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Debatedores FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO ZEVI KANN FERNANDO DE ALMEIDA PRADO MARCOS VERÍSSIMO Coordenação ARNALDO JARDIM

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AGÊNCIAS REGULADORAS EM DEBATE

Debatedores FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO

ZEVI KANN

FERNANDO DE ALMEIDA PRADO

MARCOS VERÍSSIMO

Coordenação ARNALDO JARDIM

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AGÊNCIAS REGULADORAS EM DEBATE

Debate realizado em 3 de abril de 2003,na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Debatedores FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO

ZEVI KANN

FERNANDO DE ALMEIDA PRADO

MARCOS VERÍSSIMO

Coordenação ARNALDO JARDIM

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O debate ocorrido na Assembléia Legislativa de São Paulo sobre AgênciasReguladoras foi eco de uma das grandes discussões em pauta atualmente, oda viabilização do modelo regulatório no Brasil.

No evento, as discussões se fixaram na busca objetiva do aprimoramentodo modelo existente. O debate não se ateve a meramente criticar as falhasdo modelo, nem tampouco promover a defesa incondicional do sistemaregulatório.

O que visamos com o encontro foi abordar o tema de maneira profunda,buscando a todo momento alternativas positivas para seu aperfeiçoamento,abordando a discussão as diversas faces do modelo regulatório implantado,sejam elas de aspecto jurídico, administrativo, histórico, filosófico, econô-mico, político, etc..

PREFÁCIO

O homem está sempre disposto a negar aquiloque não compreende. – PASCAL

O homem deve criar as oportunidadese não somente encontrá-las. – FRANCIS BACON

O pessimista se queixa do vento, o otimista esperaque ele mude e o realista ajusta as velas. – WILLIAN GEORGE WARD

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Os debatedores participantes contribuíram sobremaneira para o sucesso doevento, já que estabeleceram uma abordagem variada em seu estilo, simbo-lizada, ora pela riqueza de experiências práticas do Dr. Zevi Kann, ora pelosaber profundo e substantivo do Professor Floriano de Azevedo MarquesNeto, bem como pela visão brilhante e técnica do Dr. Fernando de AlmeidaPrado, além da prudência e da amplitude de conhecimentos do Dr. MarcosVeríssimo. Toda esta saudável miscelânea foi orquestrada de maneira muitoobjetiva pela coordenação do Deputado Arnaldo Jardim.

Dentre os diversos pontos acordados no debate, verificamos com maioratenção a necessidade de se preservar a autonomia das agências, estabele-cendo uma hierarquia mais rígida em algumas reguladoras, para que seevite o conflito de orientações, como também a busca de uma maior publi-cidade nos atos das reguladoras; quanto ao Poder Judiciário, verificou-se anecessidade de Varas especializadas em regulação, bem como a possibilida-de de aplicação da arbitragem como solução para os problemas do setor.Destacamos também a necessidade do fortalecimento do poder de polícia edo aumento de investimento em equipamentos tecnológicos para que asagências possam exercer de maneira efetiva suas funções, dentre outros di-versos pontos a serem melhorados no atual modelo.

Esperamos que debates como este se repitam, estabelecendo na culturapolítica brasileira um rompimento definitivo com a era das discussões pro-lixas e meramente destrutivas, de cunho demagógico e oportunista, ou queo oportunismo político momentâneo de quem ocupa o poder impeça oestabelecimento de estruturas públicas perenes, ante questões tão comple-xas e importantes para a nossa sociedade, firmando de maneira definitiva abandeira da construção e do hábito de se enfrentar os obstáculos de manei-ra positiva, realizadora e corajosa.

A principal ferramenta para a construção de uma sociedade moderna é areunião dos vários entes da sociedade, com um único intuito: o de melho-rar realmente a qualidade de vida do cidadão.

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As agências reguladoras foram estabelecidas como conseqüência dadesestatização da infra-estrutura brasileira, fato que tornou necessária a or-ganização de um sistema de regulamentação e fiscalização dos setores agorasob gestão da iniciativa privada.

O novo modelo institucional deve ser mantido, ele é o retrato de umaevolução necessária da estrutura estatal brasileira; esperamos, como demons-tram os indícios, que os princípios fundamentais do Estado Democráticode Direito sejam alcançados, produzindo-se a melhoria contínua dos servi-ços públicos, privilegiando-se o usuário final.

Não podemos confundir as privatizações abruptas e inconseqüentes dealgumas empresas estatais com as Agências de Regulação, instrumentoscriados exatamente para fiscalizar e controlar os serviços públicos exerci-dos por empresas privadas. Cumpre salientar que não cabe às agênciasreguladoras planejar e formular políticas; suas tarefas básicas são as defiscalização e controle de qualidade, adequação tarifária e universalizaçãodos serviços prestados.

Antes de pensar em retornar ao modelo tradicional ultrapassado, confor-me preconizam alguns, cremos que seria mais apropriado fazer valer osmecanismos previstos em lei, usando como instrumento primordial os

INTRODUÇÃO

O APERFEIÇOAMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

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contratos de gestão para permitir uma avaliação objetiva do funciona-mento desta forma nova de poder público.

Desconhecidas por parte dos consumidores, as agências reguladoras de ser-viços públicos lutam para serem reconhecidas pela sociedade, o que contri-buiria para o fortalecimento das agências como reguladores e fiscalizadores,mas infelizmente o conceito de órgão administrativo independente aindanão foi totalmente aceito e assimilado.

Sabemos que existem imperfeições, já que as Agências Reguladoras acaba-ram de nascer, e temos a percepção de que sua maturidade será acertadaatravés do tempo, e principalmente a partir do momento que no atualmodelo não se produzam mais os efeitos negativos da velha estruturahierarquizada.

Para melhorarmos o sistema regulatório, precisamos ajudar a consagrar osseus princípios basilares, que ao nosso ver são: o poder de fiscalizar e sanci-onar (dentro dos termos legais); a definição clara das formas de gestão econtrole; a sua autonomia administrativa; o respeito ao mandato de seusdirigentes, assim como sua autonomia financeira e técnica.

Publicizar as novas normas, realizar reuniões de diretorias abertas ao públi-co, audiências públicas que produzam real resultado, evitar a publicação denormas regulatórias indevidas, editando normas pautadas pela razoabilidade,fiscalizando o seu cumprimento com vigor, bem como assegurando a ade-quada remuneração do concessionário e a satisfação dos usuários, são con-dições necessárias às Agências.

Acreditamos que um dos pontos de destaque da atuação das agênciasReguladoras é o de realizar o equilíbrio dos contratos de serviços, medi-ando interesses, estabelecendo assim uma moderna política de solução deconflitos.

Não buscamos com isto defender o enfraquecimento do Judiciário comosolucionador de conflitos, aliás propomos a instalação de VarasEspecializadas, mas queremos aprofundar a busca de entendimento e acor-dos. O que visamos é a evolução das instituições.

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Acreditamos, desta forma, que os problemas existentes na regulação dosserviços públicos não se resolvem com a destruição do novo modelo estabe-lecido, o que provocaria um retrocesso ao passado, mas sim com oenfrentamento consciente das questões controversas, buscando soluções,atuando de maneira incisiva para a efetivação das mesmas, visando assim amelhoria do sistema estabelecido.

O poder de direção da administração pública tem que ser exercido nostermos legais, sendo que somente dentro destes termos é que poderá ocor-rer justo motivo para exoneração dos diretores das agências de regulaçãoque possuem um mandato definido por lei, e não como tentativa de umgarroteamento político.

Objetivamente, citamos como principais pontos de aperfeiçoamento dasAgências de Regulação:

1- Estabelecimento de regras precisas e claras quanto à quarentena do man-dato dos diretores das agências, para evitar a promiscuidade na relaçãoentre regulador e regulado.

2- A necessidade de mais publicidade nos atos das agências, através deaudiências abertas à imprensa e à população, com a publicidade doresultado das audiências públicas, bem como a reversão destas audiên-cias públicas em resoluções práticas, para que não se perca o intuitodestas audiências, que é o de dar transparência as decisões e elaboraçõesde normas.

3- Autonomia financeira das agências, não ficando à mercê de cortes noorçamento e pressões governamentais quanto a liberação de parcelasmensais orçamentárias.

4- Inovação tecnológica, com o aperfeiçoamento do maquinário que dásustentação ao trabalho das agências.

5- Acompanhamento do Legislativo na questão do funcionamento dasagências.

6- Implantação pelo Poder Judiciário de varas especializadas, pois as

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demandas de natureza regulatória precisam de andamento específi-co e da coletânea de jurisprudências inéditas.

7- Atualização das leis de penalidades de todas agências, para que as mes-mas possuam o poder de polícia necessário para se efetivar seu corretotrabalho.

A real consagração do novo modelo regulatório nacional dar-se-á com aefetiva potencialização da interação entre agentes reguladores, o mercadoprodutor de bens e serviços e a sociedade civil.

ARNALDO JARDIM

Deputado Estadual

Coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável

Representante do Poder Legislativo Paulista no Conselho Diretor daARTESP – Agência Reguladora de Transporte do Estado de São Paulo

Líder da Bancada Estadual do PPS – Partido Popular Socialista

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DEP. ARNALDO JARDIM

Quero em primeiro lugar agradecer a todos pela presença.

Começarei pelo Dr. Marcos Veríssimo.

Dr. Marcos Veríssimo, gostaria de ouvir suas considerações e pedir quecomentasse os seguintes aspectos: até que ponto é salutar a autonomia,tanto técnica como administrativa, das agências? E quais são os termosconsideráveis dessa autonomia, ou seja, o que deve ser considerado paramediar e precisar essa autonomia?

Segunda questão: se caso o modelo regulatório fosse desativado no Brasil,qual seria o modelo a utilizar? A expressão modelo neste contexto diz res-peito a alternativas. Seria mesmo válido retroagirmos ao sistema anterior?Quais seriam as conseqüências dessa volta ao passado?

Por último, uma referência sobre a questão dos mandatos. Gostaríamos deouvir sua consideração sobre essa questão de mandatos, uma pergunta quese justifica até porque sabemos que há correntes doutrinárias diferenciadassobre a questão. Principalmente sobre a possibilidade de alterar a figura dediretor para presidente e de alguma forma alterar o âmbito dos mandatos.

Agradecendo pela presença, mais uma vez, passo a palavra ao Dr. MarcosVeríssimo.

AGÊNCIAS REGULADORAS

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DR. MARCOS VERÍSSIMO

Agradeço ao Deputado Arnaldo Jardim pelo convite e parabenizo-o pelainiciativa oportuna e importante. Vou tentar fazer minhas consideraçõesde modo que nós possamos dialogar sobre essas questões que foram coloca-das pela imprensa e no cenário político. Vou iniciar pelo problema relativoà autonomia das agências de regulação.

Acredito que é importante tratar do tema autonomia em conjunto com otema independência, dois termos que se inter-relacionam.Um primeiroponto importante é que nem todos os organismos administrativos criadosnos últimos anos com o nome de agência têm um modelo que se caracteri-ze pela autonomia ou pela independência.

Nem todos os órgãos chamados de agências são o que normalmente deno-minamos Agências de Regulação. Há uma série de órgãos que se parecemmais com um braço do Poder Executivo ligado ao próprio Poder Executivopara implementar políticas setoriais; aí temos alguma coisa mais próximada agência executiva.

As Agências de Regulação foram introduzidas com vistas à regulação desetores considerados de serviço público, setores de fundamental importân-cia para o país, antigamente explorados pelo Estado, que foram privatizados,onde o modelo de autonomia e independência serviu a alguns propósitosespecíficos. Ao menos esse é o discurso que se utilizou no momento daimplementação.

Esse primeiro discurso talvez não tenha sido propriamente um discurso deEstado, no sentido de que ele se voltava não só à configuração institucionaldo que sejam Estado e governo, do papel de um ou do outro na sociedade,mas se preocupava também com a privatização que era feita. E um dospontos importantes era a necessidade de se garantir o investimento privadonesses setores, investimentos esses profundamente vultosos e de retornonormalmente a longo prazo.

Esse é um investimento que dificilmente o governo consegue captar sem ofe-recer em troca algum tipo de segurança ao seu investidor. Tenho impressão de

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que essa foi a consideração feita no momento da chamada “reforma doEstado” da introdução desses órgãos de regulação.

Imaginou-se que era preciso oferecer ao investidor, que colocava capitaisnesses setores, algum tipo de estabilidade. Quer dizer, as regras do jogoseriam mais ou menos aquelas, não mudariam. Era preciso oferecer ao in-vestidor um ambiente regulatório relativamente “blindado” a mudançasbruscas ocasionadas por mudanças de governo. Essa foi uma primeira pre-ocupação importante.

Outras preocupações parecem-me que permearam também aquele momentode introdução desses novos órgãos, que foram também no sentido de con-figurar uma diferente organização do governo, uma forma diferente de vera interação entre governo e Estado. Imaginar um tipo de administraçãoonde o Estado não fosse resumido a um governo central, imediatamenteidentificado com a figura do chefe do Executivo etc.. Imaginou-se esferasda administração que pudessem ter uma certa vida autônoma, indepen-dente, que pudessem desenvolver seu trabalho de uma maneira um poucomais distanciada da administração central, um pouco mais distanciada dogoverno, um pouco mais distanciada de fatores políticos; pensou-se emórgãos que pudessem desenvolver essa atuação de modo um pouco maispróximo aos próprios interessados na atuação estatal num dado setor – asociedade, as empresas prestadoras de serviço etc. – e pudessem pautar suaatuação de uma maneira mais técnica do que política.

Eu tenho a impressão de que esses fatores teriam sido fundamentais paraindicar o modelo que se estabelecia para as agências de regulação, para asagências que efetivamente se incumbiriam de regular os setores de infra-estrutura antes estatais e que naquele momento estavam em vias de seremprivatizados. Parece que esses objetivos foram atendidos exatamente pelobinômio autonomia e independência.

Os marcos legais da privatização dos respectivos setores procuraram estabe-lecer uma certa divisão de tarefas, de trabalhos entre Poder Legislativo,Poder Executivo e agências, que, em maior medida em certos setores, emmenor medida em outros, procurou ser relativamente exaustiva.

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A usar como exemplo o setor de telecomunicações, a reforma regulatóriaprocurou – e o Professor Floriano sabe disso – de alguma maneira apontarquais seriam as principais tarefas deixadas a cargo de lei. A própria LGTofereceu os principais marcos regulatórios do setor, deixou certas decisõesimportantes e centrais para a vida do setor nas mãos do presidente da Re-pública, por exemplo: delimitar o que é serviço público, quais são os servi-ços que vão ser objeto de universalização e assim por diante – isso é decompetência do Presidente, a ser exercida por decreto, mas a regulamenta-ção da lei e dos decretos presidenciais foi inteiramente entregue à agência.Portanto, à agência foi dada autonomia para decidir, foram entregues ospoderes necessários para o exercício dessa autonomia, o que foi objeto decríticas muito severas, especialmente em relação ao dito poder normativo.

De outro lado, a independência me parece que foi contemplada tambémsob o prisma administrativo. O órgão foi constituído como autarquia, commecanismos de gestão orçamentária em princípio suficientes para permitirque sobrevivesse. E do ponto de vista de direção, o conselho diretor dosórgãos – e eu estava pensando aqui na Anatel, mas podemos pensar nosoutros – foi brindado com mandatos fixos. Os dirigentes desses órgãosseriam mandatários que não poderiam ser demitidos pela simples vontadeda chefia do Executivo. A idéia era exatamente permitir estabilidade docorpo diretivo, que não fosse quebrada sempre que um novo governo assu-misse. Quer dizer, permitir que, de alguma maneira, os setores reguladosnão tivessem uma quebra institucional a cada novo governo que entrasse.

