Corações Valentes - O Rebelde, Livro 1 (Jack Whyte)

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  • Ficha Tcnica

    Copyright 2010 Jack WhyteCopyright 2012 desta edio Casa da Palavra

    Publicado sob acordo com o autor, c/o Baror International, Inc. Armonk, New York, USA.Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998.

    proibida a reproduo total ou parcial sem a expressa anuncia da editora.Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

    Direo editorialMartha Ribas

    Ana Cecilia Impellizieri MartinsCoordenador do selo Fantasy

    Raphael DracconEditora

    Fernanda Cardoso ZimmerhanslEditora assistente

    Marina Boscato BigarellaCopidesque

    Suelen LopesReviso

    Beatriz SarloProjeto grficoRico Bacellar

    CapaLaboratrio SecretoIlustrao de capaRafael Sarmento

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    W618rWhyte, Jack

    O rebelde / Jack Whyte ; [traduo de Alexandre Martins]. - Rio de Janeiro : Casa da Palavra, 2012.(Coraes valentes ; 1)

    Traduo de: The forest lairdISBN 9788577343201

    1. Wallace, William, Sir, d. 1305 - Fico. 2. Fico histrica. 3. Fico escocesa. I. Martins, Alexandre. II. Ttulo. III. Srie12-4731. CDD: 828.99113

    CDU: 821.111(411)-3

    CASA DA PALAVRA PRODUO EDITORIALAv. Calgeras, 6, 1001, CentroRio de Janeiro RJ 20030-07021.2222-3167 21.2224-7461

    [email protected]

  • Este livro dedicado, como todosos outros, minha esposa, Beverley,

    porque no poderia ter encontradocompanhia melhor ou mais apropriada

    nesta jornada...

  • Nota do autor

    A perspectiva de escrever sobre Sir William Wallace depois do filme Corao valente foidesconcertante desde o incio. O roteiro refletiu, muito solidamente, o que eu havia aprendido, sobreo grande homem, durante minha infncia. Pode-se argumentar que houve imprecises e omisses notratamento dado ao tema pelo roteirista Randall Wallace, mas em geral ele foi impressionantementefiel essncia de sua origem, o poema pico The Wallace, escrito por Blind Hary mais de cemanos depois dos acontecimentos que aborda. Essa lacuna de cento e tantos anos implica emproblemas srios para qualquer um que pretenda fazer afirmaes sobre a vida do heri, quanto maisprov-las. Acrescente-se a isso o fato de que no temos sequer a certeza de seu nome ser Hary, e aincerteza de fazer qualquer declarao sobre Wallace aumenta ainda mais. Tudo o que podemosafirmar que Sir William Wallace existiu, foi um dos homens mais importantes e influentes de suapoca e sua influncia ainda uma fora poderosa na Esccia.

    Nasci na Esccia, em uma cidade chamada Johnstone, em Renfrewshire, perto de Paisley e apoucos minutos de caminhada do monumento a Wallace na aldeia vizinha de Elderslie ascomunidades eram separadas por uma linha imaginria na rua principal. O monumento foi umapresena comum, mas significativa, em minha infncia, assim como a idealizao do prprioWallace. Agora, depois de mais de quatro dcadas vivendo na Amrica do Norte, com a realidadesocial mudando rapidamente em forma e textura a cada ms, parece estranho olhar para trs elembrar como o reverencivamos quando garotos. Numa poca em que nossos pais e tios aindaestavam voltando para casa da Segunda Guerra Mundial e em que o nico meio de comunicaoeletrnico amplamente utilizado era o rdio de vlvulas, Wallace foi uma presena real e quase vivaem nossa existncia.

