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Relações e perspectivas de comunidades frente às unidades de conservação:
um estudo aplicado no Parque Estadual de Campos do Jordão/SP
Autor: Fábio Pozati1
1 Introdução
A ideia de Unidade de Conservação surgiu efetivamente no Brasil na
década de 30, com a criação do Parque Nacional do Itatiaia, localizado no
Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de se manter e proteger as áreas
naturais remanescentes e com o propósito principal de incentivo a pesquisa
cientifica e possibilidade de lazer às populações urbanas. Segundo Quintão
(1983), a proposta do parque foi feita inicialmente por Alberto Lofgren, em
1913, que na ocasião estava muito mais interessado nas possibilidades de
pesquisa e lazer para as populações urbanas. Esse modelo implementado no
Brasil segue basicamente o padrão norte-americano empregado desde o final
do século XIX, a partir do Parque Nacional de Yellowstone, quando foram
designados milhares de hectares da porção nordeste de Wyoming para a
criação desse Parque, em 1872.
A decisão em se praticamente copiar na íntegra o modelo norte
americano trouxe uma série de consequências que fragilizaram a possibilidade
de uma melhor gestão das unidades de conservação e a própria possibilidade
de preservação da natureza existente nesses espaços naturais, refletindo
inclusive na limitação de um modelo de prática do turismo que pudesse melhor
contribuir para a preservação da biota presente nesses espaços e a suas
respectivas comunidades tradicionais. Vale destacar ainda que o modelo norte-
americano ao qual tanto nos apegamos é atualmente contestado pela própria
política e sociedade americana, principalmente em função da pressão que
movimento capitalista assume a partir do século XX, onde se defende que a
melhor opção para a atual sociedade seria a comercialização desses espaços,
1 Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
Informações e contato: [email protected] Orientador – Prof. Dr. Edvaldo Cesar Moretti - [email protected]
e não mais sua conservação ou limitação de atividades econômicas em seus
domínios.
Nesse sentido, propõe-se um artigo que analise o processo de ocupação,
mercantilização e uso das unidades de conservação brasileiras classificadas
como parques, principalmente no que diz respeito ao que ocorre nesses locais
em relação a comunidade que reside em seu entorno, procurando assim, a
partir dessa análise, melhor entender sua visão e perspectivas com relação as
Unidades de Conservação presente em seu entorno. Será dada ainda uma
ênfase na relação das UCs com a prática da atividade turística, já que uma das
principais propostas de ocupação dos parques é a visitação, conforme
estabelece o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação).
O objetivo geral dessas áreas naturais protegidas é preservar espaços com atributos ecológicos importantes. Algumas delas, como parques, são estabelecidas para que sua riqueza natural e estética seja apreciada pelos visitantes, não se permitindo, ao mesmo tempo, a moradia de pessoas em seu interior. (DIEGUES, 1997, p. 85)
No nosso caso em especial, o foco não serão os turistas, mas a relação
da comunidade que vive no seu entorno com a unidade de conservação em si,
já que entende-se que a comunidade seja a grande responsável, mesmo que
de forma indireta, pela preservação e valorização da unidade de conservação,
assim como a receptividade e hospitalidade dos visitantes, que dependendo da
forma como ocorre, pode fazer do turista um indivíduo interessado em
preservar ou destruir a unidade de conservação que visita. A forma como ele é
acolhido pela comunidade receptora pode, nesse sentido ser decisiva na forma
como o visitante se comporta no espaço que visita e que não lhe pertence do
ponto de vista histórico-cultural. Segundo BOO (1992), a prática do turismo em
Unidades de Conservação permite a divulgação da própria unidade e o
estabelecimento de “redes” de interessados em sua manutenção.
O pressuposto inicial que fundamentou a existência de áreas naturais protegidas em muitos países foi o da socialização do usufruto, por toda a população, das belezas cênicas existentes nesses territórios. (BRITO, 2000, p. 20)
Para aproximar a discussão teórica do campo prático optou-se por uma
abordagem por meio de um estudo de caso. Tendo em vista os objetivos do
artigo será analisado e discutido a relação existente entre a comunidade que
vive na Estância Turística de Campos do Jordão/SP com o Parque Estadual de
Campos do Jordão (PECJ), unidade de conservação que representa um terço
da área total desse município e que é um dos parques mais antigos do Estado
e que ainda se destaca como um dos mais visitados do Estado de São Paulo2.
