabalho dos marítimos, também fomenta um forte clima de concorrência desleal.
Como explicam TERESA PACETTI e LISETA CAETANO 120 , “(…) a
transferência de barcos de países tradicionalmente marítimos para pavilhões de países
que, não tendo ratificado convenções marítimas nem possuindo regimes de contratação
coletiva, ofereciam a bordo dos barcos registados nos seus territórios condições de
trabalho e de proteção social inferiores às normas, começou a ser um problema
alarmante.”
No que diz respeito às condições dos trabalhadores, a ITF considera que para os
trabalhadores a bordo o exercício da atividade em navios com bandeira de conveniência
pode significar: salários muito baixos; más condições de bordo; falta de alimento e água
potável; longos períodos de trabalho sem descanso apropriado; stress e fadiga.
Tal situação justifica-se porque, em regra, a aplicação das normas internacionais
que determinam a segurança ambiental e as condições de trabalho a bordo é da
responsabilidade do Estado de registo cuja bandeira é depois hasteada (Estado de
bandeira) e não do Estado do proprietário do navio, do armador ou do empregador.
O aumento da procura de "Estados de conveniência" levou à adoção da
Convenção das Nações Unidas sobre as condições de matrícula de navios, de 8 de
fevereiro de 1986.
internacionalmente para defenderem os seus interesses, na lógica de “Unus pro omnibus, omnes pro uno” (Um por todos, todos por um). Uma das suas missões mais importantes diz respeito à representação dos interesses dos seus membros junto das Organizações que tomam decisões que afetam as condições de trabalho no setor dos transportes, como a OIT e a OMI. A propósito dos marítimos, a ITF tem ajudado estes trabalhadores desde 1896 e, atualmente representa os seus interesses em todo o mundo. Mais de 600.000 trabalhadores marítimos são membros de sindicatos filiados da ITF. A ITF opôs-se ao sistema de bandeiras de conveniência há mais de 50 anos. Estes pavilhões permitiam aos armadores, que não têm ligação real ao Estado do pavilhão, registar os seus navios nesse Estado, a fim de evitar a tributação e regulação imposta pelos seus próprios países. De facto, nos últimos anos as bandeiras de conveniência, devido à falta de fiscalização, servem cada vez mais para registar navios que não estão em condições de respeitar os padrões exigidos na Europa, Estados Unidos, Japão ou Canadá. Estes navios, designados por substandard, acabam por colocar em risco a tripulação. O número de navios substandard envolvidos em acidentes graves, como o caso do Prestige, tem vindo a aumentar. Para maior detalhe sobre o tema vd. BOLESLAW Adam, Boczek - Flags of Convenience: An International Legal Study, in Harvard University Press, Boston, 1962. 120 PACETTI, Maria Teresa/ CAETANO, Maria Liseta - O Direito Marítimo da OIT e a Sua Influência na Ordem Jurídica Portuguesa, Direção-Geral das Condições do Trabalho, Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Lisboa, 1998, pp. 30 e 31
77
Como explica SALVADOR COSTA 121 , esta Convenção estabelece,
fundamentalmente, que cada Estado deve ter um registo de matrícula dos navios a quem
outorga a sua bandeira, que a matrícula deve pressupor um nexo real entre o navio, o
Estado e o proprietário, e que tal nexo é suscetível de resultar da nacionalidade da
tripulação, da qual uma parte significativa deve ser do Estado do pavilhão, ou da
propriedade do navio, cuja parte significativa também deve pertencer a cidadãos desse
Estado, e da residência efetiva de um representante do armador naquele Estado.
No entanto, sentia-se a necessidade de ir mais longe nesta matéria.
Nesse sentido, as Convenções n.º 147 e n.º 155 vieram colmatar as lacunas
existentes, condensando num único instrumento as normas marítimas essenciais que os
países devem fazer aplicar a bordo dos navios registados nos seus territórios.
Todavia, a legislação referente às condições de trabalho e de vida dos
trabalhadores continuava bastante dispersa, por dezenas de convenções diferentes,
criando dificuldades na perceção dos direitos e garantias reconhecidas aos
trabalhadores, assim como nas obrigações e responsabilidades dos Estados.
Por esse motivo, a criação da CTM 2006 é um passo importante para que o
universo de marítimos possa conhecer com facilidade e clareza as regras e princípios
que regulam o trabalho marítimo. Para além disso, o facto de as matérias mais
importantes estarem tratadas de forma conjunta no mesmo diploma reduz a
possibilidade de conflitos entre as diferentes instâncias que abordam os mesmos
assuntos.
Neste aspeto em particular, a definição das responsabilidades do Estado de
bandeira, que reforça o dever constante no artigo 94.º da CNUDM, segundo o qual os
Estados de bandeira devem exercer, de modo efetivo, a sua jurisdição e o seu controlo
em questões administrativas, técnicas e sociais sobre navios que arvorem a sua bandeira,
é essencial para combater o problema criado pelas BdC.
121 Ponto 3 do parecer n.º P000371995, de 08.06.1995, disponível em http://www.gde.mj.pt/
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4. O Segundo Registo
O sistema de Segundo Registo ou Registo Internacional - “Second Register” ou
“Off Shore Register” - foi adotado inicialmente por onze países, entre os quais Portugal,
com a offshore da Madeira122, com o objetivo de reagir ao crescimento das BdC.
Estes registos surgiram para proteger os registos nacionais dos Estados que não
têm registos de conveniência.
Os segundos registos integram-se em três categorias alternativas123:
i. Situam-se numa área do território nacional, submetido a um regime jurídico
especial (v.g. Portugal, Espanha,) ou no qual estão excluídas normas
122 O Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) foi criado pelo DL n.º 96/89, de 28 de março. O próprio preâmbulo deste diploma sensibiliza o leitor para a competitividade internacional no setor da marinha de comércio. Compreendendo as especificidades de funcionamento e os desafios que se colocam a este setor, que, desde logo, visam assegurar a sua sobrevivência e ultimamente a garantia de emprego aos seus trabalhadores, a generalidade dos países europeus veio a optar pela criação de regimes jurídicos especiais, mais flexíveis, para empresas sedeadas no que é comummente designado como 2º registo do respetivo país. Nesta senda, o legislador nacional aprovou o DL n.º 96/89, de 28 de março, que reflete, de forma particularmente expressiva, tais justificações no seu preâmbulo: “A competição internacional no sector da marinha de comércio é extremamente forte, tendo conduzido à baixa acentuada e prolongada dos fretes marítimos, facto este que tem originado no sector margens de rentabilidade muito reduzidas. Dentro deste contexto, todos os factores de custo assumem uma relevância determinante na viabilização da actividade, pelo que se tem assistido, a nível internacional, ao aumento da importância quer das bandeiras de conveniência, quer dos registos especiais, quer ainda de outras soluções para vencer as dificuldades existentes. Assim, para fazer face à situação da marinha de comércio, diversos Estados europeus criaram já os seus próprios segundos registos, como seja o caso do Reino Unido, da França, da Holanda, da Dinamarca e da Noruega, estando outros países presentemente a estudar soluções semelhantes. Estes segundos registos criados por aqueles países têm permitido estancar os processos de saída de navios do registo principal para registos de conveniência, assim como atrair alguns novos armadores e navios aos novos registos, oferecendo a estes condições de custos semelhantes às dos registos mais competitivos. A marinha de comércio, pelo seu carácter verdadeiro e inteiramente internacional, reveste características muito especiais, dado que o essencial da actividade se desenvolve normalmente em águas internacionais ou de países diferentes dos de registo.” “Este registo, para além de vir a funcionar como elemento de dinamização da marinha de comércio nacional e factor de estancagem da passagem de navios portugueses para bandeira de conveniência, será também um importante factor de dinamização económica da Região Autónoma da Madeira e do País, quer criando emprego neste sector, em que os Portugueses têm historicamente revelado aptidões especiais, quer permitindo o crescimento de actividades directa e indirectamente relacionadas com o MAR, tanto no campo económico como da educação e da investigação. Face aos condicionalismos actuais, o presente diploma é uma peça indispensável para que Portugal possa cumprir a sua vocação também como país marítimo, reforçando as nossas actividades nesta área e fortalecendo as nossas potencialidades estratégicas em tudo o que respeita ao MAR.” O âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, abarca os armadores que tenham sede no Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) e que aí registem, também, os seus navios. Nos termos do artigo 22º deste diploma legal, “A contratação e as condições de trabalho das tripulações deverão obedecer apenas ao disposto nas convenções internacionais vigentes na ordem jurídica portuguesa sobre a matéria”. Esta norma, como de resto foi reconhecido pelo próprio Procurador-Geral da República, no processo 5/92, do Tribunal Constitucional, “tem, inequivocamente, o sentido de afastar a legislação laboral reguladora da prestação de trabalho quanto àquela área de actividade económica, uma vez que pretende que essa prestação de trabalho venha a ser exclusivamente regulada pelos normativos constantes do direito internacional vigente em Portugal”. 123 BÖHM-AMOLLY, Alexandra von - Registo de Navios, in II Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo, 11 e 12 de novembro de 2010, (coord. Manuel Januário da Costa Gomes), Almedina, junho 2012, pp. 181 e 182.
79
comunitárias (v.g. Registos britânicos das ilhas Virgens Britânicas; das
Fakland; das Ilhas do Canal e de Gibraltar);
ii. Constituem uma segunda lista do registo ordinário nacional (v.g. ISR
alemão; DIS dinamarquês e o NIS norueguês); ou
iii. Foram criados como único registo dos Estados que anteriormente não
possuíam registo de navios (v.g. Luxemburgo).
Este sistema pretende proteger a frota mercante dos Estados que o adotam e
combater a concorrência., oferecendo vantagens similares às das bandeiras de
conveniência.
De forma bastante resumida, estes navios arvoram a bandeira nacional do país do
proprietário (de origem), ou o pavilhão de uma offshore sua.
Este registo permite a aplicação de regras diferentes relativas à tripulação, por
exemplo, eliminando ou flexibilizando a regra segundo a qual os marinheiros a bordo
do navio tenham que ser nacionais do país de origem e eliminando ou flexibilizando a
representação sindical dos trabalhadores marítimos.
Com estas medidas, os Segundos Registos permitem que o proprietário do navio
mantenha a bandeira nacional nos seus navios e, ao mesmo tempo, opere os seus navios
a custos mais competitivos no mercado mundial.
Deste modo, o sistema do Segundo Registo acaba por ser uma medida que visa
combater os problemas gerados com as BdC, e garantir a criação de uma estrutura
competitiva em relação às políticas de conveniência124.
Acresce que, com esta solução, a flexibilização não desconsidera as condições dos
trabalhadores. Em Portugal, o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28-03, prevê que
a contratação e as condições de trabalho das tripulações deverão apenas obedecer ao
disposto nas convenções internacionais vigentes na ordem jurídica portuguesa sobre a
matéria, tendo, inequivocamente, o sentido de afastar a legislação laboral nacional
reguladora da prestação de trabalho quanto àquela área de atividade económica, uma
vez que pretende que essa prestação venha a ser exclusivamente regulada pelos
normativos constantes do direito internacional vigentes em Portugal.
124 European Parliament, Directorate General for Research - Outflagging and Second Ship Registers: Their Impact on Manning and Employmen.
80
Para além da criação dos segundos registos, assume especial relevância no
combate às bandeiras de conveniência a implementação de um sistema harmonizado de
controlo dos navios mercantes por parte do Estado do porto (Port State Control)125.
CAPÍTULO II
SUJEITOS DA EXPEDIÇÃO MARÍTIMA
COM RELEVÂNCIA PARA O REGIME LABORAL
Na orla ou em correlação com o trabalho marítimo propriamente dito, a que aqui
nos dedicamos, existe um conjunto de pessoas que intervêm no universo marítimo
laboral cujo papel deve ser destacado126.
A este propósito importa referir que nem sempre é fácil determinar os conceitos
utilizados pelo legislador. Não obstante essa dificuldade, o facto de o pessoal do mar ser
cada vez mais internacional e isento de fronteiras tem contribuído para a uniformização
de terminologias e de carreiras profissionais.
No entanto, os idiomas e os seus termos e definições utilizados pelos legisladores
nacionais são diferentes, o que cria alguma dificuldade e desordem na utilização de
conceitos.
No presente capítulo propomo-nos a analisar, em primeiro lugar, as pessoas que
podem atuar na condição de empregador e, em segundo lugar, as gentes do mar e os
trabalhadores marítimos.
Entendemos que, sendo este ponto dedicado à determinação dos marítimos
enquanto parte da relação laboral marítima, se justifica apreciar, também aqui, o regime
aplicado à tripulação, assim como se justifica identificar as categorias de inscritos
marítimos previstas por lei.
Nesta senda, no que em especial concerne aos marítimos, iremos ainda proceder à
análise das normas aplicáveis à tripulação (lotação, embarque e desembarque).
Por fim e por facilidade de compreensão e organização das matérias em apreço,
será feita uma abordagem não exaustiva às categorias de inscritos marítimos previstas
125 REMETER – port state control 126 Expressão utilizada por Januário da Costa Gomes, GOMES, Manuel Januário Costa - O Ensino do Direito Marítimo - O Soltar das Amarras do Direito da Navegação Marítima, Almedina, Coimbra, 2005, p. 301.
81
pela legislação portuguesa, em que serão explicadas as regras aplicáveis em matéria de
mobilidade funcional no trabalho marítimo.
SUBCAPÍTULO I
O EMPREGADOR
O empregador é a contraparte do trabalhador no contrato de trabalho subordinado,
ou seja, nos termos do artigo 1152.º do CC, aquele a quem, e sob cuja autoridade e
direção, o trabalhador se obriga a prestar a sua atividade. O estatuto do empregador
corresponde por isso a uma posição de supremacia, em reverso da subordinação jurídica
em que se acha o trabalhador.
O empregador é assim a pessoa para quem se transmite a disponibilidade – o
poder de dispor – da força de trabalho doutrem.
No atual Código do Trabalho são identificados autonomamente os poderes do
empregador: o poder de direção (artigo 97.º), o poder disciplinar (artigo 98.º) e o poder
regulamentar (artigo 99.º), os quais são relevadores da supremacia do empregador face
ao trabalhador.
Como veremos, regra geral, o beneficiário direto da atividade marítima é o
armador. Assim, nos casos em que seja o próprio armador a contratar os trabalhadores
marítimos, não há dúvidas de que o armador assume o papel de empregador, tornando-
se responsável por proporcionar e garantir as condições de trabalho e de vida a bordo de
navios.
No entanto, no universo marítimo verificam-se fenómenos bastante complexos
que envolvem várias entidades, vários negócios e que colocam diversos problemas de
regime e de construção dogmática.
Esses casos são aqueles em que exista uma relação tripartida entre os armadores,
entidades terceiras que recrutam e contratam os trabalhadores (gestores de tripulação) e
os marítimos. Nestas situações, os trabalhadores podem não ser diretamente contratados
pelo armador ou em seu nome, mas em nome da terceira entidade, a qual se dedica ao
fornecimento, a título oneroso, dos marítimos aos armadores para os quais
desenvolverão a sua atividade.
82
Estes casos podem suscitar vários contextos de dúvida que não estão
concretamente previstos nem regulados pelo regime nacional.
1. O PROPRIETÁRIO DO NAVIO
Proprietário do navio é aquele que, nos termos da lei, goza de modo pleno e
exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição do navio (artigo 1.º, alínea b) do
Decreto-Lei n.º 202/98, de 10 de julho127.
O conceito de proprietário do navio pode ter um alcance diversificado. Em sentido
restrito será o titular do correspondente direito real sobre o navio e, em sentido amplo, é
o titular de qualquer direito patrimonial que permita dispor do navio, explorando-o ou
entregando-o a outrem (armador) para que o explore128.
O proprietário tem a inscrição da embarcação em seu nome e poderá armá-la,
colocando-a em condições de navegabilidade, de acordo com as normas da autoridade
marítima ou poderá encarregar um terceiro (“o armador”), de a explorar com fins
comerciais.
Como se verá de seguida, nos casos em que proceda ao armamento do navio, o
proprietário é simultaneamente o armador, estando encarregue de gerir a tripulação e de
assumir os deveres e poderes atribuídos por lei ao armador.
2. O ARMADOR
De acordo com o artigoº 1.º, alíneas c) e d), do Decreto-Lei n.º 202/98, de 10 de
julho, o armador do navio é aquele que, no seu próprio interesse, procede ao armamento
127 "No Direito Romano, não era permitido aos senadores e governadores da Província terem navios, para não se apartarem dos cuidados da administração Pública aos quais deveriam dedicar todo o seu tempo, como também para não monopolizarem o comércio do País em que exerciam a sua atividade, evitando o abuso do poder e vexames aos comerciantes e ao povo pela cobiça do poder, a qual, sendo unida à força civil dá oportunidades e produz tentações, a que é difícil, se não impossível resistir" in, SILVA, José - Princípios de Direito Mercantil e Leis da Marinha, para uso da mocidade portugueza, destinada ao comércio: Tratado VI, Parte II, Da Policia dos Portos, e Alfandegas de ordem de sua alteza real, o príncipe regente nosso senhor, Contendo as Ordenações de Marinha de França, Impressão Regia, Lisboa, 1819, p. 11. 128 CORDEIRO, António Menezes - Direito marítimo, cessão de exploração de um navio, contrato de trabalho a bordo particular responsabilidade marítima emergente da matrícula, parecer do professor doutor Menezes Cordeiro, CJ, III, 1988, p. 42.
83
do navio; sendo o armamento do navio o conjunto de atos jurídicos e materiais
necessários para que o navio fique em condições de empreender viagem129.
Por sua vez, de acordo com o Decreto-Lei n.º 196/98, de 10 de julho, armador é
“aquele que, no exercício de uma actividade de transporte marítimo, explora navios de
comércio próprios ou de terceiros, como afretador a tempo ou em casco nu, com ou
sem opção de compra, ou como locatário” (artigo 1.º, n.º 2)130.
Para além disso, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 202/98, de 10 de julho, estabelece
que, salvo prova em contrário, presume-se armador do navio o seu proprietário ou o
titular do segundo registo, havendo duplo registo, ou, no caso de fretamento em casco
nu, o afretador.
Com efeito, o estatuto de armador não é apenas atribuído a quem for proprietário
do navio (daí a figura do “armador não proprietário”). Para além disso, o proprietário do
navio pode não ser o seu armador (“simples proprietário”). É por isso indiferente que o
armador organize a gestão de navio próprio ou de navio alheio, ANTONIO
BRUNETTI. 131
Assim, proprietário e armador podem confundir-se numa mesma pessoa ou serem
pessoas diversas132.
Como explica MENEZES CORDEIRO, o armador reveste-se das seguintes
prerrogativas: “poder de decisão quanto à utilização do navio, seu destino e suas
acomodações”; “poder de fruição do navio”; “liberdade de escolha do comandante” e
“liberdade de celebrar os contratos de trabalho relativos à tripulação, diretamente ou
através de representantes”133.
Assim, o armador é a pessoa que detém o efetivo controlo do navio nos termos
supra indicados. É ele que tem a efetiva direção do navio, tomando sobre ele as
129 Neste caso, cabe ao armador equipar o navio, provendo-lhe os meios necessários para empreender uma viagem, tais como abastecimento de combustível e de água, víveres e material de salvação para a tripulação, entre outros. 130 Diploma responsável por regular a atividade dos transportes marítimos. 131 BRUNETTI, Antonio, Derecho marítimo privado italiano, tomo II, casa editoral, Barcelona, versión española anotada por R. Gray de Montellá, Barcelona, 1950, p. 23. 132 Em França, de acordo com o artigo L5411-1 do Código dos Transportes, o armador é a pessoa que opera o navio em seu nome, quer seja ou não o seu proprietário. A regra da presunção também vigora em França e resulta do artigo L5411-2 do mesmo diploma, segundo o qual, o proprietário do navio presume-se ser o armador. Por sua vez, de acordo como o número 1 do artigo L5511-1, armador designa qualquer pessoa em nome da qual um navio está armado. É considerado armador qualquer outro operador a quem o proprietário tenha confiado a responsabilidade de operar o navio, independentemente de outros empregadores ou entidades executarem em seu nome determinadas tarefas. 133 CORDEIRO, António Menezes - Direito marítimo, cessão de exploração de um navio, contrato de trabalho a bordo particular responsabilidade marítima emergente da matrícula, parecer do professor doutor Menezes Cordeiro, CJ, III, 1988, p. 42
84
competentes decisões jurídicas e económicas, distinguindo-se daquela pessoa que tem a
mera propriedade abstrata (o proprietário).
Em suma, os armadores são as pessoas físicas ou jurídicas que aprestam a
embarcação com fins comerciais, pondo-a em condição de navegabilidade, isto é, dotam
a embarcação de tripulação e de equipamentos necessários à operação. São os
armadores que promovem a equipagem (o armamento) do navio e a exploração
comercial.
Enquanto o proprietário é aquele a quem o navio pertence, por estar registado em
seu nome nos órgãos competentes, o armador é aquele que arma o navio, ou seja,
apresta o navio com aquilo que for necessário para que este esteja em condições de
navegabilidade.
No que ao trabalho marítimo diz respeito, o armador tinha, nos termos do regime
anterior, competência para “celebrar os contratos de trabalho com os marítimos,
qualquer que seja a sua categoria”, podendo delegar no comandante do navio a sua
“competência para celebrar com os tripulantes contratos de trabalho” (artigo 8.º do
Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março). Segundo o artigo 29.º desse diploma, competia
ao armador fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho a bordo, dentro dos
limites decorrentes das disposições legais em vigor.
No entanto este diploma não apresentava nenhuma definição de armador, tendo
vindo a mesma a ser estabelecida nos diplomas legais acima mencionados.
Atualmente, Portugal segue o exemplo internacional e europeu e designa armador
como “o proprietário de um navio ou qualquer gestor, agente ou fretador a casco nu,
ou outra entidade ou pessoa a quem o proprietário tenha cedido a exploração do navio
e que tenha assumido as obrigações legais que incumbem ao armador ainda que outras
entidades ou pessoas as cumpram em seu nome (artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da
LAMBN)134.
134 O armador também está definido da mesma forma na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º da CTM 2006, e na Diretiva 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro de 2009, nos termos do n.º 2 do artigo 2. Esta opção de definição de armador para efeitos de regime laboral não é novidade. Já o DL n.º 145/2003, de 2 de julho, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 1999/63/CE, do Conselho, de 21 de junho, respeitante ao Acordo Europeu Relativo à Organização do Tempo de Trabalho dos Marítimos, celebrado pela Associação de Armadores da Comunidade Europeia/ECSA e pela Federação dos Sindicatos dos Transportes da União Europeia/FST, definia armador como o proprietário do navio ou qualquer outra entidade ou pessoa, tal como armador-gestor ou o fretador com gestão náutica, à qual o armador tenha confiado a responsabilidade da exploração do navio e que, ao assumir essa responsabilidade, tenha aceitado cumprir todos os deveres e obrigações dela decorrentes (cláusula 2.ª, alínea d).
85
Deste modo, para efeitos do contrato de trabalho a bordo de navio, o critério
utilizado para qualificar alguém como armador é a exploração do navio, ou seja,
armador será quem equipa, explora economicamente e quem tem a direção efetiva do
navio.
Aliás, a própria lei refere que a pessoa do armador será aquela que assumir as
obrigações imputadas ao armador pela legislação aplicável a este tipo de contratos
(“aceite as obrigações legais que incumbem ao armador”).
Tal definição leva-nos a considerar que, para efeitos do regime laboral, assume o
estatuto de armador aquele que explore efetivamente o navio, o que vai ao encontro da
natureza da própria figura de armador, tal como ela tem vindo a ser consubstanciada nas
restantes áreas de direito.
Tradicionalmente e em regra, é o armador, enquanto pessoa responsável pela
exploração económica do navio, que contrata os marítimos e que assume o papel de
empregador.
No entanto, não existe, na legislação nacional vigente, nenhuma disposição
semelhante à do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março. Apesar de o
legislador fazer várias referências ao armador, nomeadamente no que respeita às suas
responsabilidades em relação às condições de trabalho e de vida a bordo, não há
nenhuma norma que nos permita inferir que o armador é aquele que assume o estatuto
de empregador.
Em bom rigor, a CTM 2006 apenas exige que deve existir uma entidade chamada
de armador que tem responsabilidade por todos os aspetos das condições de trabalho e
de vida de todos os marítimos empregados a bordo de um navio ao qual aquela
convenção se aplica135.
Esta opção legislativa parece abrir a porta a situações distintas: (i) aquelas em que
se reconhece o armador como titular dos poderes de direção e de autoridade típicos do
empregador e (ii) aquelas, mais complexas, em que o armador, não obstante permanecer
responsável pelos deveres e obrigações que lhe são imputados pela LAMBN, não
assume o papel de empregador, transferindo-o para outra entidade.
No entanto e em suma, podemos concluir que, tradicionalmente, é o armador
quem assume o estatuto de empregador. 135 Department of Economic Development MLC - Seafarers’ Employment Agreements, maritime labour notice, MLN 2.1., revision no 5, abril, 2013, p. 3.
86
3. O AFRETADOR
A armação de um navio pode ser cedida a um terceiro, através da celebração de
um contrato. Contratos de fretamento são aqueles que se caracterizam pela locação de
um navio no qual o proprietário (fretador) cede a utilização do seu navio ao afretador, o
qual assume a posse e o controlo do mesmo, mediante um preço previamente
estipulado, o frete136.
O afretamento é o ato de tomar para si o navio para o operar, podendo ser
realizado por um armador ou transportador marítimo (o afretador). O fretamento é o ato
de entregar a alguém, sendo esta operação realizada pelo proprietário ou armador do
navio (o fretador).
Como vimos, o afretador, por operar e armar o navio pode ser considerado como
armador ou mesmo presumir-se como tal.
De forma simplificada e de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 191/87, de
29 de abril137, e no Decreto-Lei n.º 282/78, de 8 de setembro138, consideram-se os
seguintes tipos de afretador:
Afretador de navios em regime de casco nu, com ou sem opção de compra:
o que toma de fretamento um navio de comércio não armado nem
equipado, por determinado período de tempo, e que detém a respetiva
gestão técnica, comercial e náutica. Nestes contratos compete ao afretador
equipar e armar o navio. Além disso, a gestão náutica e a gestão comercial
do navio são da responsabilidade do afretador.
Afretador a tempo: o que toma de fretamento um navio de comércio por
determinado período de tempo e que detém a exploração comercial do
mesmo. A gestão náutica fica a cargo do fretador.
Afretador de viagem: o que toma de fretamento a totalidade ou uma parte
de um navio de comércio, tendo em vista a realização específica de uma
ou mais viagens. Neste caso a gestão náutica e a comercial continuam a
pertencer ao fretador que por isso suporta os custos da tripulação.
136 O contrato de fretamento de navio, em Portugal, é aquele em que uma das partes (fretador) se obriga em relação a outra (afretador) a pôr à sua disposição um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária denominada frete (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de abril). 137 Diploma que estabelece as normas relativas ao contrato de fretamento. 138 Regulamenta a atividade decorrente de afretamentos.
87
Como vimos, o contrato de afretamento por tempo ou por viagem (“time charter
party” ou “voyage charter”) caracteriza-se pelo aluguer do navio por um tempo
determinado ou uma viagem, no qual o proprietário ou o armador disponente coloca o
navio completamente armado, equipado e em condições de navegabilidade à disposição
do afretador, o qual assume a posse e a gestão comercial e/ou náutica do mesmo,
mediante o pagamento do frete. Neste contrato o afretador utiliza os serviços do navio.
Por sua vez, os contratos de afretamento a casco nu (“bareboat” ou “emise charter
parties”) caracterizam-se pelo arrendamento de um navio, por tempo determinado, no
qual o proprietário aluga seu navio ao afretador a casco nu, o qual assume a posse e o
controlo do navio, mediante uma retribuição, o frete, sendo que o afretador utiliza o
próprio navio. Neste caso o navio é tomado em afretamento desprovido de comandante,
tripulação e demais elementos necessários à navegação. O proprietário do navio poderá
indicar o comandante e alguns tripulantes, porém estes são contratados e controlados
pelo afretador a casco nu. Com efeito, se o afretador tem o dever de armar o navio e de
contratar tripulação, é ele quem assume a qualidade de armador para efeitos da
aplicação do regime do contrato de trabalho marítimo.
Enquanto no contrato de afretamento por tempo determinado, estes são
trabalhadores do proprietário ou do armador disponente, no afretamento a casco nu o
comandante e os tripulantes são trabalhadores do afretador a casco nu.
Com efeito, no afretamento a casco nu, as despesas de provisões e salários e as
despesas dos tripulantes são da responsabilidade do afretador a casco nu. No
afretamento por tempo, essas despesas são habitualmente da responsabilidade do
proprietário ou do armador disponente.
Nos casos de afretamento a casco nu, em que o afretador assume a
responsabilidade por armar e equipar o navio no seu todo, contratando para esse efeito
os marítimos que nele prestarão atividade, o afretador irá assumir o papel de um
verdadeiro armador, sendo por isso o efetivo empregador. Com efeito, é o afretador a
casco nu que assume as responsabilidades decorrentes da CTM 2006 e portanto da
LAMBN.
Por sua vez, nos afretamentos por tempo ou a viagem, cabe ao fretador garantir a
conformidade do trabalho dos marítimos a bordo do navio com a CTM 2006.
88
4. O GESTOR DE NAVIOS
O gestor de navios (“ship manager”) é a entidade na qual o armador pode delegar
parte ou a totalidade dos atos de armamento do navio, ficando assim contratualmente
encarregado pela prática do conjunto de atos jurídicos e materiais, necessários para que
o navio fique em condições de empreender viagem (cf. Decreto-Lei n.º 198/98, de 10 de
julho139). Entre tais atos destacamos a seleção, o recrutamento e a contratação dos
marítimos.
De forma porventura mais clara, o gestor do navio tem poderes para prestar
serviços de colocação de oficiais e tripulantes de ponte/convés e máquina, com
experiência apropriada, qualificações e certificados; colocação de marítimos em navios
de cruzeiros dotados de experiência e qualificação140.
De acordo com o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 198/98, de 10 de julho, constituem
obrigações especiais do gestor de navios, no âmbito da atividade relacionada com a
seleção, o recrutamento e a contratação de tripulações:
(i) Organizar e manter atualizado um registo dos marítimos tripulantes
recrutados ou contratados por seu intermédio;
(ii) Verificar se os marítimos possuem as qualificações, certificados e
documentos válidos, exigíveis para o exercício das funções para as quais
venham a ser selecionados ou contratados;
(iii) Assegurar que os contratos a celebrar com os marítimos estão de acordo
com a legislação e as convenções coletivas de trabalho aplicáveis;
(iv) Informar os marítimos dos direitos e obrigações resultantes do contrato de
trabalho celebrado;
(v) Assegurar que o marítimo contratado, em especial quando destinado ao
estrangeiro, não é abandonado em porto, garantindo-lhe o repatriamento;
(vi) Proteger a confidencialidade dos elementos de carácter pessoal e privados
dos marítimos recrutados ou contratados.
Em nenhum caso pode ser pedido aos marítimos o pagamento, direta ou
indiretamente, no todo ou em parte, de despesas a título do processo de seleção,
139 Regime legal disciplinador da atividade do gestor de navios (shipmanager), o qual se reveste de uma importância fundamental na otimização da gestão (técnica e das tripulações) dos navios. 140 SARDINHA, Álvaro Máximo – Objetivo, Trabalhar num navio, Transporte Marítimo Global, Lisboa, 2016, pp. 79 e 80.
89
recrutamento ou contratação, sem prejuízo de custos resultantes da obtenção de
certificados, documentos profissionais ou de viagem.
Os gestores têm a obrigação de defender os interesses dos representados no
exercício dos poderes de representação e de colaborar com as entidades marítimas,
sanitárias e portuárias, no cumprimento das formalidades relacionadas com a gestão do
navio.
Atualmente é mais comum que o recrutamento e a seleção de recursos humanos
sejam da responsabilidade de empresas externas especializadas que se dedicam a esses
serviços e não do armador.
Quer as empresas de gestão de tripulações (“crew management”) que oferecem
serviços de seleção e de recrutamento, serviços de formação, gestão de viagens,
alojamento e outras soluções completas aos seus clientes, quer as empresas de gestão de
navios (“ship management”) que, como já vimos, incluem o serviço de gestão de
tripulações no seu amplo portefólio, oferecendo assim soluções completas aos seus
clientes, podem intervir no processo de recrutamento, seleção e contratação de
marítimos, prestando de forma geral o serviço de gestão dos marítimos141.
Estes serviços incluem o recrutamento e a seleção, serviços de formação, gestão
de viagens, alojamento e outras necessidades operacionais.
Em bom rigor, o contrato entre as empresas de gestão de pessoal marítimo e os
armadores, conhecido como “crew management agreement”, pode ainda abranger, de
acordo com a prática internacional, dois tipos de regimes contratuais: (i) "Crewman A –
Cost plus fee" e (ii) "Crewman B - Lump Sum".
No primeiro caso, os gestores da tripulação atuam como agentes e agem em nome
e no interesse do armador. Estamos em presença de um contrato de agência e, portanto,
o contrato de trabalho será celebrado entre armadores (em seu nome) e marítimos142.
Estes gestores constituem verdadeiras agências privadas de colocação, as quais
serão abordadas no ponto seguinte.
141 Ao contrário destas empresas, as agências de recrutamento e seleção (“recruitment and selection agencies”) apenas prestam serviços de recrutamento e seleção de marítimos de que beneficiam os armadores e/ou as empresas operadoras de navios. 142 BEVILACQUA, Stefania - Liberalizzazione e flessibilità del mercato del lavoro marittimo: le agenzie di lavoro e l’arruolamento dell’equipaggio, in Rivista di diritto dell’economia, dei trasporti e dell’ambiente, II/2004, 9 de dezembro de 2004, p. 94.
90
Relativamente a este tema, cabe esclarecer apenas que, enquanto o regime jurídico
aplicável à gestão de navios e da tripulação - e portanto à relação entre armadores e
gestores - está regulado pelo Decreto-Lei n.º 198/98, de 10 de julho, o regime jurídico
aplicável ao recrutamento e colocação dos marítimos por esses gestores/agências está
regulado pelo Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro.
No segundo caso, as empresas contratam a tripulação e agem em seu próprio
nome, criando assim uma separação entre o empregador e o beneficiário da prestação.
Este caso é mais complexo, parecendo coexistirem dois contratos distintos: um contrato
trabalho e um de “cedência de pessoal”.
5. AS AGÊNCIAS PRIVADAS DE COLOCAÇÃO
O regime jurídico do exercício e licenciamento das agências privadas de
colocação está regulado de forma mais profunda pelo Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25
de setembro143.
Em primeiro lugar, as empresas que desenvolvam as atividades de recrutamento e
colocação144 só podem fazê-lo ao abrigo de um sistema normalizado de licenciamento
ou de certificação. No caso das agências, esse regime está regulado pelos artigos 16.º e
ss. do Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro.
As agências são responsáveis pela intermediação entre a oferta e a procura de
emprego, promovendo a colocação de candidatos a emprego, sem fazer parte das
relações de trabalho que daí decorram (artigo 2.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 260/2009,
de 25 de setembro).
O exercício da atividade de agência está sujeito a mera comunicação prévia
perante o serviço público de emprego, tal como definida na alínea b) do n.º 2 do artigo
143 Aquando da preparação para a ratificação da CTM por Portugal, as autoridades portuguesas concluíram que, apesar de a legislação nacional relativa à atividade profissional de marítimos já prever as agências de colocação de marítimos, a atividade dessas agências não tinha sido ainda objeto de regulamentação nos termos previstos na CTM 2006. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 124/89, de 14 de abril, excluía expressamente do seu âmbito de aplicação as agências privadas de colocação de marítimos (artigo 4.º, n.º 1, al. a)). Por essa razão, o legislador nacional sentiu necessidade de aprovar as normas deste diploma legal, as quais foram alteradas posteriormente pelo artigo 47.º da LAMBN. 144 A colocação é definida como a promoção do preenchimento de um posto de trabalho na dependência do beneficiário de uma dada atividade económica (artigo 2.º, al. c) do DL n.º 260/2009, de 25 de setembro).
91
8.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho 145 , com indicação do nome ou
denominação social, domicílio ou sede e estabelecimento principal em território
nacional, número de identificação fiscal ou número de identificação de pessoa coletiva e
número de registo comercial ou indicação do código de acesso a certidão permanente de
registo comercial, caso existam (artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de
setembro).
De acordo com o artigo 23.º do mesmo diploma, cabe às agências assegurar a
gratuitidade dos serviços prestados ao candidato a emprego, não lhe cobrando, direta ou
indiretamente, quaisquer importâncias em numerário ou em espécie, incluindo, no caso
dos marítimos, os custos de vistos necessários à prestação de trabalho, os quais devem
ficar a cargo do armador (n.º 1, alínea f)); e respeitar as normas sobre idade mínima de
admissão para prestar trabalho e escolaridade obrigatória na inscrição e colocação de
candidatos a emprego (n.º 1, alínea g).
Apesar do que decorre da alínea f), os custos derivados da obtenção do certificado
médico, dos certificados profissionais ou outra documentação necessária ao exercício da
atividade a bordo são assumidos pelos marítimos.
No que em especial se refere às agências privadas de colocação que se ocupam do
recrutamento146 e colocação de marítimos, Portugal adequou a legislação interna à CTM
2006.
As agências cujo objeto principal é o recrutamento e colocação de marítimos
devem implementar um sistema de gestão de qualidade (artigo 23.º, n.º 3 do Decreto-
Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro). Deste modo o Estado português pretende que
sejam instituídos mecanismos de recolha e análise de informações pertinentes sobre o
mercado de trabalho marítimo, incluindo a oferta atual e previsível de marítimos para
trabalhar como membros de uma tripulação, classificados por idade, sexo, categoria e
qualificações, bem como sobre as necessidades do setor, sendo a recolha de dados sobre
a idade ou o sexo admissível apenas para efeitos estatísticos ou se estes forem utilizados
no âmbito de um programa com vista a prevenir a discriminação baseada na idade ou no
sexo147.
145 De acordo com este artigo, “mera comunicação prévia” consiste numa declaração efetuada pelo prestador de serviços necessária ao início da atividade, que permita o exercício da mesma imediatamente após a sua comunicação à autoridade administrativa. 146 A propósito do recrutamento vd. p. 190. 147 Prevista pela CTM 2006, Princípio orientador, B1.4, 1, alínea e).
92
Conforme resulta do artigo 24.º, n.º 5, do mesmo diploma legal, as agências que
procedam ao recrutamento e colocação de marítimos a bordo devem:
a. Constituir um seguro, a regular por portaria dos membros do Governo
responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, que garanta o pagamento
de indemnização dos prejuízos patrimoniais causados aos marítimos pelo
incumprimento das obrigações da agência ou do armador;
b. Possuir um registo atualizado de todos os marítimos recrutados ou
colocados por seu intermédio, para efeitos de inspeção por parte da
autoridade competente;
c. Possuir um sistema de avaliação de queixas relativas às suas atividades,
devendo dar conhecimento do respetivo resultado à autoridade
competente.
A violação destes deveres constitui uma contraordenação grave punível com
coima de € 1200,00 a € 2600,00 ou € 4000,00, consoante se trate de pessoa singular ou
pessoa coletiva (artigo 24.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro).
Quanto ao dever de informação, a agência que proceda ao recrutamento e
colocação de marítimos a bordo deve informar os candidatos a emprego antes da
celebração dos contratos de trabalho sobre direitos e deveres decorrentes dos mesmos e
providenciar no sentido de que o marítimo deve dispor de tempo suficiente para analisar
o contrato de trabalho e aconselhar-se sobre o seu conteúdo de modo a estar
devidamente informado sobre o mesmo antes de o assinar, bem como que o contrato
está conforme com a legislação e as convenções coletivas aplicáveis e que é celebrado
por escrito, em dois exemplares, ficando um para cada parte (artigo 28.º, n.º 2). A
violação deste dever é considerada uma contraordenação grave punível com coima de €
1200 a € 2600 ou € 4000, consoante se trate de pessoa singular ou pessoa coletiva
(artigo 28.º, n.º 4).
Quanto à fiscalização de agências que procedem ao recrutamento e colocação de
marítimos a bordo, a autoridade com competência para tal é acompanhada, sempre que
possível, por um inspetor da DGRM (artigo 29.º, n.º 3).
Como se referiu, o regime específico para as agências privadas de recrutamento e
colocação de marítimos foi criado, pela primeira vez, em Portugal, aquando da
93
preparação da ratificação da CTM 2006. Tal facto é demonstrativo do enorme
contributo da CTM 2006 para a evolução da legislação laboral marítima.
A OIT tem congregado esforços para garantir que as agências de recrutamento e
de colocação no mercado mantenham o registo atualizado de todos os marítimos
colocados através do registo; mantenham atualizadas as listas de contactos dos navios e
da empresa em que colocou os marítimos; informem os marítimos sobre os seus direitos
e obrigações; concedam tempo suficiente aos marítimos para estudar o contrato de
trabalho antes de o assinarem; assegurem que os contratos de trabalho dos marítimos
estão em conformidade com a legislação nacional aplicável com os acordos coletivos;
verifiquem as qualificações dos marítimos para o desempenho da atividade; se
certifiquem de que os proprietários ou empresas com quem trabalham são sólidos do
ponto de vista financeiro, tenham um procedimento eficaz para a apresentação de
reclamações; implementem um sistema de seguros (Norma A1.4, n.º 5, alínea c), da
CTM 2006).
6. CONCLUSÕES A PROPÓSITO DOS PONTOS 4 E 5
Analisados que estão estes sujeitos que podem intervir no processo de
recrutamento, de seleção e até de contratação dos marítimos, podemos concluir que,
face à diversidade de empresas que se ocupam do recrutamento e da colocação dos
marítimos, que atuam no mercado marítimo mundial, a figura do armador tradicional
que dirigia o navio e que contratava diretamente os marítimos está cada vez mais
ultrapassada.
Essas empresas especializam-se na gestão técnica e comercial do navio e, como
vimos, gerem frequentemente a própria tripulação. O recurso a este tipo de gestores por
parte dos armadores é cada vez mais recorrente, uma vez que permite reduzir os custos
com a tripulação e, por isso, aumenta a competitividade entre armadores.
Com efeito, a par das situações tradicionais têm surgido novos profissionais que
se ocupam da gestão de todas as fases pré-contratuais e contratuais que vão desde o
recrutamento até o embarque do marítimo.
94
Os problemas decorrentes da colocação de marítimos e da identificação da
entidade responsável pelo cumprimento das exigências impostas pela CTM 2006 e pela
LAMBN não deixam de se suscitar, apesar de a sua solução nem sempre ser clara.
Por essa razão, será necessário procurar resposta na própria CTM 2006, que indica
as responsabilidades atribuídas ao armador.
Como vimos, de acordo com a CTM 2006, o armador é descrito como “o
proprietário de um navio ou qualquer gestor, agente ou fretador a casco nu, ou outra
entidade ou pessoa a quem o proprietário tenha cedido a exploração do navio e que
tenha assumido as obrigações legais que incumbem ao armador ainda que outras
entidades ou pessoas as cumpram em seu nome.”
Esta definição de armador consignada na CTM 2006 tem desencadeado um aceso
debate em torno da responsabilidade dos armadores resultante da mesma Convenção.
Por essa razão, os gerentes dos navios/da tripulação têm vindo a pugnar pela clareza
jurídica da definição do conceito de armador. Tanto os armadores como os gestores têm
procurado esclarecer os seus papéis.
Como sabemos, a CTM 2006, por ser um instrumento jurídico internacional, não
se aplica diretamente aos armadores, navios ou marítimos. Assim, a sua execução irá
depender das leis nacionais aprovadas em cada país.
A última parte da definição estabelecida pela OIT – “ainda que outras entidades
ou pessoas as cumpram em seu nome”, permite-nos concluir que, nos casos em que os
gestores agem em nome e no interesse do armador (“Crewman A”), que aqui
equiparamos às agências privadas de colocação de marítimos, as responsabilidades
constantes da CTM 2006/LAMBN serão assumidas pelos armadores e não pelos
gestores.
Quer isto significar que o armador pode delegar parte das suas responsabilidades a
um gestor que, não obstante ter sido o responsável pela seleção e contratação de
marítimos, agiu em representação e no interesse do armador. Neste caso, por ter agido
em representação do armador, é o armador que assume as responsabilidades por garantir
o cumprimento da lei e do contrato.
Aliás, esta é a solução que se adequa ao disposto do artigo 2.º, alínea a), do
Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro, segundo o qual as agências são
responsáveis pela intermediação entre a oferta e a procura de emprego, promovendo a
95
colocação de candidatos a emprego, não sendo parte nas relações de trabalho que daí
decorram.
Além disso, a própria CTM 2006 refere que as normas respeitantes ao
recrutamento e colocação – a aplicar quando o recrutamento é levado a cabo por
empresas como as agências de colocação –, não têm por efeito limitar as obrigações e
responsabilidades dos armadores (Norma A1.4., n.º 10).
O que significa que as agências responsáveis pelo recrutamento, seleção e
colocação dos trabalhadores não podem assumir o estatuto de armador.
Em suma, nos casos de crewman A, o armador para efeitos da LAMBN deverá ser
o armador tradicional, uma vez que o gestor opera e contrata em nome do armador.
Estes casos não devem gerar dúvidas uma vez que o gestor está a agir em representação
do armador e não a assumir as obrigações legais do armador como se fossem suas.
Face à natureza deste contrato, o gestor deve garantir que o teor dos contratos de
trabalho, quando por si preparados, respeita a legislação em vigor aplicável e que o
proprietário tem conhecimento de todo o seu conteúdo.
No entanto, em nossa opinião, não podemos ignorar a prática internacional, em
especial os casos em que os armadores pretendem que sejam os gestores das tripulações
a assumir todas as obrigações decorrentes da gestão de tripulantes, incluindo as que
decorrem da execução do contrato de trabalho (retribuições, férias, repatriamento,
indemnizações). Esses são os casos que aqui designámos de “Crewman B”.
Ao contrário do que acontece com os denominados “Crewman A” ou com as
agências privadas de colocação, esta questão acaba por não ser abordada pelo legislador
nacional, que apesar de se ter inspirado na definição da CTM 2006, não previu estes
fenómenos mais complexos de contratação que são prática corrente a nível internacional
e em Portugal. Além disso, nem o regime jurídico aplicável à gestão de navios aborda
esta situação, nem o regime do recrutamento prevê os casos em que os gestores ajam
como verdadeiros empregadores.
Mostra-se evidente que os casos em que os gestores não agem em representação
do armador, mas sim em seu próprio nome (“Crewman B”), são os que suscitam maior
controvérsia. Pela sua natureza, estes casos não têm, a nosso ver, cabimento na última
parte da definição de armador prevista na lei. Isto porque são os próprios gestores que
96
assinam em nome próprio esses contratos, que lideram a operação do navio e são eles
que assumem a qualidade de empregador.
A nosso ver, parece que a intenção da OIT é ter uma única entidade que assuma a
responsabilidade do armador em relação às condições de trabalho e de vida dos
marítimos 148 . Isto porque a CTM 2006 prevê que o armador deve ser uma única
entidade que assume a responsabilidade global pelo cumprimento das condições por si
previstas e asseguradas149.
Como vimos, ao contrário das situações do Crewman A, os gestores que celebram
os contratos de trabalho em seu próprio nome (Crewman B) são verdadeiros
empregadores dos trabalhadores marítimos e não, simplesmente, agentes de
intermediação de emprego ou de colocação de trabalhadores.
Resta por isso saber se o facto de lhes ser reconhecido o estatuto de empregador
os torna responsáveis únicos pelo cumprimento de todas as condições previstas na CTM
2006.
A este propósito, veio esclarecer a OIT que mesmo que outra entidade que forneça
os trabalhadores ao navio possa celebrar contratos de trabalho marítimo com os
trabalhadores e ser responsável pela execução desse contrato, incluindo por exemplo o
pagamento dos salários, o armador mantém, ainda assim, a responsabilidade global
pelas exigências previstas na CTM 2006 em relação ao marítimo.
148 Como explicam Teresa Pacceti e Carlota Leitão no seu Relatório, “Quanto à noção de armador, a directora do departamento das normas do BIT afirmou que o objectivo da definição (bastante flexível) utilizada na convenção é que haja uma só pessoa, identificada, responsável pelo cumprimento da lei e do contrato de trabalho. A questão não consiste em saber quem é o proprietário do navio mas sim quem é o responsável. “Armador” é quem consta do certificado e da declaração, quando existam. Mesmo que seja o empregador a contratar, “armador” será aquele que fica responsável pelo cumprimento do contrato.”, cf. PACCETI, Teresa/ LEITÃO, Carlota, Relatório da participação do governo português na Conferência Europeia Tripartida sobre o Trabalho Marítimo, realizada em Lisboa nos dias 15 e 16 de novembro de 2008, elaborado a 22 de dezembro de 2008, p. 3. 149 De acordo com a resposta à questão B.14 constante do documento Maritime Labour Convention, 2006 (MLC, 2006) Frequently Asked Questions (FAQ), elaborado pela International Labour Standards Department, “The MLC, 2006 defines a shipowner as “the owner of the ship or another organization or person, such as the manager, agent or bareboat charterer, who has assumed the responsibility for the operation of the ship from the owner and who, on assuming such responsibility, has agreed to take over the duties and responsibilities imposed on shipowners in accordance with the Convention …”. This definition applies even if any other organizations or persons fulfil certain of the duties or responsibilities on behalf of the shipowner. This comprehensive definition was adopted to reflect the idea that, irrespective of the particular commercial or other arrangements regarding a ship’s operations, there must be a single entity, “the shipowner”, that is responsible for seafarers’ living and working conditions. This idea is also reflected in the requirement that all seafarers’ employment agreements must be signed by the shipowner or a representative of the shipowner”.
97
Além disso, a OIT considera que, de acordo com a CTM 2006, os contratos de
trabalho marítimo devem identificar de forma expressa que o armador é parte
responsável pelas exigências constantes da legislação aplicável ao trabalho a bordo,
mesmo que os gestores, enquanto empregadores, possam assumir obrigações resultantes
do contrato de trabalho que celebram com os marítimos e que estejam diretamente
relacionadas com essas exigências150.
Significa isto que, de acordo com a CTM 2006, mesmo que os empregadores não
sejam os armadores, estes devem continuar a ser responsáveis por garantir as condições
de trabalho e de vida dos marítimos.
Posto isto, a complexa relação entre o armador, gestor e tripulação pode suscitar
problemas sempre que se decida que uma entidade deve assumir a responsabilidade
global.
Não obstante ser uma prática reiterada, a contratação de marítimos por terceiras
entidades que não o armador, para prestarem trabalho a bordo, não está, como se disse,
regulada em concreto pela legislação nacional.
No entanto, apesar de referir que as agências de colocação não fazem parte da
relação laboral, o legislador nacional parece prever que estas agências assumam
determinadas responsabilidades em relação às condições em que trabalham e vivem os
marítimos, o que apenas se justifica se se admitir que essa empresa pode obrigar-se
perante os marítimos, nesses termos.
Um exemplo desta conclusão resulta da inserção do artigo 28.º-A151 no Decreto-
Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro, referente à responsabilidade penal e civil por não
150 De acordo com a resposta às questões n.º C2.1.e. e C1.4.p. constantes do documento Maritime Labour Convention, 2006 (MLC, 2006) Frequently Asked Questions (FAQ). 151 Artigo 28.º-A Responsabilidade penal e civil por não repatriamento 1 - Quem promover a colocação de candidato a emprego no estrangeiro e estando legalmente obrigado a assegurar o repatriamento daquele o não faça, sujeitando-o a perigo para a vida, a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde ou a situação desumana ou degradante, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. 2 - Se os perigos ou as situações previstos no número anterior forem criados por negligência o agente é punido com pena de prisão até 3 anos. 3 - Se dos factos previstos nos números anteriores resultar ofensa à integridade física grave o agente é punido: a) Com pena de prisão de 2 a 8 anos no caso do n.o 1; b) Com pena de prisão de 1 a 5 anos no caso do n.o 2. 4 - Se dos factos previstos nos n.os 1 e 2 resultar a morte o agente é punido: a) Com pena de prisão de 3 a 10 anos no caso do n.o 1;
98
repatriamento, precisamente no capítulo referente às agências de colocação e
recrutamento.
Da leitura deste preceito parece resultar que estas agências podem estar
legalmente obrigadas a assegurar o repatriamento dos marítimos, o que apenas farão
quando forem elas a assumir o papel de empregador na relação laboral.
Assim, a inserção deste artigo afigura-se-nos sintomática da contratação de
marítimos por parte de entidades terceiras que não o armador.
Numa lógica de prevenção e para evitar conflitos posteriores, as partes (armadores
e gestores), no âmbito da sua autonomia, devem celebrar contratos de prestação de
serviço que detalhem de forma clara e precisa qual delas se responsabilizará pelos
custos decorrentes da violação ou incumprimento da LAMBN, repartindo as
responsabilidades entre si. Ou seja, as partes devem definir de forma muito concreta, no
contrato de gestão que celebram, a responsabilidade assumida por cada uma delas152. É
justamente na relação entre gestor e armador que essa questão deve ser apreciada e que
o conjunto de serviços a serem prestados pelos gestores, mediante o preço a ser pago
pelo armador, deve ser ajustado.
b) Com pena de prisão de 2 a 8 anos no caso do n.o 2. 5 - À responsabilidade criminal pela prática do crime previsto nos números anteriores acresce a responsabilidade civil pelo pagamento de todas as despesas inerentes à estada em país estrangeiro e repatriamento do candidato a emprego. 6 - As pessoas coletivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelo crime previsto no presente artigo. 152 Segundo o exemplo da BIMCO, que reviu acordos de gestão da tripulação aprovados pelo seu Comité especializado (“Documentary Committee”) identificados precisamente com os nomes Crewman A (Cost Plus Fee) 2009 e Crewman B (Lump Sum) 2009. Estas revisões foram realizadas para refletir a atual prática de gestão de tripulação, conformando-a com os desenvolvimentos legais relevantes. No caso específico do Crewman B (lump sum) 2009, os gestores atuam como parte principal nos contratos de trabalho e são os únicos empregadores dos marítimos (cláusula 3.ª). Os deveres dos gerentes estão enumerados na cláusula 4.ª e as suas obrigações constam da cláusula 6.ª. Neste caso os armadores devem pagar aos gerentes uma quantia fixa mensal, que deve englobar variadíssimas despesas suportadas pelos gestores. De acordo com a cláusula 8.ª, os armadores têm o direito de exigir a substituição de qualquer membro da tripulação quando, por motivos razoáveis, este seja inadequado para o serviço. Tais despesas são suportadas pelo armador, exceto se os gerentes da tripulação não cumpriram as suas obrigações na seleção e contratação de uma equipa qualificada e adequada às funções, caso em que a substituição será suportada pelos gerentes. A cláusula 13.ª regula os casos de responsabilidade. Regra geral os gerentes não são responsáveis perante os armadores por quaisquer danos, prejuízos, atrasos de qualquer natureza, que resultem dos serviços prestados no âmbito da gestão, a não ser que os gerentes, seus trabalhadores ou pessoas por si subcontratadas tenham atuado com negligência, negligência grosseira ou dolo dos gerentes, caso em que a responsabilidade dos gerentes não deve exceder o total de seis meses da quantia fixa mensal a ser paga pelo armador. Além disso, os gerentes também não deverão ser responsáveis por prejuízos causados por negligência dos seus trabalhadores, a não ser que os gerentes tenham sido negligentes aquando do processo de seleção desses trabalhadores.
99
De facto, face à liberdade contratual e às diferentes interpretações que se têm
debatido em torno do conceito “armador”, se os gestores não pretenderem assumir
todas as responsabilidades decorrentes da CTM 2006, ambas as partes (armador e
gestor) devem definir com precisão quais as suas responsabilidades laborais.
Em tais casos, o armador deve também constar do contrato de trabalho, no qual se
responsabilizará por cumprir determinadas obrigações que o gestor/empregador assumiu
perante o marítimo, quando estas sejam incumpridas. Com efeito, o marítimo não pode
ser prejudicado pelo facto de o seu contrato não ser diretamente celebrado com o
armador, beneficiário dos seus serviços.
A título comparativo, relembramos o regime aplicável ao contrato de trabalho
temporário, em que também existe uma diferença entre a pessoa do empregador, a
empresa de trabalho temporário e o beneficiário da prestação, o utilizador.
A semelhança entre o regime de trabalho temporário e o do trabalho marítimo no
âmbito da gestão estaria assim na possibilidade de desdobramento dos poderes laborais.
O marítimo deve ter conhecimento da responsabilidade assumida quer pelo
armador, quer pelo gestor, daí a importância da celebração de um contrato com
identificação dos três sujeitos.
Na ausência desses elementos e sendo o contrato celebrado entre o marítimo e o
gerente, em caso de violação dos seus direitos e de acordo com a posição adotada pela
OIT, é nosso entendimento que o marítimo poderá exigir ao armador aquilo a que tem
direito no âmbito da relação laboral, mesmo que essa responsabilidade impenda, nos
termos do contrato de prestação de serviços, sobre o gestor/agência, caso em que deverá
ser exercido o direito de regresso.
Aliás, essa lógica de responsabilidade solidária é igualmente prevista em Portugal
em casos complexos como o do grupo de empresas (artigo 334.º do CT) e o de
pluralidade de empregadores (artigo 101.º, n.º 3, do CT).
A solução pela responsabilidade solidária é a que mais cabalmente tutela os
direitos e interesses dos marítimos.
Em última análise, é possível concluir que as situações de gestão de navios e
tripulações podem gerar problemas que não encontram uma solução legal pacífica em
Portugal.
100
Apesar de esta ser uma das matérias mais debatidas a nível do direito do trabalho
marítimo internacional, ainda há um longo caminho a percorrer de forma a adaptar a
legislação nacional às formas cada vez mais comuns de contratação de marítimos.
Consideramos por isso que o legislador nacional deveria regular com precisão
estas situações, tal como fez nos casos de trabalho temporário.
À semelhança destes casos, também aqui o marítimo celebra um contrato de
trabalho marítimo com uma agência, obrigando-se, mediante retribuição daquela, a
prestar atividade a um armador, permanecendo vinculado à agência que o contratou.
7. AS AGÊNCIAS DE NAVEGAÇÃO
Os armadores, em geral, estão sedeados num determinado país e os seus navios
deslocam-se para portos situados nos vários continentes. Desta forma, torna-se
necessário credenciar representantes nos vários portos em que atuam. Tais
representantes são habitualmente denominados “agências de navegação”, as quais
assumem a responsabilidade pelo suprimento das necessidades materiais dos navios e
pela intermediação comercial.
Assim, as agências de navegação são entidades que representam os proprietários,
armadores, afretadores ou gestores dos navios num porto.
Estas agências encarregam-se do despacho dos navios no porto, das suas
operações comerciais e da assistência aos comandantes na prática de atos jurídicos e
materiais, necessários à conservação dos navios e à continuação das suas viagens, não
lhes sendo por isso reconhecida a qualidade de empregadores.
A origem destas agências é antiga. Como explica ÁLVARO SARDINHA, desde
os primórdios da história, em que o comércio marítimo se instituiu, surgiu a necessidade
dos armadores terem, em cada porto, um agente marítimo com notório conhecimento
em diversas áreas jurídicas e comerciais153.
Estes agentes de navegação representam um elo essencial na cadeia de
comunicação entre o armador e diversos profissionais que interagem com o navio,
quando este chega a um porto. É por meio do agente de navegação que o navio recebe
as orientações legais para atracar e também para descarregar as mercadorias.
153 SARDINHA, Álvaro Máximo – Objetivo, Trabalhar num navio, Transporte Marítimo Global, Lisboa, 2016, pp. 80 e 81.
101
São estes agentes que colaboram nos procedimentos da chegada, entrada,
atracação, operação e saída de um navio do porto. Os atos e procedimentos atribuídos
aos agentes de navegação estão regulados pelo Decreto-Lei n.º 264/2012, de 20 de
dezembro154.
Por fim, as agências de navegação são muitas vezes responsáveis por dar suporte
ao desembarque e embarque da tripulação, incluindo viagens e alojamento, por
providenciar o fornecimento de água potável e de provisões e por organizar a assistência
médica à tripulação.
8. O COMANDANTE
O comandante é o primeiro dos marítimos, a maior autoridade a bordo e é o
responsável pela operação da embarcação com segurança, extensiva à carga, aos
tripulantes e às demais pessoas a bordo.
De acordo com o artigo 24.º, alínea a), do RIM, comandante é o oficial
responsável pelo comando de uma embarcação. Por sua vez, os oficiais são todos os
marítimos detentores de um certificado de competência, devidamente autenticado pela
Administração portuguesa.
Cumpre desde logo alertar para que, muitas vezes, se confunde a pessoa do
comandante com o capitão. No entanto, tais conceitos são diferentes.
O termo “comandante” refere-se à função de comando de um navio, que pode ser
desempenhada por um oficial com a categoria de “capitão”.
A sua primeira função é o comando de navio. No exercício dessa função, o
comandante pode ser designado de capitão, quando pertencer ao escalão dos oficiais; de
mestre ou arrais, quando pertencer ao escalão da mestrança; ou de acordo com respetiva
categoria, quando pertencer ao escalão da marinhagem (arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, do Decreto-
Lei n.º 384/99, de 23 de setembro155).
A este propósito, cumpre ainda referir que o capitão da marinha mercante pode
exercer as funções de comandante (i) de qualquer embarcação, desde que tenha dois
anos de embarque, como imediato, em embarcações de arqueação bruta igual ou
154 Estabelece o regime jurídico do acesso à atividade de agente de navegação, conformando-o com a disciplina da Lei n.º 9/2009, de 4 de março, e do DL n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpuseram as Diretivas n.ºs 2005/36/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, e 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno. 155 Aprova o regime jurídico relativo à tripulação do navio.
102
superior a 3000 e (ii) de embarcações de arqueação bruta inferior a 3000, nos restantes
casos (artigo 9.º do RIM).
De acordo com o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro, a
categoria mais elevada do escalão dos oficiais entre os marítimos, designa-se por
capitão da marinha mercante.
Compete ao armador designar e despedir o capitão do navio (artigo 3.º do
Decreto-Lei n.º 202/98, de 10 de julho).
No que concerne à competência do comandante, importa destacar que este
desempenha uma dupla função: a de comando da embarcação e a de representante legal
do armador, podendo contrair obrigações em seu nome156.
No que diz respeito aos poderes de representação do comandante, resulta do artigo
8.º do Decreto-Lei n.º 202/98, de 10 de julho, que, fora do local da sede do proprietário
ou do armador, estes são representados, judicial e extrajudicialmente, pelo capitão do
navio em tudo o que se relacionar com a expedição, a qual não é afetada pela presença
do proprietário, do armador ou de outros seus representantes.
Com efeito, o capitão exerce os poderes conferidos por lei ou contrato com vista à
boa condução da expedição marítima, designadamente os respeitantes ao navio, à carga
e a quaisquer outros interesses em causa, devendo atuar com o cuidado de um capitão
diligente (artigo 5.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro).
No exercício das suas funções e em conformidade com o artigo 6.º do Decreto-Lei
n.º 384/99, de 23 de setembro, o capitão assume vários deveres, entre os quais
destacamos:
a. Fazer boa estiva, arrumação, guarda, transporte, descarga e entrega das
mercadorias;
b. Iniciar a viagem segundo as instruções do armador, logo que o navio esteja em
condições de empreender a expedição;
c. Levar o navio ao seu destino;
d. Permanecer a bordo durante a viagem quando ocorra perigo para a expedição;
156 De acordo com o previsto no artigo 1.º, n.º 4, alínea b), do DL n.º 74/73, de 1 de março, a expressão “comandante” significa o tripulante que desempenha ou as funções de comandante ou as de mestre. Também o artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 15/97, define “o comandante, mestre ou arrais como pessoa investida com todos os direitos e obrigações que o comando da embarcação implica, sejam de natureza técnica, administrativa, disciplinar ou comercial, que exerce por si ou como representante do armador (…)”.
103
e. Tomar piloto ou prático em todas as barras de portos ou outras paragens,
sempre que a lei, o costume ou a normal diligência o determinem;
f. Cumprir a legislação aplicável nos lugares onde o navio se encontre;
g. Assegurar os registos legalmente obrigatórios, bem como os determinados
pelo armador;
h. Convocar a conselho oficiais, armadores, carregadores e sobrecargas, sempre
que for previsível a ocorrência de perigo para a expedição suscetível de causar
danos ao navio, tripulantes, passageiros ou mercadorias;
i. A providenciar, em caso de abandono do navio, ao salvamento e guarda dos
documentos de bordo, meios financeiros e outros valores que lhe tenham sido
especialmente confiados;
j. Informar o armador, os carregadores e os sobrecargas, sempre que possível e,
em particular, depois de qualquer arribada, sobre os acontecimentos
extraordinários ocorridos durante a viagem, sobre as despesas extraordinárias
efetuadas ou a efetuar em benefício do navio e sobre os fundos para o efeito
constituídos;
k. Exibir às autoridades competentes ou aos interessados na expedição os
documentos e registos do navio, emitindo as competentes certidões ou cópias,
quando requeridas;
l. Permitir o acesso a bordo e a realização de vistorias por peritos credenciados
pelos interessados na expedição marítima, desde que isso não envolva prejuízo
para esta;
m. Providenciar à conservação e às reparações necessárias à navegabilidade do
navio.
O comandante é, segundo MENEZES CORDEIRO, responsável pelo “contrato
que celebre com o armador” e “pelas violações de quaisquer deveres que perpetre no
exercício das suas funções”157.
Com relevância para o tema desenvolvido nesta dissertação, necessário será
analisar a relação entre o comandante e a restante tripulação.
157 CORDEIRO, António Menezes - Cessão de exploração de um navio, contrato de trabalho a bordo, particular responsabilidade marítima emergente da matrícula, parecer do professor doutor Menezes Cordeiro, CJ, III, 1988, p. 42.
104
O contrato de trabalho a bordo era celebrado entre o comandante, em
representação do armador, e o tripulante, nos termos do Decreto-Lei n.º45 968, de 15 de
outubro de 1964 (artigo 6.º, n.º 1).
Posteriormente, com o Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, revogado pela
LAMBN, estes conceitos foram substituídos por outros, e o contrato de trabalho a bordo
passou a ser definido como aquele que é celebrado não pelo comandante e o tripulante
mas entre o armador e o trabalhador, admitindo-se, ainda assim, que o armador poderia
delegar essa competência no comandante. Ademais, o comandante, na qualidade de
representante do armador, exercia os poderes laborais sobre os tripulantes a bordo da
embarcação (artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março).
Como vimos, essa continua a ser a opção do legislador. No entanto, na maioria
dos casos, os poderes de empregador – poder de direção, poder regulamentar e poder
disciplinar – acabam por estar delegados no comandante, isto é, na pessoa que assume a
autoridade a bordo e que estará em contacto real com o marítimo no caso de o armador
não se encontrar a bordo (fenómeno do “empregador sem face”, previsto nos artigos
329.º, n.º 4, e 128.º, n.º 2, do CT).
De facto, o marítimo está inserido numa organização de pessoas e bens, onde a
relação pessoal com o empregador se encontra diluída, sabendo apenas que incorpora
um grupo de trabalho organizado onde exerce as suas funções. Neste caso, é normal que
os poderes de autoridade e de direção que o empregador detém não sejam por ele
diretamente exercidos, mas sim por outros trabalhadores, através do fenómeno de
delegação158. Essa delegação de poderes traduz-se assim num desvio do regime laboral
geral159.
Em França, as regras aplicáveis ao capitão constam dos artigos L5412-2 e
seguintes do Código dos Transportes. O capitão é nomeado pelo armador ou, em caso
de afretamento, em conformidade com o acordo entre o fretador e o afretador.
Nos termos do artigo L5412-3, fora das instalações onde o armador tem a sua sede
ou a sua sucursal, o capitão é responsável pelas necessidades normais do navio e
transporte.
158 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, pp. 319 e 320. 159 Cabe à entidade patronal, enquanto “pessoa individual ou coletiva que, por contrato, adquire o poder de dispor da força de trabalho de outrem, no âmbito de uma empresa ou não, mediante o pagamento de uma retribuição”, o poder de direção e disciplinar (artigos 97.º e 98.º do CT).
105
Ao abrigo do artigo L5412-5, fora das instalações onde o armador tem o seu
estabelecimento principal ou uma sucursal, o comandante pode, em caso de emergência,
em nome do proprietário adotar medidas que visem a proteção dos direitos do armador,
dos passageiros e carregadores.
Já em Itália, o exercício do comando do navio está regulado pelos artigos 292.º e
seguintes do Código da Navegação. O comandante tem de ter qualificação profissional
para exercer as suas funções, conhecimento da língua e legislação italianas. Há ainda
regras para a substituição do comandante. Por fim, nos termos do artigo 295.º do mesmo
código, o comandante é o responsável por dirigir a operação e a navegação do navio e,
de acordo com o artigo 306.º, quando o proprietário ou o seu representante não estejam
presentes, o comandante pode praticar os atos necessários para as necessidades do
navio, o que inclui contratar ou despedir membros da tripulação.
Em suma, podemos concluir que a atribuição ao comandante das competências e
poderes necessários para que possam representar os armadores na relação direta com os
marítimos que prestam atividades a bordo é comum aos vários ordenamentos jurídicos.
SUBCAPÍTULO II
O TRABALHADOR MARÍTIMO
1. AS GENTES DO MAR
Os marítimos, trabalhadores objeto de estudo neste trabalho, integram o conceito
internacional Gentes do Mar. De facto, como explica GUSTAVO MINERVINI, gentes
do mar incluem todas aquelas pessoas que prestam serviços a bordo160.
AZEVEDO MATOS, citando VEIGA BEIRÃO, referencia que “já se dizia que
gentes do mar significava todas as pessoas empregadas diretamente na navegação,
qualquer que fosse o seu posto”161.
Mais concretamente, gentes do mar são então todas as pessoas empregadas
diretamente na navegação qualquer que seja o seu posto, abrangendo quer os inscritos
marítimos, quer aqueles que, mesmo não tendo esse estatuto, exercem funções a bordo.
160 MINERVINI, Gustavo - Il lavoro nautico, 2ª ed., Francesco Cacucci, Bari, 1961, p. 8. 161 MATOS, Azevedo - Princípios de Direito Marítimo, vol. I, Edições Ática, 195, p. 193.
106
A expressão gentes do mar abrange, por isso, todas as pessoas que exercem
funções a bordo, qualquer que seja o seu posto, independentemente da atividade
prestada e sem distinção baseada no tipo de atividade prosseguida pelo navio.
Este conceito é bastante antigo e a sua existência aponta, desde logo, para a
particularidade das atividades exercidas por estes trabalhadores162.
Como veremos, esta expressão distingue-se de "tripulação" que se cinge aos
inscritos marítimos, classificados como tal de acordo com as exigências de formação,
previstas no RIM163.
Importa referir que os trabalhadores dos portos, como os estivadores, embaladores
e pesadores, não integram por regra o conceito gente do mar.
Para prevenir que se confundam conceitos, o conceito “gentes do mar” é um
conceito mais abrangente que o conceito “marítimos”, desde logo porque engloba todos
aqueles que prestam funções marítimas, a bordo de quaisquer embarcações. Por
exemplo e como se verá de seguida e em maior detalhe, aqueles que trabalhem em
barcos que prossigam a atividade piscatória são considerados gentes do mar mas não
são considerados marítimos para efeitos da aplicação da LAMBN.
A propósito do presente estudo e pelo facto de o legislador português não explicar
o significado do conceito “gentes do mar”, destacamos o exemplo francês: os marítimos
(“marins”) adquirem destaque de entre as gentes do mar. O legislador francês opta por
esclarecer que os marítimos do comércio são todos aqueles que exerçam funções que
estão diretamente relacionadas com a exploração do navio afeto à atividade comercial,
inserindo-se numa categoria que lhes atribui um determinado estatuto, com
características próprias164.
162 O dia 25 de junho foi consagrado pela Resolução 19 adotada na Conferência de Manila de 2010 da OIT como o dia internacional das gentes do mar. 163 Tal distinção já é antiga, cf. SILVA, José - Princípios de Direito Mercantil e Leis da Marinha, para uso da mocidade portugueza, destinada ao comércio, Tratado VI, Parte II, Da Policia dos Portos, e Alfandegas de ordem de sua alteza real, o príncipe regente nosso senhor, Contendo as Ordenações de Marinha de França, Impressão Regia, Lisboa, 1819, p. 52. 164 O recurso a vários conceitos não é exclusivo do direito português. Por exemplo, no ordenamento jurídico francês, as regras aplicáveis às pessoas que exercem a sua atividade num navio pelos direitos do trabalho, proteção social e disciplina a bordo constam do Código dos Transportes, mais propriamente do Livro V da Quinta Parte, que se intitula precisamente “Les Gens de Mer” (As Gentes do Mar). Nos termos do número 4 do artigo L5511-1 do Código dos Transportes, "Gens de mer" são todos aqueles que exerçam uma atividade profissional, assalariados ou não, a bordo do navio, a que título for. De acordo com o número 3 do artigo L5511-1 do Código dos Transportes, “marins” são as gentes do mar que exercem uma atividade diretamente relacionada com a operação do navio. Por sua vez, o legislador francês, por tratar toda a matéria de transporte e trabalho marítimo no mesmo diploma legal, acaba por ser mais claro, ao explicar que o conceito “marins” abrange os (i) “marins au commerce” (que exercem funções no "comércio marítimo" - marítimos que exercem uma atividade diretamente relacionada com a
107
Assim, no ordenamento jurídico francês são gentes do mar todos aqueles que
trabalham a bordo do navio, a qualquer título. Por sua vez, marítimos são os
trabalhadores que exerçam atividade diretamente relacionada com a exploração do
navio (artigos L5511-1, 3 e 4, do Código dos Transportes).
De acordo com o artigo R5511-1165 do mesmo diploma, a exploração a bordo
inclui, para efeitos da aplicação do artigo L5511-1, atividades profissionais relacionadas
com a direção, a exploração ou a manutenção do navio, bem como as necessárias para
assegurar todas as suas funcionalidades.
O artigo R5511-2 do Código dos Transportes explica que são considerados como
marítimos a bordo de todos os navios, as pessoas que preparam e servem refeições para
as gentes do mar; hidrógrafo; as que exercem pilotagem marítima e amarração; médico
ou enfermeiro quando o seu embarque é exigido pelos regulamentos marítimos.
O legislador esclarece ainda quais as pessoas que não são consideradas marítimos
(artigos R5511- 3 e R5511-4) e aquelas que não são consideradas gentes do mar (artigos
R5511-5, 5511-6 e 5511-7).
Acresce que, nos termos do artigo R5511-7, não são consideradas gentes do mar
aquelas pessoas cuja atividade profissional a bordo não excede 45 dias de embarque, no
período de seis meses consecutivos. Assim, se a atividade ultrapassar 46 dias, essas
pessoas são qualificadas como gentes do mar, uma vez que a sua atividade não é
ocasional.
A distinção entre aqueles que são considerados gentes do mar, marítimos e
pessoas que exercem atividades com ligação aos navios, e aqueles que não são
consideradas gentes do mar é importante no ordenamento jurídico francês, face às
diferenças de regime aplicáveis a cada uma dessas categorias.
Por exemplo, no direito francês, aos marítimos aplica-se o Código do Trabalho,
sem prejuízo das regras aplicáveis do Código dos Transportes e das regras do Código do
Trabalho Marítimo Francês que não foram revogadas (artigo L5541-1). Às Gentes do
operação de navios que prossigam uma atividade comercial, seja ou não abrangido pela Convenção sobre o Trabalho Marítimo de 2006, com exceção dos navios de pesca ou análogos (alínea a) do número 3); e os ii) “marins à la pêche” (que exerçam funções na "pesca marinha" - os marítimos que exerçam uma atividade diretamente relacionada com a operação de navios que exercem atividades de pesca no âmbito da Convenção 188 da Organização Internacional do Trabalho sobre o trabalho na pesca, adotada em Genebra em 14 de junho de 2007). 165 Os artigos L5511-1 e seguintes do Código dos Transportes francês foram introduzidos com o Decreto n.º 2015-454, de 21 de abril de 2015, que veio qualificar das gentes do mar e dos marítimos, definindo quais as categorias de pessoas que não integram o conceito de gentes do mar, com base no carácter ocasional da sua atividade a bordo, a natureza ou a duração do seu embarque.
108
mar que não sejam consideradas marítimos aplica-se o regime laboral tal como vem
definido nos artigos L5549-1 e seguintes, e aos trabalhadores que não sejam
considerados gentes do mar aplica-se o disposto no artigo L5541-1-1.