    Ento, iniciar a tarefa de escrever um romance sobre William Wallace, especialmente depois deCorao valente, era uma perspectiva assustadora, no mnimo por correr o risco de ser acusado deplagiar o filme. Ao comear este livro e pensar no que eu precisaria e como poderia conseguir isso,fui forado a aceitar, com grande relutncia, que aps quarenta e tantos anos vivendo no Canad, eutinha esquecido muito (ou pelo menos tinha dificuldade em lembrar) da autenticidade da terra na qualhavia crescido. Contudo, assim que reconheci isso, no tive nenhuma dificuldade em aceitar o fato deque estava muito atrasado para uma misso de investigao na Esccia de Wallace. Ento, a perguntaque eu tinha de responder era: Onde est a Esccia de Wallace, e como encontr-la? Na poca euno tinha a resposta, mas achava que sabia, ento planejei meu itinerrio cuidadosamente, avaliei queseriam necessrias cinco semanas para visitar os lugares selecionados. E foi nessa ltima avaliaoque toda a estrutura do meu plano comeou a desmoronar.

    A verdade que a Esccia que Wallace conheceu no existe mais, exceto nos pontos maissolitrios e inacessveis, lugares nos quais o prprio guardio raramente se aventurou. Setecentosanos de populao crescente, com assentamentos e agricultura se espalhando, desmatamento,construo de estradas e civilizao democrtica tornaram o pas irreconhecvel. H metrpoles,cidades, vilas e aldeias por toda parte, ligadas por uma sofisticada rede intrincada de estradas. Onderesiste algum vestgio de campos abertos, a paisagem salpicada de fazendas e cabanas, e dividida

  • por muros de pedra e cercas. No existe silncio. No interessa para onde voc v, mesmo noslocais mais remotos, como Glencoe ou Moor of Rannoch, ouvir a presena humana no rugido de umjato cruzando o cu, no apito de um trem distante ou no som do trfego em uma estrada prxima.

    Wallace no reconheceria seu prprio pas. No resta vestgio da ponte de madeira em Stirling,local de sua grande vitria sobre os ingleses. A rea conhecida como Carse of Stirling, juntamentecom os pntanos que a cercam dos dois lados e tornaram a travessia do rio Forth to traioeira paraexrcitos invasores, foi domesticada ao longo de centenas de anos, entregue ao arado e transformadaem ricas terras agrcolas, riscadas por boas estradas e pontes slidas. A enorme floresta que um diacobriu quase todos os quadrantes sudeste e sul da Esccia, conhecida como floresta de Ettrick efloresta de Selkirk, desapareceu quase totalmente, restando apenas pequenos vestgios, plantados,organizados e protegidos com cuidado pelo Departamento Florestal Escocs. Mesmo os poucosgrandes monumentos histricos que Wallace teria conhecido so hoje esqueletos a catedral de St.Andrews e a abadia de Sweetheart so bonitas e imponentes, muitas vezes de tirar o flego, mas sorunas antigas sem vitalidade, e quase impossvel hoje imagin-las cheias de vida.

    Lugares como os castelos de Stirling e Edimburgo parecem atemporais e imutveis, mas a verdade que os castelos fortificados e com paliadas de madeira, mostrados em Corao valente, do umaideia muito mais precisa de como teriam sido h sete sculos, pois os grandes prdios imponentes depedra que vemos hoje ainda no haviam sido construdos quando Wallace estava vivo. A abadia dePaisley estava l no comeo do sculo XIV, mas ela mudou at se tornar irreconhecvel. Eduardo daInglaterra a queimou em 1306 ou 1307, dois anos aps a morte de Wallace, deixando de p apenasdois arcos, e quando a abadia foi reconstruda esses arcos foram incorporados a um novo prdiomuito diferente. Eles ainda so facilmente identificveis se voc souber onde procurar, mas o prdiopropriamente dito uma construo relativamente novo.

    Este livro, portanto, minha tentativa de conciliar e interpretar algumas das novas ideias quesurgiram recentemente sobre William Wallace, e incorpora vrias ideias e sugestes intrigantespropostas por pessoas muito mais qualificadas que eu para julg-las. Em um sentido muito limitado eespecfico, e sem qualquer desrespeito em mente, a vida dele pode ser comparada de Jesus, namedida em que ambos saram da obscuridade j com alguma idade entre 27 e 30 anos e ambostiveram uma carreira pblica brilhante e meterica que terminou em execuo. Ningum realmentesabe o que os dois homens fizeram nos anos antes de se expor publicamente, e esta histria especulao que poderia ter sido no caso do maior guardio da Esccia.

