13
 Trans-IO-formação 4 1.2.3 . ,an/dez 1992 15 CONVERGÊ NCIAS E DIV ERGÊNCIAS A QUESTÃO DAS CORRENTES DE PENSAMENTO EM PSICOL OGI A Luis Cláudio Figueiredo USP - PUC SP RESUMO FIGUEIREDO. Luís Clá udio Convergências e divergências. a questão das commt es de pensa ment o em psicologia. Transln formação, 4 1,2, 3 :15-26, janldez. 1992. o presente texto trata do campo dos saberes psicológicos como sendo um campo de dispersão e, portanto como estando atravessado e constituldo por um feixe de divergências que se situam em diferent es planos : no plano ontológico no epistemológico e no ético. Discutem se então formas mais ou menos maduras de lidar com estas divergências e de procurar para além delas perspectivas convergentes. A principal tese aqui defendida é a de que precisamos conseNar a diversidade na unidade e a unidade na diversidade ou seja precisamos reconhecer e respeitar as diferenças em toda a sua comple xi dade e radicalidade e ao mesmo tempo compreendê Ias na sua organização interna nas suas origens e nas suas implicações colocando as continuamente em debate e mantendo assim permanentemente em aberto a própria questão. Unhermos: pensamentos diverge nte s ciência produ ção científica . o resente texto entoea umtema a que mevenho dedicando há cerca de quinze anos e no qual venho investindo uma parte substancial do meu esforço de pesquisa e reflexão. No entanto. quero. também. de antemão, fazer uma advertência: estes anos todos não foram suficientes para que eu possa hoje oferecer respostas completas e convince tes aos inúmeros e angustiantes problemas que decorrem da fragmentação do conhecimento psicológico 1 O presente texto fOIoriginalmente apresentado na forma de uma palestra no Hos~tal de Clinicas da UFRGS. Porto Alegre em novembro de 99

Convergências e Divergências_ a Questões Das Correntes de Pensamento Em Psicologia _ Figueiredo _ Transinformação

Embed Size (px)

DESCRIPTION

artigo para psicologia

Citation preview

  • TI

    I

    ITrans-IO-formao4(1.2.3). ,an/dez 1992 15

    CONVERGNCIAS E DIVERGNCIAS:A QUESTO DAS CORRENTES DE PENSAMENTO

    EM PSICOLOGIA.

    Luis CludioFigueiredoUSP - PUC SP

    RESUMO

    FIGUEIREDO.LusCludioConvergnciase divergncias.a questodascommtesdepensamentoempsicologia.Translnformao,4(1,2,3):15-26,janldez.,1992.

    1

    I

    opresentetextotratado campodos saberespsicolgicoscomosendoumcampode dispersoe, portanto,comoestandoatravessadoeconstituldoporumfeixededivergnciasquesesituamemdiferentesplanos:no planoontolgico,no epistemolgicoe no tico.Discutem-se,ento,formasmais ou menos madurasde lidar com estas divergnciase deprocurarparaalmdelasperspectivasconvergentes.A principalteseaquidefendida a de queprecisamosconseNara diversidadena unidadee aunidadena diversidadeou seja, precisamosreconhecere respeitarasdiferenasemtodaa suacomplexidadee radicalidadee ao mesmotempocompreend-Iasna sua organizaointerna,nassuas origense nassuasimplicaescolocando-ascontinuamenteem debatee mantendoassimpermanentementeemabertoaprpriaquesto.Unhermos:pensamentosdivergentes,cincia,produocientfica.

    o presentetextoentoeaumtemaaquemevenhodedicandohcercadequinzeanose noqualvenhoinvestindoumapartesubstancialdomeuesforodepesquisae reflexo.No entanto.quero.tambm.deantemo,fazerumaadvertncia:estesanostodosnoforamsuficientesparaqueeupossahojeoferecerrespostascompletase convincentesaosinmeroseangustiantesproblemasquedecorremdafragmentaodoconhecimentopsicolgico

    1)O presentetextofOIoriginalmenteapresentadonaformade umapalestrano Hos~talde Clinicasda UFRGS.PortoAlegreemnovembrode 1992

    1

  • ,I

    ~

    I

    r

    Trans-in-formaio4(1,2,3),jan/dez.,1992 16

    Poderiadizer,contudo,queo ganhotemsidoexatamenteo defazeravanaro problemano sentidode mant-Ioaberto,tornando-oparamimmesmomaisclaramentedelineado.Isto,talvez,seja pouco paraoferecer,masnogostariade decepcionarexcessivamentemeuseventuaisleitoresprometendomaisdo querealmentemeachoemcondiesdeoferecer.