Em França faz sentido que se criem essas diferenças, porque existe um único
diploma que rege todo o regime laboral aplicável aos marítimos, ao contrário do que
acontece em Portugal.
Como veremos, o conceito francês marins aproxima-se do conceito português
inscrito marítimo e o conceito francês gens de mer aproxima-se do conceito marítimo
utilizado atualmente em Portugal.
Com efeito, a definição de marítimos em Portugal aproxima-se da de gentes do
mar do setor do comércio, uma vez que não abrange apenas aqueles que se dedicam à
direção, exploração e manutenção do navio (no geral, as categorias profissionais
previstas no RIM), mas todos os que prestem atividade a bordo de navios que prossigam
a atividade comercial, a qualquer título.
Em Portugal não é feita esta diferenciação entre marítimos e gentes do mar. No
entanto, o mesmo conceito – “marítimos” – é utilizado em diplomas diferentes, para
designar os seguintes grupos de pessoas:
(i) Marítimos enquanto trabalhadores a bordo de navios de pesca (Lei n.º
15/97, de 31 de maio).
(ii) Marítimos enquanto trabalhadores a bordo de navios de comércio
(LAMBN).
(iii) Marítimos enquanto grupo restrito de trabalhadores marítimos cujo
acesso à profissão depende de inscrição marítima (RIM).
Em Itália, o artigo 114.º do Código da Navegação utiliza o conceito “pessoal
marítimo” que abrange (i) as gentes do mar, (ii) o pessoal dos serviços dos portos e (iii)
a equipa técnica da construção naval. Quer isto dizer que este código abrange, além do
trabalho marítimo, o portuário e o da construção naval. As gentes do mar compreendem
três categorias: (i) pessoal de estatuto mais elevado, designado para serviços do convés,
de mecânica e serviços técnicos; (ii) pessoal que presta serviços complementares a
bordo; (iii) pessoal que trabalha em navios de tráfego local e pesca costeira (artigo 114).
Mais uma vez, o conceito italiano de gentes do mar aproxima-se do conceito
marítimos utilizado em Portugal, já que é bastante abrangente, no sentido de englobar
todos aqueles que prestam trabalho a bordo. Por sua vez, a primeira categoria de gentes
109
do mar aproxima-se daqueles que em Portugal são identificados como inscritos
marítimos.
2. OS TRABALHADORES MARÍTIMOS
Na segunda sessão da conferência geral da OIT, realizada em Génova, em 1920,
discutiu-se a possibilidade de estabelecer um estatuto internacional dos marítimos, de
forma a assegurar a uniformidade das suas condições de trabalho.
TERESA PACETTI e LISETA CAETANO166 explicam que esta intenção deu
origem a uma resolução que recomendou que a preparação desse estatuto fosse feita
progressivamente, através da adoção de convenções e de recomendações sobre as
matérias que interessavam aos marítimos.
Com a criação da Comissão Paritária Marítima em 1920, os Estados
intensificaram o tratamento de matérias que deram origem a esses diplomas que, no seu
conjunto, constituíram o Estatuto Internacional do Marítimo.
Como ensina BERNARDO LOBO XAVIER, o trabalhador “designa um dos
sujeitos (ou partes) do contrato de trabalho: precisamente aquele que nesse contrato é
credor da retribuição ou salário e devedor da prestação do trabalho subordinado, isto
é, da atividade executada sob as ordens do outro contraente (entidade
empregadora)”167.
De acordo com a alínea a) do artigo 2.º da Convenção n.º 22, a primeira
Convenção da OIT a abordar o contrato de trabalho marítimo, realizada em Genebra em
1926, o termo “marítimo” compreende “qualquer pessoa empregada ou contratada
para bordo, seja a que título for, que figure no rol de tripulação, exceto os
comandantes, os pilotos, os alunos dos navios-escola, os aprendizes, quando ligados
por um contrato especial de aprendizagem; excluindo as tripulações da frota de guerra
e outras pessoas ao serviço permanente do Estado”.
Atualmente, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo II da CTM 2006, que
integrou a citada Convenção n.º 22, marítimo é qualquer pessoa empregada ou
contratada ou que trabalha, a qualquer título, a bordo de um navio ao qual se aplique a
Convenção.
166 PACETTI, Maria Teresa/ CAETANO, Maria Liseta - O Direito Marítimo da OIT e a Sua Influência na Ordem Jurídica Portuguesa, Direção-Geral das Condições do Trabalho, Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Lisboa, 1998, p. 2. 167 XAVIER, Bernardo Lobo, Manual de Direito do Trabalho, 2011, p. 397.
110
Como foi referido a propósito do conceito de navio, as Convenções da OIT
excluem, tendencialmente, os navios de guerra, de recreio, de pesca; daí que o regime
legal da atividade dos marítimos não se aplique a quem trabalha a bordo dessas
embarcações, todos eles gentes do mar.
Esta técnica, que faz depender a definição de marítimo da qualificação do navio,
foi igualmente acolhida em Portugal e na União Europeia168.
Em Portugal, o anterior regime jurídico do contrato individual de trabalho dos
marítimos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, regime aplicável ao
“pessoal da marinha de comércio” (artigo 1.º, n.º 3), não definia o conceito de
marítimo, recorrendo ao conceito de tripulante - o marítimo que faz parte da tripulação
de uma embarcação ou está contratado para fazer parte dessa tripulação. Já nessa altura
o legislador português individualizava os trabalhadores marítimos centrando a regulação
desta matéria no setor comercial.
Em 2015, ao inspirar-se na definição apresentada pela CTM 2006, qualificando os
marítimos como sendo quaisquer pessoas empregadas ou contratadas que trabalham, a
qualquer título, a bordo de navios sujeitos ao regime estabelecido na lei, o legislador
continua a delimitar o universo de gentes do mar, sendo que só são abrangidos aqueles
trabalhadores que prestem a sua atividade a bordo de navios que prossigam
habitualmente atividades “comerciais”. Aqueles que trabalhem em embarcações que
prossigam outras atividades, como a pesca, não estão abrangidas pelo regime jurídico
ora analisado.
De acordo com o artigo 2.º, n.º 2, da LAMBN, a regra de que os marítimos
exercem a sua atividade a bordo de navios que praticam “habitualmente atividades
comerciais” está sujeita a algumas exceções. Assim, não são considerados marítimos os
pilotos do porto, inspetores, auditores, superintendentes e outros, cujo trabalho não é
parte do negócio de rotina do navio; os cientistas, investigadores, mergulhadores e
outros, cujo trabalho não é parte do negócio de rotina do navio; os artistas convidados,
técnicos de reparação, trabalhadores portuários e quaisquer outros trabalhadores, cujo
trabalho a bordo é ocasional e de curto prazo sendo o seu principal local de trabalho em
terra169.
168 Artigo 2.º, n.º 1, alínea e), da LAMBN, define marítimo como qualquer pessoa empregada ou contratada ou que trabalha, a qualquer título, a bordo de navio a que se aplique a presente lei e Diretiva 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro de 2009, nos termos do n.º 2 do artigo 2. 169 Em linha com o n.º 2 do artigo 2.º da CTM 2006.
111
Não obstante as exceções referidas, o legislador parece exigir um critério de
durabilidade e de estabilidade (“negócio de rotina”) para a atividade desenvolvida pelos
marítimos a bordo dos navios, excluindo aquelas atividades que se caracterizam por ser
ocasionais, que não ocorrem de forma continuada e permanente e cujo elo de ligação ao
navio não é frequente.
A este respeito, somos da opinião que o legislador nacional podia seguir o
exemplo de França que, como se viu, concretizou a ocasionalidade no artigo R5511-7,
do Código dos Transportes, ao não considerar gentes do mar aquelas pessoas cuja
atividade profissional a bordo não excede quarenta e cinco dias de embarque, no
período de seis meses consecutivos.
Assim sendo, apesar de a LAMBN parecer abranger todos os marítimos que
exercem funções a bordo, por usar a expressão “a qualquer título”, o critério da
atividade prosseguida e as exceções supra referidas demonstram que o seu âmbito de
aplicação é mais reduzido do que aparenta.
Nesta senda, pode haver pessoas que trabalham principalmente em terra e que,
ocasionalmente, exercem as suas funções a bordo num curto período de tempo e outras
que exercem a sua atividade de forma regular, durante um curto período de tempo, a
bordo. Aquelas pessoas podem não ser marítimos enquanto estas pessoas podem ser
consideradas como tal. Em ambos os casos, o seu trabalho pode, ou não, estar
diretamente relacionado com o negócio de rotina do navio170.
De acordo com artigo 2.º, n.º 3, da LAMBN e em cumprimento do previsto no n.º
3 do artigo 2.º da CTM 2006, os casos de dúvida sobre a qualificação de um marítimo a 170 Dadas as dúvidas que podem ser suscitadas a este respeito, foi adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, na sua 94.ª sessão (marítima), em Genebra, a 23 de fevereiro de 2006, uma Resolução, que, no capítulo VII, se pronuncia sobre a matéria. De acordo com esta Resolução, a administração do Estado pode ter dúvidas sobre a qualificação de pessoas que trabalham a bordo como marítimos nos termos do artigo II, parágrafo 1 (f), quando estas se insiram numa das seguintes categorias: (i) o seu tipo de trabalho não faz parte do negócio de rotina do navio (por exemplo, cientistas, pesquisadores, mergulhadores, técnicos offshore, especialistas); (ii) embora tenham competências marítimas e sejam treinados e qualificados, os interessados desempenhem funções essenciais e especializadas que não fazem parte dos negócios de rotina do navio (por exemplo, abrigar pilotos, inspetores ou superintendentes); (iii) o trabalho que realizam é ocasional e de curta duração, mas o seu principal local de trabalho é em terra (por exemplo, artistas convidados, técnicos de reparação, topógrafos ou portuários). No entanto, alerta-se para que uma pessoa ou categoria de pessoas não devem ser automaticamente excluídas da definição de marítimos apenas por estarem inseridas numa das categorias atrás listadas, indicando que estes casos são meramente ilustrativos. Por fim, a Resolução indica um conjunto de critérios a serem tidos em consideração para resolver eventuais dúvidas que se suscitem. São eles: (i) a duração da estadia a bordo das pessoas em causa; (ii) a frequência dos períodos de trabalho a bordo; (iii) a identificação do principal local de trabalho; (iv) o propósito do trabalho da pessoa a bordo; (v) a proteção que normalmente seria dispensada às pessoas em causa em relação ao seu trabalho em comparação com a prevista no âmbito da Convenção.
112
bordo são decididos pela DGRM, após consultar as associações nacionais
representativas dos armadores e dos marítimos a bordo, dando do facto conhecimento
ao diretor-geral do Secretariado Internacional do Trabalho.
Na decisão sobre as dúvidas que se suscitem sobre a qualificação de um marítimo
a bordo, deve atender-se à duração da estadia a bordo da pessoa em causa; à frequência
dos períodos de trabalho passados a bordo; à localização da sede principal do trabalho
da pessoa; à finalidade do trabalho da pessoa a bordo; à semelhança das condições de
trabalho 171 e em matéria social da pessoa em causa com o que está previsto na
Convenção (n.º 4 do artigo 2.º da LAMBN).
Face ao exposto, podemos concluir que os marítimos são as pessoas vinculadas
por um contrato de trabalho a bordo do navio, com a designação atribuída pelo
legislador, que se obrigam, mediante uma retribuição, a prestar atividades a outras
pessoas, em regra, os armadores, numa lógica de subordinação jurídica.
3. DIFERENÇAS ENTRE CONCEITOS
A par da análise do conceito “marítimos” no âmbito do regime aplicável às
condições de trabalho a bordo, aprovado pela LAMBN, interessa examinar o mesmo
conceito, utilizado, por sua vez, na legislação que regula as matérias de inscrição
marítima, classificação, categorias e funções dos marítimos aprovada pelo RIM172.
Por um lado, a expressão “marítimos” utilizada na referida lei é mais restritiva do
que a que é a utilizada no RIM, uma vez que as normas reguladoras das atividades
profissionais dos marítimos indicadas no RIM abrangem todos os marítimos que
exerçam as suas funções a bordo das embarcações que prossigam não só a atividade de
comércio, mas também das embarcações que se destinem à pesca, aos rebocadores,
embarcações de investigação, auxiliares e outras do Estado (artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do
RIM).
Quer isto dizer que enquanto a LAMBN apenas se aplica aos marítimos que
exercem funções em navios que prosseguem atividades comerciais, o RIM abrange os
trabalhadores que prestam a sua atividade a bordo de outras embarcações.
171 Critérios estabelecidos na resolução relativa à informação sobre grupos profissionais, adotada na 94.ª sessão da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em 2006. 172 Artigo 1.º/ 2 - A actividade profissional dos marítimos é exercida a bordo das embarcações de comércio, de pesca, rebocadores, de investigação, auxiliares e outras do Estado.
113
Para além disso, do artigo 3.º, n.º 1, do RIM, resulta que os indivíduos que
efetuem a inscrição marítima tomam a designação de «inscritos marítimos» ou,
abreviadamente, de «marítimos».
Nestes termos e a propósito deste regime, os marítimos estão enquadrados e
organizados num grupo específico, com um estatuto próprio, tendo que observar vários
requisitos, como o da inscrição marítima, ao contrário do que acontece no direito laboral
em geral, em que as profissões são livres e abertas a todos.
O exercício de certas atividades marítimas previstas neste regime tem vindo a ser
controlado pelas autoridades públicas, o que se comprova desde logo pelas exigências a
nível da inscrição e da certificação e também a nível da vigilância da vida profissional a
bordo dos navios.
De facto, a celebração de um contrato de trabalho marítimo para a prossecução de
determinadas atividades tem sido sujeita a condições de acesso bastante rigorosas,
evidentes que são os perigos do mar e os requisitos de segurança das pessoas, do navio e
doutros bens. Por essa razão, o RIM vem estabelecer as condições de acesso a
determinadas profissões de marítimos. Como veremos, essas atividades profissionais
estão relativamente normalizadas a nível global. Não há dúvidas de que estas pessoas
são consideradas marítimos e que estão protegidas pelo regime estabelecido pela
LAMBN, caso o seu local de trabalho seja um navio, de acordo com a definição
constante nessa lei.
No entanto e por outro lado, importa relembrar que, de acordo com a LAMBN,
marítimos são quaisquer pessoas empregadas ou contratadas ou que trabalham, a
qualquer título, a bordo de navios sujeitos ao regime estabelecido pela lei.
Face ao exposto, o conceito “marítimos” constante da LAMBN, quando apreciado
nesta perspetiva, acaba por ser mais abrangente do que o conceito vertido no RIM.
Isto porque as atividades marítimas podem, nos termos da LAMBN, ser exercidas
a qualquer título, o que significa que pode haver outros trabalhadores qualificados
como marítimos para efeitos da aplicação da LAMBN, cujas funções não estão
integradas nas categorias previstas no RIM e que, por essa razão, não estão sujeitos às
regras de inscrição marítima e de atribuição de cédula aí estabelecidas.
Quer isto dizer que as condições de trabalho e de vida a bordo estabelecidas pela
LAMBN não se aplicam apenas aos trabalhadores “marítimos” sujeitos às regras de
inscrição previstas pelo RIM.
114
Assim, com a entrada em vigor da LAMBN o trabalhador marítimo é aquele que
tem inscrição marítima, aptidão física e psíquica e que pode, para exercer a sua
profissão numa embarcação ou navio, fazer parte do rol da respetiva tripulação –
conceito de marítimo constante no RIM. Mas não só!
Trabalhadores marítimos, para efeitos da aplicação na nova lei que regula as
condições de trabalho e de vida a bordo, são também todos aqueles que exerçam as
funções a bordo do navio que prossiga atividades comerciais – mesmo que não sejam
inscritos marítimos ao abrigo do RIM –, desde que não estejam abrangidos pelas
exceções constantes da LAMBN.
Esta conclusão é desde logo reforçada pelo facto de o legislador não fazer
qualquer referência, para efeitos da aplicação da LAMBN, à necessidade de inscrição
marítima. Como veremos, apenas se exige, ao abrigo do artigo 6.º, que os marítimos
cumpram determinadas exigências de formação e qualificação.
Esta alteração é em larga medida inovadora no ordenamento jurídico português.
Antes da entrada em vigor na LAMBN, o regime jurídico do contrato de trabalho do
pessoal da marinha de comércio apenas se aplicava ao pessoal da marinha de comércio
sujeito a inscrição marítima. Razão pela qual era muitas vezes identificado como o
“contrato de matrícula”.
Com efeito, com a entrada em vigor da LAMBN, passaram a ser abrangidos pelo
regime laboral mais trabalhadores, que não apenas os inscritos marítimos.
Por outras palavras e de forma porventura mais clara, o RIM aplica-se a todos os
marítimos que exerçam atividades a bordo integradas nas categorias profissionais
previstas naquele regime, os quais carecem de inscrição e cédula marítima. Por sua vez,
o regime estabelecido pela LAMBN aplica-se a todos os marítimos que exerçam
funções em navios que prossigam a atividade comercial no geral, mesmo que essas
funções não estejam integradas nas categorias profissionais previstas no RIM e desde
que se enquadrem na definição de marítimos plasmada na LAMBN.
Assim, todas as pessoas que trabalham a bordo na marinha do comércio,
independentemente das suas categorias profissionais, serão genericamente designadas
por marítimos, mesmo quando não estejam em causa categorias profissionais previstas
no RIM.
A título de exemplo, nos navios de cruzeiros, que integram o conceito de navio
por prosseguirem a atividade comercial, existem inúmeras atividades profissionais que
115
podem ser exercidas a bordo de um navio e que não estão previstas no RIM. Referimo-
nos a atividades nas áreas da restauração, do entretenimento, da saúde e beleza, casino,
fotografia e vídeo, marketing, serviços financeiros, excursões, gestão de clientes. Os
trabalhadores que exercem essas atividades são considerados marítimos para efeitos da
aplicação da LAMBN, que seguiu o disposto da CTM 2006173.
É verdade que estes trabalhadores, cujas atividades profissionais não estão
previstas no RIM174, não terão acesso a uma cédula marítima portuguesa. No entanto,
isso não os impede de trabalharem a bordo e de estarem abrangidos pelo regime da
LAMBN, desde que tenham contrato de trabalho, formação de segurança a bordo e
determinados certificados específicos.
Por essa razão, para mais fácil compreensão e de modo a evitar confusões entre
conceitos, a expressão “inscritos marítimos” é esclarecedora e mais correta quando nos
referimos aos marítimos abrangidos pelo RIM, pelo que será por nós doravante
utilizada.
Como veremos, esta conclusão não significa que os trabalhadores não inscritos
marítimos não estejam abrangidos pelas exigências de formação e de qualificação.
Na verdade, nenhuma pessoa pode exercer a profissão de marítimo, caso não
tenha qualificação nem diplomas de formação profissional marítima e qualificações
habilitadoras da capacidade de exercer as funções a desempenhar no navio.
Assim, para efeitos da aplicação da LAMB, marítimo designa qualquer pessoa,
incluindo o comandante, que esteja contratada e que trabalhe, a qualquer título, a bordo
de um navio.
Finalmente, cumpre esclarecer que uma pessoa que embarque no navio como
passageiro e que, uma vez a bordo, decide trabalhar na sua atividade (escrever livros,
enviar emails, gerir remotamente uma atividade), não é um marítimo, já que não tem
qualquer relação de subordinação com o armador.
Como vemos, o conceito “marítimos” pode ter significados diferentes consoante o
regime que esteja a ser aplicado, o que pode gerar várias dúvidas quanto ao âmbito de
aplicação da LAMBN, pelo que consideramos que a legislação deveria ser ajustada ao
novo regime jurídico-laboral.
173 A este propósito ver The Maritime Labour Convention, 2006 - A Seafarers’ Bill of Rights, An ITF Guide for Seafarers to the ILO Maritime Labour Convention, 2006, por The International Transport Workers’ Federation (ITF), p. 9. 174 Músicos, empregados de lojas, massagistas, diretores de hotéis num navio de passageiros, ferrys ou cruzeiros.
116
4. PRESTADORES DE SERVIÇOS
A LAMBN não se aplica apenas aos trabalhadores dependentes. Nos termos do
artigo 8.º, o marítimo vinculado por contrato de prestação de serviços deve beneficiar
igualmente das condições de vida e de trabalho aplicáveis ao trabalhador por conta de
outrem.
Nestes casos não haverá um contrato de trabalho mas um contrato de prestação de
serviços. O marítimo vinculado por um contrato de prestação de serviços deve ter em
seu poder, quando se encontre a bordo do navio, um exemplar do contrato ou
documento análogo emitido pelo armador e deve receber do armador um documento
comprovativo com o registo do seu trabalho a bordo.
Mais uma vez, o legislador nacional inspirou-se na CTM 2006, que prevê na
Norma A2.1, al. a), que os marítimos que sejam trabalhadores independentes devem ser
detentores de um documento que ateste a existência de uma relação contratual, ou
idêntica, que garanta condições de trabalho e de vida dignas a bordo.
Precisamente por essa razão se justifica que o regime jurídico estabelecido pela
LAMBN não seja tido como o regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho
marítimo mas sim como o regime que regula a atividade de marítimos a bordo de
navios175.
Resta referir que, como o propósito deste trabalho é apreciar a relação laboral, não
nos iremos pronunciar em concreto quanto ao caso específico dos trabalhadores
independentes.
175 Na Alemanha, a legislação que rege o trabalho a bordo também foi alterada de forma a dar cumprimento à CTM 2006. Também neste país se adotou uma noção de marítimo mais alargada, que abrange o comandante e todos os trabalhadores, incluindo os independentes, cf. Relatório da participação do governo português na Conferência Europeia Tripartida sobre o Trabalho Marítimo, realizada em Lisboa nos dias 15 e 16 de novembro de 2008, elaborado por Teresa Pacceti e Carlota Leitão em 22 de dezembro de 2008.
117
CAPÍTULO III
A TRIPULAÇÃO
Pôr fim à exploração deplorável dos marítimos e combater a colocação de mão-
de-obra gratuita a bordo dos navios era um objetivo que vinha desde antes da Primeira
Guerra Mundial. De facto, como explica ANTONIO BRONETTI, os marítimos sempre
foram sujeitos às mais odiosas especulações por parte de intermediários sem escrúpulos,
em particular quando, em alguns portos, a tripulação era submetida a consideráveis
ganâncias176.
Por esse motivo criou-se o estatuto do tripulante, enquanto pessoa que está
inscrita 177 e que preenche os restantes requisitos necessários para ser considerada
marítimo, e que embarca no navio, obrigando-se a prestar os seus serviços a bordo do
mesmo, integrando o rol de tripulação. Ao conjunto de todos os tripulantes dá-se o
nome de tripulação178.
Do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro, consta que a
tripulação é constituída pelo conjunto de todos os marítimos, recrutados nos termos da
legislação aplicável, para exercer funções a bordo, em conformidade com o respetivo rol
de tripulação.
No que respeita ao trabalho marítimo, o anterior Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de
março, designava como tripulante o marítimo que fazia parte da tripulação de uma
embarcação ou que estava contratado para fazer parte dessa tripulação (artigo 1.º/4,
alínea c).
Alguns diplomas, como o Decreto-Lei n.º 33 252, de 20 de novembro de 1943,
que aprovou o Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, utilizam o conceito
“equipagem” 179 com o mesmo significado de tripulação, isto é, para designar conjunto
dos inscritos marítimos que a bordo prestam serviços que constam do documento
denominado rol de matrícula (artigo 3.º).
176 BRUNETTI, Antonio, Derecho marítimo privado italiano, tomo II, casa editoral, Barcelona, versión española anotada por R. Gray de Montellá, Barcelona, 1950, p. 347. 177 De acordo com o artigo 2.º, n.º 1, do RIM, a inscrição marítima é o ato exigível aos indivíduos de ambos os sexos que pretendam exercer, como tripulantes, as funções correspondentes às categorias dos marítimos previstas pelo RIM ou outras funções legalmente previstas. 178 O marítimo integrado no rol de tripulação de uma embarcação é considerado tripulante, nos termos do artigo 59.º, alínea b), do RIM. 179 De acordo com o artigo L5511-3 do Código dos Transportes francês, a tripulação (“équipage”) consiste no capitão e nos “marins”, nos termos do número 3 do artigo L5511-1.
118
Atualmente a LAMBN não define o conceito de tripulante. No entanto este
conceito continua a ser muito importante no que respeita aos marítimos, uma vez que
ele engloba o conjunto de inscritos marítimos embarcados que prestam serviços que
constam do documento de bordo (rol de tripulação)180.
Assim sendo, a tripulação é composta pelos inscritos marítimos, recrutados nos
termos da legislação aplicável, para exercer funções a bordo, e que constam do
respetivo rol de tripulação.
Em França, a tripulação (“L'équipage”) é composta pelo capitão e pelos
marítimos, tal como estes são definidos nos termos do n.º 3 do artigo L5511-1 do
Código dos Transportes, o que significa que integram a tripulação todos os “marins”, ou
seja, aqueles que prestem atividades diretamente relacionadas com a exploração de um
navio.
O legislador francês criou título específico para abordar a matéria relacionada com
a tripulação, no qual se dedica às questões da aptidão física dos marítimos, da formação,
dos requisitos necessários para que as pessoas possam exercer funções de determinadas
categorias profissionais (v.g. capitães, oficiais imediatos, mestres); regras relacionadas
com a lotação do navio, regime sancionatório para caso de incumprimento das regras.
Em Itália, as regras aplicáveis à tripulação (“L’equipaggio”) constam dos artigos
316.º e seguintes do Código da Navegação. A tripulação do navio de mar é constituída
pelo comandante, os oficiais e todas as outras pessoas contratadas para trabalhar no
navio. O artigo 321.º estabelece as categorias e hierarquia dos membros da tripulação.
A solução portuguesa aproxima-se da solução francesa, uma vez que a tripulação
abrange todos aqueles que carecem de inscrição marítima para exercerem atividade a
bordo – precisamente os oficiais, mestres e marinheiros –, e que figuram do rol de
tripulação. De acordo com a lei, tripulante é apenas o inscrito marítimo. O facto de o
regime da tripulação, embarque e desembarque constarem do RIM, que se dedica
apenas à inscrição e acesso à atividade profissional dos inscritos marítimos, é
sintomático disso mesmo.
Não nos podemos esquecer de que, até à entrada em vigor da LAMBN, o regime
aplicável aos marítimos era pensado apenas para trabalhadores cujas funções se
integravam nas categorias profissionais referidas no RIM. Por isso, é natural que o
conceito de tripulante apenas a estes seja aplicado.
180 MATOS, Azevedo - Princípios de Direito Marítimo, 1955, p. 197.
119
1. O REGIME DO EMBARQUE E DESEMBARQUE E O ROL DE TRIPULAÇÃO.
O regime do embarque e desembarque está regulado no Capítulo VII, Secção II,
do RIM181 e no seu anexo V – Regulamento relativo ao recrutamento e ao embarque e
desembarque dos marítimos182.
Apesar de este termo ser frequentemente utilizado para designar a entrada a bordo
da embarcação, embarque é, juridicamente, o processo destinado à inscrição dos
marítimos no rol de tripulação de uma embarcação (artigo 62.º, n.º 1, do RIM).
(i) Quem pode embarcar?
Não são apenas os inscritos marítimos (para efeitos do âmbito de aplicação do
RIM) que estão autorizados a participar na navegação marítima.
Pelo contrário, os restantes indivíduos que exerçam funções que não se integram
nas atividades profissionais previstas no RIM – que são qualificados como “não
marítimos” ao abrigo desse regime mas que, como vimos, são considerados marítimos
para efeitos da aplicação da LAMBN – também podem, como é natural, entrar a bordo.
Todavia, o seu o embarque não carece de licença prévia, pelo que apenas está
condicionado pelo número máximo de pessoas que podem embarcar (artigo 64.º, n.ºs 1
e 3).
A este propósito, cabe relembrar que estes indivíduos embarcados não podem
exercer a bordo funções que preencham o conteúdo funcional específico de qualquer das
categorias de marítimos definidas pelo RIM (artigo 64.º, n.º 2).
Esta norma vai ao encontro das exigências de especialização, essenciais, como
veremos, para que o marítimo possa ser considerado como tal e pertencer a um escalão
próprio, atribuído de acordo com a sua formação e com as regras de mobilidade
funcional183.
Por sua vez, ainda que o embarque não esteja reservado a indivíduos de
nacionalidade portuguesa ou de um país membro da União Europeia, o embarque de
marítimos de países terceiros está condicionado à posse de conhecimentos da língua 181 Este regime não se aplica apenas às embarcações de comércio, mas também às de pesca, aos rebocadores, às embarcações auxiliares, às de investigação e a outras do Estado, com exceção das pertencentes à Marinha e das integradas em serviços do Estado utilizadas em atividades de policiamento ou de fiscalização (artigo 1.º do Regulamento). 182 Nos termos do artigo 2.º do Regulamento, estas regras restringem-se a navios de mar, entendendo-se como tal as embarcações destinadas a navegar no mar com objetivos comerciais. Mais uma vez, a atividade comercial é utilizada como critério para aferir o âmbito de aplicação das normas. 183 Acerca da formação profissional de marítimos vd p. 169 e ss.
120
portuguesa, sempre que esta seja adotada como língua de trabalho a bordo (n.º 6 do
artigo 3.º do Regulamento).
A ratio desta norma prende-se com a importância da comunicação a bordo, isto
porque o domínio da língua assegura a possibilidade de uma efetiva interlocução a
bordo de todos os sujeitos da navegação marítima e, com isso, a segurança de todas as
pessoas que estão ligadas ou em contacto com o mar.
Por último, o embarque de marítimos portugueses em embarcações estrangeiras
não carece de autorização, devendo apenas ser comunicado ao órgão local do SAM do
porto de inscrição do marítimo (artigo 10.º).
(ii) Quais os documentos necessários para embarque?
Só podem embarcar aqueles que sejam titulares dos necessários documentos de
embarque (artigo 63.º do RIM) que vêm identificados no artigo 4.º do referido
Regulamento:
a. Cédula de inscrição marítima;
b. Certificado de aptidão física e psíquica;
c. Certificado de vacinação comprovativo de que o tripulante se encontra
vacinado contra o tétano e demais vacinas exigíveis;
d. Certificados profissionais ou outros documentos oficiais exigidos para o
exercício de funções a bordo.
Relativamente aos tripulantes de embarcações registadas como embarcações
locais, apenas é exigível a cédula de inscrição marítima (n.º 2).
A apresentação dos documentos de embarque só é obrigatória quando solicitados
pela entidade fiscalizadora competente (n.º 3).
Como vimos, ao contrário do que acontece com os inscritos marítimos, o
embarque dos restantes marítimos (cujas profissões não constam do RIM)184 apenas
depende do número máximo de pessoas que podem embarcar, não sendo necessária a
cédula de inscrição marítima.
Como veremos, aos marítimos cujas profissões não constam do RIM não são
atribuídas cédulas marítimas, pelo que estes trabalhadores apenas podem embarcar na
presença de outros certificados que sejam exigidos em função da atividade a ser
desenvolvida. 184 Como explicámos em momento anterior, estes mesmos indivíduos poderão ser considerados marítimos para efeitos da aplicação da LAMBN.
121
(iii) O rol de tripulação
No momento do embarque, o rol de tripulação, documento do qual consta a
relação nominal dos marítimos que constituem a tripulação de uma embarcação e que
são recrutados, nos termos da legislação aplicável, para exercer funções a bordo (artigo
65.º, n.º 1, do RIM), assume uma importância fundamental.
Isto porque é no rol de tripulação que constam, em número e qualificação, pelo
menos, os tripulantes especificados no certificado de lotação de segurança da
embarcação (n.º 2 do artigo 65.º).
Este documento tem de estar a bordo do navio, para que o mesmo possa navegar
(n.º 3). Para efeitos de eventual controlo pelas autoridades competentes, os documentos
relativos aos tripulantes embarcados devem estar disponíveis a bordo, (n.º4).
Por fim, decorre do n.º 5 do mesmo artigo que o rol de tripulação é válido por uma
ou várias viagens ou pelo prazo que nele for indicado, o qual nunca será superior a um
ano.
Relativamente aos procedimentos de embarque, é importante realçar que,
conforme resulta do artigo 5.º do Regulamento constante no anexo V, o rol de tripulação
é elaborado e assinado pela companhia ou, em sua representação, pelo comandante ou
pelo mestre ou arrais da embarcação (n.º 1).
Uma cópia do rol de tripulação deve ser entregue ao órgão local do sistema da
autoridade marítima (SAM) do porto de saída da embarcação, que confirma, no original,
a sua receção (n.º 2).
Se o porto de saída não coincidir com o porto de registo da embarcação, a
companhia, o comandante, ou o mestre ou arrais devem remeter ao órgão local do SAM
do porto de registo uma cópia do rol de tripulação (n.º 3).
A companhia, o comandante ou o mestre ou arrais devem comunicar ao órgão
local do SAM do porto de inscrição de cada tripulante, para efeitos de registo ou de
anotação, as informações relativas à sua inclusão no rol de tripulação e respetivas datas
de embarque (n.º 4).
O modelo do rol de tripulação e o da comunicação a que se refere o número
anterior constam dos modelos anexos ao presente regulamento (n.º 5).
122
(iv) Conteúdo do rol de tripulação e documentos anexos
Nos termos do artigo 6.º do Regulamento, o rol de tripulação deve conter os
seguintes elementos:
a. Nome da embarcação, tipo de atividade e área de navegação;
b. Nome e sede da companhia;
c. Por cada tripulante: nome, nacionalidade, data de nascimento, porto de
inscrição marítima, domicílio, número da cédula marítima, categoria e
funções que vai desempenhar a bordo e datas de embarque e desembarque;
d. Data e prazo de validade do rol.
Ao rol de tripulação deve ser apensa uma relação dos marítimos (assim
considerados para efeitos da LAMBN) que não sejam inscritos marítimos (nos termos
do RIM), com menção do nome, nacionalidade, naturalidade, domicílio, data de
embarque e atividade profissional que vão exercer, ou qualquer outra razão justificativa
do embarque (n.º 2).
Nos navios de mar, ao rol de tripulação é apensa uma cópia dos contratos de
trabalho dos tripulantes (n.º 4).
Esta exigência é reforçada, desde logo, pelo n.º 5 do artigo 7.º da LAMBN, nos
termos do qual o marítimo, quando se encontre a bordo do navio, deve ter em seu poder
um exemplar do respetivo contrato de trabalho.
Se for aplicável um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o
contrato individual pode fazer remissão expressa, total ou parcial, para esse instrumento,
que deve ser também apenso ao rol de tripulação (n.º 5).
Estas exigências permitem que, aquando da navegação e no momento em que o
navio atraca num porto, as autoridades possam verificar o conteúdo destes documentos
e quais as regras aplicáveis à relação laboral em causa.
A possibilidade de identificar as pessoas que estejam a bordo é fundamental,
desde logo por razões de segurança. Atendendo às particularidades, exigências e
responsabilidades da atividade comercial marítima e aos próprios riscos inerentes à
navegação marítima, é natural que não seja admitida a entrada a bordo de pessoas à
revelia das exigências legais.
123
Por essa razão, e de forma a não comprometer a segurança a bordo, o Código
Penal e Disciplinar da Marinha Mercante prevê dois crimes associados ao embarque
clandestino.
O primeiro está previsto no artigo 163.°, nos termos do qual o tripulante que
facilitar o embarque clandestino de qualquer passageiro será condenado em prisão
simples até dois anos.
O segundo resulta do artigo 164.º, de acordo com o qual o capitão que admitir a
bordo como tripulante qualquer pessoa sem que a inscreva ou faça inscrever no rol de
matrícula será punido com prisão simples até dois anos e multa correspondente. Incorre
na mesma pena o capitão que admitir irregularmente a bordo qualquer passageiro.
(v) Alteração e validade do rol de tripulação
O rol de tripulação pode ser alterado. De acordo como artigo 7.º do Regulamento,
o aumento, a redução ou a substituição de tripulantes são obrigatoriamente averbados no
rol de tripulação pelo comandante ou pelo mestre ou arrais e comunicados aos órgãos
locais do SAM, de acordo com os procedimentos previstos nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 5.º
do Regulamento. As alterações relativas a indivíduos não marítimos embarcados são,
igualmente, comunicadas ao órgão local do SAM do porto onde foi entregue o rol de
tripulação e, quando não coincidam, ao órgão local do SAM do porto de registo da
embarcação.
A validade do rol de tripulação depende da sua conformidade com as disposições
aplicáveis, em termos de lotação de segurança da embarcação, da qualificação e
certificação dos tripulantes e do cumprimento das formalidades estabelecidas no
presente regulamento (artigo 9.º).
Nos termos do Código do Transportes francês, o “rôle d'équipage” é também um
dos documentos que deve seguir a bordo do navio (artigo L5231-2).
Os artigos L5232-1 e L5232-2 explicam em que casos o navio ou outra
embarcação flutuante cuja tripulação seja composta por marítimos deve possuir um rol
de tripulação, emitido pela autoridade administrativa.
Por sua vez, estabelece o artigo L5233-1 que quando a tripulação não seja
composta exclusivamente por pessoal profissional na profissão de marítimo, na aceção
124
da alínea a) do ponto 3 do artigo L5511-1185, que acaba por se assemelhar à nossa
aceção de inscritos marítimos, essas pessoas devem possuir uma autorização de viagem.
(vi) O desembarque
Por sua vez, o desembarque é a desvinculação temporária ou definitiva de um
tripulante do rol de tripulação e do consequente serviço a bordo de uma embarcação
(artigo 62.º, n.ºs 1 e 2, do RIM). De acordo com o artigo 11.º do Regulamento constante
do Anexo III, o desembarque dos tripulantes é comprovado pelo averbamento efetuado
pelo comandante ou pelo mestre ou arrais da embarcação nas cédulas de inscrição
marítima.
No caso de desembarque do comandante, ou do mestre ou arrais, os averbamentos
serão efetuados pelos tripulantes designados para os substituir a bordo (n.º 2).
Nas situações abrangidas pelos n.os 1 e 2, e a pedido do tripulante, o comandante
ou o mestre ou arrais, ou quem os substitua a bordo, podem emitir um bilhete de
desembarque, que constitui documento comprovativo do período de embarque do
tripulante (n.º 3).
O bilhete de desembarque não tem natureza contratual, nem pode conter
referências à qualidade do trabalho ou à aptidão profissional dos marítimos, ou a
eventuais sanções disciplinares que lhes tenham sido aplicadas (n.º 4).
O bilhete de desembarque consta de modelo anexo ao Regulamento, e dele faz
parte o original a entregar ao marítimo e uma cópia destinada ao arquivo na embarcação
(n.º 5).
(vii) Conclusões
Anteriormente, o regime do embarque estava igualmente regulado no Decreto-Lei
n.º 74/73, de 1 de março, o qual definia os documentos necessários para apresentar no
momento de embarque (artigo 13.º); em que termos é que o comandante poderia recusar
o embarque de um marítimo (artigo 14.º); a explicação do que é o rol de tripulação e do
seu conteúdo e os aspetos relativos ao bilhete de desembarque (artigo 145.º).
Em nosso entender, não se justificaria que a LAMBN estabelecesse este regime,
uma vez que se estariam a duplicar as mesmas regras, já previstas num diploma próprio
para o efeito. 185 Trabalhadores marítimos que exercem uma atividade diretamente relacionada com a operação do navio que prossiga uma atividade comercial.
125
No entanto, uma vez mais, os conceitos usados pelo legislador merecem revisão,
de forma a evitar eventuais confusões na sua interpretação. Não é compreensível nem
sensato que no RIM o legislador se refira a marítimos cujas funções não carecem de
inscrição, como “não marítimos”, ao mesmo tempo em que na LAMBN essas pessoas
são agora identificadas como marítimos.
2. A LOTAÇÃO
A lotação das embarcações está regulada no Capítulo VIII do RIM e seu anexo
VI.
A lotação de segurança corresponde ao número mínimo de tripulantes fixado para
cada embarcação, com o objetivo de garantir a segurança da navegação, da embarcação,
das pessoas embarcadas, das cargas e capturas e a proteção do meio marinho.
Conforme resulta da Regra 2.7 da CTM 2006, todos os Estados-Membros devem
exigir que todos os navios que arvoram a sua bandeira estejam dotados de um número
suficiente de marítimos a bordo para garantir a segurança e a eficiência das operações
do navio, com a devida atenção à segurança em qualquer circunstância, tendo em conta
a preocupação de evitar a fadiga dos marítimos bem como a natureza e as condições
especiais da viagem.
Com efeito, as embarcações não podem navegar sem ter a bordo a tripulação que
constitui a sua lotação de segurança e que consta do respetivo certificado de lotação, de
que deve constar também o número máximo de pessoas que podem estar a bordo com a
embarcação a navegar.
O processo de fixação da lotação de segurança previsto neste diploma aplica-se às
embarcações nacionais, com exceção das pertencentes à Marinha, ou a forças e a
serviços de segurança interna e a outros órgãos do Estado, com atribuições de
fiscalização marítima, e das embarcações de recreio (artigo 68.º do RIM).
Na fixação da lotação devem ter-se em conta os instrumentos em vigor, no âmbito
da OIT, da IMO, da UE, da UIT e da OMS, designadamente em matéria de serviço de
quartos, horas de trabalho a bordo ou horas de descanso regulamentares e
convencionais; gestão de segurança; certificação de marítimos; a formação de
marítimos; segurança e saúde no trabalho; e alojamentos da tripulação (artigo 69.º do
RIM).
126
Tais exigências surgem na sequência da necessidade de garantir as condições
mínimas de trabalho e de vida a bordo dos marítimos.
(i) Competência
Nos termos do artigo 70.º do RIM186, a DGRM é a entidade competente para:
1. Fixar a lotação de segurança e emitir os respetivos certificados das seguintes
embarcações187:
a. Embarcações de comércio de longo curso, de cabotagem e de
navegação costeira nacional e internacional;
b. Rebocadores e embarcações auxiliares, do alto e costeiras;
c. Embarcações de pesca, do largo e costeiras;
d. Embarcações marítimo-turísticas, do alto e costeiras;
e. Embarcações de passageiros do tráfego local;
f. Embarcações de investigação científica, oceânica e costeira.
2. Emitir os certificados provisórios de lotação das embarcações de bandeira
de país comunitário ou de terceiro país destinadas a arvorar pavilhão
nacional.
3. Determinar a lotação das embarcações em final de construção, para efeitos
de provas de mar.
Por sua vez, o órgão local do SAM do porto de registo das embarcações tem
competência para fixar a lotação de segurança e emitir o respetivo certificado das
embarcações não indicadas anteriormente.
Já a fixação da lotação de segurança e a emissão do respetivo certificado das
embarcações que operem no transporte de passageiros e mercadorias entre portos de
cada Região Autónoma compete aos respetivos órgãos regionais.
Como vemos, estas competências são repartidas, em homenagem ao fenómeno de
descentralização. Assim, as decisões são mais céleres e as entidades competentes, pela
186 Não obstante o artigo fazer referência ao IMP, essa competência foi atribuída à DGRM. De acordo com o artigo 5.º, n.º 2, do DL n.º 93/2012, de 19 de abril, todas as referências ao «Instituto Marítimo Portuário» (IMP) e ao «Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos» (IPTM), constantes do Decreto-Lei n.º 293/2001, de 20 de novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 180/2003, de 14 de agosto, 51/2005, de 25 de fevereiro, e 210/2005, de 6 de dezembro, consideram-se feitas à «Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos» (DGRM). 187 Para melhor compreensão da classificação das embarcações, vd capítulo II do DL n.º 265/72, de 31 de julho – Regulamento Geral das Capitanias.
127
proximidade e contacto com as situações, estão mais informadas sobre as circunstâncias
dos casos em análise.
(ii) Processo para fixação da lotação
Cabe ainda ao anexo VI do RIM, estabelecer as normas relativas ao processo de
fixação da lotação de segurança das embarcações nacionais, adiante designada por
lotação (artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento).
De acordo com o artigo 2.º, a lotação é fixada de acordo com (i) o tipo, a
arqueação, a potência propulsora, os equipamentos e, em particular, o grau de
automação da máquina principal e de manobra da embarcação; (ii) a área de navegação
e tipo de atividade a que a embarcação se destina e (iii) a qualificação profissional dos
tripulantes.
O processo de fixação da lotação inicia-se com o requerimento, regulado pelo
artigo 3.º, apresentado pela companhia ou seu representante legal, dirigido à DGRM ou
ao órgão local do sistema da autoridade marítima (SAM) do porto de registo da
embarcação, dele devendo constar a identificação da embarcação, a sua atividade, a área
de navegação e o tipo de serviço a que a embarcação se destina, e deve ser
acompanhado dos seguintes elementos:
a. Memória identificativa da embarcação, da qual constem as características
técnicas e as dos respetivos equipamentos;
b. Plano geral da embarcação;
c. Plano ou método de segurança e de manutenção da embarcação, com
indicação dos meios de salvação existentes a bordo;
d. Proposta de lotação fundamentada na legislação aplicável.
A entidade competente, caso concorde com a proposta do requerente e tendo em
conta os elementos apresentados, procede à fixação da lotação da embarcação e emite o
respetivo certificado (n.º 4). Por sua vez, a entidade competente que não concorde com
a proposta de lotação deve notificar o requerente para apresentar, no prazo de oito dias,
contados a partir do recebimento da notificação, uma nova proposta de lotação que
tenha em conta as orientações indicadas para o efeito (n.º 5).
Uma vez emitido o certificado de lotação de segurança, a entidade competente
deve (i) enviar ao requerente dois exemplares do certificado de lotação de segurança; e
(ii) facultar cópia do certificado de lotação de segurança às entidades diretamente
128
interessadas que a solicitem. No caso de certificados emitidos pelo IMP, deve ser
enviada cópia autenticada ao órgão local do SAM do porto de registo da embarcação
(artigo 4.º).
O embarque de tripulantes que não constem da lotação de embarcação ou de
indivíduos não tripulantes não pode ultrapassar o número máximo de pessoas a
embarcar, de acordo com o disposto no certificado de lotação de segurança (artigo 5.º).
Nos termos do artigo 6.º, no caso de embarcação registada em país comunitário
ou em país terceiro, destinada a arvorar pavilhão nacional, pode ser emitido um
certificado provisório de lotação de segurança válido por período idêntico ao do registo
provisório da embarcação.
Cabe referir que a entidade que emitiu o certificado de lotação ou o órgão local do
SAM do porto onde a embarcação se encontre pode, nos termos do artigo 72.º do RIM,
autorizar que essa embarcação opere com lotação diferente à fixada, em certas
circunstâncias e desde que garantidas as respetivas condições de segurança.
Esta ideia é reforçada pelo artigo 7.º do Regulamento, de acordo com o qual, a
requerimento da companhia ou do seu representante legal, a entidade que fixou a
lotação e emitiu o respetivo certificado de lotação de segurança ou o órgão local do
SAM do porto em que a embarcação se encontre pode autorizar a saída de uma
embarcação para o mar, com lotação inferior à fixada, em número ou qualificação dos
marítimos.
Dessa autorização deve constar, obrigatoriamente, o número de viagens que a
embarcação pode realizar nessas condições.
Esta autorização está sujeita a regras específicas. Assim, esta autorização só deve
ser dada caso as referidas entidades assumam que a lotação inferior não afeta a
segurança da embarcação e das pessoas embarcadas, dada a duração e o tipo de viagem
pretendida.
O embarque de marítimos em embarcações a que se aplique a Convenção STCW,
nas condições de qualificação permitidas pelo n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento, está
condicionado à posse de certificado de dispensa, sempre que exigido.
No entanto, as embarcações não podem navegar com excesso de lotação, em
desrespeito das normas relativas ao rol de tripulação e ao limite máximo permitido pelos
meios de salvação existentes a bordo.
129
(iii) O subsídio
A propósito deste tema, o Despacho n.º 20362/2009, de 9 de setembro,
reconheceu a atribuição de subsídio, no montante máximo de € 1500,00 por marítimo e
por cada período de um mês de efetivo embarque nos navios aí referidos, ao embarque
para além da lotação mínima de segurança dos praticantes, oficiais de pilotagem ou de
máquinas, de nacionalidade portuguesa, tendo em vista a aquisição e ou demonstração
de manutenção de competências profissionais.
Este subsídio destina-se a compensar as entidades empregadoras (indicadas no n.º
2 do Despacho) dos custos de embarque dos marítimos que sejam legalmente
contratados, designadamente com o pagamento das seguintes componentes:
a. Remuneração contratualmente estipulada, que será pelo menos igual à fixada
no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ou, na sua
inexistência, igual à fixada no acordo coletivo de trabalho aplicável aos
navios de registo convencional;
b. Encargos com a segurança social;
c. Seguros de acidente de trabalho;
d. Encargos com alimentação e alojamento;
e. Encargos de repatriamento;
f. Outros custos relacionados com a formação a desenvolver a bordo.
Nestes casos, o embarque a realizar deve assumir a forma de estágio prático de
trabalho, através da realização a bordo de tarefas correspondentes às funções a que os
marítimos se candidatam, de acordo com a área de trabalho na sua especialização.
Com esta medida, o legislador pretende incentivar as empresas à contratação e
garantir melhorias na aquisição de competências dos marítimos, enquanto fator de
promoção e melhoria das condições de exploração e de segurança marítima dos navios.
(iv) O parecer prévio
De acordo com o artigo 8.º do Regulamento acima referido, é possível solicitar
um parecer prévio sobre a lotação. Para o efeito, a requerimento da companhia ou do
seu representante legal, a entidade competente deve emitir o parecer prévio vinculativo
sobre a lotação a atribuir a uma embarcação em construção ou em processo de
aquisição. O parecer prévio deve ser emitido no prazo de 30 dias, contados a partir da
130
receção do requerimento, o qual deve ser acompanhado dos elementos previstos no
artigo 2.º do Regulamento.
(v) O certificado de lotação
Nos termos do artigo 71.º do RIM, o certificado de lotação de segurança é o
documento comprovativo da lotação fixada para determinada embarcação e a existência
a bordo do certificado de lotação de segurança é obrigatória.
Esta ideia é reforçada pelo artigo 10.º do Regulamento, nos termos do qual a
afixação do certificado de lotação em local da embarcação facilmente acessível aos
tripulantes é obrigatória. Os modelos dos certificados de lotação de segurança constam
dos anexos ao Regulamento constante do anexo VI do RIM.
(vi) A revisão das lotações
As lotações fixadas devem ser revistas sempre que se alterarem as condições que
fundamentaram a sua fixação (artigo 73.º do RIM).
Estabelece ainda o artigo 8.º do Regulamento relativo ao processo de fixação da
lotação que as lotações devem ser revistas pelas entidades que as fixarem, a
requerimento das companhias ou dos seus representantes legais, sempre que se alterem
as condições que fundamentaram a sua fixação. A revisão das lotações implica a
emissão de novos certificados, tendo em conta os elementos indicados no artigo 2.º do
Regulamento.
(vii) O recurso da decisão de fixação da lotação
Finalmente, importa referir que, nos termos do artigo 74.º do RIM, da decisão que
fixe a lotação de segurança cabe recurso nos termos da lei geral. A decisão que houver
de ser proferida em sede de recurso é precedida, obrigatoriamente, da audição de uma
comissão paritária, para o efeito constituída, da qual farão parte representantes dos
armadores e dos marítimos. A composição e o modo de funcionamento da comissão são
definidos por despacho do ministro da tutela.
Em suma, podemos concluir que os termos em que a matéria da lotação está
regulada a nível da legislação interna vão ao encontro dos princípios da CTM 2006,
acima descritos.
131
CAPÍTULO IV
CATEGORIAS PROFISSIONAIS
Eh marinheiros, gajeiros! eh tripulantes, pilotos!
Navegadores, mareantes, marujos, aventureiros!
Eh capitães de navios! homens ao leme e em
mastros!
Homens que dormem em beliches rudes!
Homens que dormem co'o Perigo a espreitar plas
vigias!
Homens que dormem co'a Morte por travesseiro!
Homens que têm tombadilhos, que têm pontes
donde olhar
A imensidade imensa do mar imenso!
Eh manipuladores dos guindastes de carga!
Eh amainadores de velas, fagueiros, criados de
bordo!
Homens que metem a carga nos porões!
Homens que enrolam cabos no convés!
Homens que limpam os metais das escotilhas!
Homens do leme! homens das máquinas! homens
dos mastros!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!
Gente de boné de pala! Gente de camisola de
malha!
Gente de âncoras e bandeiras cruzadas bordadas
no peito!
Gente tatuada! gente de cachimbo! gente de
amurada!
Gente escura de tanto sol, crestada de tanta chuva,
Limpa de olhos de tanta imensidade diante deles,
132
Audaz de rosto de tantos ventos que lhes bateram a
valer!188
1. IDENTIFICAÇÃO DE CATEGORIAS PROFISSIONAIS
Uma vez que analisámos com detalhe os marítimos como sujeitos da relação de
trabalho marítimo, consideramos importante apreciar qual o posicionamento do
trabalhador marítimo na organização do pessoal a bordo.
Assim, com o objetivo de melhor conhecermos as tarefas desempenhadas pelos
inscritos marítimos e por já nos termos referido, inúmeras vezes, às atividades
profissionais previstas no RIM, iremos observar, de forma resumida, as categorias de
marítimos sujeitos a inscrição marítima em Portugal.
Como vimos, determinadas funções, face à sua especificidade, apenas podem ser
exercidas por determinadas pessoas, sendo várias as exigências legais aplicáveis,
nomeadamente a nível de formação. Funções essas que estão repartidas por várias
categorias profissionais para as quais é necessária a inscrição marítima.
Estas exigências são antigas, como explica ANTONIO BRUNETTI; as tarefas a
exercer estão afetas às necessidades da navegação, o que impõe aos Estados o dever de
organizar em diversas categorias as diversas atividades marítimas e organizar o
exercício da atividade profissional para o melhor desenvolvimento da economia
marítima e para defesa social dos perigos que podem derivar das funções exercidas a
bordo189.
O trabalho no mar distingue-se pela necessária especialização, divisão de funções
e hierarquia.
A classificação das pessoas que trabalham a bordo de navios é por isso um dos
principias elementos que caracterizam o trabalho a bordo.
A divisão da tripulação é tradicional na marinha mercante e permite distinguir
quatro grupos, como ensina IGNACIO ARROYO: os titulados (aqueles que possuem
um título que corresponde às funções a desempenhar); a mestrança; o pessoal subalterno
e os que exercem funções de inspeção a bordo190.
188 CAMPOS, Álvaro de, (Fernando Pessoa), Ode Marítima, Editalma, 2008. 189 BRUNETTI, Antonio, Derecho marítimo privado italiano, tomo II, casa editoral, Barcelona, versión española anotada por R. Gray de Montellá, Barcelona 1950, p. 341. 190 ARROYO, Ignacio, Curso de derecho marítimo, 1ª ed., Bosch, Barcelona, 2001, p. 846.
133
Em Portugal, o diploma que atualmente define as principais categorias de
trabalhadores marítimos é o RIM, completado, no seu anexo III, pelo Regulamento
relativo à classificação, às categorias e às funções dos marítimos e aos requisitos de
acesso às mesmas, inspirado pela STCW 1978.
Resulta do preâmbulo desse diploma que a descrição das figuras profissionais
deste setor de atividade, que tinham por base os perfis profissionais consensualizados no
âmbito da Comissão Técnica Especializada da Marinha Mercante – Comércio e Pescas
– e da Comissão Permanente de Certificação, procurou ser uniformizada com instituição
do novo regime por si aprovado.
Nos termos do Regulamento presente no anexo III ao RIM, os marítimos
classificam-se de acordo com os escalões de oficiais, de mestrança e de marinhagem
(artigo 4.º, n.ºs 1 e 2)191. Dentro de cada um desses escalões há várias categorias de
marítimos.
Como sabemos, a categoria profissional serve para designar a relação entre o
trabalhador e o conjunto de funções que lhe compete desempenhar, a ela
correspondendo uma posição ocupada na estrutura da empresa192.
Resulta do artigo 22.º, n.º 1, do RIM que todos os marítimos são titulares de uma
categoria à qual corresponde um determinado conteúdo funcional.
Face ao exposto, o conjunto de tarefas e de serviços que são objeto da prestação
de trabalho correspondem a uma designação específica, à categoria profissional do
trabalhador.
Tendo em consideração a especificidade das atividades a bordo de um navio e de
forma a identificarmos as tarefas que a navegação de um navio implica, elencamos de
seguida as categorias de marítimos193, com remissão para os artigos do Regulamento
supra mencionado que abordam as competências que lhes são atribuídas.
Assim, o escalão de oficiais compreende as seguintes categorias de marítimos
(artigo 5.º):
a. Capitão da marinha mercante:
191 Tal classificação resulta também do artigo 21.º do DL n.º 280/2001, de 23 de outubro, e do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante aprovado pelo DL n.º 33252/43, de 20 de novembro, cujos artigos 3.º a 9.º também apresentam as classificações dos marítimos, referindo-se aos escalões de oficiais, mestres, marinhagem. 192 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2003, p. 160. 193 Neste caso, serão elencadas as categorias normativas, cuja designação formal é atribuída pela lei a um certo perfil profissional.
134
O capitão da marinha mercante é a categoria mais elevada do escalão de
oficiais da marinha mercante, tal como consta do artigo 3.º, n.º 1, do DL
384/99, de 23 de setembro. As suas funções constam do artigo 9.º do
referido Regulamento.
Neste ponto importa definir também o Imediato - Oficial de pilotagem cuja
categoria se segue à do capitão e que a bordo é o seu principal auxiliar e
substituto (artigo 4.º, n.º 1, DL 384/99, de 23 de setembro) ou, para efeitos
da aplicação do Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro (RIM), o
marítimo da secção do convés cujo cargo vem imediatamente a seguir ao de
comandante, ou de mestre, e a quem compete o comando da embarcação em
caso de incapacidade daqueles, tomando a designação de imediato ou de
segundo de navegação, quando pertencer, respetivamente, ao escalão dos
oficiais ou ao escalão da mestrança. (n.º 1, alínea b, do anexo III).
b. Piloto de 1.ª classe (artigo 10.º do Regulamento);
Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do DL 384/99 de 23 de setembro, o piloto é
assessor do capitão.
c. Piloto de 2.ª classe (artigo 11.º do Regulamento);
d. Praticante de piloto (artigo 12.º do Regulamento);
e. Capitão-pescador (artigo 13.º do Regulamento);
f. Piloto-pescador (artigo 14.º do Regulamento);
g. Maquinista-chefe; (artigo 30.º do Regulamento);
h. Maquinista de 1.ª classe (artigo 31.º do Regulamento);
i. Maquinista de 2.ª classe (artigo 32.º do Regulamento);
j. Praticante de maquinista (artigo 33.º do Regulamento);
k. Radiotécnico-chefe (artigo 41.º do Regulamento);
l. Radiotécnico de 1.ª classe (artigo 42.º do Regulamento);
m. Radiotécnico de 2.ª classe (artigo 43.º do Regulamento);
n. Praticante de radiotécnico (artigo 44.º do Regulamento).
Por sua vez, o escalão de mestrança compreende as seguintes categorias (artigo 6.º):
a. Mestre costeiro (artigo 15.º do Regulamento);
b. Contramestre (artigo 16.º do Regulamento);
c. Mestre do largo pescador (artigo 19.º do Regulamento);
135
d. Mestre costeiro pescador (artigo 20.º do Regulamento);
e. Contramestre-pescador (artigo 21.º do Regulamento);
f. Arrais de pesca (artigo 22.º do Regulamento);
g. Arrais de pesca local (artigo 23.º do Regulamento);
h. Mestre do tráfego local (artigo 26.º do Regulamento);
i. Operador de gruas flutuantes (artigo 27.º do Regulamento);
j. Maquinista prático de 1.ª classe (artigo 34.º do Regulamento);
k. Maquinista prático de 2.ª classe (artigo 35.º do Regulamento);
l. Maquinista prático de 3.ª classe (artigo 36.º do Regulamento);
m. Eletricista (artigo 37.º do Regulamento);
n. Mecânico de bordo (artigo 38.º do Regulamento);
o. Radiotelegrafista prático da classe A (artigo 45.º do Regulamento);
p. Radiotelegrafista prático da classe B (artigo 46.º do Regulamento);
q. Cozinheiro (artigo 47.º do Regulamento).
No que diz respeito ao cozinheiro de bordo, relembramos a Convenção n.º
69 da OIT relativa ao diploma de aptidão profissional dos cozinheiros de
bordo, que no seu artigo 2.º definia cozinheiro de bordo como a pessoa
diretamente responsável pelas refeições da tripulação.
As categorias do escalão de marinhagem (artigo 7.º) são as seguintes:
a. Marinheiro de 1.ª classe (artigo 17.º do Regulamento);
b. Marinheiro de 2.ª classe (artigo 18.º do Regulamento);
c. Marinheiro-pescador (artigo 24.º do Regulamento);
d. Pescador (artigo 25.º do Regulamento);
e. Marinheiro do tráfego local (artigo 28.º do Regulamento);
f. Marinheiro de 2.ª classe do tráfego local (artigo 29.º do Regulamento);
g. Marinheiro-maquinista (artigo 39.º do Regulamento);
h. Ajudante de maquinista (artigo 40.º do Regulamento);
i. Empregado de câmaras (artigo 48.º do Regulamento);
j. Ajudante de cozinheiro (artigo 49.º do Regulamento).
Para além das categorias acima elencadas, podemos identificar ainda os seguintes
marítimos:
136
a. Oficial chefe de quarto de navegação (OCQN) ou chefe de quarto de navegação
(CQN):
O marítimo da secção do convés responsável pelo serviço de quartos, quer a
embarcação esteja a navegar, quer em porto, tomando a designação de OCQN
ou de CQN, quando pertencer, respetivamente, ao escalão dos oficiais ou ao
escalão da mestrança; (artigo 1.º, alínea c, do anexo III do RIM)
b. Chefe de máquinas:
O marítimo da secção de máquinas responsável pelas instalações mecânicas e
elétricas da embarcação; (artigo 1.º, alínea d, do anexo III do RIM).
c. Segundo-oficial de máquinas ou segundo de máquinas:
O marítimo da secção de máquinas cujo cargo vem imediatamente a seguir ao
de chefe de máquinas e que é responsável pelas instalações mecânicas e
elétricas da embarcação, em caso de incapacidade daquele, tomando,
respetivamente, a primeira designação, quando pertence ao escalão dos oficiais,
e a segunda, quando pertence no escalão da mestrança; (artigo 1.º, alínea e), do
anexo III do RIM).
d. Oficial de máquinas chefe de quarto (OMCQ) ou chefe de quarto de máquinas
(CQM):
O marítimo da secção de máquinas responsável pelo serviço de quartos, quer a
embarcação esteja a navegar, quer em porto, e que toma a designação de
OMCQ ou de CQM quando pertence, respetivamente, ao escalão dos oficiais ou
ao escalão da mestrança; (artigo 1.º, alínea f, do anexo III do RIM)
Além das categorias previstas no RIM, ao nível da contratação coletiva, podem
ser identificadas outras categorias profissionais, principalmente para efeitos de criação
da tabela de remunerações. A título de exemplo, no Contrato Coletivo celebrado entre a
Associação dos Agentes de Navegação de Portugal - AANP e outras e o Sindicato dos
Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca
137
(SIMAMEVIP)194, identificam-se categorias como a de engenheiro informático, analista
programador, encarregado de armazém, rececionista; e o Contrato Coletivo entre a
ADAPI – Associação dos Armadores das Pescas Industriais e o SITEMAQ – Sindicato
de Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e
outros (pesca do largo) 195 , contemplam-se as categorias de eletricista, enfermeiro,
escalador, redeiro.
Reitere-se que nos navios de passageiros, principalmente nos cruzeiros, se
realizam muitas atividades a bordo cujas funções não estão abrangidas pelas categorias
profissionais constantes do RIM.
Não obstante e como tivemos oportunidade de referir, apesar de estes indivíduos
não estarem integrados nas categorias previstas pelo RIM, ao exercerem funções a
bordo do navio que prossiga atividade comercial, ficam protegidos pela aplicação do
regime da atividade a bordo nos navios, aprovado pela LAMBN.
2. MOBILIDADE FUNCIONAL
Como vimos, a categoria profissional limita o poder de alterar a atividade para a
qual o trabalhador foi contratado, delimitando as funções que lhe foram atribuídas. No
caso do trabalho marítimo, resulta do artigo 23.º do RIM que compete aos inscritos
marítimos exercer as funções correspondentes às da sua categoria.
No entanto, de acordo com o CT (Código do Trabalho) a obrigação de atribuir ao
trabalhador funções correspondentes à categoria para a qual foi contratado pode ser
atenuada196 pelo regime de polivalência funcional197 e da mobilidade funcional198.
Cada atividade laboral a ser prestada pelo trabalhador terá um determinado
conteúdo. Por um lado a prestação do trabalhador abrange um conteúdo nuclear, que
abarca as funções diretamente correspondentes à atividade contratada (artigo 118.º, n.º
1, do CT). Por outro lado, a prestação abrange também funções afins ou funcionalmente
ligadas à atividade laboral, que correspondem a atividades compreendidas no mesmo
194 Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 27, de 22 de julho de 2006, e alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 23, de 22 de junho de 2007, n.º 28, de 29 de julho de 2008, e n.º 30, de 30 de agosto de 2015. 195 Revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 32, de 29/8/2010. 196 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2003, p. 162. 197 Desempenho de funções afins ou funcionalmente ligadas á atividade contratada (cf. artigo 118.º, n.º 2, do CT). 198 O artigo 120.º do CT permite a atribuição temporária ao trabalhador de funções não compreendidas na atividade contratada.
138
grupo ou carreira profissional do trabalhador e para as quais o trabalhador tenha
qualificação profissional. Estas funções integram o sentido amplo de atividade laboral
dando origem à chamada polivalência funcional, combatendo a rigidez do sistema no
que respeita às funções do trabalhador (artigo. 118.º, n.ºs 2 e 3, do CT).
Face ao exposto, desde que observem os requisitos exigidos pela lei, estas funções
afins do núcleo central da atividade do trabalhador integram o objeto do contrato e
podem ser exigidas pelo empregador, nos termos daquela atividade, não constituindo
por isso casos de mobilidade funcional.
Assim, não poderá, em regra, ser exigido ao trabalhador que exerça funções que
extravasem a atividade para a qual foi contratado e que não se situem no conjunto de
funções afins ou funcionalmente ligadas àquela, atendendo ao princípio da
invariabilidade da prestação de trabalho e ao princípio do cumprimento pontual dos
contratos (“pacta sunt servanda”) – (artigo 406.º, n.º 1, do CC).
Não obstante a importância do princípio da invariabilidade da prestação do
trabalho, o legislador admite desvios ao mesmo com o instituto da mobilidade funcional
ou jus variandi199.
Em causa está o direito de o empregador exigir, temporariamente, ao trabalhador
o desempenho de funções que não estejam compreendidas nem no núcleo da atividade
laboral nem no seu sentido mais amplo, ou seja, situações que não se consideram
abrangidas pela polivalência funcional.
(i) Condições relativas ao inscrito marítimo
Quanto ao trabalho marítimo, decorre do artigo 23.º do RIM que as funções a
serem exercidas pelos inscritos marítimos podem ser aquelas que correspondem à sua
categoria ou ainda funções respeitantes a categoria diferente que já tenha possuído,
ainda que inseridas em diferentes setores, áreas de operação ou tipos de embarcações,
desde que satisfaçam, cumulativamente, as seguintes condições:
i. Estar essa categoria averbada na respetiva cédula e o marítimo não se
encontrar abrangido pelo disposto no n.º 1 do artigo 8.º deste diploma200;
199 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 469.
139
ii. Terem exercido as funções respeitantes a essa categoria pelo menos um
ano, durante os últimos cinco anos ou satisfazerem um dos pressupostos
previstos no n.º 2 do artigo 8.º do mesmo artigo201.
Com efeito, os inscritos marítimos estão autorizados não só a exercer as funções
que caracterizam a sua categoria profissional, mas também outras funções associadas a
outras categorias que já tenham exercido, nas condições previstas neste artigo202.
Esta norma foi integrada no n.º 1 do artigo 21.º do referido, e entretanto revogado,
Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, nos termos do qual o marítimo deveria exercer a
atividade correspondente à categoria para que havia sido contratado, mas podia
desempenhar as funções correspondentes a qualquer das categorias que já tivesse
possuído. Aliás, o Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, referia-se expressamente no
seu preâmbulo ao “princípio da polivalência das funções a bordo”.
Em suma, considera o legislador que estas funções são parte da atividade laboral a
ser exercida pelo inscrito marítimo, pelo que não estão integradas na noção de
mobilidade funcional.
Posto isto, tendo em consideração as profundas exigências a nível de habilitação e
qualificação para o exercício das atividades dos inscritos marítimos e o princípio de que
uma vez celebrados, os contratos serão para cumprir, também no trabalho marítimo a
mobilidade funcional revestirá carácter excecional e terá de estar sujeita a requisitos
bastantes específicos.
Nesta senda, o legislador nacional reconhece a mobilidade funcional dos inscritos
marítimos, uma vez que admite o afastamento do programa contratual inicialmente
previsto, a qual está, no entanto, sujeita a um regime especial, como se verá de seguida.
200 O artigo 8.º aborda a suspensão da inscrição marítima. Nos termos do n.º 1, a inscrição marítima é suspensa sempre que o marítimo não tenha exercido a atividade profissional de marítimo, pelo menos um ano, durante os últimos cinco anos. 201 Decorre do n.º 2 que a suspensão da inscrição marítima é levantada sempre que se mostre cumprido pelos marítimos um dos seguintes pressupostos: a) Frequência, com aproveitamento, de um curso de reciclagem aprovado; b) Submissão a exame ou a prova de aptidão adequada, com aproveitamento; c) Desempenho de função correspondente a categoria inferior ou embarque extralotação, em qualquer dos casos, durante um período mínimo de três meses. 202 Diferentemente do que resulta do artigo 118.º do CT, que apenas prevê como funções a desempenhar pelo trabalhador aquelas que correspondam à atividade para a qual se encontra contratado (que neste caso corresponde à remissão para a categoria de marítimo) e as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas.
140
O artigo 24.º do RIM explica em que situações é que a mobilidade funcional nas
relações laborais com inscritos marítimos pode ocorrer. Por outras palavras, regula os
casos em que os inscritos marítimos podem exercer funções correspondentes a categoria
diferente da sua, em determinadas situações excecionais.
Nos termos do n.º 1 do referido artigo, os marítimos podem ser autorizados a
exercer funções correspondentes a categoria diferente, envolvendo áreas de operação ou
atividades diferenciadas, apenas em situações excecionais e devidamente justificadas,
devendo ser, previamente, informados e familiarizados com essas mesmas funções203.
De acordo com o número 2 do mesmo artigo, em situações de manifesta
insuficiência de pessoal, os marítimos dos escalões da mestrança e da marinhagem
podem também ser autorizados a exercer a sua atividade indistintamente em
embarcações de comércio, desde que satisfaçam os requisitos de qualificação ou de
certificação para a categoria ou funções a exercer.
Apontamos, desde logo, para o facto curioso de o legislador utilizar a expressão
“ser autorizados”.
Estas autorizações referidas nos números 1 e 2 do artigo 24.º do RIM são da
competência da entidade que fixar a lotação da embarcação (atualmente a DGRM),
devendo ter-se em conta o nível de qualificação e a experiência profissional dos
marítimos, assim como a garantia da manutenção das condições de segurança a bordo
(n.º 3).
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, do despacho autorizador deve constar,
expressamente, o período de validade das autorizações concedidas, o que nos leva a
interpretar que, tal como resulta do n.º 1 do artigo 120.º do CT, esta situação tem
carácter temporário. Este requisito da transitoriedade reveste grande importância, uma
vez que impede que através desta figura o empregador possa modificar o objeto do
contrato de trabalho sem o acordo do trabalhador204.
Assim, a autorização prevista pelo legislador e da qual depende a mobilidade
funcional não está associada ao empregador, mas sim à autoridade competente por fixar
as lotações do navio.
203 Quanto à necessidade de os marítimos serem previamente informados e familiarizados com as funções a desempenhar, podemos identificar aqui um reforço do que já consta do artigo 120.º, n.º 3, do CT, que exige a justificação da alteração para evitar que as expectativas do trabalhador quanto ao que lhe será exigido sejam defraudadas e de forma a manter uma boa relação de confiança com ao empregador. 204 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2014, p. 472.
141
Ao contrário do regime geral previsto no CT, em que o exercício de funções no
âmbito da mobilidade funcional depende apenas de uma ordem do empregador, no
trabalho marítimo, esta situação carece ainda de autorização por autoridade
administrativa competente.
Esta particularidade justifica-se como salvaguarda das imposições legais que
regulam a inscrição e certificação profissionais exigidas aos inscritos marítimos para
desempenho das atividades contratadas, de forma a salvaguardar a idoneidade negocial
do trabalhador.
O regime anterior do contrato de trabalho marítimo a bordo de navios comerciais
previa ainda que, ouvido, sempre que possível, o sindicato respetivo e mediante acordo
com o marítimo, reduzido a escrito e sancionado pela autoridade marítima competente,
o inscrito marítimo pudesse, por tempo ou número de viagens fixados, desempenhar
funções não correspondentes à sua categoria desde que possuísse as habilitações
necessárias para o efeito (artigo 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março).
De acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, quando, a navegar, se verificasse o
impedimento de um tripulante e o comandante considerasse imperioso preencher o seu
lugar, poderia ser utilizado para o efeito outro tripulante de categoria diferente, mas só
até à chegada ao próximo porto nacional.
Por fim, previa o n.º 4 do referido preceito que as mudanças previstas nos
números 2 e 3 não implicam diminuição na retribuição nem modificação na posição do
marítimo, e sempre que às tarefas desempenhadas corresponder um tratamento e
retribuição mais favoráveis, o marítimo terá direito a esse tratamento e retribuição.
Atualmente, a LAMBN não prevê qualquer especificidade para o caso da
mobilidade funcional, deixando no vazio as exigências especiais impostas pelo regime
por si revogado.
Assim, aos inscritos marítimos são aplicadas as regras especiais previstas pelo
RIM e as regras constantes do CT, enquanto aos restantes marítimos são apenas
aplicáveis as regras gerais relativas à mobilidade funcional explicitadas no Código do
Trabalho.
142
É nosso entendimento que as especificidades previstas no regime anterior
continuam a justificar-se a propósito dos inscritos marítimos, tendo em conta as
exigências relacionadas com a formação e a qualificação profissionais, nomeadamente
no que diz respeito ao exercício de funções não correspondentes à sua categoria desde
que possuindo as habilitações necessárias para o efeito, de forma a não comprometer a
segurança da navegação.
Não obstante, mesmo na ausência de disposição legal nesse sentido, o mesmo
resultado pode obter-se se considerarmos que o requisito de “modificação substancial
da posição do trabalhador”, previsto no artigo 102.º, n.º 1, in fine, do CT, envolve um
critério de afinidade mínima das funções que permite afastar a possibilidade de recurso
ao jus variandi quando a função exigida pelo empregador não contenha qualquer
conexão à função habitual do trabalhador205.
De facto, tal como, por exemplo, se prevê em Itália, os membros da tripulação
não devem ser obrigados a prestar atividades diferentes daquelas para que foram
contratados, a não ser nos casos em que o comandante, no interesse da navegação,
precise de atribuir temporariamente aos membros da tripulação um serviço que não seja
aquele para que foram contratados, desde que não seja inadequado ao seu título
profissional e à sua categoria (artigo 334.º do Código da Navegação).
Por sua vez, a questão da não diminuição na retribuição e da não modificação na
posição do marítimo já resultam do regime geral previsto no CT (artigo 120.º, n.º 4 e 5).
TÍTULO II
DELIMITAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO
1. NOÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO A BORDO DE NAVIO
O contrato de trabalho dos marítimos (“SEA - Seafarer Employment Agreement”)
ou contrato de trabalho a bordo de navio é definido como o contrato mediante o qual um
trabalhador marítimo se obriga a prestar a sua atividade a bordo de um navio mediante
205 A este propósito vd. RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5ª edição, 2014, p. 474.
143
retribuição, da qual resulta uma relação laboral caracterizada pela subordinação jurídica
do trabalhador.
Tal como reconhece o Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro, o regime
jurídico dos contratos individuais de trabalho a bordo dos navios estão sujeitos a
legislação especial (n.º 2 do artigo 12.º).
De forma resumida, o trabalhador marítimo, para o exercício das suas funções,
necessita de celebrar um contrato individual de trabalho com o armador ou com o seu
representante legal. Assim, conjugando o que foi dito inicialmente com o disposto no
artigo 11.º do CT, o marítimo obriga-se, mediante uma retribuição, a prestar a sua
atividade a outras pessoas (em especial o armador ou o seu representante legal), sob sua
autoridade e direção.