Entende-se, portanto, que a escolha dessa unidade de conservação e
município permite estudar a percepção da comunidade sobre uma unidade de
conservação relevante para o seu cotidiano em termos territoriais, não só pela
área que ocupa no município, mas pela sua importância como um dos
principais atrativos turísticos de um município que tem no Turismo sua principal
atividade econômica, como será descrito a seguir.
1.1 Perfil socioeconômico do município de Campos do Jordão
Segundo os dados do censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), Campos do Jordão possuía, em 2014, a população de 50 541
habitantes, ocupando uma área de 290,520 km², o que representa uma
densidade média (hab/km²) de 173,95, o que é similar ao Estado de São Paulo,
que possui uma densidade demográfica de 177.4 hab/ km², a maior do país,
segundo o próprio IBGE. Está distante 173 km do Município de São Paulo,
350 km do Rio de Janeiro/RJ e 500 km de Belo Horizonte/MG. Sua principal via
de acesso é a Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro (SP 123). Encontra-se
vizinho aos municípios mineiros de Piranguçu, Wenceslau Braz e paulistas de
Guarantiguetá, São Bento do Sapucaí e Santo Antônio do Pinhal,na
mesorregião do Vale do Paraíba, que tem São José dos Campos como
município mais importante do ponto de vista econômico
O município fica a uma altitude de 1 628 metros, considerado por isso o
mais alto município brasileiro quando se toma como base a altitude da sede da
prefeitura municipal. A elevada altitude justifica o clima temperado marítimo
(Cfb), atípico para a latitude onde se encontra (22º44´20” S). A temperatura
2 SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. Parque Estadual de
Campos do Jordão. Disponível em http://www.ambiente.sp.gov.br/parque-campos-do-jordao/sobre-o-parque/. Acesso em 26 de junho de 2017.
média anual gira em torno dos 14 °C3,chegando a cair para abaixo de zero
no inverno, com sensação térmica que pode ser ainda menor, de acordo com
INMET (Instituto Nacional de Metereologia). Apesar de situada em altitude
elevada, a ocorrência de neve em Campos do Jordão é rara, tendo sido
registrada em anos como 1928, 1942, 1947 e 1966, segundo a prefeitura do
município
Figura 1 - Localização de Campos do Jordão/SP no Estado de São Paulo/SP
Fonte – Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Campos_do_Jord%C3%A3o. Acesso em 17
jul 2017
É justamente o frio com indicadores bem acima de média da macrorregião
do Vale do Paraíba (19,3ºC)4 e do próprio Estado de São Paulo que mais
motiva a vinda de um grande número de visitantes para o município. Em 2016,
por exemplo, foram registrados 3,9 milhões de visitantes de acordo com a
Prefeitura de Campos do Jordão, ou seja, aproximadamente 78 vezes a
população do Município, principalmente entre os meses de abril e agosto,
considerados os meses mais frios do ano com destaque para julho, um dos
mais frios do ano e que normalmente é caracterizado pelas férias escolares, o
que aumenta ainda mais a demanda em Campos do Jordão. Por
consequência, tais condicionantes levam o setor de serviços e em especial o
Turismo ao patamar de principal atividade econômica do município. A Figura 2
descrita abaixo demonstra o amplo predomínio do setor de serviços (a qual o
3 De acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Disponível em
http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=tempo2/verProximosDias&code=3509700. Acesso em 17 de julho de 2017. 4 Disponível em https://pt.climate-data.org/location/6151/. Acesso em 17 de julho de 2017.
turismo está inserido) em Campos do Jordão, tanto em relação ao PIB gerado
como aos empregos ocupados.
O predomínio da atividade turística na economia do Município pode ser
medido também na arrecadação do ISSQN (Imposto sobre Serviço de
Qualquer Natureza). Em 2016 foram R$ 11,667 milhões de acordo com dados
da Prefeitura Municipal, o que representa 6,7% da arrecadação total do
município no ano passado, o que ainda não representa a maior parte da receita
gerada pelos turistas. Em Campos do Jordão há 15.381 casas de veraneio e
somente com IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) pago pelas pessoas
que possuem segunda residência em Campos do Jordão foram arrecadados
R$ 21, 5 milhões no último ano. A arrecadação é maior do que a proveniente
dos moradores locais. Isso se deve também, em parte, à política fiscal
implantada na cobrança pela Prefeitura desde 2014, onde as áreas mais
populares, pertencentes em grande parte aos moradores locais, têm imposto
menor que as áreas mais nobres, cujos imóveis pertencem aos não residentes
de Campos do Jordão (segunda residência).