    Ao longodestaspginastratareiemprimeirolugardaprpriadificul-dadequenspsiclogosencontramosporterde lidarcomafragmentaaodenossossaberes;veremoscomofrequentemente,atordoadospelasdiver-gnciase ansiandoporconvergnciaseunidade,enveredamospeloscami-nhos perigososdo dogmatismoe do ecletismo.Em seguida,apresentareialgumasperspectivasque me parecemmais madurase protrcuasparaenfrentarestasquestes.Estasperspectivasdizemrespeito,primeiramente,a tentativasde compreendera estruturada disperso(queparececaticamasnaverdadetemsuaprpriaorganizao);emsegundolugartrata-sedeavaliaro alcancedas divergncias(que muitomaisamplo,profundoecomplexodaquiloque poderfamoschamarapenasde 'divergnciasteri-cas');noexamedestealcancesermuitoenfatizadaadimensopropriamen-teticaenvolvidanaquesto.

    IFazpartedoconhecimentodetodopsiclogo,detodoprofessorde

    psicologiaedetodoalunoemformaoo estadofragmentardoconheci-mentopsicolgico.A propsito,LuizAlfredoGarcia-Rozareferiu-sepsico-logiacomo"umespaodedisperso".Paraquemacompanhaa histriadestareadeproduodesaberesedeprticasficamuitoclaroqueestadesignaaoserveparacaracterizarapsicologiapelomenosnosltimos100anosenadaindicaquevperderavalidadenosanosfuturos.Efetivamente,aocupaodoespaopsicolgicopelasteoriasesistemasnodeulugarformaodeumcontinente,massimdeumarquiplagoconceitualetecno-lgico.Ouseja,nosetratadeumterritriounoeintegrado,emboratambmnosejamilhastotalmenteavulsasedesconectadas.Naverdade,aolongodecercade40anos,as duasltimasdcadasdo sculoXIXe as duasprimeirasdosculoXXsurgiram,quasequesimultaneamente,asgrandespropostasdeapreensotericadopsicolgicooudocomportamental.Del parac o queassistimosfoi a consolidaode micro-comunidadesrelativamenteindependentes,cadaqualcomsuascrenas,seumtodos,seusobjetivos,seusestilos,suaslinguagensesuashistriasparticulares.Noentanto,a independncianocompleta,o quesemostradevariadasmaneiras.

    Por exemplo:viade regra,dentrode umcursodeformaodepsiclogosestorepresentadasmuitas(masnotodas)destascomunida-

    I

    I

    I

    - --

  • Trans-in-formao 4(1.2.3).Jan/dez 1992 17

    des. Os alunos, ao ingressarem no curso e entrando em contato com o

    currculo podem ficar, de incio, com a expectativade que vrias disciplinasIro se organizar harmonicamente, convergindo para uma meta comum,

    segundo uma concepo compartilhada por todos os professores do queseja pensar e fazer psicologia. Muito rapidamenteeles percebem que algono caminha conforme o esperado. Costuma emergir. ento, um certo

    desassossego e uma certa desconfiana. Penso que algo que merecia serprontamentetematizado a relao entre o estado um tanto catico e

    inevitavelmentedesarticulado de qualquer currculo de formao em psico-logia e as condiOes histricas desta rea. Esta j seria uma boa razo paraatribuirmosao estudo da histriada psicologia, ou das pSicologias, um lugarprivilegiadonaformao dopsiclogo. claro que esta histria no poderiaser apenas, como frequentemente ocorre, uma exposio das teorias e

    sistemas; seria necessrio enveredar pelo estudo dos nveis ou planos emque estes sistemas podem ser'confrontados e compreendidos como legiti-mos habitantesdo espao psicolgico; seria ainda necessrio identificar

    suas posies particularesdentro deste espao, com todas as implicaesprticas,tcnicas e ticas que Ihescorrespondem. A isso voltareimais tarde.