Um cuidado tomado no desenho desses órgãos foi constituir os corpos ini-ciais com mandatos não uniformes, ou seja, com mandatos de seis, cinco,quatro, três anos, de modo que a partir daquele momento a renovação doórgão fosse praticamente anual. O órgão teria uma estabilidade, nunca so-freria um corte repentino na sua composição, mas o tempo inteiro seriaoxigenado pelo ingresso de novos diretores.

Esse foi o desenho que se tentou implementar. Num certo sentido, essa éuma aposta institucional interessante, uma aposta que, do prisma do Esta-do, parece ser mais moderna e que do ponto de vista do investidor agrada,

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pois outorga a ele a segurança de que seu investimento vai ter retorno alongo prazo e num ambiente que não está sujeito a quebras institucionais.Parece que o desenho – vou usar uma expressão cara a todos nós – ajuda areduzir o Risco Brasil, o risco representado pelo país para o capital e que,portanto, se recomendaria manter.

Há algumas propostas de eliminar, por exemplo, o mandato fixo dos mem-bros dos conselhos diretores das agências, tornando-os demissíveis por sim-ples vontade do governo central. É uma modificação singela, mas suficientepara eliminar toda a racionalidade do modelo. Essa simples modificaçãoacaba com a idéia que está por trás da criação dos órgãos. Reduzir essaautonomia também produz um efeito muito semelhante, porque devolvepara a arena política boa parte das decisões regulatórias que deveriam terum conteúdo técnico. O problema das tarifas parece que foi o que motivouisso. Isso certamente será objeto de outras questões, mas é um exemplo quepode ser levado em conta.

Passando para as outras questões rapidamente, para eu poder ouvir outrasobservações, opiniões, críticas, questione-se então qual seria a contrapartidano Brasil ao modelo regulatório vigente, ao modelo de agências autônomase independentes. A alternativa me parece que seria a volta a um Estadocentralizador, a um modelo de Estado em que toda a atividade administra-tiva ficasse a cargo do chefe do executivo em cada ente federativo – presi-dente da República, governador do Estado ou prefeito –, um sistema quefica novamente sujeito a cortes institucionais toda vez que se modificar achefia do Executivo, sobretudo um sistema em que a idéia de democracia ede participação da sociedade na gestão do Estado é totalmente mediada,reduzindo-se bastante a oportunidade de participação da sociedade emfóruns de discussão.

Basicamente, a atividade política com vistas à implementação de políticaspúblicas nesses setores volta a ser mediada por partidos políticos, pelo siste-ma político tradicional, pelos caminhos de acesso ao Poder Legislativo e àchefia do Executivo, o que vai, tenho a impressão, na contramão de expec-tativas internas. Sobre isso, outras pessoas podem falar melhor do que eu.

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Parece-me, no entanto, que seria um retrocesso. Há dois pontos que mere-cem uma reflexão nesse tema.

Primeiro, o grau de participação da sociedade na regulação dos diversossetores. As agências foram criadas também para permitir essa participaçãopor meio de consultas públicas, audiências, etc.. E de alguma maneira oque se tem percebido é que esses fóruns são, em geral, ocupados pelos pró-prios prestadores de serviço. Esses espaços são pouco ocupados por orga-nismos intermediários, associações de consumidores, pelo próprio MinistérioPúblico, enfim. Este é um ponto que mereceria, na minha opinião, umareflexão.

O outro ponto é trabalhar no sentido da responsabilização dos órgãos, na-quilo que os americanos chamam de accountability dos órgãos. Isso nunca édemais. Não é ruim fazer com que alguém que detenha um cargo públicoexplique a sua atuação constantemente e que os poderes se relacionem nes-sa fiscalização.

Eu tenho impressão de que hoje é difícil imaginar uma divisão de tarefasentre os vários órgãos do Estado que seja absolutamente estanque, que sejaabsolutamente clara, que seja absolutamente definida por regraspreestabelecidas. Parece-me um pouco da racionalidade que está por trásdas agências de regulação.

O que se faz necessário é que exista um trabalho conjunto entre os diversosórgãos que compõem o Estado e que esse trabalho conjunto implique fis-calização constante.

No modelo proposto, seria interessante que as decisões do ConselhoDiretivo das Agências de Regulação fossem – e o nosso sistema legal per-mite isso, por exemplo –, submetidas ao controle do Judiciário, que aqueleagente fosse chamado às Casas Legislativas e explicasse sua atuação cons-tantemente. Quer dizer, um sistema de mais responsabilização do agentedo que o que temos hoje, onde basicamente o agente que vai ocupar umcargo de direção é sabatinado no momento de ingresso no cargo e depoisnão presta mais contas regularmente às Casas Legislativas. Acho que isso

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seria interessante, um caminho de aprimoramento. E o problema da qua-rentena, parece-me que a quarentena precisa existir por um período, comogarantia de que os mandatos vão ser exercidos adequadamente. Parece-me que é um ponto que não deve gerar tanta dúvida quanto os demais.

DEP. ARNALDO JARDIM

Agradeço ao Dr. Marcos Veríssimo. Essa última questão me interessou muito,porque acho que pode ser um caminho interessante de controlar algumasatitudes do Judiciário.

Antes de mais nada, quero saudar e registrar a presença, importante paratodos nós, do Deputado Estadual Vitor Sapienza, que nos honra com suapresença.

Dando continuidade aos nossos trabalhos, passo a palavra ao Dr. Florianode Azevedo Marques Neto, desde já pedindo que nos ajudasse a refletirespecificamente sobre três pontos:

Primeiro deles: qual é o risco efetivo de se mexer no mandato dos dirigentesdas agências? Nós já fizemos intencionalmente esta consideração ao Dr.Marcos Veríssimo e queremos que o Dr. Floriano também se pronuncie,até por que ele tem uma visão um pouco diferenciada.

Ademais, qual seria a fundamentação para se alterar ou retirar os mandatosestabelecidos? Qual seria o modelo ideal na questão dos mandatos?

Segunda questão: no Brasil, deveríamos copiar os modelos internacionaisde agências de regulação ou deveríamos criar um modelo próprio? Se apli-cados os modelos comparados, quais seriam os mais adequados para o Bra-sil? Neste caso, já aplicamos alguns? De que países são, ou seja, de ondeveio o conceito de agências que vem sendo praticado aqui no nosso país?

Terceira questão: a questão da interferência e interação do Executivo naagência tem limites? Quais são? Qual é o papel do Poder Legislativo, ouseja, a relação das agências com o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário?

No caso específico do Judiciário: seria o caso de avançarmos para termos

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varas específicas para tratar a questão de consumidor/agência, por exem-plo? Pois trata-se de uma formatação nova no campo do Direito e ensejariauma especialização. Como é que os profissionais da área legal têm lidadocom essa questão?

Tem a palavra o Dr. Floriano de Azevedo Marques Neto.

DR. FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO

Boa-tarde. Gostaria de fazer uma pequena explanação antes de entrar nasperguntas.

O debate que estamos travando agora é muito mais profundo do que sim-plesmente discutir o perfil de um órgão administrativo. Por trás deste de-bate, estamos discutindo um pouco o perfil do Estado que queremos ter,dialogando uma visão que eu acho que as agências vão no sentido contrá-rio, que é uma tradição muito nossa, constituindo o legado de um certobonapartismo, de uma lógica adequada à concepção de tomada do Paláciode Inverno, ou seja, eleito o dirigente, ele se assenhora de todo o aparelhodo Estado e pode dispor dele como bem entender. Ou seja, ele não temnenhum compromisso com o que já está construído.

O modelo de agências – os detalhes vamos dar mais para a frente – vaium pouco no sentido contrário, um princípio mais republicano. Se for-mos pensar bem, é o mesmo princípio, por exemplo, de se ter uma Pro-curadoria Judicial no Estado, estável. Por quê? Porque aquele corpo temexpertise técnica e relevância, aqueles funcionários que exercem a funçãodo Estado tem lá uma estabilidade. Portanto, o dirigente pode conduzir– ele foi eleito para isso – o Estado para os objetivos políticos que legiti-maram a sua eleição, mas sem passar por cima de pressupostos que estãopredeterminados.

Então esse traço de estabilização que o modelo de agências permite, evocao quê? Evoca que algumas áreas de interferências do Estado na vida privadae, particularmente, na vida econômica, não serão suscetíveis a uma inter-venção diuturna, diária e de ruptura.

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É justamente o pressuposto de manter alguma estabilidade, não só nas re-gras do jogo, mas no modo de operação dessas regras. E nesta perspectivatemos de ter clareza que nem tudo que se nomeou como agência tem pro-priamente o perfil do que estamos falando: uma agência de regulação. Aidéia de regulação envolve fundamentalmente a atuação do Estado no sen-tido de equilibrar interesses, que são interesses que devem ser concertados:interesses de agentes econômicos, interesses da população, dos consumido-res e do próprio Estado, uma vez que em alguns setores de infra-estrutura oEstado é um ator a ser considerado, mas que tem de ser equilibrado a partirde algum grau de adequação da atividade regulatória com as pautas e pre-missas políticas que foram estabelecidas para aquele regulador.

O modelo de agências se presta justamente a impedir que o interesse polí-tico mais imediato e legítimo acabe interferindo num determinado setor epostergando problemas que depois vão surgir no futuro.

Eu sempre costumo dar dois exemplos que são bastante característicos.

Vamos pensar em regulação num setor de serviço público. Uma medidaque reduz em 50% as tarifas de um determinado serviço pode ser muitobem recebida num primeiro momento. A médio prazo, o que vai aconte-cer? Ou você cria um passivo para o Estado, ou seja, ressarcir aquele prestador,ou você esgota a capacidade de investimento, e vai faltar capacidade paraprestar o serviço daqui a pouco. Então, a regra para proteção nesse setor éreduzir tarifas. Muito bem. Assim, vamos engendrar uma maneira de redu-zir essa tarifa sem comprometer a existência do serviço.

Outro exemplo muito ilustrativo que costumo dar é o dos planos de saúde.

Todos nós aqui devemos contar com um plano de saúde e queremos pa-gar uma mensalidade menor, ter uma maior cobertura e não enfrentaraborrecimentos quanto à prestação de contas de reembolsos. Isto é muitobom. Mas se você abrir as regras para forçar os prestadores a baratear oscustos e aumentar as coberturas, aumentar os atendimentos, vai ter ainviabilização econômica de vários desses atores e o sistema vai quebrar.É muito clara, portanto, a necessidade de se dar alguma blindagem à

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atuação administrativa do Estado no setor regulador que não seja imuneà vontade política. Tem de ser aderente a essa vontade política, mas queela seja protegida da ação política mais imediata. Por quê isso? Acho queaqui o exemplo é conhecido por todos nós: o primeiro órgão regulador,não autônomo e independente, mas o primeiro órgão regulador da histó-ria do Brasil foi o Banco Central, e a história da década de 80, começo dadécada de 90, demonstra quantas injunções políticas do regulador BancoCentral inviabilizaram o sistema financeiro, os Econômicos da vida, ospróprios bancos estaduais. Há dificuldade de o regulador exercer aregulação por quê? Porque, sem independência, ele tem necessidade deprestar continência ao poder político que num médio prazo comprometea regulação.

É central que tenhamos clareza do porquê dessas agências serem criadas epor que, de certa forma, é importante para a sociedade que elas tenhamalguma proteção adicional em relação à vontade política. O que não querdizer, insisto, que elas articulem e regulem setores importantes completa-mente imunes à vontade política, pois aí teríamos dois problemas: pri-meiro, a isenção política não existe, ou seja, você está imune ao podercentral, você vai impor a sua pauta política de regulador, que é um pro-blema, posto que esse regulador não tem legitimação democrática paraestabelecer a pauta política.

O segundo problema é que se ele for isento, se ele estiver desarticulado coma vontade política, a regulação vai acabar se apropriando da capacidade dogovernante de impor, em setores importantes, o norte, o rumo que ele pre-tende dar. E aí é importante termos clareza da distinção que existe entrepolíticas públicas e a função política do governante eleito, que são funda-mentalmente estratégicas e de longo prazo, sendo que a atividade regulatóriatem que ser engendrada com vistas a implementar as políticas públicas,implementar os objetivos estratégicos que um dado governo, num dadomomento, estabelece para isso.

Essa definição é conceitualmente complicada, mas na prática não o é. Porquê? Porque, fundamentalmente, a definição de políticas públicas deve ser

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cada vez mais uma tarefa conjunta do Executivo e do Legislativo, e assimtem sido.

Se pegarmos o setor de telecomunicações, um setor em que isso foi en-gendrado, a lei que reorganizou o sistema e criou o órgão regulador fez oquê? Estabeleceu os objetivos do setor de telecomunicações e definiu oque é de competência do chefe do Executivo, portanto questões de polí-ticas públicas, e o que é competência do órgão regulador, e por mais quevocê tenha poucos temas de competência do Executivo, a profundidadeque se tem para fazer políticas públicas no setor de telecomunicações émuito grande.

Se quisermos um tema que foi discutido recentemente, vamos à questão daredução de tarifas no setor de telecomunicações. O Poder Executivo podepropor um plano de universalização da fruição do serviço de telecomunica-ções que envolva o quê? Redução tarifária. Para isso ele só precisa dizer afonte que vai custear essa redução tarifária. Isso é uma política pública.

Para termos uma tarifa social de energia, teremos que articular os fatoreseconômicos regulatórios de modo a permitir que se tenha uma reduçãoda tarifa de energia que seja sustentável, que seja regulatoriamente bemconcebida.

Feito esse preâmbulo, que me faz ser absolutamente defensor desse modelo,acho que temos que conviver com uma realidade muito própria do Brasil.Temos dois modelos em vigor: o europeu e o americano. Em cada um temosque buscar alguma coisa. Por quê?

O modelo europeu teve todo um processo de organização dos serviços es-senciais, dos serviços públicos e das atividades relevantes, muito mais pró-ximo de nós. O modelo de concessão, por exemplo, existe na Europa enunca existiu nos Estados Unidos, até porque construíram a pátria delescontra uma concessão do chá. A revolta das 13 colônias foi contra a conces-são que a Coroa dava aos comerciantes de chá. Então eles negaram isso.

De certa forma, o nosso modelo regulatório é tradicionalmente mais próxi-mo do europeu do que do americano. Só que temos um sistema

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presidencialista mais próximo do americano do que do europeu, o que pre-diz uma relação entre os poderes diferente do que a maior parte dos mode-los europeus, que têm um modelo parlamentarista em que essa relação émais interpenetrada.

Então, temos que adotar um modelo adequado à realidade política,institucional e jurídica do Brasil, mas que pode se aproveitar de uma sériede disposições que envolvem peculiaridades de um e de outro caso.

Nesse sentido, particularmente, acho que o nome Agências, que é um nomeamericano, é menos útil para nós do que aquele dado – a partir do livroverde do setor de infra-estrutura da Comunidade Européia – para as agên-cias dos europeus, que é um conceito que varia de país para país, mas podeser resumido como autoridades administrativas independentes. Por quê?Porque aí estão refletidas as duas características que esses órgãos têm. Pri-meiro, são autoridades que reúnem funções típicas dos três poderes semesvaziar os poderes; segundo, que elas são independentes. E são indepen-dentes sob qual ponto de vista? Orgânico, ou seja, têm alguma proteçãocom relação à injunção política cotidiana e administrativa: têm algumafonte de receita, têm alguma mobilidade para organizar internamente osseus serviços.