Figura 2 - Produto Interno Bruto e Pessoas Ocupadas por Setor - Campos do Jordão/SP Fonte – IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA, 2013. (1) ExcluI Administração e Serviços públicos.
1.2 O Parque Estadual de Campos do Jordão
O Parque Estadual de Campos do Jordão (PECJ) foi criado através de
uma desapropriação de uma área de mais de 8.000 hectares, por meio do
decreto nº 11.908, de 27 de março de 1941, de propriedade de Corina Duvivier
Kok. O Interventor Federal em São Paulo, dr. Adhemar de Barros, criou o
Parque Estadual de Campos do Jordão, que, após, sucessivas
desapropriações, possui atualmente 8.341 hectares, cerca de um terço da
superfície do Município e está localizado na porção leste do Estado de São
Paulo, com posição geográfica determinada pelas coordenadas 22º44´S e
45º30´W.
Figura 3 – Mapa do Parque Estadual de Campos do Jordão e Município de Campos do Jordão/SP Fonte – Google Maps (2017)
A vegetação do Horto, como é tradicionalmente conhecido o PECJ, abriga
mais de 300 espécies identificadas, Além de uma diversificada fauna silvestre
com mais de 200 gêneros catalogados. Ali são encontrados animais
considerados ameaçados de extinção pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), como a onça suçuarana, o
monocarvoeiro (maior macaco das Américas) e o papagaio de peito roxo, além
de catetos, cotias, veados, macacos pregos, canários, curiós, gaviões, jacus,
macucos, nhambus, papagaios, sabiás, saracuras, urus, andorinhas, perdizes,
gralhas e siriemas, assim como inúmeros insetos e ofídios, como a cascavel, a
coral,a caniana, a jararaca e a uriatu.
Os visitantes do Parque encontram os mais variados atrativos, como
bosques, cachoeira, lagos e riachos com trutas e carpas coloridas, áreas de
piquenique, capela, cantina, sorveteria, pesqueiro esportivo, viveiro com
vendas de mudas arbóreas e ornamentais, centro de exposição com coleção
de madeiras e insetos da região, serraria movida por roda d´água,
equipamentos para ginástica, duchas, a imagem de Santo Antônio das
Aráucarias e do Curupira (protetor das florestas), ateliê ambiental, trilhas de
ciclismo e interpretativas da natureza, que propiciam ao visitante se aproximar
com o ambiente natural protegido.
Figura 4 –Imagens do Parque Estadual de Campos do Jordão Fonte – Acervo Google Imagens (2017)
Atualmente, o Parque Estadual de Campos do Jordão é administrado
pela Fundação Florestal, entidade vinculada à Secretaria do Meio Ambiente,
que administra ao todo 48 Unidades de Conservação de Proteção Integral do
Estado de São Paulo, o que representa uma área de aproximadamente 938 mil
hectares. Segundo dados da Fundação o PECJ recebeu, em 2016, o total de
142 mil visitantes,
O Parque Estadual de Campos do Jordão (PECJ) é aberto para visitação
diariamente da 08h às 17h, com entrada permitida até as 16h, exceto as
quartas-feiras, quando é fechado para visitação. Nos feriados e nos meses de
janeiro, junho, julho e dezembro, considerados meses de alta temporada, o
Parque abre também as quartas-feiras. Visitas monitoradas ou por grupos
devem ser previamente agendadas.
Dentre os principais atrativos turísticos do Parque pode-se destacar quatro
trilhas oficialmente demarcadas (04 pontes, Cachoeira, Sapucaí e dos
Campos), que apresentam níveis de dificuldade variados para sua execução e
permite ao visitante melhor conhecer a diversidade de flora e fauna existente
no local.