    Na ausncia de uma compreenso mais abrangente e profunda donosso espao de disperso, experimenta-seum sutil mal-estarque poderia

    ocasionalmenteconverter-seem episdios de angstia.Se esta no aparececlaramente porque contra ela logo emergem duas reaes muito tpicas eperniciosas: o dogmatlsmoe o ecletlsmo. No primeiro caso. o psiClogoem formao ou j formado tranca-se dentro de suas crenas e ensurdecepara tudo que possa contest-Ias. No segundo adota indiscriminadamentetodas as crenas, mtodos, tcnicas e instrumentosdisponveis de acordocom a sua compreenso do que lhe parece necessrio para enfrentarunificadamenteos desafios da prtica.

    preciso perceber o que estas duas defesas contra a angstia tmem comum: elas bloqueiamo acesso experincia.No casodo dogma-tlsmo a minha afirmao deve parecer bvia: quem se agarra aos sistemascomo tboa de salvao no s no pode ouvir as interpelaOesque viriam

    de outras vozes tericas (que ficam de antemo desqualificadas), mastambmno se permiteouviro que a sua prticatema dizer. salvo na medida

    emque se encaixeno esquema do que o psiclogo pensa que sabe. Eu noestou aqui defendendo uma posio ingenuamenteempirista;sei muitobemque as teorias so Indispensveis para que se torne inteligivelo campo das

    experincias; so elas que nos ajudam na tarefa de configurao destecampo e sem elas estariamosdesamparados diantede uma proliferaodeacontecimentoscompletamentefora do nosso manejo Contudo. o reconhe.cimentodeste papel para as teorias e. mais amplamente o reconhecimento

  • Trans-in-formao 4(1,2,3), jan/dez., 1992 18

    dequenohexperinciasempressupostosnosepodeconfundircomoaterramentodogmticoa umconjuntodecrenasqueresultenaprpriaimposslbilltaodequalquerexperincianova.

    A posioeclticaapenasaparentementeescapadestecativeiro:ocorre,naverdade,queo eclticolanamodetudo,semrigore semcompromissos,a partirdeumplanodecompreensoque.este,nuncaquestionado:o dosensocomum. nesten!veldo sensocomumqueoeclticoachaque"nofundo"existeumaunidadeentreasteoriasesistemas,queastcnicaseinstrumentossecomplementam.queeleasavalia,queelesupeidentificaras necessidadesdeseusclientes,etc,etc.A prisodosensocomum maisinvis!velexatamenteporque a maisprximaeenvoivente,masela,talcomoadodogmatismo,umlimiteeumbloqueio.Defato,seja,enclausuradodogmaticamentenasuateoriaouingenuamenteenclausuradonosensocomumopsiclogoquecedetentaodeescapardaangstiaatravsdestasformasbastardasdeunificaoperdeacapaci-dadedeexperimentar.Oqueexperimentar,efetivamente,senoentraremcontatocomaalteridade?

    "Fazerumaexperinciacomoquequerquerseja.

    umacoisa,umserhumano,umdeus,istoquer

    dizer:deix-Iavirsobrens,paraquenosatinja.

    noscaiemcima,nostransformeenosfaaoutro"

    (Heidegger)

    Estassoaspalavrasdeumdosmaioressenoo maiorpensadordo sculoXX,MartinHeidegger.O queeleenfatiza quea verdadeiraexperinciacomportaummomentodeencontro.denegao.detransfor-mao.Ouseja,experimentar deixar-sefazeroutronoencontrocomooutro.Emoutraspalavras:s hexperinciaaondehdiferenae aondenovasdiferenassoengendradas.Ora,tantoodogmticonosedispOeanadadisto,comooeclticoprocuramanter-sefundamentalmenteomesmo,encobrindoestaimobilidadeeestamesmiceimpermevelcomafantasiadavariedadeedaliberdade.

    11

    Se mealongueinestaquestodo dogmatismoe do ecletismoporqueinfelizmenteelescostumamsertentaOesquaseirrecusveisparaopsiclogo.