Nos termos do regime anterior, o contrato de trabalho do pessoal da marinha de
comércio era aquele pelo qual uma pessoa se obrigava, mediante retribuição, a prestar a
sua atividade profissional marítima a um armador da marinha de comércio, sob a sua
autoridade e direção ou do seu representante legal (artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
74/73, de 1 de março).
De acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea d), da LAMBN, o contrato de trabalho a
bordo de navio é aquele pelo qual um marítimo se obriga, mediante retribuição, a
prestar a sua atividade a bordo de navio, a outra ou outras pessoas, no âmbito da
organização e sob autoridade destas.
Tendo em consideração que a expressão “contratos de trabalho a bordo” pode ser
interpretada de forma bastante abrangente por incluir os trabalhadores que prestam a sua
atividade a bordo de embarcações de pesca ou outras, e uma vez que o nosso trabalho
exclui esses mesmos trabalhadores, usaremos a expressão “contrato de trabalho a bordo
de navio” 206 ou “contrato de trabalhado marítimo”. Estas expressões deverão ser
compreendidas como referindo-se sempre ao contrato de trabalho a bordo de navios da
marinha mercante comercial.
A este propósito e dadas as especificidades destes conceitos, relembramos que a
qualificação de um contrato de trabalho como contrato de trabalho a bordo do navio
depende da subsunção dos elementos do caso concreto aos conceitos de marítimo,
206 Designação utilizada atualmente pelo legislador para individualizar os contratos de trabalho celebrados com os marítimos, artigo 2.º, n.º 1 alínea d), da LAMBN.
144
armador e navio, tal como foram explicados em título próprio, a propósito do âmbito de
aplicação deste regime laboral especial207.
Importa ainda referir que a noção de contrato de trabalho a bordo de navio, à
semelhança do que resulta da lei geral comum (artigo 1152.º do CC e artigo 11.º do
CT), apresenta os três elementos essenciais do contrato de trabalho: (i) a prestação de
uma atividade; (ii) a retribuição e (iii) a subordinação jurídica208.
A atividade humana, ou seja, uma prestação de facto positiva, que o trabalhador se
obriga a desenvolver em ordem a atingir o fim pretendido constitui o objeto principal do
contrato. Esta prestação é continuada, na medida em que o trabalhador põe à disposição
do empregador a sua atividade durante um lapso de tempo determinado.
A retribuição constitui também um dos principais elementos do contrato,
representando a contrapartida da prestação de trabalho. Esta prestação é duradoura uma
vez que o tempo influi no conteúdo e extensão e assume natureza periódica porque se
renova sucessivamente ao longo do tempo (artigo 258.º, n.º 2, do CT). Esta matéria será,
adiante, objeto de estudo mais aprofundado.
Finalmente, o último elemento essencial do contrato de trabalho é a subordinação
jurídica espelhada na expressão “no âmbito da organização e sob autoridade destas”, a
qual resulta do facto de o trabalhador se colocar sob autoridade e direção do
empregador. Com efeito, o empregador é titular do poder de direção (artigo 97.º do CT)
e do poder disciplinar (artigo 98.º do CT) a que correspondem o dever de obediência
(artigo 128.º, n.º 1, alínea e), do CT) e a sujeição do trabalhador à aplicação de sanções
disciplinares (artigo 328.º do CT).
2. SUJEIÇÃO AO REGIME ESPECIAL
Antes de analisarmos o regime concreto do trabalho a bordo de navio, importa
compreender se estamos perante um contrato de trabalho comum ou um contrato de
trabalho especial.
Na doutrina portuguesa, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO defende
que existem diferentes tipologias dos contratos de trabalho, a saber: “contrato de
207 A este propósito vd. capítulo III, parte 208 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, 2003, p. 96.
145
trabalho comum”, “contratos de trabalho especiais” e “contratos de trabalho sujeitos a
regras específicas”.209
Relativamente aos contratos de trabalho especiais, a autora ensina que a
classificação desses contratos “pode ser feita tomando como critério a fonte da sua
especialidade: o objeto da prestação laboral, ou o fator temporal, que pode ser reportado
ou à duração do contrato ou à modulação do tempo de trabalho”. Adianta, ainda, que “o
reconhecimento da especialidade de alguns contratos de trabalho, em razão da
especificidade do objeto da prestação laboral tem grande tradição entre nós e não
carece de particular justificação: trata-se de situações em que as características da
própria atividade desenvolvida não se coadunam com o regime laboral comum, sendo,
por isso, necessário proceder à adaptação deste regime”. É o caso, por exemplo, do
contrato de trabalho a bordo.
Por sua vez, BERNARDO LOBO XAVIER refere que “a legislação comum de
trabalho prevê a disciplina da generalidade dos contratos de trabalho, mas a riqueza e
a diversidade das situações profissionais postulam muitas vezes regimes próprios, com
enquadramento legislativo diversificado, os chamados contratos de trabalho
especiais”210. É o caso, segundo este autor, do contrato de trabalho rural, contrato de
trabalho portuário, contrato de trabalho doméstico, contrato de porteiro, contrato dos
trabalhadores dos profissionais de espetáculos e o contrato de trabalho a bordo.
Para ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, “existem verdadeiros contratos de
trabalho que estão sujeitos a regulamentação especial, o que não descaracteriza as
correspondentes relações de trabalho (como relações de trabalho subordinado), nem,
portanto, as afasta do âmbito do Direito do Trabalho” 211.
Por sua vez, LEAL AMADO entende que “o pluralismo tipológico do contrato de
trabalho se revela nos contratos especiais de trabalho”, dos quais fazem parte, para
além do contrato de trabalho rural, portuário, desportivo, artístico, entre outros, o
contrato de trabalho a bordo212.
209 RAMALHO, Maria do Rosário Palma, Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 2014, pp. 85 e ss. 210 XAVIER, Bernardo Lobo, Manual de Direito do Trabalho, 2011, p. 355. 211 FERNANDES, António Monteiro, Direito do Trabalho, 2010, p. 164. 212 AMADO, Leal, Contrato de trabalho prostitucional?,2002, pp. 236 e 237.
146
Já ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO considera que “o contrato de trabalho
de regime geral não poderá ser o modelo quando estão em causa contratos que têm por
objeto a prestação de um género de atividade dotado de especialidade”213.
Finalmente, ROMANO MARTINEZ refere que “os regimes laborais especiais se
justificam para atividades que se distanciam do modelo tradicional, onde a riqueza e a
diversidade das situações profissionais exigem, muitas vezes, regimes próprios, com
enquadramento legislativo diversificado”. Assim, este autor destaca os seguintes
contratos de trabalho com regime especial: contrato de aprendizagem, de serviço
doméstico, do porteiro, de trabalho rural, portuário, a bordo, dos desportistas
profissionais, com concessionários de serviços públicos, relações laborais com pessoas
coletivas de direito público e o contrato com profissionais de espetáculo.214
Dir-se-á, em suma, que a doutrina é unânime quanto a considerar o contrato de
trabalho a bordo de navio como um contrato de trabalho especial.
Como refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, a especificidade
deste trabalho decorre da prestação em si mesma considerada – o trabalho numa
embarcação, cuja necessária continuidade exige a adaptação a regras laborais gerais em
várias matérias – e do contexto da sua execução, pelo contacto ininterrupto entre o
chefe da embarcação e os marítimos e destes entre si. São especialmente intensos os
laços mas há também um reforço dos poderes laborais na embarcação, o que se justifica
ainda por razões de segurança geral da embarcação e da respetiva tripulação215.
Já no século XIX, em França, no que respeita ao trabalho a bordo, o contrato de
trabalho das gentes do mar estava regulamentado por legislação especial, e,
inclusivamente, submetido a uma disciplina severa e quase militar216.
ROGER JAMBU-MERLIN refere, no entanto, que o direito do trabalho marítimo,
ainda que guardando uma certa autonomia devida às condições particulares da
profissão, tende a aproximar-se do direito do trabalho terrestre217.
Eis que surge o momento de compreender as características que permitem
qualificar o contrato de trabalho a bordo de navio como um contrato com regime
especial.
213 CARVALHO, António Nunes de, O Pluralismo do Direito do Trabalho, 2001, p. 280. 214 MARTINEZ, Pedro Romano, Direito do Trabalho, 2005, p. 711. 215 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2014, p. 385. 216 DOUILLARD, Maxime, Les loyers des gens de mer, 1897, p. 17. 217 JAMBU-MERLIN, Roger, Les gens de mer, 1978, p. 64
147
A especialidade dos contratos de trabalho a bordo de navio era expressamente
reconhecida no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, que
aprovou a Lei do Contrato de Trabalho (LCT), diploma atualmente revogado, ao referir
que “o contrato de trabalho a bordo fica subordinado a legislação especial”.
Como vimos a propósito da evolução histórica do direito do trabalho a bordo em
Portugal, o próprio Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro, que aprovou o regime
jurídico relativo à tripulação do navio, refere no artigo 12.º que as matérias relativas à
lotação dos navios, bem como as que disciplinam a inscrição marítima, cédulas
marítimas, classificação, categorias, cursos, exames, tirocínios e certificação dos
marítimos, estão sujeitas a legislação especial e que estão igualmente sujeitos a
legislação especial os regimes jurídicos dos contratos individuais de trabalho a bordo
dos navios.
Atualmente, o CT reconhece, no seu artigo 9.º, que «ao contrato de trabalho com
regime especial aplicam-se as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a
sua especificidade».
A este propósito defende ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO, relativamente à
situação laboral dos treinadores desportivos, que o artigo 9.º do CT “acaba por
reconhecer o pluralismo de regimes do Direito do Trabalho”. Para este autor, “a
determinação das relações laborais especiais resulta da própria 'fattispecie' que está
na sua base (…), isto é, na presença de circunstâncias que assumem nessas situações
carácter essencial, com necessária repercussão na disciplina jurídica. Se a
subordinação jurídica e a retribuição são elementos essenciais da 'fattispecie' laboral
(de qualquer relação de trabalho), deparamos nos contratos de trabalho especiais com
circunstâncias essenciais que influem decisivamente na valoração jurídica – e
consequentemente, no regime aplicável à situação”218.
No sentido do que ficou anteriormente referido, MENEZES CORDEIRO entende
que esse trabalho apresenta particularidades que justificam a sua autonomização,
apontando-se os seguintes fatores:
i. “As exigências de disciplina: exige-se um elevado grau de disciplina que
justifica, por um lado, normas destinadas a reforçá-la, por outro, regras que
visam o seu controlo; 218 CARVALHO, António Nunes de, O artigo 9.º do Código do Trabalho e a situação laboral dos treinadores desportivos, 2011, pp. 28-31.
148
ii. A solidariedade: a natureza do trabalho a bordo que pode incluir períodos de
isolamento e perigos variados;
iii. A descentralização: por vezes, o empregador fica em terra; todas as decisões
laborais que lhe assistirem e que não podem deixar de ser tomadas transferem-
se, assim, para o comandante ou capitão”219.
Também EUSÉBIO FILIPE defende que “o ambiente em que se desenvolve a
indústria marítima, o condicionalismo da vida a bordo, hão-de transmitir sempre ao
trabalho marítimo características peculiares”220.
Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no Acórdão de 11 de outubro
de 1995, a respeito da especificidade do contrato de trabalho, defende que “só pode
qualificar-se de contrato de trabalho a bordo, com o regime que lhe é próprio, o
contrato respeitante ao trabalho a prestar em embarcações de mar alto ou costeiras,
que sujeitam, ou são suscetíveis de sujeitar, o respetivo pessoal a longa permanência a
bordo, a variados perigos inerentes à própria navegação e a um grande isolamento”221.
Admite aquele Tribunal que o contrato de trabalho a bordo é um contrato de trabalho
especial.
De facto, o trabalho a bordo na marinha de comércio apresenta, no nosso ponto de
vista, relevantes particularidades que justificam a sua autonomização, sem excluir, no
entanto, a aplicação de normas do regime geral, a título subsidiário.
Julga-se que, para além do conteúdo da concreta atividade exercida pelo
trabalhador marítimo, a autonomização prende-se com o fato de existir, no Direito
Marítimo, uma categoria autónoma e coesa – “marítimos” – que dispõe de uma proteção
em razão das condições particulares em que exercem o seu trabalho a bordo.
Na verdade, o trabalho a bordo obriga a que os marítimos, no exercício da sua
atividade, estejam isolados da sua família, dos seus amigos e da sociedade em geral. Em
alguns casos, os marítimos podem mesmo estar afastados do convívio normal que
teriam em terra durante vários meses. Podemos, por isso, afirmar que o trabalho a bordo
exige uma separação das estruturas primárias sociais, como a família e os amigos, e dos
219 CORDEIRO, António Menezes - Cessão de exploração de um navio, contrato de trabalho a bordo particular responsabilidade marítima emergente da matrícula, parecer do professor doutor Menezes Cordeiro, CJ, III, 1988, pág. 37 e CORDEIRO, Menezes, Do contrato de trabalho a bordo e da responsabilidade dele emergente, 1987, p. 168. 220 FILIPE, Eusébio, O Direito do Trabalho Marítimo, 1972, pág. 16. 221 Proferido no âmbito do Processo n.º 4221, disponível em www.dgsi.pt.
149
grupos sociais secundários, agravando de forma considerável as condições em que o
trabalho é prestado, o que pode potenciar problemas de saúde, como o stress e a
fadiga222.
Para além disso, o trabalho a bordo acentua uma certa autonomia devido às
condições particulares da profissão: esse trabalho é de permanente risco, prestado em
ambiente de confinamento aos poucos e reduzidos espaços da embarcação, e realizado
por turnos. O marítimo está continuamente no local de trabalho, permanentemente
ligado aos riscos associados à embarcação, sendo obrigado a permanecer disponível
para trabalhar sempre que esteja em causa a segurança da embarcação, da carga ou das
pessoas, vivendo, por isso, numa situação de potencial risco.
O trabalho, prestado no mar, envolve o desempenho de funções com
especificidades muito técnicas cujas singularidades exigem uma rigorosa formação em
homenagem à segurança da navegação.
Ademais, o trabalhador marítimo ou o tripulante está sujeito a uma disciplina
particular, prevista no Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante.
De notar que, além das particularidades identificadas (risco, isolamento e fadiga),
há navios mercantes de bandeira nacional que não oferecem as mínimas condições de
vida e de trabalho a bordo, tais como alguns navios estrangeiros de bandeira de
conveniência.
Como ensina EUSÉBIO FILIPE, "as normas jurídicas que regulam o trabalho a
bordo reflectem as constantes características do ambiente humano, social e técnico da
vida e do trabalho que lhes servem de substrato, apresentando particularidades que as
diferenciam, nitidamente, das outras normas que pautam actividades terrestres", não
existindo naquele labor um "lugar de trabalho" ou uma entrada e saída do trabalhador a
"horas certas", pois que, contrariamente ao trabalho terrestre, em que "há uma
descontinuidade da vida profissional, social e privada" do trabalhador, a bordo "há uma
confusão de todos os tempos", sendo aí a vida de sociedade limitada.
E, continua aquele autor, "ainda a bordo, e no mar, o marítimo está
permanentemente no local de trabalho pois ainda que deixando a máquina, a ponte ou
o convés, e descansando no seu camarote, continua ligado aos riscos do navio sendo
obrigado, por ordem superior, a trabalhos...", como "é o caso da segurança do navio,
222 Neste sentido, FILIPE, Eusébio, O Direito do Trabalho Marítimo, 1972, p. 18.
150
da carga ou das pessoas correrem perigo, o caso do exercício de salva-vidas, encalhe e
extinção de incêndio, a rendição de quartos e outros taxativos"223.
O autor francês RENÉ RODIÈRE refere que as condições particulares da
navegação no mar e especialmente os riscos associados a essa atividade impõem regras
particulares. Explica este autor que o Direito Marítimo está organizado em torno da
noção de risco do mar que impõe uma solidariedade entre participantes e uma partilha
do risco224.
Como referimos anteriormente a propósito dos conceitos de “navio” e “marítimo”,
o regime do contrato de trabalho a bordo de navio foi individualizado pelo legislador
nacional, influenciado pela legislação internacional.
Sintomática disso é a existência de diferentes regimes para os contratos de
trabalho a bordo de embarcações de pesca e para os contratos de trabalho a bordo de
navios comerciais. Por essa razão, importa compreender que, de forma generalizada, o
âmbito de aplicação dos regimes aplicáveis ao trabalho a bordo depende de a atividade
desempenhada se inserir, por exemplo, no setor da pesca ou no do comércio.
A autonomização do regime do trabalho a bordo de navios de comércio em
relação aos navios de pesca justifica-se pelas especificidades da atividade que aqueles
prosseguem. Não obstante o trabalho a bordo, independentemente do ramo de atividade
prosseguida, apresentar vários aspetos em comum (o isolamento, o afastamento da
família, dos amigos, da sociedade, o confinamento, o facto de não existir uma clara
separação entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer, a dificuldade de acesso a
alimentos adequados e a água potável, a fadiga, associada a largas jornadas de trabalho),
subsistem diferenças resultantes da atividade desenvolvida pelo próprio navio.
Por exemplo, os saberes e riscos inerentes à pesca – o conhecimento de
ecossistemas, a arte de pescar e tecnologia associada, a incerteza na obtenção do
recurso, a especialidade da mão-de-obra necessária, a remuneração dos trabalhadores
ser baseada, com frequência, na divisão das capturas de um barco, o facto de muitos
pescadores não serem trabalhadores no sentido convencional, já que muitos são
proprietários-armadores ou são considerados trabalhadores por conta própria –, não são
os mesmos do trabalho na marinha mercante.
223 EUSÉBIO, Filipe - O Direito do Trabalho Marítimo, Estudos Laborais, Direção-Geral do Trabalho e Corporações do Ministério das Corporações e Previdência social, Lisboa, 1972, pp. 17 e ss. 224 RODIÈRE, René, Droit Maritime, 1991, pp. 1 e ss.
151
Nos navios da marinha mercante comercial salienta-se a multiplicidade de funções
exercidas a bordo, muitas delas associadas ao tipo de mercadoria transportada; as
preocupações inerentes à segurança da mercadoria transportada; o facto de as viagens
serem mais longas e se realizarem de porto a porto, para entrega da mercadoria,
transporte de passageiros ou até para fins turísticos.
Além disso, a importância do comércio marítimo para a economia mundial, a forte
concorrência entre armadores e a consequente adesão às bandeiras de conveniência, em
que as condições de trabalho e de vida dos marítimos são descuradas, têm contribuído
para uma exigente regulação internacional neste setor.
Acresce que a aplicação de um regime especial ao contrato de trabalho a bordo de
navio deve-se igualmente ao facto de este ser mais abrangente quando comparado, por
exemplo, com o regime do contrato de trabalho a bordo de embarcações de pesca. Como
já foi referido, existem diversas atividades comerciais (transporte de bens e de
passageiros, cruzeiros) que podem estar abrangidas pelo regime em análise.
Uma última nota para alertar que o contrato de trabalho dos marítimos não se
confunde com o trabalho portuário que se consubstancia nas diversas tarefas de
movimentação de cargas nas áreas portuárias de prestação de serviço público e nas áreas
portuárias de serviço privativo, dentro da zona portuária e que está sujeito a um regime
específico225.
Em suma, importa deixar clara a existência de contratos de trabalho sujeitos a
regulamentação especial, tendo em conta as especificidades das funções e as condições
em que são exercidas, como sucede precisamente com o trabalho a bordo de navios
comerciais. Assim, quando estamos perante uma situação de trabalho a bordo, não está
em causa a aplicação do direito laboral comum, mas a de um regime laboral especial,
dotado de princípios e valores próprios, e a que são aplicáveis as regras gerais do
Código do Trabalho apenas quando compatíveis com a sua especificidade (artigo 9.º do
CT) e naquilo que não seja regulado por normativo especialmente aplicável.
225 Cujo regime é regulado pelo DL n.º 280/93, de 13 de agosto, alterado pela Lei n.º 3/2013, de 14 de janeiro.
152
TÍTULO III
FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO
O contrato de trabalho marítimo, enquanto negócio jurídico, está sujeito a um
conjunto de pressupostos dos quais depende a sua validade.
Por essa razão dedicar-nos-emos neste ponto à análise dos pressupostos subjetivos
à aplicação de regras especiais relacionadas com os marítimos.
Serão apreciadas questões como a capacidade dos marítimos, a idade mínima para
trabalhar a bordo e a exigência de certificado médico que ateste a aptidão física do
marítimo.
Iremos também analisar a questão da nacionalidade como pressuposto de acesso à
profissão.
Por fim, abordaremos a questão da idoneidade negocial, momento em que serão
apreciadas as regras respeitantes à formação e à obtenção dos certificados necessários
para o exercício de funções a bordo.
CAPÍTULO I
CAPACIDADE DOS MARÍTIMOS
A capacidade para celebrar um contrato de trabalho é regulada pelo Código Civil
e pelo Código do Trabalho, como decorre do artigo 13.º do CT.
Tal como acontece no regime geral do trabalho, existem regras especiais sobre a
capacidade para a celebração de contratos de trabalho marítimo por menores de idade.
A capacidade do menor para celebrar um contrato de trabalho está regulada pelos
artigos 66.º e ss. do CT e está dependente de diversos requisitos como a idade, a
escolaridade e a aptidão física e psíquica.
No entanto, a propósito dos trabalhadores marítimos, a LAMBN sujeita esta
matéria a algumas especificidades. O legislador nacional fez depender a capacidade para
celebrar contratos de trabalho marítimo da idade e da aptidão física e psíquica do
marítimo para o trabalho a realizar.
Além disso, em determinadas circunstâncias, outros requisitos serão atendidos,
como a nacionalidade e a idoneidade negocial.
153
1. A IDADE
No que diz respeito à idade, a Convenção n.º 7 da OIT, de 1920226, estabeleceu,
no artigo 2.º, que os menores de 14 anos não podiam ser admitidos ao trabalho a bordo
dos navios. Por sua vez, com a Convenção n.º 74 da OIT, de 1946, a idade mínima para
a prestação da atividade foi fixada em 18 anos (artigo 2.º, n.º 3).»
Por fim, a CTM 2006 veio estabelecer que (i) a idade mínima para uma pessoa
trabalhar a bordo de um navio é de 16 anos, salvo os casos em que é exigida idade
mínima superior (Regra 1.1. e Norma A1.1, n.º1); (ii) os menores de 18 anos não podem
prestar trabalho noturno (Norma A1.1, n.º 2) e (iii) o trabalho de marítimos menores de
18 anos é proibido quando for suscetível de comprometer a segurança (Norma A1.1, n.º
4).
A nível nacional, a LAMBN, apenas estabelece, no seu artigo 4.º, que a idade
mínima para um trabalhador marítimo é de 16 anos de idade. Tal exigência também
consta do artigo 5, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 04 de março227.
De acordo com artigo 4.º, n.º 2, o do RIM, podem requerer a inscrição marítima os
indivíduos maiores de 16 anos.
A norma convencional que fixa a idade mínima para prestar trabalho marítimo em
16 anos já encontrava correspondência legal, quer a nível da lei geral (artigo 68.º do
CT), quer a nível da lei especial (artigo 4.º, n.º 2, do RIM). Portanto, no que respeita a
esta norma, já se dava uma total conformidade entre a CTM 2006 e a legislação
nacional.
Quanto às consequências da violação do requisito da idade, seguimos a posição de
MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO228. Sendo esta proibição legal motivada
pelo interesse do menor e também por interesses públicos ligados à proscrição do
trabalho infantil e à garantia da educação e saúde dos jovens, a consequência da
violação destas normas imperativas é a nulidade (artigo 294.º do CC), sendo que
também estará em causa a responsabilidade criminal do empregador, uma vez que se lhe
226 Ratificada por Portugal, pelo Decreto-Lei n.º 43 020, de 15 de junho de 1960. 227 Este DL transpôs a Diretiva n.º 2012/35/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, que altera a Diretiva n.º 2008/106/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao nível mínimo de formação dos marítimos. Esta Diretiva tem também o propósito de ajustar a legislação da União à CTM 2006 e à STCW 1978. 228 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2014, p. 116.
154
impõe um dever especial de indagação sobre a idade e a situação escolar do menor
aquando da celebração do contrato.
Acresce que, conforme dispõe o artigo 75.º, n.º 1, do RIM, constitui
contraordenação laboral muito grave a ocupação de menores com idade inferior a 16
anos no exercício de funções próprias da profissão de marítimo.
A idade mínima para exercício de funções a bordo de navios é comum a outros
países europeus.
Em França, é interdito o trabalho de menores de 16 anos (artigo L5545-5 do
Código dos Transportes).
Em Itália, os menores de dezoito anos inscritos na matrícula de gentes do mar
podem, com o consentimento da pessoa que exerça o poder paternal ou tutela, prestar o
seu trabalho e estipular as suas condições de trabalho. A revogação do consentimento
para a sua inclusão na matrícula, pelos titulares da responsabilidade parental, põe fim à
capacidade do menor para a estipulação de contratos de trabalho, mas não o priva da
capacidade de exercer os direitos e ações decorrentes de contratos anteriores, nem da
capacidade de prestar, até a conclusão da viagem que estiver em curso, o seu trabalho
no âmbito do contrato (artigo 324.º do Código da Navegação italiano).
(i) Normas especiais para marítimos menores de idade
Relativamente à proibição de trabalho noturno de menores, não existia em
Portugal qualquer disposição especial sobre esta matéria. Por essa razão, as normas da
CTM 2006, que proíbem o trabalho noturno por menos de 18 anos (Regra 1.1 e Norma
A1.1) apenas encontravam guarida no regime geral do CT. De acordo com o artigo 76.º,
n.º 2, do CT, o menor com idade igual ou superior a 16 anos não pode prestar trabalho
entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, tal como resulta agora da
LAMBN.
Os n.ºs 3 e 4 do artigo 76.º do CT permitiam a derrogação desta regra geral, (i) em
atividade prevista em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, exceto no
período compreendido entre as 0 e as 5 horas e (ii) quando tal se justifique por motivos
objetivos, em atividade de natureza cultural, artística, desportiva ou publicitária, desde
que tenha um período equivalente de descanso compensatório no dia seguinte ou no
mais próximo possível.
155
No entanto, apenas o primeiro caso poderia ser aplicado ao trabalho marítimo,
uma vez que as atividades prosseguidas pelos marítimos não têm natureza cultural,
artística ou publicitária.
Para ajustar a lei portuguesa à CTM 2006, o legislador veio sujeitar esta matéria a
regime especial. Com efeito, de acordo com o artigo 14.º da LAMBN, o marítimo com
idade inferior a 18 anos não pode prestar trabalho a bordo entre as 22 horas de um dia e
as 7 horas do dia seguinte229, ou em período previsto em regulamentação coletiva de
trabalho de, pelo menos, nove horas consecutivas que abranja um intervalo
compreendido entre as zero e as cinco horas (n.º 1)230.
Todavia, no n.º 2 do mesmo artigo, a LAMBN reconhece as seguintes situações
excecionais em que o menor pode prestar trabalho noturno, que diferem das exceções
resultantes do regime geral:
a. Na medida do necessário para a sua formação efetiva no quadro de
programas e horários estabelecidos, desde que não ocorra no intervalo
compreendido entre as 0 e as 5 horas;
b. Quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para o
navio, devido a facto anormal e imprevisível ou a circunstância excecional
ainda que previsível, cujas consequências não podiam ser evitadas, desde
que não haja outro marítimo disponível e por um período não superior a
cinco dias úteis, tendo o menor direito a um período equivalente de descanso
compensatório, a gozar nas três semanas seguintes (n.º 3)
A violação do disposto neste artigo constitui contraordenação grave.
Ainda em relação ao tempo de trabalho dos jovens marítimos menores de 18 anos,
resulta do Princípio orientador B2.3.1 da CTM 2006 que, tanto no mar como no porto, o
horário de trabalho não deveria exceder oito horas por dia, nem 40 horas por semana, e
os interessados não deveriam efetuar horas suplementares, exceto se tal for inevitável
por motivos de segurança; que deveria ser concedida uma pausa suficiente para cada
uma das refeições e deveria ser garantida uma pausa de, pelo menos, uma hora para a
229 Em França, o trabalho noturno é proibido para menores trabalhadores, no período entre as 20 horas e as 6 horas (artigo L5544-27 do Código dos Transportes). 230 De acordo com a Norma A1.1, n.º 2 da CTM 2006 e com o artigo 2.º, n.º 3, da Diretiva n.º 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro, é proibida a prestação de trabalho noturno a marítimos menores de 18 anos, sendo que o conceito “noite” abrange um período de, pelo menos, nove horas consecutivas com início, o mais tardar, à meia-noite e terminando, no mínimo, às 5 horas da manhã.
156
refeição principal e que deveria ser assegurado um período de descanso de 15 minutos,
após o final de um período de trabalho de duas horas.
No entanto, tais orientações podem ser excecionadas nos casos em que não for
possível conciliá-las com o serviço de quartos dos jovens marítimos no convés, na casa
das máquinas, ou no serviço geral ou sempre que o trabalho organizado por turnos não o
permita e em que a formação efetiva dos jovens marítimos, segundo programas e planos
de estudos estabelecidos, possa ficar comprometida.
Não obstante as orientações da OIT, a LAMBN não estabeleceu regras sobre esta
matéria, pelo que, caso não exista regulamentação coletiva aplicável, deverá ser
aplicável o direito subsidiário (artigos 66.º e ss. do Código do Trabalho).
A CTM 2006 proíbe também o emprego, a contratação ou o trabalho dos
marítimos menores de 18 anos, sempre que estes sejam suscetíveis de comprometer a
sua saúde ou a sua segurança, referindo que os tipos de trabalho em questão devem ser
determinados pela legislação nacional ou pela autoridade competente.
Esta condição da salvaguarda da saúde e bem-estar dos menores também está
assegurada pela disposição prevista no artigo 76.º, n.º 4, do CT, segundo a qual nos
casos de prestação do trabalho noturno por menores previstos pela lei, tal prestação de
trabalho deve ser vigiada por um adulto, se for necessário para proteção da sua
segurança ou saúde.
Acresce que a prestação de trabalhos que, pela sua natureza ou pelas condições
em que são prestados, sejam prejudiciais ao desenvolvimento físico, psíquico e moral
dos menores, encontra correspondência com o artigo 72.º do CT. Estes trabalhos
encontram-se protegidos pela Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro.
A propósito da relevância da idade, os casos em que estejam a bordo pessoas com
idade de 16 anos a trabalhar como marítimos; marítimos com menos de 18 anos a
trabalhar à noite (e não como parte de um programa de formação) ou marítimos com
menos de 18 anos a realizar tarefas suscetíveis de comprometer a sua segurança ou a
saúde são considerados pela OIT como deficiências a serem apreciadas pelos inspetores
do Estado do porto231.
231 International Labour Office Guidelines, Guidelines for flag State inspections under the Maritime Labour Convention, 2006, Geneva, Switzerland, 2009, p. 40.
157
2. A APTIDÃO FÍSICA E PSÍQUICA
Decorre do artigo 5.º, n.ºs 1, 2 e 5, da LAMBN que a admissão do trabalhador
marítimo depende da verificação da sua aptidão física e psíquica, através de um
certificado médico, realizado sempre antes do início da prestação de trabalho.
Importa referir que, para efeitos da proteção do direito do trabalhador à intimidade
da vida privada, os seus registos clínicos são confidenciais.
A violação destas disposições constitui uma contraordenação grave, nos termos do
n.º 6 do mesmo artigo e gera a nulidade do contrato, pelos interesses públicos
subjacentes a este requisito: garantia da saúde e da segurança não apenas do marítimo
mas também da restante tripulação.
No seguimento do disposto no artigo 5.º, n.º 3, da LAMBN, o Decreto-Lei n.º
34/2015, de 04 de março, dedica-se de modo mais profundo ao regime aplicável à
aptidão física e psíquica de todos os marítimos do setor comercial232.
Nos termos do artigo 4.º do referido decreto-lei, os marítimos devem ser titulares
de um certificado médico válido.
A emissão do certificado médico depende da realização de um exame médico
adequado para avaliar e comprovar a aptidão física e psíquica do marítimo para o
exercício da atividade em concreto, bem como a repercussão desta e das condições em
que a mesma é prestada na saúde do marítimo (n.º 2 do artigo 4.º).
Daqui resulta que os diferentes certificados médicos são ajustados ao grau de
exigência a que os marítimos estão sujeitos no respetivo ambiente de trabalho e as
condições de emissão, manutenção, alteração, restrição, suspensão ou revogação desses
mesmos certificados têm que obedecer a critérios bastante específicos do ponto de vista
clínico.
De acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, são referidos como critérios de aptidão
física e médica:
a. A capacidade física para cumprir todos os requisitos de formação básica;
232Cabe esclarecer que, apesar de o RIM regular, no seu capítulo III e de acordo com o anexo II - Regulamento relativo à aptidão física e psíquica dos marítimos -, o regime aplicável à aptidão física e psíquica dos marítimos, ele aplica-se de forma generalizada aos trabalhadores a bordo de embarcações de comércio, de pesca, rebocadores, de investigação, auxiliares e outras do Estado. Assim, este diploma apenas estabelece os requisitos de aptidão física e psíquica para efeitos da inscrição marítima, ou seja, abrange os trabalhadores sujeitos a essas regras de inscrição, que pertencem às categorias profissionais previstas no RIM. Por razões de especialidade, irá prevalecer o disposto no diploma mais recente, ou seja, no Decreto-Lei n.º 34/2015, de 04 de março.
158
b. A demonstração de audição e expressão verbal adequadas para
comunicar eficazmente e detetar quaisquer alarmes sonoros;
c. Não sofrer de qualquer problema médico, distúrbio ou obstáculo ou
impedimento que impeça a segurança e eficácia da sua rotina e os
serviços de emergência a bordo durante o período de validade do
certificado médico;
d. Não sofrer de qualquer problema médico que tenha probabilidade de se
agravar pelo serviço a bordo ou tornar o marítimo inapto para esse
serviço ou pôr em perigo a saúde e a segurança de outras pessoas a
bordo; e
e. Não estar a tomar qualquer medicação que provoque efeitos secundários
que possam impedir o julgamento, o equilíbrio ou quaisquer outros
requisitos necessários a um desempenho eficaz e seguro da rotina e dos
serviços de emergência a bordo.
Acresce que a aptidão física e psíquica do marítimo é comprovada através da
realização dos exames médicos e da emissão do correspondente certificado médico, por
médicos com a especialidade de medicina do trabalho reconhecida pela Ordem dos
Médicos, ou, na sua falta, por médicos em serviço nos centros de saúde do Serviço
Nacional de Saúde (n.º 4)233.
Nos termos do n.º 2 do artigo 5.º, os certificados médicos dos marítimos são
válidos por um período máximo de dois anos e são redigidos em português e inglês. No
caso de marítimos menores de 18 anos, ou de marítimos com mais de 50 anos, a
validade dos certificados é reduzida para um ano (n.º 3). No caso de o termo da validade
ocorrer durante uma viagem marítima, o certificado médico permanece válido até ao
próximo porto de escala em que seja possível ao marítimo renová-lo através de um
profissional médico reconhecido pelo Estado desse porto de escala, se esse Estado for
Parte da Convenção STCW, e desde que a extensão da validade do certificado não
ultrapasse três meses (n.º 4).
Em caso de manifesta urgência, a administração marítima pode autorizar o
marítimo a trabalhar sem um certificado médico válido até à chegada ao próximo porto
de escala em que seja possível ao marítimo renová-lo através de um profissional médico
233 Nos termos do número 5 do mesmo artigo 4.º, a lista dos médicos a que os marítimos podem recorrer é publicada na página eletrónica da administração marítima, bem como através do sistema de pesquisa online de informação pública, previsto no artigo 49.º do DL n.º 135/99, de 22 de abril.
159
reconhecido pelo Estado desse porto de escala, se esse Estado for Parte da Convenção
STCW, e desde que o período de tal autorização não ultrapasse três meses; e o marítimo
interessado possua um certificado médico que tenha caducado em data recente, nunca
superior a três meses (n.º 5).
A decisão do médico de recusa de emissão de um certificado de aptidão física e
psíquica é, sem prejuízo da necessária confidencialidade, sempre fundamentada. Da
decisão de recusa de emissão de um certificado médico cabe recurso para uma junta
médica, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 04 de março, que vimos
mencionando.
Nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma, o legislador atribui à Direção-Geral
de Saúde a competência para determinar o grau de discricionariedade permitido aos
médicos reconhecidos na aplicação das normas médicas, tendo em atenção os diferentes
serviços dos marítimos.
Com a entrada em vigor da LAMBN foi introduzida uma referência concreta ao
certificado médico. No regime anterior, sem prejuízo de ser feita uma remissão em
bloco para o regime da inscrição marítima (artigo 1.º, n.º 2), o certificado de aptidão
física apenas era mencionado como requisito de embarque no navio (artigo 13.º, n.º 2,
do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março).
A exigência de um certificado médico a todos os marítimos justifica-se por razões
de saúde e de segurança, não apenas do próprio trabalhador, uma vez que o trabalho a
bordo pode envolver desgaste físico e fadiga, mas também das restantes pessoas que
seguem a bordo do navio.
Para além disso, os certificados médicos completos e rigorosos têm uma forte
missão preventiva, de forma a reduzir os casos de repatriamento de marítimos. Como
veremos, as situações de doença configuram a principal causa desse fenómeno.
Na verdade, certos marítimos, atendendo às funções desempenhadas, devem ter
uma robustez física e mental irrepreensível. Por outro lado, as funções que executam a
bordo, em especial aquelas diretamente ligadas com a segurança da própria navegação,
obrigam a que as organizações e autoridades tenham um especial cuidado com a
certificação destes profissionais.
Razões essas que já constituíam uma preocupação antiga.
160
Do artigo 3.º da Convenção da OIT n.º 73, de 1946, constava que ninguém
poderia ser contratado para o serviço a bordo sem apresentar atestado comprovativo da
sua aptidão física para o trabalho que ia executar, passado pelo médico.
Atualmente, a nível internacional, a exigência do certificado médico resulta da
Regra 1.2 e da Norma A1.2 da CTM 2006. No fundo, a CTM 2006 orienta os Estados
quanto a um conjunto e de fatores (quem deve emitir o certificado; quais os aspetos da
saúde a considerar: a possibilidade de fazer novo exame em caso de recusa, o que fazer
no caso de a validade expirar) que deverão ser considerados para que esse certificado
seja considerado uniforme e válido.
Além disso, a CTM 2006 estabelece um Princípio orientador, nos termos do qual
aconselha aos Estados o cumprimento das Diretivas da OIT e da OMS para a realização
de exames médicos de aptidão.
Mais uma vez, o legislador português segue as coordenadas comunitárias e
internacionais, de modo a contribuir para que o transporte marítimo, na vertente da
saúde física e mental dos seus profissionais de navegação, seja um transporte seguro.
Habitualmente, os custos deste processo são suportados pelo trabalhador
marítimo, embora algumas companhias efetuem o reembolso do valor ou parte do
mesmo, após contratação234.
CAPÍTULO II
NACIONALIDADE DOS MARÍTIMOS
Por razões estratégicas e de defesa nacional, vários países marítimos sujeitaram o
exercício da profissão marítima ao privilégio da nacionalidade, tendo em consideração
algumas funções específicas dos seus marítimos.
Em Portugal, podem requerer a inscrição marítima os indivíduos maiores de 16
anos, de nacionalidade portuguesa ou de um país membro da União Europeia, sem
prejuízo do disposto em convenções ou outros instrumentos internacionais em vigor no
ordenamento jurídico português (artigo. 4.º, n.º 1, do RIM)235.
234 SARDINHA, Álvaro Máximo – Objetivo, Trabalhar num navio, p. 71. 235 Tal norma não constitui uma disposição original no ordenamento jurídico português. A este propósito vd. Acórdão n.º 96/2013, de 19 de fevereiro, do Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 335/12.
161
Por sua vez, de acordo com o artigo 61.º do RIM, os tripulantes das embarcações
nacionais devem ter a nacionalidade portuguesa, ou de um país membro da UE,
devendo observar-se o estabelecido no direito convencional internacional quanto à
igualdade de tratamento em matéria de livre exercício das funções de marítimo.
De acordo com o mesmo artigo, o tripulante investido em funções de comando
deve ter a nacionalidade portuguesa, salvo nos casos devidamente autorizados pela
DGRM e fundamentados em razões de carência de mão-de-obra no setor.
No que diz respeito ao recrutamento, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Anexo V
ao RIM, o recrutamento dos tripulantes para o exercício de funções a bordo de
embarcações nacionais deve recair sobre marítimos de nacionalidade portuguesa; e/ou
marítimos nacionais de países da União Europeia ou de países terceiros, sujeitos, nos
termos legalmente estabelecidos, a processo prévio de reconhecimento dos seus
certificados profissionais.
Por sua vez, o embarque nos navios, cujo regime está regulado no Capítulo VII do
RIM 236 e no seu anexo V 237 , não está reservado a indivíduos de nacionalidade
portuguesa ou de um país membro da União Europeia.
Ainda assim, o embarque de trabalhadores de países terceiros está condicionado à
posse de conhecimentos da língua portuguesa, sempre que esta seja adotada como
língua de trabalho a bordo (n.º 6 do artigo 3.º do Regulamento).
Feita a abordagem das várias normas referentes à nacionalidade dos marítimos, e
confrontadas as normas em apreço, será de concluir que, de modo geral, os marítimos
podem ser nacionais de países terceiros.
No entanto, no caso de as funções em causa estarem dependentes de inscrição
marítima, e nacionalidade passa a ser um requisito de acesso à profissão.
Em face do exposto, salvaguardado o círculo dos nacionais dos Estados-Membros
da União Europeia, bem como excecionados os casos previstos em convenções ou
outros instrumentos internacionais em vigor no ordenamento jurídico português, o
pedido de inscrição marítima encontra-se reservado a cidadãos portugueses.
236 O qual não se aplica apenas às embarcações de comércio, mas também às de pesca, aos rebocadores, às embarcações auxiliares, às de investigação e a outras do Estado, com exceção das pertencentes à Marinha e das integradas em serviços do Estado utilizadas em atividades de policiamento ou de fiscalização (artigo 1.º do Regulamento). 237 Nos termos do artigo 2.º do anexo V, a matéria do regulamento restringe-se a navios de mar, entendendo-se como tal as embarcações destinadas a navegar no mar com objetivos comerciais. Mais uma vez, a atividade comercial é utilizada como critério para aferir o âmbito de aplicação das normas.
162
Assim sendo, ficam, desde logo, afastados os nacionais de países terceiros que
residam em Portugal e possam legitimamente ter a pretensão de adquirir no nosso país a
habilitação e formação necessárias para o exercício da atividade profissional de
marítimo, mas que, em virtude do condicionamento legislativo em causa, embatem no
pré-requisito da nacionalidade, inviabilizador de um pedido de inscrição marítima junto
das autoridades portuguesas.
No caso de os inscritos marítimos de países terceiros já estarem devidamente
qualificados e serem titulares de certificados profissionais que tenham sido submetidos
a um processo prévio de reconhecimento, o exercício das suas funções não está limitado
pelo requisito da nacionalidade, uma vez que se admite o seu recrutamento.
Por fim, as funções de comando estão condicionadas à nacionalidade portuguesa.
A propósito da questão da nacionalidade, será necessário distinguir duas questões:
(i) a da nacionalidade do comandante e seu imediato e (ii) a da nacionalidade dos
inscritos marítimos no geral.
Quanto à nacionalidade do comandante, importa proceder a uma análise de direito
comparado e jurisprudencial.
Era prática comum os países estabelecerem o privilégio da nacionalidade do
comandante e do seu imediato nos navios que arvorassem a sua bandeira, que
alegadamente se justificava na autoridade pública de que o capitão era investido.
Por exemplo, nos navios que arvorassem pavilhão francês, o privilégio da
nacionalidade apenas era aplicável ao comandante e ao oficial que o substituísse. Assim,
outros cidadãos da UE não podiam exercer essas funções, mesmo que tivessem os
certificados necessários. Semelhante regime era aplicado em Itália.
No entanto, o privilégio da nacionalidade para certos trabalhadores em navios
rapidamente emergiu como contrário ao princípio da igualdade e da não discriminação
de cidadãos da UE, por força do princípio da livre circulação dos trabalhadores.
Com efeito, a questão da nacionalidade dos marítimos começou a ser muito
debatida no seio da União238.
238 Acórdão do TJUE de 30 de setembro de 2003, Processo n.º C-47/02, Caso Albert Anker e outros contra a República Federal da Alemanha, e Acórdão do TJUE de 30 de setembro de 2003, Processo n.º C-405/01 (caso Colegio de Oficiales de la Marina Mercante Española e Administración del Estado) disponíveis em http://curia.europa.eu/
163
De facto, para alguns, a exceção ao princípio da igualdade parecia ser justificada
pela autoridade pública em que o capitão é investido, conforme resulta do artigo 45.º,
número 4, do TFUE, que prevê uma exceção à igualdade de acesso ao emprego para
funções na administração pública.
Esta exceção permitida pelo artigo 45.° do Tratado de Roma foi objeto de uma
interpretação restritiva do Tribunal de Justiça da União Europeia, abrangendo apenas os
casos em que a autoridade do Estado concedida a comandantes e imediatos desses
navios fosse efetivamente exercida numa base regular e não representasse uma pequena
parte das suas atividades239.
PIERRE BONASSIES 240 explica que no seio da União os Governos alemão,
dinamarquês e francês intervieram para dar a sua opinião acerca deste tema. Todos
consideravam que o capitão deveria ter a nacionalidade do Estado do pavilhão, por força
das funções de "governo" atribuídos a esse oficial no exercício do poder de polícia ou a
na criação de atos de estado civil.
De facto, embora o artigo 45.º do TFUE estabeleça o princípio da livre circulação
dos trabalhadores, envolvendo o livre acesso a qualquer nacional de um Estado-Membro
a qualquer atividade assalariada noutro Estado, no seu n.º 4 reserva-se o caso de
"empregos na administração pública", ou seja, estão em causa postos de trabalho que,
de acordo com a análise do Tribunal de Justiça, envolvem a participação direta ou
indireta no exercício da autoridade pública.
No entanto, a tese oposta foi defendida pela Noruega, segundo a qual as funções
públicas atribuídas aos capitães são demasiado limitadas para justificar a exceção
prevista no n.º 4 do artigo 45.º.
Entre os dois pontos de vista opostos e aqui referidos, o Tribunal de Justiça optou
por uma solução intermédia, recordando que a interpretação do artigo 45.º, n.º 4, deve
confinar-se ao estritamente necessário. O TJUE admitiu que a lei espanhola num dos
casos, e a lei alemã no outro, atribuíam direitos aos capitães de navios ligados à
manutenção da segurança. No entanto, considerou que, para que o artigo 45.º, n.º 4,
fosse aplicado, seria ainda necessário que esses direitos fossem habitualmente exercidos
e não representassem uma parte ínfima da atividade dos comandantes. Concluiu-se,
portanto, face ao que precede, que o artigo 45.º, n.º 4, deveria ser interpretado no
239 Bonassies, Pierre: La nationalité des capitaines de navire et la CJCE, Le droit maritime français. 2003 p. 1027-1034. 240 Idem
164
sentido em que permita ao Estado-Membro reservar aos seus nacionais os postos de
comando em navios comerciais que arvoram o seu pavilhão, se a autoridade pública
concedida a comandantes e seus imediatos fosse exercida numa base regular e não
representasse uma parte muito reduzida das suas atividades.
França, um dos países que defendia a nacionalidade daqueles que exercessem
funções de comando, alterou a sua legislação. De acordo com o artigo L5521-5 do
Código dos Transportes, o legislador francês reconheceu que os capitães e os seus
suplentes a bordo de navios armados e de pequenos navios de culturas de pesca e
marinhos não beneficiam de poderes públicos, além de que, de acordo com o artigo
L5522-1 do mesmo Código, a tripulação de um navio deve incluir uma proporção
mínima de nacionais de um Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado parte
no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou da Confederação Suíça ou de um
Estado parte de qualquer acordo internacional que reconheça os mesmos direitos de
residência e de trabalho. Por sua vez, o capitão e o oficial imediato devem ser nacionais
de um Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado parte no Acordo sobre o
Espaço Económico Europeu ou da Confederação Suíça ou de um Estado parte de
qualquer acordo internacional que reconheça os mesmos direitos de residência e de
trabalho, o que demonstra que o legislador francês acabou por seguir a opção pela não
exigência da nacionalidade.
Atualmente, em Itália, a bordo dos navios que arvorem pavilhão italiano, tanto o
comandante como o primeiro-oficial que exerça as funções de comandante devem ser
nacionais de um Estado-Membro da UE ou de outro Estado parte no Acordo sobre o
Espaço Económico Europeu (artigo 292.º-bis do Código da Navegação). De acordo com
o artigo 294.º do mesmo Código, em portos estrangeiros e desde que autorizado pela
autoridade consular, o comando do navio pode ser confiado, até ao porto onde seja
possível a substituição por um cidadão italiano, a um estrangeiro que tenha qualificação
correspondente ao à do comandante a ser substituído.
Quanto à nacionalidade da tripulação, estabelece o artigo 318.º do Código da
Navegação que a tripulação dos navios nacionais armados nos portos italianos deve ser
composta inteiramente por cidadãos italianos ou cidadãos de outros países da União
Europeia. Esta exigência pode ser dispensada através de acordos coletivos nacionais
entre as organizações sindicais de empregadores e de trabalhadores.
165
Por fim, de acordo com o artigo 319.º do mesmo diploma, em portos estrangeiros
e em portos italianos quando não exista pessoal marítimo de nacionalidade estrangeira
disponível, podem também ser contratados trabalhadores estrangeiros em medida não
superior a um quarto de toda a tripulação e apenas durante o tempo necessário para a
viagem de realizar.
No que concerne à nacionalidade dos inscritos marítimos/tripulantes, a mesma
tende a ser justificada por razões de segurança pública, uma vez que as funções
inerentes às categorias profissionais em causa (previstas no RIM) representam uma
enorme responsabilidade na segurança do navio, dos passageiros, dos tripulantes, da
carga e do ambiente marinho. Muitas delas são funções especializadas e bastante
técnicas.
No entanto, a norma prevista no artigo 4.º, n.º 1, do RIM foi considerada
inconstitucional (a nível material e orgânico), com força obrigatória geral, pelo Tribunal
Constitucional no Acórdão n.º 96/2013, de 19 de fevereiro241 , na parte em que se
reserva a inscrição à nacionalidade portuguesa ou de um país membro da União
Europeia.
A propósito da inconstitucionalidade material, considerou o Tribunal
Constitucional português que esta opção violava o princípio da equiparação previsto no
artigo 15.º da CRP242, considerando que a exclusão em causa, «(…)estabelecida com
base apenas no critério da nacionalidade, não encontra justificação na prossecução
dos interesses de ordem pública relacionados com a segurança das pessoas ligadas ou
em contacto com o mar e a preservação do meio marinho, a cuja tutela se dirige o
regime aplicável à atividade profissional dos marítimos em análise. A mesma limitação
tampouco se poderia justificar indiretamente na necessidade de, através dos aspetos
relacionados com o domínio da língua, assegurar a possibilidade de uma efetiva
comunicação a bordo, ou mesmo até numa ideia de prevenção do risco de imigração
241 Processo n.º 335/12, DR 1.ª série — N.º 50 —, 12 de março de 2013, disponível em www.vpgr.azores.gov.pt/ 242 De acordo com o n.º 1 do artigo 15.º, os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em
Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português. Nos termos do n.º 2 do
mesmo artigo, excetuam -se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções
públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela
Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
166
ilegal, decorrente do acréscimo de mobilidade que aquela atividade confere a todos
quantos se proponham exercê-la a bordo de embarcações destinadas a efetuar ligações,
comerciais ou de outro tipo, com países terceiros.»
No entanto e não obstante este diploma ter sofrido a sua última alteração
legislativa a 24 de dezembro de 2014, com o Decreto-Lei n.º 181/2014, este artigo
manteve-se inalterado.
Cumpre verificar se se justifica que o privilégio da nacionalidade seja atribuído
aos inscritos marítimos que pretendam exercer funções em navios que arvorem a
bandeira portuguesa.
Por um lado, o acesso à profissão dos marítimos deve ser analisado tendo em
conta as disposições comunitárias ou constantes de acordos bilaterais relativas à livre
circulação de trabalhadores.
Por outro lado, deve verificar-se se os casos em presença representam uma
exceção ao artigo 15.º, n.º 1, da CRP.
Relativamente ao primeiro ponto, a livre circulação de trabalhadores implica,
nomeadamente, a abolição de toda e qualquer discriminação relativa ao acesso ao
emprego. A condição de nacionalidade inerente ao emprego de comandante de um
navio mercante só pode ser compatível com o princípio da livre circulação e com a não
discriminação de trabalhadores quando abrangida pela exceção prevista no artigo 45.º,
n.º 4, do TFUE.
Por conseguinte, será necessário analisar se as funções dos inscritos marítimos e
dos comandantes se incluem no conceito de administração pública, seguindo a
interpretação restritiva adotada pelo TJUE.
Quanto aos inscritos marítimos, apesar das especificidades técnicas das funções
exercidas, não sobra dúvida de que as suas funções não poderão ser consideradas como
prerrogativas de autoridade pública.
No que diz respeito às funções dos comandantes, a questão carece de maior
debate.
Em primeiro lugar, os comandantes dos navios da marinha mercante quando
empregados de empresas privadas não se incluem no conceito institucional de
167
administração pública, uma vez que os comandantes de navios/capitães não são
funcionários do Estado.
Em segundo lugar, os poderes do comandante resultam, no essencial, de deveres
gerais de atuação e não parecem constituir o cerne da sua atividade, daí que não se
confiram ao comandante os poderes de autoridade pública.
Em Portugal, o comandante detém, como vimos, os mais elevados poderes de
autoridade. O comandante deve zelar pela manutenção da ordem e segurança a bordo e
está habilitado a tomar as medidas necessárias para o efeito.
No entanto, apenas o artigo 17.° do Código Penal e Disciplinar da Marinha
Mercante, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 33 252, de 20.11.1943, pode atribuir algum
poder ao comandante que se assemelhe ao das autoridades públicas, ao referir que o
capitão da marinha mercante tem o dever de empregar todos os meios para pôr os
agentes de qualquer crime em estado de não prejudicarem e que, em caso de
insubordinação, todos os meios empregados pelo capitão e outras pessoas, necessários
para a dominar e assegurar a ordem e a disciplina, serão considerados como legítimos.
Assim, o núcleo da atividade de um comandante de navio consiste na direção
empresarial e técnica do navio. Não há dúvidas de que, do ponto de vista conceptual,
estas não são atividades de administração pública.
Importa ainda observar que os deveres do comandante ou do capitão de fazer
cumprir e executar as obrigações públicas, internacionais ou comunitárias, no domínio
da segurança marítima e da proteção do ambiente, não devem ser equiparados aos
poderes de autoridade pública.
Além disso, mesmo que assim não se entenda, graças aos recursos técnicos atuais,
é cada vez menor a necessidade de recorrer a estes poderes. O tempo de permanência
dos navios no mar já não é tão prolongado como antigamente, assim como já não se
verificam as mesmas dificuldades em receber instruções das autoridades nacionais.
Com efeito, os poderes atribuídos aos comandantes e aos imediatos destes navios
não são, por norma, exercidos de maneira habitual e representam uma parte muito
reduzida das suas atividades, pelo que não se poderá considerar como um emprego de
administração pública para efeitos do artigo 45.º, n.º 4, do TJUE.
Relativamente ao segundo ponto, não nos parece que o acesso às funções que
integram as categorias profissionais previstas no RIM possa justificar uma exceção ao
168
princípio da equiparação previsto no artigo 15.º, n.º1, da CRP, nem por força do n.º 2 do
referido artigo, nem por força do artigo 18.º, n.º 2.
Ou seja, parece não subsistirem razões legais impeditivas de que os cidadãos
estrangeiros ou apátridas tenham o mesmo direito que os nacionais têm de acesso às
profissões dos inscritos marítimos..
Nem as atividades marítimas em causa implicam o exercício de direitos políticos e
de direitos reservados pelo próprio texto constitucional aos cidadãos portugueses, nem
as categorias profissionais em apreço envolvem o exercício de funções públicas sem
carácter predominantemente técnico, uma vez que não implicam atribuições que
concorrem para a definição autoritária de direitos, tal como considerou o Tribunal
Constitucional.
Além disso, o privilégio da nacionalidade não se afigura como um meio
necessário, adequado ou proporcional em sentido estrito para justificar a privação do
acesso às referidas profissões a por parte de cidadãos nacionais de países terceiros.
Por um lado, também os cidadãos de países estrangeiros que pretendam aceder à
profissão de marítimos estão sujeitos às exigências do respetivo processo de formação e
à necessidade de obtenção da correspondente certificação nos termos fixados no RIM ou
no Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de março.
Por outro lado, a exclusão do acesso à profissão daqueles indivíduos imposta,
apenas com base no critério da nacionalidade, pelo artigo 4.º, n.º 2, do RIM, não
encontra justificação na prossecução dos interesses de ordem pública relacionados com
a “segurança das pessoas ligadas ou em contacto com o mar” e com a “preservação do
meio marinho”, a cuja tutela se dirigem as normas relativas ao “ensino e […] formação
náutica”, à “adoção de processos de avaliação de conhecimentos dos marítimos,
prévios e condicionantes da emissão de certificados de qualificação ou de aptidão
profissional […]”, à “existência obrigatória de um registo de certificados”, à
“acrescida exigência de qualificações e correspondentes certificados” e à “valoração
da aptidão física a ter em conta na emissão dos certificados” (cf. o preâmbulo do RIM).
Em face do exposto, não se justifica que a nacionalidade constitua um requisito
para que as pessoas possam aceder às profissões previstas no RIM. O elevado nível de
formação e de qualificação que é exigível para o exercício dessas funções e a
reconhecida internacionalidade dessas exigências contribuem para que os profissionais
do setor não comprometam a segurança da navegação.
169
Além disso, a exigência de que os trabalhadores tenham conhecimentos da língua
portuguesa243, sempre que essa seja a língua prevista para o trabalho a bordo, resolve os
problemas suscitados pela dificuldade na comunicação.
Assim, somos da opinião que o regime nacional necessita de ser revisto quanto a
esta matéria, de forma a ajustar-se aos princípios da equiparação, da livre circulação de
pessoas e ao tratamento recíproco de cidadãos entre Estados.
Deve portanto ser admitida a inscrição marítima de nacionais de países terceiros,
assim como se deve admitir que um cidadão estrangeiro possa exercer as funções de
comandante do navio, desde que esteja devidamente habilitado, obtenha as certificações
necessárias para o efeito e tenha conhecimentos da língua portuguesa, quando seja essa
a língua prevista para o trabalho a bordo.
Consideramos ainda que o legislador nacional deve rever estas normas,
nomeadamente as que resultam do artigo 61.º do RIM, que prevê que a nacionalidade
dos tripulantes seja portuguesa ou de um país da UE e as que resultam do artigo 3.º, n.º
1, alínea b), do anexo V ao RIM, segundo o qual o recrutamento de tripulantes deve
recair sobre nacionais portugueses, de países da UE ou de países terceiros, dada a
incompatibilidade entre elas.
CAPÍTULO III
IDONEIDADE NEGOCIAL DOS MARÍTIMOS
Na relação laboral o pressuposto da idoneidade negocial do trabalhador diz
respeito à aptidão para desempenhar o tipo de atividade para que foi contratado, quando
se exija uma qualificação especial. Isto é, estamos perante um pressuposto objetivo do
negócio laboral relacionado com a atividade a desenvolver pelo trabalhador e sem o
qual essa atividade não pode ser executada por determinado sujeito.
Este problema verifica-se quando a lei exige determinadas habilitações, títulos
profissionais ou inscrições em ordens profissionais244.
243 Isto porque o embarque é condicionado aos marítimos de países terceiros que tenham conhecimentos da língua portuguesa sempre que esta seja adotada como língua de trabalho a bordo (cf. artigo 3.º, n.º 6, do Regulamento relativo ao recrutamento e ao embarque e desembarque de marítimos, constante do anexo V ao RIM) 244 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, 2012, p. 131.
170
No que em especial concerne ao trabalho marítimo, o exercício de certas
atividades depende da titularidade de carteira profissional que atesta a aptidão específica
do trabalhador para uma determinada profissão.
O Decreto-Lei n.º 45 968, de 15 de outubro de 1964, apresentava limitações à
liberdade de celebração destes contratos. Assim, os recrutamentos deveriam ser feitos
pela ordem das inscrições na lista previamente organizada pelas capitanias (artigo 5.º).
O Decreto-Lei n.º 37/2015, de 10 de março, no uso da autorização legislativa
concedida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estabelece o regime de acesso e
exercício de profissões e de atividades profissionais, reconhecendo, no artigo 5.º, n.º 2,
que as atividades profissionais associadas a determinada profissão só lhes estão
reservadas quando tal resulte expressamente da lei.
As atividades prestadas pelos marítimos que correspondam às funções abrangidas
pelas categorias de marítimos previstas no RIM são um desses exemplos.
Assim, ser inscrito marítimo é uma condição necessária do exercício das
atividades profissionais previstas nesse diploma, porquanto, nos termos do artigo 3.º, n.º
2, do RIM, “só podem exercer a atividade profissional dos marítimos os inscritos
marítimos habilitados com as respetivas qualificações profissionais e detentores dos
respetivos certificados”.
O facto de os inscritos marítimos não serem alheios às imposições ou
condicionantes de ordem administrativa não é uma novidade.
Já no Livro II da Ordenança de Colbert se referia, no artigo I do Título I, que
ninguém pode ser recebido por Capitão, Mestre, ou Patrão do Navio, sem ter navegado
cinco anos e sido examinado publicamente sobre a matéria da Navegação e aprovado
por dois antigos mestres em presença dos Oficiais do Almiranto e do Professor de
Hidrografia, se o houver no lugar.
Resulta também do artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de
setembro, que as matérias que disciplinam a inscrição marítima, cédulas marítimas,
classificação, categorias, cursos, exames, tirocínios e certificação dos marítimos, estão
sujeitas a legislação especial.
Como tivemos oportunidade de referir, existem atividades profissionais de acesso
fortemente regulamentado pelo legislador que estabelece regras relacionadas com a
inscrição marítima e com os certificados profissionais. Em Portugal, essa
171
regulamentação consta do RIM (para vários tipos de embarcações) e do Decreto-Lei n.º
34/2015, de 04 de março (para os navios que prossigam a atividade comercial).
1. INSCRIÇÃO E CÉDULAS MARÍTIMAS
Na 41.ª sessão da Conferência Geral da OIT, em 1958, os Estados-Membros
chegaram à conclusão de que a identificação dos marítimos precisava de ser
concretizada através de documentos que permitissem o seu reconhecimento recíproco
ou internacional245.
Em Portugal, o RIM estabelece as normas reguladoras de determinadas atividades
profissionais dos marítimos, prevendo disposições respeitantes à inscrição marítima e à
emissão de cédulas de inscrição marítima. O Regulamento relativo à inscrição marítima
e emissão da cédula de inscrição marítima consta do anexo I ao referido diploma246.
Com efeito, caso pretenda exercer, como tripulante, as funções correspondentes a
determinadas categorias previstas no RIM, o trabalhador marítimo necessita de ser
titular de uma inscrição marítima (artigo 2.º, n.º 1, do RIM).
Significa então que, como tivemos oportunidade de explicar, quando os
trabalhadores pretenderem exercer funções relacionadas com as categorias profissionais
indicadas no RIM, terão que se sujeitar a um conjunto de regras rigorosas ali previstas.
A inscrição deve ser requerida pelo interessado aos órgãos locais do Sistema de
Autoridade Marítima (SAM)247 competentes (artigo 4.º do RIM). É aplicável um critério
de unicidade, de acordo com o qual a cada marítimo só possa corresponder uma
inscrição (artigo 6.º, n.º 1 do RIM).
A cédula de inscrição marítima é o documento que habilita o marítimo a exercer
as funções correspondentes à categoria ou categorias nela averbadas, sendo, na verdade,
o documento de identificação do marítimo248, devendo por isso acompanhá-lo sempre
no exercício da sua atividade.
As exigências de inscrição e a atribuição da cédula marítima aplicam-se aos
marítimos que pretendam exercer as atividades profissionais previstas no RIM, também
classificados como “inscritos marítimos”. 245 Portugal aprovou a Convenção com o DL n.º 47 712, de 19 de maio de 1967, e concretizou o seu conteúdo com o DL n.º 224/72, de 01 de julho. 246 Substituindo o antigo regulamento da inscrição marítima, regulado pelo DL n.º 104/89, de 06 de abril. 247 Capitanias dos portos e as delegações marítimas, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do DL n.º 206/2005, de 28 de novembro. 248 De acordo com o artigo 9.º, do anexo I, do RIM, “a cédula de inscrição marítima portuguesa, pode constituir documento de identificação do marítimo, para efeitos da Convenção n.º 108 da OIT”.
172
A inscrição marítima pode ser suspensa sempre que o marítimo não exerça a sua
atividade profissional, durante pelo menos um ano nos últimos cinco e pode ser
cancelada, a pedido do interessado ou por impossibilidade física e definitiva do próprio
para o desempenho de funções a bordo (artigos 8.º e 9.º).
A cédula de inscrição marítima tem validade de 10 anos, estando sujeita a
renovação pelos órgãos locais do SAM. O SAM é o quadro interdepartamental formado
pelas entidades, órgãos ou serviços de nível central, regional ou local que, com funções
de coordenação, executivas, consultivas ou policiais, exercem poderes de autoridade
marítima.
A este propósito, importa reiterar que há outros trabalhadores que são
considerados marítimos para efeitos da aplicação do regime da LAMBN mas que, por
não estarem integrados nas categorias profissionais indicadas no RIM, não estão
sujeitos a este regime. Por essa razão, esses marítimos não terão nenhuma cédula
profissional.
Por não lhes ser atribuída a cédula marítima portuguesa, estes marítimos podem
perder alguns direitos e benefícios, entre os quais a possibilidade de sair para o porto e
visitar países que exijam um visto para além do passaporte (ex. Rússia), a prioridade no
acesso a alguns serviços de saúde e a permissão de transportar mais carga em certas
companhias aéreas249.
Na verdade, a cédula marítima, constitui um documento de identificação dos
marítimos e regra geral é considerada suficiente, dispensando vistos de entrada,
nomeadamente nos casos de arribadas e escalas, e ainda, nos casos de trânsito,
transferência ou repatriamento.
Por exemplo, de acordo com o artigo 9.º, n.º 3, alínea e) da Lei n.º 23/2007, de 4
de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de
estrangeiros do território nacional, podem entrar em Portugal, ou sair dele, os cidadãos
estrangeiros que sejam portadores do documento de identificação de marítimo a que se
refere a Convenção n.º 108 da Organização Internacional do Trabalho, quando em
serviço.
No mesmo sentido, a agência deve acautelar que o cidadão nacional de país
terceiro candidato a emprego em território nacional, com exceção do marítimo, é
249 SARDINHA, Álvaro Máximo – Objetivo, Trabalhar num navio, 2016, pp. 36 e 37.
173
detentor do título de autorização de residência em Portugal, ou outro título que lhe
permita o exercício da atividade laboral, nos termos definidos na legislação aplicável
(artigo 24.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro). Esta exceção para o
marítimo resulta precisamente do facto de o seu documento de identificação substituir o
título de autorização de residência em Portugal.
Em Espanha, para celebrar um contrato de trabalho, o marítimo necessita de um
documento que ateste a inscrição marítima. Trata-se da “Libreta Marítima o Libreta de
Inscripción Marítima” 250 , emitida pela Direção-Geral da Marinha Mercante. Este
documento, de carácter pessoal, é uma imposição da Convenção n.º 108 da OIT, relativa
aos documentos de identificação nacional dos marítimos, ratificada por Espanha em 8
de abril de 1971251.
Em Itália, os requisitos para inscrição na matrícula, o cancelamento da matrícula,
reintegração de gente do mar; documentos necessários ao exercício de profissões de
gentes do mar constam dos artigos 119.º e seguintes do Código da Navegação. De
acordo com o artigo 122.º do Código da Navegação, para o exercício de funções, as
gentes do mar devem ter um livrete (libretto di navigazione), e o pessoal dos serviços
portuários e a equipa técnica da construção naval devem possuir um livrete de
reconhecimento e de certificado de registo (libretto di ricognizione e di un certificato d'
iscrizione).
Não obstante a importância da cédula, esta não dispensa os certificados
profissionais exigidos aos marítimos para o exercício de funções específicas a bordo
(arts. 11.º e 13.º do RIM), como veremos no ponto seguinte.
2. FORMAÇÃO PROFISSIONAL
No caso dos trabalhadores marítimos, a tendência tem sido a criação de normas de
formação e de certificação para o desempenho de atividades a bordo252.
250Cf. artigo 2.º, alínea u), da Orden de 18 de janeiro de 2000, disponível em www.boe.es 251 Publicada no BOE de 24 de maio de 1972. 252 Estas exigências são habituais na história do trabalho marítimo, v.g., a regra de que ninguém poderia ser admitido ao Comando de Navio sem passar no exame do Almirantado, ter navegado cinco anos e ter exercício de funções como Piloto durante dois anos. Acresce que os proprietários não podiam admitir como capitão dos seus navios quem não apresentasse a sua carta de Mestre, emitida pelo Tribunal. SILVA, José - Princípios de Direito Mercantil e Leis da Marinha, para uso da mocidade portugueza, destinada ao comércio, Tratado VI, Parte II, Da Policia dos Portos, e Alfandegas de ordem de sua alteza real, o principe regente nosso senhor, Contendo as Ordenações de Marinha de França, 1819, p. 54.
174
Tal necessidade justifica-se, desde logo pela particularidade do funcionamento de
uma embarcação e pelas especificidades do trabalho a bordo, principalmente por razões
de defesa da integridade das pessoas e da preservação e segurança dos bens.
JANUÁRIO DA COSTA GOMES refere que estas exigências visam a segurança
na navegação e consequente salvaguarda de pessoas e bens253.
Na verdade, ter mão-de-obra competente e qualificada não só é importante para a
manutenção da segurança marítima e para a proteção do ambiente marinho, como é
essencial para apoiar o crescimento e prosperidade da indústria marítima.
Para atingir estes objetivos, os Estados devem esforçar-se por tornar as profissões
marítimas mais atraentes através do financiamento de projetos e estudos relevantes.
A Convenção da OIT n.º 69, de 1946, relativa à aptidão profissional dos
cozinheiros a bordo, exigia a apresentação de um diploma que comprovasse a aptidão
para o exercício dessa profissão; a Convenção n.º 74, de 1946, relativa ao certificado de
aptidão de marinheiro qualificado, segundo o qual ninguém poderia ser contratado a
bordo de um navio como marinheiro qualificado se não fosse considerado apto, nos
termos da legislação nacional, para efetuar qualquer trabalho exigido a um membro da
tripulação e se não apresentasse o diploma de aptidão (artigos 1.º e 2.º, n.º 2, c); e a
Convenção n.º 108, de 1958, referente aos documentos relativos à identificação dos
marítimos, são exemplos dessa tendência.
As condições de acesso à atividade, níveis mínimos de formação e outros aspetos
referentes às profissões exercidas pelas tripulações dos navios foram amplamente
desenvolvidas pela OMI, na Convenção STCW 1978254.
Nos termos do Artigo VI desta Convenção, os certificados para comandante,
oficial ou marítimo da mestrança e marinhagem255 são emitidos aos candidatos que
253GOMES, Manuel Januário Costa - O Ensino do Direito Marítimo - O Soltar das Amarras do Direito da Navegação Marítima, 2005, p. 46. 254 A Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos (STCW 1978) foi estabelecida inicialmente, em 1978, por iniciativa da OMI, entrando internacionalmente em vigor em 1984, e teve como objetivo estabelecer os requisitos mínimos de formação dos marítimos e os critérios para a sua certificação. Foi, na altura, um grande passo no incremento das qualificações dos marítimos e da segurança da navegação marítima. Posteriormente, a OMI adotou, na conferência de 1995, um conjunto de emendas à Convenção STCW 1978, tendo introduzido alterações profundas relativas à formação, avaliação e certificação dos marítimos, com o intuito de melhorar a sua qualificação e a garantia da segurança da navegação. A Convenção STCW sofreu uma última revisão em 2010, que foi aprovada em Conferência Diplomática realizada em Manila, nas Filipinas, tendo ficado conhecida como as Emendas de Manila. A estrutura da Convenção STCW compreende um articulado com dezassete artigos, um anexo com regras distribuídas por 8 capítulos e o código STCW. 255 Quanto às categorias profissionais ver p. 131 e ss.
175
possuam as condições necessárias no que respeita às tarefas a desempenhar, idade,
aptidão física, formação, qualificação e exames.
Com esta Convenção, a OMI pretendia afastar a eventualidade de tripulações
insuficientemente qualificadas e, por outro lado, garantir níveis mínimos e
harmonizados de formação dos marítimos, em especial para efeitos de reconhecimento
mútuo de diplomas e certificados.
Em suma, a Convenção contempla as mais variadas atividades do trabalho
desenvolvidas a bordo, e elucida o tipo de funções que lhes estão associadas assim
como a aptidão exigida para o desempenho dessas mesmas funções, normalmente
associadas à condução, exploração e operacionalidade do navio256.
Em 2010, as Emendas de Manila introduziram uma série de alterações nas normas
da STCW em matéria de competência mínimas para certificação dos marítimos, que
comprovam a capacidade para o desempenho de determinadas funções a bordo de
navios, associadas a categorias profissionais definidas.
Mais recentemente, esta matéria foi tratada e refletida na Regra 1.3 da CTM 2006,
nos termos da qual, qualquer marítimo deve ter uma formação, ser titular de um
certificado de aptidão ou estar qualificado a qualquer outro título, para exercer as suas
funções e deve ter concluído com aproveitamento um curso de formação sobre
segurança pessoal a bordo de navios.
A nível interno, a LAMBN estabelece que só pode trabalhar a bordo de um navio
quem possua qualificação adequada à atividade a exercer obtida, nomeadamente,
através do sistema educativo ou de formação profissional e tenha concluído com
aproveitamento uma formação adequada em segurança pessoal a bordo de navios. A
violação destas exigências constitui uma contraordenação grave (artigos 6.º, n.ºs 1 a 3).
A formação dos inscritos marítimos do comércio está atualmente regulada nos
artigos 12.º e ss do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 04 de março257, e pode ser integrada,
consoante os escalões, em dois tipos de sistemas educativos (artigoº 12.º, n.º 1):
256 Relembramos que Portugal aderiu à Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos (STCW), de 1978, através do Decreto n.º 28/85, de 8 de agosto. Esta Convenção foi incorporada no Direito da UE pela Diretiva n.º 94/58/CE, do Conselho, de 22 de novembro de 1994, a qual foi transposta para a ordem jurídica interna pelo DL n.º 156/96, de 31 de agosto. 257 Apesar de este diploma não apresentar uma definição de marítimos, tendo em consideração o seu teor, podemos concluir que o mesmo se aplica aos marítimos cujas funções se integram nas categorias profissionais dos inscritos marítimos.
176
i. No sistema educativo ao nível do ensino superior para o escalão dos oficiais,
e
ii. No âmbito da formação profissional inserida no sistema educativo ou no
mercado de emprego para os escalões da mestrança e marinhagem.
Quanto às entidades formadoras, nos termos do artigo 13.º a formação profissional
dos marítimos é ministrada por organismos públicos ou por entidades do setor privado e
cooperativo, com ou sem fins lucrativos, que assegurem o desenvolvimento da
formação a partir da utilização de instalações, recursos humanos e técnico-pedagógicos
e outras estruturas adequadas.
Além disso, a competência para certificar a aptidão profissional dos marítimos e
para homologar cursos de formação profissional dos marítimos cabe à administração
marítima, enquanto entidade certificadora 258 . No exercício dessa competência, a
administração marítima elabora, desenvolve e divulga um manual de certificação que
descreve os procedimentos relativos à apresentação e à avaliação de candidaturas, à
emissão dos respetivos certificados profissionais e às condições de homologação dos
cursos de formação (artigo 14.º do mesmo diploma).
A propósito da criação dos cursos, resulta do artigo 15.º, n.º 1, que as orientações
para a elaboração e execução de programas de formação para os comandantes e oficiais
dos navios de mar são definidas por portaria dos membros do Governo responsáveis
pelas áreas do mar e da educação.