Na primeira perspectiva, que é essa característica de autoridade, é impos-sível fazer regulação, não só de serviços públicos essenciais, como é o se-tor de Saúde, como também regulação em torno de um bem estratégico,de um bem escasso, como é o caso do petróleo e da água, sem que tenha-mos instrumentos de interferência normativa, para poder regulamentar aatividade. Necessitamos também de instrumentos de arbitragem que equili-brem conflitos entre prestadores, entre prestadores e usuários e entre gran-des usuários e fornecedores.

Em decorrência, temos que ter uma função que não impede mas que épróxima do Judiciário para compor interesses, equilibrar, arbitrar interessese temos que ter funções de implementação, de fiscalização, de poder depolícia, que são típicas do Executivo. Isso é uma característica central paraas Agências. Por quê? Porque essas três nuances são articuladas a partir de

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uma mesma racionalidade regulatória. É uma mesma lógica que perpassa omanejo de instrumentos normativos, de composição de interesses e de açãoefetiva de poder coercitivo, poder de polícia. Isso é muito importante.

Segundo, é importante que tenhamos essas independências de modo a quese tenha uma efetiva possibilidade do regulador exercer a sua função regu-ladora e prestar contas, mas tendo o serviço todo feito por ele mesmo, enão tendo que prestar contas com a vontade política ingerindo-se no dia adia. Podemos aqui falar, minha leitura pessoal sobre o problema do colapsono setor elétrico não foi tanto de regulação; foi um problema de falta depolítica pública no sentido macro e de ingerência menor, miúda na capaci-dade regulatória da Aneel, com todas as críticas que a esta se possa fazer. Émuito importante que tenhamos essa independência.

Aí, ela vai se dar, do ponto de vista orgânico, com algumas característicasque são muito importantes. Três são essenciais: primeira, a estabilidade dosdirigentes, ou seja, o dirigente investido por um período de tempo duranteo qual sabe que vai exercer aquelas atividades, diretamente associado aoprimeiro: com uma inamovibilidade, uma não demissibilidade dele pormera vontade política, o que não impede que possa haver situações em queele pode ser exonerado por ato de improbidade, por estar sendo omisso ouaté por não estar cumprindo as pautas definidas pelo Executivo e peloLegislativo no âmbito de políticas públicas. O terceiro elemento, não setem nenhuma vinculação hierárquica, porque se temos um controle hierár-quico do Executivo sobre a atividade da Agência, o que acontece? Fazemostoda a atuação da Agência, e aí, com um simples recurso ou uma simplesavocação pelo chefe do Executivo, aquilo tudo é desfeito, muitas vezes semum fundamento, sem a capacidade técnica do regulador.

E de outro lado, na independência administrativa temos que ter fonte pró-pria de receita, autonomia orçamentária e o poder de organizar e dirigir osseus serviços com empregos ou cargos públicos aderentes à finalidaderegulatória com capacidade de contratar serviços, com capacidade inclusi-ve do regulador obter no mercado as informações que o regulado tem e quedeve ter, contratando ou comprando ou desenvolvendo essas informações.

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Esse cenário permite o quê? Permite que se tenha instrumentos para o re-gulador que não impedem que tenha ele seu tempo cobrado pela suas ativi-dades. E essa cobrança deva ser feita em função daqueles objetivos de políticaspúblicas que foram definidas para o setor. E ao fim de algum prazo, seismeses, um ano, dois anos, quatro anos, o regulador dirá como foram obti-dos os resultados que tinham sido estabelecidos para a atividade regulatória.

Perfilo outra opinião, que é a seguinte: se quisermos quebrar aquela lógicabonapartista de que o governante desfaz e faz toda a organização do setor, émuito importante que esses órgãos reguladores funcionem, decidam e deli-berem de forma colegiada, ou seja, que não se substitua a figura dogovernante eleito pelo regulador monocrático. O funcionamento permitemais controle e pluralidade nas decisões, ou seja, é essencial que o órgãoregulador funcione como colegiado que exerça, decida e se responsabilizepelas decisões regulatórias, principalmente em função de ter competênciasnormativas, competências do exercício de poder de polícia.

Feito isso, o órgão regulador ou os agentes reguladores devem prestar con-tas periodicamente. Não vejo nenhum problema, muito pelo contrário,nas chamadas falhas do modelo regulatório brasileiro, que não tenhamosinstrumentos mais aperfeiçoados para regulador prestar contas à luz dastarefas que ele tem, das metas que ele tem, tanto para o Executivo quantoprincipalmente para o Legislativo. Só para dar um exemplo, um órgão queexerce regulação da ordem monetária e financeira nos Estados Unidos, oFederal Reserve, ninguém discute o poder que Alan Greespan tem de mane-jar os instrumentos de política econômica nos Estados Unidos.

Mas ele semestralmente vai ao Congresso prestar contas. E sofre censuras senão estiver cumprindo as recomendações que na sessão anterior foram fei-tas pelo Congresso para a atividade. Ele não é obrigado a cumpri-la, mas, senão agir daquela forma, na próxima oportunidade é cobrado, e aí tem quejustificar a omissão, pois, não sendo aceita a justificativa, pode até ser des-tituído, sofrer impeachment nesse processo.

E claro, vemos aí que o Federal Reserve passou por um governo republica-no, depois por um governo democrata, dois períodos e agora um novo

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governo republicano. Mudam os objetivos em termos de superávit, de po-lítica econômica, mas há uma linearidade, competência técnica para geriresses mecanismos.

Isto posto, entendo que parte das perguntas estão respondidas, mas vouentrar agora no detalhe delas.

A primeira é qual o risco efetivo de se mexer no mandato dos dirigentes dasAgências. Acho que, se mexermos nos mandatos sem alterar a lei, estamostendo uma ruptura institucional. E o pior remédio que há é o remédiomambembe de ficarmos esvaziando o regulador até ele renunciar. E o maisgrave é que esvaziamos a capacidade regulatória com um grande preço paraa sociedade.

E se mexermos na legislação para alterar os mandatos, o que vamos ter é oseguinte: acaba a independência. Tenho até dúvidas se começarmos a mane-jar, como alguns projetos nesse sentido, apresentados no Congresso, e retirara prerrogativa, a articulação, a autonomia e a independência do regulador,acho melhor encerrarmos com as Agências, porque vamos ter uma estruturaservindo com uma finalidade outra que não a da sua constituição.

Aí não vejo propriamente fundamento para se retirar os mandatos. A únicadiscussão que já vi na doutrina, o Professor Celso Antônio Bandeira deMello fala isso, é que a descoincidência entre os mandatos dos reguladorese dos governantes cria uma frustração, uma traição, uma fraude à vontadepopular, o que é absolutamente equivocado. Por quê? Porque, se fôssemoslevar esse raciocínio ao limite, todos os funcionários estáveis deveriam terseus cargos postos à disposição para que o governante dispusesse sobre todamáquina pública de maneira plena. Não. A lógica de termos mandatos éjustamente a lógica de permitir uma permanência da política e da lógicaregulatória anterior, mesmo com a mudança da orientação política.

Outro ponto que foi levantado, e que tenho um entendimento um poucodiferente dos demais, se refere a possibilidade de mudança do presidente deuma agência pelo chefe do executivo. Tratar-se-ia apenas de permitir quedentre os membros do colegiado, estes com mandatos estáveis, inamovíveis

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o Executivo possa escolher qual exercerá a presidência, porém, não se podedar a essa presidência um poder desproporcional em relação ao colegiado.Em funções administrativas, aí acho que tem alguma razão.

Com relação aos modelos, o que imagino já ter respondido é que temosque construir um modelo brasileiro combinando as peculiaridades do regi-me americano, que é presidencialista, com as peculiaridades do regime eu-ropeu, que nos é mais próximo do ponto de vista da regulação. Mas é umpouco diferente do ponto de vista do aparelho institucional.

E, por fim, com relação à interferência e integração do Executivo, creio terrespondido também. Ela deve ser plena na fixação das metas dos objetivose políticas públicas. E deve ser menor na gestão da política regulatória espe-cífica. Acho que tem que haver necessariamente uma recomposição dosmecanismos de controle da atividade das Agências envolvendo fundamen-talmente o Congresso.

Mencionou-se nos debates a incapacidade do Judiciário de atender a essapeculiaridade, o que é verdade. O Judiciário tem uma grande dificuldade,inclusive pela peculiaridade técnica, mas também pela lógica regulatóriaque não faz parte do seu dia a dia, mas acho que o próprio Legislativo temdeixado de assumir uma questão que lhe é precípua. A função fiscalizadorado Legislativo não deve se dar apenas aprovando o relatório das contasemitidas pelo Tribunal de Contas, nem quando se instaura uma CPI. Eletem que exercer uma função fiscalizadora, de acompanhamento, perma-nente, o que não reduz, não amesquinha em nada o papel do regulador, oque está sendo feito em relação a esses problemas, o que está sendo provi-denciado para atingir objetivos de políticas públicas.

DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado, Dr. Floriano.

Vamos ouvir agora, com muita satisfação, o Dr. Fernando de Almeida Pra-do. Particularmente, meu caro Fernando, eu queria provocá-lo, no bomsentido da palavra.

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Conhecemos a figura da captura. É uma norma que se instituiu no setorcom o risco das Agências serem capturadas. Capturadas pelo Governo, atra-vés de uma relação de subordinação política, se transformando numa ex-tensão do Poder Executivo. Essa questão da hierarquização fica totalmenteestabelecida em todos os planos de atuação do ente, principalmente noestabelecimento de limites na sua capacidade de operar.

Existe ainda um aspecto de captura importante, que é a captura do pontode vista tecnológico. Eu gostaria que você, Fernando, falasse sobre isso, jáque acredito ser condição fundamental para as Agências cumprirem a suafunção, e conseqüentemente exercerem uma autonomia de maneira plena.

Objetivamente, gostaria de fazer algumas questões com o intuito de obteros seus comentários. Primeira questão: quais os pontos necessários paraque se melhore a atuação? Nesta pergunta, estamos querendo ouvi-lo espe-cificamente sobre a ANP, Aneel e Anatel.

As outras duas questões são de caráter mais geral: caso você ache que algunssetores necessitam da regulação sob forma de Agências, quais são as áreasque dependem de regulação?

Queríamos também que você abordasse, e você vivenciou isso de perto, aquestão das contradições entre a ANP e a Aneel.

E, por último, gostaria que você explanasse rapidamente, já que o Dr.Floriano abordou o assunto, da necessidade de se formular políticas setoriaispara o funcionamento das Agências. Lembro-me muito bem que o Dr.Fernando de Almeida Prado me ajudou particularmente no momento dacrise energética, a chamada crise do Apagão. Conversamos muito nessaépoca, e constatamos que a Agência, além de atestar o que faz, tem que teruma ação preventiva, isso quer dizer que após determinado instante, aAgência, não só regula, mas também cumpre determinações.

Então, como é que você delimita isso? Precisamente aqui na Assembléia,uma das coisas que fizemos juntos foi um projeto que nós formulamos eacabou por ser aprovado, que é o Conselho Estadual de Política Energética.

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Sendo que, até a minha proposta original, eu propunha que esse Conselhodeveria formular a política geral para o setor, estabelecer a matriz energéticapara o Estado de São Paulo.

No final, acabamos aceitando uma formulação de excluir a CSPE do Conse-lho Estadual de Política Energética; enfim, gostaria de suas considerações.

DR. FERNANDO DE ALMEIDA PRADO

Boa tarde a todos. Deputado, acho que estamos com um problema. Odebate vai ser complicado, porque está todo mundo concordando. Eu con-cordo com quase tudo que o Dr. Marcos e o Dr. Floriano falaram, a respei-to da autonomia e dos mandatos.

Tentando falar genericamente das questões colocadas aqui e também, aomesmo tempo, responder às três perguntas pontuais, eu vou me declarar jáum pouco incompetente para falar de ANT /Anatel, porque eu tenho pou-ca vivência sobre isso. Vou concentrar os meus exemplos e a minha falasobre a Aneel.

Falando da questão da captura, que é a sua provocação inicial, eu me lem-bro muito bem, quando o Dr. Floriano era consultor da CSPE, e nós discu-timos as questões dos termos de ajustamento de conduta que a CSPE aplicapara trocar condições que tragam benefícios efetivos ao consumidor, o Dr.Floriano, formatador e consolidador dessa política – porque a CSPE foipioneira no Brasil –, eu me lembro de conversas nossas onde ele usou clara-mente um exemplo muito interessante, o da captura.

Acho que nós temos três capturas. A primeira, a pior e mais degradante, é acorrupção. A segunda é a tecnológica.

Essa captura tecnológica não fica só restrita a não ter computador, a não tero consultor adequado, a não poder contratar os quadros mais capacitados,mas passa também pela incapacidade de ter um plano de carreira, de tersalários para aqueles técnicos em funções como telecomunicações, petró-leo, energia elétrica, em que existe um mercado, não devemos esquecer,desses profissionais.

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Se observarmos o quadro de salário, por exemplo, da CSPE, e o seu planode carreira, perceberemos que é absolutamente despregado da realidade domercado. É necessária uma reformulação nestes patamares, para se ter pes-soas competentes e isentas, que possam resistir a qualquer pressão, que secaracteriza por uma captura indevida.

Em terceiro, eu me lembro da imagem, da captura pelo olhar do ‘feeling’,que é o seguinte: o funcionário está lá, fazendo o seu trabalho público, estáimbuído, está motivado, e talvez até ganhe um salário razoável, mas aí vemuma agência reguladora e oferece um salário cinco, seis ou até dez vezesmaior, com prêmios, com stock options, etc., o funcionário possivelmentevai mudar de lado.

Esse tipo de captura é decorrente dessa captura tecnológica, ou dessa inca-pacidade de o Estado prover com os ferramentais orçamentários adequadosas agências. Nós vivemos vários problemas, e o Dr. Zevi Kann sabe bemdisso, talvez ele possa até falar em detalhes, como o fato de se comprar umveículo para se fiscalizar linhas de transmissão. Durante alguns anos, a CSPEnão tinha nenhum carro, um Gol, um Fusca, qualquer um. Você vai fisca-lizar uma linha de transmissão de ônibus, a pé?

Existe nessa questão do equilíbrio entre as políticas setoriais em funciona-mento das agências, uma questão que eu acho que é básica, que é a questãodo aprendizado. A gente sempre brincava, na CSPE, que a primeira Agên-cia de Regulação depende da fonte bibliográfica que você usa, mas há umareferência de 1844, de uma Agência de Regulação de Transporte, e o maisengraçado é que os reguladores foram enforcados, porque foram captura-dos. Eu tinha, então, na minha sala, um quadro com a sentença de mortede um regulador enforcado.

Mas é muito recente esse negócio. Não temos aprendizado. Acho que falta,e daí o Judiciário precisa aprender mais sobre regulação, o Legislativo pre-cisa aprender mais sobre regulação, o regulado precisa aprender mais sobreregulação, o consumidor precisa aprender sobre regulação, e principalmen-te a Agência precisa aprender sobre regulação.