    Masserquenoexistemoutrasmaneirasde enfrentara dispersodo espaopsi,de lidarcoma angstiaqueeleevoca?Creioquesim.mas

  • Trans-In-formao 4(1.2.3). jan/dez.. 1992 19

    estasmaneirasexigemumaestreitaalianademovimentosconstrutivosemovimentosreflexivos.Chamodemovimentosconstrutivososqueimplicameminvestirnaproduodoconhecimentoapartirdosrecursosconceituaisdlsponlveisnasteoriasenoencontrodestesrecursoscomosdesafiosdaprtica,ouseja,apartirdasexperincias.Nosetrata,necessariamente,detransformartodopsiclogonumprofissionaldapesquisa,masdetrazerparaassituaesprticaseprofissionaisacompetnciadepensarquepermitaaelaboraaodeconhecimentosnovos.precisoabandonaraidiadequea psicologiadita.aplicada.sejaa meraaplicaode umconhecimentocientlflcoj constituldo.No nossocampo,toou maisdecisivoqueoconhecimentotericodisponrvela incorporaodesteconhecimentoshabilidadesdoprofissionalcomoumdosingredientesdoquepoderfamoschamarde.conhecimentotcito.dopsiclogo.Poisbem,estaincorporaaodateoriasacontecenobojodeumprocessomuitopessoaleemgrandeparteintransferrveldeexperimentaoereflexo;nestamedida,nossaativi-dadeprofissionalvaimuitoalmda aplicao,constituindo-seemumaautnticaelaboraaodeconhecimentosmesmoqueestesnosetraduzamemtextos,mesmoquepermaneamcomoconhecimentostcitosIncorpo-radossprticasdoprofissionalnaformadeumsaberdoofrcio.

    Noentanto,paraqueo movimentoconstrutivopossase efetivarnecessrioconservarabertoolugarparaaexperincia,olugardaalteridade,danegatividade,datransformao.Ora,a aberturae conservaaodesteespao tarefadareflexo.A reflexodestina-se.nocaso.a elucidaroslimitesdecadasistema,sejaexplicitandoseuspressupostos,sejaantecipan-dosuasimpllcaOeseconseqncias,muitasvezesinvislveisaolhonu.

    Muitasvezessepensaqueaprincipalfunodaatividadereflexivano campodas teoriascientlficassejaa de investigare, se necessrioquestionarsuaspretensOesverdade.Emoutraspalavras,muitasvezesseacreditaquequemrefletesobreteoriasesistemaspsicolgicosdeveriafazerperguntastaiscomo:comosedeuesedaproduaoeavalidaaodoconhecimentoqueseapresentacomosendoclentlflco?quaisos mtodosetcnicasacionadosnaproduoevalidaaodoconhecimento,etc.?

    Ora,emrelaoaestetipodepreocupaaohaveriaduascoisasaconsiderar.Emprimeirolugar,acentralidadedasquestoeseplstemolgicasnocampodaculturamodernaeclentlflcatemsidocadavezmaisproblema-tizada(Rorty,1979,1982,1990)observa-seemtodoopensamentocontem-porneoumabandonoprogressivoe s vezesdramticodo projetofundacionista,ouseja,dointentodefazerrepousaroconhecimentocientlflcoembasesslidaseinquestionveis,isto,emalgumaformadeconhecimen-to imediatoe indiscutlveltalcomoforamos projetosepistemolgicosdamodernidade,sejamos de inspiraaobaconiana.sejamos oriundosda

  • Trans-in-formao 4(1,2,3),jan/dez.,1992 20

    tradiocartesiana.Ao contrriodisso,jse tornaquaseconsensoa aceita-odequenohtaisfundamentos,dequenohconhecimentosimedia-tos,dequenohconhecimentosempressupostossendoqueestespodemser explicitados,e bom que o sejam,masjamaissero verificadosourefutados.No mximoelespoderoser avaliadosem suas propriedadesheurfsticas,ouseja,nasuafecundidadee nasuaeficcia.