Por sua vez, nos termos do artigo 15.º, n.º 2, os cursos de formação profissional
dos marítimos estão condicionados à homologação prévia pela administração marítima,
enquanto entidade certificadora, que avalia, nomeadamente, os requisitos técnico-
pedagógicos elencados no n.º 3 do mesmo artigo.
Por fim, o legislador estabelece, no artigo 17.º do diploma em análise, os critérios
quanto ao perfil dos intervenientes na formação e na avaliação dos marítimos.
Atualmente, a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique é a única escola
nacional náutica do país vocacionada para a formação de oficiais da marinha mercante
(pilotagem, engenharia de máquinas marítimas, engenharia eletrotécnica marítima) e
quadros superiores do setor marítimo portuário nas áreas da intermodalidade, gestão e
logística.
258 Nos termos da Portaria n.º 208/2013, de 26 de junho.
177
Por sua vez, o ITN – Instituto de Tecnologias Náuticas é uma entidade formadora
acreditada pela Administração Marítima nacional para a formação e treino de
tripulantes, em diversos cursos necessários para a marinha mercante, obedecendo aos
requisitos da STCW.
Por fim, importa esclarecer que as normas previstas na Regra 1.3, parágrafo 2, da
CTM 2006, e no artigo 6.º da LAMBN, aplicam-se a todos os marítimos,
independentemente das suas funções a bordo do navio, quer sejam inscritos marítimos
quer não.
Neste sentido, a OIT veio esclarecer que a questão da formação dos marítimos não
abrangidos pelos requisitos da Convenção STCW (que se aplica, em regra, aos inscritos
marítimos) depende dos requisitos nacionais relevantes para o trabalho marítimo a
realizar a bordo de um navio.
Por exemplo, uma pessoa contratada como enfermeiro ou médico deve respeitar
todas as normas nacionais exigidas para o exercício dessas funções.
No entanto, a autoridade competente do Estado não será responsável pela
formação ou avaliação dos marítimos nessas funções, mas deverá exigir que os
armadores garantam que essas pessoas estão habilitadas de acordo com as normas
nacionais relevantes259.
3. CERTIFICADOS PROFISSIONAIS DOS MARÍTIMOS
Apesar da infinidade de atividades marítimas, cada uma delas exige requisitos
diferentes em termos de qualificação e de formação profissional. Aos marítimos tem
sido exigido que desenvolvam competências adicionais, documentadas na forma de
certificados internacionais, normalmente associados à segurança e à proteção das
pessoas, do ambiente, da carga e dos navios260.
Com efeito, o trabalhador marítimo deve possuir, para além da formação
adequada e necessária para o exercício das funções a bordo, um certificado de
qualificação, de competência ou de dispensa, ou estar qualificado a qualquer outro título
para exercer as suas funções. 259 A este propósito vd. International Labour Standards Department Maritime Labour Convention, 2006 (MLC, 2006) - Frequently Asked Questions (FAQ), resposta à questão C1.3.b. 260 V.g. certificado de controlo de multidões; certificado de segurança para tripulantes que prestem assistência direta aos passageiros; certificados de gestão de crises e comportamento humano. Sobre este tema vd. SARDINHA, Álvaro Máximo – Objetivo, Trabalhar num navio, pp. 56 e ss.
178
A obrigatoriedade de certificados está prevista no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-
Lei n.º 34/2015, de 04 de março, nos termos do qual os inscritos marítimos que exerçam
funções a bordo de navios de mar que arvorem a bandeira portuguesa são obrigados a
possuir os certificados de competência e os certificados de qualificação exigidos pela
Convenção STCW ou prova documental que comprove o cumprimento dos requisitos
exigidos.
De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, compete ao comandante do navio de mar
assegurar que o marítimo a bordo do navio é detentor dos certificados ou prova
documental exigidos pelo número anterior.
Há três tipos de certificados: (i) os certificados de competência; (ii) os certificados
de qualificação e (iii) os certificados de dispensa.
Entende-se por certificado de competência o certificado emitido e autenticado
relativamente a comandantes, oficiais e operadores de rádio no sistema mundial de
socorro e segurança marítima (GMDSS), nos termos do disposto nos capítulos II, III,
IV ou VII do anexo à Convenção STCW, que habilita o seu legítimo titular a ocupar o
posto especificado e a exercer, a bordo de um navio, as funções correspondentes ao
nível de responsabilidade nele especificado261.
Por sua vez, o certificado de qualificação é o certificado que não seja um
certificado de competência emitido a um marítimo, que atesta o cumprimento dos
requisitos relativos à formação, às competências ou ao serviço de mar (artigo 3.º,
alíneas c) e d), do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de março)262.
Assim, certificados de qualificação são todos os certificados que não sejam um
certificado de competência emitido a um marítimo, e que atestam o cumprimento dos
requisitos relativos a formação, às competências ou ao serviço do mar. Dada a sua
especificidade, podem ser emitidos a qualquer marítimo, incluindo oficiais e restantes
membros da tripulação.
Os certificados de dispensa são emitidos exclusivamente pela administração
marítima e permitem aos marítimos, durante um período de tempo não superior a seis
261 Conforme resulta do artigo 25.º, n.º 2, do DL n.º 34/2015, de 04 de março, para efeitos de regulamentação os certificados de competência respeitam os modelos constantes da secção A-I/2 do Código STCW e devem indicar o posto que o titular do certificado está autorizado a ocupar em termos idênticos aos utilizados nos requisitos aplicáveis pela legislação nacional em matéria de lotação de segurança. 262 De acordo com o artigo 25.º, n.º 3, do DL n.º 34/2015, de 04 de março, para efeitos de regulamentação, os certificados de qualificação devem, pelo menos, conter a informação constante do anexo III ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante.
179
meses, exercer funções para as quais não detenham um certificado de competência
apropriado, desde que a administração marítima considere que daí não advém perigo
para as pessoas, os bens ou o meio marinho (artigo 23.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
34/2015, de 4 de março).
As Emendas de Manila que justificaram o regime aplicável pelo Decreto-Lei n.º
34/2015, de 4 de março, introduziram uma série de alterações nas normas de
competência mínimas para a certificação dos marítimos.
Estas alterações entraram em vigor a 1 de janeiro de 2012, e, após 1 de janeiro de
2017, a formação e certificação dos marítimos terão de cumprir os requisitos previstos
nas emendas de 2010263.
De acordo com o artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de março, os
tipos de certificados profissionais, as condições para a sua emissão, a respetiva validade
e os correspondentes modelos são aprovados por portaria dos membros do Governo
responsáveis pelas áreas do mar e do emprego.
Por seu turno, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 53/2016, de 24 de agosto, veio
reconhecer que os tipos de certificados profissionais, as condições para a sua emissão, a
respetiva validade e os correspondentes modelos são aprovados por portaria do membro
do Governo responsável, este, pela área do mar.
Por força destas exigências legais, coube à Portaria n.º 253/2016, de 23 de
setembro, estabelecer os tipos de certificados profissionais, as condições para a sua
emissão, a respetiva validade e os correspondentes modelos, no âmbito do Decreto-Lei
n.º 34/2015, de 4 de março.
Nos seus capítulos II e III, esta portaria estipula quais são os certificados de
competência264 e de qualificação e define as condições da respetiva emissão.
263 “Até 1 de janeiro de 2017, um Estado Parte pode continuar a emitir, reconhecer e autenticar certificados, em conformidade com as disposições da Convenção aplicada imediatamente antes de 1 de janeiro de 2012, no que diz respeito aos marítimos que iniciaram serviço de mar aprovado, um programa de ensino e de formação aprovado ou um curso de formação aprovado antes de 1 de julho de 2013. Até 1 de janeiro de 2017, um Estado Parte pode continuar a renovar e a revalidar certificados e autenticações, em conformidade com as disposições da Convenção, aplicadas imediatamente antes de 1 de janeiro de 2012.” 264 Nos termos do artigo 3.º da referida portaria, os certificados de competência são emitidos a oficiais da marinha mercante para o exercício das funções correspondentes aos níveis de gestão e operacional a bordo de navios de mar e são ainda emitidos aos: a) Mestres Costeiros e Contramestres para o exercício das funções respetivamente de Comandante e Oficiais Chefes de Quarto de Navegação em embarcações de arqueação bruta inferior a 500, em viagens costeiras; b) Maquinistas Práticos de 1.ª e de 2.ª classe, respetivamente, para o exercício das funções de chefe de máquinas, segundo oficial de máquinas em embarcações com potência propulsora entre 750 kW e 3000 kW, limitados a viagens costeiras, e de oficial de máquinas chefe de quarto numa casa das máquinas de condução atendida ou como oficial de
180
De acordo com o artigo 5.º, n.º 1, da referida portaria, os certificados de
qualificação são emitidos aos marítimos que exercem funções específicas e/ou ao nível
de apoio, operacional ou de gestão, a bordo dos navios de mar e que obtenham
aprovação em exame adequado que abranja, no mínimo, as matérias indicadas na Parte
A do Código anexo à Convenção STCW, segundo os métodos e critérios nele previstos.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, estes certificados de qualificação “são
igualmente emitidos a não marítimos que exerçam determinado tipo de funções a bordo
dos navios de mar, nos termos e para os efeitos do Código STCW”.
Importa esclarecer que a expressão “não marítimos” utilizada pelo legislador deve
ser interpretada como não inscritos marítimos. Significa isto que e os marítimos (para
efeitos da LAMBN), apesar de não precisarem de inscrição marítima, precisam de obter
determinadas qualificações, consoante as funções por si exercidas, tal como vimos a
propósito da formação.
Assim, aqueles que são identificados neste artigo como não marítimos são na
verdade os trabalhadores cujas funções não se inserem nas categorias profissionais
estabelecidas pelo Decreto-Lei em causa, em conformidade com aquelas que constam
do RIM. Para os efeitos da LAMBN, esses indivíduos são considerados como
verdadeiros marítimos.
A este propósito, cumpre mais uma vez reforçar que, em regra, atualmente, todos
os marítimos, inclusivamente aqueles que não exerçam as atividades para as quais seja
necessária a inscrição marítima, necessitam de obter formação, de forma a adquirirem
os respetivos certificados, em conformidade com as funções que exerçam, como
requisito indispensável às suas candidaturas.
Compreende-se que assim seja. Por exemplo, como é natural, o trabalhador de um
restaurante localizado em terra não precisará de ter formação acerca do equipamento de
navios, do reconhecimento de perigos nem de ações de proteção de navios. Por sua vez,
se o mesmo trabalhador pretender exercer essas mesmas funções a bordo do navio, irá
precisar de qualificar-se em matérias como estas, em face das especificidades e dos
perigos inerentes ao ambiente que o rodeia e por motivos de segurança.
Para reforçar este entendimento, cumpre apreciar o teor do artigo 6.º da LAMBN,
que exige que os marítimos (todos eles) tenham qualificação adequada à atividade a
máquinas de serviço numa casa das máquinas de condução periodicamente desatendida cuja máquina principal tenha uma potência propulsora entre 750 kW e 3000 kW, limitado a viagens costeiras.
181
exercer a bordo e tenham concluído com aproveitamento uma formação adequada em
segurança a bordo dos navios.
Este problema que surge com a diferença entre a definição de marítimos constante
nos diplomas legais que têm como missão promover a segurança marítima (RIM e
Decreto-Lei 34/2015, de 4 de março) e a definição que resulta da LAMBN, tem, na
verdade, uma origem internacional265.
Enquanto o RIM e o Decreto-Lei 34/2015, de 4 de março se inspiraram na
Convenção STW, aprovada pela OMI, a LAMBN alicerça-se na CTM 2016, aprovada
pela OIT.
A principal preocupação da Convenção da OMI é garantir a segurança da viagem,
do navio, das pessoas, dos bens e do meio ambiente. Daí que ao legislar sobre as regras
de formação e qualificação apenas se foque nos trabalhadores cujas funções estão
diretamente relacionadas com essa segurança.
Por sua vez, a CTM 2006, visa assegurar condições de vida e de trabalho a bordo,
de forma a proteger os marítimos de todas as vicissitudes e riscos subjacentes à
profissão em causa. Como o foco está no marítimo e nas condições a bordo e não tanto
nas especificidades de cada função para a segurança da navegação, é natural que o
conceito de marítimo seja mais abrangente.
Por fim, tanto os requisitos para a obtenção dos certificados, como os modelos dos
certificados variam consoante a atividade a ser desempenhada pelo marítimo. Antes da
entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 04 de março, ambos os requisitos e
modelos constavam apenas do Anexo III ao RIM. Com a entrada em vigor do Decreto-
Lei n.º 34/2015, de 04 de março, os requisitos mínimos de certificação passaram a
constar do seu Anexo II.
Ao abrigo do disposto no artigoº 117.º, n.º 1, do CT, sempre que o exercício de
determinada atividade se encontre legalmente condicionado à posse de título
profissional, a sua falta determina a nulidade do contrato pela impossibilidade legal
originária de desenvolvimento da atividade.
265 Cf. Carta enviada pelo BIT a todos os Estados-Membros, com a referência ACD 5-186-1, a 7 de julho de 2001: “Le group de travailleurs a également fait part de son souci d’assurer une certaine choérence avec la convention STCW de l’OMI, tout en reconnaissant que la MLC, 2006, est destinée aà couvrir une palette plus large de gens de mer et de navires que la convention STCW.”
182
Regra geral, a entidade competente para o reconhecimento por autenticação de
certificados é a administração marítima (art. 26.º do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de
março). De acordo com o artigo 27.º deste diploma, a administração marítima pode
reconhecer os certificados de competência e de qualificação emitidos pelas entidades
competentes dos Estados-Membros da União Europeia, ou de Estados terceiros, a
comandantes e oficiais nos termos das regras V/1-1 e V/1-2 da Convenção STCW.
A autenticação dos certificados de competência e de qualificação reconhecidos é
feita por documento de autenticação, cujo modelo consta do n.º 1 da secção A-I/2 do
Código STCW.
Os certificados devem ser autenticados pela administração marítima após verificar
a respetiva autenticidade e validade (n.º 2 do artigo 27.º).
O documento de autenticação produz efeitos nos exatos termos do certificado de
competência ou do certificado de qualificação reconhecido e, em qualquer caso, caduca
no prazo de cinco anos a contar da data da sua emissão a qual é acompanhada pelos
originais dos certificados de competência e de qualificação que estiveram na base da sua
emissão (n.ºs 3 e 4 do art. 27.º).
Para além destas disposições gerais sobre o reconhecimento dos certificados, o
legislador pronuncia-se ainda acerca do reconhecimento de certificados por emitidos por
um Estado-Membro da União Europeia (artigos 29.º a 32.º do Decreto-Lei n.º 34/2015,
de 4 de março) e do reconhecimento de certificados emitidos por Estados terceiros (art.
32.º a 38.º do mesmo diploma).
Por fim, o marítimo que não esteja certificado ou cujo certificado não seja o
adequado não poderá exercer funções a bordo que exijam a correspondente certificação,
a menos que disponha de dispensa válida ou de prova de pedido do reconhecimento ou
da autenticação do necessário certificado (artigo 33.º do RIM).
4. CONCLUSÕES
Finalmente, após termos analisado os temas da capacidade e da idoneidade dos
marítimos, refira-se que, no que concerne ao regime da formação e certificação de
marítimos, o RIM também utiliza, de forma constante, a expressão marítimos. No
entanto, como explicámos anteriormente, de acordo com o artigo 1.º, n.º 2, desse
diploma, são considerados marítimos aqueles que exercem a sua atividade profissional a
183
bordo das embarcações de comércio, de pesca, rebocadores, de investigação, auxiliares
e outras do Estado.
Neste sentido, o regime estabelecido pelo RIM não se limita aos inscritos
marítimos a bordo de navios de comércio, mas também a outras embarcações,
abrangendo dessa forma mais trabalhadores a bordo de navios do que a LAMBN 266.
Em 2015, com o Decreto-Lei n.º 34/2015, de 04 de março, o legislador português
tomou a decisão de criar normas relativas ao nível mínimo de formação dos marítimos,
que em certos aspetos versam sobre os mesmos temas abordados pelo RIM (certificados
médicos, certificação dos marítimos e respetivos requisitos, formação profissional).
Com base no artigo 2.º deste novo diploma, estão excluídos os trabalhadores em
navios de guerra, de pesca, de recreio não utilizados com fins comerciais e de madeira
de construção primitiva.
De acordo com o critério da especialidade - lex posterior derogat priori-, em caso
de conflito com o RIM, o regime que deve prevalecer é o regime recentemente
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de março, por se destinar aos trabalhadores
que exercem a sua atividade em navios habitualmente comerciais que como vimos, são
objeto do presente estudo.
Por sua vez, as matérias que não sejam tratadas pelo regime especial - inscrição
marítima, classificação de categorias profissionais, embarque e desembarque - estão
sujeitas ao regime geral aprovado pelo RIM.
Importa deixar uma última nota para esclarecer que a OIT transferiu a
responsabilidade pela formação e certificação para a OMI. Daí que estas regras
continuem a estar sujeitas às convenções emanadas desta última organização
internacional.
A única exceção a esta regra é a formação de cozinheiros dos navios, uma questão
que permanece na competência da OIT e que está regulada na CTM 2006267.
Não obstante a OIT ter transferido estas matérias para a OMI, continuou a achar
pertinentes as disposições gerais da CTM 2006 relativas à formação dos marítimos,
precisamente para garantir que todos os não abrangidos pelas disposições da Convenção
STCW, da OMI, estão treinados e qualificados para exercer as suas funções.
266 A convenção n.º 74 da OIT relativa aos diplomas de aptidão de marinheiro qualificado também não estabelece essa distinção. 267 Quanto à formação dos cozinheiros a bordo ver p. 296 e ss.
184
Assim, o armador deve garantir que todos os seus marítimos, mesmo aqueles não
exerçam funções abrangidas pela Convenção STCW, e em Portugal pelo RIM ou pelo
Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de março, têm habilitações, formação e estão na posse de
determinados certificados exigíveis para o exercício das suas funções268.
CAPÍTULO IV
FORMA E FORMALIDADES
NO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO
1. FORMA DO CONTRATO
A CTM 2006 impõe, através da Norma A2.1, que todos os Membros adotem uma
legislação que exija que os navios que arvoram a sua bandeira cumpram as prescrições
nela previstas.
No cumprimento dessas exigências, Portugal reconhece que o contrato de trabalho
dos marítimos é um contrato formal, devendo ser reduzido a escrito, sendo esta uma
exceção ao princípio da liberdade de forma constante no artigo 110.º do CT.
Em Espanha, apesar de constar do artigo 8.º do Estatuto dos Trabalhadores que o
contrato de trabalho pode ser celebrado por escrito ou verbalmente, as regras da CTM
2006 devem prevalecer. Resulta, igualmente, de diversas convenções coletivas
espanholas essa exigência de forma nos contratos de embarque269.
Em Itália, o artigo 328.º do Código da Navegação estipula que o contrato de
trabalho deve ser redigido, por ato público. É exigido que o contrato seja lido e
explicado antes da assinatura pelas partes.
O legislador italiano estabeleceu uma forma ainda mais especial para os casos em
que o contrato seja outorgado fora do país, onde não existam autoridades consulares. De
acordo com o artigo 329.º, se o contrato for celebrado no estrangeiro, em área que não
esteja abrangida pelas autoridades consulares, o contrato deve, sob pena de nulidade, ser
celebrado por escrito, na presença de duas testemunhas, que devem apor a sua
assinatura.
268 A este propósito vd. International Labour Standards Department Maritime Labour Convention, 2006 (MLC, 2006) - Frequently Asked Questions (FAQ), resposta à questão C1.3.d. 269 A título de exemplo, vd. Convenio Colectivo para la pesca marítima de arrastre al fresco en el Gran Sol de Pontevedra, de 11 de agosto de 1997.
185
Em Portugal, de acordo com o artigo 60.º, n.º 4, do RIM os contratos de trabalho
celebrados com tripulantes estrangeiros estão sujeitos às formalidades constantes no CT
(arts. 157.º e seguintes) e no regime jurídico da atual LAMBN.
Por outro lado, o contrato de trabalho a bordo de navio deve ser celebrado em dois
exemplares, ficando um para cada parte (artigo 7.º, n.º 1 e 4, da LAMBN)270. Nos
termos do artigo 7.º, n.º 5, da mesma lei, o marítimo deve ter em seu poder o exemplar
do contrato marítimo sempre que se encontrar a bordo.
A exigência de forma escrita constava igualmente, no regime anterior, do artigo
3.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março.
A nível internacional, já a antiga Convenção n.º 22 da OIT, de 1926, no seu artigo
3.º, previa a forma escrita para a celebração de contratos de trabalho a bordo.
A exigência de forma escrita justifica-se essencialmente pela necessidade de
controlo da prestação de trabalho pelas autoridades (a inspeção das condições de vida e
de trabalho a bordo atribui bastantes responsabilidades quer ao Estado de bandeira, quer
ao do porto), e de permitir o conhecimento pelo trabalhador de uma informação exata
sobre as suas condições contratuais271.
Ao contrário do que resulta do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 15/97, de 31, de maio
(aplicável ao trabalho a bordo de navios de pesca), nos termos do qual ao não
cumprimento da forma escrita está associada uma nulidade atípica, por apenas poder ser
invocável pelo marítimo, a LAMBN não se pronuncia acerca das consequências da
preterição da forma escrita.
Entendem os autores272 que a forma do contrato de trabalho, quando exigida, é
essencialmente ad probationem em relação ao regime especial adotado, razão pela qual
a sua não observância não deve determinar a nulidade do contrato mas sim a sujeição ao
regime laboral comum273. Esta solução evita que o empregador utilize a não observância
da forma especial para elidir a aplicação do regime protetor da legislação laboral.
No entanto, em nosso entender justifica-se o recurso à nulidade do contrato de
trabalho dos marítimos, no caso da inobservância de forma escrita. Vejamos:
270 De acordo com a Norma A2.1, n.º 1, alínea a) da CTM 2006, a bordo dos navios que arvoram a sua bandeira, os marítimos devem ser detentores de um contrato de trabalho marítimo assinado pelo marítimo e pelo armador ou pelo seu representante e, alínea c), o armador e o marítimo devem ficar cada um com um original assinado do contrato de trabalho marítimo; 271 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, 2003, p. 218 e BRUNETTI, Antonio, Derecho marítimo privado italiano, tomo II, casa editoral, Barcelona, versión española anotada por R. Gray de Montellá, Barcelona 1950, p. 376. 272 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, Coimbra, 2003, p. 219 273 Como acontece com o contrato de trabalho a termo (artigo 147.º n.º 1, alínea c), do CT.
186
A aplicação de uma forma especial reside nos mesmos argumentos que justificam
a atribuição de um regime especial. Pelas inúmeras diferenças existentes na prestação da
atividade no mar e em terra – isolamento, risco, fadiga –, justifica-se que determinadas
matérias como a certificação profissional, o alojamento, a alimentação, os cuidados
médicos, a indemnização pelo naufrágio do navio, o repatriamento, estejam sujeitas a
um tratamento específico.
De facto, para além das exigências de direito público, importa compreender que
quem se vincula a este tipo de contrato vai realizá-lo por um largo período de tempo,
afastado da sua família, do seu país, vivendo num espaço de certa forma solitário,
porque afastado da sociedade em geral e sujeita-se aos mais extremos contratempos, a
duras privações e a tremendos perigos. Para lá disso, durante o seu contrato o marítimo
está não apenas sujeito às ordens do seu empregador como também à autoridade
marítima do seu Estado.
Aplicar a estes trabalhadores o regime geral aplicável ao contrato de trabalho
poderia significar restringir direitos e especificidades quanto às condições de vida e de
trabalho a bordo que não estão previstos no Código do Trabalho.
Consequentemente será de concluir que o contrato de trabalho dos marítimos tem
particularidades muito suas, que não permitem a sua sujeição ao regime geral. Por isso,
deve optar-se pela sua nulidade, à qual se aplicará o regime previsto no artigo 121.º do
CT.
No entanto e de forma a impedir que o empregador recorra à nulidade do contrato
como fuga ao regime laboral que tutela o trabalhador, defendemos que, tal como
acontece no trabalho em embarcações de pesca, a não observância da forma escrita
deverá ter como consequência a nulidade atípica do contrato de trabalho, sendo que
apenas o trabalhador poderá invocá-la.
2. FORMALIDADES ESPECIAIS
Nos termos do artigo 7.º, n.º 6, da LAMBN, a celebração do contrato de trabalho
implica ainda a adoção de formalidades especiais. Com efeito, o armador deve entregar
187
ao marítimo um documento comprovativo com o registo do seu trabalho a bordo,
constituído pela cédula ou documento análogo274.
Este registo deve estar integrado num livro oficial que contenha o registo de todas
as matrículas, permitindo a publicidade e o conhecimento de terceiros.
Nos termos da CTM 2006, este documento não deve conter nenhuma apreciação
sobre a qualidade do trabalho do marítimo, nem qualquer indicação do seu salário
(Norma A2.1, n.º 3) e a cédula marítima deverá satisfazer essas exigências (Princípio
orientador B2.1, n.º 1).
Com esta imposição pretende-se facilitar o acesso do marítimo a outro emprego
ou satisfazer as condições de trabalho no mar exigidas para efeitos de progressão e de
promoção.
Por sua vez, os contratos de trabalho celebrados com tripulantes estrangeiros estão
ainda sujeitos a depósito, a comunicação à ACT antes do início da sua execução e às
demais formalidades constantes no artigo 5.º do CT (artigo 61.º, n.º 4, do RIM).
3. FORMA QUALIFICADA
Para além das exigências de forma e das formalidades especiais, o contrato de
trabalho dos marítimos deve conter as seguintes menções obrigatórias, previstas no n.º 1
do artigo 7.º da LAMBN:
a. O nome ou a denominação e o domicílio ou a sede, respetivamente, do
marítimo e do armador;
b. A naturalidade e a data de nascimento do marítimo;
c. O local e a data da celebração do contrato, bem como a data de início da
produção dos seus efeitos;
d. A categoria do marítimo ou a descrição sumária das funções
correspondentes;
e. O valor e a periodicidade da retribuição;
f. A duração das férias ou, se não for possível conhecer essa duração, o
critério para a sua determinação;
g. As condições em que o contrato pode cessar, explicitando, nomeadamente:
274 Todos os marítimos devem receber um documento com o registo do seu trabalho a bordo do navio (Norma A2.1, n.º 1, alínea e), da CTM 2006).
188
i. O prazo de aviso prévio por parte do marítimo, quando celebrado
por tempo indeterminado;
ii. Os prazos de aviso prévio por parte do marítimo ou do armador,
quando celebrado a termo certo;
iii. O porto de destino e, se for o caso, o período de tempo que decorra
entre a chegada e a data da cessação do contrato, quando celebrado
para uma viagem;
h. As prestações em matéria de proteção da saúde e de segurança social
asseguradas pelo armador ao marítimo, se for o caso;
i. O direito do marítimo a repatriamento;
j. A referência ao instrumento de regulamentação coletiva de trabalho
aplicável, quando for o caso275.
A preterição das exigências de forma, formalidades e menções obrigatórias
constitui contraordenação grave nos termos do artigo 7.º, n.º 8, da LAMBN.
4. LÍNGUA
Considerando que a navegação marítima é um dos principais meios de transporte
a nível internacional, em que há contacto entre várias jurisdições, e de forma a facilitar
o cumprimento das responsabilidades imputadas ao Estado do porto, no caso de o
contrato de trabalho marítimo e as convenções aplicáveis não estarem redigidas em
Inglês, devem ser disponibilizados nessa língua (i) um exemplar do contrato de trabalho
e (ii) as partes da convenção coletiva sujeitas a inspeção por parte do Estado do porto
275 De acordo com a Norma A2.1., n.º 4, da CTM 2006, “Todos os Membros devem adoptar uma legislação indicando os elementos a incluir em todos os contratos de trabalho marítimo regidos pelo direito nacional. O contrato de trabalho marítimo deve incluir sempre os seguintes dados: a) o nome completo do marítimo, a data de nascimento ou a idade, bem como o local de nascimento; b) o nome e a morada do armador; c) o local e a data da celebração do contrato de trabalho marítimo; d) a função que o marítimo irá desempenhar; e) o montante do salário do marítimo ou fórmula eventualmente utilizada para o calcular; f) as férias anuais pagas ou fórmula eventualmente utilizada para as calcular; g) o termo do contrato e respectivas condições, nomeadamente: i) nos contratos celebrados por tempo indeterminado, as condições em que cada uma das partes poderá denunciá-lo, bem como o prazo de aviso prévio, que não deverá ser mais curto para o armador do que para o marítimo; ii) nos contratos a termo certo, a data da sua cessação; iii) nos contratos celebrados para uma só viagem, o porto de destino e o prazo após o qual o contrato do marítimo cessa depois da chegada ao destino; h) as prestações em matéria de protecção da saúde e de segurança social que devem ser garantidas ao marítimo pelo armador; i) o direito do marítimo ao repatriamento; j) a referência à convenção colectiva, se existir; e k) todos os outros elementos que a legislação nacional preveja.”
189
(Regra A2.1. número 2, da CTM 2006.)276A nível interno, esta regra resulta do artigo
27.º, n.º 2, da LAMBN.
CAPÍTULO V
DEVERES ESPECIAIS NA FORMAÇÃO
DO CONTRATO DE TRABALHO MARÍTIMO
1. DIREITO À INFORMAÇÃO
Na formação do contrato de trabalho, as partes devem nortear a sua conduta pelas
regras de boa-fé, sob pena de responsabilidade in contrahendo.
Em respeito pelos deveres de boa-fé presentes na fase pré-contratual (artigo 102.º
do CT e 227.º do CC) e de forma a salvaguardar a pessoa do marítimo, deve ser-lhe
concedido tempo suficiente para analisar o contrato de trabalho e aconselhar-se sobre o
seu conteúdo de modo a ficar devidamente informado sobre o seu conteúdo antes de o
assinar (art 7.º, n.º 3, da LAMBN)277.
A violação deste direito reconhecido ao marítimo também constitui
contraordenação grave, nos termos do artigo 7.º, n.º 8, da LAMBN.
A este propósito acrescentamos que o trabalhador tem direito a ser informado
sobre os elementos que resultam do artigo 106.º, n.º 3, do CT, de forma a conhecer os
aspetos relevantes do seu contrato de trabalho.
Com as exigências analisadas anteriormente, o legislador nacional visou adotar
medidas para que os marítimos, incluindo o comandante do navio, possam obter a
bordo, sem dificuldade, informações precisas sobre as suas condições de trabalho, e
para que os funcionários da autoridade competente, incluindo nos portos onde o navio
faça escala, possam também aceder a estas informações, incluindo a uma cópia do
contrato de trabalho marítimo, de forma a respeitar a alínea d) do n.º 1 da Norma A2.1.
da CTM 2006.
276 Maritime & Coastguard Agency, Marine Guidance note - Maritime Labour Convention, 2006: Seafarers' Employment Agreements, p. 5. 277 Os marítimos que assinem um contrato de trabalho marítimo devem poder examinar o documento em questão e pedir conselho antes de o assinar, e dispor de qualquer outra facilidade que assegure que se vinculam livremente, estando devidamente informados dos seus direitos e responsabilidades (Norma A2.1., n.º 1, alínea b), da CTM 2006).
190
De acordo com a CTM 2006, quando o contrato de trabalho marítimo é
constituído total ou parcialmente por uma convenção coletiva, um exemplar dessa
convenção deve ficar disponível a bordo.
A nível interno, esta regra resulta do artigo 27.º, n.º 1, da LAMBN, que trata da
matéria relativa aos documentos que devem estar disponíveis a bordo do navio que
arvore a bandeira portuguesa. Além disso, o legislador estabelece no artigo 28.º da
mesma lei as regras de afixação de documentos278.
De acordo com o artigo 333.º do Código da Navegação italiano, em cada navio
nacional deve ser mantido, em lugar acessível à tripulação, um quadro no qual são
afixadas as normas e regulamentos relativos ao trabalho, convenções coletivas,
regulamentos de serviços e quaisquer outras disposições que venham a ser exigidas
pelas autoridades.
O objetivo destas normas consiste em manter os trabalhadores informados sobre
as suas condições de vida e de trabalho e permitir que os Estados possam ter
conhecimento e aceder a esses documentos, em cumprimento da sua responsabilidade e
inspeção.
No trabalho marítimo a componente organizacional é bastante evidente, desde
logo pelo carácter fortemente regulamentado das atividades em causa e das exigências
impostas aos armadores. A isso associa-se a continuidade do vínculo laboral em
condições bastante especiais, em que o marítimo estará quase permanentemente a
bordo. Por essa razão, justifica-se que o marítimo tenha interesse em conhecer o
empregador e a organização interna da empresa onde vai prestar trabalho.
CAPÍTULO VI
RECRUTAMENTO E COLOCAÇÃO DE MARÍTIMOS
Na indústria marítima, os processos de recrutamento e de seleção de marítimos
são levados bastante a sério. A título exemplificativo, contratar uma pessoa significa, na
maioria dos casos, pagar a viagem do candidato. Se o candidato não tiver sido 278 O artigo 65.º do RIM também estabelece uma regra relativa aos documentos disponíveis a bordo relativos aos tripulantes embarcados, para efeitos de controlo pelas autoridades competentes. No entanto, não se afigura que os contratos dos tripulantes embarcados se incluíssem entre aqueles documentos, os quais se reportam àqueles que são designados pelo próprio DL, designadamente a cédula de inscrição marítima, os certificados de qualificação ou de aptidão profissional e os certificados de aptidão física. Por essa razão, a norma prevista no artigo 27.º vem facilitar a inspeção das condições de trabalho e de vida a bordo dos navios pelos Estados de bandeira e do porto.
191
corretamente selecionado e abandonar o seu cargo, isso pode significar pagar uma nova
viagem ao seu substituto.
Além disso, o exercício de determinadas atividades marítimas, nomeadamente as
dos inscritos marítimos, está fortemente regulamentado, pelo que o processo de seleção
dos candidatos exige uma análise profunda da qualificação, experiência profissional,
análise do estado de saúde e de aptidão física dos marítimos.
O recrutamento dos marítimos consiste na divulgação da vaga e na triagem de
possíveis candidatos, com base nos pré-requisitos da função (qualificações, experiência
profissional, certificados). A vaga é divulgada em geral a um público restrito, utilizando
os meios de comunicação normais (internet, jornais, agências de emprego, instituições
de ensino). Após a divulgação e seleção de informação dos interessados são reunidos os
currículos dos candidatos que preencham os pré-requisitos do cargo. Aos profissionais
assim selecionados, normalmente é realizado um contacto prévio por telefone, no qual
pode ser solicitada informação adicional, ou agendada uma entrevista presencial ou
remota.
A nível nacional, o RIM define recrutamento como o processo através do qual
uma companhia seleciona e contrata um marítimo com vista à prestação de serviços a
bordo de uma embarcação (artigo 59.º, n.º 1, al. a)). Mais refere que o recrutamento dos
marítimos pode ser efetuado diretamente pelos armadores ou através de agências de
colocação de marítimos e, em certas circunstâncias, pelos comandantes ou mestres das
embarcações. Ademais, só podem ser recrutados os marítimos habilitados com as
qualificações profissionais e detentores dos respetivos certificados exigidos para o
exercício das funções que lhes sejam atribuídas (artigo 60.º).
Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Anexo V ao RIM – Regulamento relativo ao
recrutamento e ao embarque e desembarque dos marítimos –, o recrutamento dos
tripulantes para o exercício de funções a bordo de embarcações nacionais deve recair
sobre:
a) Marítimos de nacionalidade portuguesa;
b) Marítimos nacionais de países da União Europeia ou de países terceiros,
sujeitos, nos termos legalmente estabelecidos, a processo prévio de reconhecimento dos
seus certificados profissionais279.
279 A DGRM tem competência para, em casos excecionais e de reconhecida necessidade, autorizar o recrutamento de marítimos não nacionais, com dispensa da condição prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º. Sempre que as embarcações não possam navegar em segurança, por se encontrar reduzida a
192
Face às despesas inerentes a tais exigências, é cada vez mais comum os armadores
recorrerem a terceiras entidades que prestem esses serviços, em Portugal designadas de
agências privadas de colocação.
Quanto ao recrutamento e à colocação no mercado de trabalhadores marítimos, a
CTM 2006 não obriga que os Estados-Membros disponham de serviços públicos ou
privados de recrutamento de marítimos. No entanto, os Estados-Membros que
disponham desses serviços têm o dever de assegurar que estes sejam geridos de forma a
proteger e promover os direitos dos marítimos em matéria de emprego (Norma A1.4).
Em causa estão os casos em que qualquer pessoa, sociedade, instituição, agência
ou outra organização do setor público ou privado se ocupa do recrutamento de
marítimos em nome de armadores ou da sua colocação ao serviço de armadores.
Significa então que a OIT se preocupou em regular a questão do recrutamento
levado a cabo por terceiras entidades contratadas para o efeito. Quando os serviços
privados de recrutamento e colocação de marítimos, cujo objetivo principal é o
recrutamento e a colocação de marítimos, ou que recrutem e coloquem um número
significativo de marítimos, operam no território de um Estado, só podem exercer a sua
atividade ao abrigo de um sistema normalizado de licenciamento ou de certificação ou
de qualquer outra forma de regulamentação.
Acolhendo essas normas, o legislador nacional aprovou um regime específico
relativo ao licenciamento de agências de recrutamento, seleção e colocação de
marítimos280.
tripulação, por motivos de doença ou de força maior, o comandante ou o mestre pode recrutar marítimos nacionais de países da União Europeia ou de países terceiros em número indispensável para completar a lotação de segurança das embarcações em portos estrangeiros (n.º 3). Nestes casos, os marítimos embarcados devem ser substituídos, logo que possível, por marítimos que preencham as condições estabelecidas no n.º 1 do artigo 3.º (n.º 5). 280 A propósito do regime jurídico aplicável às agências de colocação vd p. 90.
193
TÍTULO IV
AS ESPECIFICIDADES DO REGIME APLICÁVEL
AO TRABALHO MARÍTIMO
Nos termos do artigo 7.º, n.º 2, da LAMBN, o contrato de trabalho deve garantir
ao marítimo condições dignas de vida e de trabalho a bordo, de acordo com as normas
obrigatórias da CTM 2006. Iremos proceder agora à análise dessas condições.
CAPÍTULO I
A RETRIBUIÇÃO
O contrato de trabalho a bordo de navio é um contrato oneroso. A retribuição
constitui, como se disse anteriormente, um elemento essencial do contrato de trabalho.
De acordo com o artigo 258.º do CT, a retribuição é a prestação a que o
trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a
retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou
indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
Sendo o contrato de trabalho a bordo de navio um contrato sinalagmático, o
principal dever do empregador é o pagamento da retribuição ao marítimo (artigo 127.º,
n.º 1, b), do CT).
Como vimos, a retribuição é uma das menções obrigatórias do contrato de
trabalho a bordo do navio, o que demonstra a importância deste elemento para a relação
laboral.
Também o regime da retribuição do marítimo comporta especificidades,
desviando-se do regime laboral geral. Vejamos então:
Em matéria de salário, o objetivo da CTM 2006 é o de garantir que os marítimos
recebem regular e integralmente uma retribuição pelo seu trabalho (Regra 2.2.).
194
Deste modo, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, da LAMBN, as prestações devidas
ao marítimo, em contrapartida do seu trabalho281 , vencem-se por períodos certos e
iguais, não superiores a um mês, salvo os subsídios de férias e de Natal282.
A característica da periodicidade (“por períodos não superiores a um mês”) é
resultado da natureza continuada do contrato de trabalho; dado que a atividade do
trabalhador se prolonga no tempo, também a sua contrapartida tem de se renovar
periodicamente283.
Por sua vez, a regularidade resulta da própria celebração do contrato de trabalho e
da consequente prestação da atividade pelo marítimo, não dependendo de fatores
excecionais.
A questão do tempo do cumprimento prevista, no regime anterior, no artigo 74.º
do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março – segundo o qual a retribuição era paga aos
tripulantes de embarcações de logo curso, no fim de cada viagem e, tanto quanto
possível, domingos e feriados exceptuados, dentro de quarenta e oito horas após
chegada ao porto, ou mensalmente, se assim fosse acordado –, era precisamente a única
que não estava em conformidade com as exigências constantes da CTM 2006.
Quanto aos subsídos de férias e de Natal, estes não têm periodicidade mensal,
aplicando-se-lhes o disposto no arts. 263.º e 264.º, n.º 2, do CT, respetivamente.
Nestes termos, o n.º 1 do artigo 19.º da LAMBN, não abrange apenas a retribuição
base, a qual corresponde apenas à contrapartida pela atividade do trabalhador no
período normal do trabalho, mas sim a retribuição consolidada, incluindo também
outros complementos salariais, como é o caso dos subsídios de férias e de Natal, tal
como resulta do Princípio orientador B2.2 da CTM 2006.
Quanto ao lugar do cumprimento do pagamento, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º
da LAMBN e a retribuição deve, salvo estipulação em contrário ou em caso de depósito
281 Antes da entrada em vigor da LAMBN, considerava-se retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador marítimo tinha direito como contrapartida do seu trabalho (artigo 69.º, n.º 1, do DL n.º 74/73, de 1 de março). 282 Decorre da Norma A2.2, n.º 1, da CTM 2006, que todos os Membros devem exigir que as quantias devidas aos marítimos que trabalham a bordo dos navios que arvoram a sua bandeira sejam pagas a intervalos que não excedam um mês, e em conformidade com as disposições das convenções colectivas aplicáveis. 283 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, 2003, p. 295.
195
bancário, ser paga no porto de armamento ou de desembarque do marítimo284 . No
entanto, norma supletiva prevista no CT, que prevê que o pagamento seja feito no local
de trabalho ou em local acordado pelas partes (artigo 277.º, n.º 1, in fine, do CT) já
previa a possibilidade de ser acordado um lugar para o pagamento que não fosse o lugar
onde o trabalhador presta a sua atividade.
Atendendo o fator do isolamento e do afastamento prolongado do trabalhador
marítimo da sua família, de acordo com a Norma A2.2 da CTM 2006, todos os
Membros devem exigir que o armador tome medidas para que os marítimos tenham a
possibilidade de fazer chegar uma parte, ou a totalidade, das suas remunerações às
respetivas famílias, pessoas a cargo ou beneficiários legais (n.º 3). As medidas a tomar
para garantir que os marítimos possam fazer chegar as suas remunerações às respetivas
famílias são nomeadamente as seguintes: a) um sistema que permita aos marítimos
solicitar, no início das suas funções ou no seu decurso, que uma parte dos seus salários
seja regularmente paga às respetivas famílias, por transferência bancária ou meios
análogos; e b) a obrigação de estes pagamentos serem efetuados atempada e diretamente
à pessoa ou às pessoas designadas pelos marítimos (n.º4).
Para cumprimento destas normas, em Portugal, o armador deve, a pedido do
marítimo, efetuar o pagamento da totalidade ou de parte da retribuição a pessoa que este
designar, devendo o custo do serviço a que se refere o número anterior, caso seja
cobrado ao marítimo, ser de montante razoável (n.ºs 4 e 5 do artigo 19.º da LAMBN).
A inobservância destas regras (previstas nos n.ºs 3, 4 e 5) constitui
contraordenação leve (n.º 7).
Caso o pagamento seja efetuado em moeda diferente da acordada, o documento a
entregar ao marítimo até ao pagamento da retribuição deve indicar, além dos elementos
referidos pelo Código do Trabalho, a taxa de conversão utilizada (n.º 3 do artigo 19.º da
LAMBN).
Por fim, a conversão deve basear-se na taxa corrente do mercado ou na taxa
oficial conforme for mais favorável para o marítimo. A violação desta disposição
representa uma contraordenação grave (n.ºs 6 e 7).
284 Mantém-se a regra que já permitia, no regime anterior, que a retribuição fosse paga no porto de armamento ou onde o tripulante desembarcasse (artigo 73.º do DL 74/73, de 1 de março).
196
Resulta ainda do n.º 2 da Norma A2.2 da CTM 2006 que os marítimos devem
receber um resumo mensal dos montantes que lhes são devidos e dos que lhes foram
pagos, do qual deverão constar os salários, os pagamentos suplementares e a taxa de
câmbio aplicada se os pagamentos tiverem sido efetuados em moeda ou taxa diferentes
das inicialmente acordadas.
A propósito desta matéria torna-se importante referir que a CTM 2006 contém
mais princípios orientadores a este propósito do que propriamente normas que vinculem
os Estados. Tais princípios versam sobre os seguintes aspetos:
i. Cálculo e pagamento, nomeadamente no que respeita o trabalho
suplementar (Princípio B2.2.2);
ii. Definição de procedimentos de fixação de salários mínimos para os
marítimos (Princípio B2.2.3.); e
iii. Montante mensal mínimo do salário ou da retribuição base dos marítimos
qualificados (Princípio B2.2.4).
Esta opção a propósito das retribuições dos marítimos tem sido constante. Já com
a Convenção n.º 109 da OIT, de 1958, se defendia que as convenções deviam limitar-se
a definir princípios orientadores de forma a encorajar a ratificação e cumprimento por
parte dos Estados. Mesmo assim, esta Convenção não chegou a entrar em vigor por não
ter recebido o número suficiente de ratificações, tendo sido revista posteriormente pela
Convenção n.º 180 da OIT, de 1996, que se debruçou sobre a duração do trabalho dos
marítimos e as lotações a bordo de navios.
Tem sido unanimemente entendido que as normas sobre a retribuição devem ser
suficientemente flexíveis para encorajar todos os Estados, quaisquer que sejam os seus
custos de vida, a aceitarem o seu conteúdo285.
Apesar de os salários variarem de país para país e de empresa para empresa, o
papel das associações de marítimos, nomeadamente da ITF, tem sido fundamental na
negociação de termos e condições salariais para os seus membros, o que tem criado uma
linha de base internacional a nível dos salários praticados286.
285International Labour Conference 84th (Maritime Session, 1996) - Revision of the Wages, Hours of Work and Manning (Sea), Convetion (Revised), 1958, (No. 109), and Recommendation, 1958, (No. 109), p. 39. 286 Tabela de salários dos marítimos nos países europeus (Faststream Recruitment Group (2012) Maritime Salary Review), Eurostat (2010) for manager, technician and worker ECORYS (2012) for officers and AB only), disponível em http://www.go-maritime.net/european-maritime-industry/rewards-and-salaries/
197
Finalmente, no que diz respeito ao salário mínimo recomendado, na sequência de
negociações conjuntas, o Subcomité responsável pela análise dos salários dos marítimos
(Subcommittee on Wages of Seafarers) da Comissão Paritária Marítima da OIT, que
reuniu em fevereiro de 2014, chegou a um acordo de que o salário mínimo
recomendado deveria ser aumentado para: de US $ 585 a US $ 592 a partir de 1 de
janeiro de 2015; e a partir de US $ 614 a 1 de janeiro de 2016.
A este propósito e no que se refere às recomendações contidas na Parte B do
Código da CTM 2006, existe já uma conformidade entre essas recomendações e a
legislação e prática nacionais, quer a nível do cálculo da remuneração, quer a nível
dos salários mínimos, quer no que respeita ao salário mínimo do marinheiro
qualificado287.
O Consolato del Mare, italiano, estabelecia que o salário deveria ser calculado
sobre os fretes; portanto, variavam consoante a oscilação dos mesmos, com proveito e
perda para os marítimos288.
Deste modo, este sistema gerava situações em que o salário do marítimo podia
perder-se por completo, por exemplo, no caso de naufrágio com perda total do navio,
precisamente porque o frete havia sido cobrado pelo proprietário da mercadoria. Hoje
em dia, os códigos já não têm essa disposição.
Em Espanha não existe qualquer disposição específica acerca da retribuição nos
contratos de trabalho no mar, pelo que se deve recorrer aos artigos 26.º a 33.º do ET. No
entanto, tem sido entendido que existem outros tipos de retribuição para além do
previsto no ET, que combinam, pelo menos, com duas modalidades, para o trabalho no
mar: “el salario calculado por unidad de tiempo y el denominado «salario a la parte»”,
como forma típica de retribuição (partilha de receitas) com outras remunerações como
os suplementos salariais, gratificações, subsídio de férias289.
Em França, o artigo L5544-42 do Código dos Transportes estabelece que o
marítimo tem direito a um aumento proporcional da sua remuneração, em caso de
extensão de viagens resultante de uma mudança do destino inicialmente definido. Além
287 Cf. PACCETTI, Teresa - Convenção do Trabalho Marítimo, 2006, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, Gabinete para os Assuntos da Organização Internacional do Trabalho, p. 13. 288 BRUNETTI, Antonio, Derecho marítimo privado italiano, tomo II, casa editoral, Barcelona, versión española anotada por R. Gray de Montellá, Barcelona 1950. P. 428 289 NAVARRO, Antonio e CARRO, Miguel, El Contrato de trabajo, 2011, p. 1266.
198
disso, deve ter direito a compensação em caso de atraso devido à alteração do destino. O
marítimo também não sofre redução do seu salário, se a viagem for abreviada, qualquer
que seja a causa.
O legislador francês debruçou-se ainda sobre várias vicissitudes que podem afetar
o cálculo do salário dos marítimos, prevendo casos de cessação da relação laboral
porque a viagem marítima não pode ser iniciada ou completada, casos em que o
marítimo morre durante a viagem, ou em que desaparece no oceano (artigos L 5544-44
e seguintes do Código dos Transportes francês).
Resulta do Código da Navegação italiano que o trabalhador pode auferir uma
soma fixa pela duração da viagem; uma remuneração base por mês ou outro período;
uma participação no fretamento ou outros rendimentos ou produtos da viagem, com o
estabelecimento de um mínimo garantido; montante fixo e periódico na forma de
participação no fretamento ou outros rendimentos ou produtos.
De acordo com o artigo 338.º do Código da Navegação italiano, se o salário for
determinado por viagem, a retribuição é proporcionalmente aumentada se a viagem for
prolongada para além da duração máxima esperada no momento da celebração do
contrato; mas se o tempo adicional é devido a razões não imputáveis ao armador, o
aumento proporcional é reduzido a um terço. Por fim, a retribuição não está sujeita a
redução se o navio realizar uma viagem mais curta do que a prevista no contrato.
Em Portugal, o artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 45 968, de 15 de outubro de 1964,
previa que, quando a viagem se alongasse, o salário deveria ser ajustado ao
prolongamento da viagem.
No entanto, atualmente, o legislador português não regula nenhuma das situações
específicas que aqui apreciámos.
Não obstante a retribuição ser a principal contrapartida pela prestação da
atividade, o não pagamento das retribuições dos marítimos continua a ser um dos
principais problemas no universo marítimo; daí que a sua regulação seja crucial.
Consideramos que Portugal deveria seguir os exemplos de Itália e França e criar regras
mais específicas que regulem a matéria da retribuição dos marítimos.
Dada a falta de regras especiais, tem sido a contratação coletiva que tem
contribuído para ajustar o direito às situações concretas da atividade laboral marítima
em matéria de retribuição.
199
A título de exemplo, resulta do Acordo Coletivo entre a Empresa de Navegação
Madeirense, Lda. e outras e a FESMAR - Federação de Sindicatos dos Trabalhadores do
Mar290, que a retribuição compreende a retribuição base mensal, o subsídio de IHT
(Isenção de Horário de Trabalho), as diuturnidades e o subsídio de gases 291 . Não
integram o conceito de retribuição: a) o suplemento de embarque; b) a retribuição
especial por trabalho suplementar; c) as importâncias recebidas a título de ajudas de
custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras
equivalentes; d) as importâncias recebidas a título de remissão de folgas; e) as
subvenções recebidas por motivo de ausência do porto de armamento; f) as subvenções
recebidas por motivo da especial natureza da embarcação, das viagens e da carga
transportada ou dos serviços prestados a bordo; g) as gratificações extraordinárias
concedidas pelo armador como recompensa ou prémio pelos bons serviços prestados a
bordo; h) os salários de salvação e assistência; i) a participação nos lucros da empresa
armadora.
Além disso, o armador obriga-se a pagar pontualmente ao inscrito marítimo, até
ao último dia útil de cada mês: a) a retribuição mensal e o suplemento de embarque,
quando praticado, referentes ao mês em curso; b) a parte restante da retribuição
referente ao mês anterior.
No caso de ocorrer a cessação do contrato de trabalho, o armador obriga-se a
pagar ao inscrito marítimo a totalidade do que lhe é devido no mês em que se verificar
tal cessação. O pagamento será efetuado por transferência para a instituição bancária
indicada pelo inscrito marítimo, ou por outro meio legal, desde que expressamente por
ele solicitado. No ato de pagamento será entregue ao inscrito marítimo documento
comprovativo, o qual incluirá todos os elementos exigidos por Lei.
290 Alteração salarial e publicação integral do ACT para a Marinha de Comércio publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 19, de 22 de maio de 2010, e posteriores alterações, a última das quais publicada no BTE n.º 15, de 22/04/2012. 291 O subsídio de gases é bastante comum em vários acordos coletivos, nos termos dos quais, todos os inscritos marítimos dos navios-tanques petroleiros, de gás liquefeito e de produtos químicos receberão, enquanto embarcados, um subsídio diário.
200
CAPÍTULO II
O TEMPO DE TRABALHO
Trabalhar num navio significa estar disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Significa trabalhar cerca de 11 horas por dia.292
1. ASPETOS GERAIS
A delimitação do tempo de trabalho é extremamente importante, tendo em conta
que ao tempo estão associados, quer o período de subordinação do trabalhador ao
empregador, quer a tutela da saúde do trabalhador, como refere MARIA DO ROSÁRIO
PALMA RAMALHO293.
Esses fatores intensificam-se ainda mais no trabalho marítimo, pela circunstância
de o marítimo se encontrar constantemente no mesmo local, isto é, o local de trabalho e
de descanso coincidem, sendo por isso necessário estabelecer um regime especial que
trate esta matéria.
Como refere IGNACIO ARROYO, no universo marítimo, a organização do
tempo de trabalho e de descanso revestem imensa importância, devido às circunstâncias
climáticas, espaciais e de exploração económicas e à distância do domicílio familiar, à
proximidade entre o local de trabalho e o de descanso294.
Dispõe o artigo 197.º, n.º 1, do CT, que “o tempo de trabalho é qualquer período
durante o qual o trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da
prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte”.
Está aqui em causa o período de tempo em que o trabalhador deve prestar o seu
trabalho.
Além disso, o conceito de tempo de trabalho também compreende períodos de
inatividade, como as interrupções e intervalos de trabalho (197.º, n.º 1 e n.º 2, in fine, do
CT).
A lei determina, assim, que o tempo de trabalho integra dois módulos diferentes: o
tempo de trabalho efetivo e os períodos de inatividade equiparados a tempo de trabalho.
292 SARDINHA, Álvaro, Trabalhar num navio – há lugar para mim?, 02 de agosto de 2016, disponível em www.apormar.com 293 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2014, p. 526. 294 ARROYO, Ignacio - Curso de derecho marítimo, 1ª ed., Bosch, Barcelona, 2001, p. 850.
201
A propósito do tempo de trabalho marítimo, o Princípio orientador B2.2.1., n.º 1,
alínea d), da CTM 2006, define a duração do trabalho como o tempo durante o qual os
marítimos devem estar a trabalhar para o navio295. Por sua vez, a expressão “horas de
trabalho” corresponde ao tempo durante o qual o marítimo está obrigado a efetuar um
trabalho para o navio (Norma A2.3, n.º 1, alínea a), da CTM 2006).
Assim, o tempo de trabalho marítimo traduz-se precisamente no período durante o
qual o trabalhador está adstrito à execução da sua atividade laboral ou se encontra
disponível para essa execução.
De seguida iremos analisar os parâmetros a ter em conta quanto à vertente
temporal da prestação de trabalho marítimo.
Em Portugal, a matéria do tempo de trabalho dos marítimos é atualmente regulada
pela LAMBN296.
A. Período normal de trabalho
O período normal de trabalho está definido no artigo 198.º do CT, o qual
identifica o número efetivo de horas de trabalho a que o trabalhador está adstrito por
dias (período normal diário) e por semana (período normal semanal).
Como refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, este conceito
reporta-se à duração do trabalho ou da disponibilidade do trabalhador para a sua
realização297.
BERNARDO LOBO XAVIER considera que “o período normal de trabalho
desempenha normalmente uma função essencial na construção do sinalagma
contratual, correspondendo (…) à medida quantitativa da prestação do trabalhador, ou
seja, da quantidade de trabalho que ele se obriga a prestar, em função da qual se
estabelece uma dada retribuição”298.
Quanto aos limites máximos do período normal de trabalho, determina o artigo
203.º, n.º 1, do CT, que a duração máxima do período normal de trabalho semanal está
295 Já a Convenção n.º 109 da OIT define no artigo 12.º, alínea d), duração do trabalho a bordo como «tempo durante o qual um membro da tripulação é obrigado, em virtude da ordem de um superior, a efetuar trabalho para o navio ou para o armador». 296 A qual revogou o DL n.º 145/2003, de 2 de julho, que transpôs a Diretiva n.º 1999/63/CE, do Conselho, de 21 de junho, respeitante ao Acordo Europeu Relativo à Organização de Tempo de Trabalho dos Marítimos, celebrado entre a ECSA e a FST. Aquele DL já respeitava praticamente todas as normas e princípios estabelecidos na CTM 2006. 297 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 539 e ss. 298 XAVIER, Bernardo Lobo, Manual de Direito do Trabalho, 2011, p. 502.
202
fixada em 40 horas e o período normal de trabalho diário é de 8 horas. O legislador
admite, no entanto, uma duração maior do trabalho diário (até 12 horas) relativamente
aos trabalhadores que apenas laborem nos dias de descanso semanal dos demais
trabalhadores (artigo 203.º, n.º 2, do CT).
Adite-se que cabe às partes, dentro dos limites legais de trabalho, a fixação do
período normal, o qual pode resultar do próprio contrato de trabalho, da remissão para
instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, ou dos usos da empresa ou
profissão.
A propósito do tempo do trabalho marítimo, decorre do n.º 3 da Norma A2.3 da
CTM 2006 que os Estados-Membros devem reconhecer que a norma sobre a duração do
trabalho para os marítimos, tal como para os outros trabalhadores, é de oito horas, com
um dia de descanso por semana mais o descanso correspondente aos dias feriados.
A nível nacional, a LAMBN acautela, no n.º 1 do artigo 9.º, que o período normal
de trabalho não possa exceder 8 horas por dia e 48 horas por semana. A violação desta
norma constitui contraordenação grave, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, limitando
dessa forma o período de subordinação jurídica do marítimo ao seu empregador.
B. Descanso
A matéria do descanso no trabalho assume especial relevância e carece de
acrescida tutela no trabalho marítimo, de forma a prevenir a fadiga, a promover a saúde
dos marítimos e a aumentar a sua produtividade.
A este propósito importa distinguir os seguintes conceitos:
i. Intervalos de descanso (artigo 213.º do CT)
Para que o trabalhador não preste mais do cinco ou seis horas de trabalho
seguidas, consoante tenha um horário de oito ou de mais de dez horas,
comprometendo a sua saúde e até a produtividade, o período normal de
trabalho diário deverá ser interrompido por um período não inferior a uma
hora nem superior a duas. Este intervalo é o denominado intervalo para
almoço299.
ii. Descanso diário (artigo 214.º do CT)
299 Em França, o marítimo tem direito a gozar de uma pausa com uma duração mínima de vinte minutos para cada seis horas de trabalho efetivo (artigo L. L5544-11 do Código dos Transportes).
203
Aquando da fixação do horário de trabalho e para assegurar o descanso e a
recuperação física do trabalhador, o empregador deverá ter em conta o tempo
mínimo que tem de decorrer entre dois períodos normais de trabalho diários
seguidos. O intervalo mínimo que deve existir entre dois períodos de
trabalho consecutivos é de onze horas, salvo exceções300.
iii. Descanso semanal (artigo 232.º do CT)
Como explicam GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, o direito ao
descanso semanal é um dos marcos da emancipação dos trabalhadores desde
o século XIX.301
De forma a concretizar o princípio de compatibilização do tempo de trabalho
com o direito do trabalhador ao repouso, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea
d), da CRP, o legislador estabeleceu o regime aplicável ao descanso semanal
no artigo 232.º do CT, nos termos do qual o trabalhador tem direito a pelo
menos um dia de descanso por semana, o que obriga a estabelecer um
período de descanso de 24 horas em cada sete dias. Em princípio, o dia de
descanso semanal obrigatório é o domingo. No entanto, a lei admite
exceções a esta regra no n.º 2 do artigo 232.º do CT, elencando situações em
que o dia de descanso semanal possa ser outro que não o domingo.
Todos os marítimos têm direito e estes momentos de descanso, a propósito dos
quais o legislador estabeleceu algumas regras especiais.
A CTM 2006 veio determinar que a duração do trabalho deve envolver um dia de
descanso por semana, acrescido dos descansos correspondentes aos feriados.
Conciliadas as regras aplicáveis ao período normal de trabalho e ao descanso
podemos concluir que, regra geral, o trabalho normal para os marítimos é, em princípio,
de oito horas por dia e 48 horas por semana, com um dia de descanso por semana, mais
o descanso nos dias que sejam feriados.
300 Em França o período mínimo de descanso é de 10 horas em vinte e quatro horas, podendo este descanso ser dividido em mais de dois períodos de pelo menos seis horas consecutivas (artigo L5544-15 do Código dos Transportes). 301 CANOTILHO, Gomes/ VITAL, Moreira - Constituição da Republica Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, outubro de 2014, p. 774.
204
Por sua vez, cumpre destacar que a expressão “horas de descanso” designa o
tempo que não está incluído na duração do trabalho e não inclui as interrupções de curta
duração (Norma A2.3, n.º 1, alínea b), da CTM 2006).
Face ao supra exposto e em linha com as normas internacionais, o artigo 11.º da
LAMBN prevê que seja garantido um dia de descanso semanal do marítimo a bordo
(n.º1) e que o comandante autorize, quando possível, o desembarque do marítimo nos
portos de escala do navio, para que o dia de descanso possa ser gozado fora do local de
trabalho ( n.º 2).
A este respeito, o anterior regime definia o dia de descanso no mar como sendo
aquele em que o tripulante está livre de todo o serviço e, encontrando-se a embarcação
em porto, aquele em que permaneça em terra ou a bordo por sua livre vontade302.
Com o objetivo de combater os perigos associados à fadiga excessiva dos
marítimos, especialmente presentes no trabalho marítimo, principalmente quando estão
em causa tarefas com impacte na segurança da navegação e da operação do navio, e
inspirando-se mais uma vez no disposto na CTM 2006, o legislador português,
prosseguindo o objetivo de proteção da saúde do marítimo, estabeleceu o seguinte:
i. A preparação e a realização de exercícios de combate a incêndio, de
evacuação e dos demais previstos pela legislação nacional e por regras e
instrumentos internacionais devem ser, na medida do possível, conduzidas
de forma a não prejudicar os períodos de descanso ou a provocar fadiga nos
marítimos a bordo (n.º 3 do artigo 11.º da LAMBN303).
ii. Nas situações de prevenção, designadamente ao local de máquinas quando
este esteja sem presença humana, caso o período de descanso diário seja
interrompido, o marítimo tem direito a descanso compensatório remunerado
equivalente às horas de descanso em falta (n.º 4 do artigo 11.º da
LAMBN 304 ), admitindo-se nestas situações que, através de convenção
coletiva, se institua um repouso compensatório, bem como um regime mais
302 Cf. artigo 45.º, n.º 2, do DL n.º 74/73, de 1 de março. (Revogado). Essa referência também é feita por ARROYO, Ignacio - Curso de derecho marítimo, 1ª ed., Bosch, Barcelona, 2001, p. 853. 303 Esta norma já constava do regime anterior - cláusula 5.ª, n.º 3 do Acordo Europeu Relativo à Organização do Tempo de Trabalho dos Marítimos (em vigor em Portugal por força do DL n.º 145/2003, de 2 de julho). 304 Corresponde à cláusula 5.ª, n.º 4, do Acordo Europeu Relativo à Organização do Tempo de Trabalho dos Marítimos (em vigor em Portugal por força do DL n.º 145/2003, de 2 de julho).
205
favorável para o marítimo do que o legalmente previsto (n.º 5 do artigo 11.º
da LAMBN).
A violação do disposto nos n.ºs 2, 3 ou 4 do artigo 11.º da LAMBN constitui
contraordenação grave.
C. Jornada Laboral - Limites à duração do trabalho
As regras gerais da duração máxima do trabalho e da duração mínima de descanso
podem comportar exceções. Isto é, de forma a flexibilizar as normas relativas ao tempo
de trabalho ajustando-as às concretas necessidades associadas à atividade a
desempenhar pelos marítimos, as partes podem, no âmbito da sua autonomia privada,
acordar um período de trabalho ou de descanso que não corresponda exatamente ao
previsto pela lei.
No entanto, para garantir que esta flexibilidade não coloca em causa a saúde, a
liberdade e o descanso do marítimo, a CTM 2006, para além de regular o período
normal de trabalho e de descanso, reconheceu que os Estados devem fixar quer (i) o
número máximo de horas de trabalho que não deve ser ultrapassado durante um
determinado período, quer (ii) o número mínimo de horas de descanso que deve ser
concedido durante um determinado período.
Nesse sentido, a OIT estabeleceu os limites aplicáveis ao tempo de trabalho
(“jornada laboral”), sendo que:
a) O número máximo de horas de trabalho não deve ultrapassar:
i. Catorze horas em cada período de 24 horas;
ii. Setenta e duas horas em cada período de sete dias (n.º 5, alínea a), da
Norma A2.3) e
b) O número mínimo de horas de descanso não deve ser inferior a:
i. Dez horas em cada período de 24 horas;
ii. Setenta e sete horas em cada período de sete dias.
Esta norma foi seguida pelo artigo 10.º, n.º 1, da LAMBN, nos termos do qual a
atividade do marítimo está ainda sujeita, em alternativa305:
305 Esta norma já resultava da cláusula 5.ª do Acordo Europeu Relativo à Organização do Tempo de Trabalho dos Marítimos (em vigor em Portugal por força do DL n.º 145/2003, de 2 de julho). O mesmo regime foi aplicado em França, nos termos do artigo L5544-5 do Código dos Transportes.
206
(i) Ao limite máximo da duração do trabalho: a duração do trabalho, incluindo
trabalho suplementar, não pode ser superior a (i) 14 horas em cada período
de 24 horas; (ii) 72 horas em cada período de sete dias (n.º 2 do artigo 10.º),
ou
(ii) Ao limite mínimo do período de descanso: o marítimo tem direito a um
período de descanso não inferior a: (i) 10 horas em cada período de 24 horas;
(ii) 77 horas em cada período de sete dias (n.º 3 do artigo 10).
Os n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 10.º regulamentam a aplicação destes regimes. Com
efeito:
(i) As 10 horas de descanso não podem ser divididas por mais de dois períodos
devendo um período ter, pelo menos, 6 horas de duração (n.º 4);
(ii) O intervalo entre dois períodos de descanso, consecutivos ou interpolados,
não pode ser superior a 14 horas (n.º 5); e
(iii) A opção entre a sujeição da atividade do marítimo a um regime de duração
do trabalho ou a um regime de duração do período de descanso é feita por
convenção coletiva ou contrato de trabalho ou, na sua falta, pelo armador
(n.º 6).
Acresce que o disposto nos n.os 2 a 5 pode ser afastado por convenção coletiva
que preveja, nomeadamente, períodos mais frequentes e mais longos de descanso
compensatório para inscritos marítimos em regime de quartos ou marítimos a bordo de
navios afetos a viagens de curta duração (n.º 7).
Por fim, face à relevância destas normas, pelos direitos que visam tutelar, a
violação do disposto nos n.os 2, 3, 4 ou 5 constitui contraordenação grave (n.º 8).
Em Espanha, o artigo 34.º, n.º 7, do ET prevê que o Governo, sob proposta do
ministro da tutela e consulta prévia às organizações sindicais e empresarias mais
representativa, pode regulamentar sobre a duração de jornada de trabalho e sobre o
descanso, para os setores de trabalho cujas peculiaridades se requeiram.
Nesse sentido, foi publicado o Real Decreto 1561/1995, de 21 de setembro, sobre
jornadas especiais de trabalho. Este diploma foi entretanto alterado pelo Real Decreto
n.º 285/2002, de 22 de março, que regula as jornadas especiais de trabalho, em relação
ao trabalho no mar.
O artigo 16.º desse diploma estabelece que o período normal de trabalho diário
207
não pode ser superior a 12 horas, incluindo horas suplementares, se o navio está no
porto e no mar, exceto nos seguintes pressupostos: em caso de força maior, quando
necessário para a segurança do navio ou carga a bordo ou para assistência a outros
navios ou pessoas em perigo no mar; no caso do fornecimento de alimentos para o
navio, combustível ou lubrificantes, e da descarga urgente por deterioração das
mercadorias transportadas. Nessas situações de força maior, o período normal de
trabalho pode ser prorrogado pelo tempo necessário, não podendo exceder as 14 horas
por cada 24 ou as 72 horas em cada período de 7 dias.
As horas extraordinárias realizadas, conforme previsto no artigo 34.º do ET, são
pagas de acordo com o artigo 35.º, n.º 1, do mesmo.
Quanto ao tempo de descanso, define o artigo 17.º, n.º 1, do Real Decreto, que é
aquele em que o trabalhador está livre de todo o serviço. Este diploma diferencia o
descanso diário em função da atividade. Com efeito, prevê para a Marinha Mercante um
descanso mínimo de 8 horas, podendo ser 12 horas se o navio se encontrar no porto
(salvo em situações de força maior, que passará para 8 horas).
O Real Decreto sobre jornadas especiais consagra ainda, no artigo 9.º, que deve
ser respeitado um descanso diário de 10 horas e um descanso semanal de um dia e meio.
D. Horário: Registo dos tempos de trabalho e de descanso
A determinação do tempo de trabalho não exige apenas a fixação do número de
horas de trabalho a que o trabalhador está adstrito, mas também a distribuição dessas
horas ao longo do dia, através da fixação do início e do termo do trabalho,
concretizando o horário de trabalho.
O conceito de horário de trabalho é desenvolvido pelo artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, do
CT.
De acordo com o disposto no artigo 212.º do CT, a fixação do horário compete ao
empregador, no quadro dos poderes de direção e organização do trabalho.
Decorria do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, revogado, que ao
armador ou ao comandante, como representante daquele, competia “fixar os termos” em
que deve ser prestado o trabalho a bordo, dentro dos limites do contrato e das normas
que o regem.
208
A LAMBN não se pronuncia acerca da competência para a fixação do horário,
aplicando-se a regra geral do CT. A solução será semelhante, no sentido em que o
armador beneficia, em regra, do estatuto do empregador.
Além da questão da elaboração do mapa de horário de trabalho, importa apreciar
as questões relativas à sua afixação.
De forma a garantir as condições mínimas de tempo de trabalho, a CTM 2006
determinou ainda que todos os Estados-Membros devem exigir a afixação, em local de
fácil acesso, de um quadro estabelecido de acordo com um modelo normalizado
redigido na ou nas línguas de trabalho do navio, bem como em Inglês, com a
organização do trabalho a bordo, que deve indicar, no mínimo, para cada função: (i) o
horário de serviço a navegar e em porto e (ii) o número máximo de horas de trabalho ou
o número mínimo de horas de descanso prescrito pela legislação nacional, ou
convenções coletivas aplicáveis306.
A LAMBN não regula esta questão, pelo que se deverá recorrer ao disposto no
artigo 216.º do CT, segundo o qual o empregador deve afixar o mapa em local bem
visível.
No entanto, somos da opinião de que o legislador nacional deveria ter mantido as
regras de afixação que constavam do regime anterior, por serem as que mais se
adequam aos preceitos da CTM 2006.
Quanto às restantes matérias que não estejam previstas no regime especial, como
por exemplo a alteração do horário de trabalho, e na ausência de convenções coletivas
aplicáveis, cumprem-se as regras do CT.
Face às normas previstas na CTM 2006307, o artigo 12.º da LAMBN estabelece o
seguinte acerca do registo dos tempos de trabalho e de descanso:
306 Esta regra já constava da cláusula 5.ª, n.º 7, do Acordo Europeu Relativo à Organização do Tempo de Trabalho dos Marítimos (em vigor em Portugal por força do DL n.º 145/2003, de 2 de julho). 307 Resulta da CTM 2006 que os Estados devem exigir a manutenção dos registos das horas diárias de trabalho ou de descanso dos marítimos, para que seja possível assegurar o cumprimento das normas aplicáveis. Estes registos devem seguir um modelo normalizado definido pela autoridade competente, tendo em conta as diretivas disponíveis da Organização Internacional do Trabalho, ou qualquer modelo normalizado definido pela Organização. Os mesmos devem ser redigidos nas línguas de trabalho do navio e em inglês. Além disso, os marítimos devem receber um exemplar dos registos que lhes dizem respeito, rubricados pelo comandante ou por alguém por ele autorizado, bem como pelo marítimo (n.º 12 da Norma A2.3).
209
(i) O armador deve ter os registos atualizados dos tempos de trabalho, incluindo o
trabalho suplementar, e dos tempos de descanso, mantendo-os durante cinco
anos (n.º 1);
(ii) O registo deve ser redigido na língua portuguesa ou na língua ou línguas de
trabalho do navio, bem como em inglês (n.º 2);308
(iii) Deve ser entregue ao marítimo, mensalmente, uma cópia dos registos que a ele
respeitam, rubricada pelo comandante do navio ou seu representante, bem como
pelo próprio marítimo (n.º 3):
(iv) Para efeitos de fiscalização, o armador deve transmitir, às autoridades
competentes que o solicitem, informações sobre os registos, bem como sobre os
marítimos noturnos ou que prestem trabalho em regime de quartos (n.º 4).
A violação do disposto nos n.ºs 1 ou 2 deste artigo 12.º da LAMBN constitui
contraordenação grave e a violação do disposto nos n.ºs 3 ou 4 constitui
contraordenação leve (n.º 5).
Por fim e a propósito do tema do tempo de trabalho, é de salientar que a
preocupação dos Estados prende-se com o combate de situações que se verificavam com
frequência antes da entrada em vigor da CTM de 2006. De facto, em muitos navios, a
prática de sub-registo de excesso de horas de trabalho era comum e a tripulação não
estava disposta a reclamar, para evitar represálias 309.
2. TRABALHO SUPLEMENTAR
A CTM 2006 reconhece o direito de o comandante de um navio exigir de um
marítimo as horas de trabalho necessárias para garantir a segurança imediata do navio,
das pessoas a bordo ou da carga, ou para socorrer outros navios ou pessoas em
dificuldade no mar. Se necessário, o comandante poderá suspender os horários normais
de trabalho ou de descanso e exigir que um marítimo cumpra as horas de trabalho
necessárias até à normalização da situação. Desde que tal seja possível, após a
normalização da situação, o comandante deve procurar que todos os marítimos que
308 Este registo deve estar de acordo com o modelo a aprovar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas laboral e do mar, que terá em conta as linhas de orientação elaboradas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho. 309 Notas ilustrativas de um estudo realizado em 2006 por SIRC (UK), SSPA (SE) e DNV, acerca desta matéria vd. Officer of the Watch - CTM 2006 Enforcement Through Port State Control Inspections In Ports (Mlc Regulation 5.2.1), May 1, 2013.
210
tenham efetuado um trabalho durante o seu período de descanso, segundo o horário
normal, beneficiem de um período de descanso adequado.
Desta forma, a OIT abre a porta ao trabalho suplementar.
O trabalho suplementar está regulado em secção própria do Código do Trabalho
de 2009 (artigos 226.º a 231.º do CT).
Como explica MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, a qualificação do
trabalho suplementar depende de uma delimitação positiva – todo aquele trabalho que
seja prestado fora do horário de trabalho (artigo 226.º, n.º 1), podendo ser prestado
durante a semana, em dia de descanso semanal ou em feriados – e de uma delimitação
negativa que resulta da exclusão de situações (artigo 226.º, n.º 3) que o legislador
considera não estarem abrangidas por este regime310.
No que concerne ao trabalho dos marítimos, a LAMBN faz referência direta ao
trabalho suplementar a propósito da necessidade de manutenção do registo atualizado
do trabalho suplementar e da fixação da duração máxima do tempo de trabalho, a qual
inclui o trabalho suplementar, mas não estabelece o seu regime (artigo 12.º, n.º 1, e
artigo 10.º, n.º 2).
Assim sendo, essa matéria é normalmente regulada por contratação coletiva ou
pelo regime geral do trabalho suplementar previsto no CT.
Consequentemente, a exigência do trabalho suplementar, por representar uma
diminuição do direito ao repouso e ao descanso e por se afastar do programa
inicialmente acordado, terá de ser fundada em motivos suficientemente fortes
(requisitos de exigibilidade), previstos no artigo 227.º do CT.