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E voltando, tentando dar um link a essa questão da captura tecnológica,que talvez seja a mais grave, se nós pegarmos o papel fundamental dadescentralização das agências, que está prevista na lei, os nossos colegas daAneel confundem o processo de descentralização como se a CSPE e as ou-tras agências fossem meros prestadores de serviços, ou meros terceiros.

Tenho uma visão muito crítica do papel da Aneel, e essas coisas funcionamatravés da superintendência. Existem superintendências que entendem cla-ramente o papel da Agência descentralizada, dão força e usam a competên-cia, a inteligência das agências e a força de trabalho das agências para fazero melhor trabalho. Existem outras superintendências que funcionam comoum prestador de serviço, e ainda outras superintendências que boicotamdesbragadamente a atuação das agências, porque encaram a atuação daque-la agência descentralizada como um concorrente que pode fazer coisas me-lhores ou com mais competência que a agência central.

Então, esses três quadros existem. E daí, nessa minha crítica sobre o apren-dizado das agências, vem a primeira sugestão objetiva. Se eu tivesse o poderabsoluto de mexer na Aneel, eu faria o seguinte: os superintendentes, e daíeu vou ser um pouco autocrata, precisariam ser subordinados efetivamenteaos diretores. O processo de funcionamento da Aneel é um processo comwork-flow, e acaba funcionando como um corpo que não tem muitos ossos,e são meio fluidos.

Então, superintendências que são afins, que são superpostas, acabam to-mando posições absolutamente contraditórias, a tal ponto que eu já vi umapessoa em uma concessionária de energia elétrica dizer o seguinte: quandoeu tenho um problema muito grave, eu faço a pergunta para a superinten-dência errada, porque provavelmente ele vai me dar uma resposta, aquilovira uma coisa oficial e eu uso a tática da neblina para resolver. Isso eu ouvi,depois que eu saí da posição de consultor.

Então, essa falta de uma chefia efetiva, superintendência A, B, C e D, sãosubordinadas ao Diretor Um; superintendências F, G, e H ao Diretor Dois,e assim por diante; quer dizer, ter uma coisa mais ao controle, a tal ponto

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que os diretores não tenham que, por exemplo, passar vergonha. O Depu-tado estava lá na Assembléia, na Audiência Pública da Revisão Tarifária daCPFL, os diretores descobriram coisas na Audiência Pública que os seussubordinados fizeram, sofrendo as maiores pressões dos sindicatos, porque,com certeza, parte das coisas que foram lá faladas, de erros grosseiros que aAneel cometeu naquele processo, tenho a impressão de que os diretores queestavam presentes não conheciam em detalhes.

Pensando, então, como formatar essa questão de políticas setoriais e o fun-cionamento das agências, eu insisto no ponto do aprendizado das funçõesdas partes. Acho que isso vai levar algum tempo, mas o Legislativo e oJudiciário poderiam ter um papel fundamental, que me parece ainda pou-co incentivado.

Eu vejo, nas agências, atuações com quatro estratégias. A primeira, que cha-mo ordenação pela responsabilidade, ou seja, fazer com que os agentes dasempresas reguladas atuem com responsabilidade naquelas coisas sobre as quaisnão existem dúvidas. Por exemplo, meio ambiente: nos dias atuais, não dápara alguém pensar que uma empresa de energia não saiba de suas responsa-bilidades ambientais, tanto na geração, como na produção e na distribuiçãode energia.Temos também, a “ordenação pelo convencimento”.

DEP. ARNALDO JARDIM

Dr. Fernando, sobre o tema “ordenação pela responsabilidade”: fale mais arespeito.

DR. FERNANDO DE ALMEIDA PRADO

Seria a agência trabalhar as responsabilidades que são intrínsecas a umaempresa que está inserida numa sociedade moderna. Por exemplo, vocêpega uma CESP – tem responsabilidades ambientais, tem responsabilida-des de segurança do trabalho. Quer dizer, não precisa existir uma regulaçãodisso, não precisa a Agência estar batendo isso. Isso está cristalizado nasociedade, nas outras leis, etc..

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Temos uma ‘ordenação pelo convencimento’. Vou usar um exemplo quepode ser mais didático do que eu ficar tentando explicar isso teoricamente.

Quando saiu a lei do primeiro governo Covas, que tornava obrigatório asempresas públicas terem a ouvidoria, existia uma dúvida, se as empresasprivadas de serviço público estariam sujeitas a essa lei, ou não. E daí, naépoca, o Secretário de Justiça e Cidadania, não sei se exatamente esse onome da Secretaria, consultou-nos e nós promovemos uma reunião comtodas as concessionárias de energia elétrica e de gás.

Essa discussão continuou, e a saída foi que não íamos discutir da necessida-de ou não da Ouvidoria, mas nós vamos dar publicidade às empresas queousarem não tê-la. Resultado: 100% delas criaram a Ouvidoria, porquepegaria muito mal não ter Ouvidoria, mesmo que fosse uma empresa pri-vada, mas de serviço público. Então, foi uma ameaça com intenção de con-vencimento, pois daríamos publicidade a um ato eventualmente que estáali na fronteira entre o que é obrigatório e o que não é.

Temos a “ordenação mandatária”, que é aquela de natureza resolutiva, pu-nitiva, o que lá fora chamam de benchmark, ou seja, a obediência dos ter-mos de qualidade, de performance, de número de ligações, etc..

E temos a ordenação que pode ser induzida pelo mercado. Neste aspectoacho que a Aneel está indo muito mal. A última Audiência Pública sobreregulamentação de mercadoria faz dois anos, e a Aneel não deu fim. Pareceuma assembléia de estudantes no tempo de Universidade, que fica perma-nentemente em discussão. Estamos numa audiência pública eterna, discu-tindo mercado livre, isso já dura dois anos, e a Aneel não define essas regrasclaramente num momento em que sobra energia, pois quando está sobran-do um montante de energia, as geradoras ficam literalmente com o pires namão. E nós poderíamos estar promovendo um processo de competição comreduções expressivas de preço, com reduções inclusive de contribuição aocombate da inflação; mas, infelizmente, o regulamento é frágil, com mui-tas barreiras que impedem a efetivação disso. Finalmente, essa ordenaçãode mercado.

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Temos um problema na política setorial de funcionamento das agências,porque o governo, sempre falando na área de energia, é proprietário de70%, a grosso modo, das empresas de geração. Então fica interesse cruza-do, pois é regulador, mas é dono de empresa, e alguns regulamentos podemmexer na rentabilidade das empresas, como no caso de Furnas e Eletrobrás.Temos problemas em relação aos interesses do Estado e às propriedades deempresa. O ministério deveria fazer as políticas e as agências deveriam re-gulamentar ou regular essas políticas.

Para dar outra sugestão em relação à Aneel, penso que ela não cumpre ne-nhum prazo. A Aneel descumpre olimpicamente todos os prazos que ela mesmase designa nas resoluções. Por exemplo, os contratos de separação, transmis-são e geração. Em 28 de fevereiro ela deveria publicar o formato do contratoaprovado; estamos em 3 de abril e não temos nenhuma notícia.

DEP. ARNALDO JARDIM

Explique-nos por favor: como é esse contrato?

DR. FERNANDO DE ALMEIDA PRADO

É o contrato de separação dos custos de energia, de transmissão, de distri-buição e conexão. A própria Aneel se designou um prazo, mas não cumpre.Ela faz audiências públicas de brincadeira. As audiências públicas não me-recem resposta.

As pessoas mandam contribuições eletrônicas, vão às audiências públicas,falam, mas não têm resposta. Acho que toda audiência pública deveria teruma resposta, nem que seja do tipo: “Ouvi a sua opinião, acho uma bestei-ra e não vou implementar,” ou, “Ouvi sua opinião, ela desrespeita a leinúmero tal e, por isso, não pode ser implementada.”

Mas simplesmente as audiências públicas acontecem, são gravadas, edita-das, mas não acontece uma resposta efetiva.

Para encerrar, porque já falei muito, nessa questão da responsabilidade dos

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diretores eu proporia uma coisa que talvez cause arrepio. Neste momentode crise das agências, acho que seria de muito bom tom se a Aneel, porexemplo, fizesse as reuniões de diretoria de forma pública. Não com inter-ferência do público, mas se caso os diretores fizessem a reunião em umasala como esta, e as pessoas pudessem ouvir de que forma estão sendo to-madas as decisões, pelo menos neste momento de crise quando se está jul-gando. Isso daria transparência absoluta ao processo.

DEP. ARNALDO JARDIM

O Dr. Fernando fez referência a essa questão dos prazos e à dinâmica daAneel. Realmente, nós nos encontramos na audiência pública feita em Cam-pinas e tivemos a afirmação de que a Aneel colocaria no seu site as contri-buições feitas ali, assim como os seus esclarecimentos, porque vários foramsolicitados, e que tudo isso precederia a sua decisão final no caso da revisãotarifária da CPFL.

Fechará essa primeira rodada o nosso amigo Zevi Kann. Dr. Zevi, o Dr. Mar-cos Veríssimo disse o seguinte: “Foram entregues os instrumentos necessáriosàs autonomias das agências.” Eu acrescento uma interrogação: foram mesmoentregues os instrumentos necessários às autonomias das agências?

Eu queria que o senhor nos ajudasse falando sobre isso, com sua experi-ência não só em virtude de suas atividades na CSPE, mas como Presiden-te da Associação Brasileira de Agências de Regulação. Que tambémcomplementasse, por favor, com comentários, as seguintes questões: comoas Agências de Regulação devem interferir na questão de revisão de tarifasdos serviços prestados? A questão do interesse do consumidor: até que pon-to deve ser considerado incorporado? Qual é a melhor forma de controlesocial das agências?

O Dr. Marcos Veríssimo começou também dizendo que algumas coisas sãopara valer, outras não são. Os próprios conselhos de consumidores, na rea-lidade, não têm funcionado com a eficácia que deveriam ter. Essa forma decontrole deveria ser uniforme para todas as agências?

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Por favor, teça também algumas considerações sobre Agências estaduais deRegulação, mais especificamente aqui no Estado de São Paulo.

Tem a palavra o Dr. Zevi Kann.

DR. ZEVI KANN

Eu gostaria de agradecer ao Deputado Arnaldo Jardim, em primeiro lugar.Quero cumprimentar a todos os presentes. Este debate traz um pouco deluz e credibilidade, já que parece que estamos passando por uma fase decerto obscurantismo. Infelizmente, seria essa palavra. Um debate se faz emtorno de idéias e teses reais, e não de declarações para a imprensa, de críti-cas sem fundamento ou sem uma argumentação que proponha um novomodelo.

Sem agências, o quê então? Isso foi bem colocado aqui. Um debate objeti-vo se faz em torno de propostas. Há até dificuldade em se encontrarinterlocutores que venham a esta mesa propor alternativas com relação àsagências, que defendam a tese de que seria muito melhor sem as agênciasdentro do modelo proposto. Eu não sei pessoalmente qual é. Talvez seja oque foi aqui colocado, ou seja, a volta à centralização política das questões.Precisaria ser muito bem defendido. Acho que a sociedade já passou dessafase e sabe as conseqüências.

Sobre a autonomia, penso que é um exercício dentro de uma sociedadedemocrática que não tem tradição. O poder político é um poder imperial.O governo, em geral, quando assume após o período eleitoral, quer teracesso a todos os cargos, a todas as funções e conseguir o mais rapidamentepossível implementar as suas ações.

As agências foram criadas por lei. Não compete a elas fazer política, nãocabe a elas estabelecer diretrizes políticas. O Luiz Schymura, Diretor Geralda Anatel, foi correto ao afirmar que as agências são fiéis operários. Elesestão imbuídos de uma função bastante clara, estabelecida pela socieda-de, pelos poderes constituídos, tanto quanto o governante que lhe atri-buiu as falhas.

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De forma que ele está para cumprir, de fato, políticas estabelecidas, masdentro de todos os princípios gerais da regulação em acordo com a próprialei que as criou. Assim, elas acabam tendo de conciliar as duas questões,mas as agências buscam ainda estabelecer permanentemente a competição.Faz parte do ideário das agências.

As agências realizam a fiscalizações para que todos aqueles contratos, re-gras, normas, assim como os estabelecidos pela própria agência, sejam fiel-mente cumpridos pelas concessionárias.

Penso que, talvez invertendo um pouco as questões, para melhor esclareci-mento, entendo que falta aquele outro lado, ou seja, falta quem saiba o queas agências estão fazendo. Talvez aí periga essa confusão, porque penso queé obrigação dos poderes constituídos acompanhar os trabalhos das agênci-as. Não precisaria nem selecionar quem tem direito a chamar a agênciapara que ela preste esclarecimentos: Poder Judiciário, Poder Legislativo,Assembléia Estadual, Câmara Federal. Creio que nada melhor para os diri-gentes das agências do que tornar claro, por exemplo

“Em termos de tarifa, estou aplicando a seguinte metodologia e conse-guindo os seguintes resultados. Em termos de fiscalização: neste ano fizoitocentas fiscalizações, fiz tantos relatórios, os resultados foram estes;apliquei termos de ajustamento de conduta, fiz tantas penalidades. Ossenhores acham que isso é suficiente para eu cumprir a missão a mimdelegada, por lei, ou acham que é insuficiente? Ou não estou obtendoresultado? Quem sabe tenham novas sugestões para eu cumprir as mi-nhas tarefas.”

Penso que todo dirigente de empresa pública, de agência, tem essa obriga-ção. Nesse ponto, até a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo nosdeu a oportunidade, ao longo dos anos, de muitas vezes ter vindo à Comis-são de Serviço e Obras Públicas esclarecer e participar de debates. Talvezainda não o suficiente, mas pelo menos é uma Assembléia atenta à questãodas agências. Há aqui grandes estudiosos e acho que nem preciso dizermuito a respeito

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A questão da autonomia acaba sendo o resultado desse conjunto que não éainda tradição na política brasileira, mas que deve ser perseguido. O poucoentendimento da sociedade sobre agências contribui para que seja fácil, porintermédio de um simples contingenciamento, acabar com a autonomiadas agências. Eu comparo, isso é muito claro, a situação de um Secretáriode Tesouro, de um Ministro da Fazenda, com aqueles pilotos americanosque soltam as bombas lá no Iraque. Ele está num videogame onde só vê aparte bonita. “Cortei. Obtive tal resultado.” Cumpriu a missão. Mas seesquece que essas bombas se estilhaçam lá embaixo, atingindo um semnúmero de funcionários das empresas, que são demitidos; atingindo a po-pulação em geral, o consumidor, que perde seu instrumento de regulação.E ele acredita que o resultado é maravilhoso.

Então, acho que tem que haver uma sensibilidade maior para os cortesorçamentários, que estão afetando severamente um custo que a sociedadejá pagou por meio da taxa de fiscalização do serviço de eletricidade, nocaso, recolhido para a Aneel, e outras taxas para outras agências e que nãose transformam no produto a eles destinado, que é a fiscalização. Eu diriaque talvez as próprias concessionárias deveriam pedir, realmente, para re-duzir essas taxas de fiscalização, desonerar o consumidor. Porque, se a fisca-lização não é realizada, não é merecida essa taxa. É preciso ser claro e coerentea respeito desse assunto.

A questão da revisão tarifária remete aos contratos. As agências foram im-buídas de zelar pelos contratos de concessão assinados com as concessioná-rias de serviço público. Elas têm as regras dos reajustes tarifários, baseadosrigorosamente na lei, e têm as questões atinentes à revisão tarifária trazen-do uma certa metodologia.