    Emsegundolugar,cabeassinalarqueo abandonodo projetofunda-cionistae a nfasena investigaodos pressupostosdas construOestericasedasprticasvema calharparaumareacomoa nossa,marcadapeladisperso.No creio,efetivamente,quea avaliaocomparativadasteoriase dos sistemaspsicolgicospudesseserfeitaapenasou principal-menteno planoepistemolgico.No possfvelnemfaz sentidoprocurarsaberquem oufoimaiscientlfico:Skinner,Piaget,Freud.Jung. Rogers?Oquese passa queos diversossistemasde pensamentopsicolgiconovisamos mesmosobjetos,damesmamaneira,comos mesmosobjetivosedeacordocomos mesmospadrOes.As noesde"realidade",de"psiquis-mo",de"comportamento",etc.variam;igualmentevariao queseentendepor"teoria",por "conhecimento"e por "verdade";em decorrncia,variamoscritriosde avaliaodo conhecimentoe dos mtodose procedimentosadequados.Nestamedidatais divergnciasno se resolveromediantepesquisasjquequalquerpesquisaserefetuadaa partirde seusprpriospressupostos.Chamode"matrizesdoconhecimentopsicolgico"(Figueire-do,1991)aestesgrandesconjuntosdevalores,normas,crenasmetaffsicas,concepesepistemolgicase metodolgicasquesubjazemsteoriasesprticasprofissionaisdospsiclogos.Colocotambmnoplanodasmatrizeso conjuntodas implicaesticasquepertencemlegitimamenteao mesmocampodeproduotericae de prticas.

    Aquicreioqueseriaoportunodeter-meumpouconotermo"matrizes". precisode infcioestabeleceralgumasdiferenasde nfvel:falandoem"sistemas",em"escolas",em"facOes"ou em"correntes"eu permaneononfvelmanifesto,emborarecortandodeformamaisou menosflexfvel,maisou menosrestritivao meumaterial. verdadequeo termo"correntes"aoinsistirnadimensotemporalseabreparaumapassagemdaapreensodasidiastaiscomose mostramparaumaapreensodas idiasnasuahistori-cidade,nasuaauto-gerao.Noentanto,seo meuinteresseo deidentificarpressupostose ImplicaOeseunecessitode umtermoquemedacessoaumnfvelqueoperanoregistrodo latente,doqueagedissimuladamente.Ostermos"paradigma"tal como empregadopor Kuhn (1970),"episteme"talcomoempregadopor Foucault(1966,1969),"basesmetaffsicas"tal comoempregadoporBurtt(1983),entreoutros,dizemrespeitoexatamentea estenfvelquemeinteressavafocalizarOpteipelotermo"matrizes",queporsinal

  • Trans-In-formao 4(1.2.3).jan/dez.. 1992 21

    tambmveioa serpropostoporKuhnn(1974)parasubstitUirOde"paradig-mas".porqueelemepareceuo maisaptoafalardo meutema o espaopsicomoumespaodedispersoque.apesardetudo.no umespaodecaosabsoluto.pois possuiumaorganizaosubterrneaa partirda qualpodemser confrontadas,aproximadasou contrapostasas correntes,asescolas,asseitas,enfim,todosos habitantesgradosoumidosdoespaopsicolgico.As matrizesso geradoras;elasso fontes,elas Instauramoscamposdeteorizaoe deaopossfveis.elasinauguramas histriasdaspsicologias.

    NomeulivroMatrizesdo PensamentoPsicolgico procureiofere-cerumquadropanormicodaspsicologiascontemporneasorganizadoapartirde suas matrizes.O espaono me permitirestender-mesobreaquesto.Apenasrecordareiqueldenomino'matrizescientificistasatodasas matrizesa partirdasquaisa psicologiavema serconcebidae praticadacomocincianatural(deacordo,naturalmente,comos modelosdecincianaturaldisponfveisnosculoXIX);todaspressupemacrenanumaordemnaturalediferemapenasnaformadeconsideraremestaordem;aspsicolo-giasgeradasporestasmatrizesseriamconstrufdascomoanexosousegun-do aos modelosde outrascinciasda natureza,como, por exemplo,abiologia.Comoas demaiscinciasnaturais,as psicologiasestariamdesti-nadasafornecerumconhecimentotilparaprevisoecontroledoseventospsfquicose comportamentais.

    Deoutrolado,encontram-seas matrizesinspiradasno pensamentoromnticodeoposioao racionalismoiluministae ao impriodamatem-ticae do mtodo:paraelaso ojetoda psicologianoso eventosnaturais,masso formasexpressivas,ou seja,as aes,produtose obrasde umasubjetividadesingularque atravsdeles se d a conhecer.Enquantoaspsicologiasengendradaspor matrizescientificistaspropunham-secomoconhecimentoaptoa previsese controlese,nestamedida,seobrigavamaexplicaros eventospsfquicosecomportamentaisinserindo-osnumaordemnatural,as psicologiasengendradasa partirde matrizesromnticastemcomometacompreender,ou seja,gerarconhecimentosaptos apreensodas formasexpressivas.A metadesteconhecimentoseriaa de ampliaracapacidadede comunicaoentreos homens e de cada um consigomesmo.