Pode-se afirmar que o Parque Estadual de Campos do Jordão possui uma
oferta contextualizada ao espaço, porém com uma estrutura fragilizada para
receber visitantes, quando se leva em consideração o número de monitores
existentes, número de seguranças para observar o comportamento dos turistas
ou até mesmo na falta de um estudo de capacidade de carga para se prever o
número máximo possível de visitantes por dia, nem tão puco nenhum plano de
manejo de demanda para promover uma um maior envolvimento do visitante
com a natureza visitada ou evitar sua concentração excessiva em
determinados locais e intervalos de tempo. Por outro lado, observa-se que as
empresas terceirizadas localizadas dentro do Parque, como restaurante,
cafeteria, oferta de passeio de tirolesa, locação de bicicletas e loja de
artesanato pertencem a pessoas moradoras da comunidade, permitindo assim
que a comunidade localizada no entorno da unidade de conservação seja
beneficiada de fato, pelo menos nesse aspecto, pela visitação ocorrida na
unidade de conservação analisada.
Mas será que os empregos gerados no Parque à comunidade seria o
único benefício do parque para a população que residem nos outros dois terços
do município? Qual a relação dessa comunidade com o parque? Essa
população conhece o Parque Estadual ? Valoriza esse local? Entende sua
importância? Apoia a sua existência? Dialogaremos a seguir para tentarmos
melhor esclarecer a respeito dessas inquietações.
1.3 Percepções das comunidades frente às unidades de conservação:
um estudo aplicado no Parque Estadual de Campos do Jordão/SP
Tendo em vista a importância da atividade turística para o município e a
proporção territorial do PECJ para Campos do Jordão, considerado ainda um
relevante local de visitação, seria de se esperar uma relação íntima entre os
moradores desse município e essa unidade de conservação localizada no seu
entorno. Para se constatar se de fato isso ocorre e principalmente como ocorre,
e assim analisar essa percepção foram realizadas 50 entrevistas com os
moradores do município de Campos do Jordão no período de abril a julho de
2016, por meio de questionários aplicados pelos alunos do Curso de Turismo
da Universidade Paulista de Campinas. A amostra foi escolhida por meio de
um critério não probabilístico por conveniência, onde a escolha ocorre em
decorrência daqueles que estão fisicamente mais próximos do entrevistador
sendo, portanto, mais fáceis de serem entrevistados.
A pesquisa teve como principal intuito avaliar qual é a imagem que esses
moradores têm sobre o parque, que usos fazem do local e quais são as
relações e perspectivas que há entre os moradores de Campos do Jordão e o
PECJ. A partir da análise dos resultados obtidos, apresentados a seguir, e com
base nas premissas teóricas inicialmente discutidas, apontam-se as
fragilidades e riscos dessa realidade frente aos ideais de conservação e
sustentabilidade defendida para a criação e manutenção de uma unidade de
conservação.
De acordo com os dados da Figura 5 abaixo descrita observa-se que a
grande maioria dos entrevistados já visitou o Parque Estadual de Campos do
Jordão, o que pode ser considerado um dado favorável a sua valorização, já
que muitas vezes se critica ou se questiona aquilo que não se conhece. Essa
situação parece não prevalecer a partir dos dados obtidos.
Figura 5 – Conhecimento sobre o Parque Estadual de Campos do Jordão
Sim93%
Não7%
Fonte – Dados obtidos pelo próprio autor (2016)
Por outro lado, observa-se, a partir dos dados descritos na Figura 6
abaixo descrita, que a maioria dos entrevistados (52%) visitou o PECJ apenas
uma vez (32%) ou no máximo 02 vezes (20%) até agora, o que pode
demonstrar um baixo interesse da comunidade com relação ao PECJ, pois
embora haja uma relativa proximidade do Parque com o município (a portaria
de acesso está localizada a apenas 10 Km do Centro de Campos do Jordão
por meio de estrada em bom estado de conservação) e bom acesso ao Parque
por carro, moto ou até mesmo ônibus (a estrada que liga o município ao
Parque é totalmente asfaltada e há linha regular de ônibus ligando o centro de
Campos do Jordão ao Parque), o número de visitas é muito baixo tendo em
vista as facilidades existentes.
Parece que ir ao Parque não faz parte da rotina da população
jordanense visitar o PECJ, o que prejudica sua valorização e proximidade da
UC a comunidade.
Figura 6 – Frequência de Visitas ao Parque Estadual de Campos do Jordão Fonte – Dados obtidos pelo próprio autor (2016)
Esse baixo interesse no Parque se torna mais evidente quando se
observa, a partir dos dados apresentados na Figura 7 abaixo descrita, onde
para a grande parte dos entrevistados não há perspectiva em se voltar a visitar
a UC analisada, o que reforça a impressão de que a população de Campos do
Jordão pouco se interessa pelo Parque e suas possibilidades.