As agências estão fazendo cumprir o contrato. Acho que cabe a todos osPoderes, Tribunal de Contas, observar todos os itens daqueles contratosde concessão e solicitar às Agências se os contratos vem sendo cumpri-dos, enfim verificar se a Agência está fazendo todo esse trabalho, que éobrigação dela.

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E um desses trabalhos é a questão da revisão tarifária. De fato, cabe àsAgências, no modelo atual, realizar a revisão tarifária. Eu diria que isto éadequado. Poderia ter outro modelo, que esta competência é adequada.Por quê? Porque é a Agência que está com toda a base de informações arespeito das concessões. É ela que, no dia-a-dia, lida com informaçõesatualizadíssimas sobre as concessões, faz fiscalizações em todas as questõeschave, inclusive na parte contábil das empresas, que é a base de custos quevai referenciar se a tarifa está adequada, se o contrato está em equilíbrioeconômico-financeiro ou não.

Ela faz a regulação econômica; detém todo o conhecimento dos impactosda regulação; autoriza baixa, por exemplo, se quando a concessionária quervender, quer alienar um ativo, ou se esse ativo deve ser remunerado, ounão; se aqueles custos informados são prudentes, ou não.

Portanto, acho que a Agência é que está mais próxima de uma capacitação,em nome da sociedade, para fazer essa checagem. Porque a equação doequilíbrio econômico-financeiro, solicitada por qualquer das partes, podeaté ser feita fora do prazo legal dos quatro, cinco, ou seis anos. Pode sersolicitada contratualmente, a qualquer tempo, uma revisão extraordinária,para se verificar a adequação do equilíbrio econômico-financeiro daquelecontrato, sendo uma obrigação dar seguimento a esse processo. Pode sernegado, mas é obrigação dar um seguimento, uma análise da conveniênciade se fazer esse processo de avaliação econômico-financeira.

O que pode ser discutido é que os contratos de concessão, tanto do setorelétrico quanto do setor de telecomunicações, talvez até por alguns teremsido rapidamente realizados ou até em períodos muito próximos àprivatização, não tenham os elementos suficientes de uma metodologia sobrecomo se proceder uma revisão tarifária.

Acredito que este é um ponto de atenção, tanto as concessionárias quanto aAneel. Porque ele é muito vago. Ele fala, em dois parágrafos, em um tal de“fator X”, na redução, em repartir os ganhos de eficiência das empresasobtidos para o próximo ciclo. São termos vagos. Teoricamente, deveria existir

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um ideário completo. Esse ideário completo da revisão tarifária poderia serum documento, até à parte do contrato de concessão. Talvez pudesse haveruma maior contribuição da sociedade para futuras ações, reservando o bá-sico, que é o equilíbrio econômico-financeiro, mas tendo uma metodologiatalvez mais coerente, mais detalhada e que pudesse realmente refletir o queé um equilíbrio econômico-financeiro.

Vemos que a Aneel se esforçou e tentou traduzir esse “fator X” numa série decircunstâncias. Algumas inovações. Trouxe, por exemplo, um fator adicionalao “fator X”, complementar, que seria um fator ligado ao Índice Aneel deSatisfação do Consumidor. Não estava escrito no contrato de concessão, masconsiderou-se, e está sendo colocado na revisão tarifária a avaliação do consu-midor. Por exemplo: se a Concessionária tirou nota dez, for a melhor coloca-da, ela terá acréscimo na tarifa; se ela tiver a pior nota diferente disso, poderásubtrair até um ponto. Isso seria verificado durante todo o próximo período,até a revisão tarifária. É uma inovação metodológica que já considerou oaspecto de que deve ser levado em consideração o consumidor.

É muito difícil, no Brasil, estabelecer-se uma metodologia única. Eu diriaque, pela experiência que temos na CSPE, o conceito de regulação, pelo me-nos para a área de distribuição de energia elétrica, deveria passar a ser estadu-al. Não estou defendendo uma posição não-legalista, porque respeitoabsolutamente a Constituição e a Lei, e esta é uma regulação federal, mas,conceitualmente, o conjunto de cada estado, nas suas necessidades pela qua-lidade, é tão diferenciado, e as questões regionais são tão distintas na própriaestrutura da empresa, que a valoração passa a ser muito diferente. A massasalarial, por exemplo, no Estado de São Paulo, é muito diferente da massasalarial no Nordeste. As exigências de qualidade da indústria paulista são muitodiferentes das exigências de qualidade em outros Estados.

As tarifas poderiam ser diferenciadas, assim como a regulação. Talvez, nofuturo, pudéssemos aplicar o modelo norte-americano de regulação fede-ral, que incentiva necessidades locais.

Pode ficar muito difícil, em termos de Brasil, estabelecer novas modalidades

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tarifárias porque, certamente, não são todos os Estados, por exemplo, quetêm trólebus. As questões sobre trólebus nunca se resolvem na Aneel, poiscomo é que se soluciona o problema do fornecimento, propriedade, respon-sabilidades em relação a rede de trólebus em São Paulo? Não existe outroparadigma, assim, hoje em dia, com a experiência, sou favorável a uma posi-ção regional, que poderia dar uma regulação e uma revisão tarifária maisadequada à situação real.

Quanto à questão do controle social das Agências, respondi parcialmente –sou favorável. As Agências já prestam contas. As contas já passam pelo Tri-bunal de Contas, aprovadas pela Assembléia. Todas as nossas despesas pas-sam pelos canais de Secretaria de Energia; Secretaria de Planejamento,quando são contratados acima de 150 mil reais; Secretaria da Fazenda tam-bém. As contas são controladas pelo Sistema Siafem. Temos ainda audito-ria da Controladoria Geral da União, que fiscaliza a Aneel e faz umafiscalização direta, no Estado de São Paulo, porque existem recursos fede-rais envolvidos.

Diria que considero suficiente o número de controles dos aspectos fiscais eadministrativos. Quanto aos resultados, as Agências estarão abertas paradiscutir todas as formas de informação à sociedade. Reportando o que jáfoi dito aqui, sem uma submissão hierárquica. Acho que a submissão hie-rárquica é que tira a questão da autonomia e transfere o detentor da auto-nomia para algum subordinado, ainda que seja uma Comissão da AssembléiaLegislativa, ainda que seja uma Comissão do Senado, ainda que tenha umadelegação pública. Mas acaba havendo uma proximidade um pouco peri-gosa de hierarquização dentro do poder político.

Assim, sou favorável a todos os tipos de prestação de contas, sem uma sub-missão hierárquica na realização das tarefas. Sou favorável também ao mo-delo que existe, por exemplo, na Comissão de Serviços Públicos de Energia:um Conselho Deliberativo abrangente, com representantes da sociedade,que também é o modelo da Artesp. Por que? Porque aquele não é somenteum conselho consultivo, ele tem funções, de fato, deliberativas. Sabemosque, mensalmente, passa pelo Conselho Deliberativo da CSPE a questão

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das penalidades, que é um belo exemplo. Nada mais transparente do que,após passar pelos foros administrativos de aplicação das penalidades eminstâncias recursivas da própria Diretoria Executiva da Agência, essasquestões passem para um foro mais amplo da sociedade, caso ocorramdúvidas e a concessionária queira expressar o contraditório. E é uma con-ta de risco.

Porque talvez a concessionária pudesse optar pelo pagamento da multa emmuitas questões, em lugar de se expor ao conselho, caso, ela tenha firmezana sua convicção, submeta ao Conselho Deliberativo, e ali teremos repre-sentantes dos empregados das empresas de energia elétrica, do Procon, daFiesp, da Federação do Comércio, dos Conselhos dos Consumidores, dosempregados setor de gás. Então, passa-se a um ambiente em que a questãoé discutida de forma absolutamente aberta, com os processos completos,em que cabe uma revisão daquelas multas, parcial ou totalmente.

Esse modelo ajuda muito na transparência de todo o processo, estabele-cendo em questões importantes atribuições deliberativas, inclusive sobrealguns aspectos de regulação, exercidas pelo Conselho Deliberativo. Esteé o modelo, por exemplo, que poderia ser sugerido à Aneel, nas decisõessupervenientes à Diretoria em Colegiado. Outra alternativa foi colocadapelo Fernando de Almeida Prado: a do foro público da discussão. O Con-selho seria um foro de representantes da sociedade que pudesse acompa-nhar, de forma permanente, a atuação da Agência nas suas principaisdecisões. Acho que esses são modelos que se forem definidos em lei, po-deriam ser adotados. A Anatel já tem um tipo de conselho, enquanto aAneel não tem.

Por outro lado, a Aneel, em outros aspectos, é a Agência mais transparente.Até o IDEC, na sua análise, concluiu nesse sentido. Por quê? Porque elatem instrumentos muito próximos do consumidor na questão das reclama-ções. Isso é uma verdade que ratificamos. O consumidor, na energia elétri-ca, tem os canais muito claros, e recorre às Agências.

No caso da Anatel, a atuação é mais centralizada. A Aneel tem instrumen-tos importantes de participação, inclusive descentralizando as atividades.

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Acredito que a questão das respostas, as contribuições nas audiências pú-blicas, deve ser obrigatória. O procedimento, obrigatoriamente, tem de serde emitir relatórios, respondendo e justificando questão por questão. Se-não, esvazia-se completamente o instrumento da audiência pública.

A CSPE, desde o início da suas atividades, em todas as audiências públicas,disponibiliza as contribuições, o relatório para a transcrição da audiênciapública, todas as perguntas e tudo com respostas. E ainda esse relatório éobrigatoriamente aprovado pelo Conselho Deliberativo. Então, esta trans-parência é fiscalizada porque nós temos essa obrigação. Existem aperfeiço-amentos importantes realizados pelas agências.

No que se refere ao Estado de São Paulo, sendo didático, temos a Comissãode Serviços Públicos de Energia, que deverá completar este mês cinco anosde atividades, com a atuação na área de energia elétrica, por convênio coma Aneel, e no gás canalizado, atribuição delegada pelo poder concedente.

Diria que é difícil fazer uma avaliação sendo seu dirigente, mas arriscariadizer que a agência tem, de fato, dentro dessas restrições existentes, realiza-do corretamente as suas tarefas, sendo referência nacional em várias ques-tões, procurando padronizar ao máximo os procedimentos para que hajatransparência para a sociedade em todos os aspectos.

Na questão do gás canalizado, conseguiu mérito que é realizar um conjun-to completo de atividades. Quer dizer, desde o marco regulatório até aslicitações, a aplicação desse marco regulatório de fato. E o que notamos? Éque a indústria de gás canalizado do Estado de São Paulo, nesses três anos emeio de período pós-privatização, está tendo desenvolvimento real e coe-rente. Quer dizer, não existem grandes problemas na indústria de gás, noaspecto regulatório estadual. As empresas sabiam das regras de uma formamuito completa quando assinaram o contrato de concessão. Elas têm me-tas, têm programa de qualidade, têm um conjunto de regulamentos clarose coerentes.

E o que se observa? O mercado, por exemplo, da principal concessionária,Comgás, em três anos triplicou no quesito de volume fornecido para clientes.

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Passou de 3,3 milhões para 10 milhões de m3 por dia. As outras duas conces-sões também estão cumprindo as metas, realizando os investimentos.

É um marco regulatório que foi desenhado para o Estado de São Paulo.Não bastaria consultar a bibliografia internacional e observar todos aquelesinstrumentos maravilhosos de regulação econômica. Exclusividade, consu-midor livre e dezenas de opções regulatórias, o importante é o discernimentodo estabelecimento das melhores regras para o desenvolvimento de merca-do, tarifas e competição.

Nesse formato, a sociedade deve opinar sobre o que interessa, se é o desen-volvimento industrial, desenvolvimento do setor de GNV ou desenvolvi-mento do setor residencial. Ao governo cabe estabelecer as metas. Mas asregras devem ser construídas, fiscalizadas, e dessa forma vejo como é possí-vel; é o caso, por exemplo, de São Paulo, que tem um modelo coerente. AArtesp tem uma história mais curta, esteve embrionária com uma Comis-são de Concessões, vinculada à Secretaria de Transportes.

O que tenho visto pela sua participação junto a ABAR – Associação Brasi-leira de Agências de Regulação – é que, em vários setores, já se revela comouma referência nacional. Entendo que, na questão do planejamento dosônibus intermunicipais, está realizando um belo trabalho, inclusive auscul-tando a opinião pública antes de estabelecer todas as regras. Eu acreditoque ela terá bons resultado futuros, se resolvidos todos os problemas, sejaos de quadro de pessoal, de autonomia ou de outras questões.

DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado.

Tenho aqui algumas da platéia, existe um foco na questão da energia, nãoera de se esperar o contrário, pela presença de nossos debatedores, pelo fatode eu também, no meu mandato, ter de alguma forma destacado essa ques-tão de energia, e tem algumas que são um pouco mais gerais.

Vamos à primeira pergunta da platéia

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PLATÉIA 1

É o seguinte. V. Sa. pôs uma dicotomia entre esse assalto do Palácio deInverno, ou seja, uma visão disso. Temos também o coronelismo, que sãocoisas parecidas. E esse novo Estado, que também discute o presidencialis-mo, uma visão mais próxima dos Estados Unidos e da Europa.

A minha pergunta era se a adequação desse novo Estado pressupõe umareforma política para o parlamentarismo, ou coisa parecida.

DR. FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO

Não pressupõe. Eu acho que todo processo de institucionalização que vive-mos nos últimos anos caminha para o envolvimento do Parlamento napraxis governativa. Seja um regime parlamentarista ou não. Isso, de certaforma é um legado do rascunho da Comissão de Sistematização, que foianterior à mudança do regime do plenário.

Quer dizer, a Constituição brasileira já foi formatada num viés parlamenta-rista, e depois acabou se acomodando para uma deliberação para um regi-me presidencialista.

Se você analisar todo o esforço da criação de espaços mais institucionais, nofundo, o que está se buscando não é uma limitação do Poder Executivo,mas é um fortalecimento das políticas de Estado. Mal comparando, o quetemos hoje, do ponto de vista de Lei de Responsabilidade Fiscal? O maiorproduto da Lei da Responsabilidade Fiscal foi tornar o orçamento umapeça efetiva. E orçamento é, nas políticas globais do governo, a peça quemais envolve inter-relação entre o Poder Executivo e Legislativo.

Portanto, o maior produto da Responsabilidade Fiscal é fundamentalmen-te dizer: o que está no orçamento terá que ser observado. No fundo, não seise há percepção, no mundo político, tão claro, mas que no fundo acaba porfortalecer o papel do Legislativo na definição da práxis governativa.

Da mesma forma, do ponto de vista de políticas econômicas e de políticastarifárias, a Constituição e o esforço que se fez mais recentemente também

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apontam para isso. Quando o Art. 175, § 1º fala que a lei definirá a políticatarifária, os contornos gerais, não significa que a lei vai definir qual é ovalor do serviço. Mas fundamentalmente é: que tipo de acomodação eco-nômica nós queremos para permitir que a parcela predominante da popu-lação usufrua de um determinado serviço.

Eu não tenho um viés economicista de dizer que todo e qualquer tipo desubsídio interno num serviço é um fantasma anti-econômico. Não em umasociedade como a nossa que, aliás, tem um traço a mais de característica emdiferença dos Estados Unidos e da Europa ocidental, que é uma sociedadeextremamente pobre, regional e socialmente desigual, você precisa ter polí-ticas públicas que compensem estas insuficiências: tarifa social, política deuniversalização de serviços, tarifas de ampliação da base daqueles que usu-fruem de serviços, etc..