    Jack Whyte

  • Prlogo

    Para mim doloroso ouvir as pessoas dizerem que William Wallace morreu um rebelde, um patriotaheroico com um grito de liberdade nos lbios, porque isso mentira. William Wallace morreu deforma lenta e brutal, em silncio. Eu sei bem, pois estava l, na praa Smithfield de Londres, naquelamanh de 24 de agosto de 1305, e tudo o que eu ouvi foi o grito final enlouquecido de um homemderrotado e torturado, levado alm do suportvel muito antes de morrer.

    Eu fui o ltimo de nossa raa a v-lo vivo e a falar com ele, o nico escocs na multido queassistiu ao seu fim e o nico que estava l para registrar e lamentar seu falecimento. Mas no o vimorrer, porque meus olhos estavam apertados para conter as lgrimas que me cegavam. Quandoconsegui respirar novamente e enxuguei o rosto, j estavam esquartejando seu cadver, o carrasco-chefe proclamando sua morte e erguendo a cabea cortada do Ogro Escocs que aterrorizara toda aInglaterra.

    Sir William Wallace, guardio da Esccia, meu amigo, meu primo de sangue e minha nmesis detoda a vida, nunca mais atormentaria outra alma.

    Mas, em nome de Deus, ele aterrorizou o bastante em vida para que seu nome sobrevivesse, pelomenos na Esccia, muito aps sua morte, como uma cruel lembrana da punio pela traio edesobedincia.

    Enquanto eu via os carrascos desmembrando seus restos, aceitei a realidade de sua morte damesma forma que aceitara sua inevitabilidade duas semanas antes, quando recebi a notcia de que elehavia sido apanhado por Sir John Menteith e entregue justia do rei ingls. Eu sabia que isso estavapor acontecer no que Menteith iria prend-lo, mas que algum iria, e logo, pois o tempo deWilliam Wallace chegara ao fim. Ele cara em desgraa aos olhos das pessoas que liderara einspirara apenas alguns anos antes e se tornara um obstculo; uma fonte de desconforto para todaselas; uma lembrana espinhosa, crtica e inflexvel de tudo pelo que haviam lutado e depoisabandonado. Pois elas haviam entrado em acordo nobres, clrigos e plebeus com EduardoPlantageneta da Inglaterra, e o rei ingls estava sendo tolerante, anistiando todos os rebeldesescoceses que aceitassem sua paz, com exceo do traidor fora da lei: Wallace. O preo dessaanistia era a entrega do bandido William justia de Eduardo. Todo nobre, representante da Coroa eoficial da justia no territrio da Esccia recebera a misso de deter o antigo guardio assim queidentificado e envi-lo a Londres como um criminoso comum.

    Eu estava na Inglaterra quando ouvi a notcia, levando documentos de meu superior, Walter, abadede Paisley, ao bispo de York e ao bispo de Londres. Parei para descansar no priorado de Reading, el descobri que o nico tema das conversas entre os irmos era a recente captura de Wallace. Todossabiam que ele seria julgado e executado imediatamente, a forma de execuo era tema de debate econjectura entre os monges, que raramente tinham motivo para especular sobre coisas terrenas. Euescutei as conversas e pensei em como o homem que conheci era diferente do monstro que todosdifamavam.

    Ento decidi, naquele momento, visit-lo enquanto estava em Londres. Eu tinha amigos poderososentre o clero, e prometi a mim mesmo que os usaria para descobrir onde ele estava preso e, se

  • possvel, iria v-lo para oferecer o pouco consolo de que fosse capaz em suas ltimas horas em meioa um povo estrangeiro que o odiava e temia.

    Acabei no tendo dificuldade em descobrir onde ele estava preso, j que toda a cidade de Londresestava excitada com a notcia, e com a ajuda de um amigo de confiana, padre Antony Latreque,abade de Westminster, fui conduzido cela do prisioneiro, em sua ltima noite, para ouvir suaconfisso final.