1 Vez32%
2 Vezes20%
3 Vezes7%
4 Vezes3%
5 Vezes7%
Mais de 5 vezes5%
Não me lembro quantas vezes
24%
Não respondeu2%
Figura 7 – Interesse da Comunidade de Campos do Jordão em visitar o PECJ nos próximos 12 meses Fonte – Dados obtidos pelo próprio autor (2016)
A situação apresentada pode ser explicada por dois motivos principais, um
deles consiste no que Philip Kotler (2000) denomina de Lei da Utilidade
Marginal, teoria que defende que quando mais se tem um produto disponível
menos valor se dá a ele. O autor usa como exemplo para essa situação o
preço de um quilo de sal em comparação a um quilo de ouro, onde o ouro trem
o preço infinitamente superior ao sal, pois está disponível em uma proporção
muito menor do que o sal. O mesmo raciocínio pode ser utilizado em uma
cidade litorânea, onde o visitante geralmente valoriza muito mais a praia
daquele determinado município do que quem reside por lá, afinal, para o
residente dessa cidade litorânea a praia sempre estará lá, todos os dias,
enquanto que para o visitante ir aquela determinada praia pode ser uma
oportunidade única. No caso da comunidade que reside em Campos do
Jordão, objeto de nossa pesquisa, o PECJ sempre está disponível e seu
acesso é fácil, o que contribui para a redução de seu valor para a comunidade.
Outra razão para esse desinteresse consiste na falta de políticas públicas,
seja por parte da Prefeitura de Campos do Jordão, Instituto Florestal (gestor do
Parque) ou Governo do Estado de São Paulo, em estimular a comunidade de
Campos do Jordão a se aproximar do parque. Nas visitas realizadas tanto no
PECJ como no município de Campos do Jordão não foram observadas práticas
que provoquem esse estímulo.
O que ocorre, raramente, são ações pontuais junto às escolas municipais
de Campos do Jordão, para que ocorram visitas monitoradas ao Parque com o
Pretende visitar nos
próximos 12 meses14%Não
Pretende visitar nos
próximos 12 meses…
Não respondera
m11%
objetivo de se praticar a educação ambiental, mesmo assim, são visitas
consideradas obrigatórias aos alunos, sem uma explicação mais precisa ou
clara por parte da direção dessas escolas ou da própria gestão do parque
sobre o porquê ou benefícios que podem ocorrer ao se praticar essa atividade,
o que pode ser associada pelas crianças como algo que deve ser feito por
obrigação, o que leva esse alunos e nem tão pouco seus pais a não entender
de forma clara o que poderia ser essência da proposta, vinculada muito mais a
valorização do Parque e da natureza existente no local frente a comunidade,
perdendo-se assim uma grande oportunidade de integrar o Parque a cultura e
história do município.
Por fim, a ideia de que os parques são áreas reservadas apenas para
turistas endinheirados pode gerar exclusão social e ressentimentos para os
residentes locais pobres, que veem o seu acesso ao parque limitado por razões
econômicas, algo que poderá comprometer o apoio aos parques e incitar tanto
a comunidade como os visitantes, muitas vezes influenciados pela cultura local,
a infringir as regras de conservação e valorização do patrimônio natural.
O estímulo à aproximação da comunidade com o Parque Estadual de
Campos do Jordão poderia ampliar também o conhecimento e estímulo do
visitante de Campos do Jordão a conhecer o parque como uma de suas
principais atividades de visitação no município, o que poderia, por sua vez,
ampliar a arrecadação por meio de ingressos de visitantes e por consequência,
melhorar as condições financeiras para preservação do PECJ. Essa
perspectiva se amplia quando analisamos, a partir dos dados da Figura 8, onde
observa-se que 96% dos entrevistados certamente (69%) ou provavelmente
(27%) indicariam a visita ao parque, demonstra uma imagem favorável dos
moradores com relação a unidade de conservação estudada, apesar do baixo
interesse em visitá-lo conforme foi discutido anteriormente. De qualquer forma,
essa imagem favorável pode contribuir para o aumento de indicações da
comunidade para que o visitante se interesse em conhecer o local. Se essa
comunidade aumentar sua própria frequência de visitação, esse índice de
indicação para os outros tende aumentar ainda mais, gerando assim um circulo
virtuoso favorável à conservação e valorização do Parque.