Isso envolve o quê? Envolve uma série de decisões políticas que, do meuponto de vista, não devem estar todas elas com regulador. Envolve, porexemplo, quem custeará os serviços. Pegaremos recursos da base tributáriapara subsidiar os serviços, faremos um serviço financiado por quem temmais renda, e conforme mais serviços, vai custear quem tem menor renda.

Na sua pergunta, não acho, embora seja por convicção parlamentarista,que você precisa ter uma mudança tão profunda de regime para que o Esta-do brasileiro vá numa perspectiva, diria eu, até mais republicana. Em quesentido republicano? No sentido em que o aparelho de Estado não está àdisposição do rei.

O esforço de tornar o estado mais republicano envolve ter limitações decondicionamento do exercício do governante. Claro que sem transformá-lo num mero homologador das políticas do governo anterior. Mas tenhoclareza que existem coisas que são absolutamente inerentes à decisão políti-ca do Executivo com o Legislativo. Existem outras questões, como falaram,que não podem ser transformadas num ato de vontade do governante.

Parece-me ser absolutamente incompatível propugnar um discurso de res-peito aos contratos e desrespeito ao aparato institucional voltado a garantir

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os contratos. Fazemos assim a seguinte indagação: ou o discurso de prote-ção aos contratos é falacioso, é falso, ou então não há por que mexer nosinstrumentos, pois volta a dar efetividade na garantia dos contratos.

Penso que estamos num processo natural, em teste, absolutamente relevan-te, em que, com uma mudança significativa de orientação política do Esta-do, vamos ver até quando a República brasileira está madura para segurar aonda dos seus aparelhos de estabilidade institucional.

DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado. Você fez uma consideração sobre a proteção declarada e aameaça feita. E foi delicado em não lembrar que, enquanto se fala de limi-tar a autonomia das agências, se faz um grande esforço para se dar autono-mia ao Banco Central.

Vamos ouvir então uma nova pergunta da platéia, direcionada ao Dr. Mar-cos Veríssimo.

PLATÉIA 2

Dr. Marcos, minha pergunta tem um caráter mais de Teoria Pura do Direito.Somos um país inserido num sistema romano-germânico? Um sistema fran-cês-espanhol de imposição das leis, nascido sob forma de ordenamento, sen-do que o sistema de regulação é um modelo muito mais apropriado aos paísesda commonwealth, já que nasceu no sistema inglês-americano, denominadosistema jurídico do common law, aqui conhecido por Direito Costumeiro.

Me pergunto, e estendo esta minha dúvida ao senhor: não seria necessário,nessa questão de agências reguladoras aplicadas no Brasil, um exercício maiordos costumes, deixando fluir essa prática das agências reguladoras, assimcomo acontece na Inglaterra e nos Estados Unidos, para que assim possambrotar as críticas e as novas implementações do sistema? Não seria entãonecessário esperar mais um pouco, para que esse método das agências regu-ladoras se estabilize, e a partir disso se discuta, aí com mais definição, pos-síveis críticas ao modelo?

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E a questão jurídica do sistema romano-germânico em que estamos inseri-dos, quais são as dificuldades de participarmos deste sistema?

DR. MARCOS VERÍSSIMO

Tenho, particularmente, a minha opinião nesse ponto. Acho que o modeloé perfeitamente compatível com o nosso sistema jurídico, e penso queestamos bem acostumados, talvez não a regular desse modo e com essesinstrumentos, mas, sem dúvida, a regular. No final do dia, a atividade deregulação acaba se resolvendo em uma atividade de intervenção do PoderPúblico sobre a economia.

Por trás da idéia de regulação, tem sempre mais ou menos o dirigismo doEstado sobre a economia; tem uma idéia de que o mercado não funcionasozinho, bem, em todas as situações, especialmente quando estou diante demercados delicados. Por exemplo, daqueles que envolvem os serviços derelevância social, como os serviços públicos; daqueles que, por condiçõesexternas, tendem a ser monopolistas, o tal do monopólio natural ou demercados que são absolutamente relevantes à vida do país, como a regulaçãoda moeda e assim por diante.

Enfim, toda a sociedade que, de alguma maneira, entende que esses merca-dos são mercados que não podem funcionar por si sós e que precisam dealgum tipo de intervenção estatal, em maior ou menor medida, regula.Inclusive, a questão é interessante. Se olharmos o sistema americano e ateorização que se faz sobre a regulação, a pergunta que eles fazem, o tempointeiro, é oposta à regulação. Para que regular? Qual é a necessidade quetenho de regulação? A grande pergunta é essa, especialmente para escolasde economia que vêm predominando. Regulação é ruim.

O resultado da atividade regulatória é pior do que a própria deficiência domercado. Portanto, o bom é nem regular. Hoje, tenho a impressão que oparadigma americano é de desregulação, é não regular. Ao passo que a nos-sa tradição é oposta. A pergunta “para quê regular?”, para nós, é uma per-gunta relativamente sem sentido. Desde que nos conhecemos por nação,

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regulamos a economia, e num grau tal que o intervencionismo, duranteboa parte deste século, foi no sentido não só de ditar as regras, mas deexercer diretamente o serviço.

Essa atividade é muito bem conhecida do Brasil e é muito bem conhecida,na matéria que estamos discutindo aqui, de qualquer nação e sistema quetenha a idéia de serviço público. Por trás da idéia de serviço público, está aregulação intensiva do Estado sobre a economia. E quem tem serviço pú-blico, como o Floriano falou, são os países de civil law, de tradição francesa.Não é a tradição americana. Neste ponto, estamos acostumados a regular,talvez não dessa forma, com uma regulação que seja mais transparente, quede alguma maneira demanda participação da sociedade; que não é impostatotalmente de cima para baixo por um Gabinete Ministerial ou coisa assim.Talvez esse seja o desafio: entender como essa nova regulação funciona.Mas com a regulação, em si, estamos acostumados.

Falemos agora dessa idéia de que um poder muito grande conferido a ór-gãos administrativos, para tomarem decisões, inclusive com caráternormativo, seria algo mais próprio de um sistema que não tem leis tãorígidas.

Neste ponto, talvez a diferença também seja menor do que aparenta, por-que, em algumas medidas, há necessidade de se ter leis muito abstratas, queditem marcos regulatórios muito gerais e que sejam depois especificadaspor um órgão executivo o que choca um pouco a teoria administrativatradicional: a forma pela qual o Executivo legisla esse movimento é própriade uma sociedade moderna, que resolveu que é tarefa sua promover o bem-estar da sua população, regular a atividade de consumo, regular a proteçãodo meio ambiente, enfim, intervir em uma série de atividades que mudamdiariamente, que têm diferenças regionais, têm necessidades que são noespaço e no tempo.

E legislador nenhum consegue dar conta de todas essas questões, nem nosistema de civil law, nem common law, nem sistema algum. Acredito que oproblema seja mais de realidade prática.

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O Estado do século passado chamou para si uma série de atividades. O seudireito não quer só regular o contrato de locação entre duas pessoas. Elechega ao ponto de colocar na Constituição o princípio da eficiência e dizerque ali tem função normativa. Ou seja, que a partir daquele princípio tãogenérico consegue-se controlar todo tipo de atividade.

Acredito que a interação hoje é mais complicada. Isso é um imperativo domomento. Não tem jeito. É preciso lidar com ele. É preciso compreenderque o Poder Legislativo não tem mais condições, em virtude de todas assuas atribuições, de regular todas as situações, sendo que o Executivo só fazpolítica. Usamos aqui aquela divisão tradicional. Isso vai mudando umpouco, e é normal, inclusive, num direito de tradição escrita como o nosso,que isso mude e esses órgãos assumam outras posições. Ou seja, que oLegislativo assuma cada vez mais uma função de fiscalização, onde ele pos-sa dar grandes guide lines de regulação para uma série de setores e a partirdai seguir fiscalizando.

O Poder Executivo também define políticas muito amplas, mas não cuidada sintonia fina da regulação, que é deixada para uma outra instância doExecutivo que são as agências.

Enfim, sem a menor dúvida, é um sistema mais complicado e, portanto,mais sofisticado do que o que seria, talvez, o nosso sistema tradicional,onde o legislador legisla, o Executivo faz política e é um só e muda a cadaquatro anos, e a cada quatro anos será um bilhete em branco para ele fazero que quiser pelos próximos quatro. Esse é um sistema mais simples, quedá menos problemas, na teoria. Ele é mais fácil de montar como um esque-ma teórico. O grande problema é que ele não é ajustado a uma sociedadeque ficou complicada.

Eu, pelo menos, tenho essa convicção. Ou seja, acho que dá para trabalhar-mos com essas noções, adaptando-as, como o Floriano disse, às realidadesdo país. Por exemplo, uma realidade que importa mudança maior, talvezdo que sermos ligados a um outro sistema, é o fato de sermos um país emdesenvolvimento e termos diferenças importantes. Isso, por exemplo, faz

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com que a atividade de regulação de um dado serviço não precise só sepreocupar em que o serviço ande bem. É preciso que ele seja acessível atodos, não só em termos de acesso, mas também em termos de fruição.Enfim, um caminho grande a percorrer. Mas acho que dá para trilharmos.

DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado. Vou desfazer a minha indagação e farei uma consideraçãobreve, pois acho que além de coordenar o debate, tenho a obrigação demanifestar minha opinião.

Todo esse debate foi particularmente deflagrado – ele já vinha latente –quando o Presidente da República, Lula, declarou que terceirizaram o po-der político. Ele disse: “Só fico sabendo de uma série de coisas depois, pelojornal”. Isso gerou todo um debate em torno das agências. E tinha umamatriz: agências de regulação são instrumentos do neoliberalismo? São des-dobramentos de uma visão de reforma do Estado, para torná-lo mínimo ealiená-lo de determinadas responsabilidades públicas? Temos que ter umaopinião clara sobre isso.

Dizer que as agências de regulação são um instrumento do neoliberalismoé uma leitura simplificada do que realmente ela significa. Acredito que essaconsideração feita pelo Dr. Marcos dá um contexto geral sobre isso. Todomovimento do chamado neoliberalismo, que aconteceu no mundo, tinhaum componente econômico de apequenar o papel dos Estados nacionais ede retirar barreiras, particularmente para o fluxo internacional de capital. Abusca era de um procedimento rigoroso de desregulamentação.

Isso que o Dr. Marcos relembrou, que é um movimento que existe hoje nosEstados Unidos, é um movimento muito atinado a essa compreensão ideo-lógica, e que busca superar determinados perfis de um mercado e de umEstado anterior. Muito presente como concepção na Europa, mas tambémpresente nos Estados Unidos.

As agências de regulação nos Estados Unidos surgiram, talvez, no contexto de1884. Mas particularmente nas décadas de 20, 30 e 40 é que se afirmaram

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nos Estados Unidos. A visão que se tinha era a de um processo de desenvolvi-mento econômico muito alavancado pela presença do Estado.

As agências de regulação surgem nisso, ou seja, para dar segurança ao inves-tidor, mas, acima de tudo, para fazer com que regras estabelecidas nas rela-ções entre os entes realizadores do serviço e da sociedade pudessem serfeitos de uma forma estável e não suscetíveis às variações políticas.

Desta forma, tenho esta convicção aqui neste debate, e quero comprar essabriga. Acho que é errada a simplificação que está se tendo, de que as agên-cias são instrumentos do Estado mínimo; aliás, ao contrário, o Estado mí-nimo se move para enfraquecer e liquidar as agências, porque se sabe que ocapitalismo, particularmente no momento em que nós vivemos deprevalência, quando o capital financeiro é ágil e extremamente veloz, re-quer uma ausência de regras.

Como disse o Dr. Fernando, talvez aqui não tenhamos um debate, porqueesses conceitos permeiam todos os que estão aqui, mas é fundamental queeles sejam estabelecidos e formalizados.

Outra questão que me preocupa, particularmente do ponto de vista dacompreensão do que acontece nos dias atuais no Governo Federal – e aocontrário desta concepção radical do estado mínimo, que é uma tentativade alguma forma enquadrar a atividade econômica, muito premida pelacircunstância imediata, de que as tarifas públicas foram as que maisalavancaram o processo inflacionário, e o Estado tem que controlar as tari-fas públicas. Acho que o embate no governo sobre a questão das regulado-ras nasce nesse fato. Essa visão não é a que vai ser praticada, por exemplo,pelo Ministro Palocci, pois, em tudo que ouvi, noto que ele sabe que qual-quer artificialismo no processo de controle da inflação ou do controle decustos vai custar depois muito caro para o Estado.

Portanto, acho que são duas questões que dão um norte geral ao debate,para depois entrarmos, de uma forma precisa, naquilo que sabemos, que éa necessidade de aperfeiçoar o poder de polícia, aqui referida, como umadas questões do rol de responsabilidades, junto com o poder normativo e acapacidade de arbitrar interesses contraditórios.

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As agências navegam nesse horizonte de disputas e devem ser receptáculosdesse interesse. Mas o poder de polícia está extremamente fragilizado, jáque a capacidade de sanção é muito limitada.

Portanto, feitas essas observações gerais, queria perguntar ao Dr.Fernando,até para provocá-lo um pouco mais neste sentido. Acho que a questão decomo compor políticas setoriais precisa ser mais abordada, já que sabemosque devam ser objeto de decisões públicas, ou seja, da alçada de governoseleitos pela população.

Percebemos que, no cotidiano da regulação, formula-se políticas setoriais.O Zevi Kann descreveu todo procedimento sobre a questão da revisãotarifária, e depois disse que precisaria ter um contrato que detalhasse cadauma das coisas. Não haverá, meu caro amigo. Esses contratos são detalha-dos assim, porque as circunstâncias vão mudar, as regras vão se alterar. As-sim, quando se fixa um modelo de cálculo da tarifa, de alguma forma se fazuma política setorial, define contornos de uma revisão tributária.

Queria que o Fernando nos ajudasse a pensar um pouco mais sobre isso.

DR. FERNANDO DE ALMEIDA PRADO

Acho que essas questões apareceram em vários momentos e em várias falasdas pessoas que estão debatendo.

Vejo semelhança nessa definição de política e regulação, a separação dospapéis que existe, por exemplo, quando se fala de mandatos fixos, mas deprazos desencontrados. Quer dizer, se um governo que assume e não tem acoragem de assumir que quer exercer todos os cargos e ocupar todos osespaços políticos, ele cria uma situação para que não reste outra alternativapara os seus diretores e membros pedir demissão.

Se tenho diretorias que são substituíveis a cada ano, ou a cada seis meses,paulatinamente esse governo poderá exercer todo o seu papel e deixardesdobramentos com governos que sucedem, que poderão ser de outropartido.

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Então, há preservação dos mandatos e o desencontro das datas de vencimen-tos desses mandatos. Em São Paulo não é assim, mas acho que deveria ser.

DR. FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO

A proposta era, mas houve uma modificação na própria Assembléia.

DEP. ARNALDO JARDIM

A Assembléia é a culpada! (Risos.)

DR. FERNANDO DE ALMEIDA PRADO

Nesse caso é. Mas isso permitiria um paulatino exercício do poder investi-do pelo voto; esse é um ponto. O segundo ponto – acho que foi o Florianoque falou – é o daquelas decisões imediatas que tornam efeitos drásticos nofuturo.