    As lgrimas que eu mais tarde iria derramar na praa Smithfield, me cegando para seus momentosfinais, no teriam nada a ver com a barbaridade que estava testemunhando naquela manh de final deagosto. Em vez disso, elas brotariam de uma repentina lembrana das lgrimas do prprio Wallace,mais cedo, muito antes do alvorecer, e antes que fossem busc-lo para morrer. Ver aquelas lgrimasme abalou, pois nunca vi Will Wallace chorar desde o dia em que nossa infncia terminara, e aangstia nos olhos dele havia sido to penetrante e insuportvel quanto a dor que ele e eu suportamosjuntos naquele dia muito distante.

    Ele no me reconheceu ao entrar, pois quatro anos inteiros haviam se passado desde que nos vimospela ltima vez. Ele viu apenas um padre encapuzado acompanhando um abade. O carcereiro viu amesma coisa, me ignorando enquanto se lamuriava sobre as ordens de no permitir visitas aoprisioneiro.

    No somos visitantes replicou o abade Antony com desdm. Somos da Santa Madre Igreja, enossa presena marca uma ltima tentativa de fazer esse criminoso se arrepender de seucomportamento e confessar-se diante de Deus. Agora nos d alguma luz e abra esta porta.

    O sujeito se arrastou de modo a trazer para cada um de ns uma tocha, depois destrancou a porta,apoiou o ombro nela e a empurrou para abrir. Minha primeira espiada revelou um amplo piso depedra, mal iluminado por uma tocha tremeluzente em um apoio de ferro na parede esquerda. No vinenhum sinal do prisioneiro, mas ele falou antes que tivssemos cruzado o umbral, suas palavrasacompanhadas por um nico chacoalhar breve de correntes.

    No preciso de sua pretenso inglesa, padre. V e leve seu sacerdote consigo.Ele falou em latim, e o abade se virou para mim, com as sobrancelhas erguidas de surpresa. Eu me

    limitei a um gesto com as mos em concha, pedindo a ele que prosseguisse como havamos ensaiado.O latim no era surpresa para mim, embora eu no tivesse pensado em falar nessa lngua ao meucompanheiro. Wallace e eu havamos aprendido a lngua juntos quando estudantes na mesma abadiade Paisley, que naquele momento era minha casa.

    O abade Antony falou ao prisioneiro como havamos combinado, mas agora em latim. Ouvi falar de seu dio a todas as coisas inglesas, William Wallace, mas embora lamente isso e

    sua teimosa intransigncia, me vejo impelido, por simples caridade crist, a lhe oferecer o benefciodos sacramentos de Deus, na esperana de que, no final, Sua clemncia o absolva de seus muitospecados.

    Ento busque seu prprio povo, padre, a comear pelo seu rei, e o absolva, pois seus pecadosso maiores que os meus foram disse, a voz cortante de desprezo. D o perdo aos carniceirosque massacraram minha famlia e meus amigos. Reze com os animais bbados que me estupraram eviolentaram meu povo. Murmure uma missa com seus avarentos condes e bares que tomaram minhacasa e tentaram faz-la em pedaos para saciar sua prpria cobia de terra e poder. Mas me deixecom meu Deus. Ele conhece meus pecados e o que me levou a comet-los. No preciso de umtradutor ingls que envenene minhas palavras antes que elas cheguem aos ouvidos de Deus.

  • No eram exatamente as palavras que eu esperava, mas estimei o tom e o contedo. O abadeAntony estava mortificado, e deixava isso visvel no rosto. Ouvir tal veneno em uma s voz, dirigidono apenas a ele, mas a toda a sua Igreja e a seu povo, deixou o homem mudo, mas no confuso. Eu oalertara de que poderia ouvir coisas chocantes quando confrontasse aquele prisioneiro, de modo queele se recomps rapidamente e retornou ao roteiro que havamos preparado, contornando o risco deque outros pudessem nos escutar.