Figura 8 – Possibilidade de indicação do PECJ pelos moradores de Campos do Jordão/SP Fonte – Dados obtidos pelo próprio autor (2016)
A partir da Tabela 1 abaixo citada, observa-se que 33,4% dos moradores
entrevistados estão de fato satisfeitos com a estrutura ao visitante oferecida no
Parque. Dentre os quesitos avaliados, o item “Limpeza” se destaca como um
dos mais elogiados (56,8% dos entrevistados consideram esse indicador de
nível “excelente”),. Por outro lado, verifica-se que “Comércio Existente” é o
item menos elogiados pelos moradores. De uma forma geral, o nível regular
prevalece dentro os demais níveis, o que é preocupante, pois demonstra que
para os moradores de Campos do Jordão entrevistados, ainda há muito para
ser melhorado no PECJ, impressão que pode comprometer a indicação do
parque para outros visitantes ou inibir ainda mais a freqüência do morador no
PECJ.
Tabela 1 – Avaliação da qualidade dos serviços e equipamentos do PECJ pelos moradores de Campos do Jordão/SP
Certamente indicaria esse
local para outras pessoas
conhecerem69%
Provavelmente indicaria esse
local para para outras pessoas
conhecerem27%
Certamente não indicaria esse
local para outras pessoas
conhecerem2%
Não responderam
2%
Fonte – Dados elaborados pelo próprio autor, 2016
Os resultados apresentados na Tabela 1 são bem diferentes dos
resultados obtidos em outra pesquisa realizada, focada na opinião dos
visitantes não moradores de Campos do Jordão sobre o PECJ. Nessa
pesquisa, realizada no mesmo período, observou-se que a maior parte dos
visitantes entrevistados (59,3%) estão satisfeitos com a estrutura ao visitantes
oferecida no Parque. A única coincidência entre os resultados dos diferentes
levantamentos foi que o item “Limpeza” se destaca como um dos mais
elogiados pelos visitantes (74,5% dos entrevistados consideram esse indicador
de nível “excelente”), seguido de perto por “Atendimento ao Visitante” (63,8%
dos entrevistados consideram esse indicador de nível “excelente”).
A diferença de opinião entre visitante e visitado sobre o mesmo lugar já
era esperada, pois de uma forma geral quem mora no lugar ou no seu entorno
possui uma visão mais crítica sobre quem a visita, nesse caso parece
prevalecer uma ideia de que para o morador, de uma forma geral, sempre
outros parques ou outros destinos serão mais bonitos e estruturados que o seu.
Além disso, nos atentamos mais aos defeitos dos lugares que conhecemos
mais e temos uma visão mais racional deles, enquanto que o visitante tem uma
visão mais bucólica sobre o mesmo lugar, que muitas vezes está sendo
visitado pela primeira vez.
Por fim, os moradores foram convidados a expressar seu grau de
concordância sobre aspectos relacionados à natureza, atividade turística e
/ NÍVEL PERCEBIDO
ITEM AVALIADO
Excelente Regular Ruim
Sinalização e Informação 31,8% 59,1% 9,1%
Limpeza 56,8% 43,2% 0,0%
Atendimento ao Visitante 29,5% 61,4% 9,1%
Estado de Conservação Equipamentos 45,5% 43,2% 11,4%
Acesso ao Local 34,1% 54,5% 11,4%
Quantidade Atividades Disponíveis 22,7% 63,6% 13,6%
Comércio Existente 13,6% 68,2% 18,2%
TOTAL (%) 33,4% 56,2% 10,4%
responsabilidade sobre a conservação do espaço e posse do Parque Estadual
de Campos do Jordão. Na
, abaixo, são descritas as respostas obtidas nessa questão em especial.
Essas respostas podiam apresentar uma variação de zero (total discordância a
afirmação) até cinco (total concordância em relação à afirmação colocada).
Tabela 2 – Percepção dos moradores sobre aspectos relacionados ao PECJ.