    Destasmatrizesromnticasdestacam-seas que eu denominodeps-romnticas.Nestescasos, o queobservamos o resgateda grandequestocolocadapelasmatrizesromnticas,a questoda compreenso,aliado rennciaesperanadeumaapreensofcile ImediatadosentidoPara estas matrizeso sentidodos atos,dos produtose das obras nocoincidecomas vlvnciasque Ihescorrespondem.supe-sequeportrs

  • Trans-in-formao 4(1,2,3),jan/dez.,1992 22

    dos sentidoshajaoutrossentidose portrsdesteshajaprocessosemecanismosgeradoresdesentidoequenadadissosedespontaneamentenossaconscincia.Seriapreciso,portanto,elaborarmtodosetcnicasecritriosinterpretativosquenospermitamir almde umacompreensoingnuaeauto-centradadosoutrosedensmesmos.

    11I

    Estepanoramaamplodocampodedisperso,dentrodoqualpude-ramsersituadasasescolas,sistemas,fac09SecorrentesdeformaaquepudessemsermostradassuasInterrelaes,suasfamiliaridadese seusantagonismosfoi o saldo,espero,da elaboraodasMatrizes.Queroassinalar,maisumavez,quenohouvede minhaparte,emnenhummomento,aIntenodejulgaremultomenosdejulgareplstemologicamenteasteorias;meuobjetivofoisempreodeconservaradiversidadenaunidade;tornando-ainteligrvel.

    Esteresultado,porm,nomesatisfezcompletamente. verdadequeelepodesertilparao combatestendnciasdogmticaseeclticasmaisprecipitadas,maseledeixaemabertoa questodasopes,dasescolhas.Aqui,novamente,creionecessriodaralgunsesclarecimentos.Naverdade,depoisdemuitaobervaodemimmesmo,decolegasedealunos,eumepermitoduvidardequeos psiclogospossamrealmenteescolhersuasteorias,mtodose tcnicas.Creioquetotalmenteilusrioimaginarqueemalgummomentotenhamosaiseno,oconhecimentoealiberdadeparaefetuaressetipodeopo.Aocontrrio,o queperceboquesomosescolhidos:somoscomoquefisgados,atrafdosporumatramacomplexadeanziseiscas,dasqualsalgumasnuncaserocompletamenteidentificadas.

    Dequalquerforma,multoantesdenosdarmoscontadequeesco-lhemosjfomosescolhidose emboraestasopespossamserrefeitas,haversemprealgoquenosantecedeenoschama.Ora,oqueumareflexoacercadasmatrizesdo pensamentopsicolgiconospodepropiciarnoser,portanto,umaescolhaplenamenteconscienteeracional.Oquepode-mosesperar,creioeu legitimamentedestareflexo, umaampliaodanossacapacidadedepensaracercado queacreditamos,acercado quefazemosedequemsomos.Poisbem,umacompreensodossistemaseteoriasnocontextodeumaexplicitaodasmatrizesdopensamentopsico-lgicoajudanestatarefareflexiva,masnosuficiente.Deumacertaforma,poderramosmesmodizerqueao nosdefrontarmoscom a diversidadeconservadanaunidadeestamosapenasentrandoemcontatocomoproble-ma,masnoo estamosaindaresolvendo.claroqueentraremcontatoumprimeiropassoindispensvel,ao contrriodassardasdogmticaseeclticasqueaoinvsdefavoreceremo movimentodeproblematizao,

    - - ---

  • Trans-in-formao 4(1,2.3). Jan/dez . 1992 23

    evadem-sedestecontatonegando,deumaformaoudeoutra,a prpriadiversidade.Dadoesteprimeiropasso,contudo,comoprosseguir?