A decisão pela necessidade de trabalho suplementar cabe ao empregador, no
âmbito do seu poder organizativo e diretivo, excluindo-se deste regime os casos em que
o trabalhador desempenha, fora do horário de trabalho, as suas atividades de forma
espontânea.
Face ao exposto, se se verificarem preenchidos os requisitos de exigibilidade
previstos pelo legislador, o trabalho suplementar é, salvo determinadas exceções311, uma
prestação obrigatória (artigo 227.º, n.º 3), constituindo infração disciplinar a recusa (não
310 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, pp. 578 e 579. No mesmo sentido, LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito do Trabalho, 2003, p. 268. 311 Cf. Artigos 227.º, n.º 3, in fine, 59.º e 88.º e 75.º do CT.
211
baseada em motivos atendíveis) da sua prestação. Acresce que há determinadas
categorias de trabalhadores que estão dispensadas de prestar trabalho suplementar312.
Por fim, o trabalho suplementar exigido por motivos de gestão pode estar sujeito
aos limites temporais previstos no artigo 228.º do CT, de forma a evitar que as empresas
prescindam de contratar novos trabalhadores recorrendo ao trabalho suplementar.
No regime jurídico-laboral comum, a prestação de trabalho suplementar confere
ao trabalhador direito a descanso compensatório remunerado e direito a retribuição
acrescida (artigos 229.º, 230.º e 268.º, do CT). Em princípio, este regime também será
aplicável aos marítimos.
No entanto, a propósito do contrato de trabalho prestado a bordo de navio, o
legislador esclarece que, em determinadas situações, a prestação de trabalho fora do
horário de trabalho pode ser exigida sem que se produzam os efeitos habitualmente
associados ao trabalho suplementar, em especial, a remuneração. Cria-se assim um
regime especial. Ora, que situações serão essas?
De acordo com o artigo 15.º da LAMBN,313 relativo à segurança ou ao socorro a
navio, a pessoas ou à carga, o comandante pode exigir ao marítimo que preste o trabalho
necessário à segurança imediata do navio, das pessoas a bordo ou da carga ou para
socorrer outros navios ou pessoas em perigo no mar, podendo o comandante, para esse
efeito, suspender os horários normais de descanso e exigir que os marítimos prestem as
horas de trabalho necessárias à normalização da situação (n.º 1)314.
Neste caso, o marítimo que tenha prestado trabalho, nos termos do número
anterior, durante um período de descanso tem direito a gozar o tempo de descanso em
falta, logo que possível (n.º 2) mas se o trabalho prestado nos termos do n.º 1 ocorrer
fora do horário de trabalho – sendo portanto trabalho suplementar –, o marítimo não tem
direito a qualquer pagamento.
Esta opção já constava do regime anterior, a propósito do trabalho extraordinário,
sendo que, os trabalhos necessários à segurança do navio e assistência no mar, apesar de
serem considerados extraordinários no regime do pessoal da marinha de comércio, não
312 Cf. Artigos 59.º, n.ºs 1 e 2, 88.º e 75.º, n.º 1, do CT. 313 Este regime é inspirado no n.º 14 da Norma A2.3 da CTM 2006, mas já constava da cláusula 7.ª do Acordo Europeu Relativo à Organização do Tempo de Trabalho dos Marítimos (em vigor em Portugal por força do DL n.º 145/2003, de 2 de julho). 314 O mesmo regime é aplicável em França (artigo L5544-13 do Código dos Transportes).
212
conferiam direito a pagamento diferente do normal (artigo 33.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º
74/73, de 1 de março).
Tal solução resulta do facto de estarmos perante situações excecionais, que
ameaçam a segurança da navegação e do meio ambiente. As tarefas exigidas em tal
contexto são consideradas como serviços impostos por “necessidade” ou de “força
maior”, e portanto, não são encaradas como trabalho suplementar, para efeitos de
remuneração.
Em bom rigor, está presente aqui uma filosofia antiga, segundo a qual sempre que
o navio estiver em perigo, o prejuízo deveria ser proporcionalmente dividido entre todos
os tripulantes. O prejuízo neste caso não se prende com a perda de mercadoria mas com
a ausência de pagamento pelo trabalho prestado.
Importa referir que o disposto neste número é apenas aplicável a exercícios de
salva-vidas, de extinção de incêndios ou outros similares, bem como a trabalho exigido
por formalidades aduaneiras, quarentena ou outras disposições sanitárias.
Finalmente, a violação do disposto no n.º 2 constitui contraordenação grave
(artigo 15.º, n.º 5).
Como já referimos, as convenções coletivas dedicam-se ao tema do trabalho
suplementar, principalmente no que toca à remuneração extraordinária a esse trabalho
associada.
A título de exemplo, resulta da cláusula 15.ª do Acordo Coletivo entre a Empresa
de Navegação Madeirense, Lda. e outras e a FESMAR - Federação de Sindicatos dos
Trabalhadores do Mar, já qui referido, que o trabalho suplementar é todo o trabalho
prestado para além do período normal de trabalho diário.
Com base nesse acordo, o trabalho suplementar por períodos inferiores a uma
hora conta sempre como uma hora suplementar.
Para além do horário normal, os inscritos marítimos são obrigados a executar, no
exercício das suas funções, com direito a remuneração suplementar, quando devida, as
manobras que o navio tiver de efetuar, o trabalho exigido por formalidades aduaneiras,
quarentena ou outras disposições sanitárias, bem como os exercícios de salva-vidas, de
extinção de incêndios e outros similares previstos pela SOLAS ou determinados pelas
autoridades.
213
Por fim, ao abrigo do referido Acordo Coletivo, para além do horário normal e
sem direito a remuneração suplementar, todo o inscrito marítimo é obrigado a executar:
a) O trabalho que o comandante (ou mestre) julgar necessário para a segurança do navio
e seus pertences, da carga ou das pessoas que se encontrem a bordo, quando
circunstâncias de força maior o imponham, o que deve ficar registado no respetivo
diário de navegação; b) O trabalho ordenado pelo comandante (ou mestre) com o fim de
prestar assistência a outros navios ou pessoas em perigo, sem prejuízo da
comparticipação a que os inscritos marítimos tenham direito em indemnização ou
salário de salvação e assistência; c) A normal rendição dos quartos.
3. REGIME DE QUARTOS (“WATCHKEEPING”)
O trabalho de certos marítimos315 pode ser organizado por quartos de navegação,
destinados a manter o navio a navegar durante as 24 horas do dia, estabelecendo-se um
serviço ininterrupto. Com isso pretende-se assegurar a segurança da navegação do
navio, com um serviço de vigia adequado e contínuo.
Para isso, os marítimos são normalmente divididos em grupos, a cada qual
competindo cumprir um quarto de navegação de, respetivamente, oito ou seis horas
diárias.
Geralmente, cada quarto de navegação é chefiado por um dos oficiais náuticos,
que é designado "oficial de quarto de navegação" ou "oficial chefe de quarto de
navegação (OCQN)". Nas embarcações cuja tripulação não inclua oficiais, a
responsabilidade por cada quarto de navegação cabe a um mestre ou contramestre, com
a designação de "chefe de quarto de navegação (CQN)".
Assim, o comandante de qualquer navio é obrigado a garantir e a organizar os
quartos de navegação de modo a que estes sejam adequados para a segurança da
navegação, protegendo as pessoas e a mercadoria. Por sua vez, os oficiais de quarto de
navegação são responsáveis pela navegação do navio com segurança durante o seu
período de trabalho, em que deverão estar particularmente preocupados em evitar
colisões e encalhes316.
315 “quartos de ponte, os quais podem incluir pessoal da mestrança e marinhagem do convés devidamente qualificado” - Organização dos quartos, n.º 17, Secção A-VIII/2, Capítulo VIII, STCW de 1978. 316 Sobre esta quetsão, Australian Maritime Safety Authority - Information for Seafarers regarding, watchkeeping standards (including 2010 Manila Amendments), Canberra ACT, Australia.
214
A nível internacional, o regime dos quartos de navegação está regulado pela
STCW de 1978, na Secção A-VIII/2 sobre a organização do serviço de quartos e
princípios a observar do Capítulo VIII relativo às normas respeitantes ao serviço de
quartos.
De acordo com o artigo 13.º da LAMBN, quando o navio esteja em porto, o
trabalho ininterrupto a bordo para a segurança de navio e manutenção e regularidade
dos serviços é assegurado em regime de quartos, não devendo ser inferior a quatro horas
por dia em porto de escala ou a oito horas por dia em porto de armamento (n.º 1).
Nestes casos o marítimo tem direito a descanso de duração igual ao dobro das
horas de trabalho prestado (n.º 2), o qual deve ser gozado após a prestação de trabalho
ou, sendo tal inviável por exigências imperiosas de funcionamento de navio, no porto de
armamento no final da viagem, ou acrescido às férias ou ainda remido a dinheiro (n.º 3).
Esta escolha pode ser regulada por convenção coletiva ou acordo individual ou, na sua
falta, pelo empregador (n.º 5).
Como vimos, a lei apresenta várias opções, como por exemplo, férias
compensatórias como contrapartida pelo trabalho ininterrupto.
Se as embarcações de comércio forem costeiras317, o descanso pode ainda ser
gozado, mediante acordo, em qualquer porto nacional (n.º 4).
A violação do disposto nos n.ºs 1, 2, 3 ou 4 constitui contraordenação grave.
Ao criar este regime, o legislador manifestou uma preocupação já refletida, no
regime anterior, nos artigos 35.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março. Através
do disposto no artigo 31.º, n.º 1, alínea a), desse diploma, o legislador esclarecia que o
trabalho compreendido no horário normal podia ser prestado em serviços ininterruptos,
a quartos corridos.
4. FÉRIAS
O direito ao repouso dos trabalhadores também se concretiza através das férias.
As férias dos marítimos sempre foram uma preocupação da OIT. Várias foram as
Convenções desta organização que se dedicaram a este tema,318 todas elas revistas pela
CTM 2006.
317 Cf. Artigos 25.º e ss do Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de julho (Regulamento Geral das Capitanias). 318 Convenção n.º 146 sobre as férias anuais remuneradas (marítimos), 1976; Convenção n.º 91 sobre as férias remuneradas dos marítimos (revista), 1949; Convenção n.º 54 sobre as férias remuneradas dos marítimos, 1936.
215
Com vimos, a duração das férias ou, se não for possível conhecer essa duração, o
critério para a sua determinação, são um dos elementos que devem constar
obrigatoriamente no contrato de trabalho.
De facto, o objetivo essencial das férias, como refere MARIA DO ROSÁRIO
PALMA RAMALHO, é o de assegurar o repouso e a recuperação física do trabalhador,
de um ano para o outro, assim como garantir a sua disponibilidade pessoal e integração
familiar e social319. É precisamente por este fator que a total renúncia ao direito a férias
é proibida (“direito indisponível”), não podendo ser substituído por compensação
pecuniária (artigo 237.º, n.º 3, do CT)320.
A. Regime geral aplicável
Nos termos do artigo 17.º da LAMBN, as férias dos marítimos estão sujeitas ao
regime geral previsto no Código do Trabalho (n.º 1).
Atualmente, o direito a férias pagas está regulados nos artigos 237.º e ss do CT.
Nestes termos, o trabalhador tem direito a um período de férias em cada ano civil,
que se adquire com a celebração do contrato de trabalho e que se vence, em princípio,
em 1 de janeiro (artigo 237.º, n.º 1, do CT).
Quanto às férias no ano de admissão, as férias são exigíveis (vencem-se) após seis
meses de duração do contrato, podendo recair ainda no ano civil da contratação ou já no
ano subsequente, consoante a data de início do contrato (artigo 239.º, n.ºs 1, 2 e 3, do
CT). Neste ano, os trabalhadores terão direito a dois dias úteis de férias, por cada mês
completo de serviço, que só se vencem após seis meses de trabalho, mas que não podem
ultrapassar os 20 dias (artigo 239.º, n.º 1, do CT). Para além disso, o tempo de férias não
poderá ultrapassar os 30 dias (arts. 238.º, n.º 1, e 239.º, n.º 3, do CT).
Nos anos posteriores ao da contratação, a regra geral é a do vencimento do direito
no dia 1 de janeiro do ano subsequente (237.º, n.ºs 1 e 2, do CT).
Para efeitos da contagem do período de férias são considerados dias úteis os dias
de segunda a sexta-feira e são descontados os feriados. No caso de o dia de descanso
319 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2014, p. 598. 320 A irrenunciabilidade ao direito a férias estava prevista na cláusula 16.ª do Acordo Europeu Relativo à Organização do Tempo de Trabalho dos Marítimos e no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, de acordo com os quais o período mínimo de férias anuais remuneradas não poderia ser substituído por uma indemnização compensatória, a menos que tivesse cessado a relação laboral. Apesar de a LAMBN não fazer referência direta a esta norma, a mesma continua a aplicar-se por força do artigo 237.º, n.º 3, do CT.
216
semanal do trabalhador ser útil, ter-se-ão em conta os sábados ou domingos que não
sejam feriados (artigo 238.º, n.ºs 2 e 3, do CT).
O artigo 241.º do CT é responsável por regular a marcação de férias. A regra geral
é a de que a marcação de férias é objeto de acordo entre o empregador e o trabalhador
(artigo 241.º, n.º 1)321.
A este propósito, o n.º 1 do Princípio orientador B2.4.2 da CTM 2006 refere que o
período em que o marítimo goza férias deveria ser determinado pelo armador após
consulta e, na medida do possível, com o acordo dos marítimos interessados ou dos seus
representantes, salvo se for fixado por via regulamentar, por convenção coletiva, por
sentença arbitral ou por qualquer outro meio em conformidade com a prática nacional.
As férias podem ser marcadas em qualquer altura do ano e as partes podem prever
um único período de férias ou diversos períodos interpolados (artigo 241.º, n.º 8, do
CT).
De acordo com o Princípio orientador B2.4.3 da CTM 2006, o período de férias
anuais pagas deveria consistir num período ininterrupto, salvo acordo entre as partes em
contrário (n.º 2). No entanto, a OIT reconhece que o fracionamento das férias anuais
pagas, ou a cumulação das férias adquiridas durante um ano com um período de férias
posterior, podem ser autorizados pela autoridade competente ou pelos mecanismos
próprios de cada país (n.º1).
Após serem marcadas a férias, o empregador tem de elaborar o respetivo mapa,
até dia 15 de abril de cada ano e afixá-lo nas instalações da empresa (artigo 241.º, n.º 9,
do CT).
Por sua vez, a alteração das férias por interesse do empregador ou por interesse do
trabalhador apenas é possível em duas situações previstas pelos artigos 243.º e 244.º do
CT, respetivamente. Já a interrupção do gozo das férias do trabalhador só pode ocorrer
em situações muito excecionais, nos termos do artigo 243.º, n.º 1, do CT322.
321 Ao abrigo do regime anterior, a época de férias devia ser estabelecida de comum acordo entre o armador e o marítimo. Na falta de acordo, competia ao armador fixar a época de férias nos períodos de 1 de maio a 31 de outubro ou de 1 de novembro a 30 de abril, do que daria conhecimento ao marítimo com uma antecedência não inferior a trinta dias, não podendo, porém, fixar a época de férias no mesmo período em dois anos consecutivos (artigo 52.º do DL n.º 74/73, de 1 de março). 322 Esta opção está em conformidade com o n.º 4 do Princípio orientador B2.4.2 da CTM 2006, segundo o qual os marítimos em gozo de férias anuais só deveriam ser chamados em caso de extrema urgência e com o seu consentimento.
217
B. Prestações pecuniárias relativas às férias
O direito do trabalhador à retribuição durante as férias demonstra a existência de
uma ampla obrigação remuneratória do empregador, uma vez que a estes pagamentos
não corresponde uma situação de trabalho.
A lei prevê a atribuição de duas prestações pecuniárias ao trabalhador no seu
período anual de férias: (i) o pagamento de retribuição correspondente a esse período323
e (ii) o pagamento de um subsídio de férias de montante equivalente ao da retribuição
base e demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da
execução do trabalho (artigo 264.º, n.ºs 1 e 2, do CT)324.
Na determinação das retribuições relativas às férias dos marítimos, o anterior
regime era mais claro, uma vez que estipulava que a remuneração devida ao marítimo
durante as férias não podia ser inferior à média ponderada das prestações referidas nas
alíneas a), b), c) e e) do artigo 70º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março 325 no
período em que adquiriu o direito às férias, acrescida de um subsídio nos termos e
condições a fixar em convenção coletiva de trabalho.
Apesar de a LAMBN não se pronunciar sobre as vantagens patrimoniais em
causa, considera-se que apenas estão abrangidas aquelas que representem uma
contrapartida do trabalho do marítimo (valores recebidos a título de diuturnidades,
isenção de horário, trabalho noturno ou por turnos acordados como regime regra do
trabalho, subsídios ou abonos que estejam previstos como retributivos).
C. Regime especial para os marítimos
Não obstante o regime geral das férias dos marítimos ser regulado pelo CT,
consideram-se na LAMBN as particularidades a seguir referidas.
(i) Duração
A cláusula 16.ª do Acordo Europeu Relativo à Organização do Tempo de
Trabalho dos Marítimos determinava que todos os marítimos tinham direito a gozar
323 Deste modo, segue-se o disposto no n.º 4 do Princípio orientador B2.4.1 da CTM 2006, segundo o qual o nível de remuneração durante as férias anuais deveria ser o da remuneração normal do marítimo, conforme fixado pela legislação nacional ou pelo contrato de trabalho marítimo aplicável. 324 A propósito do cálculo destes valores, vd RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2014, pp. 611 a 613. 325 O vencimento base; as diuturnidades, a retribuição especial por isenção de horário de trabalho; e as subvenções recebidas pelos marítimos recrutados na metrópole e prestando serviço nas embarcações em estação nas províncias ultramarinas.
218
férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas ou de licenças de duração
proporcional aos períodos de emprego inferiores a um ano, nos termos da lei ou dos
costumes nacionais. Assim sendo, a duração mínima de férias para os marítimos era de
20 dias úteis.
Deste modo, a duração das férias dos marítimos era diferente da duração mínima
prevista no artigo 238.º, n.º 1, do CT, que estabelece um total de 22 dias úteis por cada
ano de trabalho, uma vez que o período mínimo de férias para os marítimos era inferior
ao do regime geral.
Por sua vez, de acordo com o artigo 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de
março, o período mínimo de férias a gozar em cada ano civil era de vinte e quatro ou
trinta e seis dias, incluindo domingos e feriados, consoante o tripulante não esteja ou
esteja isento de horário de trabalho.
De acordo com o disposto no n.º 2 da Norma A2.4 da CTM 2006, as férias
anuais pagas devem ser calculadas com base num mínimo de dois dias e meio de
calendário por mês de trabalho, pelo que os regimes em vigor no nosso país não davam
cumprimento à disposição criada pela OIT.
Por essa razão, a LAMBN, inspirando-se na CTM 2006, prevê que o período
anual de férias tenha uma duração mínima de dois dias e meio consecutivos por cada
mês de duração do contrato de trabalho, ou proporcionalmente no caso de mês
incompleto (artigo 17.º, n.º 2) 326.
O atual regime é, portanto, mais favorável do que os regimes anteriores, uma vez
que a atual duração mínima de férias dos trabalhadores marítimos (30 dias) é superior à
estabelecida pelo regime geral (22 dias para a generalidade dos trabalhadores ou 24 dias
para os trabalhadores marítimos327).
Deixou contudo de se prever o caso específico do período mínimo de duração de
férias para os trabalhadores com regime de isenção de horário, para os quais se previa
um período mínimo de 36 dias de férias.
A este propósito, importa referir que, de acordo com o disposto no artigo 44.º da
LAMBN, as normas do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março,
que regulem períodos de férias de duração mais elevada do que a prevista no n.º 2 do
artigo 17.º, continuam a aplicar-se aos inscritos marítimos enquanto estiverem ao
326 Em França, o direito a férias dos “marins” é calculado em 3 dias de calendário por mês (artigo. L5544-23 do Código dos Transportes). 327 Excecionando os que trabalhavam com isenção de horário.
219
serviço do armador ao qual estejam vinculados na data da entrada em vigor da presente
lei.
Deste modo e em homenagem ao princípio da segurança jurídica, o legislador
pretende que as novas regras acerca da duração das férias não abranjam os trabalhadores
que, a 02 de novembro de 2015, já eram parte de uma relação laboral, e aos quais era
reconhecido o direito a uma maior duração de férias ao abrigo do regime anterior.
Por fim, uma nota para referir que o legislador deixou também de prever
diferentes durações para as férias consoante as categorias dos marítimos, tal como
constava do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março 328, e da Convenção n.º 91.º da OIT329,
evitando assim situações discriminatórias entre os trabalhadores marítimos.
(ii) Local de concessão
As férias são concedidas ao marítimo no porto de armamento, na localidade da
sede do armador ou no porto de recrutamento, cabendo a escolha ao armador, salvo
acordo em contrário ou o disposto em instrumento de regulamentação coletiva de
trabalho (n.º 3 do artigo 17.º da LAMBN)330.
A preocupação em criar normas específicas para o local de concessão das férias
dos marítimos resulta de o seu trabalho ser prestado a bordo de um navio e de isso criar
uma condicionante física e geográfica que pode impedir o marítimo de exercer o seu
direito ao repouso onde quiser. Com isso facilita-se ao trabalhador o gozo das férias em
determinado local.
No entanto, é nosso entender que o legislador poderia ter optado por uma solução
que melhor ponderasse os interesses do trabalhador, isto porque, face ao atual regime, o
marítimo poderá ver as suas férias serem concedidas em locais com os quais não tem
328 Nos termos do artigo 50.º do DL n.º 74/73, de 1 de março, o período mínimo de férias a gozar em cada ano civil era de vinte e quatro ou trinta e seis dias, incluindo domingos e feriados, consoante o tripulante não ou estivesse isento de horário de trabalho (n.º 1). Para o tripulante em serviço nos navios-tanques, petroleiros e butaneiros, porém, os períodos mínimos referidos no número anterior eram, respetivamente, de trinta e dois e quarenta e oito dias (n.º 2). No ano civil subsequente ao da admissão o tripulante teria direito a gozar um período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado no ano anterior (artigo 50.º, n.ºs 2 e 3). 329 A Convenção n.º 91 da OIT, estabeleceu no seu artigo 3.º/1 que toda pessoa, à qual se aplique a presente Convenção, tem direito, depois de doze meses de serviço ininterrupto, a férias anuais remuneradas, cuja duração será de: a) no caso de comandante, oficiais e radiotelegrafistas ou operadores de rádio, não menos de dezoito dias úteis para cada ano de serviço; b) no caso de outros membros da tripulação, não menos de doze dias úteis para cada ano de serviço. 330 Cfr. artigo 55.º, n.º 1 do DL n.º 74/73, de 1 de março.
220
qualquer elo de ligação, precisando por isso de realizar uma viagem para o destino que
pretenda.
Semelhante recomendação resulta do n.º 2 do Princípio orientador B2.4.2 da CTM
2006, que reconhece que os marítimos deveriam, em princípio, ter direito a gozar as
suas férias anuais no local onde possuem ligações afetivas, que será, normalmente, o
local para o qual têm o direito a ser repatriados. Para além disso, a OIT defende que não
deveria ser exigido aos marítimos, sem o seu consentimento, que gozem as férias anuais
a que têm direito noutro local, exceto por aplicação das disposições do contrato de
trabalho marítimo ou da legislação nacional.
Mesmo reconhecendo que o porto de armamento, a localidade da sede do armador
ou o porto de recrutamento podem ser locais com os quais o trabalhador tenha ligação, a
inclusão da opção pelo porto de repatriamento teria sido mais equilibrada de forma a
promover o respeito pelo direito do trabalhador a descansar e a restabelecer a sua vida
pessoal, familiar e social.
No mesmo sentido, o n.º 2 do artigo 4 da Convenção n.º 91 da OIT reconhecia que
não se poderá exigir de nenhuma pessoa, sem seu consentimento, que goze as férias que
lhe são devidas num porto que não faça parte do território onde foi engajado ou no
território onde reside. De acordo com este dispositivo, as férias deveriam ser gozadas
num porto previsto pela legislação nacional ou convenção coletiva.
O inscrito marítimo tem direito às passagens para e do local de férias, por conta
do armador, em meio de transporte à escolha deste (n.º 4 do artigo 17.º da LAMBN).
Neste caso, o legislador foi mais longe do que a CTM 2006 que reconhece este
direito apenas em algumas situações. Nesse sentido, o n.º 3 do Princípio orientador
B2.4.2 recomenda o seguinte: nos casos em que os marítimos forem obrigados a gozar
as férias anuais quando se encontram num local diferente daquele onde possuem
ligações (em princípio, o local para o qual têm o direito a ser repatriados), deveriam ter
direito a transporte gratuito até ao local mais próximo do seu domicílio, seja o local de
contratação ou o de recrutamento.
A duração das viagens para e do local de gozo de férias não é incluída no período
de férias, salvo se o inscrito marítimo utilizar meio de transporte mais demorado do que
o indicado pelo armador (n.º 5 do artigo 17.º da LAMBN).
221
A violação do disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo 17.º constitui contraordenação
grave.
Por fim, refira-se que o Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, continha mais
disposições acerca desta matéria (arts. 48 a 59.º). No entanto, a maioria limitava-se a
replicar o que constava do regime geral.
5. FALTAS
A falta é “a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a
atividade durante o período normal de trabalho diário” (artigo 248.º, n.º 1, do CT).
O regime estabelecido no CT a propósito das faltas é também aplicável aos
trabalhadores marítimos.
No entanto, a LAMBN estabelece que em caso de falecimento de cônjuge, parente
ou afim ou de pessoa em união de facto ou em economia comum, o marítimo pode
exercer a faculdade de faltar após a chegada a porto de escala ou ao porto de armamento
ou de recrutamento (artigo 18.º).
Ainda a propósito, considera a OIT que, nos termos determinados pela autoridade
competente ou fixados em convenção coletiva aplicável, as ausências ao trabalho para
participar em cursos de formação profissional marítima aprovados ou por motivos
designadamente de doença, acidente ou maternidade, deveriam ser consideradas período
de trabalho (Princípio orientador B2.4.1, n.º 2 da CTM 2006). De acordo com a Norma
A2.4, n.º 2 da mesma Convenção, as ausências ao trabalho justificadas não devem ser
consideradas como dias de férias anuais.
O facto de as faltas dadas por doença e acidente serem, em regra, consideradas
faltas justificadas, que não afetam o direito de retribuição (artigos 249.º, n.º 2, alínea d),
e 255.º, do CT) e o facto de se reconhecer a atribuição de licenças em homenagem à
proteção da parentalidade (artigos 33.º e ss do CT), demonstram que a legislação
nacional está em linha com as preocupações da OIT.
222
CAPÍTULO III
O LOCAL DE TRABALHO
Como referimos, o local de trabalho constitui uma das menções obrigatórias do
contrato de trabalho dos marítimos (artigo 2.º, n.º 1, d), da LAMBN).
Entende MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO que o local de trabalho
“corresponde ao lugar físico de cumprimento da prestação do trabalhador, o que
habitualmente coincide com as instalações do empregador”331.
Deste modo, em regra, o local de trabalho coincide com as instalações da empresa
ou com o estabelecimento da entidade empregadora.
No entanto, em diversas situações, a atividade laboral não é prestada num espaço
geograficamente identificável, dificultando a determinação desse lugar. É o caso dos
contratos de trabalho a bordo de navios, que efetivamente trabalham no mar332.
Por essa razão, seguimos a orientação de que a noção de local de trabalho deve ser
aperfeiçoada de modo a que este coincida com o centro estável ou predominante do
desenvolvimento da atividade do trabalhador333.
O diploma que rege o contrato de trabalho dos marítimos não refere diretamente o
local onde deve ser efetuada a prestação do trabalho, mas destaca que a atividade objeto
de regulação é a atividade prestada “a bordo de navios”. Com efeito, pela própria
natureza da profissão marítima, configurando a embarcação as instalações do
empregador onde na verdade ocorre a atividade contratada, o local de trabalho acaba
por ser o próprio navio.
Aplica-se ao local do trabalho a bordo do navio o regime estabelecido pelo
Código do Trabalho (arts. 193.º a 196.º do CT). Assim sendo, em princípio o local não
poderá ser unilateralmente alterado pelo empregador. Esta regra é uma das garantias do
trabalhador, em homenagem ao princípio da inamovibilidade. No entanto, mediante
acordo entre o trabalhador e o empregador, o trabalhador marítimo pode ser transferido
para outro navio do mesmo armador, desde que isso não cause prejuízo sério ao
marítimo e desde que se achem respeitadas as exigências legalmente previstas.
331 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2014, p. 496. 332 Idem, p. 499. 333 FERNANDES, António Monteiro - Direito do Trabalho, 2010, p. 444.
223
Finalmente, importa referir que o facto de o local de trabalho ser o navio, e dada a
sua distância do espaço terreste, leva a que certos direitos dos marítimos estejam
sujeitos a uma concretização especial. O exercício do direito de voto é exemplo disso,
uma vez que os marítimos são titulares do direito ao voto antecipado (artigo 70-A.º, n.º
1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio, que regulamenta a eleição do
Presidente da República e artigo79.º-A/1, c), da Lei n.º 14/79, de 16 de maio - Lei
Eleitoral para a Assembleia da República).
CAPITULO IV
O REPATRIAMENTO
E todos os que pegam no remo,
os marinheiros, e todos os pilotos do mar
descerão de seus navios, e pararão em terra. 334
O Repatriamento foi pela primeira vez abordado pela OIT na Convenção n.º 23
sobre o repatriamento dos marítimos, de 1926335.
Mais tarde coube à Convenção n.º 166, aprovada na 74ª sessão da Conferência
Internacional do Trabalho (Genebra – 1987), abordar o tema.
A Convenção n.º 166 estabelece alguns princípios que deviam ser seguidos pelos
Estados, recomendando-os, no artigo 4.º, a que adotem medidas específicas que
garantam o repatriamento dos marítimos.
Atualmente, o repatriamento é objeto da Regra 2.5 e da Norma A2.5 da CTM
2006.
Em Portugal, até à publicação da LAMBN, o repatriamento não era objeto de
qualquer diploma legal. De facto, nem o CT, que como lei geral do trabalho não trata
das matérias especiais dos diferentes setores, nem o Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de
março, que aprovava o "Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho do Pessoal
da Marinha de Comércio" e foi revogado em 2015 pela LAMBN, se ocuparam da
questão do repatriamento.
334 Livro de Ezequiel, capítulo 27, versículo 29 – Bíblia Sagrada, Paulus Editora. 335Aprovada em Portugal, para ratificação, pelo Decreto n.º 113/82, de 13 de outubro.
224
Esta matéria era apenas tratada no âmbito dos instrumentos de regulamentação
coletiva de trabalho do setor marítimo336.
Nesse, entre outros, vazio legal, o legislador português sentiu a necessidade de
adequar a ordem jurídica interna à CTM 2006. O repatriamento está atualmente definido
no artigo 2.º e regulado no artigo 20.º da LAMBN.
Conforme dispõe o artigo 2.º, n.º 1, alínea g), da LAMBN, “o repatriamento
consiste no regresso do marítimo ao local acordado pelas partes ou, na sua falta, ao
país de residência, país de naturalidade ou ao porto de recrutamento, desde que aí seja
aceite, e segundo opção do marítimo, nas circunstâncias previstas na presente lei e a
expensas do armador, desde que em conformidade com a legislação que regula a
entrada, saída, permanência e afastamento do território português”.
1. SITUAÇÕES QUE DÃO ORIGEM AO REPATRIAMENTO
As situações em que o marítimo tem direito a ser repatriado estão elencadas no n.º
1 do artigo 20.º da LAMBN.337 Estas situações estão essencialmente associadas a dois
tipos de motivos: (i) os que estão relacionados com a saúde mental e física e a segurança
dos marítimos (alínea b), c), d); g) e h)) e (ii) aqueles que se referem à própria relação
laboral e à prestação de trabalho (a), e) e f)).
De forma mais detalhada, o repatriamento pode ocorrer nas seguintes situações:
a. Cessação do contrato de trabalho, salvo em caso de denúncia do mesmo por
parte do marítimo;
Esta opção é bastante abrangente, uma vez que equaciona todas as formas de
cessação do contrato de trabalho, à exceção da denúncia. Assim, o marítimo tem
direito a ser repatriado, mesmo nos casos em que seja despedido com justa
causa.
336 A título de exemplo vd. cláusula 31.ª do Acordo de Empresa entre a Sweets And Sugar - Produção, Comercialização de Açúcar e seus Derivados, S.A. e o Sindicato da Hotelaria da RAM. - Revisão da cláusula 58.ª, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, terça-feira, 18 de junho de 2013, III série, n.º 8. 337 Conforme consta da Norma A2.5, n.º 1, da CTM 2006, os marítimos embarcados em navios que arvoram a sua bandeira têm o direito a ser repatriados nos seguintes casos: a) se o contrato de trabalho marítimo cessar quando os interessados se encontram no estrangeiro; b) se o contrato de trabalho marítimo cessar: i) por iniciativa do armador; ou ii) por iniciativa do marítimo, com justa causa; e também c) se o marítimo já não estiver em condições de exercer as funções previstas pelo contrato de trabalho marítimo ou se não for possível pedir-lhe para as exercer, em circunstâncias específicas.
225
b. Doença, acidente ou outra situação de natureza clínica que seja prejudicada pela
sua permanência a bordo;
Cabe referir que se pretende proteger a saúde e a vida do marítimo 338 ,
constituindo estas situações motivo de suspensão do contrato de trabalho. Para
além disso, poderá estar também em causa a saúde da tripulação.
c. Naufrágio;
Em Itália, no caso de naufrágio, o armador, além do dever de suportar as
despesas de repatriamento, é obrigado a fornecer aos membros da tripulação a
roupa necessária (artigo 364.º, último parágrafo, do Código da Navegação)
d. Pirataria;
e. Suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição;
f. Suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial do armador;
Como podemos concluir, ambas as situações de suspensão do contrato de
trabalho, previstas na alíneas e) e f), são baseadas em factos imputáveis ao
empregador.
g. Recusa em viajar para zona de guerra;
h. Após um ou mais períodos de embarque que perfaçam 11 meses e 15 dias de
duração.339 Ou seja, os marítimos têm o direito a ser repatriados sempre que
prestaram a sua atividade a bordo de um navio durante mais de 11 meses e 15
dias340.
Neste caso pretende-se organizar o trabalho de forma a permitir a conciliação
entre a atividade privada e a vida familiar e social do marítimo e a garantir o seu
direito ao repouso, direitos consagrados no artigo 59.º, n.º 1, alíneas b) e d), da
CRP, respetivamente.
338 Durante 5 anos foi feito um estudo pelo Dr. Nicomedes Cruz acerca das causas de repatriamento os dos marinheiros filipinos. Dos 5315 marítimos estudados, 64% foram repatriados devido a doenças e 36% devido a lesões. As 10 principais doenças que causaram o repatriamento foram: a apendicite; problemas do trato urinário; hipertensão; gastrite; hérnias: doença cardiovascular; pedras na vesícula; hemorroidas; diabetes mellitus; doença Cerebrovascular, in Filipino Seamen - Major causes of medical repatriation, august, 2004. 339 De acordo com a Norma A2.5, n.º 2, alinea b), da CTM 2006, os períodos de embarque devem ser inferiores a doze meses. 340 De acordo com o artigo L5542-29 do Código dos Transportes Francês, o repatriamento deve ocorrer depois de um período de embarque máximo de seis meses, que pode ser aumentado para nove meses por convenção coletiva. Este prazo pode ser prorrogado ou reduzido em um mês, por motivos relacionados com a exploração comercial do navio.
226
A Convenção n.º 23 da OIT não indicava os casos em que os marítimos tinham
direito ao repatriamento, limitando-se a reconhecer esse direito a qualquer marítimo
desembarcado no decurso ou no termo do contrato (artigo 3.º, n.º 1).
Face aos consideráveis progressos na legislação e práticas nacionais com vista a
assegurar o repatriamento dos trabalhadores marítimos em diversos casos não
contemplados pela Convenção de 1926 e tendo em conta o aumento geral do emprego
na indústria do transporte marítimo, a Convenção n.º 166 veio aprovar novas
disposições acerca desta matéria.
Uma das suas inovações foi elencar, no artigo 2.º, n.º 1, as circunstâncias em que
os marítimos teriam direito ao repatriamento341, tópico igualmente tratado pela CTM
2006.
Por fim, cabe acrescentar que Portugal foi claramente influenciado pela CTM
2006. Acresce que o legislador nacional foi para além daquilo que consta do n.º 1 da
Norma A2.5 do Acordo aprovado pela Diretiva 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de
fevereiro de 2009, o qual apenas prevê o direito ao repatriamento com a cessação do
contrato enquanto o marítimo se encontra no estrangeiro e quando o marítimo já não
está em condições de desempenhar as tarefas a que se refere o contrato de trabalho ou
não é de se esperar que possa desempenhá-las nas circunstâncias específicas.
2. PRAZO PARA EXERCÍCIO DO DIREITO
De acordo com a CTM 2006, o direito ao repatriamento pode expirar se o
marítimo interessado não o reivindicar num prazo razoável definido pela legislação
nacional ou pelas convenções coletivas (Princípio orientador B2.5.1, n.º 8).
A LAMBN refere que o direito ao repatriamento pode ser exercido mediante
comunicação ao armador ou ao seu representante nos 10 dias subsequentes à
constituição do direito (artigo 20.º, n.º 2)342.
341 A saber, “a) quando um contrato por tempo determinado ou para uma viagem de duração determinada termine no estrangeiro; b) no termo do período de aviso prévio com base em normativos legais gerais ou no contrato de trabalho do marítimo; c) em caso de doença, acidente ou qualquer outro motivo médico que exija o seu repatriamento, desde que tenha autorização médica para viajar; d) em caso de naufrágio; e) quando o armador não puder continuar a cumprir as suas obrigações legais ou contratuais como empregador do marítimo devido a falência, venda do navio, mudança do registo do navio ou a qualquer razão similar; f) quando um navio se dirija para uma zona de guerra, como tal definida pela legislação nacional ou pelos acordos coletivos, para onde o marítimo não concorde em ir; g) em caso cessação ou suspensão do contrato de trabalho em resultado de decisão judicial ou com base em acordo coletivo, ou em caso de cesssação do contrato por qualquer razão similar.”
227
3. LOCAL DE DESTINO
A propósito do local de destino do repatriamento, a OIT recomenda, no seu
Princípio orientador B2.5.1, n.º 6 e 7, o seguinte:
i. Os destinos para os quais os marítimos podem ser repatriados deveriam estar
previstos e deveriam incluir os países com os quais os marítimos têm
ligações efetivas reconhecidas, incluindo: a) o local onde o marítimo aceitou
ser contratado; b) o local estipulado por convenção coletiva; c) o país de
residência do marítimo; d) qualquer outro local acordado entre as partes no
momento da contratação.
ii. O marítimo deveria ter o direito de escolher, de entre os destinos previstos, o
local para o qual pretende ser repatriado.
Por conseguinte, o legislador português esclareceu que o marítimo tem direito a
ser repatriado para o local acordado pelas partes ou, na sua falta, para o país de
residência, país de naturalidade ou para o porto de recrutamento, desde que aí seja
aceite, e segundo opção do marítimo343.
O direito de escolha do marítimo foi previsto no artigo 3.º, n.º 2, in fine, da
Convenção n.º 166: “o marítimo terá direito a escolher, entre os diferentes pontos de
destino determinados, o local para que deseja ser repatriado”.
Ainda que por outras palavras, já a Convenção n.º 23 da OIT reconhecia o direito
do marítimo a ser transportado para o seu país, para o porto onde foi contratado ou para
o porto de partida do navio.
A Convenção n.º 166, no seu artigo 3.º, n.º 2, 1ª parte, reconhecia ainda que os
pontos de destino para os quais os trabalhadores marítimos seriam repatriados deveriam
incluir sempre o lugar que o marítimo aceitou como local de contratação, o lugar
estipulado por acordo coletivo, o país de residência do marítimo ou qualquer outro lugar
acertado entre as partes no momento da contratação.
Em Itália, o artigo 366.º do Código da Navegação estabelece que o repatriamento
é feito para o porto do embarque. No entanto, o trabalhador pode ser repatriado para
342 De acordo com o artigo L5542-30 do Código dos Transportes Francês, um empregador está dispensado da obrigação prevista de repatriamento, se o marítimo não solicitou o seu repatriamento no prazo de trinta dias. 343 Definição de repatriamento, artigo 2.º, n.º 1 , alínea g), da Lei n.º 146/2015, de 9 de setembro (LAMBN).
228
outro local por si indicado se assim o pretender e se tal situação não significar um
aumento das despesas.
4. DEVERES DO ARMADOR
Compete ao armador organizar o repatriamento e suportar as respetivas
despesas344 (n.º 3 do artigo 20.º da LAMBN). As despesas em causa são as seguintes:
a. A viagem de avião ou outro meio rápido e apropriado de transporte até ao local
de destino;
b. O alojamento e a alimentação desde o desembarque até à chegada ao local de
destino;
c. A retribuição a que o marítimo teria direito se estivesse embarcado, até à sua
chegada ao local de destino;
d. O transporte de 30 quilos de bagagem pessoal até ao local de destino;
e. O tratamento médico necessário até que o marítimo possa viajar para o local de
destino, ou de que este necessite durante a viagem;
f. Os custos administrativos decorrentes de controlo de fronteira e eventual escolta,
em conformidade com a legislação que regula a entrada, saída, permanência e
afastamento de território português.
A violação do disposto neste número constitui contraordenação grave (n.º10).
O legislador elenca este conjunto de despesas de forma enunciativa, recorrendo ao
conceito “nomeadamente”. Face ao exposto, para além das despesas referidas supra, o
armador poderá ter de suportar outras despesas incorridas em razão do repatriamento.
Por fim, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, o armador não pode receber do
marítimo qualquer quantia a título de adiantamento para cobrir as despesas do
repatriamento, embora possa exigir ao marítimo o reembolso das mesmas quando a
situação que lhe dê origem seja imputável a este, bem como compensar esse montante
com a retribuição ou outros créditos do marítimo345.
344 No entanto, o armador pode exigir a terceiro o pagamento das despesas efetuadas com o repatriamento, com base em disposições contratuais ou em responsabilidade civil (n.º5). Tal solução consta também do n.º 4 da Norma A2.5, da CTM 2006, nos termos da qual a legislação nacional não deve prejudicar o direito do armador de recuperar os custos de repatriamento a título de acordos contratuais com terceiros.
345 Nos termos da Norma A2.5, n.º 3 da CTM 2006, todos os Estados “devem proibir o armador de exigir ao marítimo, no início do seu trabalho, qualquer adiantamento para cobrir as despesas do seu repatriamento e, igualmente, de deduzir as despesas de repatriamento do salário ou de outros direitos do
229
Historicamente, é interessante verificar a reflexão dos Estados sobre certos
aspetos em matéria de despesas com o repatriamento.
Por exemplo, a Convenção n.º 23 da OIT referia que se o marítimo fosse
despedido por quaisquer causas que não lhe fossem imputadas, este não teria que
suportar as despesas do repatriamento, o que significa que, em sentido contrário, no
caso por exemplo de o despedimento ser consequência de facto imputável ao marítimo,
o armador não era obrigado a suportar as despesas do repatriamento (artigo 4.º, alínea
d), da Convenção n.º 23).
De acordo com a Convenção n.º 23 da OIT, em caso de doença, as despesas
associadas ao repatriamento só não seriam suportadas pelo marítimo se a doença não
fosse voluntariamente provocada por ele nem causada por uma falta sua (artigo 4.º,
alínea c).
Porém, de acordo com o artigo 4.º, n.º 3, da Convenção n.º 166, a OIT passou a
considerar que quando o repatriamento tiver sido motivado pelo facto de um marítimo
ter sido declarado culpado, em conformidade com a legislação nacional ou os acordos
coletivos, de uma infração grave dos seus deveres contratuais, nenhuma disposição da
presente Convenção prejudicará o direito ao ressarcimento total ou parcial pelo
marítimo do custo do seu repatriamento, em conformidade com a legislação nacional
ou os acordos coletivos.
Deste modo, mesmo que o repatriamento se fundasse em factos sancionáveis e
imputáveis aos marítimos, estes não teriam que suportar as despesas do repatriamento,
sendo que se o fizessem, teriam direito a ser ressarcidos por isso.
Como podemos verificar, verificou-se uma evolução legislativa nesta matéria,
uma vez que, mesmo nos casos em que as causas que dão origem ao repatriamento
sejam imputáveis ao marítimo, cabe ao armador suportar as despesas do repatriamento.
Neste sentido, atualmente, mesmo quando a situação que deu origem ao
repatriamento seja imputável ao marítimo (v.g. doença e lesão culposa ou despedimento
por justa causa) é ao armador que cabe suportar as despesas com o repatriamento, sem
prejuízo de poder ressarcir-se dos custos inerentes, por exemplo através da
marítimo, exceto se o interessado se reconhecer, de acordo com a legislação nacional, outras disposições ou convenções coletivas aplicáveis, culpado de incumprimento grave das obrigações do seu trabalho”.
230
compensação desse montante com a retribuição ou outros créditos a que o marítimo
tenha direito.
Em França, o legislador estabeleceu que (i) as questões do repatriamento dos
marítimos desembarcados durante a viagem após a cessação do contrato por mútuo
acordo serão resolvidas por acordo entre as partes, que (ii) os custos de repatriamento
do marítimo para falta grave ou o resultado de lesão ou doença que tenham na sua
origem um evento intencional ou negligência grave do marítimo são suportados pelo
marítimo (contudo, se o marítimo não tiver meios para tal, o armador deve suportar as
despesas, sem prejuízo do “direito de regresso”) e (iii) os custos de repatriamento a
pedido da autoridade judiciária ou administrativa são da responsabilidade do Estado
(artigo L5542-33 do Código dos Transportes francês).
Esta solução justifica-se para impedir que os marítimos, quando não tenham
possibilidade de suportar os custos inerentes ao repatriamento, não se vejam obrigados a
permanecer a bordo, impedidos de regressar a terra, de contatar com a sua família e com
a sociedade e até de procurarem cuidados médicos ou um novo emprego.
5. ORGANIZAÇÃO DO REPATRIAMENTO
A propósito da organização do repatriamento pelo Armador, a OIT reforça,
através do n.º 6 do Princípio orientador B2.5.1 da CTM 2006 que todos os Estados-
Membros deveriam prever que o armador assuma a responsabilidade de organizar o
repatriamento por meios adequados e céleres. O que agora é princípio era uma norma
presente no artigo 4.º, n.º 1, da Convenção n.º 166.
Refira-se, a título de curiosidade, que a OIT tem vindo a considerar, quer na
Convenção n.º 166 (artigo 4.º, n,º 1), quer na CTM 2006, que o meio de transporte
normal para o repatriamento deverá ser a via aérea. No entanto, o legislador nacional
não se pronunciou acerca dessa matéria, deixando a escolha do meio de transporte ao
livre arbítrio das partes.
6. INTERVENÇÃO DO ESTADO
É atendível que, em circunstâncias normais, o empregador seja responsável pelo
repatriamento dos marítimos. No entanto, tal como exigido pela CTM 2006, um Estado
de bandeira responsável deve instituir mecanismos para garantir que, nos casos de
procedimentos normais de insolvência de uma empresa de transporte, os marítimos que
231
trabalham a bordo de todos os navios que arvoram o seu pavilhão, incluindo aqueles que
são cidadãos de outros Estados, são repatriados para o seu país de residência346.
Deste modo, para garantir que o repatriamento não é impedido pela inércia do
armador, a lei prevê que a autoridade portuguesa competente mais próxima do local de
desembarque organize e custeie o repatriamento nas seguintes situações (n.º 6):
a. Caso o armador não o faça, em relação a marítimo que preste serviço em
navio de bandeira portuguesa;
b. Caso o armador ou o Estado de bandeira de um navio não o faça em relação
a marítimo português, bem como a marítimo estrangeiro que deva ser
repatriado a partir do território nacional347.
Uma vez que o Estado português não é o responsável originário pela organização
e pelo custeamento do repatriamento, a lei prevê, nestas situações, que o Estado pode
exigir o pagamento das despesas efetuadas com o repatriamento ao armador ou ao
Estado de bandeira (n.º7)348.
Esta obrigação dos Estados já havia sido considerada no artigo 5.º da Convenção
n.º 166 da OIT.
7. DETENÇÃO DO NAVIO
De acordo com o n.º 6 da norma A2.5 da CTM 2006, tendo em consideração os
instrumentos internacionais aplicáveis, incluindo a Convenção Internacional sobre o
Arresto de Navios, de 1999, um Estado-Membro que tenha pago os custos do
repatriamento poderá deter ou solicitar a detenção dos navios do armador em questão
até que o reembolso seja efetuado.
346 SARDINHA, Álvaro Máximo - Registo de navios / Estados de bandeira, Colecção Mar Fundamental, Lisboa, 2013, p. 12. 347 De acordo com a Norma A2.5, n.º 7, da CTM 2006, “os Estados devem facilitar o repatriamento dos marítimos que trabalhem a bordo de navios que escalem os seus portos, ou atravessem as suas águas territoriais ou interiores, bem como a sua substituição a bordo”. 348 “Se um armador não adotar as medidas necessárias para o repatriamento de um marítimo que a ele tenha direito, ou se não assumir os respetivos custos: a) a autoridade competente do Estado de bandeira deve organizar o repatriamento do marítimo; se este não o fizer, o Estado a partir de cujo território o marítimo deve ser repatriado ou o Estado de que é nacional podem organizar o repatriamento e recuperar os custos do mesmo junto do Estado de bandeira; b) o Estado de bandeira poderá recuperar junto do armador os custos decorrentes do repatriamento do marítimo; c) os custos de repatriamento não devem, em caso algum, ficar a cargo do marítimo, salvo nas condições previstas pela lei” (Norma A2.5, n.º 5, da CTM 2006).
232
Assim, de forma a salvaguardar a sua situação, e como garantia, nos casos em que
Estado português exija o pagamento das despesas efetuadas com o repatriamento ao
armador ou ao Estado de bandeira, a DGRM pode proceder à detenção dos navios do
armador envolvido, tendo em conta os instrumentos internacionais aplicáveis, ou
solicitar à autoridade competente de outro Estado que proceda à mesma (n.º 8).
Outras situações estão previstas no artigo 41.º da LAMBN, nos termos do qual, a
pedido da autoridade competente de outro Estado que tenha ratificado a Convenção, ou
que seja membro da União Europeia, a DGRM procede à detenção de um navio
enquanto não forem pagas as despesas efetuadas com o repatriamento, efetuado pelo
referido Estado, de marítimo afeto a esse navio.
Esta norma foi influenciada pelo n.º 7 da regra 2.5. da Diretiva 2009/13/CE, do
Conselho, de 16 de fevereiro de 2009, de acordo com a qual os Estados-Membros
devem facilitar o repatriamento de marítimos ao serviço de navios que fizerem escala
nos seus portos ou que passarem pelo seu território ou águas interiores, bem como a sua
substituição a bordo.
8. CAUÇÃO
Para garantir o pagamento referido no número 8, o armador deve constituir uma
caução no valor correspondente a três meses da retribuição mínima mensal garantida
por cada trabalhador a bordo, que no total não pode ser inferior a 100 meses, mediante
depósito, garantia bancária ou contrato de seguro a favor do serviço competente do
ministério responsável pela área do mar (artigo 20.º, n.º 9).
A não constituição da caução pelo armador representa uma contraordenação grave
(n.º 10).
De acordo com a Regra 2.5, n.º 2, da CTM 2006, todos os Membros devem exigir
dos navios que arvoram a sua bandeira que concedam uma garantia financeira com vista
a assegurar o repatriamento dos marítimos, de acordo com o Código.
9. MENORES MARÍTIMOS
Com a CTM 2006 a OIT manifestou preocupações a propósito do repatriamento
dos menores. No entanto e a nosso ver infelizmente, essas preocupações não foram
refletidas na lei portuguesa.
233
Em primeiro lugar, conforme o n.º 3 do Princípio orientador B2.5.2 da CTM
2006, se se verificar que, após ter estado ao serviço de um navio por um período
mínimo de quatro meses na sua primeira viagem ao estrangeiro, o marítimo menor de
18 anos não está apto para a vida no mar, deveria ter a possibilidade de ser repatriado,
sem custos para o próprio, do primeiro porto de escala que lhe convenha, onde haja
serviços consulares do Estado de bandeira do navio ou do Estado de nacionalidade ou
de residência do jovem marítimo. O repatriamento efetuado nas condições acima
referidas, bem como os seus motivos, deveriam ser comunicados às autoridades que
emitiram o documento que permitiu o embarque do jovem marítimo.
Em segundo lugar e a propósito das férias dos marítimos, o n.º 1 do Princípio
orientador B2.4.4, recomenda-se o direito ao repatriamento para o local onde foi
efetuado o contrato no país do seu domicílio com a finalidade de gozarem as férias
cumuladas durante a viagem, como uma das medidas a aplicar a todos os marítimos
menores de 18 anos que tenham trabalhado seis meses ou um período inferior, ao abrigo
de uma convenção coletiva ou de um contrato de trabalho marítimo, sem ter gozado
férias, a bordo de um navio que viaje para o estrangeiro, que não tenha regressado ao
país do seu domicílio durante este período e que não venha a regressar nos três meses de
viagem subsequentes.
10. OUTROS ASPETOS
O direito do marítimo ao repatriamento é uma das menções obrigatórias do
contrato de trabalho a bordo de navio (artigo 7.º, n.º 1, alínea i), da LAMBN).
As normas da presente lei relativas ao repatriamento devem estar disponíveis em
língua inglesa, sujeitando-se a serem objeto de inspeção pela autoridade competente do
porto em que o navio faça escala e do acordo celebrado pela ECSA e pela ETF relativo
à Convenção, e do anexo à Diretiva 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro de
2009, para consulta da referida autoridade e das pessoas que trabalham a bordo,
incluindo o comandante (artigo 27.º, n.º 2, da LAMBN).
Por fim, apesar de o legislador não se pronunciar a este respeito, importa
esclarecer que nem o tempo de espera para o repatriamento nem o tempo da viagem
deverão ser deduzidos ao período de férias remuneradas a que têm direito os
trabalhadores marítimos. Esta conclusão já constava do artigo 7.º da Convenção n.º 166
da OIT, transposta para o n.º 4 do Princípio orientador B2.5.1 da CTM 2006.
234
11. ABANDONO
A CTM 2006 não prevê de forma direta o problema do abandono dos marítimos.
No entanto, a Conferência Internacional do Trabalho da OIT aprovou na 103.ª
sessão, em junho de 2014, emendas ao código da CTM 2006 em matéria de
repatriamento – Norma A2.5 –, prevendo um mecanismo de garantia patrimonial
financeira, rápida e eficaz, que permita prestar assistência aos marítimos em caso de
abandono pelo empregador.
Assim, quando o empregador se recuse a assumir os custos do repatriamento dos
marítimos, quando os tenha deixado sem apoio e sem meios de subsistência necessários
e tenha provocado a cessação unilateral da relação laboral, essa garantia deve ser
acionada.
Espera-se que estas emendas de 2014 entrem em vigor a nível internacional em
2017.
Vindo estas alterações a ser adotadas pelos Estados, Portugal deverá criar
mecanismos de modo a acolhê-las na sua ordem jurídica interna.
CAPÍTULO V
O CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
O regime laboral comum prevê que o contrato de trabalho possa ser celebrado sem
termo, ou a termo certo (resolutivo) ou incerto.
Para MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, o contrato de trabalho a
termo resolutivo é a modalidade de contrato de trabalho cujos efeitos se encontram na
dependência de um evento futuro certo. Tratando-se de um termo resolutivo, o contrato
cessará por caducidade com a verificação do referido evento. O termo pode ser certo ou
incerto, nos termos gerais, consoante o evento futuro seja certo quanto à sua verificação
e quanto ao momento em que ocorrerá ou apenas quanto à sua verificação”349.
Refere ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES que “existe termo certo quando
se trata de um momento ou acontecimento que seguramente ocorrerá em momento
rigorosamente determinado e termo incerto para significar um evento que seguramente
(em condições normais) ocorrerá, mas em momento indeterminado.” Adianta este autor
349 RAMALHO, Maria do Rosário Palma, Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, pág. 223.
235
que, “relativamente ao contrato de trabalho a termo certo, a aposição de termo final
envolve uma consolidação do contrato pelo tempo estipulado”.350
O regime laboral comum prevê, no artigo 140.º, n.º 1, do CT, que o contrato de
trabalho a termo resolutivo “só pode ser celebrado para satisfação de necessidade
temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa
necessidade”. O citado artigo 140.º, n.º 2, elenca as situações suscetíveis de
constituírem necessidades temporárias da empresa351.
Como vimos, o setor de atividade dos transportes marítimos, em particular a
marinha de comércio, atua num contexto que difere, em muito, das demais atividades
económicas, destacando-se, a título meramente exemplificativo, fatores como as
ausências prolongadas da residência, especiais exigências de disciplina, a solidariedade
entre empregador e trabalhadores, a descentralização dos centros de decisão do
empregador para outros trabalhadores (comandante) e, ainda, como refere Menezes
Cordeiro352, a “preservação do dinamismo marítimo-comercial.
Este último fator é, de resto, o interesse vital que subjaz à generalidade do acervo
normativo, nacional e internacional, que regula este setor e que transparece na maior
flexibilidade e liberdade inerente às relações laborais constituídas no seu seio.
Tais fatores de diferenciação e especiais características de funcionamento do setor
justificaram, e justificam, o regime jurídico especial para estes contratos, agora regidos
pela LAMBN.
Uma das principais especificidades do trabalho a bordo de navios é precisamente
a duração do contrato de trabalho.
350 FERNANDES, António Monteiro, Direito do Trabalho, 2010, pp. 330 e ss. 351 Determina o artigo 140.º, n.º 2, do CT, que “Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: a) Substituição direta ou indireta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar; b) Substituição direta ou indireta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo ação de apreciação da licitude de despedimento; c) Substituição direta ou indireta de trabalhador em situação de licença sem retribuição; d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado; e) Atividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima; f) Acréscimo excecional de atividade da empresa; g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro; h) Execução de obra, projeto ou outra atividade definida e temporária, incluindo a execução, direção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração direta, bem como os respetivos projetos ou outra atividade complementar de controlo e acompanhamento.” 352 CORDEIRO, António Menezes - Direito marítimo, cessão de exploração de um navio, contrato de trabalho a bordo particular responsabilidade marítima emergente da matrícula, parecer do professor doutor Menezes Cordeiro, CJ, III, 1988, p. 37 e ss.
236
Nos termos do artigo 6.º da Convenção n.º 22 sobre o Contrato de Trabalho dos
Marítimos, de 1926353, que regula a matéria das formas de contratação de trabalhadores
marítimos, é admitida a celebração de contrato de trabalho por tempo determinado, ou
por viagem, ou, se a legislação nacional o permitir, por tempo indeterminado (estando
por isso patente a natureza excecional da contratação por tempo indeterminado).
Além disso, a Convenção n.º 22 não contém nenhuma norma que obrigue as
partes a instruírem o contrato de trabalho a termo com factos que justificam os motivos
da contratação nesses moldes.
No seguimento das alterações internacionais nesta matéria, o legislador nacional
referia, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, que uma das principais
novidades do regime seria a de passar a admitir-se a possibilidade de celebração de
contratos de trabalho sem prazo. Esta circunstância não era inócua, porquanto inculca,
com clareza, a diferença deste regime relativamente ao regime geral do contrato de
trabalho, uma vez que no regime do contrato de trabalho a bordo o contrato a termo é,
pela natureza da atividade, a regra e não a exceção.
A propósito das modalidades do contrato de trabalho a termo, o regime anterior
previa o contrato de trabalho com prazo certo, quando celebrado por tempo determinado
e com prazo incerto “quando celebrado por uma ou mais viagens ou para substituição
de um tripulante.”
Atualmente, a CTM 2006 apenas refere que o contrato de trabalho marítimo deve
incluir o termo do contrato e respetivas condições, nomeadamente: i) nos contratos
celebrados por tempo indeterminado, as condições em que cada uma das partes poderá
denunciá-lo, bem como o prazo de aviso prévio, que não deverá ser mais curto para o
armador do que para o marítimo; ii) nos contratos a termo certo, a data da sua cessação;
iii) nos contratos celebrados para uma só viagem, o porto de destino e o prazo após o
qual o contrato do marítimo cessa depois da chegada ao destino (Norma A2.1, n.º 4,
alínea g)).
Por conseguinte, esta norma apenas permite concluir, ainda que indiretamente,
que continua a prever-se a possibilidade de celebração de um contrato de trabalho a
termo certo, por viagem e por tempo indeterminado.
Além disso, a CTM 2006 também não faz quaisquer referências à necessidade de
fundamentos ou motivos justificativos da celebração do contrato de trabalho a termo, o
353 Vigente desde 4 de abril de 1928 e ratificada pelo Decreto n.º 112/82, de 11 de outubro.
237
que se revela como desvio ao regime geral dos contratos de trabalho a termo.
Nesta senda, inspirando-se nas alterações introduzidas pela CTM 2006, a
LAMBN também não introduziu quaisquer especificidades a propósito das condições
específicas para a celebração de contratos de trabalho a bordo de navios por período
determinado, deixando de fazer referência direta ao contrato cuja duração correspondia
à duração da viagem do navio, e tendo seguido, como veremos, a indicação indireta das
modalidades de contrato de trabalho a termo previstas para o trabalho marítimo.
Na verdade, o legislador nacional limitou-se a reproduzir o teor da CTM 2006,
sem ter regulado efetivamente o regime aplicável aos contratos de trabalho marítimo
celebrados a termo, o que poderá conduzir a imprecisões na aplicação do direito.
Tal facto constitui assim uma regressão legislativa, porque não adequada às
especificidades dos contratos de trabalho a bordo. Ademais, há um claro afastamento
das opções legislativas que têm sido adotadas por outros ordenamentos jurídicos
europeus.
Em França, o contrato de trabalho marítimo a termo pode ser celebrado por um
período certo ou por uma viagem.
O legislador francês reconhece o “Contrat au voyage” como uma modalidade
específica de contrato de trabalho a termo. A duração deste contrato é definida com base
na duração da viagem. A duração da viagem corresponde assim ao termo do contrato.
Nestes casos, a viagem é considerada completa quando as operações comerciais e
marítimas tiverem sido realizadas, tal como definido no contrato. Se não for possível
avaliar a duração aproximada da viagem, o contrato estabelece uma duração máxima, no
termo da qual o marítimo pode exigir a sua saída no primeiro porto de desembarque na
Europa, mesmo se a viagem não for concluída (artigo L5542-9 do Código dos
Transportes).
As normas relativas aos motivos justificativos necessários para a celebração de
contratos de trabalho de duração determinada, previstas nos artigos L1242-1 e L1242-2
do Código do Trabalho francês, não se aplicam ao trabalho marítimo (artigo L5542-7 C
do Código dos Transportes).
Tal solução resulta precisamente da especificidade temporária do setor de
atividade em causa.
Não obstante, o Código dos Transportes francês prevê alguns casos específicos
em que os contratos de trabalho marítimo podem ter duração determinada: para
238
promover o embarque de determinadas pessoas que procuram emprego em certas
categorias de trabalhadores marítimos, para completar a formação (cumprimento do
tempo de navegação, realização de exames, obtenção de diplomas), para a substituição
de um trabalhador ausente, para preencher vagas sazonais, para a execução de mercados
a nível internacional (artigo L5542-14 do Código dos Transportes)354.
No entanto, neste ordenamento jurídico, o contrato de trabalho de duração
limitada, seja qual for a razão, não pode ter por objeto nem por efeito preencher de
forma permanente o trabalho relacionado com a atividade normal em curso nos navios.
Por essa razão, o legislador francês estabelece várias regras relacionadas com a
conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho por tempo
indeterminado.
De acordo com o artigo L5542-45, o contrato de trabalho cessa automaticamente
na data de vencimento do prazo. Nos casos em que o termo do contrato sobrevém
durante uma viagem, o contrato cessa no momento da chegada no primeiro porto onde o
navio opere uma transação comercial. No entanto, se o regresso do navio a França
estiver previsto até ao máximo de um mês a contar do termo do contrato de trabalho, a
cessação ocorre apenas com a chegada do navio a um porto francês.
Importa referir que, sem prejuízo das disposições do artigo L5542-45, o prazo
total do contrato não pode exceder doze meses do embarque efetivo (artigo L5542-8 do
Código de Transportes). Ao abrigo do mesmo artigo, o contrato por um período fixo
pode incluir uma cláusula que preveja o adiamento do prazo limite. No entanto, o prazo
apenas pode ser adiado uma única vez.
A propósito da sucessão de contratos de trabalho a termo, de acordo com o artigo
L5542-13, quando dois ou mais contratos de trabalho sucessivos ou descontinuados
celebrados entre o marítimo e um empregador por pelo menos dezoito meses de serviço,
nove meses dos quais de embarque efetivo, no decurso de um período de vinte e sete
meses contados a partir do primeiro embarque, o novo contrato celebrado entre o
marítimo e o empregador antes do termo deste prazo é indeterminado.
Em Itália, o contrato de trabalho pode ser celebrado por uma ou várias viagens,
354 Sobre a interpretação do regime do contrato de trabalho a termo vd Les cas de recours au contrat à durée déterminée, em www.obs-droits-marins.fr: “Le code des transports prévoit les cas de recours propres aux CDD maritimes : en vue de favoriser l’embarquement de demandeurs d’emploi, en vue d’un complément de formation, de l’obtention d’un diplôme ou de la validation d’un brevet, pour le remplacement d’un salarié absent, pour des emplois saisonniers, pour l’exécution d’un marché international (article L. 5542-14 C. Transp.)”.
239
por termo certo, incerto ou indeterminado. Se não for estipulada no contrato a sua
duração, este considera-se celebrado por tempo indeterminado (artigo 332.º, n.º 7, do
Código da Navegação).
De acordo com o artigo 326.º do Código da Navegação italiano, os contratos a
termo e o contrato celebrado por viagem, não podem ser concluídos por um período
superior a um ano. Se forem celebrados por um período superior, consideram-se
celebrados por tempo indeterminado. Assim, o contrato celebrado por um período
superior a um ano é convertido num contrato sem termo.
Se, face à existência de mais contratos por viagem, de mais contratos a termo ou
de mais de um contrato de um ou outro tipo, o trabalhador prestar serviço ininterrupto
ao mesmo armador por período superior a um ano, o contrato é regido pelas regras
relativas aos contratos celebrados por tempo indeterminado. Para efeitos da aplicação
deste regime, o serviço será ininterrupto quando entre a cessação de um contrato e a
conclusão do próximo contrato decorrer um período não superior a sessenta dias.
Nos termos do artigo 340.º do mesmo diploma, o contrato celebrado por uma ou
mais viagens cessa com a realização da viagem ou da última viagem prevista no
contrato.
De acordo com o artigo 341.º, o contrato celebrado por tempo determinado cessa
com o termo do prazo acordado pelas partes. No entanto, se o prazo terminar durante a
viagem, o contrato é prorrogado até ao dia em que o navio chegue ao porto de destino
final. Se o destino final for um porto estrangeiro e o navio tiver de iniciar outra viagem
diretamente para um porto italiano, o trabalhador deve continuar a prestar o seu trabalho
a bordo, mas, decorrido o período determinado pelas normas corporativas ou, na sua
falta, pelas práticas consuetudinárias, o trabalhador direito a um acréscimo de salário
previsto nas ditas normas ou práticas.
Por fim, se o navio empreender nova viagem para um porto estrangeiro ou não
diretamente para um porto nacional e o trabalhador consentir em permanecer a bordo, a
relação contratual continua nas condições estabelecidas no contrato, mas o trabalhador
tem direito ao acréscimo salarial referido no parágrafo anterior.
A propósito da sucessão dos contratos de trabalho a termo, cabe ainda apreciar o
regime aplicável na UE e a sua relevância para os trabalhadores marítimos.
No seio da UE foi celebrado o acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a
240
contratos de trabalho a termo que figura no anexo à Diretiva 1999/70/CE, de 28 de
junho de 1999 355 , o qual estabelece os princípios gerais e os requisitos mínimos
relativos aos contratos de trabalho a termo, reconhecendo que a sua aplicação
pormenorizada deve ter em conta a realidade e especificidades das situações nacionais,
setoriais e sazonais. Este acordo afirma ainda a vontade dos parceiros sociais em
estabelecerem um quadro geral que garanta a igualdade de tratamento em relação aos
trabalhadores contratados a termo, protegendo-os contra discriminações e a utilização
dos contratos de trabalho a termo numa base aceitável tanto para empregadores como
para trabalhadores356.
Este acordo-quadro, celebrado entre as organizações interprofissionais de vocação
geral, determina os princípios gerais e as prescrições mínimas relativas ao trabalho a
termo e estabelece um quadro geral destinado a assegurar a igualdade de tratamento aos
trabalhadores a termo.
O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se a propósito do contrato de
trabalho marítimo a termo, no caso Fiamingo357.
Este caso resultou de uma ação intentada por Maurizio Fiamingo, Leonardo
Zappalà e Francesco Rotondo (marítimos) contra a Rete Ferroviaria Italiana SpA
(empregadora) no Tribunale di Messina, em que pediam a declaração da nulidade dos
contratos de trabalho a termo, a conversão desses contratos em contratos de trabalho
sem termo, a sua recontratação imediata ou a sua reintegração no posto de trabalho e o
pagamento de uma indemnização pelo prejuízo sofrido.
Estes marítimos prestaram trabalho, no âmbito de contratos a termo358, por conta
do seu empregador durante um período inferior a um ano, tendo decorrido um período
inferior a 60 dias entre a cessação de um contrato de trabalho e a celebração do contrato
seguinte. Estava em causa a questão da sucessão de contratos de trabalho a termo.
355 Transposta para Portugal pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho. 356 Este acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo com exceção daqueles que são colocados por uma empresa de trabalho temporário à disposição de uma empresa utilizadora (cf. preâmbulo do acordo). 357 Tribunal de Justiça da União Europeia, Comunicado de Imprensa n° 92/14, Luxemburgo, 3 de julho de 2014. Acórdão nos processos apensos C-362/13, C-363/13 e C-407/13. 358 Maurizio Fiamingo, Leonardo Zappalà, Francesco Rotondo e as outras partes no processo são marítimos inscritos no registo dos marítimos. Posteriormente ao ano de 2001, foram contratados pela Rete Ferroviaria Italiana (RFI) mediante contratos a termo sucessivos celebrados para uma ou mais viagens e por 78 dias no máximo. Os marítimos em causa embarcaram em ferries para efetuar uma viagem entre a Sicília e a Calábria (Messine/Villa San Giovanni, Messine/Reggio Calabria). Trabalharam por conta da RFI durante um período inferior a um ano, tendo decorrido sempre um período inferior a 60 dias entre dois contratos.
241
O TJUE considerou que, tal como resulta do artigo 2.°, n.º 1, do acordo-quadro
CES, UNICE e CEEP, o seu âmbito de aplicação é concebido de modo amplo e que, por
isso, abrange os todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores marítimos, uma vez
que este acordo não exclui nenhum setor específico.
O TJUE reconheceu ainda que, não obstante o direito da UE conter disposições
destinadas a regular especificamente o setor marítimo - em especial, o acordo relativo à
CTM 2006359 -, nem esse nem outros atos adotados pelo legislador da UE no que diz
respeito ao setor marítimo contêm regras destinadas a garantir a aplicação do princípio
da não discriminação dos trabalhadores a termo ou a evitar os abusos decorrentes da
utilização de contratos a termo sucessivos.
Daqui resulta que, aos marítimos, é aplicável qualquer outra disposição mais
específica em vigor na UE ou que confira uma proteção de grau mais elevado, como é o
caso do acordo-quadro CES, UNICE e CEEP.
Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que o acordo-quadro não
contém nenhuma disposição relativa às indicações formais que devem constar dos
contratos a termo, à luz do direito da UE a Itália podia prever, na sua legislação, que
apenas a duração do contrato (e não a data em que ocorre o termo) deve ser
mencionada360.
O Tribunal de Justiça recordou que o acordo-quadro assenta na ideia de que um
dos elementos da maior importância para a proteção dos trabalhadores é a estabilidade
do emprego. A fim de prevenir a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, o
acordo-quadro impõe aos Estados-Membros que prevejam ou as razões objetivas que
359 Aplicado pela Diretiva 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro de 2009. 360 De acordo com o artigo 325.° do Código da Navegação italiano, o contrato de trabalho pode ser celebrado para uma viagem determinada ou para mais viagens; a termo; sem termo. Nos termos do artigo 326.° do Código da Navegação: «O contrato a termo e o contrato para mais do que uma viagem não podem ser celebrados por um período superior a um ano; se forem celebrados por um período superior, consideram-se celebrados sem termo. Se, por força de vários contratos para várias viagens, ou de vários contratos a termo, ou de vários contratos de um ou outro tipo, o contratado prestar trabalho, por conta do mesmo armador, por um período ininterrupto superior a um ano, o contrato de trabalho é regulado pelas normas aplicáveis ao contrato sem termo. Para efeitos do parágrafo anterior, a prestação de trabalho considera-se ininterrupta quando, entre a cessação de um contrato e a celebração do contrato seguinte, decorrer um período não superior a sessenta dias». Já o artigo 332.° do Código da Navegação enuncia o seguinte, “O contrato de trabalho deve mencionar: [...] 4) a viagem ou as viagens a efetuar e o dia em que o contratado deve entrar ao serviço, se o contrato for para uma ou mais viagens; a data da entrada em vigor e a duração do contrato, se o contrato for celebrado a termo (…)”. Por sua vez, o artigo 374.° do Código da Navegação prevê o seguinte: “As disposições do artigo 326.° [...] podem ser derrogadas por normas corporativas; não podem ser derrogadas por um contrato individual de trabalho, salvo se a derrogação beneficiar o trabalhador. Todavia, as normas corporativas não podem aumentar o termo previsto no primeiro e segundo parágrafos do artigo 326.°, nem diminuir o período previsto no terceiro parágrafo do mesmo artigo.”
242
justificam a renovação do contrato ou a duração máxima total dos contratos, ou ainda o
número de renovações possíveis do contrato. Em contrapartida, não os obriga a prever a
conversão dos contratos a termo em contratos sem termo e não determina as condições
em que se pode fazer uso dos contratos sem termo, desde que o direito nacional –
qualquer que seja a medida escolhida – evite eficazmente a utilização abusiva de
contratos a termo.
Por conseguinte, as autoridades nacionais devem adotar medidas proporcionadas,
efetivas e dissuasoras para garantir a plena eficácia das normas aprovadas em aplicação
do acordo-quadro.
O TJUE explicou que a norma italiana, prevista no artigo 326.° do Código da
Navegação, é suscetível de conter, em simultâneo, uma medida legislativa existente
equivalente à medida preventiva do recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo
sucessivos estabelecida no artigo 5.°, n.º 1, alínea b), do acordo-quadro, relativa à
duração máxima total desses contratos, e uma medida que pune efetivamente esta
utilização abusiva.
Assim, o TJUE considerou que a legislação italiana está em conformidade com os
requisitos previstos no acordo-quadro, uma vez que prevê tanto uma medida preventiva
(duração máxima de um ano para contratos a termo sucessivos) e uma penalidade em
caso de abuso (conversão dos contratos de trabalho a termo sucessivos numa relação de
trabalho por tempo indeterminado, quando um trabalhador tenha sido continuamente
contratado pelo mesmo empregador por mais de um ano).
Regressando ao ordenamento jurídico português, não obstante a LAMBN não
fazer referência direta ao contrato cujo termo corresponde à duração da viagem, nem
por isso essa modalidade deixou de ser reconhecida. Isto porque, de acordo com o artigo
22.º da LAMBN, com a epígrafe “Caducidade do contrato de trabalho a termo”,
quando o marítimo tenha sido contratado por um prazo correspondente à duração
estimada da viagem, o contrato de trabalho caduca:
a. Decorrido o tempo necessário para completar a viagem, se superior ao
termo contratado;
b. Em caso de naufrágio, concluídos os trabalhos relativos à salvação de
pessoas e bens;
c. Em caso de acidente ou motivo de força maior, logo que a embarcação
243
tenha sido posta em segurança;
d. Estando a embarcação admitida à livre prática, fundeada, amarrada ou
descarregada no porto onde o contrato deva terminar, salvo estipulação
em contrário.
Nos termos do n.º 2, se os factos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior
ocorrerem antes do termo do prazo convencionado, o contrato de trabalho também
caduca.
Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, al. ii), da LAMBN, os prazos de aviso prévio por
parte do marítimo ou do armador devem constar do contrato de trabalho a bordo,
quando celebrado a termo certo. Os contratos de trabalho marítimo a termo devem
indicar as respetivas condições, nomeadamente361: nos contratos a termo certo, a data da
sua cessação e, nos contratos celebrados para uma só viagem, o porto de destino e o
prazo após o qual o contrato do marítimo cessa depois da chegada ao destino.
Significa isto que continua a prever-se a celebração de contratos de trabalho
marítimo a termo.
Apesar destas referências ao contrato de trabalho a termo, a LAMBN não
especifica, nem direta, nem indiretamente, as razões objetivas que terão de se verificar
para que se possa celebrar um contrato de trabalho a bordo por tempo determinado, pelo
que não exige qualquer fundamentação legalmente exigível para os contratos a termo.
Tal circunstância, ponderadas as especificidades deste setor de atividade, pode
explicar-se por duas ordens razões, a saber:
i. O motivo da contratação a termo decorre da própria natureza da atividade
– as viagens originam uma necessidade temporária de trabalho, a qual é
precisamente definida e não duradoura;
ii. No trabalho a bordo a contratação a termo tem sido a regra, pelo que, à
partida, não se verificam aqui as mesmas exigências de indicação de
motivos ou fundamentação entendidas como elemento de excecionalidade
da contratação.
Quanto ao primeiro ponto, é evidente que a contratação a termo no trabalho a
bordo tem sempre subjacente a realização de um transporte de mercadorias por via
361 Acordo celebrado pela Associação de Armadores da Comunidade Europeia (ECSA) e pela Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) relativo à Convenção sobre Trabalho Marítimo, 2006, aplicado pela Diretiva 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro de 2009 (Norma A2.1, n.° 4, al. g), da CTM 2006).
244
marítima, o qual é, naturalmente, limitado no tempo, razão pela qual, a necessidade de
trabalho é verdadeira e inequivocamente temporária pela natureza da atividade.
No que tange ao segundo ponto, atento o disposto no artigo 6.º da Convenção n.º
22 da OIT, resulta claro que o regime regra no trabalho a bordo é o contrato a termo,
razão pela qual inexiste a necessidade de invocação de fundamentos que o justifiquem.
Assim, tendo em conta estas especificidades próprias do contrato de trabalho a
bordo, não existe a mesma necessidade de invocação de fundamentos para a sua
celebração, típica do regime geral.
De facto, não é garantido que um armador tenha permanentemente trabalho para
ocupar os trabalhadores marítimos. Na realidade, apenas tem uma necessidade de
trabalho que dura o exato tempo de uma viagem – tarefa precisamente definida no
tempo. Por outro lado, esta medida visa, também, salvaguardar os trabalhadores, na
medida em que estes não estão obrigados a prestar trabalho a todo o tempo, garantindo-
se um período de defeso.
Este facto não é, de resto, estranho a outros regimes especiais vigentes na ordem
jurídica portuguesa como o contrato de trabalho desportivo onde, por idênticos motivos,
o regime regra é o da contratação a termo, chegando neste a afastar-se a possibilidade de
celebração de contratos sem termo.
Posto isto, apesar de a temporaneidade ser, em regra, intrínseca a este setor de
atividade, essa circunstância não torna inútil a inserção de um regime próprio para a
celebração do contrato de trabalho marítimo a termo, com especificidades próprias.
Consideramos por isso que as exigências relacionadas com a contratação a termo,
de molde a evitar a insegurança e instabilidade das relações laborais para os
trabalhadores, também devem ser aplicáveis aos trabalhadores marítimos. No entanto,
essa aplicação deveria ser ajustada às particularidades do setor.
Com efeito, o facto de a contratação em regra ser a termo e de não se exigirem os
mesmos motivos justificativos próprios do regime geral do trabalho, não implica que o
legislador não crie regras destinadas a regular a duração, a sucessão e conversão de
contratos de trabalho a termo. Mais ainda, não se exigirem motivos justificativos
poderia levar a uma utilização desmedida deste tipo de contratos, contrariando o direito
à segurança e estabilidade no emprego (tão estimada quer a nível internacional, quer a
nível comunitário) para os trabalhadores marítimos, pelo que, a regulação da duração
245
máxima, da sucessão e da conversão dos contratos a termo se torna ainda mais
relevante.
Sem essa regulação, não será possível constituir quadros permanentes de
tripulantes nas empresas, garantir a estabilidade de emprego para o trabalhador
marítimo, nem assegurar às empresas a formação de pessoal tecnicamente qualificado
para navios cada vez mais automatizados.
De acordo com o regime anterior, nos contratos do pessoal da marinha de
comércio era apenas admitido o prazo incerto «quando celebrado por uma ou mais
viagens ou para substituição de um tripulante» (artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-
Lei n.º 74/73). O contrato com prazo, certo ou incerto, superior a três anos considerava-
se um contrato por tempo indeterminado (artigo 2.º, n.º 2). E, sem prejuízo do disposto
no artigo 82.º, o contrato com prazo passaria a considerar-se sem prazo, salvo
estipulação escrita em contrário, quando o marítimo continuar ao serviço do armador
para além do prazo certo ou incerto de duração do contrato (artigoº 2º, n.º 4, do mesmo
diploma). Nos termos do referido artigo 82.º, “quando o tripulante tenha sido
contratado por um prazo correspondente à duração provável da viagem, o contrato
permanece válido, ainda que expirado tal prazo, por todo o tempo que for preciso para,
fazendo só escalas indispensáveis, completar a viagem do contrato”.
Esta consequência refletia o princípio da indeterminação do tempo do contrato de
trabalho.
No entanto, como vimos, a LAMBN não introduziu qualquer regra a esse respeito,
não referindo qualquer limitação quanto ao número de contratos celebrados ao longo do
tempo, nem sobre a sucessão de contratos a termo.
Ao interpretarmos esta opção do legislador como um desvio total ao regime geral,
estamos a permitir que os trabalhadores possam celebrar contratos a termo de forma
totalmente indefinida e duradoura, sem que estejam protegidos pelas mesmas condições
que os restantes trabalhadores.
Razão pela qual consideramos, na sequência do que foi também analisado pelo
TJUE no caso Fiamingo, que as referências específicas ao contrato de trabalho a bordo
por tempo determinado não deveriam ter sido eliminadas pela LAMBN. Pelo contrário!
Tendo em conta que esta é uma das formas de contratação mais habituais, o
legislador nacional deveria seguir o exemplo dos ordenamentos jurídicos aqui
246
mencionados, de forma a abordar questões específicas do trabalho marítimo a termo, em
especial no que diz respeito às vicissitudes que possam reduzir ou aumentar o período
da viagem, quando o termo for estabelecido com base na duração da viagem e suas
consequências para efeitos de remuneração; assim como estabelecer casos específicos
de sucessão de contratos de trabalho marítimo a termo e sua conversão do contrato em
contrato por tempo indeterminado.
Ao contrário da lei italiana, a legislação portuguesa não está em conformidade
com os requisitos previstos no acordo-quadro supra mencionado, uma vez que não
prevê medidas preventivas (duração máxima para contratos a termo sucessivos) nem
penalidades em caso de abuso (conversão de trabalho a termo sucessivos numa relação
de trabalho por tempo indeterminado), especificamente ajustadas ao setor marítimo.
Atenta a especificidade deste regime laboral e ao não existirem normas que
prevejam as razões objetivas que justificam a renovação do contrato, deveriam, pelo
menos, ser criadas normas especiais sobre a duração máxima total dos contratos e o
número de renovações possíveis do contrato a termo. Sem isso não existem condições
de evitar o abuso à contratação a termo de trabalhadores marítimos.
Assim, até que o legislador português volte a regular de forma especial esta
matéria, a única solução que permita o cumprimento do disposto no acordo-quadro será
a de, na ausência de legislação especial aplicável, aplicar o disposto no regime geral do
trabalho, em conformidade com o artigo 9.º do CT, que permite estender a aplicação das
disposições gerais dos contratos a termo ao regime do contrato de trabalho a bordo.
No entanto, como dissemos, a aplicação do regime geral não se encontra adequada
a este setor, uma vez que, ao não serem exigíveis fundamentos para a contratação a
termo e tendo em conta a frequente temporaneidade resultante das viagens efetuadas
para transportar a mercadoria e/ou passageiros, as regras da sucessão e conversão dos
contratos marítimos a termo deveriam ser mais rigorosas do que as dos contratos em
geral, tal como acontece no regime italiano.
247
CAPÍTULO VI
A INDEMIZAÇÃO EM CASO DE PERDA OU DE NAUFRÁGIO DO NAVIO
A indemnização em caso de perda do navio foi abordada pela OIT, em Genebra,
em 1920, pela Convenção n.º 8 sobre a indemnização por desemprego em caso de perda
por naufrágio362.
Ao abrigo do artigo 2.º, n.º 2, essa indemnização deverá ser paga por cada dia do
período efetivo de desemprego do marítimo, à taxa do salário pagável ao marítimo em
virtude do contrato, mas o montante total da indemnização pagável a cada marítimo
poderá ser limitado a dois meses de salário.
Desta forma, o marítimo deve ser compensado pelas consequências danosas
derivadas do naufrágio, que o obrigam a estar embarcado, durante algum tempo, sem
trabalho.
De acordo com a Norma A2.6 da CTM 2006, todos os Membros devem adotar
disposições para que, em caso de perda do navio ou de naufrágio, o armador pague a
cada marítimo a bordo uma indemnização para fazer face ao desemprego resultante da
perda ou do naufrágio.
Nos termos do Princípio orientador B2.6.1, a indemnização por desemprego
resultante da perda ou do naufrágio do navio deveria ser paga por todos os dias do
período efetivo de desemprego do marítimo, à taxa do salário a pagar em virtude do
contrato de trabalho, mas o montante total da indemnização a pagar a cada marítimo
poderá ser limitada a dois meses de salário, transportando por isso aquilo que já
constava da Convenção n.º 8 da OIT.
Além disso, a OIT considerou que todos os Membros deveriam assegurar que os
marítimos possam recorrer, para reclamar estas indemnizações, aos mesmos
procedimentos legais de que dispõem para reclamar salários em atraso auferidos durante
o tempo de serviço.
Em França, orientando-se por estas disposições, o legislador reconheceu que no
caso de naufrágio ou inavegabilidade da embarcação, o marítimo tem direito a uma
compensação pela duração do desemprego, pelo menos, igual ao montante do salário
estipulado pelo contrato, mas a quantidade total do benefício não pode ser superior a
mais de dois meses de salário (artigo L5546-3 do Código dos Transportes).
362 Convenção aprovada, para ratificação, em Portugal, pelo Decreto n.º 133/80, de 28 de novembro.
248
Em Portugal, com a publicação do RIM, que revogou o Decreto n.º 45 969, de 15
de outubro de 1964, esta matéria deixou de constar do regulamento de inscrição
marítima. A intenção do legislador era que esta matéria passasse a ser objeto do regime
jurídico do contrato de trabalho marítimo, visto ter considerado ser essa a sede própria.
Todavia, o regime anterior, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, não
chegou a ser revisto e a questão do repatriamento não se encontrava regulada em
qualquer diploma legal.
Face à lacuna existente, ter-se-ia de aplicar à situação de cessação do contrato
resultante de naufrágio, as regras gerais do CT.
Tendo em conta que o naufrágio representa uma situação de caducidade, porque
se verifica impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar
o seu trabalho ou de o empregador o receber, teria de aplicar-se o regime da caducidade
(artigos 343.º e ss. do CT).
Atualmente esse problema foi ultrapassado, uma vez que, de acordo com o artigo
23.º, n.º 1, da LAMBN, o armador deve indemnizar o marítimo por danos patrimoniais
resultantes de avaria, perda ou naufrágio, sendo que a violação desta obrigação constitui
contraordenação grave (n.º 3). Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, esta indemnização
não prejudica a compensação devida em caso de cessação do contrato de trabalho e a
reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, resultantes da perda de navio
ou naufrágio.
Como vimos, o legislador nacional, ao contrário do legislador francês, não
estabeleceu nenhum critério para definição do valor de indemnização, conforme
recomendado pela OIT, o que impede o aplicador da lei de recorrer a regras internas
para o cálculo da indemnização, precisando por isso de guiar-se pelas normas
internacionais, nomeadamente as que decorrem do artigo 2.º da Convenção n.º 8 da
OIT.
Contudo, para melhor definir o regime aplicável consideramos ser útil e vantajoso
acrescentar essas especificidades ao artigo 23.º, desde logo para um total conhecimento
do direito por parte dos marítimos, dos aplicadores e dos intérpretes.
249
CAPÍTULO VII
A SAÚDE E A SEGURANÇA DOS MARÍTIMOS
Em sentido amplo, a segurança marítima define-se como sendo o conjunto de
meios e ações para evitar riscos que possam pôr em perigo a vida e a saúde da
tripulação ou dos passageiros e, subsidiariamente, os bens transportados pelo navio no
meio marinho no qual se exerce a atividade363.
Para efeitos de estudo, organização, regulamentação e execução das várias tarefas
intrínsecas à segurança marítima, é comum subdividi-la em subtemas, entre os quais:
i. A Segurança da navegação – engloba as práticas corretas de exploração,
governo e manobra dos navios;
ii. A Salvaguarda da vida humana e segurança das pessoas e bens a bordo
– tem a ver com as normas de construção e equipamento dos navios, com os
métodos e técnicas de operação dos meios disponíveis a bordo, com a
organização da função da segurança interna do navio e com as técnicas de
sobrevivência;
iii. A Saúde, higiene e segurança no trabalho – cobre o conjunto de
metodologias adequadas à prevenção de acidentes de trabalho associados ao
local de trabalho e ao processo produtivo, as metodologias não médicas
necessárias à prevenção das doenças profissionais e a vigilância médica e
controlo dos elementos físicos e mentais que possam afetar a saúde.
iv. Defesa do meio marinho – compreende o conjunto de normas aplicáveis à
construção e operação dos navios tendentes a minimizar os riscos de
poluição do ambiente marinho e os métodos e técnicas aplicáveis em caso de
necessidade de combater ou limitar os efeitos de um eventual ato de
poluição;
v. Proteção das pessoas e dos bens a bordo dos navios – determina as
normas a observar a bordo dos navios e nos portos, de modo a garantir a
proteção de todos os que viajam por mar, em trabalho ou lazer, assim como
minimizar os atos ilícitos praticados tanto sobre as pessoas como com as
mercadorias transportadas;
363 SINCOMAR- Sindicato de Capitães E Oficiais De Marinha Mercante, Manual de Segurança no Trabalho a Bordo dos Navios , n.º 1/2012, p. 24.
250
No presente trabalho centrar-nos-emos no terceiro subtema: a saúde, higiene e
segurança no trabalho.
O exercício da atividade profissional a bordo de um navio requer especial atenção,
dadas as características que lhe são conferidas pelo isolamento geográfico, pela
diversidade dos perigos existentes e pelas especificidades técnicas de muitas atividades
exercidas a bordo que podem comprometer a segurança da navegação. De facto, o
trabalho marítimo, tendo presente as características e particularidades do meio onde é
realizado, assume elevados níveis de risco e de perigosidade.
Justifica-se, assim, a necessidade da existência a bordo de reforçadas regras e
sistemas de segurança e de promoção da saúde e de prevenção de acidentes de trabalho.
Após o acidente ocorrido com o “Titanic” a 14 de abril de 1912, em que morreram
1514 das 2224 pessoas que seguiam a bordo, a comunidade internacional passou a
prestar especial atenção aos aspetos da segurança marítima e da salvaguarda da vida
humana no mar.
Por esse motivo, esta atividade tem vindo a ser regulamentada por convenções
internacionais, as quais comportam um conjunto de requisitos e de recomendações que
visam promover a segurança, a saúde e a integridade do trabalhador marítimo
contribuindo para a minimização dos acidentes pessoais a bordo dos navios.
Deste modo, o legislador tende a criar regras que orientam as atuações dirigidas à
prevenção da segurança e saúde dos trabalhadores, através da definição de
responsabilidades do armador e do comandante neste domínio, de uma formação e
informação dos trabalhadores sobre o material e equipamento médicos existentes a
bordo e sobre as medidas de assistência médica e de socorro a tomar em caso de
acidente ou de urgência médica vital.
Esta preocupação surge com a necessidade de aplicação das técnicas de prevenção
dos perigos inerentes às diversas atividades possíveis de executar a bordo, de modo a
evitar ao máximo a necessidade de aplicação das técnicas de combate ao acidente e de
reparação dos danos por ele causados.
Sobre este tema, a OIT redigiu a Convenção n.º 134 que abordava a Prevenção de
Acidentes do Trabalho dos Marítimos, aprovada na 55.ª sessão da Conferência
Internacional do Trabalho (Genebra – 1970), que entrou em vigor no plano
internacional em 17 de fevereiro de 1973, e a Convenção n.º 164 da OIT, relativa à
Proteção à Saúde e Assistência Médica aos Trabalhadores Marítimos, aprovada na 74ª
251
sessão da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra – 1987), entrou em vigor no
plano internacional no dia 11 de janeiro de 1991. Assinale-se que nem uma nem outra
foram ratificadas por Portugal.
A OIT criou ainda recomendações práticas criadas para utilização pelos
profissionais responsáveis pela saúde e segurança dos trabalhadores a bordo de navios,
com o objetivo de prevenir acidentes, doenças e outros acontecimentos de risco à para a
saúde dos marítimos, provenientes do trabalho a bordo de navios no mar e nos portos.
A OIT publicou o Código de Práticas de Segurança para Prevenção de Acidentes
a Bordo de Navios no Mar e nos Portos, de 1996 (“ILO Code of Practice on Accident
Prevention on Board Ship at Sea and in Port”), aprovado para publicação em novembro
de 1994, no decorrer da sua 261.ª sessão, o qual cria uma linha de orientação para a
implementação das disposições da Convenção Marítima para a Prevenção de Acidentes
de Trabalho, 1970 (n.º 134), e Recomendação de 1970 (n.º 142), bem como de outras
Recomendações e Convenções aplicáveis da OIT.
Este código trata da segurança e da saúde de todos os marítimos que trabalham a
bordo de navios, armados pública ou privadamente, que atuam normalmente na
navegação marítima comercial.
Para além disso, a OIT adoptou o Code of practice on ambient factors in the
workplace, em 2001.
Como veremos, também a CTM 2006 aborda esta matéria, no seu Título, 4 sobre
a proteção da saúde, cuidados médicos, bem-estar e proteção em matéria de segurança
social
Mais recentemente a OIT publicou, a 5 de março de 2012, um guia para a
implementação de regras de segurança e saúde no trabalho marítimo relativo às
disposições da Convenção de Trabalho Marítimo de 2006 - Guidelines for implementing
the occupational safety and health provisions of the Maritime Labour Convention,
2006, de outubro de 2014, doravante designado Orientações OSH.
Por sua vez, a OMI é também responsável por um conjunto importante de
códigos, convenções, regulamentos e recomendações internacionais que cobrem um
conjunto alargado de temas relacionados com a atividade marítima, entre os quais e com
maior importância, no campo da segurança marítima, com destaque para as seguintes
convenções:
252
i. SOLAS – Safe of Life at Sea, que integra o Código ISM (International
Safety Management Code
ii. COLREG – International Regulation for Preventing Collisions at Sea
iii. MARPOL – International Convention for the Prevention of Pollution from
Ships 8, Convenção de Torremolinos – The Torremolinos International
Convention for the Safety of Fishing Vessels
iv. STCW – International Convention on Standards of Training, Certification
and Watchkeeping for Seafares.
Destacamos a importância do Código Internacional de Gestão da Segurança de
Exploração dos Navios e para a Prevenção da Poluição, vulgarmente conhecido como
ISM Code, que resulta da Resolução A.741 adotada em 4 de novembro de 1993 na 18.ª
Assembleia-Geral da IMO, o qual se tornou parte integrante da SOLAS 1974.
O ISM é obrigatório desde 1 de junho de 1998 para todas as companhias com
navios de passageiros, navios graneleiros, navios-tanques petroleiros e de químicos e
navios de transporte de gases liquefeitos; desde 1 de junho de 2002 para todas as
companhias que operem navios mercantes de mais de 500 GRT (Gross Register
Tonnage) e desde 1 de junho de 2006 para todas as companhias que operem navios
mercantes de mais de 150 GRT.
O Código ISM estabelece os requisitos mínimos para a implementação de um
Sistema de Gestão de Segurança (SMS – Safety Management System), tendo em vista o
reforço da segurança a bordo dos navios. Este sistema, com regras relativas à
organização de segurança e saúde no trabalho, deve ser implementado nos navios.
Após os trágicos eventos de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da
América, a OMI adotou o Código Internacional para proteção de Navios e Instalações
Portuárias- Código ISPS, na Conferência Diplomática sobre Proteção Marítima
realizada em Londres em dezembro de 2002. Este Código veio estabelecer os requisitos
obrigatórios relativos às disposições do capítulo XI-2 do anexo da Convenção SOLAS
1974.
Realçamos também a importância do Code of Safe Working Practices for
Merchant Seamen, edição de 2015, publicado a 4 de setembro de 2012, pela Maritime &
Coastguard Agency, autoridade competente do Reino Unido, que compendia várias
regras relativas à segurança no trabalho marítimo.
253
No entanto, as normas destes diplomas da OMI dizem essencialmente respeito à
segurança marítima em geral, não se focando propriamente na segurança e saúde no
trabalho a bordo.
A propósito da segurança e higiene no trabalho a bordo dos navios, será de
destacar o documento intitulado Guidelines On The Basic Elements Of A Shipboard
Occupational Health And Safety Programme (SOHSP), da OMI, que contém os
elementos básicos que devem constar o Programa de segurança e higiene no trabalho a
bordo de navios.
Uma última nota introdutória para esclarecer que a matéria da segurança e saúde
no trabalho poder ser analisada em duas vertentes distintas: (i) a da prevenção (proteção
da saúde e da segurança e prevenção dos acidentes, que envolve os cuidados médicos a
bordo dos navios e em terra); e (ii) a da reparação (doenças profissionais e acidentes de
trabalho).
Em Portugal, esta matéria está essencialmente assim desdobrada:
Prevenção de acidentes e proteção da saúde: i. Código do Trabalho (artigos 281.º e ss),
ii. Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que aprova o regime jurídico da
promoção da segurança e saúde no trabalho;
iii. Decreto-Lei n.º 348/93, de 1 de outubro, que transpôs para a ordem
jurídica interna a Diretiva n.º 89/656/CEE, do Conselho, de 30 de
novembro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde
para a utilização pelos trabalhadores de equipamento de proteção
individual no trabalho;
iv. LAMBN;
v. Decreto-Lei n.º 274/95, de 23 de outubro, que transpôs para a ordem
jurídica interna a Diretiva n.º 92/29/CEE, do Conselho, de 31 de
março, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde que
visam promover uma melhor assistência médica a bordo dos navios.
Acidentes de trabalho e doenças profissionais:
i. CT;
ii. LAMBN;
iii. LAT.
254
Especificamente em matéria de prevenção de acidentes marítimos, destacamos o
Decreto-Lei n.º 180/2004, de 27 de julho, que transpôs para a ordem jurídica nacional a
Diretiva n.º 2002/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho,
relativa à instituição de um sistema comunitário de acompanhamento e de informação
do tráfego de navios, para prevenção de acidentes e a prevenção da poluição do mar, e o
Decreto-Lei n.º 51/2005, de 25 de fevereiro, que transpôs para a ordem jurídica interna
a Diretiva n.º 2002/84/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de novembro,
que altera as Diretivas em vigor no domínio da segurança marítima e da prevenção da
poluição por navios.
No âmbito da segurança e saúde no setor marítimo, o Decreto-Lei n.º 167/99, de
18 de maio, transpôs para o nosso ordenamento jurídico três Diretivas da UE, criando
um conjunto de normas a aplicar aos equipamentos marítimos a fabricar ou a
comercializar em território nacional ou a instalar em embarcações nacionais sujeitas a
certificação de segurança por força do disposto nas convenções internacionais
aplicáveis364.
SUBCAPÍTULO I
A PREVENÇÃO DE ACIDENTES E A PROTEÇÃO DA SAÚDE
“ An ounce of prevention is worth a pound of cure”
- Benjamin Franklin
A vertente da prevenção assume máxima importância, pois é aquela que tem o
menor custo tanto financeiro como económico-social.
A exploração do navio compreende um conjunto de operações de ponte, máquina,
equipamento, casco, manobras diversas, movimentação de cargas ou operação de artes
de pesca, que têm por objetivo fazer com que a expedição marítima seja lucrativa e
segura.
364 Este diploma foi alterado pela segunda vez pelo DL n.º 59/2016, de 30 de agosto, que transpõe a Diretiva (UE) 2015/559, da Comissão, de 9 de abril de 2015, que altera a Diretiva n.º 96/98/CE, do Conselho, de 20 de dezembro de 1996, relativa aos equipamentos marítimos a fabricar ou a comercializar em território nacional ou a instalar em embarcações nacionais.
255
Para tal o trabalho a bordo deve organizar-se e realizar-se em condições de
higiene, segurança, conforme as disposições da OIT e as normas nacionais de higiene e
segurança do trabalho a bordo.
Como iremos ver, numa perspetiva de higiene e segurança a bordo, a avaliação e a
estimativa do risco aceitável assim como os cuidados médicos a bordo são elementos
fundamentais para prevenir eventos adversos e as respetivas consequências.
A estas medidas diretamente implementadas no decurso de um adequado processo
de gestão do risco juntam-se outras igualmente fundamentais, nomeadamente:
a. Conceção e projeto de navios, tomando em consideração os aspetos
ergonómicos, os fluxos de trabalho, a acessibilidade e a fiabilidade;
b. Adequada gestão da exploração do navio, incluindo a manutenção dos
sistemas de bordo;
c. Adequada formação, certificação e treino dos marítimos;
d. Adequada difusão da informação sobre a configuração e comportamento do
navio;
e. Sujeição a inspeções e auditorias externas com implementação das medidas
recomendadas (oportunidades de melhoria) ou impostas (não-
conformidades), compreendendo as de natureza material e as de natureza
procedimental;
f. Manutenção, por parte do armador e dos responsáveis pela gestão do setor
do armamento da empresa, de um permanente propósito de melhoria
contínua.
Como vimos, no que diz respeito às normas mínimas de segurança e saúde no
trabalho, a legislação nacional aplica-se também ao trabalhador marítimo, em tudo o
que seja compatível com a especificidade deste tipo de trabalho.
Significa isto que os princípios gerais de segurança, higiene e saúde no trabalho
aplicam-se a todos os trabalhadores incluindo os marítimos, com as necessárias
adaptações.
Princípios esses que se referem às obrigações do empregador e dos trabalhadores
nesse domínio, à formação e informação dos trabalhadores, à criação de comissões e de
serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho e à fiscalização do cumprimento da
legislação e aplicação das respetivas sanções.
256
Por essa razão, abordaremos esta matéria através de uma conciliação entre o
disposto na Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que aprova o regime jurídico da
promoção da segurança e saúde no trabalho, e as orientações da OIT, designadamente a
CTM 2006, o Código de Práticas de Segurança para Prevenção de Acidentes a Bordo de
Navios no Mar e nos Portos e as orientações OSH.
1. OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADES GERAIS
A. DO ESTADO DE BANDEIRA
Para garantir que o ambiente de trabalho dos marítimos a bordo dos navios
contribui para a sua saúde e segurança no trabalho, os marítimos devem beneficiar de
um sistema de proteção da saúde no trabalho e devem viver e trabalhar a bordo dos
navios num ambiente seguro e sadio.
Nos termos da Norma A4.3 da CTM 2006, os Estados devem estabelecer, no
mínimo, as seguintes medidas:
a. Programas: criação de programas e manuais de orientação para a prevenção
dos acidentes de trabalho, das lesões e doenças profissionais, bem como uma
melhoria contínua da proteção da segurança e da saúde no trabalho, com a
participação dos representantes dos marítimos e de quaisquer outras pessoas
interessadas na sua aplicação, incluindo o controlo de engenharia e de
projeto, a substituição de processos e procedimentos para tarefas coletivas e
individuais, e a utilização de equipamento de proteção pessoal;
b. Riscos: Implementação de medidas para a avaliação dos riscos, redução e
prevenção dos riscos de exposição a níveis nocivos de fatores ambientais e
de produtos químicos, bem como os riscos de lesão ou de doença que
possam resultar da utilização do equipamento e das máquinas a bordo dos
navios;
c. Formação: Adoção, aplicação e promoção de políticas e programas de
segurança e saúde no trabalho a bordo dos navios, com foco na formação e a
instrução dos marítimos;
d. Inspeção: Prescrições relativas à inspeção, à notificação e à correção de
situações perigosas, bem como à investigação e ao inquérito sobre os
acidentes de trabalho ocorridos a bordo e à sua notificação.
257
Tal como consta da Norma A4.1 da CTM 2006, os Estados não se devem limitar
ao tratamento de marítimos doentes ou feridos, mas devem incluir igualmente medidas
de carácter preventivo, nomeadamente a elaboração de programas de promoção da
saúde e de educação sanitária (n.º 1, alínea e)).
Nesse sentido e a nível geral, Portugal adotou a necessária atitude preventiva,
como se pode observar pelo disposto nos artigos 5.º a 12.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de
setembro, através da criação de um sistema nacional de prevenção de riscos
profissionais; da definição de políticas de promoção e fiscalização de saúde e de
segurança no trabalho bem como a coordenação e avaliação dos resultados; da
permissão de consulta e participação das organizações representativas dos trabalhadores
e empregadores; da promoção da educação, formação e informação para a segurança e
para a saúde no trabalho; da criação de condições que promovam o conhecimento e a
investigação na área da segurança e da saúde no trabalho; do licenciamento e
autorizações de laboração.
Em suma, podemos concluir que, no que diz respeita à segurança e saúde do
trabalho marítimo, as principais obrigações decorrentes da Norma 4.3 da CTM 2006,
são dirigidas ao Estado de bandeira.
De forma bastante resumida, a CTM 2006 estabelece um conjunto de detalhes
técnicos que precisam de ser desenvolvidos pelos Estados com base em orientações das
organizações internacionais (como a OMI e a OIT), da indústria marítima e dos
intervenientes do setor (armadores e marítimos) e implementados pela autoridade
competente.
Por essa razão e como tivemos oportunidade de referir, cumpre realçar que
Portugal tem seguido as coordenadas das políticas internacionais e europeias não apenas
em matéria de segurança e saúde no trabalhado, através da adequação da Lei n.º
102/2009, de 10 de setembro, à CTM 2006, mas também em relação à prevenção de
acidentes marítimos no geral, tendo transposto várias diretivas comunitárias
relacionadas com essa matéria.
258
B. DAS AUTORIDADES COMPETENTES
Nos termos do ponto 2.1. do Código de Práticas de Segurança para Prevenção de
Acidentes a Bordo de Navios no Mar e nos Portos, da OIT, cabe à autoridade
competente nos Estados de bandeira, com base numa análise dos riscos à segurança e à
saúde, em concordância com as organizações dos armadores de navios e dos marítimos,
adotar normas nacionais para garantir a segurança e a saúde dos marítimos, a qual deve
ser assegurada através de padrões técnicos ou códigos de práticas, ou por outros
métodos adequados. Para tal a autoridade competente deve:
a. Observar devidamente os padrões relevantes adotados por organizações
internacionalmente reconhecidas no campo da segurança marítima.
b. Estabelecer serviços apropriados de inspeção para cumprir ou administrar a
aplicação das leis e normas nacionais, provendo os meios necessários para
tanto, ou certificar-se de que a inspeção adequada ocorre e que as normas são
cumpridas e respeitadas.
c. Assegurar que as medidas de organização a bordo que conduzem à
cooperação entre armadores e marítimos, promovendo segurança e saúde a
bordo de navios, são implementadas. Como veremos, tais medidas podem
incluir, sem impor limites às mesmas, as seguintes normas:
i. O estabelecimento em cada navio de uma comissão de segurança e
saúde com poderes e obrigações bem definidas;
ii. A indicação de representantes eleitos, de entre os marítimos, com
poderes e responsabilidades bem definidas; e
iii. A indicação, pelo comandante ou pelo armador, de um oficial
adequadamente qualificado e experiente na promoção da segurança e
da saúde no trabalho.
Em Portugal, cabe à ACT promover a melhoria das condições de trabalho, através
da fiscalização do cumprimento das normas em matéria laboral e o controlo do
cumprimento da legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, bem como a
promoção de políticas de prevenção dos riscos profissionais, quer no âmbito das
relações laborais privadas, quer no âmbito da Administração Pública (artigo 2.º, n.º 1,
do Decreto Regulamentar n.º 47/2012, de 31 de julho).
259
Por sua vez, a DGRM tem por missão a execução de medidas para o
desenvolvimento da segurança e dos serviços marítimos, incluindo o setor marítimo-
portuário, bem como garantir a regulamentação, a inspeção, a fiscalização, a
coordenação e o controlo das atividades desenvolvidas no âmbito daquelas políticas
(artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49-A/2012, de 29 de fevereiro).
Os deveres imputados aos Estados e suas autoridades competentes estarão
refletidos nas responsabilidades dos Estados de bandeira e dos Estados do porto365.
C. DO EMPREGADOR
A nível interno, o empregador tem o dever de garantir a segurança e a saúde do
trabalhador no local do trabalho, de acordo com o artigo 281.º e ss do CT. Este dever é
completado por legislação especial, por remissão do artigo 284.º do CT. Atualmente a
legislação complementar relativa a esta matéria consta da Lei n.º 102/2009, de 10 de
setembro, relativa ao regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho.
Os dois objetivos essenciais dos sistemas criados pela Lei n.º 102/2009, de 10 de
setembro, são a prevenção dos riscos profissionais e a promoção da saúde do
trabalhador (art. 281.º, n.º 2, do CT).
O CT faz impender sobre as entidades empregadoras a obrigatoriedade de
organizarem os serviços de segurança e saúde no trabalho.
Para garantir a segurança e a saúde no trabalho, os deveres do empregador são os
seguintes:
a. Deveres gerais de prevenção dos riscos para a saúde do trabalhador no que
respeita à conceção e organização das instalações, ao grau de exposição aos
riscos, ao modo de organização do trabalho, ao acesso a locais de risco,
entre outros.
b. Deveres de informação e consulta dos trabalhadores e dos seus
representantes nesta matéria (art. 281.º, n.º 3, e 282,º, n.ºs1 e 2, do CT);
c. Dever de constituição e organização de serviços de higiene, segurança e
saúde na empresa, regulados no artigo 21.º e ss da Lei n.º 102/2009 de 10 de
setembro (art. 281.º, n.º 5, do CT);
d. Dever de assegurar a formação dos trabalhadores em matéria de segurança
(art. 282.º, n.º 3, do CT).
365 A propósito das obrigações do Estado de bandeira e do Estado do porto ver pp. 259 e ss.
260
Nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, o empregador
deve, ainda, assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os
aspetos do seu trabalho e deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício
da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta
os vários princípios gerais de prevenção.
Para isso importa que os empregadores adotem políticas de promoção da
segurança e saúde no trabalho que permitam assegurar a saúde e a integridade física dos
seus trabalhadores, respeitando os princípios de prevenção de riscos profissionais,
assegurando:
a. A planificação da prevenção num sistema coerente que tenha em conta a
componente técnica, a organização do trabalho, as relações sociais e os
fatores materiais inerentes ao trabalho;
b. A vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em função dos riscos a
que se encontram expostos no local de trabalho.
c. A informação e formação dos trabalhadores no domínio da segurança e
saúde no trabalho;
d. Informação e consulta dos representantes dos trabalhadores para a
segurança e saúde no trabalho ou, na sua falta, os próprios trabalhadores.
D. DO ARMADOR
Em Portugal, as obrigações do armador em matéria de segurança e saúde
constavam do artigo 17.º, alíneas c) e d), do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março. De
acordo com estes preceitos, o armador tinha o dever de (i) instalar os marítimos em boas
condições de salubridade e higiene, especialmente no que respeita a ventilação dos
locais de trabalho, sua iluminação e, quanto possível, climatização, observando os
indispensáveis requisitos de segurança e de (ii) observar as convenções internacionais
ratificadas pelo Estado Português sobre a segurança e as condições de trabalho a bordo.
Além disso, preceituava o artigo 38.º do mesmo diploma legal que o trabalho a
bordo deveria ser sempre organizado e executado em condições de disciplina,
segurança, higiene e moralidade e que, quer os locais de trabalho, quer os alojamentos
dos tripulantes deveriam ser providos dos meios necessários à obtenção desses
objetivos.
261
Atualmente, apesar de a LAMBN não se pronunciar de forma direta a esse
respeito, o armador, na qualidade de empregador, continua a ser responsável por
garantir que os navios respeitam as condições de saúde e de segurança a bordo, por
força da aplicação do regime geral do CT.
No entanto, consideramos que o legislador nacional deveria ter feito uma
referência direta aos deveres do armador relativos à saúde, higiene e segurança a bordo
dos navios, para evitar quaisquer problemas relacionados com a imputação de
responsabilidades nesses deveres. Tais problemas podem ser suscitados quando existam
fenómenos mais complexos da relação laboral, por exemplo, quando o empregador é
diferente do armador.
A nível das orientações internacionais, o ponto 2.3.1 do Código de Práticas de
Segurança para Prevenção de Acidentes a Bordo de Navios no Mar e nos Portos, da
OIT, esclarece que, geralmente, o armador do navio é o responsável primordial pela
segurança e a saúde de todos os trabalhadores a bordo do navio.
Nestes termos, os deveres dos armadores consistem designadamente no
seguinte366:
a. Fornecer os meios adequados e a organização necessária, estabelecendo
políticas e programas apropriados para a segurança e a saúde dos
marítimos, de acordo com as leis e as normas nacionais e internacionais
de segurança e saúde no trabalho;
b. Consultar os marítimos e as organizações de marítimos no que respeita à
política de segurança e saúde;
c. Fornecer e manter nos navios equipamentos, ferramentas, manuais
atualizados de aprovisionamento e outra documentação, e organizar as
operações da forma mais prática possível, evitando a criação do risco de
acidentes ou lesões para os marítimos.
d. Observar as leis nacionais e internacionais apropriadas ao decidirem
quantas pessoas farão parte da tripulação e considerar os padrões
necessários de preparação física, estado de saúde, experiência,
competência e compreensão da língua, para garantir a segurança e a
366 Da conjugação dos deveres estabelecidos internacionalmente, vd. SINCOMAR- Sindicato de Capitães e Oficiais de Marinha Mercante, Manual de Segurança no Trabalho a Bordo dos Navios, n.º 1/2012, pp. 119 a 121.
262
saúde dos trabalhadores na execução das suas obrigações e
responsabilidades, quando trabalharem a bordo;
e. Proporcionar uma supervisão tal que garanta que as tarefas dos
marítimos sejam executadas em conformidade com a segurança e a saúde
no trabalho;
f. Orientar o comandante, para que o trabalho de todos a bordo seja
organizado de forma a evitar os riscos desnecessários à saúde e à
segurança;
g. Assegurar que os comandantes e os marítimos estejam totalmente
conscientes de que as atividades desenvolvidas a bordo podem afetar a
sua segurança e a sua saúde;
h. Providenciar a designação de uma pessoa das operações em terra firme,
preferencialmente do maior nível possível dentro da hierarquia para:
avaliar pormenorizadamente com o comandante e a tripulação todos os
assuntos concernentes relativos à segurança e à saúde; rever os relatórios
das comissões de segurança e saúde a bordo do navio e levar em
consideração quaisquer melhorias sugeridas e outras informações
pertinentes recebidas do navio; e supervisionar o desempenho do
equipamento e do pessoal;
i. Estabelecer comissões de segurança e saúde a bordo dos navios ou tomar
outras providências adequadas, consistentes com as leis e as normas
nacionais, para permitir a participação dos marítimos no estabelecimento
das condições seguras de trabalho;
j. Providenciar inspeções de segurança regulares em todas as seções dos
seus navios por pessoas competentes em intervalos adequados;
k. Assegurar que, antes de assumirem as suas responsabilidades, todos os
marítimos são adequadamente instruídos sobre os riscos relacionados
com o seu trabalho e com o ambiente do navio e treinados nas
precauções que devem ser tomadas para evitar acidentes e danos à saúde;
l. Tomar medidas práticas para assegurar que, antes de assumirem as suas
responsabilidades, os marítimos tomem conhecimento das leis, normas,
padrões, códigos de prática, instruções e orientações nacionais e
263
internacionais relevantes relacionadas com a prevenção de acidentes e
danos à saúde;
m. Fornecer equipamento médico apropriado e pessoal treinado, de acordo
com as leis e as regulamentações nacionais;
n. Encorajar os marítimos a informarem todas as condições e operações
inseguras com riscos para a saúde;
o. Fornecer a cada navio os equipamentos necessários, manuais e outras
informações para garantir que todas as operações sejam realizadas de
maneira a reduzir ao mínimo as condições adversas à segurança e à saúde
dos marítimos;
p. Proporcionar aos marítimos informações corretas relativas à segurança e
aos riscos para a saúde e às medidas preventivas relacionadas com o
processo de trabalho. Essas informações devem ser apresentadas em
formato e linguagem de fácil compreensão pelos membros da tripulação.
Estes deveres imputados aos armadores resultam, no essencial, do ponto 4.2.,
parágrafos 62 e 63, das Orientações OSH.
E. DO COMANDANTE
Apesar de o armador do navio ser o principal responsável pela segurança e a
saúde de todos os trabalhadores a bordo da embarcação, na maioria dos casos a gestão
das políticas de segurança no trabalho são delegadas no comandante (ponto 2.3.1 do
Código de Práticas de Segurança para Prevenção de Acidentes a Bordo de Navios no
Mar e nos Portos, da OIT).
Nos termos do ISM, o comandante é o responsável máximo pela segurança a
bordo do navio mas pode delegar essa função no coordenador da segurança (Safety Co-
Ordinator), que deve ser o imediato do navio. O artigo 5.º do Código ISM versa sobre
as matérias em relação às quais os comandantes têm autoridade e responsabilidade
máximas, as quais devem ser claramente definidas na implementação do sistema de
segurança marítima.
Ademais, face ao disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Código ISM, podemos concluir
que é essencial que o comandante tenha um nível necessário de treino, seja titular de
certificados reconhecidos internacionalmente e que tenha competência para comandar o
tipo de navio para o qual foi indigitado.
264
Assim, não obstante os deveres imputados ao armador na qualidade de
empregador dos marítimos, a responsabilidade diária quanto às medidas de prevenção e
de promoção da saúde e segurança a bordo é do comandante, o qual deve observar os
procedimentos solicitados pelo armador do navio. O mesmo se aplica em matéria de
segurança no trabalho marítimo.
Por essa razão, de acordo com o ponto 4.2, parágrafo 60, das Orientações OSH, os
aramadores devem assegurar que os comandantes têm o apoio adequado para levarem a
cabo a sua responsabilidade em matéria de segurança e de trabalho a bordo, de forma
eficaz.
Ao comandante na qualidade de coordenador da segurança compete planear,
coordenar e supervisionar os assuntos relativos à segurança em geral e às doenças
profissionais, bem como as ações de resposta às situações de emergência.
O ponto 2.4.1 do Código de Práticas de Segurança para Prevenção de Acidentes a
Bordo de Navios no Mar e nos Portos e o ponto 4.3. das Orientações OSH, da OIT,
estabelece os deveres imputados ao comandante do navio, entre os quais destacamos os
seguintes:
a. Implementar a política e o programa de segurança e saúde dos armadores a
bordo dos navios, que devem ser comunicados com clareza a todos os
membros da tripulação.
b. Assegurar que o trabalho desenvolvido a bordo do navio seja realizado de
maneira a evitar a possibilidade de acidentes e a exposição dos trabalhadores
a condições que possam levá-los a sofrer lesões e danos à para a saúde.
c. Assegurar que toda a atividade que requeira o trabalho em conjunto de vários
marinheiros, submetidos a risco especial, seja supervisionada por uma pessoa
competente, de forma a minimizar a possibilidade de acidentes, lesões e
doenças profissionais.
d. Assegurar que os marítimos são incentivados a participar de forma ativa e a
expressar os seus pontos de vista sobre as condições de trabalho, sem receio
de despedimento ou de outras medidas que os prejudiquem.
e. Assegurar que os marítimos sejam designados apenas para trabalhar com
atividades adequadas à sua idade, ao seu estado de saúde e às suas
competências e que nenhum marítimo com menos de 18 anos de idade
exerce funções inapropriadas à sua idade.
265
f. Assegurar que nenhum menor seja designado para uma obrigação
inapropriada.
g. Emitir avisos e instruções de maneira clara e compreensível, em língua ou
línguas entendidas por toda a tripulação, e verificar de forma conveniente
que tais avisos e instruções foram compreendidos com clareza.
h. Assegurar, em respeito das leis e das normas nacionais, bem como dos
acordos coletivos, onde vigorem, que toda a tripulação a bordo tenha:
i. Uma carga de trabalho tolerável;
ii. Horas razoáveis de trabalho;
iii. Período de descanso razoável durante o turno do trabalho,
com especial atenção ao trabalho extenuante, perigoso ou
monótono; e
iv. Dias de descanso em intervalos razoáveis.
i. Investigar todos os acidentes e incidentes, registá-los e comunicá-los em
conformidade com as leis e as normas nacionais e com os procedimentos
para os relatórios dos armadores.
j. Assegurar a disponibilidade de manuais de operação. Em especial, o
comandante deve assegurar que as instruções e os avisos necessários
relacionados com a segurança e a saúde da tripulação sejam afixados em
locais de fácil visualização e acesso ou que sejam colocados à disposição dos
tripulantes por quaisquer meios eficientes.
k. Assegurar a existência de comissões de segurança e saúde a bordo de um
navio com 5 ou mais marítimos; o comandante deve organizar reuniões
regulares em intervalos de 4 a 6 semanas ou conforme necessitar e assegurar
que as informações consignadas nas atas da comissão recebam a devida
atenção.
l. Assegurar que o equipamento de segurança, incluindo todo o equipamento
de emergência e proteção, seja mantido em boas condições e adequadamente
armazenado.
m. Assegurar que todos os exercícios de treino e as simulações obrigatórias
sejam conduzidas de forma realista, eficiente e meticulosa nos intervalos
requeridos, de acordo com as regras e as normas aplicáveis.
266
n. Assegurar que todos os acidentes, incidentes e doenças profissionais são
investigadas, registadas, e reportadas de acordo com a legislação nacional e o
procedimento implementado pelo armador.
o. A menos que seja contrário à lei nacional ou às práticas em uso, o
comandante deve assegurar que uma ou mais pessoas sejam designadas para
servir como oficial de segurança (obrigações descritas na seção 2.7 do
Código de Práticas de Segurança para Prevenção de Acidentes a Bordo de
Navios no Mar e nos Portos).
Nos termos da Regra n.º 8 do capítulo XI-2 da Convenção SOLAS 1974, o
comandante tem poder discricionário em matéria de segurança operacional e proteção
do navio. Nestes termos, o comandante não deve ser impedido de tomar e executar as
decisões que, no seu entender, sejam necessárias para garantir a segurança operacional e
a proteção do navio.
Tais decisões podem incluir a recusa do acesso a bordo de pessoas ou dos seus
pertences e recusar o embarque de carga, incluindo contentores ou outras unidades de
transporte de carga fechadas.
F. OFICIAL DE SEGURANÇA
A execução das ações práticas relativas à segurança e às doenças profissionais
pode ser delegada no oficial de segurança (Safety Officer) (parágrafo 68 do ponto 4.3
das Orientações OSH).
Dito de outra forma, o oficial de segurança será a pessoa responsável por executar
as ações de manutenção dos equipamentos, organiza os exercícios de segurança, as
ações de resposta às situações de emergência e zela pelo cumprimento das normas
relativas à segurança laboral, saúde e higiene no trabalho, isto é, executa aquilo que foi
planificado pelo coordenador da segurança.
Em alguns navios pode existir apenas o oficial de segurança que, como é óbvio,
acumula a parte de planeamento com a de execução.
Decorre do ponto 2.7. do Código de Práticas de Segurança para Prevenção de
Acidentes a Bordo de Navios no Mar e nos Portos, da OIT, que a menos que seja
contrário à lei ou a prática nacional, o oficial de segurança deve implementar a política e
o programa de segurança e saúde do armador e cumprir as instruções do comandante.
267
O estatudo dos Safety Officers está também regulado no ponto 5.6 das Orientações
OSH.
G. COMISSÃO DE SEGURANÇA E SAÚDE A BORDO DO NAVIO
A Norma A4.3, n.º 2, alínea d), da CTM 2006, refere-se à criação de uma
comissão a bordo de embarcações onde se encontrem cinco ou mais marítimos,
destacando a atribuição de autoridade aos marítimos do navio que tenham sido
nomeados ou eleitos enquanto delegados para a segurança, para participarem nas
reuniões da comissão de segurança do navio.
A criação de uma comissão de segurança visa garantir que o armador e os
marítimos em todos os níveis e de todos departamentos trabalham em conjunto para
desenvolver e promover a segurança e a saúde. Este esforço de colaboração entre o
armador e os marítimos deverá facilitar a implementação dos programas e das políticas
do armador relativos à saúde e segurança no trabalho.
Uma das funções mais importantes deste órgão é a investigação de acidentes ou
de situações perigosas relacionadas com acidentes pessoais ou danos ao meio ambiente.
Nos termos do ponto 2.6. do Código de Práticas de Segurança para Prevenção de
Acidentes a Bordo de Navios no Mar e nos Portos, da OIT, esta comissão deve
colaborar na implementação da política e do programa de segurança e saúde dos
armadores, estabelecendo um fórum em que os marítimos possam influenciar os temas
de segurança e saúde.
A comissão de segurança e saúde deve ser constituída por, no mínimo, oficiais e
membros designados ou eleitos, conforme conveniente, mantendo, pela sua importância,
uma representação equilibrada entre departamentos e funções a bordo.
De acordo com o ponto 5.3, parágrafo 74, das Orientações OSH, esta comissão
deve incluir o comandante e/ou o safety officer assim como representantes dos
marítimos em matéria de segurança no trabalho.
A criação de uma comissão de segurança deve ser ponderada em navios com 5 ou
mais marítimos (alínea d) do ponto 4.2, parágrafo 63, das Orientações OSH. Se a sua
criação não for necessária, as informações sobre segurança e saúde deverão ser
comunicadas de outras maneiras (alínea k do parágrafo 67 do ponto 4.3. das Orientações
OSH).
268
As reuniões da comissão devem ser realizadas em conformidade com os requisitos
da autoridade competente. O presidente da comissão deve convocar reuniões quando
dois ou mais membros da comissão solicitarem uma reunião para resolver um problema
particular. Sempre que possível, as questões de segurança no trabalho devem ser
tratadas através da comissão de segurança (parágrafo 76 do ponto 5.3.).
Devem ser convocadas reuniões após acidentes graves ou incidentes, como parte
dos procedimentos de investigação e de relatórios regulares (parágrafo 77 do ponto
5.3.).
As atas das reuniões devem ser distribuídas aos membros da comissão e
disponibilizadas àqueles que trabalham a bordo e enviadas ao armador. O conteúdo da
ata deve ser dado a conhecer à autoridade competente, mediante pedido (parágrafo 79
do ponto 5.3.).
As obrigações e responsabilidades da comissão de segurança e saúde estão
estabelecidas no ponto 5.2., parágrafo 73, das Orientações OSH.
O ponto 4.2., parágrafo 63, alínea b), das Orientações OSH, refere quais os
deveres dos armadores para com a comissão de segurança367.
Para além disso, resulta do parágrafo 63, alínea c), que o armador deve suportar
todas as despesas relacionadas com as atribuições da comissão de segurança, incluindo
o reembolso as despesas contraídas pelos mesmos no exercício das suas funções.
Finalmente, todos os marítimos a bordo, bem como o armador, são informados da
composição da comissão de Segurança e respetivos membros e a comissão de
Segurança é informada dos avisos emitidos pela autoridade competente e pelo armador
relacionados com a segurança, higiene e saúde no trabalho (alíneas l) e m) do parágrafo
67 do ponto 4.3).
367 Destacamos que o armador deve assegurar que a comissão recebe informações e tem oportunidade de apresentar propostas em matéria de segurança e de saúde, por exemplo, em impressos, audiovisuais e outros, sobre os temas de segurança e saúde; tem acesso às listas e descrições de ocorrências que são de relato obrigatório, informações que devem ser incluídas nos relatórios de acidentes de trabalho, acidentes e doenças a bordo e em todos os relatórios do navio relevantes; tem acesso à informação sobre os perigos ou potenciais perigos que são conhecidos do proprietário do navio e comandante, e a todas as publicações relevantes da OMI, organizações internacionais da OIT e outros; dispõe de prazos razoáveis para exercer as suas funções de segurança (são dadas oportunidades durante as suas horas de trabalho para adquirir o conhecimento ou formação necessários em questões de segurança e de saúde); é consultado sobre o planeamento e alteração de trabalho a bordo e à sobre a introdução de novas tecnologias que podem ter consequências para a segurança e saúde, incluindo a escolha do equipamento; não está sujeito a despedimento ou outras medidas prejudiciais para a realização das suas funções; beneficia do apoio, recursos, qualificações e competências para realizar a bordo investigações de acidentes de trabalho.
269
H. MARÍTIMOS
(i) Deveres dos marítimos
Para além dos deveres gerais dos armadores, também os trabalhadores têm
algumas obrigações específicas nesta matéria de acordo com o modelo organizativo
adotado no navio.
Apesar de o artigo 17.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, estabelecer quais
as obrigações dos trabalhadores em geral, no que concerne às obrigações e
responsabilidades gerais dos marítimos, o ponto 2.5.4 do Código de Práticas de
Segurança para Prevenção de Acidentes a Bordo de Navios no Mar e nos Portos, da
OIT, e o ponto 4.4, parágrafo 69, das Orientações OSH, esclarecem que os marítimos
devem:
a. Participar ativamente na promoção da cultura de segurança e expressar as
suas opiniões acerca das condições de segurança e saúde no trabalho e
riscos associados às funções desempenhadas;
b. Cooperar tanto quanto possível com o armador na aplicação das medidas
de segurança e saúde prescritas;
c. Participar nas reuniões de segurança e saúde no trabalho e fazer o que for
possível para cuidar de sua própria segurança e saúde e das outras
pessoas que possam ser afetadas pelos seus atos ou omissões no trabalho;
d. Usar e preservar o vestuário e o equipamento de proteção individual ao
seu dispor e não usar incorretamente quaisquer meios disponíveis para
sua própria proteção ou de terceiros;
e. Retirarem-se de uma situação de perigo quando tenham razões para
acreditar que há um iminente e sério perigo para a sua saúde e segurança.
Em tais circunstâncias o seu superior deve ser imediatamente informado
do perigo.
Exceto numa emergência ou quando devidamente autorizados, os marítimos não
devem modificar, remover ou deslocar qualquer equipamento de segurança ou
dispositivo fornecido para a sua proteção ou para a proteção de outrem, ou ainda
dificultar a aplicação de qualquer método ou processo adotado com vista a prevenir
acidentes e prejuízos para a saúde (parágrafo 70 do ponto 4.4 das Orientações OSH).
270
Além disso, os marítimos não devem operar ou manipular equipamentos que não
estejam devidamente autorizados a operar, manter ou usar.
O marítimo que der uma ordem ou de alguma forma instruir outro, deve ter a
certeza de que tal ordem ou instrução foi compreendida. Caso um marítimo não
compreenda claramente uma ordem, instrução ou qualquer outra comunicação, deve
imediatamente solicitar explicações.
Os marítimos têm ainda a obrigação de ser particularmente diligentes durante os
treinos de combate a incêndios com barcos salva-vidas e noutros exercícios e
simulações de emergência.
Por fim, a tripulação deve implementar a política e o programa de organização de
segurança e saúde, de maneira diligente e profissional, e demonstrar o seu apoio total à
segurança a bordo.
(ii) Consulta dos trabalhadores (artigo 18.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de
setembro)
O ponto 2.5.1. do Código de Práticas de Segurança para Prevenção de Acidentes a
Bordo de Navios no Mar e nos Portos estabelece que os marítimos devem participar no
estabelecimento das condições de segurança no trabalho e devem ser incentivados a
opinar sobre os procedimentos de trabalho adotados e seus efeitos sobre a segurança e a
saúde, sem temor de serem despedidos ou de outras medidas que os prejudiquem.
De acordo com a lei, os representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde
no trabalho ou, na sua falta, os trabalhadores, devem ser consultados, por escrito e, pelo
menos, duas vezes por ano, previamente e em tempo útil, a respeito de:
a. Avaliação dos riscos para a segurança e saúde no trabalho, incluindo riscos
especiais;
b. As medidas de segurança e saúde antes de serem postas em prática ou, em
caso de urgência, logo que possível;
c. As medidas que, pelo seu impacte nas tecnologias e/ou funções, tenham
repercussão na segurança e saúde no trabalho;
d. O programa e a organização da formação em segurança e saúde no trabalho;
e. Designação do representante do empregador que acompanha as atividades do
serviço de segurança e saúde;
271
f. Designação e exoneração dos trabalhadores que desempenham funções
específicas no domínio da segurança e saúde;
g. Designação dos trabalhadores responsáveis pela aplicação das medidas de
primeiros socorros, combate a incêndios e evacuação de trabalhadores,
respetiva formação e material disponível;
h. A modalidade de serviços a adotar, bem como o recurso a serviços exteriores à
empresa ou técnicos qualificados para assegurar o desenvolvimento de todas
ou parte das atividades de segurança e saúde;
i. Equipamento de proteção que seja necessário utilizar;
j. Os riscos e medidas de proteção e prevenção adotadas e forma colmo se
aplicam;
k. A lista anual dos acidentes de trabalho mortais e dos que originam
incapacidade para o trabalho superior a 3 dias úteis, elaborada até final de
março do ano subsequente;
l. Os relatórios dos acidentes de trabalho.
A fim de assegurar a concretização dos seus direitos de consulta, os trabalhadores e seus
representantes devem ter acesso:
a. Às informações técnicas objeto de registo e aos dados médicos coletivos não
individualizados;
b. Às informações técnicas provenientes dos serviços de inspeção e outros
organismos competentes no domínio da segurança e saúde.
Os trabalhadores e os seus representantes para a segurança e saúde podem a todo o
tempo apresentar propostas, tendo em vista a minimização de qualquer risco
profissional.
(iii) Informação dos trabalhadores (artigo 19.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de
setembro)
Os trabalhadores/as e respetivos/as representantes têm direito a dispor de informação
atualizada sobre:
272
a. Os riscos para a segurança e saúde e as medidas de proteção e prevenção e
forma como se aplicam, relativas quer à atividade desenvolvida quer à
empresa, estabelecimento ou serviço;
b. As medidas e instruções a adotar em caso de perigo grave e iminente;
c. As medidas de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação de
trabalhadores em caso de sinistro, bem como os trabalhadores ou serviços
encarregados de as pôr em prática.
Estas informações devem ser sempre prestadas ao trabalhador:
a. No momento da admissão;
b. Em caso de mudança de posto de trabalho ou de função;
c. Quando seja introduzido um novo equipamento de trabalho, alterado o
existente ou adotada uma nova tecnologia;
d. Quando forem desenvolvidas atividades que envolvam trabalhadores de
diversas empresas.
A propósito do trabalho marítimo, estabelece o ponto 8.3. das Orientações OSH
que os marítimos têm direito a receber informação sobre segurança e saúde no trabalho,
assim como dos riscos e perigos que envolvem as suas tarefas.
De acordo com o parágrafo 203 daquele guia, a concretização desse direito deve
envolver medidas como: comunicação interna de informações entre pessoas nos níveis
relevantes e funções do local de trabalho a bordo e em terra; intercomunicação ativa
com a comissão de segurança; utilização de avisos, revistas, artigos, circulares, filmes e
de campanhas de sensibilização.
(iv) Representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho
(artigos 21.º a 40.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro)
Ainda a propósito do regime da promoção da segurança e saúde no trabalho
português, importa referir que os representantes dos trabalhadores para a segurança e
saúde no trabalho são trabalhadores eleitos por voto direto e secreto, segundo o
princípio da representação proporcional pelo método de Hondt368, para exercer funções
de representação dos trabalhadores nos domínios da segurança e saúde no trabalho
(artigo. 21.º). 368 A eleição deve processar-se de acordo com o previsto nos artigos 26.º a 40.º da Lei n.º 102/2009, de 13 de setembro.
273
Conforme dispõe o artigo 21.º, n.º 5, da LAMBN, em companhia responsável pela
exploração de navios abrangidos pela Convenção do Trabalho Marítimo, 2006, o
número de representantes a eleger depende do número de marítimos a bordo do navio,
sendo determinado do seguinte modo:
a. Em cada navio com cinco ou mais marítimos e menos de 50, um
representante;
b. Em cada navio com 50 a 200 marítimos, três representantes;
c. Em cada navio com mais de 200 marítimos, cinco representantes;
d. Em relação aos demais marítimos, o resultante da aplicação do número
anterior369.
Por instrumento de regulamentação coletiva, é possível estipular um
número superior de representantes.
Os representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde dispõem de um
crédito de 5 horas por mês, para o exercício das suas funções e gozam da proteção
conferida a todas as estruturas representativas dos trabalhadores nos termos do CT
(artigos 404º a 411º).
Além dos direitos a informação e consulta e do direito à formação, os
representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde têm direito de:
a. Dispor de instalações adequadas e dos meios materiais e técnicos necessários
ao desempenho das suas funções assegurados pelo empregador;
b. Distribuir e/ou afixar nos locais de trabalho informação relativa à segurança e
saúde no trabalho;
c. Reunir com o órgão de gestão da empresa para discussão e análise de assuntos
relacionados com a segurança e saúde no trabalho, pelo menos uma vez por
mês.
De acordo com o ponto 2.8. do Código de Práticas de Segurança para Prevenção
de Acidentes a Bordo de Navios no Mar e nos Portos, a menos que contrarie a lei ou a
prática nacional, o representante de segurança deve representar a tripulação nas questões
que afetem a segurança e a saúde.
No cumprimento de suas funções, o representante de segurança deve ter acesso à
informação, ao auxílio da comissão de segurança e saúde, do armador do navio, das
corporações de ofício, incluindo as organizações dos trabalhadores, quando necessário.
369 Cf. Artigo 21.º, alterado pelo artigo 48.º da LAMBN.
274
Os representantes de segurança (i) devem ser eleitos ou indicados pela tripulação,
dentre os membros da mesma e devem participar das reuniões da comissão de segurança
e saúde e (ii) não podem ser despedidos ou penalizados no exercício das funções.
Aos representantes de segurança são reconhecidos os seguintes direitos:
a. Ter acesso a todas as partes do navio;
b. Participar da investigação de acidentes e incidentes;
c. Ter acesso à toda documentação necessária, inclusive relatórios de
investigação, atas das reuniões das comissões de segurança e saúde, etc.; e
d. Receber formação apropriada.
Nos termos do ponto 5.5. das Orientações OSH, a autoridade competente deve
assegurar que os armadores adotam as providências necessárias para designar ou eleger
representantes dos marítimos em matéria de segurança.
Com efeito, o comandante do navio deve registar a nomeação desses
representantes no diário oficial do navio ou na ata da reunião da comissão de segurança.
Para garantir suficiente experiência a bordo, recomenda-se que os representantes
de segurança devam ter mais de dois anos de serviço no mar.
De acordo com o parágrafo 82 do ponto 5.5 das Orientações OSH, os
representantes devem:
a. Ser eleitos ou designados de entre os seus grupos de trabalho ou
departamentos e devem participar nas reuniões da comissão de segurança ;
b. Dispor de tempo suficiente fora de suas principais tarefas a bordo sem perda
de remuneração para cumprirem as suas funções ou receber formação
necessária para desempenhar as suas funções;
c. Ter acesso a toda a informação e documentação pertinente, incluindo
relatórios de investigação;
d. Participar na organização das tarefas a bordo, incluindo a aplicação de
medidas preventivas e realização de avaliações de risco;
e. Participar da investigação de acidentes e incidentes. Um representante de
segurança que foi envolvido no acidente ou incidente não deve ser um
membro da equipa de investigação;
f. Ter direito irrestrito de comunicar diretamente com as autoridades
competentes e as organizações dos marítimos; e
g. Receber formação e instruções adequadas.
275
Por fim, os representantes não devem estar sujeitos a despedimento ou outras
medidas penalizadoras da relação contratual por desempenharem as estas funções de
representação (parágrafo 82, alínea c) do ponto 5.5 das Orientações OSH.
(v) Formação dos trabalhadores
O trabalho a bordo está sujeito a diversos riscos. Se algum acidente acontece
durante a navegação, na maioria dos casos as respetivas tripulações não têm qualquer
hipótese de recorrer de imediato a especialistas para resolução das situações e para
auxílio na mitigação das consequências.
Desse modo, os marítimos têm de se desenvencilhar por si próprios, valendo-se
sobretudo das suas próprias capacidades e competências, contando com o respetivo
nível de conhecimento do navio e com a formação e o treino, elementos que em matéria
de emergências assumem um papel essencial.
Por essa razão, os trabalhadores têm direito a receber formação adequada no
domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em conta o posto de trabalho e o
exercício de atividades de risco elevado (artigo 20.º da Lei 102/2009, de 10 de
setembro).
No trabalho marítimo, e como referido a propósito da formação dos marítimos, só
pode trabalhar a bordo quem tenha concluído com aproveitamento a formação adequada
em segurança pessoal a bordo dos navios (artigo 6.º, n.º 2, da LAMBN).
O empregador deve assegurar a formação permanente para o exercício das suas
funções aos trabalhadores designados para se ocuparem de todas ou algumas das
atividades de segurança e saúde no trabalho, bem como a formação em número
suficiente, tendo em conta a dimensão da empresa e os riscos existentes, dos
trabalhadores responsáveis pela aplicação das medidas de primeiros socorros, combate a
incêndios e evacuação de trabalhadores.
A formação dos trabalhadores em segurança e saúde deve ser assegurada de modo
que não possa resultar qualquer prejuízo para os mesmos.
De acordo com o Princípio orientador B4.3.9 da CTM 2006, os programas de
formação deveriam ser periodicamente revistos e atualizados para acompanhar a
evolução dos tipos de navio e das suas dimensões, bem como alterações no
276
equipamento utilizado, na organização das tripulações, nas nacionalidades, idiomas e
métodos de trabalho a bordo.
A publicidade relativa à proteção em matéria de segurança e saúde no trabalho e à
prevenção de acidentes deveria ser permanente e poderia revestir as seguintes formas
(ponto 8.1., parágrafo 196, das Orientações OSH):
a. Material educativo audiovisual, tal como filmes, para utilizar nos centros de
formação profissional de marítimos e, se possível, apresentado a bordo dos
navios;
b. Cartazes afixados a bordo dos navios;
c. Inclusão, em publicações periódicas lidas pelos marítimos, de artigos sobre
os riscos do trabalho marítimo e sobre as medidas de proteção em matéria de
segurança e saúde no trabalho e de prevenção dos acidentes; e
d. Campanhas especiais utilizando diversos meios de informação para instruir
os marítimos, incluindo campanhas sobre métodos seguros de trabalho.
Como vimos, de acordo com a Regra 1.3 da CTM 2006, para exercerem as suas
funções, os marítimos devem ter formação concluída com êxito sobre segurança a
bordo, prescrevendo a norma A4.3, n.º 1, alínea a), que as políticas de prevenção de
acidentes de trabalho devem incluir a formação dos marítimos.
As Orientações OSH recomendam também a formação específica para os
marítimos em matéria de segurança, no seu ponto 5.7.
(vi) Gratuitidade
Em matéria referente à proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, o
princípio é o da gratuitidade. Assim, os Estados devem garantir que os serviços de
cuidados médicos e de proteção da saúde sejam prestados sem custos aos marítimos a
bordo ou desembarcados num porto estrangeiro (Norma A4.1, n.º 1, alínea d), da CTM
2006.
Com efeito, nos termos do artigo 15.º, n.º 12, da Lei n.º 102/2009, de 10 de
setembro, o empregador suporta a totalidade dos encargos com a organização e o
funcionamento do serviço de segurança e de saúde no trabalho e demais sistemas de
prevenção, incluindo exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e
todas as ações necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho,
sem impor aos trabalhadores quaisquer encargos financeiros.
277
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE SEGURANÇA A BORDO
Depois de termos analisado os deveres e direitos dos sujeitos que intervêm na
navegação marítima a propósito da segurança e da saúde a bordo, iremos tecer algumas
considerações gerais sobre os sistemas de segurança criados em Portugal
De acordo com a Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, o empregador está
obrigado a garantir a organização e funcionamento de serviços de segurança e saúde no
trabalho na empresa, adotando para o efeito uma das seguintes modalidades: serviços
internos; serviços externos ou serviços comuns, regulados pelos artigos 73.º a 110.º da
referida lei370.
Como vimos, os sistemas aplicados nos navios seguem regras muito específicas.
De acordo com o Princípio orientador B4.3.8, n.º 3, da CTM 2006, na elaboração
dos programas de proteção em matéria de segurança e saúde no trabalho e de prevenção
dos acidentes, os Estados deveriam ter em devida consideração todas as diretivas
práticas relativas à segurança e saúde dos marítimos eventualmente publicadas pela
OIT.
No que importa à segurança e saúde a bordo dos navios, no ponto 5. do Código de
Práticas de Segurança para Prevenção de Acidentes a Bordo de Navios no Mar e nos
Portos, da OIT, estão estabelecidas algumas regras específicas.
Essas disposições abrangem matérias como a ordem e limpeza no navio, saúde e
higiene pessoal a bordo; a utilização de substâncias químicas; a prevenção de incêndios;
as roupas de trabalho e equipamento de proteção individual; sinais, avisos e códigos de
cores para alertar contra possíveis riscos e também uma forma não-linguística de
transmitir informações.
Para além disso, este código é bastante completo, abrangendo normas que
regulam as mais variadas matérias371.
370 Os serviços de segurança e saúde no trabalho devem garantir, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores ao seu serviço, bem como o exercício de atividades de risco elevado, o desenvolvimento de atividades técnicas de segurança no trabalho e a vigilância da saúde dos trabalhadores, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais e a promoção da saúde dos trabalhadores. Para este efeito, o art. 98.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, regula as competências destes serviços. 371 Designadamente: transporte de cargas perigosas – ponto 7; acesso seguro ao navio - ponto 8; movimentação segura no navio – ponto 9; acesso e trabalho em espaços confinados – ponto 10; levantamento e transporte manual de cargas – ponto 11; ferramentas e materiais de trabalho – ponto 12; solda, corte com maçarico e outros trabalhos a quente – ponto 13; trabalhos de pintura – ponto 14; trabalho nas superestruturas e no casco do navio – ponto 15; trabalho com eletricidade e equipamentos elétricos – ponto 16; trabalho com substâncias perigosas, irritantes e exposição a radiações – ponto 17;
278
O equipamento de proteção individual (EPI) deve ser do tipo e padrão aprovado
pela autoridade competente 372 . O equipamento não elimina os riscos; apenas
proporciona uma proteção limitada no caso de acidente. A utilização do equipamento de
proteção individual não serve de desculpa para reduzir os padrões pessoais de
segurança. O fornecimento de equipamento de proteção individual aos trabalhadores
deve ser assegurado pela empresa.
A eficiência do equipamento de proteção individual não depende apenas do seu
modelo, mas também do seu estado de conservação, pelo que deve ser inspecionado
periodicamente. O treino no uso do equipamento de proteção individual e o
conhecimento das suas limitações é fundamental para garantir as condições de
segurança da sua utilização. Antes da sua utilização o equipamento deve ser
inspecionado373.
3. CUIDADOS MÉDICOS
A. CUIDADOS MÉDICOS A BORDO
Uma das especificidades com a proteção da saúde dos marítimos prende-se com a
exigência de cuidados médicos a bordo dos navios.
De acordo com a Regra 4.1 da CTM 2006, de forma a proteger a saúde dos
marítimos e garantir-lhes um acesso rápido a cuidados médicos a bordo, os marítimos
devem estar abrangidos por medidas adequadas para a proteção da sua saúde e devem
manutenção dos cabos de aço e cabos de fibra - ponto 18; fundeio, atracação e amarração – ponto 19; operações com cargas no convés ou no porão – ponto 20; trabalho na sala de máquinas – ponto 21; trabalho em cozinhas, despensas e áreas de manipulação de alimentos - ponto 22; segurança nos alojamentos – ponto 23; tipos específicos de embarcações – ponto 24. 372 Legislação aplicável: Decreto-Lei n.º 348/93, de 1 de outubro, que estabelece as prescrições mínimas de segurança e saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamento de proteção individual no trabalho; Portaria n.º 988/93, de 6 de outubro, que estabelece as prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores na utilização de Equipamento de Protecção Individual, previstas no DL n.º 348/93, de 1 de outubro); Portaria n.º 1131/93, de 4 de novembro, alterada pela Portaria n.º 109/96, de 10 de abril, e Portaria n.º 695/97, de 19 de agosto, que estabelece as exigências essenciais relativas à saúde e segurança aplicáveis aos equipamentos de proteção individual, e Decreto-Lei n.º 128/93, de 22 de março, alterado pelo DL n.º 139/95, de 14 de junho, e pelo Decreto-Lei n.º 374/98, de 24 de novembro, que estabelece as prescrições mínimas de segurança a que devem obedecer o fabrico e comercialização de máquinas, de instrumentos de medição e de equipamentos de proteção individual. 373 A este propósito e em maior detalhe, vd. SINCOMAR - Manual de Segurança no Trabalho a Bordo dos Navios, pp. 122 a 126.
279
ter acesso a cuidados médicos rápidos e adequados durante todo o período de serviço a
bordo.
De acordo com o n.º 1 da Norma A4.1 da CTM 2006, para proteger a saúde dos
marítimos que trabalham a bordo de um navio e para lhes assegurar cuidados médicos
que incluam os cuidados dentários essenciais, todos os Estados devem garantir aos
marítimos uma proteção da saúde e cuidados médicos tão idênticos quanto possível aos
que, em geral, beneficiam os trabalhadores de terra, incluindo um acesso rápido aos
medicamentos, equipamento médico e serviços de diagnóstico e de tratamento
necessários, bem como a informação e conhecimentos médicos (alínea d).
Esta matéria está regulada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 274/95, de 23 de
outubro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 92/29/CEE, do
Conselho, de 31 de março, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde que
visam promover uma melhor assistência médica a bordo dos navios e pela Portaria n.º
6/97 de 2 de janeiro, relativa à dotação médica que deve integrar as farmácias de bordo.
B. CUIDADOS MÉDICOS EM TERRA
Não obstante os cuidados médicos prestados a bordo do navio, a alínea c) do n.º 1
da Norma A4.1 da CTM 2006 prevê que os marítimos têm o direito de consultar sem
demora um médico ou um dentista qualificado nos portos de escala, sempre que
possível.
Além disso, resulta do Princípio orientador B4.1.3 da CTM 2006 que os Estados
deveriam tomar medidas para que, nos portos, os marítimos possam: a) receber um
tratamento ambulatório, em caso de doença ou acidente; b) ser hospitalizados, se
necessário; e c) receber um tratamento dentário, sobretudo em caso de urgência,
reconhecendo-se ainda que os marítimos deveriam ser rapidamente admitidos em
clínicas e hospitais em terra, sem dificuldade e distinção de nacionalidade ou credo (sem
discriminação).
C. RELATÓRIO MÉDICO
De forma a conseguir concretizar estes objetivos, a OIT defende que as
autoridades competentes adotem um modelo-tipo de relatório médico para uso dos
comandantes e do pessoal médico competente, em terra e a bordo. Este relatório tem
280
carácter confidencial e serve exclusivamente para facilitar o tratamento dos marítimos
(n.º 2 da Norma A4.1).
Recomenda-se ainda que o modelo de relatório médico para os marítimos, seja
concebido de modo a facilitar o intercâmbio, entre o navio e terra, de informações
médicas e informações conexas relacionadas com os marítimos em caso de doença ou
acidente (Princípio orientador B4.1.2).
D. NORMAS RELATIVAS AOS CUIDADOS MÉDICOS:
Relativamente aos cuidados médicos e hospitalares a bordo dos navios, de acordo
com a CTM 2006 os Estados devem adotar as normas mínimas referentes às instalações,
equipamento e formação previstas na Norma A4.1.
Como veremos, a nível nacional existe já um leque de prescrições sobre
assistência médica em terra e a bordo que garante o amplo cumprimento das disposições
da CTM 2006 nesta matéria.