A revisão tarifária não poderá ser maior, mesmo que necessário for, do queaquele reajuste que seria dado pelo IGP-M, como é o caso da Enersul, emque se estão transferindo reajustes para anos seguintes, independentementedo equilíbrio econômico-financeiro da empresa. Isso tudo poderá repercu-tir em cancelamentos de investimentos e em postergação de ações, que le-varão a prejuízos muito grandes à sociedade.

Não sei se alguém já fez a conta do prejuízo do Brasil no racionamento.Acho que essa é uma conta que ainda não está feita, e não sei se é possívelfazê-la quase que de forma contábil, por exemplo, quando você glosa valo-res de contratos firmados entre distribuidoras e geradoras à luz de preçosobtidos em leilões que não são representativos; refiro-me ainda à audiênciada Paulista, em que os contratos de longo prazo, de vinte anos, firmadosentre obras de geração que estão em construção com a distribuidora paulista,foram glosados os valores, à luz de que eles são maiores do que leilões pífios,de pouca representatividade, que aconteceram em outubro e novembro doano passado.

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Para termos uma idéia, no leilão da Cesp foi vendido 1 megawatt/hora.Quer dizer, nada. No da Cemig foi vendido zero, não houve liquidação deofertas. Daí a Aneel falou: “Olha, você está contratando maior do que amédia de mercado”. Só que um contrato pequeno de dois anos e que nãotem representatividade.

Parece-me essas decisões de curto prazo são ações que a agência reguladoraestá fazendo, premida por essa pressão. Então, o Presidente da Repúblicacritica, o ministro critica, o outro deputado propõe que os mandatos sejamencerrados. Então, acredito que é humano que o corpo das agências fiquepremido por essa pressão de tentar agradar; nestes momentos estão sendoquebradas as isenções.

O Dr. Marcos estava falando que temos uma tradição da regulação. Masacho que essa tradição está escondida. Por exemplo, quando pegamos oMetrô de São Paulo, a Companhia do Metrô regula qual é a qualidade dostrens, os intervalos, a limpeza das estações e qual é o preço do bilhete, masa sociedade não está vendo um ser regulador; ela está vendo uma coisadifusa, que é um governo e uma empresa estatal.

Criou-se a Agência de Transporte Municipal ou local, a CSPE; neste instantecriou-se uma materialidade, uma corpo real que nasce para ser criticado.

Acho que esse é o aprendizado da agência: apreender o seu papel, o doJudiciário, o do Legislativo, e até o do consumidor.

A experiência que vivíamos na CSPE era muito ambivalente. Havia genteque dizia: “Que maravilha que vocês existem, que bom, ainda bem”. En-quanto outros diziam: “Vocês são uns idiotas, não funcionam, não servempara nada. Porque vocês não pedem para fechar?”

Volto a insistir, acho que há um processo de aprendizado do papel de cadaum, e é só através desse aprendizado que vamos conseguir fazer a separaçãode qual papel cada um deve exercer.

O consumidor também está imbuído nisso. Quando criamos uma regra,criada pioneiramente pela CSPE – mas que a Aneel hoje já copiou em

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algumas resoluções –, em que degradações de qualidade resultam em pena-lidades que serão pagas individualmente a consumidores, o consumidorprecisa saber que tem esse direito, senão ele nem vai requerer. Então, tam-bém há um aprendizado do consumidor.

Acredito nesse processo de separação do que é considerado política deregulação e política de Estado, passa pela manutenção dos mandatos, pelahierarquização, que permita, paulatinamente, a um novo governo ir ocu-pando essas posições. Achei interessante o que o Floriano falou, que even-tualmente o governo pudesse definir a diretriz política do Presidente e colocaruma coordenação com a tintura política do governo eleito – não sei se issopoderia ser feito, quais os artifícios legais para fazer isso, mas essa idéiaparece-me interessante. Tenho essa convicção do processo de aprendizado ede costumes.

DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado. Peço que o nosso companheiro da platéia faça sua pergun-ta dirigida ao Dr. Zevi Kann.

PLATÉIA 3

Dentro desse aprendizado que o Fernando falou, a matéria foi amplamentediscutida, mas um fato ficou fora da discussão, e talvez nem seja concernenteno momento, mas a indisciplina de alguns dirigentes de agências é latente.

Tirando isso, a matéria foi muito bem escrita e falada aqui pelos palestrantes.

A minha pergunta para o Zevi é sobre a prática do dia-a-dia. A primeirapergunta é sobre a prorrogação do prazo de cadastro de pessoas de baixarenda: gostaria de saber se vai ter alguma penalidade, foi só prorrogado, játerminou, como está?

A segunda pergunta parte da notícia de que a Aneel está iniciando hojeuma alteração do mercado do MAE. O senhor acredita num ressurgimentodo MAE, com toda a força? Esse procedimento de alteração do mercadovai ser influente? Queria sua opinião a respeito disso?

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DR. ZEVI KANN

Sobre as questões específicas, a questão da baixa renda é menos uma ques-tão da Aneel e muito mais uma questão legal. Desde o advento da Lei nº10.438, uma questão com a qual já vínhamos lidando durante anos, e emque a Aneel se declarava até incompetente por não ter uma base para umadisciplina, trouxe a questão de que, primeiro, todo mundo até 80 quilo-watt/hora é baixa renda. É um conceito discutível, sem dúvida, porque hámuita gente que consome 80 kW/h e não é de fato baixa renda. Mas estádefinido por lei e implantado em todo o Brasil. Isso trouxe, especialmentenos Estados do Nordeste, um desequilíbrio econômico-financeiro paramuitas empresas, porque enquanto no Sudeste a média do consumoresidencial é superior a 240 kW/h, nos Estados do Nordeste essa mesmamédia é inferior a 100 kW/h; quer dizer, o consumidor residencial tipica-mente consome menos que 100 kW/h. Há Estados com 60% ou até 70%de consumidores com descontos de até 65% do valor da tarifa. Então, trouxeaté esse impacto que está se refletindo até agora na questão da revisão tarifáriados Estados.

Trouxe também uma outra questão: que os outros consumidores estariamna faixa de 80 a 160 ou 80 a 220 kW/h, conforme o Estado. O Estado deSão Paulo por exemplo, poderia solicitar um credenciamento, dentro desseprograma de Baixa Renda, desde que tivesse um tipo de cadastro num dosprogramas federais; aí surgiu o impasse, porque esses cadastros federais sãoextremamente complexos, as prefeituras em geral não estão em condiçõesoperacionais para sua realização a curto prazo.

Quem está entre 80 e 220 megawatts, obrigatoriamente, tem que estarnum Vale-Gás, num Bolsa-Escola, num programa de um cadastro efetivodo governo federal.

A Prefeitura de São Paulo manifestou sua incapacidade de fazer essecadastramento, e não competia à Aneel, por portaria, dizer que a Prefeiturade São Paulo não poderia solicitar esse cadastramento.

A CSPE teve múltiplas ações, nesse caso, se alinhando totalmente com os

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órgãos de Defesa do Consumidor, com pouco caráter de agência regulado-ra, tentando buscar uma solução, porque o público estava sendo prejudica-do; o público não iria conseguir se cadastrar nesses prazos. A Aneel acabou,até por não ter outro instrumento, adiando esse credenciamento, mas asolução para esse impasse ainda não existe.

Acho que a solução é: ou a Ministra edita um decreto aumentando esse con-junto de cadastros aceitáveis para a finalidade de baixa renda, ou, nesses trêsmeses adicionais, que se consiga cadastrar todos os que têm esse potencial,não tendo dessa maneira uma política clara junto às grandes cidades e àsprefeituras para que se possa cadastrar uma massa de pessoal muito grande.

Por isso houve esse adiamento; acho que isso é um paliativo. Acho que temque ter uma solução mais abrangente, ou então enfrentar o problema dire-tamente; por exemplo, acho que poderia se fazer um cadastro rápido detodos consumidores do Estado de São Paulo, e isso é uma questão que afetatodo o território nacional.

Sobre as alterações procedentes do mercado do MAE, parece-me mais umaregulação ainda no espírito de corrigir questões. Não me parece nada defi-nitivo, mesmo porque o governo federal está estudando o modelo. Não vaiser rápido, acredito que até o final do ano, não existe milagre.

O próprio Luiz Pinguelli, que foi um dos principais críticos à questão de sepagar por uma capacidade emergencial no caso do racionamento de todasas termelétricas, talvez com razão, para que isso funcione como um seguro,hoje em dia ele é o primeiro defensor de que se pague pela capacidade dashidrelétricas e das termelétricas já existentes. Porque não se terá condiçõespara sustentar um parque gerador que incentive investimentos de R$ 4,00por megawatt/hora. Qual a sinalização para quem está construindo umausina? O que vai se falar para os investidores? Vai contar que em 2006 nãovai ser R$ 4,00? Vai ser quanto? R$ 5,00?

Então, obviamente o modelo de mercado, como hoje se configura, nãoincentiva a expansão. Para incentivar a expansão tem de ter instrumentosmais permanentes, e talvez o Dr. Pinguelli desta vez esteja com a razão.

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Talvez tenha que pagar mesmo alguma sinalização na questão da capacida-de, para que se permita que as usinas tenham aquela construção, se paguepela sua instalação, e a sua geração fique condicionada realmente à efetividadeda necessidade de mercado.

Seriam essas as minhas considerações.

DEP. ARNALDO JARDIM

Obrigado, Dr. Zevi. Caro Dr. Floriano, gostaria de lhe fazer uma perguntae queria os seus comentários. Também vou pedir para que o Dr. Marcoscomente a mesma indagação. Depois, V. Sa. fica liberado.

Fiquei agradavelmente surpreso e comecei a notar vários itens aqui discuti-dos como: a necessidade de uma fiscalização mais intensiva por parte doLegislativo; a avaliação periódica do exercício do mandato de cada Diretor;reuniões com acesso público, dando publicidade aos debates e não só àsresoluções; conselhos junto à agência, o conselho a que se referiu; Conse-lho de Consumidor para valer.

Pensamos aqui em várias iniciativas que avançam no sentido de dar trans-parência, que poderão ajudar na melhoria do funcionamento das agências.

Com a palavra o Dr. Floriano.

DR. FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO

Acho todas essas medidas pertinentes, e que as grandes falhas das agências,hoje, talvez sejam de não termos conseguido dar uma maior efetividade aosmecanismos de transparência da atuação das agências e, por outro lado,ainda não termos muita clareza de todos os atores envolvidos, regulados,reguladores, sociedade etc., sobre a importância dessas agências.

Nesse sentido, vários são os mecanismos de controle sobre as atividades dasagências, mas entendo que nenhum deles é mais favorável a se dar umatransparência da atividade do que o próprio Legislativo. Porque ele cumpreum papel de controlar duplamente: ele controla sob o ponto de vista dos

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agentes políticos, que são os parlamentares, e ele é uma caixa de ressonân-cia desses controles. Quer dizer, qualquer prestação de contas no Legislativoque não esteja absolutamente coadunada, consentânea, ela se transformanuma crítica pública.

Acho que não existe censura pior, ou censura mais efetiva sobre o regula-dor, do que uma censura pública do Parlamento à atividade regulatória.

Então, nesse sentido acredito que esses instrumentos são muito intensos.Só acrescentaria a eles um outro instrumento, que acho que já existe doponto de vista normativo, mas ainda não é pleno do ponto de vista efetivo,que era e é a atuação do Estado, que é o regulador, mas também é o poderpolítico, Executivo e o Legislativo, no sentido de fomentar e no sentido defavorecer a criação de conselhos de usuários, de comitês de usuários e daparticipação efetiva dos usuários.

Hoje, há uma participação mais forte quando os usuários são os usuárioscorporativos, por exemplo, grandes consumidores de energia se articulam etêm até uma associação atuante. Mas acho que o geral dos usuários, dosconsumidores de serviços sejam serviços públicos tecnicamente, sejam ser-viços de relevância social; o Estado tem a obrigação de trazê-los para a cenaregulatória como atores e partícipes efetivos desse processo.

Completando: se há um traço que me torna absolutamente empolgado,como modelo de regulação pelas agências, pelas autoridades independen-tes, é que elas permitem que se façam processos de regulação com muitomais participação dos atores sociais do que aquele processo de regulaçãofeito ou internamente à corporação estatal, ou no núcleo central do poder,mediante só a mediação política do governo da hora.

Então, sou absolutamente aderente a essas alternativas, e acho que é a falhaque esteja por ser saneada.

DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado. Gostaria também de ouvir o Dr. Marcos Veríssimo sobre aquestão do Poder Judiciário. Como tem sido a atuação do Poder Judiciário

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em relação às agências de regulação? Não seria adequado buscarmos esti-mular o Judiciário a criar varas especializadas na questão da regulação?

DR. MARCOS VERÍSSIMO

Deputado, por coincidência, eu pretendia abordar o tema sobre o PoderJudiciário. Tenho uma opinião um pouco particular a respeito da atuaçãodo Judiciário em matéria regulatória. Acho que em muitos foros existe estasensação de que essa atuação em regra é ruim se for exageradamente exercida.

Ruim exatamente pela falta de especialização técnica, ruim por ser contrá-ria à idéia da regulação e do órgão regulador não como um agente quedecide autoritariamente alguma coisa, como alguém que decide de quelado está a razão entre duas pessoas, mas sim como um agente que coorde-na interesses múltiplos, diferentes, cada um numa direção e que procuraordenar esses interesses de modo que eles conduzam a uma solução viávelpara todo mundo. Normalmente, não se identifica no Poder Judiciário ascaracterísticas necessárias a isso.

Eu, particularmente, acho que esta é uma meia verdade. Gostaria de fazeralgumas considerações nesse sentido, mais ou menos por aí. No que dizrespeito especificamente ao Poder Judiciário, é da tradição brasileira confi-ar no Poder Judiciário, que tradicionalmente é blindado institucionalmentecontra interesses políticos, e que em geral é um órgão que tem no desempe-nho do seu papel um reconhecimento da sociedade, que é alguma coisa quevem até da atuação do órgão durante boa parte do regime militar. Enfim,tem uma tradição interessante.

Acho que é da natureza do modelo que os poderes consideráveis que sãooutorgados ao órgão regulador sejam, sim, objeto de controles amplos, in-clusive de controles por parte do Poder Judiciário. Indo um pouco na linhadaquela sua pergunta, acho que a partir do momento em que os guide linesestão dados pela lei, e que a regulação, na verdade, é um exercício de pôrem prática esses guide lines, há parâmetro legal para fazer o controle de cadaato da agência reguladora no Judiciário e acho que isso é saudável.

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O que acontece é que o Poder Judiciário vai precisar, em primeiro lugar,conhecer efetivamente quais são os seus limites. Acho que esses limites pre-cisam ser revisitados, não são mais limites teóricos como aqueles que ateoria do Direito normalmente sugeria. São limites muito práticos, precisa-se ver quem é institucionalmente o órgão mais aparelhado para realmentedar a palavra final sobre certas coisas.

Por exemplo, há quem diga que as análises prospectivas deveriam compor-tar um controle mais reduzido. Eu dou o exemplo do CADE, que é muitocitado. Uma certa concentração de empresas provoca dano à concorrência,mas pode gerar eficiência. Diz-se, nesse caso, que ela deve ser aprovada,mas isso envolve um palpite, isto é, antever que ela deve gerar eficiência.

É uma decisão que parte não do fato passado, para aplicar a lei, mas do fatofuturo. Essa é uma decisão que o Judiciário não deveria revisar, a não ser emcaso de desvio absurdo de finalidade, etc.. É justo que esse palpite seja dadopelo órgão regulador sem um grau muito alto de interferência do Judiciário.