Fonte – Dados elaborados pelo próprio autor, 2016
De acordo com os dados apresentados na tabela acima, a afirmação
que teve maior grau de concordância (3,9 em um valor máximo de 05) está
relacionada ao fato de que o “turismo pode ajudar na preservação e
valorização do Parque Estadual de Campos do Jordão”. Isso ocorre, pois para
muitos moradores a atividade turística é algo que oferece a essa comunidade a
possibilidade de obtenção de rendimentos e empregos e, portanto, é natural
que o parque, na visão dos moradores entrevistados, tenha o mesmo processo
do que ocorre no Município de entorno. Ao mesmo tempo, observa-se pelos
entrevistados que turismo e poluição estão associados, quando observa-se que
a maior parte dos entrevistados (3,4 na escala de concordância de 0 a 5)
demonstrou concordar com a afirmação de que “os visitantes são os maiores
responsáveis pela poluição e destruição do PECJ”. A concordância dos
entrevistados com relação a essa afirmativa não chega a ser uma
unanimidade, mas observa-se uma alta incidência daqueles que concordam
com esse argumento. Esse resultado demonstra haver, dentre os moradores
entrevistados, um certo contracenso sobre a atividade turística no PECJ, pois
se ao mesmo tempo a prática do turismo pode colaborar para a preservação e
valorização do PECJ, talvez muito em função da receita obtida com o fluxo
Os visitantes são os maiores responsáveis pela poluição e destruição do PECJ (Horto) 3,4
O turismo pode ajudar na preservação e valorização do Parque Estadual de Campos do Jordão (Horto) 3,9
O Governo é o ÚNICO dono e responsável por todo o Parque Estadual de Campos do Jordão (Horto) 2,2
O Parque Estadual de Campos do Jordão (Horto) é um local feito somente para turistas 2,3
Considero-me preparado, motivado e instruído para receber, orientar e informar aos turistas sobre o PECJ 3,0
Acho que deveria haver uma cobrança de ingresso MAIOR para que o Parque pudesse ser mais bem preservado 2,2
A natureza é intocável e qualquer interferência humana nessas áreas será prejudicial para sua existência 2,0
O turismo não traz nada de bom ao Parque Estadual de Campos do Jordão (Horto) 2,0
Não vejo qualquer tipo de interesse para mim e/ou minha família no PECJ (Horto) 2,0
turístico, a mesma demanda pode, segundo os mesmos entrevistados,
comprometer a preservação do local, tendo em vista a poluição gerada por
esses visitantes.
Com relação às afirmativas de menor nível de concordância pelos
moradores entrevistados (nível 2 numa escala até 05), destaca-se aquele em
que se afirma que a natureza “não é um bem que deve se manter intocável
pela ação humana”, que o “turismo não traz nada de bom ao PECJ” e ainda
com relação a afirmativa “não vejo qualquer tipo de interesse por mim e pela
minha família com relação ao PECJ”. Os mesmos entrevistados e
demonstraram, de certa forma, um “incômodo pela possibilidade de cobrança
de ingressos de entrada com valores maiores que os atuais”5 (2,2 na mesma
escala), mesmo que esse valor seja cobrado para fins de conservação e
valorização do Parque Estadual de Campos do Jordão.
Observou-se ainda um sentimento de proximidade e de certo
pertencimento entre os moradores entrevistados e o Parque Estadual de
Campos do Jordão, o que pode se afirmar quando se constata, por meio dos
resultados coletados na pesquisa desenvolvida com os moradores de Campos
do Jordão, que há um aparente interesse pelos moradores entrevistados com
relação ao PECJ, pois conforme descrito anteriormente, a maioria considera
que o Parque é de seu interesse assim como de sua família. Além disso, houve
um índice predominante de discordância com relação às afirmativas de que o
“parque é um lugar somente para turistas” (nível 2,3 de concordância numa
escala que vai até 05) e de que o “governo é o único dono e responsável pelo
PECJ” (nível 2,2 de concordância numa escala que vai até 05).
1.4 Considerações Finais
5 Atualmente (maio 2016) a entrada do PECJ possui os seguintes valores: Ingresso por pessoa R$ 13,00, sendo que crianças de até 12 anos, adultos com mais de 60 e pessoas com deficiência também não pagam. Estudantes pagam meia-entrada, mediante apresentação de documento. Informações disponíveis em http://www.ambiente.sp.gov.br/parque-campos-do-jordao. Acesso em 23 de maio de 2016.