(i) Equipamento médico
Todos os navios devem dispor de uma farmácia de bordo, material médico e um
guia médico, cujas características devem ser estabelecidas pela autoridade competente e
inspecionadas regularmente por esta. As prescrições nacionais devem ter em conta o
tipo de navio, o número de pessoas a bordo, a natureza, o destino e a duração das
viagens, bem como normas médicas recomendadas no plano nacional e internacional
(Princípio orientador B4.1.1 da CTM 2006).
Em Portugal, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 274/95, de 23 de
outubro, todos os navios devem possuir permanentemente uma farmácia de bordo e a
dotação médica da farmácia de bordo deve ter em conta a classificação do navio
estabelecida no artigo anterior (artigo 3.º - "Classificação dos navios"); as características
da viagem, nomeadamente as escalas, os destinos e a sua duração; o tipo de trabalho a
efetuar durante a viagem; as características da carga; o número de trabalhadores
presentes a bordo.
A Portaria n.º 6/97, de 2 de janeiro, veio aprovar a lista da dotação médica que
deve integrar as farmácias de bordo e os modelos das fichas de registo.
281
(ii) Médico a bordo
Na ordem jurídica portuguesa, de acordo com o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º
274/95, de 23 de outubro, o navio com mais de 100 pessoas a bordo e que efetue um
trajeto internacional de mais de três dias deve ter um médico a bordo encarregado da
assistência médica.
Os navios que não disponham de um médico a bordo devem contar com, pelo
menos, um marítimo responsável pelos cuidados médicos e administração dos
medicamentos, no âmbito das suas funções normais, ou um marítimo apto a prestar os
primeiros socorros. Os marítimos responsáveis pelos cuidados médicos a bordo e que
não sejam médicos devem ter concluído um curso de formação sobre cuidados médicos
que cumpra com as disposições da Convenção Internacional sobre Normas de
Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos, emendada
(STCW). Os marítimos responsáveis pela prestação de primeiros socorros devem ter
concluído um curso de formação sobre primeiros socorros, de acordo com as
disposições da STCW. Mais uma vez, a legislação nacional deve determinar o nível de
formação exigido, tendo em conta nomeadamente fatores como a duração, a natureza e
as condições das viagens e o número de marítimos a bordo.
Considere-se, por fim, que a legislação nacional deve determinar também quais os
outros navios que devem dispor de um médico a bordo, tendo em consideração fatores
como a duração, a natureza e as condições da viagem e o número de marítimos a bordo.
(iii) Consultas médicas à distância
A autoridade competente deve assegurar, através de um sistema previamente
estabelecido, a possibilidade da realização de consultas médicas por rádio ou satélite,
incluindo conselhos de especialistas, 24 horas por dia. Estas consultas médicas,
incluindo a transmissão por rádio ou satélite de mensagens médicas entre um navio e as
pessoas em terra que dão o aconselhamento, devem ser asseguradas gratuitamente a
todos os navios, independentemente da sua bandeira.
Cabe ao artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 274/95, de 23 de outubro, regular as
consultas médicas via rádio. Nestes termos, o atendimento, a orientação médica e o
encaminhamento dos pedidos de socorro que, em matéria de saúde, sejam provenientes
de embarcações ou navios devem, independentemente do lugar onde se encontrem ou da
282
sua nacionalidade, ser cometidos ao Centro de Orientação de Doentes Urgentes de
Lisboa.
Os trabalhadores podem, ainda, autorizar que os dados relativos à sua ficha
individual de saúde façam parte do ficheiro informático existente no Centro de
Orientação de Doentes Urgentes de Lisboa para possibilitar, em situação de emergência,
a prestação de uma assistência médica mais qualificada. Nestes casos, deve ser
garantida a confidencialidade dos dados da ficha individual.
(iv) Embarcações de salvamento
O Decreto-Lei n.º 274/95, de 23 de outubro, estabelece ainda outras normas
relativas aos cuidados médicos a bordo.
No que diz respeito às embarcações de salvamento, estas devem possuir uma
caixa-farmácia estanque, de conteúdo igual à dotação médica prevista para os navios de
categoria C ("navio que pratique a navegação portuária e ainda a embarcação que opere
nas imediações da costa ou não disponha de outros compartimentos, além do reservado
ao timoneiro") e que o seu conteúdo deve ser registado em ficha apropriada (art. 5.º).
(v) Local de prestação de cuidados médicos
O navio com capacidade superior a 500 t brutas que tenha uma tripulação de 15
ou mais trabalhadores e que efetue viagens de duração superior a três dias deve possuir
um local destinado à prestação de cuidados médicos, de fácil acesso e com boas
condições de higiene e de salubridade (art. 6.º).
(vi) Antídotos
Por fim, "os navios que façam o transporte de matérias perigosas, constantes do
anexo I ao presente diploma, que dele faz parte integrante, devem ter na sua dotação
médica os antídotos previstos pela portaria" que aprova a dotação das farmácias (art.
8.º)374 .
374 Os navios cujas condições de exploração não permitam um conhecimento prévio da natureza das matérias perigosas a transportar devem ter na sua dotação médica os antídotos previstos na portaria a que se refere o número anterior. Nas linhas de transportes regulares que prevejam viagens de duração inferior a duas horas, os antídotos podem ser limitados aos que, em situação de urgência, devem ter de ser administrados no mesmo período (n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º).
283
(vii) O armador e o comandante
A propósito dos cuidados médicos, de acordo com o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º
274/95, de 23 de outubro, sem prejuízo da responsabilidade que lhe está atribuída na
gestão da dotação médica, o comandante pode delegar a sua utilização e manutenção
num ou mais trabalhadores designados especialmente para o efeito, de acordo com a sua
competência.
De acordo com o artigo 9.º do mencionado diploma, no que respeita aos cuidados
médicos em especial, o armador deve ainda tomar as medidas necessárias para garantir
que:
a. O fornecimento e a renovação da dotação médica do navio sejam feitos com
a periodicidade normal;
b. Seja colocada sob a responsabilidade do comandante a dotação médica
existente a bordo;
c. A dotação médica seja mantida em bom estado, completada e renovada
prioritariamente nas operações de reabastecimento do navio e sempre que
necessário.
Em caso de urgência médica verificada pelo comandante e, na medida do
possível, confirmada por um parecer médico, devem ser obtidos o mais rapidamente
possível, os medicamentos, o material médico e os antídotos necessários não existentes
a bordo.
(viii) Informação
O armador deve tomar as medidas necessárias para que a dotação médica
existente a bordo seja acompanhada de um guia que indique o modo de utilização dos
medicamentos, do material e do equipamento médicos. (art. 11.º).
(ix) Formação
Os trabalhadores com formação profissional marítima que prestem serviço a
bordo devem possuir uma formação de base sobre as medidas de assistência médica e de
socorro a tomar em caso de acidente ou de urgência médica vital. O comandante e todos
os outros trabalhadores que tenham a seu cargo a conservação e a utilização da dotação
médica devem possuir uma formação específica sobre as matérias constantes do anexo
II ao presente diploma (art. 12.º).
284
(x) Controlo, fiscalização e contraordenações
Nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 274/95, de 23 de outubro, deve ser
assegurado um controlo anual das farmácias de bordo existentes nos navios e nas
embarcações de salvamento, de modo a garantir a conformidade da dotação médica; a
adequação da ficha de controlo; a qualidade das condições de conservação; o respeito
pelos prazos de validade.
O controlo e a fiscalização do cumprimento do disposto no presente diploma e
na portaria referida no n.º 3 do artigo 4.º, bem como a aplicação das correspondentes
sanções, competem à Direção-Geral de Portos, Navegação e Transportes Marítimos.
Em matéria contraordenacional, o artigo 15.º estabelece as seguintes
contraordenações:
a. Contraordenação muito grave pela violação dos n.os 1 e 2 do artigo 4.º, do n.º
1 do artigo 5.º, do artigo 8.º e das alíneas a), c) e d) do artigo 9.º;
b. Contraordenação grave pela violação do n.º 3 do artigo 4.º, dos artigos 6.º e
7.º, da alínea b) do artigo 9.º e dos artigos 11.º e 12.º;
c. Contraordenação leve pela violação do n.º 4 do artigo 4.º e do n.º 2 do artigo
5.º.
SUBCAPÍTULO II
ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS
1. NOÇÕES GERAIS
Para além da atitude preventiva face à saúde e segurança dos marítimos, importa
compreender o que deve ser feito em caso de acidente ou doença dos marítimos.
Começamos por esclarecer que apesar de poderem estar intrinsecamente
relacionados, não podemos confundir os conceitos de acidentes e incidentes marítimos
com acidentes de trabalho a bordo.
De acordo com o artigo 3.º/2, alínea b), da Lei n.º 18/2012, de 7 de maio375,
“acidente marítimo” é um acontecimento ou uma sequência de acontecimentos
375 Esta lei transpôs a Diretiva n.º 2009/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, que estabelece os princípios fundamentais que regem a investigação técnica de acidentes no setor do transporte marítimo e atribuiu ao Gabinete de Prevenção e de Investigação de Acidentes Marítimos (GPIAM), competência para a investigação técnica, cabendo-lhe identificar com a maior eficácia e rapidez possível as respetivas causas, elaborar e divulgar os correspondentes relatórios, promover estudos,
285
diretamente relacionados com as operações de um navio, com exceção dos atos ou
omissões deliberados, com o objetivo de provocar danos à segurança de um navio, de
uma pessoa ou do ambiente, que tenha como consequência qualquer dos seguintes
resultados:
i. A morte ou ferimento grave de uma pessoa;
ii. A perda de uma pessoa que se encontrava a bordo de um navio;
iii. A perda, presumida perda ou abandono de um navio;
iv. Danos materiais sofridos pelo navio;
v. Encalhe ou inutilização de um navio, ou o envolvimento de um navio numa
colisão;
vi. Danos materiais numa infraestrutura marítima exterior ao navio, podendo
seriamente colocar em risco a segurança do navio, de outro navio ou de
qualquer pessoa;
vii. Danos graves para o ambiente ou a possibilidade de ocorrência de danos
graves para o ambiente, em resultado dos danos sofridos por um navio ou
navios.
Por sua vez o “incidente marítimo” é um acontecimento, ou sequência de
acontecimentos, que não um acidente marítimo, diretamente ligado às operações de um
navio que tenha colocado em risco, ou, se não fosse corrigido, poderia colocar em risco
a segurança do navio, das pessoas a bordo ou de qualquer outra pessoa ou o meio
ambiente, não incluindo atos ou omissões deliberados, com o objetivo de provocar
danos à segurança de um navio, do indivíduo ou do meio ambiente (artigo 3.º, n.º 2,
alínea b), da Lei n.º 18/2012, de 7 de maio).
Como refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO376, em termos gerais
podemos dizer que o acidente de trabalho é o evento súbito e imprevisto, ocorrido no
local e no tempo de trabalho, que produz uma lesão corporal ou psíquica do trabalhador
que afete a sua capacidade de ganho (art. 8.º da LAT). Já a doença profissional
caracteriza-se pela sua verificação lenta e impercetível, tendo origem no trabalho
desenvolvido ao longo do tempo.
formular recomendações em matéria de segurança marítima que visem reduzir a sinistralidade marítima e assegurar a participação em comissões, organismos ou atividades, nacionais ou estrangeiras. 376 RAMALHO, Maria do Rosário Palma - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais individuais, 5ª edição, 2014, p. 867.
286
Como podemos concluir, apesar de estes conceitos poderem estar relacionados,
porque por exemplo, o acidente de trabalho foi consequência de um acidente
marítimo 377 , cada um dos conceitos tem especificidades próprias que convocam a
aplicação de normas específicas. Por exemplo, os acidentes e incidentes marítimos
podem envolver variados problemas relacionados com a poluição do meio ambiente;
com a mercadoria transportada; com várias perdas humanas, e por isso podem ser
sujeitos a investigações técnicas especiais, cujo regime é regulado pela Lei n.º 18/2012,
de 7 de maio.
Neste ponto iremos apenas dedicar-nos aos acidentes de trabalho a bordo de
navios e às doenças profissionais.
O acidente de trabalho é delimitado por vários critérios estabelecidos pelos artigos
3.º a 13.º da LAT: o do local de ocorrência do mesmo, o da autoridade, o temporal e o
dos danos típicos que dele emergem. A responsabilidade acidentária está regulada nos
artigos 14.º a 18.º da LAT enquanto a reparação pelos danos causados ao trabalhador é
abordada na secção VI (artigos 23.º e ss da LAT) 378.
Por fim, importa explicar que ao longo deste tema não nos iremos pronunciar com
profundidade quanto ao regime geral aplicado aos acidentes de trabalho e às doenças
profissionais, mas apenas quanto às especificidades de regime relativas ao setor de
trabalho marítimo.
Esta opção prende-se com o facto de o tema da sinistralidade laboral e das
doenças profissionais em geral ser suficientemente vasto para justificar uma análise
autónoma especialmente dedicada a esse tema.
377 A este propósito Victor Gonçalves de Brito explica que “Mais do que na actividade terrestre, nas actividades marítimas a própria segurança física da operação dos navios e de outros meios flutuantes e a prevenção e mitigação de acidentes e danos ambientais, têm relação de efeito e causa com a segurança ocupacional; igualmente, as acções agressivas (terrorismo e pirataria) podem potenciar os riscos para a segurança ocupacional”, in Riscos Ocupacionais nas Actividades Maritimas, Revista da Marinha, RM989, 1 de abril de 2014. 378 As principais causas de acidentes de trabalho, de acordo com algumas companhias seguradoras, foram identificadas como tendo a ver com a insegurança do local de trabalho, o posto de trabalho em movimento; a complexidade das manobras; o piso escorregadio; as condições meteorológicas, a má iluminação no trabalho noturno; o local de trabalho pouco espaçoso; o elevado ruído e vibração; a exigência de grandes esforços físicos e psíquicos; a dureza do trabalho; os horários de trabalho excessivos; a ausência familiar; a higiene precária; poucas condições de habitabilidade a bordo (exemplo: falta de instalações sanitárias em embarcações de pesca); escassez de água doce; isolamento médico; dificuldades na prestação dos primeiros socorros; demora no socorro devido à distância; falta de equipamentos de segurança a bordo. A este propósito vd. SINCOMAR - Manual De Segurança No Trabalho A Bordo Dos Navios, pp. 121 e 122.
287
2. REGIME JURÍDICO
O legislador português remete a reparação de acidentes de trabalho e de doenças
profissionais dos marítimos para o regime geral de legislação específica.
Deste modo aplica-se a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (de ora em diante LAT),
que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças
profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo
284.º do CT e do artigo 21.º, n.º 6, da LAMBN.
O regime jurídico das doenças profissionais aplicável aos marítimos é o
estabelecido nos artigos 93.º e ss da LAT.
No entanto, apesar da remissão para o regime da LAT, resulta do artigo 21.º da
LAMBN que, em caso de doença ou acidente do marítimo a bordo que impossibilite o
marítimo de prestar atividade, o armador deve pagar àquele (n.º 7)379:
i. A retribuição ou a diferença entre esta e o subsídio de doença ou a
indemnização por incapacidade temporária para o trabalho resultante de
acidente de trabalho ou doença profissional, durante o período em que o
marítimo esteja a bordo ou desembarcado à espera de ser repatriado.
ii. Após esse período e caso o marítimo não tenha direito ao subsídio ou à
indemnização, um montante equivalente ao primeiro ou, não sendo este
determinável, correspondente a metade da retribuição, durante 16
semanas a contar do início da doença ou do acidente.
Importa realçar que o disposto neste número não se aplica caso o acidente não
constitua acidente de trabalho, ou caso a doença ou o acidente resulte de ato intencional
do marítimo (n.º 8).
Quer isto significar que este dever apenas se aplica aos casos que constituam ou
acidentes de trabalho marítimo ou doenças, desde que não tenham resultado de ato
intencional do marítimo.
Por fim, caso o marítimo que efetue serviço de quartos sofra problemas de saúde
decorrentes da prestação de trabalho noturno, verificados em exame médico periódico
ou ocasional, o armador deve, logo que possível, transferi-lo para um posto de trabalho
diurno adequado (n.º 9).
379 Cf. n.º 3 da Norma A4.2 da CTM 2006
288
3. ESPECIFICIDADES DE REGIME
Para controlar o cumprimento da aplicação das normas relativas à segurança e
saúde no trabalho e assegurar que os marítimos que trabalham a bordo de navios que
arvoram a sua bandeira beneficiem de um sistema de proteção da saúde no trabalho e
que vivam, trabalhem e se formem a bordo dos navios num ambiente seguro e são, a
CTM 2006 aborda alguns aspetos particulares relacionados com as situações de
acidentes de trabalho e doenças profissionais, os quais serão analisados de seguida de
forma conjugada com a legislação nacional (n.º 5 da Norma A4.3).
3.1.Notificações
Os acidentes de trabalho e as lesões e doenças profissionais devem ser
devidamente notificados, tendo em conta as orientações fornecidas pela OIT a respeito
da notificação e do registo dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais (alínea
a), no n.º 5, da Norma A4.3 da CTM 2006).
A nível interno, o armador tem o dever de comunicar à autoridade competente os
acidentes mortais, bem como aqueles que evidenciem uma situação particularmente
grave, nas vinte e quatro horas a seguir à ocorrência, de acordo com as leis e as normas
nacionais.
Todos os acidentes fatais ou com lesões graves devem ser comunicados
imediatamente à autoridade competente e uma investigação deve ser realizada. Esta
comunicação deve conter a identificação do trabalhador acidentado e a descrição dos
factos, devendo ser acompanhada de informação e respetivos registos sobre os tempos
de trabalho prestado pelo trabalhador nos 30 dias que antecederam o acidente (artigo
111º, n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, com a redação dada pela Lei n.º
3/2014, de 28 de janeiro).
3.2. Inquérito
Os acidentes de trabalho devem ser objeto de inquérito (alínea c), n.º 5, da Norma
A4.3 da CTM 2006).
A nível interno, a autoridade competente para fiscalizar e realizar o inquérito cujo
regime está previsto pelo artigo 14.º da Lei 102/2009, de 10 de setembro, é a ACT.
289
No entanto, resulta do n.º 6 desse artigo380 que no caso de o inquérito respeitar a
factos ocorridos em navio abrangido pela CTM 2006, a ACT pode solicitar a
colaboração ou delegar estas competências na autoridade com competências específicas
na aplicação da legislação decorrente da Convenção, neste caso a DGRM.
Este inquérito deve ser promovido em caso de acidente de trabalho mortal ou
que evidencie uma situação particularmente grave (n.º 2 do art. 14.º) mas também pode
ser realizado em casos de doença profissional ou outro dano para a saúde ocorrido
durante o trabalho ou com ele relacionado.
Para lá disso, o relatório do inquérito realizado com base em factos ocorridos a
bordo do navio deve estar concluído e, no caso de ter sido realizado por outra instituição
que não o organismo normalmente competente, deve ser entregue à ACT logo que
possível e, em qualquer caso, nos 30 dias subsequentes à conclusão do inquérito (n.º 7
do artigo 14.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro)381.
Importa referir que as notificações e inquéritos relativos às questões de segurança
e saúde no trabalho devem ser efetuados de forma a garantir a proteção dos dados
pessoais dos marítimos e devem ter em conta as orientações fornecidas pela OIT a esse
respeito (n.º 6).
3.3. Cooperação
A autoridade competente deve cooperar com as organizações de armadores e de
marítimos no sentido de tomar medidas para informar todos os marítimos sobre os
riscos específicos identificados a bordo dos navios nos quais trabalham através de, por
exemplo, afixação de notas oficiais com instruções a esse respeito (n.º 7 da norma A4.3
da CTM 2006). Tal como consta do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de
setembro, na promoção e na avaliação, a nível nacional, das medidas de políticas no
domínio da segurança e da saúde no trabalho, deve ser assegurada a consulta e a
participação das organizações mais representativas dos empregadores e trabalhadores.
3.4. Participação do acidente de trabalho
O artigo 89.º da LAT estabelece disposições particulares no caso de acidentes de
trabalho a bordo.
380 Aditado pelo artigo 48.º da LAMBN. 381 Idem.
290
Assim, se o sinistrado for um inscrito marítimo, a participação é feita ao órgão
local do sistema de autoridade marítima do porto do território nacional onde o acidente
ocorreu, sem prejuízo de outras notificações previstas em legislação especial (n.º 1).
Se o acidente ocorrer a bordo de navio português, no alto mar ou no estrangeiro, a
participação é feita ao órgão local do sistema de autoridade marítima do primeiro porto
nacional escalado após o acidente (n.º 2).
Estas participações devem ser efetuadas no prazo de dois dias a contar da data do
acidente ou da chegada do navio e remetidas imediatamente ao tribunal competente pelo
órgão local do sistema de autoridade marítima, se a responsabilidade não estiver
transferida ou se do acidente tiver resultado a morte, e à seguradora nos restantes casos
(n.º 2).
SUBCAPÍTULO III
ACIDENTES, DOENÇAS e FALECIMENTO
1. DEVERES GERAIS DO ARMADOR
Enquanto o subcapítulo anterior se dedica aos casos de acidentes de trabalho e
doenças profissionais, o presente subcapítulo dedica-se apenas aos acidentes que não
sejam de trabalho e às doenças que não sejam profissionais.
A OIT considera que de forma a garantir a proteção contra as consequências
financeiras de uma doença, acidente ou morte durante, os Estados devem assegurar que
os marítimos que trabalham a bordo destes navios tenham direito a uma assistência e a
um apoio material da parte do armador para fazer face às consequências financeiras de
doenças, acidentes ou mortes ocorridos no quadro de um contrato de trabalho marítimo,
mesmo que não tenham resultado do exercício da atividade.
Como tivemos oportunidade de referir no subcapítulo anterior, o regime de
reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais dos marítimos está
regulado pela LAT, conforme estabelece o n.º 6 do artigo 21.º da LAMBN, sem
prejuízo das especificidades previstas nos n.ºs 7 a 9.
291
Por sua vez, os deveres previstos nos n.ºs 1 a 5 do artigo 21.º da LAMBN dizem
respeito a acidentes que não sejam de trabalho e a doenças naturais382.
O armador tem o dever de assegurar o tratamento, pagando os respetivos
encargos, do marítimo que, estando em viagem, sofra doença natural ou acidente que
não seja de trabalho e necessite de tratamento em terra fora do território nacional,
incluindo os cuidados dentários essenciais (n.º 1). Neste caso, o armador deve assegurar
o alojamento e a alimentação ao marítimo durante o período de tratamento, a bordo, em
terra ou à espera de ser repatriado (n.º 2).
Estas prestações da responsabilidade do armador são devidas ainda que o
marítimo tenha ocultado intencionalmente, no momento da admissão, qualquer doença
ou lesão, ou quando estas tenham resultado de atuação deliberada. Nesses casos, no
entanto, o marítimo tem o dever de compensar o armador pelo respetivo custo (n.º 3)383.
Além disso, o marítimo não beneficiário do Serviço Nacional de Saúde tem
acesso, em condições idênticas às do beneficiário, às instituições daquele para efeitos de
proteção da saúde e de cuidados médicos, incluindo cuidados dentários essenciais (n.º
4).
As responsabilidades do armador nesta matéria não são uma inovação legislativa,
uma vez que se encontravam previstas no artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 45 968, de 15
de outubro de 1964, segundo o qual o tripulante que adoecesse a bordo ou que tivesse
adquirido lesão durante a viagem tinha, em princípio, direito às soldadas, por todo o
tempo que durasse o impedimento e tinha ainda direito a obter curativos, assistência
médica e medicamentos por conta do armador.
382 Esta opção do legislador segue a Norma A4.2 da CTM 2006, que se dedica à responsabilidade dos armadores em caso de morte, acidente ou doença do dos marítimos, nos seguintes moldes:
a. Os armadores devem suportar os custos, relativamente aos marítimos que trabalham a bordo dos seus navios, de qualquer doença ou acidente ocorridos entre a data de início do serviço e a data em que se considere que o marítimo foi devidamente repatriado, ou resultante do seu trabalho entre estas duas datas;
b. Os armadores devem assegurar uma cobertura financeira para garantir uma indemnização em caso de morte ou de incapacidade de longa duração dos marítimos, resultante de acidente de trabalho, doença profissional ou risco profissional, nos termos da legislação nacional, do contrato de trabalho marítimo ou convenção coletiva;
c. Os armadores devem suportar as despesas médicas, incluindo o tratamento médico e o fornecimento de medicamentos e outros meios terapêuticos, bem como a alimentação e o alojamento do marítimo doente ou ferido fora do seu domicílio até à cura ou até à constatação do carácter permanente da doença ou da incapacidade.
383 Esta norma assemelha-se à do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, que previa que, não obstante o armador estar isento das suas responsabilidades em caso de doença ou lesão culposa, este teria obrigação de adiantar as importâncias necessárias aos tratamentos, ressalvando-se o direito ao respetivo reembolso.
292
Também o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, se ocupava desta
matéria.
De acordo com esta disposição, o marítimo que adoecesse ou adquirisse lesão
durante a viagem, quer se encontrasse a bordo, quer em terra, ou que sofresse acidente
de trabalho ou adquirisse doença ao serviço do armador, tinha direito, para além de
receber a sua retribuição por todo o tempo que durasse o impedimento, a curativos,
assistência médica e medicamentosa, por conta do armador, bem como ao pagamento do
regresso ao porto do armamento, se o tratamento tivesse sido feito em terra.
O atual regime é mais claro que o anterior ao esclarecer qual o regime aplicável
nos casos de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, diferenciando-o do
regime aplicável em caso de doenças naturais ou de acidentes que não sejam de
trabalho.
Apesar de o legislador ter adequado devidamente a legislação interna à CTM
2006, somos da opinião que, no que diz respeito aos deveres do armador neste último
grupo de situações, a lei deveria ser mais clara, nomeadamente no que concerne ao
pagamento não apenas do alojamento e da alimentação, mas também das deslocações
que sejam necessárias para efeitos de assistência médica.
2. DEVERES DO ARMADOR EM CASO DE MORTE DO MARÍTIMO
De acordo com a CTM 2006, os armadores devem suportar as despesas de
funeral, se a morte ocorrer a bordo ou em terra durante o período do contrato (norma
A4.2, n.º 1, alínea d)).
A nível nacional, no que diz respeito aos pagamentos decorrentes de falecimento
do marítimo, nos termos do artigo 24.º da LAMBN, se o marítimo falecer os seus
sucessores têm direito à respetiva retribuição até ao último dia do mês seguinte àquele
em que tiver ocorrido o falecimento (n.º 1).
Por sua vez, se o marítimo falecer em serviço, em consequência de uma operação
de salvamento do navio, os seus sucessores têm direito à respetiva retribuição até ao
final da viagem se ela terminar depois do prazo referido no número anterior (n.º 2).
Em caso de falecimento do marítimo não resultante de acidente de trabalho ou
doença profissional, incumbe ao armador o pagamento das despesas de funeral, na parte
em que excedam o valor do subsídio atribuído pela segurança social, com o limite
293
previsto no regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (n.º
3).
Como resulta da Norma A4.2, n.º 6, a lei pode excluir o armador da
responsabilidade de pagar as despesas de funeral, na medida em que tal
responsabilidade seja assumida pelas autoridades públicas.
Em Portugal, essa responsabilidade é assumida pela segurança social, através do
reembolso das despesas de funeral, de prestações por morte ou do subsídio de funeral.
A violação do disposto nos n.os 1 ou 2 constitui contraordenação muito grave e a
violação do disposto no número 3 constitui contraordenação grave (n.º 4).
3. BENS DEIXADOS A BORDO
A CTM 2006 prevê que o armador, ou os seus representantes, devem tomar
medidas para salvaguardar os bens deixados a bordo pelos marítimos doentes, feridos
ou mortos, e para os fazer chegar aos próprios ou aos familiares mais próximos (n.º 7 da
Norma A4.2).
Neste aspeto, a lei nacional segue o previsto pela OIT. Assim, de acordo com o
artigo 25.º da LAMBN, o armador deve guardar os bens deixados a bordo pelo marítimo
doente, acidentado ou falecido e assegurar a sua entrega ao próprio ou aos seus
familiares. A violação deste dever constitui contraordenação grave.
294
CAPÍTULO VIII
A ALIMENTAÇÃO, O ALOJAMENTO E AS INSTALAÇÕES DE BEM-ESTAR A BORDO DOS NAVIOS
SUBCAPÍTULO I
A ALIMENTAÇÃO Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.
Deitam sortes à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão-general384
Garantir que os marítimos têm acesso a uma alimentação de boa qualidade
incluindo água potável, fornecida em condições de higiene tem sido uma das
preocupações da OIT.
A Convenção n.º 68 da OIT, de 1946, estabelece que deverá ser assegurado um
nível satisfatório de alimentação e de serviço de mesa para as tripulações dos navios de
mar, incluindo a adoção de normas de higiene das instalações e serviços destinados ao
aprovisionamento de água e de víveres385 e à confeção de alimentos386.
A nível interno, as normas relativas ao serviço de alimentação a bordo das
embarcações de comércio de longo curso e de cabotagem estão estabelecidas pelo
Decreto-Lei n.º 285/93, de 18 de agosto, que atualizou disposições adotadas de acordo
com os princípios da Convenção n.º 68.º da OIT, revista pela CTM 2006.
384 GARRETT, Almeida de - A Nau Catrineta, Romanceiro, Ulisseia, Lisboa, 1997. 385 Alimentos necessários à sobrevivência. 386 Convenção n.º 68, aprovada para ratificação pelo DL n.º 38 340, de 16 de julho de 1951.
295
Reavive-se o que constava do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março,
revogado em 2015 pela LAMBN: (i) a alimentação do tripulante em viagem é fornecida
pelo armador; (ii) a refeição pode ser servida no local de trabalho ou no camarote
quando houver motivo que o justifique e o comandante o autorize; (iii) estando a
embarcação no porto de armamento, o tripulante que, por motivo de serviço, seja
impedido de vir a terra nas horas normais das refeições tem direito a fornecimento da
alimentação ou a receber, em dinheiro, as rações que forem convencionadas e, (iv)
tratando-se de embarcações empregadas na navegação costeira, nacional ou
internacional, o tripulante a quem não seja fornecida alimentação a bordo tem direito a
receber, em dinheiro, as rações que forem convencionadas.
1. NORMAS MÍNIMAS
Resulta da CTM 2006 que os Estados devem estabelecer normas mínimas no que
respeita à quantidade e qualidade da alimentação e da água potável, bem como normas
relativas ao serviço de mesa para as refeições servidas aos marítimos a bordo dos navios
que arvoram a sua bandeira (Regra 3.2).
As normas mínimas constam da Norma A3.2 e são as seguintes:
i. Aprovisionamento suficiente de víveres e água potável, de valor nutritivo,
qualidade e variedade satisfatórias, tendo em conta o número de marítimos a
bordo, a sua religião e hábitos culturais em matéria alimentar, bem como a
duração e a natureza da viagem;
ii. Organização e um equipamento do serviço de cozinha e de mesa que
permitam fornecer aos marítimos refeições adequadas, variadas e nutritivas,
preparadas e servidas em condições de higiene satisfatórias;
iii. Pessoal de cozinha e de mesa convenientemente formado ou que tenha
recebido a instrução necessária.
No seguimento dessas orientações, que já resultavam dos artigos 2.º e 5.º da
Convenção n.º 68 da OIT, de acordo com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 285/93, de 18
de agosto, as embarcações devem dispor de cozinhas e instalações complementares,
incluindo despensas, câmaras frigoríficas e utensílios adequados ao serviço de
alimentação e de mesa, em condições de higiene e segurança, de harmonia com as
regras de construção, localização, arejamento, aquecimento e iluminação constantes da
legislação aplicável. Além disso, na conservação, manipulação e confeção dos
296
alimentos devem ser observadas as necessárias condições de higiene (artigo 3.º) e as
embarcações devem ser abastecidas de víveres, de acordo com os efetivos da tripulação
e da duração da viagem, de modo a satisfazer em quantidade, valor nutritivo, qualidade
e variedade os requisitos determinados por portaria do Ministro do Mar (artigo 4.º).
Em Itália, se no decurso da navegação faltarem provisões de bordo essenciais, o
comandante deve providenciar o respetivo aprovisionamento por todos os meios
possíveis. Para este fim, se necessário, deve solicitá-lo a outros navios, ou de outra
forma chegar ao local mais próximo, mesmo que para esse efeito seja necessário desviar
a rota (artigo 300.º do Código da Navegação). No entanto, se mesmo assim a deficiência
de abastecimento de alimentos a bordo não puder ser superada, o comandante deve
reduzir de forma adequada as rações da tripulação e dos passageiros em relação à
expectativa normal de uma possível oferta (artigo 301.º).
Por sua vez, se a redução das rações alimentares, permitida pelo artigo 301.º,
resultar de razões não imputáveis ao armador, este deve compensar os membros da
tripulação pelo equivalente aos danos. Se a redução for determinada por causas
imputáveis ao armador, este fica obrigado a pagar uma indemnização pelos danos
causados (artigo 339.º).
2. COZINHEIRO DE BORDO - CERTIFICADO
O cozinheiro de bordo é a pessoa diretamente responsável pela preparação das
refeições da tripulação (artigo 2.º da Convenção n.º 69 da OIT, de 1946).
Com a Convenção n.º 69, a OIT define as condições indispensáveis para a
obtenção do diploma de aptidão profissional dos cozinheiros de bordo, de modo a
garantir que as exigências relativas à alimentação dos marítimos eram respeitadas, as
quais se baseavam na idade, na formação e na experiência (artigo 4.º, n.º 2).
A Norma A3.2. da CTM 2006 seguiu o mesmo caminho e, para garantir que o
direito à alimentação é respeitado, clarifica que os armadores devem assegurar que os
marítimos contratados como cozinheiros de bordo sejam formados, qualificados e
considerados competentes para a função, de acordo com o estabelecido na legislação do
Estado-Membro em causa, a qual deve exigir a conclusão de um curso de formação
aprovado ou reconhecido pela autoridade competente, que compreenda conhecimentos
práticos sobre cozinha, higiene pessoal e alimentar, armazenamento de víveres, gestão
de abastecimentos e proteção do ambiente e da saúde, e segurança no serviço de cozinha
297
e de mesa (n.º 3 e 4) e que nenhum marítimo menor de 18 anos deve ser empregado ou
contratado, ou trabalhar como cozinheiro de bordo (n.º 8) 387.
No entanto, esta regra geral, que exige como critérios de certificação a formação e
a experiência (“conhecimentos práticos”), é excecionada nos casos seguintes:
i. Os navios que operam com uma lotação fixada inferior a dez pessoas, devido à
dimensão da tripulação ou ao padrão da atividade comercial, podem não ser
obrigados pela autoridade competente a ter a bordo um cozinheiro devidamente
qualificado. Porém, quem preparar os alimentos na cozinha deve ter recebido
formação ou instrução em áreas que incluam a higiene alimentar e pessoal, bem
como o manuseamento e o armazenamento de alimentos a bordo (n.º 5).
ii. Em circunstâncias de extrema necessidade, a autoridade competente pode
conceder uma dispensa que autorize um cozinheiro não devidamente
qualificado a servir num determinado navio, e por um período limitado, até ao
próximo porto de escala conveniente ou por um período não superior a um mês,
desde que a pessoa a quem se concede a dispensa tenha recebido uma formação
ou uma instrução em áreas que incluam a higiene alimentar e pessoal, bem
como o manuseamento e o armazenamento de alimentos a bordo (n.º 6).
Apesar de a CTM 2006 admitir exceções à regra geral, a pessoa responsável por
preparar a refeição dos marítimos deverá sempre ter conhecimentos ou experiência na
área.
Em suma, a CTM 2006 exige que todos os cozinheiros dos navios sejam
treinados e qualificados388.
De acordo com a OIT, o exame estabelecido pode ser organizado e o diploma
emitido quer diretamente pela autoridade competente quer, sob o controlo desta, por
uma escola de hotelaria reconhecida (n.º 2 do Princípio orientador B3.2.2 da CTM
2006) e a autoridade competente deve prever o reconhecimento, quando necessário, dos
diplomas de aptidão de cozinheiro de bordo emitidos pelos Estados que tenham
387 Segundo o Princípio orientador B3.2.2 da CTM 2006, só devem obter certificação como cozinheiro de bordo os marítimos que (i) tenham servido no mar durante um período mínimo estabelecido pela autoridade competente e que pode variar em função das qualificações ou das experiências pertinentes dos interessados; e (ii) tenham sido aprovados em exame estabelecido pela autoridade competente ou em exame equivalente, na sequência de um curso de formação reconhecido para cozinheiros. 388 Em setembro de 2013, a OIT aprovou orientações sobre a formação dos cozinheiros dos navios - Guidelines on the training of ships’ cooks, disponíveis em www.ilo.org/mlc.
298
ratificado a CTM 2006 ou a Convenção n.º 69 (n.º 3 do Princípio orientador B3.2.2 da
CTM 2006).
Em Portugal, a categoria do cozinheiro a bordo está prevista no artigo 6.º do
anexo III do RIM, como uma das categorias de mestrança dos marítimos e o respetivo
conteúdo funcional desta atividade consta dos artigos 47.º e 49.º do mesmo anexo.
O exercício da atividade de cozinheiro a bordo depende da obtenção da categoria
respetiva, que só pode ser concedida ao ajudante de cozinheiro com mais de 6 meses de
embarque. Por sua vez, o acesso à inscrição marítima na categoria de ajudante de
cozinheiro de bordo carece de formação prévia adequada, comprovada através de
carteira profissional de cozinheiro de qualquer categoria. A formação deve ser
ministrada pelas escolas de formação profissional na área da hotelaria creditadas pelas
autoridades competentes.
Dado que a idade mínima para o ingresso nos cursos de formação é de 16 anos e,
tendo em conta, por um lado o tempo de formação, e por outro, o facto de ser exigido o
exercício prévio da atividade durante seis meses, como ajudante de cozinheiro, embora
não esteja expressamente fixada a idade mínima de 18 anos, na prática, não é possível
exercer funções de cozinheiro de bordo antes dessa idade.
3. INSPEÇÕES PELA AUTORIDADE COMPETENTE
Como forma de garantir que o direito à alimentação saudável, completa e nutritiva
é respeitado e que as normas mínimas que o asseguram são cumpridas, foram criados
esquemas de inspeção e de fiscalização.
Assim, a CTM 2006 determina que a autoridade competente deve exigir que
sejam realizadas a bordo dos navios inspeções documentais frequentes, pelo
comandante ou sob a sua autoridade, relativamente a: a) aprovisionamento de víveres e
água potável; b) todos os locais e equipamentos utilizados para armazenamento e
manuseamento de víveres e de água potável; e c) cozinha e qualquer outra instalação
utilizada para preparar e servir refeições (n.º 7 da Norma A3.2).
A nível interno, o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 285/93, de 18 de agosto,
estabelece que compete à Direção-Geral de Portos, Navegação e Transportes Marítimos
299
(DGPNTM)389 proceder às inspeções das provisões de víveres e de água; dos locais e
utensílios utilizados na armazenagem e manipulação dos víveres e de água; da cozinha e
outras instalações utilizadas na preparação e serviço das refeições; da aptidão
profissional do pessoal afeto ao serviço de alimentação.
As inspeções podem ser ordinárias ou de rotina e extraordinárias, verificando-se
estas em caso de queixa formulada por uma organização oficial de armadores, por
associação sindical ou por um número não inferior a 50% dos tripulantes de um navio
de mar, relativamente às condições de higiene verificadas a bordo (n.º 2 do artigo 5.º).
Com vista a não retardar a partida das embarcações, as queixas devem ser
apresentadas logo que conhecidos os motivos que as justificam e, sempre que possível,
vinte e quatro horas antes da hora fixada para a saída do porto (n.º 3 do artigo 5.º).
Quando a inspeção se deva realizar num porto estrangeiro, a queixa formulada nos
termos do n.º 2 do artigo 5.º pode ser apresentada à autoridade consular portuguesa mais
próxima, que promoverá a inspeção extraordinária; ou à entidade que nesse porto tenha
competência para fazer a inspeção (n.º 7 do artigo 5.º).
Sempre que necessário, a autoridade competente pode solicitar a colaboração de
outras entidades na realização de inspeções ou de exames complementares ou nelas
delegar, no todo ou em parte, a execução de tarefas técnicas no âmbito da sua
competência (n.º 4 do artigo 5.º).
Das inspeções efetuadas são elaborados relatórios circunstanciados (n.º 5 do artigo
5.º).
Devem ser facultados aos técnicos da autoridade competente (ou de outras
entidades) todas as facilidades e meios necessários ao desempenho das suas funções (n.º
6), para que a inspeção seja feita de forma correta e completa.
O Princípio orientador B3.2.1 da CTM 2006 dedica-se às diligências que devem
ser realizadas pelas autoridades competentes dos Estados-Membros. Nesse sentido,
recomenda-se que os deveres da autoridade competente sejam os seguintes:
a. Recolher informações atualizadas sobre nutrição e métodos de compra,
armazenamento, conservação dos alimentos, bem como da forma de preparar e
servir refeições, tendo em conta as especificidades do serviço de mesa a bordo.
389 No entanto, como já referimos, a DGPNTM foi extinta com o Decreto-Lei n.º 331/98, de 3 de novembro. Atualmente a entidade responsável é a DGRM (artigo 2.º, n.º 2, alínea i), do DL n.º 49-A/2012, de 29 de fevereiro.
300
Estas informações deveriam ser disponibilizadas gratuitamente ou a um custo
razoável aos fabricantes e comerciantes especializados no fornecimento de
víveres ou de material de cozinha e de mesa para navios, comandantes,
empregados de mesa e cozinheiros de bordo, e organizações de armadores e de
marítimos interessadas. Para isso, deveriam ser utilizadas formas adequadas de
divulgação, como manuais, brochuras, cartazes, gráficos ou anúncios em
publicações profissionais.
b. Emitir recomendações com vista a evitar o desperdício de víveres, facilitar a
manutenção de um nível adequado de higiene e assegurar uma boa organização
do trabalho.
c. Elaborar material didático e difundir informações a bordo relativas a métodos
que assegurem uma alimentação e um serviço de mesa satisfatórios.
d. Cooperar estreitamente com as organizações de armadores e de marítimos
interessadas e com as autoridades nacionais ou locais que tratem das questões de
alimentação e de saúde; poderá, em caso de necessidade, recorrer aos serviços
das referidas autoridades.
4. INSPEÇÃO PELO ARMADOR
Não obstante as competências e os deveres da autoridade competente em matéria
de fiscalização, o legislador português atribui ao comandante, ou um oficial por ele
designado, acompanhado por um responsável do serviço de câmaras, o dever de, quando
em viagem, procederem, semanalmente, à inspeção das provisões de víveres e de água
potável e de todos os locais e utensílios empregues no armazenamento e manipulação de
víveres e de água, bem como da cozinha e de qualquer outra dependência utilizada na
preparação e serviço de refeições. (artigoº 6, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 285/93, de 18 de
agosto), devendo as conclusões de cada inspeção ser reduzidas a escrito e constar de um
relatório a elaborar por cada viagem (artigo 6.º, n.º 2).
Estes relatórios são remetidos à autoridade competente, para efeitos de elaboração
de um relatório anual sobre esta matéria, do qual serão remetidas cópias à Organização
Internacional do Trabalho; ao Ministério da Saúde; ao Ministério do Emprego e da
Segurança Social; às associações sindicais representativas de inscritos marítimos; e às
associações representativas de armadores da marinha de comércio (artigo 7.º).
301
O não cumprimento, por parte do armador, do comandante ou de um tripulante,
do disposto no artigo 2.º, artigo 3.º artigo 4.º, artigo 5.º, n.º 6, e artigo 6.º, constitui
contraordenação punível com coima de10 000$ a 200 000$ (artigo 8.º do Decreto-Lei
n.º 285/93, de 18 de agosto).
Cabe ainda referir que as provisões de bordo, ou seja, os produtos destinados
exclusivamente ao consumo da tripulação e dos passageiros, são considerados bens de
abastecimento para efeitos da isenção do imposto de valor acrescentado (artigo 14.º, n.º
3, alínea a), do Código do IVA. Com efeito, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea b),
as transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações afetas à
navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de
passageiros ou o exercício de uma atividade comercial, industrial ou de pesca, estão
isentas deste imposto.
5. CONCLUSÕES
Após termos analisado o tema da alimentação e do serviço de mesa a bordo, cabe
referir que o legislador terá entendido omitir a questão da alimentação na LAMBN, ao
contrário do que acontecia no anterior regime390.
No entanto, as disposições que constavam do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de
março, continuam a justificar-se.
A título de exemplo, a LAMBN apenas refere que as despesas do alojamento e da
alimentação desde o desembarque até à chegada ao local de destino devem ser
suportadas pelo armador em caso de repatriamento. Não fica claro se os marítimos têm
direito a que o custo da alimentação seja suportado pelo armador.
A este propósito relembramos que de acordo com o n.º 2 da Regra 3.2 da CTM
2006, os marítimos a bordo de um navio devem ser alimentados gratuitamente até ao
final do seu contrato.
390 O artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de março, dedicado à alimentação, referia o seguinte:
i. A alimentação do tripulante em viagem é fornecida pelo armador, em conformidade com as disposições legais em vigor.
ii. Qualquer refeição pode ser servida no local de trabalho ou no camarote quando houver motivo que o justifique e o comandante o autorize.
iii. Estando a embarcação no porto de armamento, o tripulante que, por motivo de serviço, seja impedido de vir a terra nas horas normais das refeições tem direito a fornecimento da alimentação ou a receber, em dinheiro, as rações que forem convencionadas.
iv. Tratando-se de embarcações empregadas na navegação costeira, nacional ou internacional, o tripulante a quem não seja fornecida alimentação a bordo tem direito a receber, em dinheiro, as rações que forem convencionadas.
302
Com efeito, considerando que o legislador optou por não abordar o tema da
alimentação na LAMBN, somos da opinião de que o Decreto-Lei n.º 285/93, de 18 de
agosto, responsável por regular esta matéria, apesar de garantir já um nível satisfatório
de alimentação e de serviço de mesa para os marítimos, carece de ser atualizado,
principalmente no que concerne: à fiscalização e inspeção da alimentação a bordo; ao
valor das coimas aplicáveis, o qual ainda se encontra definido por referência ao escudo
(anterior moeda da República Portuguesa) e não ao euro (atual moeda); à formação do
pessoal que trabalha nas cozinhas dos navios; e à variedade de valor nutritivo das
refeições a bordo.
Impõe-se assim a revisão do Decreto-Lei n.º 285/93, de 18 de agosto,
compatibilizando-o com as novas regras introduzidas pela CTM 2006, nomeadamente a
Regra 3.2 e a Norma A3.2.
Dessa forma teríamos um instrumento legal mais uniforme, capaz de abarcar os
vários direitos dos marítimos, e as matérias estariam tratadas de forma devidamente
atualizada e seriam conformes com as normas e recomendações internacionais.
Importa ainda referir que esta legislação deveria ser completada com a referência
explícita a outros diplomas legais aplicáveis.
A propósito, por exemplo, da água, é comummente conhecido que a inadequada
gestão da água é um potencial veículo para transmissão de doenças infeciosas nos
navios, pelo que a qualidade da água a bordo deve ter em consideração as diretrizes
preconizadas pelo Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de agosto.
O armador deve assegurar um adequado abastecimento da água destinada, tanto
para consumo humano (lavagens, higiene pessoal, cozinhar ou preparar alimentos),
como para fins recreativos (piscinas, jacuzzis e spas), bem como a destinada à rede de
proteção contra incêndio, às caldeiras e produção de vapor, e deve estar ciente de todos
os perigos (biológicos, químicos ou físicos) e eventos perigosos que possam ocorrer,
quando a água é transferida do porto para o navio ou quando é produzida a bordo.
Assim, deve ser assegurada a bordo a implementação de um Plano de
Monitorização da Qualidade da Água Potável, que permita garantir um sistema de
abastecimento de água potável no navio, bem como controlar o nível de higienização de
todo o sistema interno. Periodicamente, devem ser avaliados e sujeitos a registo os
parâmetros físico-químicos (desinfetante residual livre e pH com monitorização diária;
303
alumínio, ferro, chumbo, cádmio e cobre com monitorização anual) e microbiológicos,
assim como as ações de limpeza dos reservatórios.
Em suma, a monitorização da qualidade da água a bordo deverá ser uma atividade
constante permitindo identificar e avaliar potenciais riscos para a saúde associados ao
uso e consumo de água potável a bordo. Na maioria dos casos, o acompanhamento
consiste em inspeções sanitárias, constituindo uma ferramenta útil para determinar o
estado das infraestruturas de abastecimento de água e a identificação de falhas reais ou
potenciais. Estas inspeções devem ser realizadas regularmente.
Por sua vez, a propósito da alimentação, devem ser implementadas medidas para
garantir a conservação e a qualidade dos produtos durante o transporte, a preparação, o
armazenamento e o serviço/consumo.
A partir dos anos 60 do século passado o sistema HACCP (Hazard Analysis and
Critical Control Points) foi reconhecido mundialmente e organismos internacionais
como a WHO, a ICMSF – Comissão Internacional de Especificações Microbiológicas
dos Alimentos, e a FAO têm recomendado a sua aplicação.
A sigla HACCP traduz-se na análise de perigos e controlo de pontos críticos e
corresponde a um sistema de segurança alimentar de carácter preventivo, que significa
estar concebido no sentido de prevenir a ocorrência de potenciais problemas de
segurança. Na sua essência, o HACCP consiste num sistema que identifica, avalia e
monitoriza um conjunto de perigos alimentares específicos, de origem física, química e
biológica, que podem afetar de forma significativa a segurança do produto ou processo.
A definição dos limites críticos para cada um dos perigos identificados como
críticos para a segurança alimentar bem como a sua monitorização, garantem o seu
controlo e completam um conjunto de dados que se encontram documentados no Plano
HACCP.
De acordo com a Comissão do Codex Alimentarius, que visa proteger a saúde dos
consumidores e garantir práticas justas no comércio de alimentos, deve ser
implementado um sistema de gestão preventiva dos riscos para a segurança alimentar a
bordo chamado "Plano de Segurança Alimentar", baseado nos princípios do HACCP391.
391 A este propósito vd. OLIVEIRA, Ana Teresa de Aguiar, Segurança Alimentar Em Navios De Cruzeiro - Uma Revisão dos Surtos Alimentares Ocorridos Internacionalmente versus Inspeção Sanitária em Portugal, Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Alimentar, orientada pela Doutora Maria Luísa Brito, Professora Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2012
304
Acrescente-se e sublinhe-se, finalmente, que as obrigações relativas à alimentação
para os empregadores marítimos são um assunto especialmente sensível no trabalho
marítimo. Não há disposições semelhantes a estas no Código do Trabalho. Tal facto
deve-se às especificidades do trabalho a bordo, nomeadamente à constante permanência
em alto mar, onde a vida profissional e a vida pessoal estão de mãos dadas. Assim, os
Estados têm adotado regras essenciais nestas matérias como forma de impedir que se
repitam situações históricas em que os marítimos experienciavam condições
degradantes a bordo dos navios, longe do olhar das administrações dos Estados.
A este propósito cumpre deixar nota de que estas exigências não são recentes. Em
bom rigor, a preocupação com a alimentação e também com o alojamento dos
marítimos já constava de diplomas antigos como as Leis d’Oléron (artigo 71.º); as Leis
de Wisby (artigo 32.º); o Consolato del Mare (cap. 145); as Leis da Hansa Teutónica
(artigo 9.º) e as Leis de Lubeck (art 16.º).
Acresce que estas exigências estão mais próximas das condições de vida a bordo
do que propriamente das condições comuns de trabalho, uma vez que aqui a
alimentação não constitui nenhuma contrapartida pelo trabalho prestado; daí que não
seja, no regime geral, uma obrigação legal imposta ao empregador.
A reforçar esta ideia, está o facto de o subsídio de alimentação não constituir, na
lei geral laboral, uma prestação retributiva equiparável, por exemplo, ao salário base ou
aos subsídios de férias e de Natal.
De facto, o subsídio de alimentação é considerado um benefício social concedido
diariamente pela empresa mas não está definido no CT como um direito dos
trabalhadores.
Este subsídio apenas existe para comparticipar as despesas resultantes de uma
refeição que seja feita durante o período de trabalho. No entanto, as empresas só são
obrigadas a pagar este tipo de subsídio se o mesmo estiver previsto nos acordos
coletivos de trabalho ou no contrato individual celebrado com o trabalhador.
Não obstante as rigorosas condições de alimentação a bordo da responsabilidade
do armador, também nos contratos de trabalho marítimo pode prever-se a atribuição
deste tipo de subsídios.
305
SUBCAPÍTULO II
ALOJAMENTO E INSTALAÇÕES DE BEM-ESTAR
Quanto à matéria do alojamento e do lazer dos marítimos o objetivo é garantir que
os marítimos que trabalham e vivem a bordo beneficiam de alojamento e locais de lazer
decentes, promovendo a sua saúde e o seu bem-estar.
De acordo com a Norma A3.1, n.º 1 da CTM 2006, os Estados-Membros devem
adotar uma legislação que exija que os navios que arvoram a sua bandeira respeitem as
normas mínimas necessárias para assegurar que os alojamentos colocados à disposição
dos marítimos que trabalham ou vivem a bordo são seguros, decentes, e estão em
conformidade com as disposições pertinentes da presente Norma e sejam submetidos a
inspeções com vista a assegurar o cumprimento inicial e permanente destas normas.
A matéria relativa ao alojamento dos marítimos foi tratada inicialmente pela
Convenção n.º 75 da OIT, sobre o alojamento da tripulação a bordo, 1946392. No entanto
esta Convenção não chegou a entrar em vigor por não ter recebido o número de
ratificações necessárias. Mais tarde, entrou em vigor a Convenção n.º 92, de 1949, que a
reviu393.
Atualmente as normas mínimas referentes aos alojamentos são as seguintes (n.º 6
da Norma A3.1 da CTM 2006):
a. Em todos os locais destinados ao alojamento de marítimos, a altura do espaço
livre deve ser suficiente; não deve ser inferior a 203 centímetros nos locais
destinados ao alojamento dos marítimos a fim de assegurar uma total liberdade
de movimentos. No entanto, a autoridade competente pode autorizar uma
redução, dentro de certos limites, da altura do espaço livre na totalidade ou em
parte do espaço destes locais, se considerar que esta redução é razoável e não
prejudica o conforto dos marítimos;
b. Os alojamentos devem ser convenientemente isolados;
c. Em navios que não sejam de passageiros os camarotes devem estar situados
acima da linha de carga, a meio-navio ou à popa do navio. Porém, se não for
possível instalá-los noutro local tendo em conta o tipo de navio, as suas
392 Ratificada pelo DL n.º 38 377, de 07 de agosto de 1951. 393 Ratificada pelo DL n.º 38 800, de 25 de junho de 1952.
306
dimensões ou o serviço ao qual se destina, os camarotes podem estar situados à
proa, mas nunca à frente da antepara de colisão394;
d. Em navios de passageiros, e em navios especiais construídos de acordo com as
disposições do Código de Segurança para Navios Especiais, 1983, OMI e
versões posteriores (adiante designados como “navios especiais”), a autoridade
competente pode, sem prejuízo de que sejam adotadas disposições adequadas
no que respeita à iluminação e à ventilação, permitir que os camarotes sejam
instalados abaixo da linha de carga, mas nunca imediatamente por baixo dos
corredores de serviço;
e. Os camarotes não devem abrir diretamente para os compartimentos de carga,
sala das máquinas, cozinhas, paióis, lavandarias ou instalações sanitárias
comuns. As anteparas que separam estes locais dos camarotes, bem como as
anteparas exteriores, devem ser devidamente construídas com aço, ou com
qualquer outro material aprovado, e devem ser estanques à água e ao gás;
f. Os materiais utilizados para construir as anteparas interiores, painéis e
revestimentos, pavimentos e junções devem ser adaptados à sua utilização e
garantir um ambiente saudável;
g. Os alojamentos devem ser bem iluminados e devem estar previstos dispositivos
suficientes para o escoamento das águas;
h. As instalações previstas para alojamento, lazer e serviço de mesa devem estar
em conformidade com as disposições relativas à proteção da saúde e da
segurança, bem como à prevenção dos acidentes, no que respeita à prevenção
do risco de exposição a níveis nocivos de ruído e de vibrações e a outros
fatores ambientes bem como a substâncias químicas presentes a bordo dos
navios, e para garantir aos marítimos um ambiente de trabalho e de vida
aceitável a bordo.
A CTM 2006 estabelece também normas para a ventilação e aquecimento (n.º 7
da Norma A3.1 da CTM 2006; para a iluminação (n.º 8 da Norma A3.1); para os
camarotes (n.º 9 da Norma A3.1), para os refeitórios (n.º 10); para as instalações
sanitárias (n.º 11 da Norma A3.1); para a enfermaria (n.º 12 da Norma A3.1); para a
lavandaria (n.º 13 da Norma A3.1). 394Tal como definido na Regra 2, alíneas e) e f), da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, 1974, revista (Convenção SOLAS).
307
1. LAZER
De acordo com o n.º 14 da Norma A3.1. da CTM 2006, devem estar à disposição
dos marítimos a bordo instalações, comodidades e serviços de lazer adequados às
necessidades específicas dos marítimos que têm de viver e trabalhar a bordo dos navios,
tendo em conta as disposições da Regra 4.3 e as disposições correspondentes do Código
que respeitam à proteção da saúde e da segurança e à prevenção de acidentes (n.º 17).
Seguindo o Princípio orientador B3.1.11, a OIT recomenda ainda que as
instalações e serviços de lazer estejam equipadas com, pelo menos, uma biblioteca e
meios necessários para ler e escrever e, se possível, jogos e que seja considerada a
possibilidade de fornecer gratuitamente aos marítimos:
a. Uma sala de fumo;
b. Televisão e rádio;
c. Filmes, cujo stock deveria ser suficiente para a duração da viagem
e, se possível, ser renovado com uma frequência razoável;
d. Artigos de desporto, incluindo aparelhos de exercício físico,
jogos de mesa e jogos de convés;
e. Sempre que possível, instalações para a prática da natação;
f. Uma biblioteca com obras de carácter profissional e outras, em
quantidade suficiente para a duração da viagem e cujo stock
deveria ser renovado com uma frequência razoável;
g. Meios para efetuar trabalhos de artesanato de lazer;
h. Equipamento eletrónico como rádios, televisores, gravadores de
vídeo, leitores de CD/DVD, computadores pessoais, software e
gravadores/leitores de cassetes;
i. Quando adequado, bares para os marítimos, exceto se tal for
contrário aos hábitos nacionais, religiosos ou sociais; e
j. Um acesso razoável a comunicações telefónicas navio-terra, bem
como a serviços de correio eletrónico e Internet, quando possível,
a preços razoáveis.
308
2. INSPEÇÕES
Compete aos Estados assegurar que as normas mínimas previstas na CTM 2006
sejam respeitadas. Nesse sentido, cabe à autoridade competente exigir que sejam
realizadas inspeções regulares a bordo dos navios pelo comandante ou sob a sua
autoridade para que o alojamento dos marítimos seja mantido em bom estado de
conservação e de limpeza e ofereça condições de habitabilidade dignas (n.º 18). Acresce
que os resultados de cada inspeção devem ser registados por escrito e estar disponíveis
para consulta.
Finalmente, as inspeções devem ser efetuadas no momento do registo inicial do
navio ou de uma renovação do registo e em caso de alteração substancial do alojamento
dos marítimos a bordo do navio.
Essa fiscalização, quando delegada em sociedades de classificação encontra-se
regulada pelo Decreto-Lei n.º 13/2012, de 20 de janeiro, que estabelece um conjunto de
medidas a respeitar pelo Estado Português na sua relação com as organizações
encarregues da inspeção, vistoria e certificação dos navios, com vista ao cumprimento
das convenções internacionais sobre segurança marítima e prevenção da poluição
marinha, transpondo a Diretiva n.º 2009/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 23 de abril de 2009.
3. INSTALAÇÕES DE BEM-ESTAR EM TERRA
Para garantir aos marítimos que trabalham a bordo de um navio o acesso a
instalações e serviços em terra que protejam a sua saúde e bem-estar, os Estados devem
assegurar que as instalações de bem-estar em terra, quando existam, sejam de fácil
acesso e devem também promover a criação de instalações de bem-estar em
determinados portos, para assegurar aos marítimos dos navios que se encontram nesses
portos o acesso a instalações e serviços de bem-estar adequados.
De acordo com a Norma A4.4, os Estados devem exigir que as instalações de
bem-estar existentes no seu território possam ser utilizadas por todos os marítimos, sem
discriminação de nacionalidade, raça, cor, sexo, religião, opinião política ou origem
social, e independentemente do Estado de bandeira do navio a bordo do qual estejam
empregados, contratados ou trabalhem.
309
A este propósito, preceitua o artigo 40.º da LAMBN que deve ser incentivada a
criação de instalações de bem-estar nos portos considerados relevantes, acessíveis a
todos os marítimos, sem discriminação, independentemente do Estado de bandeira do
navio, precedida de consulta às associações nacionais representativas dos armadores e
dos marítimos.
Além disso, de acordo com o mesmo artigo, estas instalações devem ser
examinadas regularmente de modo a promover a sua adaptação tendo em conta a
evolução das necessidades dos marítimos, com a participação de representantes dos
marítimos e das entidades públicas e privadas responsáveis pelo seu funcionamento.
No âmbito nacional, é a primeira vez que se faz referência a este tipo de
instalações, sendo que não há outras disposições legais que as prevejam ou regulem.
4. CONCLUSÕES
Refira-se que, à semelhança das regras de alimentação, também aqui estas
exigências constituem uma particularidade do direito do trabalho marítimo.
Os marítimos passam a maioria do tempo de trabalho a navegar. O local de
trabalho e de lazer e descanso é, em regra, precisamente o mesmo. Desse modo, o
ambiente laboral é também o seu ambiente de vida. Daí que as preocupações com estas
matérias sejam mais profundas, de forma a permitir aos marítimos que vivam uma vida
condigna a bordo, para evitar problemas como a fadiga, o stress e a ansiedade.
De facto, estas exigências estão mais próximas do bem-estar dos marítimos do
que das condições mínimas necessárias para o trabalho a bordo do navio.
Por fim, importa referir que, de acordo com o artigo 34.º, n.º 1, alíneas h) e i), da
LAMBN, a emissão do certificado de trabalho marítimo e da declaração de
conformidade do trabalho marítimo, bem como a renovação do primeiro, dependem da
verificação, através de inspeção ao navio, do cumprimento das normas reguladoras do
alojamento e das instalações de bem-estar a bordo395.
395 “Com vista ao cumprimento dos requisitos neste título, diversas Sociedades Classificadoras desenvolveram já notações adicionais de classe que os Armadores podem solicitar para as suas novas construções. Por forma a suportar a aprovação e inspeção, devem então ser submetidos arranjos gerais dos espaços de acomodações, planos de suporte às medições de vibração e ruído, planos dos sistemas de ventilação e ar condicionado e planos da iluminação interior dos espaços (incluindo níveis de luz).”, in SANTOS, Tiago A. R. / MORGADO, Miguel / TOMÁS, Sónia, RINAVE, Registro Internacional Naval, SA - Convenção do Trabalho Marítimo, 2006: o quarto pilar da segurança marítima, de 24 de dezembro de 2012.
310
À semelhança do que acontece no caso da alimentação, também quanto a este
tema o legislador optou por não se pronunciar aquando da aprovação da LAMBN.
Por esta razão, embora o Decreto-Lei n.º 43 026, de 23 de junho de 1960,
regulamentado pelo Decreto n.º 48 529, de 16 de agosto de 1968 – diplomas que
regulam no ordenamento jurídico nacional o alojamento dos trabalhadores marítimos e
que integram no direito interno a Convenção n.º 92 da OIT, revista pela CTM 2006 –, já
cumpram uma grande parte das exigências desta convenção, impõe-se a sua revisão e
atualização, de forma a serem compatibilizados com as novas regras introduzidas pela
CTM 2006, inclusivamente no que respeita à fiscalização.
TÍTULO V
RESPONSABILIDADES DOS ESTADOS
Uma das principais particularidades do contrato de trabalho a bordo de navios
prende-se com facto de os trabalhadores marítimos não exercem a sua atividade num
território propriamente dito, em que a autoridade competente para inspecionar as
condições de trabalho, possa, facilmente intervir, aquando da prestação de trabalho.
Para garantir que estas circunstâncias não potenciam o incumprimento das regras
aplicáveis aos contratos de trabalho a bordo e para tutelar os trabalhadores, promovendo
o respeito pelas suas condições de trabalho, foi necessário criar mecanismos que
assegurassem a verificação e a confirmação do cumprimento dessas regras.
Assim, estabeleceu-se um conjunto de responsabilidades quer ao Estado de
bandeira, quer ao Estado do porto.
A Conferência Internacional do Trabalho sentiu a necessidade de garantir que a
implementação da CTM de 2006 fosse sustentada por um sistema eficaz para as
inspeções a serem realizadas pelos Estados de bandeira, as quais deveriam ser
complementadas pela intervenção do Estado do porto. Com esse propósito, foram
aprovadas duas resoluções fundamentais destinadas a apoiar a promoção, a ratificação e
a aplicação efetiva da CTM 2006, com vista à realização de decentes condições de
trabalho e de vida para os marítimos396.
396 Estas duas resoluções são a “Resolution concerning the development of guidelines for port State control” (resolution IV) e a “Resolution concerning the development of guidelines for flag State inspection” (resolution XIII). Ambas as resoluções foram preparadas por peritos que desenvolveram as
311
É no Título V da CTM 2006 que se define o modo de controlo de forma a
assegurar que os princípios e os direitos ali previstos sejam corretamente respeitados.
O cumprimento dos requisitos necessários depende da estreita colaboração entre
os armadores, as agências de recrutamento de tripulações e as companhias operadoras
dos navios, em parceria com as sociedades classificadoras 397 e administrações de
bandeira.
Estas normas especificam a responsabilidade que incumbe aos Estados de
cumprirem e aplicarem plenamente os princípios e direitos definidos na legislação
internacional.
Ao apreciarmos os mecanismos de controlo da legislação aplicável à navegação
marítima, iremos constatar que são vários os intervenientes a quem são atribuídas
responsabilidades nesta matéria.
Por um lado, a responsabilidade pelo controlo da conformidade dos navios com as
normas internacionais de segurança, de prevenção da poluição e de condições de vida e
de trabalho a bordo dos navios incumbe, em primeiro lugar, ao Estado de bandeira.
Apoiando-se, na medida do necessário, em organizações reconhecidas, o Estado
de bandeira garante plenamente a eficácia das inspeções e vistorias efetuadas no âmbito
da emissão dos certificados pertinentes.
Por outro lado, pelo facto de um certo número de Estados de bandeira descurarem
gravemente a aplicação e o cumprimento das normas internacionais, como segunda
linha de defesa, surgiu a necessidade de existir um outro nível de controlo da
conformidade com as normas internacionais de segurança, de prevenção da poluição e
de condições de vida e de trabalho a bordo dos navios, o qual é assegurado, tal como
previsto nos instrumentos internacionais, pelo Estado do porto.
Todavia, as inspeções realizadas pelo Estado do porto não substituem, em nenhum
momento, as responsabilidades que cabem ao Estado de bandeira.
diretrizes para as inspeções levadas a cabo pelo Estado de bandeira e para ajudar os agentes de controlo pelo Estado do porto na implementação da MLC de 2006. A este propósito vd International Labour Office Geneva - Guidelines for flag State inspections under the Maritime Labour Convention 2006, p. 6. 397 As sociedades classificadoras são organizações que estabelecem e aplicam normas técnicas relacionadas com o projeto, construção e inspeção de instalações marítimas, incluindo navios e plataformas offshore. Existem atualmente cerca de 50 organizações a nível mundial que se definem como Sociedades Classificadoras.
312
CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADES COMO ESTADO DE BANDEIRA
O Estado de bandeira é o Estado que exerce jurisdição sobre os navios que
arvoram a sua bandeira398. Desta forma, o Estado de bandeira pode definir-se como o
Estado em cujas leis o navio está registado ou licenciado.
Os deveres do Estado de bandeira estão cada vez mais regulamentados e são
bastante exigentes.
De acordo com o artigo 94.º da CNUDM, os Estados de bandeira devem exercer,
de modo efetivo, a sua jurisdição e seu controlo em questões administrativas, técnicas e
sociais sobre navios que arvorem a sua bandeira.
Em primeiro lugar, para que um Estado possa exercer a sua jurisdição, em
conformidade com as obrigações decorrentes dos tratados internacionais, deve adotar
infraestruturas suficientes, quer em termos de recurso humanos qualificados, quer em
termos de equipamentos tecnológicos adequados para o efeito399. É por isso essencial
que um Estado de bandeira tenha capacidade para adotar os mecanismos de inspeção,
previstos por regras que sobre si recaem. Tais mecanismos envolvem a criação de
departamentos especializados. No entanto, caso isso não aconteça, é possível que a
única função efetiva da bandeira seja a cobrança de taxas de inscrição.
Como já tivemos a oportunidade de referir, os Estados de bandeira devem
orientar-se no sentido de ratificar os principais tratados marítimos internacionais,
incluindo os adotados pela OMI e pela OIT. Como sabemos, a propósito do trabalho
marítimo, os Estados de bandeira devem cumprir as normas constantes na CTM 2006,
através não só da criação de legislação interna consentânea com o teor dessa
Convenção, mas também da fiscalização e controlo da aplicação das normas que
abrangem as condições de trabalho e de vida a bordo.
Neste sentido, vem o artigo 30.º, n.º 1, da LAMBN, prever que o cumprimento das
obrigações decorrentes da legislação relativa às matérias previstas na CTM 2006, em
navio que arvore a bandeira portuguesa, é assegurado através de um sistema de inspeção
e de certificação das condições do trabalho marítimo400.
398 Relativamente a este tema ver pp. 70 e ss. 399 A este propósito SARDINHA, Álvaro Máximo - Registo de navios / Estados de bandeira, Colecção Mar Fundamental, Lisboa, 2013, p. 8. 400 Nos termos dos princípios gerais previstos no n.º 1. Da Regra 5.1.1 da CTM 2006, “todos os Estados devem estabelecer um sistema eficaz de inspeção e de certificação das condições do trabalho marítimo,
313
A criação deste sistema está prevista na Regra 5.1. da CTM 2006, para garantir
que todos os Estados-Membros cumprem as responsabilidades que lhes incumbem nos
termos da Convenção, relativamente aos navios que arvoram a sua bandeira.
1. A COMPETÊNCIA
De acordo com o n.º 2 do artigo 30.º da LAMBN, os sistemas de inspeção e de
certificação, são assegurados pela autoridade com competência para a certificação de
navios e marítimos nacionais, atualmente a DGRM.
No entanto, a inspeção e a certificação podem ser realizadas por outras
organizações, conforme o disposto nos n.ºs 3 e seguintes do artigo 30.º, os quais
estabelecem em que condições podem essas organizações reconhecidas exercer tais
competências.
Daqui decorre que, para a implementação de um sistema eficaz de inspeção e de
certificação das condições do trabalho marítimo, um Estado-Membro pode autorizar
instituições públicas ou outros organismos, cuja competência e independência seja
reconhecida, a realizar inspeções ou a emitir certificados no âmbito desta Convenção401.
Deste modo, as organizações reconhecidas, também conhecidas como Sociedades
Classificadoras (“SC”), em caso de delegação pela Administração da bandeira,
procederão à revisão do certificado de trabalho marítimo e da declaração de
conformidade e, posteriormente, inspecionarão o navio e as condições de trabalho e vida
a bordo402.
Para que estas organizações possam ter competência, é necessário que a DGRM as
autorize. Esta autoridade mantém sempre a plena responsabilidade pela inspeção das
condições de vida e de trabalho dos marítimos a bordo dos navios que arvoram a
bandeira nacional.
Às organizações reconhecidas incumbem um conjunto de deveres indicados no n.º
4 e que consistem no seguinte:
com vista a assegurar que as condições de trabalho e de vida dos marítimos, estão e continuem em conformidade com as normas da presente Convenção a bordo dos navios que arvoram a sua bandeira”. 401 As classificadoras gozam de um know-how técnico inegável e são mundialmente reconhecidas como entidades autorizadas para emitirem certificados estatutários em nome das bandeiras; daí se designarem também de Organizações Reconhecidas. 402 A nível internacional, as organizações reconhecidas como as mais proeminentes são as seguintes: DNV GL AS; Det Norske Veritas; American Bureau of Shipping; Lloyd's Register; Korean Register of Shipping; RINA Services S.p.A.; Bureau Veritas; Germanischer Lloyd; China Classification Society; Nippon Kaiji Kyokai; Russian Maritime Register of Shipping; Turkish Lloyd - Informação disponível em https://www.parismou.org.
314
a. Obter qualificação como organizações reconhecidas, nos termos do
Regulamento (CE) n.o 391/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 23 de abril de 2009, relativo às regras comuns para as organizações de
vistoria e inspeção de navios;
b. Possuir competência e independência para o exercício das atividades de
inspeção e certificação, nomeadamente (i) competências técnicas e
conhecimentos adequados sobre o funcionamento dos navios, incluindo
as condições mínimas necessárias para o trabalho a bordo dos navios, as
condições de emprego, o alojamento, as instalações de lazer, a
alimentação e o serviço de mesa, a prevenção de acidentes, a proteção da
saúde, os cuidados médicos, o bem-estar e a proteção em matéria de
segurança social403 e (ii) conhecimentos adequados sobre as obrigações
previstas na CTM 2006;
c. Ser autorizadas para o efeito pela autoridade com competência para a
certificação de navios e marítimos nacionais, mediante acordo escrito.
De acordo com o n.º 5 do artigo 30.º da LAMBN, à autorização a que se refere a
alínea c), é aplicável o disposto nos artigos 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.o 13/2012, de
20 de janeiro, com as devidas adaptações.
Esta matéria está ainda sujeita à aplicação do Regulamento (CE) n.º 391/2009, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativo às regras comuns
para as organizações de vistoria e inspeção de navios, que estabelece uma série de
medidas a respeitar pelas organizações encarregadas da inspeção, vistoria e certificação
de navios com vista ao cumprimento das convenções internacionais sobre segurança
marítima e prevenção da poluição marinha, e, in casu, sobre as condições de trabalho a
bordo dos navios.
O processo que precede a autorização das organizações é caracterizado pelo seguinte:
(i) O processo de reconhecimento (artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 13/2012, de 20 de
janeiro)
Este pedido dever ser apresentado à DGRM, acompanhado das informações e dos 403 Norma influenciada pelo disposto na al. a) do n.º 1 da Norma A5.1.2 da CTM 2006.
315
elementos de prova completos relativos ao cumprimento404:
a. Dos requisitos definidos no n.º 4 do artigo 8.º e nos artigos 9.º a 11.º do
Regulamento (CE) n.º 391/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
23 de abril de 2009;
b. Dos critérios mínimos estabelecidos no anexo i I ao Regulamento
mencionado na alínea anterior;
c. Do compromisso da organização de cumprir as disposições referidas nas
alíneas anteriores.
Quando a decisão da DGRM for no sentido da conceder a autorização, o pedido
de reconhecimento deve ser apresentado à Comissão Europeia.
A DGRM colabora na avaliação a efetuar pela Comissão Europeia à organização
candidata, competindo à Comissão Europeia a responsabilidade pela condução do
processo e pela tomada de decisão, nos termos do procedimento previsto no referido
Regulamento.
(ii) Celebração de acordo prévio (artigo 8.º do Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de
janeiro)
Para que as organizações reconhecidas possam ser autorizadas a intervir em
matéria de inspeção e certificação, em nome do Estado Português, é necessária a
celebração prévia de um acordo formal, escrito e não discriminatório, com a DGRM.
Este acordo é enviado pela DGRM à Comissão Europeia e é divulgado na página
electrónica da OMI, através da base de dados Global Integrated Shipping Information
System (GISIS), e na página electrónica da DGRM.
A DGRM pode recusar-se a estabelecer acordos com organizações reconhecidas
se, em face das necessidades, entender que os acordos existentes asseguram
convenientemente a cobertura da frota que arvora bandeira nacional. Nesse caso, a
recusa é precedida de consulta prévia sobre a matéria à Comissão Técnica do Registo
Internacional de Navios da Madeira (MLCAR).
(iii) Requisitos do acordo (artigo 9.º do Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de janeiro)
404 Deste modo, a organização que solicita o reconhecimento deveria demonstrar que possui a competência e a capacidade necessárias no plano técnico, administrativo e de gestão para assegurar a prestação de um serviço de qualidade nos prazos estabelecidos, em conformidade com o n.º 1 do Princípio orientador B5.1.2 da CTM 2006.