Outras situações podem recomendar soluções diferentes, no entanto. Deum lado, o Poder Judiciário precisa compreender o seu papel. E de outrolado, sem dúvida nenhuma, ele precisa aparelhar-se. Por isso mesmo, a ques-tão da competência técnica é também uma questão que apenas parcial-mente se coloca. Se olharmos para o corpo diretivo de uma série de agênciasde regulação, especialmente hoje, já passado algum tempo do momento desua instauração, muitas vezes os quadros já não são mais compostos apenasde especialistas. No início foram preenchidos de fato com especialistas tira-dos dos vários setores, normalmente da empresa pública, que fazia as vezesde holding e órgão de regulação.

Mas, com a troca de mandatos e oxigenação dos corpos diretivos, hoje hápessoas que não são dos setores. Hoje, pessoas que não são especialistasdirigem as agências. Não são técnicas naquela matéria, e a presença dessaspessoas é importantíssima, porque faz com que o órgão se oxigene, querdizer, não é mais, como às vezes brincávamos, um colegiado de engenhei-ros, mas é um corpo técnico que tem ali eventualmente um economista,

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que vai dar a sua contribuição; um advogado, eventualmente alguém com atradição de proteção do consumidor. Enfim, essas pessoas, para tomarem assuas decisões, tem um staff técnico da maior competência, especializadíssimo,ao qual podem recorrer. Se o juiz tivesse isso, ele contornaria o fato de não serum especialista na regulação.

O Judiciário precisa, portanto, suprir essa sua deficiência técnica, mas issoé possível de ser feito. Acho que ele supre essa deficiência técnica de duasmaneiras. A primeira maneira é tendo acesso, de alguma maneira, ao stafftécnico que lhe falta, e isso pode ser feito por mecanismos que existem,especialmente por perícias judiciais, que, às vezes, compreendemos de umamaneira diferente. E, em segundo lugar, o judiciário pode suprir sua defici-ência técnica, também familiarizando-se com a matéria. A forma de domi-nar o assunto é ter recurso a outras pessoas para a sintonia fina do aspectotécnico e estar familiarizado.

Nesse sentido, de estar familiarizado, acho, sem dúvida, que a solução deter as varas especializadas é muito importante por uma série enorme defatores. Hoje, as varas e o Poder Judiciário, em geral, são especializados emfunção de critérios de um século atrás, do tipo Direito Penal e DireitoCivil, mas as especializações são muito mais complicadas do que isso.

Podemos pensar a regulação do serviço público no Direito do Consumi-dor, até no Direito Societário. Enfim, essa especialização racionalizaria muitoo serviço judiciário, e acho que seria muito bem vista. Especificamente noque diz respeito à especialização, ela é bem vista por quase todos que sededicam ao estudo do nosso sistema judiciário, e acho que colaboraria paraque as decisões em matéria regulatória fossem melhores, tecnicamente maisadequadas.

Agora, a atuação do Judiciário também caminha um pouco para outra ques-tão que foi tratada, que é a transparência da agência, da participação dasociedade na agência, etc.. De alguma maneira, aliás, o que vou dizer vaiparecer paradoxal.

Acho que o que se quis fazer com a introdução do modelo foi uma reforma

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institucional na regulação do serviço público, e também no modo de serdos órgãos administrativos. Mas isso não se faz só por lei, não se faz por“decreto”; isso se faz na prática. De nada adianta criar o órgão e dotá-lo dosmecanismos necessários à participação da sociedade na política regulatória,por exemplo, se o órgão é refratário a essa participação. E não adianta terum órgão receptivo e as leis adequadas se a própria população não reconhe-ce aquilo como um foro adequado para manifestar os seus interesses. Aí,acho o que o papel do Judiciário é dúbio.

Num certo sentido, o papel que prestou até foi importantíssimo, mas hojepresta um desserviço à sociedade, ao despertar esse civismo por outras ma-neiras. Quer dizer, durante muito tempo o cidadão reconhecia no Judiciá-rio o único bastião da liberdade, a ele recorria, e o Judiciário sempre foimuito receptivo a essas demandas da população. Foi no Judiciário que nas-ceu a legislação que hoje vigora em termos de plano de saúde etc.. e comtodas as disfunções que daí nascem.

O fato é que o Judiciário recebe essas demandas, dá tratamento a elas dealguma maneira e, em geral, dá um tratamento favorável ao consumidor.Em São Paulo, pelo menos, temos uma magistratura que tem uma claraorientação social. Muitas vezes o conflito de consumo levado ao juizado depequenas causas, por exemplo, é decidido por um juiz que vê aquele consu-midor como alguém a ser protegido a priori.

Daí ele toma uma decisão socialmente bem orientada, mas que eventual-mente pode ser catastrófica do ponto de vista econômico. No judiciário édifícil ver o macro, imaginar as repercussões generalizadas de certas deci-sões tomadas individualmente. Em geral só vejo aquela pessoa, o autor.

Acho que há até um certo sentimento de proteção do hiposuficiente, umpouco ingênuo em certo sentido, que faz com o consumidor de serviçopúblico tenha melhor guarida no Judiciário do que teria, talvez, na agência.O Judiciário dá sempre uma boa resposta ao interesse do consumidor, mes-mo que isso seja prejudicial à manutenção do equilíbrio do setor, se aqueladecisão individual for tornada norma geral. A agência, de outro lado, só

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pode pensar em termos gerais, e isso tenderia a fazer com que o consumi-dor ganhasse menos. Quando se junta tudo isso, o consumidor acha a agênciauma coisa muito complicada.

Por outro lado, a reclamação do consumidor é sempre uma coisa muitopequena; normalmente não vale a pena levar os seus anseios ao órgão regu-lador, nem participar ele mesmo de uma decisão de política tarifária ou oque quer que seja, pois essas coisas são levadas coletivamente.

O Judiciário arrumou uma via de fazer isso. O Ministério Público é muitoativo nesse sentido. Talvez o Ministério Público precisasse atuar em defesado consumidor na agência, descobrir a agência, talvez ele e as associaçõesdo consumidor precisassem buscar outros tipos de foro. As associações quehá, em geral, pautam a sua atividade movendo ações no Judiciário contra aagência, contra a prestadora de serviço público, contra todo mundo. Isso,não obstante o papel do Judiciário ser muito importante, é ruim, porqueelimina um caminho que devia ser antecedente, que é exatamente o cami-nho da ponderação dos interesses na própria agência.

Essa é uma grande deficiência. Como supri-la é a grande questão. A culpanão é só da agência, é também da própria sociedade, que não tem o hábito,a tradição, da vida efetivamente democrática, exercida num ambienteinstitucionalmente estável. Tudo isso é, de alguma maneira, uma novidade.As pessoas talvez precisem se acostumar com isso, a usar os mecanismosque existem, mas acho que esse é o caminho para se trabalhar. Talvez, se osórgãos de regulação conseguissem adotar políticas ou estratégias que fos-sem capazes de trazer para a agência o Ministério Público do meio ambien-te, o Ministério Público do consumidor, o IDEC e outros órgãos do tipo,eles conseguiriam transformar as suas consultas públicas em um foro dediscussão interessante, adequado e que poderia, naturalmente, fazer o tra-balho do Judiciário concentrar-se apenas em questões mais polêmicas, eessas ele resolveria com uma especialização, alguma coisa assim.

Penso que essas eram as considerações que eu teria sobre esses assuntos.

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DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado. Estou empenhado nisso com a ajuda de todos os senho-res, estou me referindo também aos amigos que vieram; me pronuncieialgumas vezes no Plenário da Assembléia Legislativa sobre o assunto aquidiscutido, conseguimos organizar uma hora de debates na TV Assembléia,manifestei-me através de cartas à redação que foram publicadas no Jornal“Valor”, e cartas com muita repercussão como as publicadas no jornal “OEstado de S. Paulo” e “Gazeta Mercantil”. Ontem, por exemplo, pedi atranscrição da carta que foi uma primeira reflexão feita por todas as agênci-as de regulação do País, porque acho importante dentro daquele conceitoque defendi anteriormente na questão das agências de regulação.

Quero, nesta rodada final, ouvir alguma consideração adicional que cadaum tenha, e quero ouvir sugestões de como todos devemos fazer para, deum lado, defender aquilo que expusemos, com as contradições, sutilezas decada um; em segundo, alguma sugestão de iniciativa que eu possa tomar,além dos registrados com muito fundamento aqui pelos debatedores.

Assim, peço ao Dr. Marcos que fale alguma coisa.

DR. MARCOS VERÍSSIMO

Quero, mais uma vez, agradecer ao nobre Deputado e parabenizá-lo pela suainiciativa. É importantíssimo, e de vital importância, que o debate sobre asagências seja reorientado para que possa transcorrer, ainda que no plano po-lítico, com um nível de informação maior do que hoje permeia o debate.

Acredito que os dois principais pontos de desenvolvimento foram aqui iden-tificados. Imagino que o que pode haver de consenso entre o que foi ditoaqui, em primeiro lugar, é o fato de o modelo de agências ser o modelo quese presta a um determinado papel que pode ser importante na construçãode uma sociedade diferente. Portanto, esse é o modelo que devia ser manti-do, mas pode ser aperfeiçoado, carece hoje de maior responsabilização, deprestação de contas etc..

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E o papel do Legislativo é fundamental, e todas as esferas que se puderemcriar de responsabilização do órgão, no sentido de permitir a prestação decontas, não só do uso de dinheiro, mas também da sua atuação, são per-tinentes.

O outro ponto a se melhorar é a participação da sociedade no processoregulatório. Imagino que os instrumentos legislativos aptos a permitir essaparticipação foram dados, mas agora é o trabalho mais difícil, que não é ode lei, é o de construir institucionalmente esses espaços na sociedade. Naminha visão, esse é o caminho que contribui para o debate.

DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado. Tem a palavra o Dr. Fernando de Almeida Prado.

DR. FERNANDO DE ALMEIDA PRADO

Acho que esse processo de tornar mais público, mais transparente, maisdifundido o papel das agências, que foi a tônica dessa discussão, vai passarnos próximos meses por um desafio muito grande. Como o Zevi falou,muitas vezes a CSPE foi convocada, foi convidada, e esse papel da Assem-bléia foi exercido com bastante intensidade.

Mas é como fazer a defesa das agências reguladoras, que estão fragilizadas,que talvez até tenham culpa no cartório, nesse momento de um pouco deconfusão institucional que existe; particularmente, falo com mais seguran-ça no setor elétrico.

Como fazer essa defesa no momento em que as agências estão fragilizadas,mas, ao mesmo tempo, chamando a atenção e destacando as melhoriasque precisam ser feitas? Se o processo de crítica é só de encontrar os defei-tos, talvez o momento seja muito difícil para as agências, porque estãofragilizadas pelo novo governo que toma posse, pelo governo que se senteafastado das decisões e que, de uma certa maneira, até se une nesse processo.Como fazer para valorizar o papel que é fundamental, mas ao mesmo tempo

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exigindo, cobrando e dando condições, ajudando essas agências a encon-trarem um caminho?

Acho que um debate como este dá a sua contribuição e o Congresso vaicolocar essas discussões a público, provavelmente vai ser um congresso bas-tante rico em idéias. Gostei muito de estar aqui, agradeço a oportunidade eacho que aprendi bastante.

DEP. ARNALDO JARDIM

Nós que agradecemos, aprendemos também com o senhor. Muito obriga-do. Tem a palavra o Sr. Zevi Kann

DR. ZEVI KANN

O Brasil não pode se comparar a Estados com tradição de regulação comagências centenárias. A maior experiência aqui é de cinco anos. O batalhãode reguladores, em geral, veio de outros setores e tem vícios de outros seto-res, o que torna longe de um regulador ser perfeito. Temos realizado umtrabalho pela Associação Brasileira dos Agentes de Regulação justamentenesse sentido. Temos hoje em dia mais ou menos vinte e cinco agências noBrasil, das quais vinte são associadas a ABAR, e muitas delas estaduais, compoucas capacitações.

É um período que ainda vai demorar, pelo menos, cinco anos, mantido omodelo, para que haja, vamos dizer, uma certa maturidade na formação depessoal em todas as profissões. É um problema que, sendo uma agência deengenheiros, vemos que as melhores agências do mundo têm menos enge-nheiros e mais economistas e advogados.

Acho que vai haver uma evolução muito grande. Temos incentivado umaposição interna para essa velocidade aumentar entre as agências, com trocade experiências; quer dizer, uma agência fez uma regulação, contar para aoutra daquela experiência, o resultado dela, para que cresçam rápido; in-centivar cursos comuns para trocas de experiência e formação. Realmente épreciso se estruturar, mas as agências federais, principalmente, foram colo-

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cadas em teste praticamente on line, fazendo regulação no meio daprivatização, com uma sociedade que não as compreende, com os melhoresíndices de pesquisa de opinião que hoje existem e que indicam que 20% dapopulação ouviu falar na agência de regulação.

Mesmo assim, há muitos pontos positivos. Vemos pela regulação do setorelétrico que o consumidor tem um amparo muito grande. Ainda muitacoisa é desconhecida dele, mas as pessoas começaram a conhecer a Lei deDefesa do Consumidor só depois de quase 10 anos. O nível de conheci-mento está melhorando, a divulgação dos contratos de adesão, cartilhas,palestras etc.. está aumentando. Hoje em dia o número de consumidoresque resolve seus problemas na agência é imenso e incomparável, por exem-plo, com outros órgãos de defesa do consumidor. No Procon, a energiaelétrica passou a ser o quinto item de reclamação.

A telefonia é o primeiro. Recebemos, na agência em São Paulo, 35 milreclamações por mês. Então, é um número muito expressivo de consumi-dores que já recorrem, porque é muito fácil. Ligam no “0800” que fica naconta de luz e reclamam mesmo. Os casos têm solução rápida. Em 20 dias,em geral, mais de 90% dos casos são resolvidos, nem sempre satisfatoria-mente ao consumidor, mas com a justiça que a agência tenta praticar.

Houve uma grande evolução, existem outros conhecimentos. Muita genteconfunde que, se é da agência, então você é da Eletropaulo. Não se sabenem separar a concessionária do poder regulador. Esse é um fato. Existeum caminho muito grande, e acho que o Deputado Arnaldo Jardim temuma visão impressionante do futuro.

Às vezes, converso com ele e, enquanto estou pensando, ele já sai realizan-do fatos. Acho que esse é um grande fato aqui. Não conseguimos promoverum debate nacional, mas aqui na Assembléia Legislativa é só um segundo.É a visão do deputado que entende que é o momento e que é um assuntodecisivo para a sociedade. Acho que devemos produzir documentos e deba-tes de qualidade, para que todos os atores possam ter acesso às informaçõesde qualidade.

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Acho que a publicação de uma essência desse debate, para não se tornarexcessivamente longo, as colocações do Dr. Veríssimo e do Dr. Floriano sãomuito adequadas para a discussão dos principais pontos das agências. Achoque o extrato disso seria muito útil para todo o País e não só para o Estadode São Paulo.

São apenas essas as minhas colocações.

DEP. ARNALDO JARDIM

Muito obrigado. Por terem vindo, pela seriedade e qualidade das interven-ções, gostaria de agradecer muito aos nossos debatedores que aqui compa-receram, em nome de todos os amigos que prestigiaram o nosso debate.Muito obrigado.

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