A forma como uma comunidade enxerga as unidades de conservação
localizadas no seu entorno podem ser decisivas na definição das políticas
públicas favoráveis para a efetiva preservação das áreas de proteção
ambiental definidas, como o Parque Estadual de Campos do Jordão, utilizado
aqui como estudo de caso. Essas políticas podem interferir, por exemplo, na
decisão sobre o montante de verbas alocadas para as unidades de
conservação num determinado período, as quais podem ser utilizadas para a
fiscalização, monitoramento, pesquisa e atendimento ao visitante, influenciando
diretamente na garantia para a efetiva preservação das UCs, como prevê a lei
Lei nº 9985, conhecida como a lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidade de
Conservação).
Então o grande desafio passa a ser descobrir formas de se obter o apoio
da comunidade para a existência e manutenção das unidades de conservação
e por consequência das políticas públicas que favoreçam as UCs que existem
no seu entorno e que por consequência pertencem ao seu cotidiano, pois
quando a comunidade conhece, visita e considera a unidade de conservação
parte de sua vida, de sua história e de sua cultura e faça essa associação
mesmo que somente para fins recreacionais ou de simples contemplação da
natureza existente no local, a possibilidade de compreensão e por
consequência valorização desses locais por parte dessa comunidade aumenta
consideravelmente, já que dificilmente apoiamos a existência daquilo que nos é
estranho, que não faz parte do nosso cotidiano.
O distanciamento físico e moral da comunidade com a unidade de
conservação localizada no seu entorno é preocupante, pois pode comprometer
a valorização dessa área pelos moradores, que muitas vezes são incapazes de
perceber a importância do local para a sua vida e até questionam, em muitos
casos, o porquê de uma área tão extensa não poder ser aproveitada para
nenhuma finalidade econômica, o que pode comprometer sua sustentabilidade
para os próximos anos em virtude da falta de apoio da opinião pública, e por
consequência de políticas públicas que garantam a preservação do local
estudado.
A análise da relação entre a comunidade de Campos do Jordão e o PECJ
buscou compreender, principalmente, por que essa comunidade não considera
a unidade em estudo como um território a qual faz parte, tanto do ponto de
vista histórico, cultural como econômico, apesar dessa área compor um terço
de seu território. O que se observou, a partir da análise dos resultados obtidos
com a pesquisa aplicada junto a comunidade de Campos do Jordão, é que
essa comunidade pesquisada até valoriza a existência do Parque Estadual de
Campos do Jordão e de certa forma se sente coresponsável pela sua
preservação, mas por outro lado, pouco o visita ou tem interesse em visitá-lo,
apesar de indicar sua visita aos turistas. Esse resultado poderia ser diferente
se houvesse por parte do governo estadual e municipal ações efetivas para
ampliar a visitação por parte da comunidade, como a divulgação do local para
essa comunidade, visitas monitoradas com roteiros e horários pré-definidos
voltados à comunidade ou até mesmo um número maior de acontecimentos
programados no Parque Estadual de Campos do Jordão voltados
especificamente a comunidade que vive no seu entorno.
Ao contrário disso, o que se verifica são apenas ações isoladas por parte
da própria administração do parque voltadas a pratica de educação ambiental,
direcionadas apenas as crianças do ensino fundamental do município, sem um
apoio mais amplo das esferas governamentais de nível municipal ou estadual
para essas ações e sem a determinação de uma programação regular que
garanta a continuidade dessas propostas, o que enfraquece o programa e por
consequência o estabelecimento de uma política que garanta a compreensão e
valorização da comunidade frente ao PECJ a médio e longo prazo.
Mesmo que o campo pesquisado e aqui apresentado esteja limitado à
relação de uma comunidade com uma unidade de conservação específica
localizada no interior do Estado de São Paulo, entende-se que a situação
apresentada não seja exclusividade desse local nem tão pouco dessa
comunidade, mas algo que se repete em diversas outras unidades localizadas
não somente no Brasil como no exterior e em especial nos países latino
americanos, que apresentam por muitas vezes uma situação socioeconômica
muito parecida com a brasileira e por isso tendem a possuir um cenário similar.
Sugere-se então que o estudo apresentado não seja conclusivo, mas que
estimule a ampliação da discussão para outras unidades de conservação latino
americanas a fim de que se consiga estabelecer, a longo prazo, um efetivo
diálogo entre as comunidades e suas respectivas unidades de conservação
localizadas ao seu entorno, conseguindo a partir disso encontrar ações
integradoras que promovam benefícios tanto para a comunidade de entorno
como para as unidades de conservação, a fim de que a preservação de um
elemento não represente necessariamente a exclusão do outro.
Bibliografia
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