    Meucaminhofoio derefazero processodegestaodo prprioespaopsicolgicoparaentendercomoeporqueaofinaldosculoXIXseabriuumcamponoqualvieramaseinstalardiversosprojetosdepsicologiaque,apesardesuasdiferenas,tinhamemcomumapretensodeestabe-lecerapsicologiacomoumareaindependentedesaberese interven09ssulgenerls.Emoutraspalavras,meuobjetivopassouaserodecompreen-derahistriadaconstituiodoespaopsicolgicoedecomoesteespaoseorganizouemtermosdelugares,cadalugarensejandoumamaneiradeteorizaoedeexercfcioprofissional.Tratava-se,enfim,deumatarefadegenealogladopsicolgico.Omeutemaeravastoedelimitesimprecisos;comocircunscrever,deumavezportodas.oconjuntodeacontecimentosedispositivosquecontribuiramparaaconstituiodeumcampodesaberede interveno,comseusobjetose procedimentosprprios?Ao fazeragenealogiadequalquertipodeidentidade(aquiasidentidadesdospsiclo-gosedaspsicologias)devemoscomearcolocandoentreparntesesnossacrenanapermannciainfinitadestamesmaidentidadee deseuslimitesatuais.Comissoficamosprovisoriamentedesnorteados.Aondeprocurar?Oqueprocurar?Umacoisaapenaseracerta:haviaquetransgredirsistema-ticamenteoslimitesdoquehoje reconhecidocomopertinenteaocampopsi,buscandonosmaisvariadosdiscursosos elementosnecessriosanlise.Minhapesquisacaminhouentodeformaexploratria. certoqueaquestojnocompletamentenovaepudemevalerdeautoresqueantesdemiminvestigaramcoisasparecidas.Nocaso,"coisasparecidas"eramtodasas quediziamrespeitos formasdo homemocidentalmodernorelacionar-seconsigomesmo,comseudestino,suavidaesuamorte,comosoutrospequeninosecomosgrandesoutros:Deus,asociedade,etc.Istomelevouparaosterrenosdafilosofia,dapoltica,dascincias,dareligio,dasdiversasreasde manifestaoartfsticae literria,etc.O projetodepesquisatentouabarcaralgunsmomentosquemeparecerammaissignifi-cativosnahistriadamodernidadeocidentaldesdeo fimdosculoXVatofinaldosculoXIX.Oresultadodestetrabalho,apresentadocomotesedeLivreDocnciaemPsicologiaGeralnaUSPelogoeditadocomottulodeAInveniodoPsicolgico:quatrosculosdesubjetlvaio(1500-1900),creioeu,umpassoadiantenatentativadepensaro nossoespaoenossadiversidade

    Ao longodosquatrosculosestudadospudeIr reconstituindooprocessodetransformaonosmodosdesubjetivaonobojodoqualforamsecriandoassubjetividadesnasquaise paraas quaiso chamado"psicolgico'veioa se mostrarcomoumadimensodecisivatantopara

  • Trans-in-formao 4(1,2,3),jan/dez..1992 24

    experimentarmoscomo para pensarmos acerca de nossas experincias ede nossa existncia.Pude tambm mostrarcomo no sculo XIX esta dimen-

    so se constitui como um territrioorganizado em torno de trs polos - omodo Ilustrado e liberal de subjetivao. o modo romntico e o mododisciplinar - polos estes em permanente estado de conflito mas tambmformando alianas Inesperadas e difrceisde captar. Finalmente,pude alinha-var argumentos que sugerem que os diversos sistemas e subsistemas

    tericos em psicologia tornam-se inteliglveisdesde os lugares que ocupamno espao psicolgico e desde as relaes que darentretmcom cada umdos polos acima mencionado. Ora, assim como o psicolgico enquanto

    espao sul generls, assim como os lugares que compem este espao e apartirde onde so elaboradas as diferentespossibilidades de viver e pensara existncia coletiva e individual fazem parte da histria do ocidente, da

    mesma forma os sistemas e escolas da psicologia contempornea repre-sentam diferentesperspectivas para enfrentaros dilemas da modernldade,a chamada crise da modernidade. Crise estaque se caracteriza,entreoutrascoisas, pela falncia dos modos modernos de subjetivao, sejam os deextrao ilustrado-lIberal,sejam os de extrao romntica. Crise, enfim, quegerou e continuagerando tantoas demandas como as ofertasde psicologia.