316
O acordo previsto no artigo anterior estabelece as tarefas e funções assumidas pela
organização reconhecida relativamente aos navios que arvorem a bandeira nacional e
deve incluir os elementos previstos nas várias alíneas do artigo 9.º do Decreto-Lei n.o
13/2012, de 20 de janeiro405.
Por sua vez, à organização reconhecida e autorizada, é aplicável o disposto nos
arts. 10.º, 12.º e 13.º, nos n.os 2 a 5 do artigo14.º e nas alíneas d) a f) do n.o 1 e nos n.os 2
a 7 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de janeiro, em apreço e que
abrangem as seguintes matérias:
a. Responsabilidade Civil (artigo 10.º do Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de janeiro)
O Estado Português tem direito a indemnização ou compensação financeira, por
parte da organização reconhecida, quando a esta for imputada a responsabilidade
por qualquer incidente por sentença transitada em julgado, proferida por um
tribunal ou como solução de um conflito através de um processo de arbitragem,
juntamente com um requerimento de indemnização das partes prejudicadas, nas
seguintes situações:
Por perdas ou danos materiais, danos pessoais ou morte, se se tiver provado
nesse tribunal que tais danos foram causados por acto voluntário ou por
omissão ou negligência grave da organização reconhecida, dos seus órgãos,
empregados, agentes ou outras pessoas que, a qualquer título, actuem em seu
nome;
Por danos pessoais ou morte, se se tiver provado nesse tribunal que tais
danos foram causados por negligência, ato imprudente ou por omissão da
organização reconhecida, dos seus órgãos, empregados, agentes ou outras
pessoas que, a qualquer título, atuem em seu nome;
Por danos materiais, se se tiver provado nesse tribunal que tais danos foram
causados por negligência, ato imprudente ou por omissão da organização
reconhecida, dos seus órgãos, empregados, agentes ou outras pessoas que, a
405 A celebração de um acordo prévio é igualmente referida na CTM 2006, no n.º 3 do Princípio orientador B5.1.2 da CTM 2006, que estabelece quais os elementos que devem constar do acordo. Pelo que, a autoridade competente, aquando da celebração do acordo prévio, deve ponderar as exigências resultantes de ambos os preceitos que abordam o seu conteúdo, quer o artigo 8.º do DL n.º 13/2012, de 20 de janeiro, o qual deve ser adaptado, uma vez que foi elaborado para as matérias da segurança marítima e a prevenção da poluição marinha, quer o n.º 3 deste Princípio orientador, o qual aborda, em específico, a temática das condições de trabalho a bordo dos navios.
317
qualquer título, atuem em seu nome;
Os membros do Governo responsáveis pelas áreas dos transportes e do mar
podem, por despacho, limitar o montante máximo a pagar pela organização
reconhecida, o qual, contudo, não pode ser inferior a (euro) 4 000 000, no
caso previsto na subalínea ii), nem pode ser inferior a (euro) 2 000 000, no
caso previsto na subalínea iii), ambas da alínea anterior.
b. Suspensão da autorização e seus efeitos (artigo 12.º do Decreto-Lei n.o 13/2012,
de 20 de janeiro)
Sempre que a DGRM considere que uma organização reconhecida não pode
continuar a ser autorizada a desempenhar em nome do Estado Português as
funções de fiscalização e certificação, pode suspender total ou parcialmente a
autorização. Esta decisão deve ser precedida de consulta prévia sobre a matéria à
MLCAR.
Por sua vez, a DGRM informa de imediato a Comissão Europeia e os outros
Estados-Membros da decisão tomada e respetivos fundamentos.
Durante o período de suspensão total ou parcial da autorização, a organização
reconhecida não está autorizada a emitir ou renovar qualquer certificado que seja
abrangido pela decisão de suspensão, em relação a navios que arvorem bandeira
nacional.
Os certificados emitidos ou renovados pela organização até à data da suspensão
mantêm-se válidos, até à sua caducidade, desde que as vistorias ou as auditorias
previstas nas convenções sejam efetuadas por outra organização reconhecida que
tenha celebrado um acordo formal, escrito e não discriminatório, com a DGRM.
c. Perda do reconhecimento (artigo 13.º do Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de
janeiro)
A perda do reconhecimento por parte de uma organização é determinada pela
Comissão Europeia, nos termos do procedimento europeu aplicável. A perda do
reconhecimento implica o cancelamento imediato do acordo celebrado com as
organizações e impede a realização por essa organização dos atos previstos no
presente diploma em nome do Estado Português.
Os certificados anteriormente emitidos ou renovados pela organização mantêm-se
318
válidos até à sua caducidade, desde que sejam efetuadas as vistorias ou as
auditorias previstas nas convenções por outra organização reconhecida autorizada.
d. Competências de controlo e de articulação com a Comissão Europeia (artigo
14.º, n.ºs 2 a 5 do Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de janeiro)
A DGRM avalia, pelo menos de dois em dois anos, o cumprimento dos acordos
celebrados. Esta avaliação pode incluir a realização de auditorias aos escritórios da
organização em Portugal e aos respetivos escritórios regionais ou centrais.
Até 31 de março do ano seguinte à realização da avaliação prevista nos números
anteriores, a DGRM envia à Comissão Europeia e aos outros Estados-Membros
um relatório com o resultado dessa avaliação.
A DGRM, por sua iniciativa ou a pedido da Comissão Europeia, colabora nas
auditorias ou inspeções a serviços regionais das organizações reconhecidas
autorizadas nos termos dos artigos 8.º a 10.º do Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de
janeiro, ou a navios por elas certificados, mesmo que sejam realizadas fora do
território nacional.
e. Regime contraordenacional (artigo 15.º, alíneas d) a f) do n.o 1 e nos n.os 2 a 7 do
Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de janeiro).
Constituem contraordenações, punidas com coimas cujo valor varia de 2200,00€ a
3700,00€, no caso de pessoa singular, e 10 000,00 € a 44 000,00€, no caso de
pessoa coletiva:
a. O não cumprimento pelas organizações reconhecidas dos requisitos
estabelecidos no acordo formal referido no artigo 8.º;
b. A não correção pelas organizações reconhecidas das não-confomidades
detetadas pelas auditorias ou pelas inspeções mencionadas nas alíneas b) e
c) do artigo 9.º;
c. A prestação de informações falsas pelas organizações reconhecidas.
De acordo com o previsto no n.º 6 do artigo 30.º da LAMBN, a realização de
inspeções ou a emissão de certificados por organização não reconhecida, ou não
autorizada para o efeito, ou cuja autorização esteja suspensa, constitui contraordenação
punível nos termos do proémio do n.o 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20
de janeiro.
319
Decorre igualmente do n.º 8 do artigo 30.º da LAMBN que a DGRM deve dar
conhecimento ao Secretariado Internacional do Trabalho da identificação das
organizações reconhecidas e autorizadas, do tipo e do âmbito da respetiva autorização e
de quaisquer alterações que ocorram406.
Cumpre destacar que o Decreto-Lei n.o 13/2012, de 20 de janeiro, transpôs para a
ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2009/15/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às regras comuns para as organizações de
vistoria e inspeção de navios e para as atividades relevantes das administrações
marítimas, pelo que veio estabelecer um conjunto de medidas a respeitar pelo Estado
Português nas suas relações com as organizações encarregues da inspeção, vistoria e
certificação dos navios, com vista ao cumprimento das convenções internacionais sobre
segurança marítima e prevenção da poluição marinha.
Por esta razão, nos casos em que as organizações sejam competentes no âmbito do
sistema de inspeção e de certificação das condições de trabalho marítimo, as regras
aplicáveis terão de ser adaptadas, no sentido em que, neste caso, se pretende garantir o
cumprimento das normas que regulam as condições do trabalho marítimo e, portanto,
são consideradas as convenções internacionais que abordam tais matérias, entre as
quais, a CTM 2006.
Destas regras resulta o esforço do legislador comunitário em garantir que os
Estados cumprem a legislação especificamente criada para os contratos celebrados com
trabalhadores que exercem a sua atividade a bordo de navios e garantir que a avaliação
da conformidade com os critérios mínimos previstos para o reconhecimento da
competência das organizações seja realizada mais eficientemente, de forma
harmonizada e centralizada, pela Comissão, em conjunto com os Estados-Membros que
requeiram o reconhecimento.
O legislador português previu no n.º 7 do artigo 30.º da LAMBN um conteúdo
mínimo da competência em matéria de inspeção das condições de trabalho e de vida a
bordo atribuída às organizações. Nesses termos, a autorização concedida a organizações
406 Em linha com o n.º 4 da Norma A5.1.2 da CTM 2006, nos termos do qual “Todos os Membros devem fornecer ao Secretariado Internacional do Trabalho a lista das organizações reconhecidas autorizadas a actuar em seu nome e manter esta lista actualizada. A lista deve especificar as funções que as organizações reconhecidas estão autorizadas a assegurar. O Secretariado deverá colocar a lista à disposição do público”.
320
reconhecidas deve abranger, pelo menos, a competência para exigir a correção de
deficiências relativas às condições de trabalho e de vida dos marítimos que as mesmas
tenham constatado e a efetuar inspeções sobre essas matérias a pedido da autoridade
competente do porto em que o navio faça escala.
Apesar de o legislador nacional não se pronunciar acerca desta matéria, a CTM
2006 prevê, no n.º 2 dos princípios gerais do Princípio orientador B5.1.1, que os
Estados-Membros criem mecanismos de consulta, de modo a que a autoridade
competente consulte com regularidade os representantes das referidas organizações
quanto aos melhores meios para atingir estes objetivos. As modalidades destas consultas
deveriam ser determinadas pela autoridade competente após consulta às organizações de
armadores e de marítimos.
Estes mecanismos permitiriam assegurar a cooperação entre os inspetores e os
armadores, os marítimos e as respetivas organizações, e a fim de manter ou melhorar as
condições de trabalho e de vida dos marítimos.
2. A INSPEÇÃO
O Estado português estabeleceu um sistema de inspeção das condições dos
marítimos a bordo dos navios que arvoram a sua bandeira, nomeadamente para verificar
que as medidas relativas às condições de trabalho e de vida enunciadas na declaração de
conformidade do trabalho marítimo, quando aplicável, são cumpridas e que as
prescrições da legislação aplicável são respeitadas
Esse sistema de inspeções está previsto no artigo 31.º da LAMBN.
Em matéria de inspeções, o n. 1 do artigo 31.º da referida lei estabelece que o
pessoal com competência para a certificação de navios e marítimos nacionais (DGRM)
e das organizações reconhecidas e autorizadas pode, no exercício de funções de
inspeção407:
407 Estes poderes atribuídos aos inspetores, estão também previstos no n.º 7 da Norma A5.1.4 da CTM 2006. Acresce que, nos termos do n.º 8 do Princípio orientador B5.1.4, os inspetores, munidos dos poderes necessários, de acordo com a legislação nacional, deveriam estar autorizados, pelo menos, a: a) subir a bordo dos navios livremente e sem aviso prévio. No entanto, no momento de iniciar a inspeção do navio, os inspetores deveriam comunicar a sua presença ao comandante ou responsável e, se necessário, aos marítimos ou seus representantes; interrogar o comandante, os marítimos ou qualquer outra pessoa, incluindo o armador ou o seu representante, sobre qualquer questão relativa à aplicação das prescrições legais, na presença de todas as testemunhas que a pessoa possa ter solicitado; c) exigir a apresentação de todos os livros, diários de bordo, registos, certificados ou outra documentação ou informações diretamente relacionadas com o objeto da inspeção, com vista a verificar que a legislação nacional que garante a aplicação da presente Convenção é respeitada; d) assegurar a afixação dos avisos exigidos nos termos da legislação nacional que aplica a presente Convenção; e) recolher e transportar, para efeitos de
321
a. Subir a bordo dos navios que arvoram a bandeira portuguesa;
b. Proceder a exames, testes ou inquéritos que julgue necessários para verificar que
as disposições da legislação que aplica a Convenção são respeitadas;
c. Exigir a correção de deficiências408;
d. No caso de infração grave às disposições da legislação a que se refere a alínea b)
ou de risco grave para a segurança ou a saúde dos marítimos a bordo, proceder
às diligências necessárias para impedir a saída do navio, até que sejam tomadas
as medidas adequadas para corrigir a situação;
e. Quando não exista uma infração manifesta às disposições a que se refere a alínea
b) que ponha em risco a segurança ou a saúde dos marítimos a bordo, nem
antecedentes de infrações similares, prestar informações, conselhos técnicos ou
recomendações em vez de promover a aplicação de sanções409.
O legislador estabelece ainda os seguintes deveres a que o pessoal previsto no n.º 1
está adstrito:
a. Preservar a confidencialidade da origem de qualquer queixa, reclamação ou
denúncia sobre perigos ou deficiências que possam comprometer as condições
de vida e de trabalho dos marítimos a bordo, ou violação da legislação que
aplica a CTM 2016 (n.º 4)410;
b. Ter formação adequada (al. a) do n.º 6)411;
análise, amostras de produtos, carga, água potável, víveres, materiais e substâncias utilizadas ou manuseadas; f) na sequência de uma inspeção, chamar imediatamente a atenção do armador, explorador do navio ou comandante para as deficiências que possam afetar a saúde e a segurança das pessoas a bordo; g) alertar a autoridade competente e, se necessário, a organização reconhecida para todas as deficiências ou abusos que não se encontram especificamente cobertos pela legislação em vigor e apresentar propostas para melhoria desta legislação; e h) informar a autoridade competente sobre todos os acidentes de trabalho ou doenças profissionais que afetam marítimos nos casos e da forma prescritos pela legislação. 408 A este propósito a CTM 2006 vai mais longe, acrescentando que e os inspetores devem impedir que um navio abandone o porto até que tenham sido tomadas as medidas necessárias, quando existam motivos para crer que as deficiências constituem uma infração grave às prescrições da Convenção, incluindo os direitos dos marítimos, ou representam um risco grave para a segurança, a saúde ou a proteção dos marítimos (n.º 7, al. c), da Norma A5.1.4) e prevendo que qualquer medida tomada de acordo com o parágrafo 7, alínea c), da presente Norma, deve poder ser objeto de recurso perante a autoridade judicial ou administrativa (n.º 8 da Norma A5.1.4). 409 Cf. n.º 9 da Norma A5.1.4 da CTM 2006. 410 Cf. n.º 10 da Norma A5.1.4 da CTM 2006. 411 Em cumprimento do disposto no n.º 2 da Norma A5.1.4 da CTM 2006. Neste sentido, refere ainda a OIT que os inspetores deveriam estar devidamente formados e ser em número suficiente para poderem executar eficazmente as suas tarefas, tendo em devida consideração: a) a importância das tarefas que lhes incumbem, em especial o número, a natureza e a dimensão dos navios submetidos a inspeção, bem como o número e a complexidade das disposições legais a aplicar; b) os recursos disponibilizados aos
322
c. Não ter quaisquer interesses, diretos ou indiretos, nas atividades inspecionadas
(al. b) do n.º 6);
d. Guardar sigilo profissional, mesmo depois de deixar o serviço, não podendo
revelar segredos de fabricação ou comércio, processos de exploração ou
informações de natureza pessoal de que tenha conhecimento em virtude do
desempenho das suas funções (al. c) do n.º 6); e
e. Elaborar relatório da inspeção realizada, remetendo cópia ao comandante, em
inglês e em português, quando este seja o idioma de trabalho do navio, bem
como aos representantes dos marítimos que a solicitem (n.º 7). A violação deste
dever, nos casos em que os representantes solicitem o relatório de inspeção,
constitui contraordenação grave imputável à organização reconhecida e
autorizada, nos termos do n.º 12412.
Para lá disso e tal como consta do n.º 5 do artigo 31.º, aos inspetores não podem
ser atribuídas tarefas em número ou de natureza tal que sejam suscetíveis de prejudicar a
eficácia da inspeção ou a sua autoridade ou imparcialidade relativamente aos armadores,
aos marítimos ou a qualquer outro interessado. A violação deste dever constitui
contraordenação grave imputável à organização reconhecida e autorizada, nos termos do
n.º 12413.
Para além da criação de um conjunto de regras que consubstanciam o estatuto dos
inspetores que inspecionam os navios, o legislador, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º da
LAMBN, previu um dever de colaboração entre as organizações reconhecidas e o
Estado do porto. Também a violação deste dever constitui contraordenação grave
imputável à organização reconhecida e autorizada, nos termos do n.º 12.
Sempre que esteja em causa um navio de bandeira portuguesa por elas
classificado, as organizações reconhecidas têm o dever de cooperar com as
administrações de controlo do Estado do porto, de modo a facilitar a retificação das
deficiências detetadas no que respeita às condições de vida e de trabalho dos marítimos.
Acresce que foi ainda determinado um dever de intervenção, de forma a confirmar
inspetores; e c) as condições práticas em que a inspeção deve ser efetuada, de forma a ser eficaz. (n.º 4 do Princípio orientador B5.1.4). 412 A obrigatoriedade de preparação de um relatório a entregar à autoridade competente está prevista no n.º 12 da Norma A5.1.4 da CTM 2006. 413 Nos termos do n.º 3 e 10 da Norma A5.1.4 da CTM 2006, devem ser tomadas as disposições necessárias para assegurar que os inspetores possuam formação, competências, atribuições, poderes, estatuto e independência necessárias ou desejáveis para que possam efetuar a verificação e a inspeção dos navios. O objetivo é garantir a sua autoridade ou imparcialidade relativamente aos armadores, aos marítimos ou a qualquer outra parte interessada.
323
e promover a correção de eventuais deficiências no cumprimento das condições de
trabalho a bordo. Neste sentido, o n.º 3 do artigo 31.º prevê que, em caso de denúncia
que não seja manifestamente infundada, ou havendo prova de que um navio que arvora
a bandeira portuguesa não cumpre as disposições da legislação que aplica a CTM 2006,
ou de que apresenta falhas graves na aplicação das medidas enunciadas na declaração de
conformidade do trabalho marítimo, a autoridade competente ou, a pedido desta, a
organização reconhecida e autorizada, deve averiguar a questão e certificar-se de que
são tomadas medidas para solucionar as deficiências constatadas.
Nos termos do n.º 8 do artigo 31.º, a organização reconhecida deve ainda enviar à
autoridade com competência para a certificação de navios e marítimos nacionais e cópia
do relatório de inspeção elaborado pelo seu pessoal.
Por sua vez, o comandante deve afixar cópia do relatório no idioma ou idiomas
em que a receba em local acessível do navio (n.º 9 do artigo 31.º). A violação deste
dever constitui contraordenação leve, imputável ao armador, tal como prevê o n.º 12 do
artigo 31.º.
Já a autoridade com competência para a certificação de navios e marítimos
nacionais deve conservar os registos das inspeções efetuadas e publicitar, no primeiro
semestre de cada ano, o relatório da atividade inspetiva do ano anterior (n.º 10).
Por fim, de acordo com o n.º 11, os inquéritos e inspeções devem ser conduzidos
com diligência, para que o navio só seja detido ou retido na medida do estritamente
necessário. A violação deste dever constitui contraordenação grave imputável à
organização reconhecida e autorizada.414
A propósito do registo do resultado das inspeções, de acordo com o artigo 32.º da
LAMBN, o armador deve (i) conservar o registo dos resultados das inspeções e de
outras verificações posteriores, das anomalias importantes observadas, das datas em que
procedeu à sua correção, bem como a sua tradução em língua inglesa caso efetue
viagens entre portos de diferentes países, em anexo à declaração de conformidade do
trabalho marítimo e (ii) permitir a consulta do registo às autoridades competentes, aos
marítimos, às associações sindicais que os representam e às associações representativas
dos armadores. A violação do disposto neste artigo constitui contraordenação grave.
414 Sempre que forem efetuadas inspeções ou tomadas medidas nos termos das disposições da presente Norma, devem ser efetuados todos os esforços razoáveis para evitar detenções ou atrasos desnecessários ao navio (n,º 15 da Norma A5.1.4 da CTM 2006).
324
A concluir, relembre-se que ao regime das contraordenações, previstas no n.º 12
do artigo 31.º da LAMBN, aplica-se o disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º
13/2012, de 20 de janeiro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º
2009/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2009, relativa às
regras comuns para as organizações de vistoria e inspecção de navios e para as
actividades relevantes das administrações marítimas.
3. A CERTIFICAÇÃO
Para efeitos de controlo, a CTM 2006 exige, como veremos, que os navios de 500
toneladas de arqueação bruta ou mais415, que operem comercialmente e que estejam
vinculados às suas disposições, quando operem em viagens internacionais, preparem
dois documentos específicos: um Certificado de Trabalho Marítimo (“MLC - Maritime
Labour Certificate”) e uma Declaração de Conformidade do Trabalho Marítimo
(DMLC- Declaration of Maritime Labour Compliance) atestando que as condições de
trabalho e de vida dos marítimos naquele navio foram inspecionadas e satisfazem as
exigências da legislação nacional. Essa Declaração deve especificar os requisitos
nacionais para a implementação da Convenção e estipular as medidas adotadas pelo
armador, para assegurar a conformidade com tais requisitos nos seus navios.
(i) O certificado de trabalho marítimo
O certificado de trabalho marítimo, completado por uma declaração de
conformidade do trabalho marítimo, atesta, salvo prova em contrário, que o navio foi
devidamente inspecionado pelo Estado de bandeira e que as prescrições da CTM 2006,
relativas às condições de trabalho e de vida dos marítimos, foram cumpridas na medida
certificada.
De acordo com o artigo 33.º, n.º 1, da LAMBN, os navios de arqueação bruta
igual ou superior a 500 que arvorem a bandeira portuguesa e que efetuem viagens entre
portos de diferentes países416, ou que operem a partir de um porto ou entre portos de
outro país, devem possuir um certificado de trabalho marítimo e uma declaração de
conformidade do trabalho marítimo, ou um certificado provisório de trabalho marítimo. 415 Há ainda a possibilidade de realizar uma certificação voluntária para navios com menos de 500GT, navios que arvorem bandeiras de países que não ratificaram a convenção ou navios pertencentes a estados que pré-ratificaram a Convenção. 416 Definição do conceito “viagem internacional”, tal como definido pela CTM 2006, no n.º 1 da Regra 5.1.3.
325
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo atribui ao armador de navio não abrangido
pelo disposto no número anterior que arvore a bandeira portuguesa a faculdade de
solicitar a emissão de certificado de trabalho marítimo e de declaração de conformidade
do trabalho marítimo, ou de certificado provisório de trabalho marítimo, nos termos do
presente capítulo.
A emissão do certificado de trabalho marítimo e da declaração de conformidade
do trabalho marítimo417, bem como a renovação do primeiro, dependem, tal como prevê
o n.º 1 do artigo 34.º da LAMBN, da verificação, através de inspeção ao navio, do
cumprimento das normas reguladoras das seguintes matérias:
a. Idade mínima;
b. Certificados médicos;
c. Qualificações dos marítimos;
d. Contratos de trabalho a bordo;
e. Recurso a serviços privados de recrutamento e colocação dos marítimos a
bordo;
f. Duração do trabalho ou horas de descanso;
g. Lotação do navio;
h. Alojamento;
i. Instalações de bem-estar a bordo;
j. Alimentação e serviço de mesa;
k. Saúde, segurança e prevenção de acidentes;
l. Cuidados médicos a bordo;
m. Procedimento de queixa a bordo;
n. Pagamento de retribuições.
A emissão de certificado de trabalho marítimo deve ser precedida de inspeção, a
que deve ser feita durante o prazo de validade do certificado provisório de trabalho
marítimo (n.º 2).
Quanto à validade, o n.º 1 do artigo 35.º da LAMBN estabelece que o certificado
de trabalho marítimo é válido por um período de cinco anos418. No entanto, a validade
do certificado do trabalho marítimo depende da realização de uma inspeção ao navio, a
417 Os modelos de certificado e da declaração de conformidade do trabalho marítimo constam dos anexos i. a iii. à LAMBN. 418 Este período de tempo foi definido pela OIT, no n.º 1 da Norma A5.1.3 da CTM 2006.
326
realizar entre o segundo e o terceiro aniversário da data do certificado419, sobre as
matérias a que se refere o n.o 1 do artigo 34.º, com resultado favorável (n.º 2 do artigo
35.º).
Esta avaliação intermédia que tem como objetivo garantir que as prescrições
nacionais que visam a aplicação da presente Convenção continuam a ser cumpridas. O
resultado dessa inspeção deve ser averbado no certificado (n.º 3).
Nos termos do n.º 2 do artigo 36.º da LAMBN, o período de validade do novo
certificado inicia-se na data da inspeção e termina cinco anos após:
a. O termo da validade do anterior período, caso a inspeção seja efetuada
durante os últimos três meses daquela;
b. A inspeção, caso esta seja efetuada antes dos últimos três meses de
validade do anterior período.
Para que o certificado de trabalho marítimo seja renovado, é necessário que o
resultado da inspeção seja favorável (artigo 36.º, n.º 1)420
Conforme prevê o n.º 3 do artigo 36.º, o certificado caduca nos seguintes casos:
a. Se não for feita a inspeção a que se refere o n.o 2 do artigo 35.º;
b. Se não for averbado o resultado favorável da referida inspeção de acordo
com o n.o 3 do artigo 35.º;
c. Se o navio deixar de ser de bandeira portuguesa;
d. Se o armador cessar a exploração do navio;
e. Se houver modificações importantes na estrutura ou equipamentos do
navio relativos a alojamento, espaços de lazer, alimentação e serviço de
mesa, que constituiriam fundamento para a não emissão do certificado.
Acresce que, nas situações previstas nas alíneas c), d) ou e), a emissão de novo
certificado depende de uma inspeção aprofundada com resultado favorável, a realizar
nos termos do artigo 38.º da LAMBN421 (artigo 36.º, n.º 4).
No que respeita à revogação do certificado, a autoridade competente ou, sendo
419 Conforme esclarece o n.º 4 do artigo 34.º, considera-se data de aniversário do certificado o dia e o mês de cada ano correspondentes à data de validade do certificado de trabalho marítimo. Cumpre também referir que a CTM 2006, faz referência à necessidade de uma inspeção intermédia, no n.º 2 da Norma A5.1.3. 420 A renovação do certificado de trabalho marítimo está prevista na CTM 2006, no n.º 6 da Regra 5.1.3. 421 Relativo à inspeção de navios de bandeira estrangeira, por parte do Estado do porto.
327
caso disso, uma organização reconhecida nos termos do n.o 4 do artigo 30.º, deve
revogar o certificado de trabalho marítimo quando o armador do navio deixe de
respeitar de forma grave e reiterada os requisitos de que depende a respetiva emissão e
não tome qualquer medida corretiva.
(ii) Declaração de conformidade do trabalho marítimo
O n.º 3 do artigo 34.º da LAMBN prevê qual o conteúdo da declaração de
conformidade do trabalho marítimo. A declaração de conformidade deve ser estruturada
da seguinte forma422:
a. Uma parte i., que indica os pontos que devem ser inspecionados de acordo
com o n.o 1 do artigo 34.º, as normas da legislação nacional que dão
cumprimento às disposições obrigatórias da Convenção, relativas aos referidos
pontos, e, sendo caso disso, as normas da legislação nacional referentes a
certas categorias de navios;
b. Uma parte ii., que indica as medidas instituídas pelo armador para assegurar o
respeito permanente das normas da legislação nacional a que se refere a alínea
anterior nos períodos entre inspeções, bem como para promover a melhoria
contínua das condições de vida e de trabalho a bordo423.
Estas declarações de conformidade do trabalho marítimo deveriam, sobretudo, ser
redigidas em termos claros, escolhidos de forma a ajudar todos os interessados,
nomeadamente os inspetores do Estado de bandeira, o pessoal autorizado nos Estados
do porto e os marítimos, a verificar que as prescrições estão a ser efetivamente
implementadas.
No sistema de certificação, cabe à autoridade competente para a certificação de
navios e marítimos nacionais ou, sendo caso disso, as organizações reconhecidas e
autorizadas para o efeito, exercer as seguintes competências, previstas nos n.ºs 4 e 6 do
artigo 34.º da LAMBN:
a. Efetuar a inspeção aos navios referida no n.o 1;
b. Emitir o certificado de trabalho marítimo e o certificado provisório de trabalho
422 Também neste caso o legislador nacional segue o disposto na CTM 2006 (n.º 10 da Norma A5.1.3). 423 Estas medidas deveriam indicar, nomeadamente, em que ocasiões será verificada a continuidade da conformidade com determinadas prescrições nacionais, as pessoas que devem proceder à verificação, os registos a manter e ainda os procedimentos a seguir após a constatação de uma não-conformidade, de acordo com o n.º 2 do Princípio orientador B5.1.3 da CTM 2006.
328
marítimo e renovar o primeiro;
c. Emitir a parte i. da declaração de conformidade do trabalho marítimo e
certificar a parte ii., após o seu preenchimento pelo armador.
A autoridade com competência para a certificação de navios e marítimos
nacionais é responsável por manter o registo público dos certificados e declarações
emitidos e dos navios a que respeitam, em cumprimento do n.º 6 do artigo34.º da
LAMBN424.
No caso de o navio deixar de arvorar a bandeira portuguesa, a autoridade
competente deve, logo que possível, enviar cópias do certificado de trabalho marítimo e
da declaração de conformidade do trabalho marítimo relativos ao navio à autoridade
congénere do Estado da nova bandeira, desde que este tenha ratificado a Convenção
(artigo 36.º, n.ºs 5 e 6).
Daqui resulta que cada Estado pode exigir que, quando o navio arvora o seu
pavilhão, seja realizada e mantida uma declaração de conformidade do trabalho
marítimo indicando as disposições nacionais respeitantes às condições de trabalho e aos
padrões de vida de pessoas que laboram no mar. Além disso, esta declaração deve
descrever as medidas adotadas pelo armador para assegurar o cumprimento destas
disposições a bordo do navio ou navios em causa.
Esta é uma grande novidade uma vez que, juntamente com a lista de inúmeros
certificados que devem ser mantidos a bordo do navio, adicionou-se mais um
documento, que permite verificar a adequação do navio do ponto de vista das condições
de trabalho e segurança da vida a bordo, garantindo uma proteção mínima a todos os
trabalhadores, independentemente da bandeira do navio e da nacionalidade dos
trabalhadores.
A CTM 2006 veio, portanto, criar mecanismos que permitem estabelecer
condições de trabalho mais harmonizadas no trabalho marítimo mundial.
(iii) Certificado provisório de trabalho marítimo
O certificado provisório de trabalho marítimo pode ser emitido com um período
de validade de seis meses não renovável, nas seguintes situações, previstas no n.º 1 do
424 Cf. n.º 11 da Norma A5.1.3 da CTM 2006.
329
artigo 37.º da LAMBN425:
a. Aquando da entrega de navio novo ao armador;
b. Quando o navio mude para a bandeira portuguesa;
c. Quando um armador assuma pela primeira vez a exploração de um navio.
Este certificado provisório é emitido após uma inspeção ao navio que verifique,
na medida do possível, as prescrições relativas a condições de trabalho e de vida
previstas no n.o 1 do artigo 34.º e tendo em conta, em conformidade com o n.º 2 do
artigo 37.º:
a. A prova por parte do armador de que no navio se aplicam os procedimentos
adequados para assegurar o cumprimento das normas reguladoras das matérias a
que o certificado se refere;
b. O conhecimento por parte do comandante das normas reguladoras das matérias
a que o certificado se refere e dos seus deveres tendo em conta a respetiva
aplicação;
c. As informações apresentadas à autoridade competente para a emissão da
declaração de conformidade do trabalho marítimo.
Durante o período de validade do certificado provisório não é necessária a
declaração de conformidade do trabalho marítimo (artigo 37.º, n.º 3, da LAMBN).
Por fim, cumpre referir que o certificado de trabalho marítimo, o certificado
provisório de trabalho marítimo e a declaração de conformidade do trabalho marítimo
devem ser redigidos de acordo com os modelos apresentados no Apêndice A5-II da
CTM 2006.
CAPÍTULO II
RESPONSABILIDADE DO ESTADO DO PORTO
A costa litoral da União Europeia compreende milhares de quilómetros de
comprimento e contém mais de 1000 portos individuais. Estes lidam com cerca de 90%
do comércio externo da UE e cerca de 40% do comércio entre os países da UE, o que
envolve a manipulação de cerca de 3,5 bilhões de toneladas de mercadorias e de 350
425 A CTM 2006 dedica-se ao tema do certificado de trabalho marítimo provisório nos n.ºs 5, 6, 7 e 8 da Norma A5.1.3.
330
milhões de passageiros transportados em milhares de viagens de navio a cada ano426.
Por conseguinte, é fundamental que o transporte marítimo da UE opere de forma
ambientalmente amigável, segura e em harmonia com boas condições de trabalho e de
vida para aqueles que exercem atividade nesse setor.
Para alcançar essas metas a UE pôs em prática legislação marítima específica,
reconhecida por estabelecer mecanismos de controlo dos navios que permitisse
proporcionar o cumprimento da legislação internacional que tem vindo a ser
estabelecida para o efeito.
Esses esforços não são uma particularidade da região da União. Na verdade, o
conceito de “controlo pelo Estado do porto” (“PSC – Port State Control”) foi
introduzido no âmbito internacional pela OMI, através da sua Convenção Internacional
sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos
de 1978 (Convenção STCW). Esta prática sustenta agora muitos dos regulamentos da
OMI e da OIT.
O PSC tornou-se um elemento essencial do cumprimento internacional das
normas regulamentares e tem sido desenvolvido por variados acordos de cooperação
regionais e memorandos de entendimento427.
A título de exemplo, o Memorando de Entendimento de Paris sobre o controlo
pelo Estado do porto (“Paris MOU”)428 foi responsável por constituir um sistema de
procedimentos harmonizados de inspeção de navios pelo Estado do porto, promovendo
a redução drástica da presença e eventual eliminação, nas águas sob jurisdição nacional
dos países aderentes, de navios que não obedeçam às normas aplicáveis no domínio da
segurança marítima, da proteção do transporte marítimo, da proteção do meio marinho
e, principalmente, das condições de vida e de trabalho a bordo (designados navios sub-
standard)429.
426 Informação disponibilizada pela AESM, em http://emsa.europa.eu/implementation-tasks/port-state-control.html, consultada no dia 23.07.2016. 427 Informação disponível em http://www.dgrm.min-agricultura.pt/ , consultada em 23.07.2016 428 A organização do Paris MoU é composta pelas administrações marítimas de 27 países e abrange as águas dos Estados costeiros europeus e a bacia do Atlântico Norte, da América do Norte até à Europa. Países do Paris MoU: Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estónia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Malta, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Roménia, Suécia. 429 Anualmente, são realizadas mais de 19 000 inspeções a bordo de navios estrangeiros em portos do MoU de Paris, assegurando que esses navios cumprem as normas internacionais, em termos de segurança e padrões ambientais, e que os membros da tripulação beneficiam de adequadas condições de vida e trabalho, SARDINHA, Álvaro Máximo - Registo de navios / Estados de bandeira, Colecção Mar Fundamental, Lisboa, 2013, p. 28.
331
Embora se entenda que os proprietários, operadores e os Estados de bandeira têm
a responsabilidade final pelo cumprimento das convenções, tem-se considerado que os
Estados portuários também têm o direito de controlar os navios estrangeiros que visitam
os seus próprios portos para garantir que todas as anomalias encontradas são corrigidas
antes de os navios serem autorizados a navegar.
Assim, o controlo pelo Estado do porto é considerado como uma medida
complementar ao controlo pelo Estado de bandeira.
De facto e infelizmente, alguns Estados de bandeira, por diversas razões, não
conseguem cumprir os compromissos contidos nos instrumentos jurídicos reconhecidos
internacionalmente e, consequentemente, alguns navios navegam pelos mares do mundo
em condições de insegurança, ameaçando as vidas de tripulações e passageiros, assim
como o ambiente marinho.
Por essa razão, esta solução tem como objetivo permitir que todos os Estados
assumam as responsabilidades que lhes incumbem em virtude da legislação aplicável às
condições de vida e de trabalho dos marítimos, no que respeita à cooperação
internacional necessária para assegurar a aplicação e o cumprimento das normas
aplicáveis ao trabalho marítimo a bordo de navios estrangeiros.
1. INSPEÇÕES NO PORTO
De acordo com o artigo 38.º, n.º 1, da LAMBN, qualquer navio que arvore
bandeira estrangeira e se encontre em porto ou fundeadouro nacional430 no decurso
normal da sua atividade ou por razões inerentes à sua exploração pode ser inspecionado
pela DGRM, a qual deve verificar:
a. O cumprimento das disposições obrigatórias da mesma, designadamente as
relativas a condições de vida e trabalho a bordo, caso o navio arvore a bandeira
de um Estado que tenha ratificado a Convenção;
b. Se os respetivos marítimos beneficiam de um tratamento igual ou mais
favorável do que o decorrente da aplicação das disposições obrigatórias da
mesma Convenção, caso o navio arvore a bandeira de um Estado que não tenha
ratificado a CTM 2006.
No caso de navio que arvore bandeira de um Estado que tenha ratificado a CTM
2006, a inspeção consiste na verificação da regularidade do certificado de trabalho 430 Navio num fundeadouro é um navio num porto ou noutra zona sob jurisdição de um porto, mas não atracado, e que efetua uma interface navio/porto; al. u) do artigo 3.º do DL n.º 61/2012, de 14 de março.
332
marítimo e da declaração de conformidade do trabalho marítimo, os quais atestam, salvo
prova em contrário, o cumprimento das disposições obrigatórias da mesma Convenção,
exceto nos casos em que for exigida uma inspeção aprofundada (n.º 2 do artigo 38.º da
LAMBN).
Por sua vez, os navios que arvorem pavilhão de países que não ratificaram a
Convenção também estão sujeitos a inspeção em relação às condições de trabalho e de
vida dos marítimos quando entram em portos de países em que a CTM 2006 está em
vigor. Esta abordagem é fundamental para garantir uma concorrência leal entre os
armadores que cumpram com a Convenção431.
Com efeito, os inspetores do Estado do porto devem verificar o cumprimento das
disposições obrigatórias da CTM 2006 (as da parte A e não os Princípios orientadores –
parte B), caso o Estado de bandeira do navio tenha ratificado a Convenção, ou – caso
não o tendo feito –, deve assegurar que o tratamento dado a esses navios e às suas
tripulações não é mais favorável do que o reservado aos navios que arvoram a bandeira
de um Estado que seja parte da CTM 2006, sendo o navio sujeito a uma inspeção mais
detalhada.
A propósito do controlo a ser efetuado pelo Estado do porto, em 2009, a OIT
preparou um conjunto de orientações para a inspeção do Estado do porto - Guidelines
for port State control officers carrying out inspections under the Maritime Labour
Convention, 2006 - nas quais identifica, ao longo de cerca de 25 páginas, as
irregularidades que podem ser detetadas aquando da inspeção de um navio, em
desrespeito do disposto na CTM 2006432.
Cumpre referir que os critérios para inspeção pelo Estado do porto dos navios que
arvorem bandeira estrangeira, assim como o procedimento de inspeção, detenção e de
impugnação, encontram-se estabelecidos no Decreto-Lei n.º 61/2012, de 14 de março,
alterado pelo Decreto-Lei n.o 27/2015, de 6 de fevereiro (artigo 4.º, n.º 1, al. i))433.
431 Apesar de a CTM 2006 não contemplar expressamente os requisitos para a inspeção destes navios; a Convenção foi projetada para operar de forma tão consistente quanto possível em harmonia com as práticas existentes no setor marítimo e as convenções internacionais fundamentais OMI. Com base no exemplo encontrado em IMO A.787 resolução (19), ponto 1.5, sobre o controlo pelo Estado do porto, o seguinte seria aplicável como a adequada abordagem: Todos os Estados-Membros devem aplicar os procedimentos previstos nestas diretrizes quer para navios de Estados que não tenham ratificado, quer para navios de Estados que tenham ratificado a Convenção, a fim de garantir que as inspeções são conduzidas de forma uniforme e que as condições de vida e de trabalho a bordo são idênticas. 432International Labour Office Geneva - Guidelines for flag State inspections under the Maritime Labour Convention, 2006, Geneva, Switzerland, 2009, pp. 39 a 64. 433Em Portugal, o DL n.º 195/98, de 10 de julho, aprovou o Regulamento de Inspeção de Navios Estrangeiros (RINE), transpôs para a ordem jurídica interna as Diretivas n.os 95/21/CE, do Conselho, de
333
Este diploma aprovou, no título II, inúmeras regras relativas às inspeções a
efectuar pelo Estado do porto, as quais estão organizadas ao longo dos seguintes
capítulos:
i. Capítulo I - Perfil do inspetor e seleção de navios para inspeção (arts. 5.º a 8.º);
ii. Capítulo II - Obrigações de inspeção e modalidades do cumprimento dessas
obrigações (art. 9.º ao 14.º);
iii. Capítulo III - Inspeções iniciais, mais detalhadas e expandidas (arts. 15.º a 20.º);
iv. Capítulo IV- Recusa de acesso de navios (arts. 21.º a 24.º e anexo IX);
v. Capítulo V - Medidas de controlo e de correção e detenção de navios. (arts. 25.º
a 32.º).
Tendo em conta as especificidades próprias desta matéria, mais o atinentes ao
procedimento a aplicar pelos Estados do porto do que às condições de trabalho
propriamente ditas, não iremos aprofundar o seu regime, o qual seria digno de uma
abordagem autónoma e mais aprofundada, em estudo especializado e dedicado ao tema.
Finalmente, uma nota para referir que somos da opinião de que esta abordagem
harmonizada, bastante impulsionada pela própria União Europeia, acerca das inspeções
pelo Estado do porto aos navios que escalem os seus portos, evitará distorções da
concorrência e garantirá a existência de um quadro jurídico comum a vários Estados,
capaz de harmonizar os procedimentos dessas inspeções e fundamental para assegurar a
sua aplicação uniforme às condições de trabalho e de vida a bordo dos navios.
19 de junho de 1995, e 96/40/CE, da Comissão, de 25 de junho de 1996, relativas à inspeção de navios pelo Estado do porto. Com vista a aumentar a segurança de navios que escalem portos comunitários e a diminuir as consequências de acidentes por eles provocados, foi emitida pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho a Diretiva n.º 2009/16/CE, de 23 de abril de 2009. Esta Diretiva introduz uma reforma profunda no sistema de inspeções vigente, substituindo o atual limite mínimo quantitativo de 25% de navios inspecionados anualmente por Estado-Membro, por um objetivo coletivo: a inspeção de todos os navios que escalem os portos da União Europeia. Aumenta-se, assim, a frequência das inspeções aos navios com perfil de risco elevado, os quais passam a ser inspecionados de seis em seis meses, e diminui-se o número de inspeções aos navios de qualidade e que não apresentem um perfil de alto risco. O Decreto-Lei n.º 61/2012, de 14 de março, transpõe para a ordem jurídica interna a referida Diretiva n.º 2009/16/CE, relativa à inspeção de navios pelo Estado do porto, que corresponde a uma reformulação da Diretiva n.º 95/21/CE, do Conselho, de 19 de junho de 1995, tendo sido alterado pelo DL n.º 27/2015, de 6 de fevereiro. Este DL transpõe para a ordem jurídica interna as alterações introduzidas pela Diretiva n.º 2013/38/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de agosto de 2013, passando a prever-se que as inspeções efetuadas no âmbito do controlo pelo Estado do porto devem ter em conta as disposições da CTM 2006.
334
CAPÍTULO III
QUEIXAS
Desde cedo os Estados sentiram a necessidade de criar mecanismos para que os
marítimos se possam pronunciar acerca das condições de trabalho e de vida a bordo dos
navios.
Deve entender-se por “queixa” qualquer informação submetida por um marítimo,
uma organização profissional, associação, sindicato ou, de uma forma geral, qualquer
pessoa com interesse na segurança do navio, incluindo os riscos para a segurança ou
saúde dos marítimos a bordo434.
Também nesta matéria o legislador português, foi amplamente influenciado pelas
normas internacionais435 e comunitárias436.
1. PROCEDIMENTO DE QUEIXA A BORDO
Os Estados devem assegurar que os marítimos que se encontram a bordo de
navios beneficiem de procedimentos justos, rápidos e bem fundamentados, para o
tratamento de queixas a bordo dos navios.
O procedimento da queixa a bordo está previsto no artigo 26.º da LAMBN e é
caracterizado pelas seguintes etapas:
(i) Apresentação da queixa
O marítimo deve apresentar ao responsável de quem dependa diretamente, queixa
oral ou escrita, sobre qualquer ocorrência que viole disposições obrigatórias da
legislação relativas às matérias previstas na Convenção, no decurso da ocorrência ou no
prazo contínuo de cinco dias a contar do seu termo (n.º 1)437.
434 Cf. Norma A5.2.1, n.º 3 da CTM 2006. 435 Cf. Regras 5.2.2 e 5.1.5 da CTM 2006. 436 A Diretiva 2009/13/CE, do Conselho, de 16 de fevereiro de 2009, que aplica o Acordo celebrado pela Associação de Armadores da Comunidade Europeia (ECSA) e pela Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) relativo à Convenção sobre Trabalho Marítimo, 2006, e que altera a Diretiva 1999/63/CE, do Conselho, de 21 de junho de 1999, respeitante àquele Acordo, relativo à organização do tempo de trabalho dos marítimos, foi responsável, também por transpor para o espaço da UE as regras relacionadas com as queixas (título V). 437 Cf. Norma A5.1.5, n.º 1 e al. a), do n.º 2 do Princípio orientador B5.1.5. da CTM 2006.
335
(ii) Decisão ou transmissão
O responsável direto do marítimo deve (i) decidir a questão objeto da queixa, caso
tenha competência para o efeito, ou (ii) transmiti-la imediatamente ao responsável
competente (n.º 2).
A decisão sobre a queixa deve ser comunicada ao marítimo no prazo contínuo de
cinco dias, podendo o responsável prorrogá-la por mais três dias, se a complexidade da
matéria o exigir, devendo neste caso informar o marítimo antes do termo do prazo
inicial (n.º 3)438.
Se, no prazo referido no número anterior, não houver resposta ou esta não for
satisfatória, o marítimo pode, nos cinco dias posteriores, apresentar a queixa ao
comandante, especificando, se for caso disso, o motivo da sua insatisfação (n.º 4)439.
(iii) Queixa dirigida ao armador
Caso a queixa não seja decidida a bordo, o marítimo pode submetê-la ao armador,
o qual dispõe de um prazo de 15 dias de calendário para a decidir, podendo, se
necessário, consultar o marítimo em causa ou um seu representante (n.º 6440).
(iv) Queixa dirigida ao comandante
O marítimo tem o direito, independentemente de ter submeter a queixa a outras
pessoas, de apresentar queixa diretamente ao comandante ou, em razão da matéria, à
autoridade com competência para a certificação de navios e marítimos nacionais ou ao
serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral (n.º 7)441.
(v) Aconselhamento confidencial
O marítimo pode solicitar a outro marítimo com conhecimentos adequados que se
encontre a bordo aconselhamento confidencial e imparcial sobre os procedimentos de
438 De acordo com a al. b) do n.º 2 do Princípio orientador B5.1.5 da CTM 2006, “o chefe de serviço ou superior hierárquico do marítimo deveria esforçar-se por resolver o problema num prazo determinado, adaptado à gravidade do objecto do litígio. 439 Cf. al. c) do n.º 2 do Princípio orientador B5.1.5 da CTM 2006. 440 Cf. al. f) do n.º 2 do Princípio orientador B5.1.5 da CTM 2006. 441 Apesar de a OIT considerar que estes procedimentos devem procurar resolver, ao nível mais baixo possível, o litígio que está na origem da queixa, também concluiu que, “em qualquer caso, os marítimos devem ter o direito de apresentar a queixa diretamente ao comandante e, se considerarem necessário, junto das autoridades externas adequadas” (n.º 2 da Norma A5.1.5 e al. g) do n.º 2 do Princípio orientador B5.1.5 da CTM 2006).
336
queixa a que pode recorrer (n.º 8)442.
(vi) Representação do marítimo
O marítimo tem o direito de ser assistido ou representado por outro marítimo de
sua escolha que se encontre a bordo do mesmo navio em qualquer ato referente ao
procedimento de queixa (n.º 9) 443.
(vii) Informações relacionadas com o procedimento de queixa a bordo
O armador deve entregar ao marítimo, no momento da celebração do contrato ou
aquando da entrada em vigor da presente lei, um documento que descreva os
procedimentos de queixa a bordo do navio e indique os contactos das autoridades
competentes, bem como, se for caso disso, o nome dos trabalhadores que podem prestar
aconselhamento (n.º 10)444.
(viii) Registo
As queixas e as respetivas decisões devem ser registadas, sendo remetida uma
cópia das mesmas ao marítimo em questão (n.º 11)445.
(ix) Tratamento desfavorável
É proibida qualquer forma de represália ou tratamento mais desfavorável ao
trabalhador que tenha apresentado queixa (n.º 12).
A violação do disposto nos n.ºs 2, 9 ou 12 do artigo 26.º da LAMBN constitui
contraordenação grave, imputável ao armador. Por sua vez, a violação do disposto nos
n.ºs 3, 10 ou 11 constitui contraordenação leve.
442 Em conformidade com a alínea d) do n.º 1 do Princípio orientador B5.1.5, o qual prevê que “os procedimentos deveriam incentivar a nomeação de uma pessoa a bordo do navio que possa aconselhar os marítimos sobre os procedimentos a que estes podem recorrer e, se o autor da queixa assim o solicitar, assistir a qualquer reunião ou audiência referente ao motivo do litígio”. 443 Nos termos do n.º 3 da Norma A5.1.5 da CTM 2006, “Os procedimentos de queixa a bordo devem incluir o direito dos marítimos a serem acompanhados ou representados durante o procedimento”. No mesmo sentido vide Al. d) do n.º 2 do Princípio orientador B5.1.5. 444 Nos termos do n.º 4, in fine, da Norma A5.1.5 da CTM 2006, “este documento deve mencionar, designadamente, os contactos da autoridade competente no Estado de bandeira e, se estes forem diferentes, no país de residência dos marítimos, bem como o nome de uma ou mais pessoas que se encontrem a bordo que sejam suscetíveis de, a título confidencial, aconselhá-los de forma imparcial quanto à sua queixa e de os ajudar de qualquer outra forma a efetivar o procedimento de queixa de que podem dispor enquanto estiverem a bordo.” 445 Cf. alínea e) do n.º 2 do Princípio orientador B5.1.5 da CTM 2006.
337
Nesta matéria, o legislador nacional voltou a ser bastante fiel aos princípios orientadores
apresentados pela OIT na CTM 2006.
2. PROCEDIMENTOS DE TRAMITAÇÃO DE QUEIXAS EM TERRA
A propósito da queixa, o legislador português estabeleceu ainda, no artigo 34.º-A
do Decreto-Lei n.o 61/2012, de 14 de março, os procedimentos de tramitação, em terra,
de queixas relativas à CTM 2006446.
Com efeito, pretende-se assegurar que os marítimos que se encontram a bordo de
navios que escalam um porto e que denunciam uma infração às normas da Convenção,
incluindo os direitos dos marítimos, tenham o direito de apresentar uma queixa para a
resolver de forma rápida e concreta. Este procedimento é tramitado do seguinte modo:
(x) Apresentação da queixa
Qualquer marítimo a bordo de um navio estrangeiro que efetue escala num porto
nacional tem o direito de apresentar queixa ao inspetor relativamente a infrações às
disposições da CTM 2006, inclusive dos direitos dos marítimos a bordo, cabendo ao
inspetor proceder a uma investigação inicial (n.º 1)447.
(xi) Inquérito Preliminar
Aquando da apresentação de uma queixa, o inspetor deve proceder a uma
investigação inicial para determinar se a denúncia referente ao trabalho e condições de
vida a bordo do navio apela uma inspeção mais detalhada.
No âmbito da investigação inicial, o inspetor deve verificar, quando adequado e
consoante a natureza da queixa, se foram seguidos os procedimentos de queixa a bordo
previstos na Regra 5.1.5 da CTM 2006448 e, caso os procedimentos de queixa a bordo
não tenham sido postos em prática, deve incentivar o queixoso a recorrer aos
procedimentos disponíveis a bordo do navio, com vista à resolução da queixa (n.º 2)449.
Se a queixa for de natureza geral, parece resultar da CTM 2006 que deve ser tido
446 Cf. Regra 5.2.2 da CTM 2006. 447 Cf. n.º 1 da Norma A5.2.2 da CTM 2006. 448 Relativa ao procedimento de queixas a bordo do navio. 449 Cf. n.º 2 da Norma A5.2.2 da CTM 2006.
338
em consideração o recurso a uma inspeção mais detalhada450.
Se a queixa respeitar apenas ao marítimo, a apreciação pelo inspetor só tem lugar,
caso não tenha existido o prévio procedimento de queixa a bordo, em situações
devidamente justificadas, nomeadamente, a inexistência ou a inadequação dos
procedimentos internos de tratamento de queixas, a demora indevida desse
procedimento ou ainda o receio do queixoso de sofrer represálias por ter apresentado
uma queixa (n.º 3)451.
Para além disso, o inspetor tem o dever de limitar a sua análise ao objeto e âmbito
da queixa, salvo se a queixa ou a sua instrução fornecerem motivos inequívocos para
proceder a uma inspeção mais detalhada (n.º 4).
De acordo com as Guidelines for port State control officers carrying out
inspections under the Maritime Labour Convention, 2006, a inspeção mais detalhada
deve ser realizada se as irregularidades participadas pelo queixoso acerca das condições
de vida e de trabalho a bordo possam constituir um perigo óbvio para a segurança, a
saúde ou a segurança dos marítimos ou quando existam razões para crer que essas
irregularidades constituem uma séria violação dos requisitos da CTM 2006, incluindo
os direitos dos marítimos, ainda que digam respeito a um único marítimo.
Desta análise parece resultar que, independente de a queixa ter natureza geral ou
individual, a inspeção é mais detalhada quando a natureza grave das situações de
irregularidade o justifique. Aliás, esta situação é conforme com a ideia segundo a qual
os inspetores devem avançar para a inspeção mais detalhada quando tenham motivos
inequívocos para crer que as condições em que se encontra o navio, o seu equipamento
ou a sua tripulação não respeitam substancialmente os requisitos de uma convenção
aplicável (artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 61/2012, de 14 de março).
450 International Labour Office Geneva, Guidelines for port State control officers carrying out inspections under the Maritime Labour Convention, 2009, p. 105, ponto 110. 451 De acordo com o Princípio orientador B5.2.2 da CTM 2006, o funcionário autorizado deveria determinar em primeiro lugar se se trata de (i) uma queixa de natureza geral, i.e., que envolva todos os marítimos a bordo do navio ou uma categoria de marítimos, ou (ii) de uma queixa relativa ao caso particular do marítimo em questão. Caso a queixa seja de natureza geral, deve recorrer-se à inspeção mais detalhada. No caso de a queixa se referir a um caso particular, dever-se-ia ter em consideração o resultado dos procedimentos a que se tenha recorrido a bordo para resolução da queixa. Se tais procedimentos não tiverem sido postos em prática, o funcionário autorizado deveria incentivar o queixoso a recorrer a todos os procedimentos disponíveis a bordo do navio. A OIT considera ainda que devem existir razões válidas para justificar o exame de uma queixa, nos casos em que nenhum procedimento de queixa a bordo tenha sido previamente aplicado.
339
(xii) Confidencialidade das queixas
O inspetor tem o dever de assegurar a confidencialidade das queixas apresentadas
pelos marítimos (n.º 8)452.
(xiii) Notificação do Estado de bandeira
Sempre que a queixa não for resolvida a bordo do navio, a DGRM deve informar
de imediato o Estado de bandeira do navio e indica um prazo para que este preste
aconselhamento e um plano de medidas corretivas (n.º 5)453.
Caso o Estado de bandeira demonstre que vai ocupar-se daquele assunto, que
dispõe de procedimentos eficazes e apresente um plano aceitável de ação, o funcionário
autorizado pode abster-se de qualquer envolvimento subsequente naquela queixa.454
(xiv) Queixa não resolvida
Se, na sequência das medidas indicadas pelo Estado de bandeira, a queixa não for
resolvida, a DGRM deve introduzir as informações relacionadas com a inspeção ou a
investigação inicial no THETIS e envia, ao diretor-geral da OIT, uma cópia do relatório
do inspetor, de todas as respostas recebidas nos prazos determinados pela autoridade
competente do Estado de bandeira. As associações representativas em Portugal dos
armadores e dos marítimos a bordo devem ser também informadas. (n.º6)455. Após esta
etapa, mais nenhuma conduta é exigida ao Estado do porto quanto à apreciação da
queixa apresentada.
(xv) Envio de estatísticas e informações à OIT
A DGRM tem o dever de enviar anualmente ao diretor-geral da Organização
Internacional do Trabalho estatísticas e informações relativas a queixas já solucionadas
(n.º 7)456.
452 Mais uma vez, pretende-se com isto evitar qualquer forma represálias a marítimo que tenha apresentado uma queixa, em linha com o disposto no n.º 7 da Norma A5.2.2 da CTM 2006. 453 Cf. n.º 5 da Norma A5.2.2 e n.º 5 do Princípio orientador B5.2.2 da CTM 2006, nos termos do qual, no caso de o Estado de bandeira demonstrar, em resposta à notificação pelo Estado do porto, capacidade para tratar a questão e que dispõe de procedimentos adequados para esse fim, e se apresentar um plano de ação aceitável, o funcionário autorizado pode abster-se de intervir mais na resolução da queixa. Desta forma, pretende-se respeitar a soberania dos estados para aplicarem os procedimentos por si previstos para situações que envolvam navios que arvorem a sua bandeira, os quais, estão por isso, sujeitos à sua jurisdição. 454Cf. Princípio orientador B5.2.2, n.º 5, da CTM 2006. 455 Cf. Norma A5.2.2, n.º 6, primeira parte, da CTM 2006. 456 Cf. Norma A5.2.2, n.º 6, in fine, da CTM 2006.
340
As comunicações previstas nos n.ºs 6 e 7 são efetuadas para que, com base numa
ação adequada e rápida, seja mantido um registo destes dados, do qual será dado
conhecimento às partes, incluindo as organizações de armadores e de marítimos que
possam utilizar os meios de recurso pertinentes.
(xvi) Medidas de controlo e correção
Sempre que a investigação ou inspeção revelar uma ou mais deficiências que
representem um perigo manifesto para a segurança, a saúde ou a proteção dos
marítimos, ou violações graves ou repetidas das disposições da CTM 2006, inclusive
dos direitos dos marítimos, é aplicável o disposto nos artigos 25.º a 30.º deste decreto-
lei, a propósito das medidas de correção de controlo (n.º 9)457.
457 Cf. Norma A5.2.2, n.º 4, da CTM 2006.
341
CONCLUSÕES
O contrato de trabalho a bordo de navio tem sido tratado pelo legislador, pela
doutrina e pela jurisprudência como um contrato de trabalho sujeito a um regime
especial.
Tal opção justifica-se pelas particularidades do setor marítimo. De facto e tal
como tivemos oportunidade de referir ao longo deste trabalho, ao contrário do
trabalhador comum, o trabalhador marítimo não só está sujeito aos perigos do mar como
a longos períodos de isolamento, aos riscos próprios do navio, à separação das
estruturas sociais, à presença permanente no local de trabalho e a uma disciplina muito
particular. O que carateriza o marítimo é, na verdade, a sua capacidade de trabalhar e
viver no mar, em condições muito especiais, sujeitando-se a uma rigorosa disciplina.
Estas especificidades têm sido reconhecidas a nível internacional de forma
bastante manifesta e constante. Sintomático disso é o número elevado de convenções da
OIT que se dedicam ao trabalho marítimo e a influência exercida pela legislação
internacional sobre os ordenamentos jurídicos de cada Estado, a qual tem contribuído
para que vários países, como é o caso de Portugal, França, Espanha e Itália, sujeitem o
contrato de trabalho a bordo a um regime especial.
A navegação marítima sempre revestiu um papel importante na história da
maioria dos Estados, principalmente na dos europeus. Hoje em dia, a sua importância
continua a revelar-se, sobretudo por força do papel desempenhado pelo transporte
marítimo de mercadorias na economia mundial.
Na sequência do aumento de regulação mais protecionista dos trabalhadores
marítimos, que envolveu mais custos com a tripulação, do aumento da concorrência por
outras vias, como a aérea, no transporte de mercadorias a nível internacional, e da
quebra na procura dos transportes marítimos, os armadores começaram a optar por
soluções que envolvem o registo de navios em países que não oferecem as mesmas
exigências de segurança jurídica para os marítimos, com as chamadas bandeiras de
conveniência.
Esse fenómeno alertou os Estados para a necessidade de criar soluções que
limitassem o recurso a essas bandeiras, criando sistemas de registo mais atrativos para
os armadores, sem contudo deixarem de proteger os marítimos, como é o exemplo do
MAR – o Registo Internacional de Navios da Madeira.
342
Além disso, intensificou-se o processo de inspeção de navios e reforçaram-se as
responsabilidades tanto dos Estados de bandeira como dos Estados do porto. Ao mesmo
tempo, a legislação do setor pretende-se mais uniformizada e menos dispersa,
conferindo-lhe um carácter amplamente internacional e comum aos vários membros da
OIT.
No âmbito de aplicação da CTM 2006 e da LAMBN, muitas questões se colocam
quanto à compreensão dos conceitos utilizados pelo legislador.
Em relação ao conceito de navio, como o regime do contrato de trabalho marítimo
em causa é apenas pensado para os navios da marinha mercante que prossigam
atividades comerciais, será importante verificar se a embarcação em causa se subsume
ao conceito de navio previsto na lei.
Ficam assim excluídos outros tipos de embarcações, como os navios de pesca, de
recreio e de guerra.
Esta diferenciação de regimes laborais com base no tipo de embarcação em que se
presta a força de trabalho tem sido uma constante a nível internacional e justifica-se
pelas particularidades das funções exercidas a bordo em relação à atividade prosseguida.
Feito este esclarecimento quanto ao navio, abordámos a questão dos sujeitos que
em regra são parte na relação laboral, nomeadamente o armador e o marítimo.
A identificação da pessoa do armador é extremamente importante, uma vez que é
sobre ele que impendem as responsabilidades por assegurar boas condições de trabalho
e de vida a bordo previstas na lei.
Por essa razão, consideramos que, para efeitos da aplicação da LAMBN,
armadores são aqueles que têm a efetiva direção do navio, aqueles que preparam o
navio para os fins comerciais, pondo-o em condição de navegabilidade, isto é, dotam a
embarcação de tripulação e de equipamentos necessários à operação. São os armadores
que promovem a equipagem (o armamento) do navio e a exploração comercial.
Nestas circunstâncias, o armador pode ser o proprietário, o tradicional armador
sem propriedade ou até o afretador a casco nu.
No entanto, existem situações de mais difícil distinção, que se afastam da
tradicional contratação de marítimos.
Por um lado, destacam-se os gestores da tripulação que identificámos como
“Crewman A”. Nestes casos, os gestores da tripulação atuam como verdadeiros agentes
343
e agem em nome e no interesse do armador. Estamos perante um contrato de agência e,
portanto, o contrato de trabalho será celebrado entre armadores e marítimos.
Como vimos, nestes casos será o armador, que também beneficia do estatuto de
empregador, quem assumirá as responsabilidades constantes da LAMBN.
Por outro lado, verificam-se casos ainda mais complexos em que são os próprios
gestores a assumir a qualidade de empregadores por agirem em seu próprio nome
(“Crewman B”). Nestes casos, consideramos que os gestores devem assumir as
responsabilidades que resultam do contrato celebrado com os marítimos enquanto
empregadores.
No entanto, como o beneficiário último da prestação sempre será o armador
tradicional, que contratou os gestores para prestarem o serviço de contratação de
marítimos, somos da opinião, na sequência daquilo que também é defendido pela OIT,
que cabe ao armador e aos gestores assumirem a responsabilidade pelo cumprimento da
LAMBN, numa lógica de responsabilidade solidária.
Por essa razão, será sempre mais prudente que armadores e gestores celebrem
contratos de prestação de serviço em que estabeleçam o regime de partilha de
responsabilidades entre si.
Como vemos, a identificação da pessoa do armador e o posicionamento desta
figura ao nível da de um empregador não foi completamente ajustada aos fenómenos
cada vez mais frequentes de contratação de marítimos.
Será por isso fundamental que o legislador português regule esta matéria, à
semelhança do que se verificou com o trabalho temporário, de forma a evitar futuros
conflitos quanto à assunção de responsabilidades laborais no setor marítimo.
Também a nível da identificação dos marítimos se revela a necessidade de
clarificar conceitos.
Em primeiro lugar, importa compreender que, no mundo do trabalho marítimo
propriamente dito, a expressão “marítimo” é utilizada na LAMBN e na CTM 2006 para
definir qualquer pessoa que preste a qualquer título a sua atividade a bordo de navio.
Assim sendo, para efeitos da aplicação da legislação em apreço, não importa
apenas compreender se a embarcação em causa pode ser considerada um “navio”, mas
ainda verificar se o trabalhador em questão pode ser considerado “marítimo”. Só depois
de dilucidados e preenchidos ambos os conceitos se poderá aplicar o regime em causa.
344
Quando à definição de marítimos, a principal inovação do regime foi abranger
todas as pessoas que prestam, de forma não ocasional, trabalho a bordo e não apenas
aquelas cujo exercício de atividade está dependente da inscrição marítima e da obtenção
de uma cédula. Este é, sem dúvida, um marco histórico no direito do trabalho marítimo
português.
Após termos abordado os vários conceitos mais relevantes para efeitos da
aplicação da LAMBN, foi possível concluir que a utilização de conceitos nem sempre é
coerente e, dada a dispersão de legislação, é suscetível de criar várias dúvidas para os
destinatários, intérpretes e aplicadores das normas.
A título de exemplo, o conceito de marítimo é utilizado com definições diferentes
em vários diplomas legais: no RIM a expressão marítimos abrange apenas aqueles que
necessitam de se sujeitar à inscrição marítima para exercerem determinadas atividades
(“inscritos marítimos”), enquanto no LAMBN a expressão marítimos é, como vimos,
mais abrangente.
Acresce que em diplomas mais antigos ainda se utiliza a expressão “equipagem”
ao invés de “tripulação”, sendo que ambas têm a mesma definição, integrando todos os
inscritos que estão a bordo e que fazem parte do rol de tripulação.
A própria utilização do conceito de comandante e de capitão em diferentes
diplomas pode ser suscetível de gerar equívocos.
Em suma, o facto de a legislação ser muito dispersa e algum do normativo legal
ser muito antigo cria situações de dúvida quanto à aplicação da lei porque os conceitos
utilizados pelo legislador nem sempre estão ajustados aos diplomas vigentes.
Depois de analisadas as questões relacionadas com os sujeitos marítimos e as
categorias profissionais de marítimos mais reconhecidas a nível internacional, foi feita
uma abordagem às especificidades do regime do trabalho a bordo de navio.
As especificidades do direito do trabalho marítimo verificam-se, desde logo, em
torno do estatuto profissional dos marítimos e das rigorosas exigências de formação e de
qualificação, consoante o tipo de atividade prestada, em homenagem à segurança da
navegação.
345
A matéria da inscrição, da formação e da qualificação de marítimos é tratada em
diplomas específicos, como RIM (mais abrangente) e o Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de
março (para o setor comercial).
A inscrição marítima é apenas exigida aos marítimos que pretendam exercer as
atividades que integram as categorias profissionais previstas no RIM, os inscritos
marítimos, enquanto a formação e qualificação abrange agora outros marítimos.
Após uma análise aprofundada sobre as exigências em matéria de certificação e de
qualificação, chegámos à conclusão de que o trabalho marítimo é fortemente regulado
no que toca ao acesso ao exercício da profissão.
Tais exigências justificam-se essencialmente por razões de segurança das pessoas,
dos bens, do navio e do ambiente marinho.
Além da questão da formação, apreciámos a questão da nacionalidade dos
tripulantes e do comandante do navio, e chegámos à conclusão de que a legislação
nacional deve ajustar-se aos princípios da equiparação, da livre circulação de pessoas e
da não discriminação, permitindo que quaisquer cidadãos estrangeiros possam aceder às
profissões reservadas aos inscritos marítimos.
No que em especial diz respeito às condições de trabalho marítimo, verificámos
que em Portugal, por influência do direito internacional e regional (UE), o trabalho
marítimo e o trabalho em terra são tratados de modo diverso. Esta diferenciação é
notória em variadíssimas matérias.
As particularidades do contrato de trabalho dos marítimos são as mais diversas
designadamente em matéria de retribuição, tempo de trabalho, férias, faltas, trabalho
suplementar, repatriamento, condições de alimentação e de alojamento, instalações de
bem-estar e contrato de trabalho a termo.
Em todas estas matérias Portugal tem procurado ajustar a sua legislação à
legislação internacional e comunitária, sendo evidente a cada vez mais uniformizada
regulamentação do setor.
Por fim, cumpre salientar a responsabilidade dos Estados para garantir que a
legislação aplicável ao trabalho a bordo é cumprida e que os navios e seus armadores
respeitam as condições de vida e de trabalho exigidas a bordo.
346
A adoção da Convenção sobre o Trabalho Marítimo — CTM 2006 — pela
Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 23 de fevereiro
de 2006, na sua 94.ª sessão, foi descrita como um “acontecimento histórico”.
A CTM 2006 é vista pelos marítimos como uma "carta de direitos" que vai ajudar
a garantir "trabalho decente" para os marítimos, independentemente de onde os navios
partem e da atividade prosseguida a bordo.
Pela primeira vez são incluídos todos os trabalhadores marítimos, mesmo que a
atividade prestada não esteja associada a uma categoria profissional.
Os armadores também têm apoiado a CTM 2006. De facto, esta Convenção é
vista como um importante novo instrumento para ajudar a garantir a igualdade de
condições entre armadores, para que estes possam competir com navios que oferecem
condições precárias aos seus trabalhadores, por reduzirem o custo com o pessoal que
está a bordo.
A CTM 2006 também é importante para os governos porque, pela primeira vez,
cerca de 70 instrumentos jurídicos internacionais foram reunidos num único documento
que abarca quase todos os aspetos do trabalho decente no setor marítimo.
A CTM 2006, alinhada nos propósitos que norteiam a OIT, constitui um notável
reforço da garantia de que, em cada país, as normas internacionais do trabalho marítimo
são efetivamente aplicadas e executadas. Ao mesmo tempo, a CTM 2006 atende aos
desafios desta indústria globalizada, complementando outras grandes convenções
marítimas animadas do objetivo comum de tornar o transporte cada vez mais seguro,
nas melhores condições de vida e de trabalho a bordo, e de reforçar a prevenção da
poluição marinha.
O mais importante desses elementos é precisamente a responsabilidade dos
Estados. Por um lado, pretende garantir-se que seja instituída a certificação e a inspeção
eficaz os navios, por parte do Estado de bandeira. Por outro lado, esta intervenção é
reforçada pela cooperação internacional, nomeadamente no que diz respeito à inspeção
de navios estrangeiros, que se realiza no Estado do porto.
Como vimos, a ratificação por Portugal da CTM 2006 implicou a adoção de um
conjunto de medidas legais e realização de ações que envolveram:
347
A implementação de um conjunto de definições, para efeitos da aplicação
da Convenção, por exemplo, a do trabalhador marítimo, mais abrangente
que a de inscrito marítimo constante do RIM458.
A revisão do regime jurídico do contrato individual do pessoal da marinha
do comércio, o qual foi substituído pela LAMBN, introduzindo temas
como o repatriamento dos marítimos;
A criação de regulamentação específica para o setor marítimo do regime
das agências privadas de recrutamento e colocação de marítimos;
A criação de legislação que estabeleça um sistema efetivo de inspeção e
certificação, capaz de assegurar que as condições de vida e de trabalho a
bordo dos navios que arvoram a respetiva bandeira cumprem as normas
da Convenção; e
A atualização do regime de reconhecimento e atribuições das Sociedades
Classificadoras, no caso de o Estado pretender delegar nestas entidades as
suas responsabilidades enquanto Estado de bandeira (responsabilidades
enquanto Estado de bandeira – Decreto-Lei n.º 13/2012, de 20 de janeiro
–, enquanto Estado do porto – Decreto-Lei n.º 61/2012, de 14 de março).
Por sua vez, em algumas matérias particulares como as de alimentação e de
alojamento dos marítimos, carece-se ainda de alguma atualização.
Acresce que com a LAMBN o legislador eliminou várias normas desnecessárias
constantes do regime anterior, uma vez que apenas replicavam o que já constava do
regime geral.
Atenta a importância do mar na economia global e as potencialidades que este
encerra, é imperioso simplificar e clarificar o regime dos contratos de trabalho a bordo
de navios da marinha mercante comercial.
O facto de a LAMBN ter abrangido o regime laboral a bordo a trabalhadores que
não os inscritos marítimos deve ser aplaudido.
Com a entrada deste novo regime, a todos os trabalhadores que se encontram nas
condições aí previstas são, pela primeira vez, reconhecidas as mesmas condições de
458 Neste sentido pronunciou-se a Dra. Natércia Magalhães Cabral, Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, por carta enviada à Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho a 17 de maio de 2007, com o assunto “Convenção de Trabalho Marítimo, 2006”.
348
vida e de trabalho a bordo, o que permite um tratamento semelhante de todos aqueles
que se encontram em situações idênticas.
Admitimos que, face à responsabilidade e à especificidade das funções que
integram as categorias profissionais previstas no RIM, tendencialmente relacionadas
com a exploração e a operacionalidade do navio, sejam criadas novas, mais racionais e
mais claras regras de inscrição, formação, qualificação e de acesso às profissões
marítimas, de forma a assegurar a segurança da navegação, da tripulação, da mercadoria
e do ambiente.
No entanto, a maioria dos riscos associados ao trabalho a bordo são semelhantes
para os restantes marítimos: a fadiga, o isolamento, a distância da família e da sociedade
em que cresceram; o risco de contágio de doenças; a ausência de um controlo direto por
parte das entidades administrativas aquando da viagem, momento em que efetivamente
é prestado o trabalho a bordo, o que pode permitir que os armadores se descurem nas
obrigações que lhes são impostas, não disponibilizando por exemplo a alimentação, o
alojamento, os cuidados de saúde, as instalações de lazer exigidas internacionalmente;
deixando de pagar o salário devido, ou exigindo um horário de trabalho mais exigente
do que o acordado.
Em bom rigor, estes problemas são comuns a todos os trabalhadores,
independentemente de prestarem atividades relacionadas com a exploração, condução e
operacionalidade para as quais é exigida a inscrição marítima.
Por essa razão, é de todo justificável que o regime jurídico do trabalho a bordo
seja o mais abrangente possível, de forma a aplicar-se a todos aqueles que prestem de
forma regular funções a bordo.
Reconhecemos os méritos da alteração da legislação nacional aplicável aos
trabalhadores marítimos, motivada pela ratificação da CTM 2006.
No entanto, consideramos que ainda existe um longo caminho a percorrer de
forma a tornar este regime mais claro, mais bem sistematizado, de fácil manuseamento,
agilizando com isso o encontro da legislação aplicável e evitando conflitos legais.
A este propósito, consideramos que o legislador português deveria adequar os
conceitos por si utilizados à legislação recentemente aprovada. Dessa forma, estes
conceitos tornar-se-iam mais percetíveis e menos complexo seria identificar os sujeitos
abrangidos pelas normas em vigor.
349
Com efeito, na classe dos marítimos deveriam ser distinguidos os marítimos do
comércio ou marítimos da pesca, uma vez que os regimes aplicáveis aos contratos de
trabalho num e noutro caso são distintos.
Por seu turno, os marítimos cujas categorias profissionais estão previstas por lei e
para os quais se exigem regras próprias de inscrição marítima e formação, deveriam ser
designados de inscritos marítimos e não como marítimos.
Mais ainda! Deveria ser criado um único diploma legal que aprovasse o regime
aplicável à identificação de categorias profissionais, inscrição marítima, formação,
qualificação e certificação dos inscritos marítimos, uma vez que essas regras lhes são
comuns, independentemente de estes trabalharem a bordo de navios de comércio, de
pesca, rebocadores, de investigação, auxiliares e outros do Estado.
Neste caso, deveriam ser introduzidas e consideradas em capítulo próprio as
especificidades dos inscritos marítimos do comércio, ou seja, aqueles que exercem
atividade a bordo de navios comerciais, agora previstas no Decreto-Lei n.º 34/2015, de
4 de março.
Por fim, não obstante o diploma se dedicar na sua maioria aos inscritos marítimos,
seria relevante introduzir uma parte relativa à formação e certificação dos restantes
marítimos de comércio que não sejam qualificados como inscritos marítimos.
Tal solução justifica-se pelo facto de a LAMBN exigir que todos os marítimos
tenham formação ajustada às funções exercidas.
350
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