    Nesta medida, ao assumirmos um lugar determinado no espaopsicolgico estaremos nos situando muito alm do que seria o campo dapsicologia visto apenas como rea especifica de conhecimentos e prticas

    profissionais. Estaremos mesmo fazendo mais que apenas adotar, talvezsem a devida reflexo, crenas, normas e valores. Estaremos de fato nos

    poslcionando diantedos destinos de nossa poca. Longe de mim a intenode reduziruma prticaprofissional a qualquer modalidade de militncia;nose trata, portanto, de promover tal ou qual forma de fazer e pensar apsicologia em termos de uma dadaconcepo do que seria "politicamentecorreto..Trata-se,contudo, isto sim, de introduzirnas nossas consideraOes

    algo que viade regraescapa formao convencional do psiclogo; trata-sede introduzir no campo das nossas cogitaes uma discusso histrica,sociolgica e filosfica acerca do mundo em que vivemos, das formasdominantes de existirneste mundo e de como as psicologias contempor-neas so modos de tomar partidoem relao aos problemas da contempo-raneidade.

    Ar reside a dimenso ticadas picologias, dimenso sobre a qual hmuito pouca reflexo j que costumamos reduzir as discusses ticas aquestes que me parecem triviaise formais. As verdadeiras questes ticas

    so, a meuver, as que dizem respeitos posies bsicas que cada sistema

    ou teoriaocupa no contexto da culturacontempornea. diante dos desafiosque dela emanam. Para estas questes, como de resto para as questes

  • Trans-in-formao 4(1.2,3),jan/dez.. 1992 25

    verdadeiramentegrandes.nodevemosteraesperanaderespostascon-cludentes.Nossaobrigao,porm,podeecreioquedeveserademant-Iasemaberto.Elasso,afinaldecontas,asbrechasnasnossascrenasenosnossoscompromissosatravsdasquaispodeseinsinuaraalteridade;enfimsoelasquenospodemconservardisponveisparaaexperinciaeparaarenovao.

    SUMMARY

    FIGUEIREDO,Lus Cludio.Convergenceanddivergence:thequestionofdifferentpointsofviewinpsycofogy.Translnformao,4 (1,2,3):15-26. JanIDec., 1992.

    In this paper current psychological knowledge is viwed as a field ofdispersion; it is constituted by multiple divergent thoughts distributed indifferentlavels (ontological, epistemological and ethicallavels). Suggestions

    areraisedas howtowork through such divergences in a matureway and howto search for convergent perspectives beyond them. The main point heredefended is thatwe should maintaindiversity in unity and unity in diversity,

    that is,we should recognize and respect the differentUnesof thought and atthe same time leam how to understand their interrelations,their origins andconsequences. The different !ines of thought should remain open to conti-nuous questioning.

    Keywords:divergentthoughts.science.scientificproduction.

  • Trans-in-formao 4(1,2,3), jan/dez.,1992

    Referncias

    BURTI, E.A. As Bases Metaffslcas da Cincia Moderna. Trad. J. Vie-gas Filho e Orlando A. Henriques, Brasnia,Ed. UnB, 1983.

    FIGUEIREDO, L.C. As Matrizes do Pensamento Psicolgico. Petr-polis, Ed. Vozes, 1991.

    FIGUEIREDO, L.C. A Inveno do Psicolgico. Quatro sculos desubjetlvao (1500-1900). So Paulo, Ed. Escuta/Educ, 1992.

    FOUCAULT, M. Les Mats et les Choses. Paris, Ed. Gallimard, 1966.

    FOUCAULT, M. L'Archologle du Savolr. Paris, Ed. Gallimard, 1969

    KUHN, Th. The Structure of Sclentlflc Revolutlons. 2" edio.Chicago, Chicago UniversityPress, 1970.

    KUHN, Th. Second thoughts on paradigms. Em F. Suppe (ed.) TheStructure of Sclentlflc Theorles. 28 edio. IlIinois, llinnois Uni-versityPress, 1970.

    RORTY, R. Phllosophy and the Mirror of Nature. Princeton, Prince-ton UniversityPress, 1979.

    RORTY, R. Consequences of Pragmatlsm. Minneapolis, Universityof Minnesota Press, 1982.

    RORTY, R. Sclence et Solldarlt.Trad. de Jean-Pierre Cometti. Ca-

    hors, Ed. de I clat, 1990.

    26