    Eu ouvi que voc era obstinado em seu dio contra aqueles do meu tipo, mas minha obrigaocrist, como homem de Deus, fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajud-lo a conseguir asalvao. Ento... disse, hesitando e depois prosseguindo. Ento, me esforcei muito para trazerum intermedirio entre voc e Deus a quem possa falar em sua prpria lngua. O padre James dasua gente. Eu o deixarei comungando com voc e ouvindo sua confisso.

    Ento o prisioneiro virou os olhos em minha direo pela primeira vez, e embora fosse apenas umaforma se movendo nas trevas, percebi seus olhos semicerrados para me ver melhor.

    O que um padre escocs est fazendo aqui? Seu dever de confortar os aflitos respondeu Antony. Voc falar com ele? Caso positivo,

    deixarei os dois sozinhos.Wallace deu de ombros, o movimento visto com facilidade medida que meus olhos se

    acostumavam escurido. Falarei com ele, no mnimo para ouvir minha prpria lngua. Quem voc, padre? De onde ? Obrigado, abade eu disse em voz baixa, e Antony se virou na direo da porta ainda aberta. Eu

    o ouvi falar com o carcereiro do lado de fora, e depois o homem arrastou a enorme porta at ela sefechar, me deixando sozinho com o prisioneiro. De onde sou? Sou de Paisley, da abadia. No meconhece, Will?

    A figura indistinta se empertigou como se houvesse sido golpeada. Jamie? Jamie Wallace? O que em nome de Deus voc est fazendo aqui? Basta seu nome para

    arrast-lo ao palanque juntamente comigo.Eu tirei o capuz da cabea e deixei que ele visse meu sorriso. O simples padre James? Duvido, Will. A parte Wallace de mim desconhecida aqui na

    Inglaterra. Ento reze a Deus para que permanea assim. Isso loucura, Jamie. Mas bom ver seu rosto. E ver o seu, primo, embora Deus saiba que nunca esperei v-lo em tais apuros disse, dando um

    passo frente para abra-lo, mas parando assim que a luz de minha tocha pousou sobre ele. Quetipo de barbaridade essa?

    Ele sorriu para mim e se empertigou com toda sua altura imponente. No percebe que sou um sujeito perigoso? disse ele em nosso idioma. Eles me chamam de

    Ogro Escocs e acreditam que devoro criancinhas sempre que tenho uma oportunidade.Seus cabelos e barba estavam emaranhados e compridos, e ele vestia apenas uma camisa

    esfarrapada, com uma das mangas arrancadas do ombro, revelando a grande massa de msculos ali,mas prestei pouca ateno a essas coisas. Estava olhando para os arreios que o prendiam.

    Consegue se sentar?Seu sorriso se abriu, mas no havia humor em seus olhos. Sentar? Sentar no qu? Eu demoro um tempo enorme para me levantar sem tombar para o lado.

    Tenho de ficar de p com as pernas arreganhadas e apoiar as costas na parede seno caio, e essas

  • correntes nem me deixariam fazer isso.As correntes que o continham pelos pulsos e tornozelos eram grossas e pesadas, firmemente presas

    a um grosso cinto de couro que circundava sua cintura. O cinturo era afixado, direita e esquerda,as correntes curtas presas a um pesado anel de ferro cravado na parede atrs dele. Ele no podiacair, nem podia virar. Tudo o que podia fazer era ficar de p ou permitir que seu peso afundasse noarreio ao redor da cintura, mas tambm no seria confortvel, pois as correntes do cinturo tinhamcomprimentos diferentes, garantindo que ele ficasse cado para um dos lados.

    H quanto tempo est preso assim? Trs dias respondeu, ainda em escocs. Espero que me perdoe o fedor, pois eles no me

    soltaram desde que me trancaram aqui.Ele estava inacreditavelmente imundo, e quando mencionou, o assustador fedor me atingiu como

    um soco. Eu baixei a tocha, olhando para suas pernas sujas sob a camisa esfarrapada que usava.Tinham uma crosta de fezes, e o piso aos seus ps era uma poa fedorenta.

    Meu Jesus eu disse, os sentidos confusos. Quem o responsvel por isso? Isso ... e parei,sem conseguir encontrar palavras.

    Essa a vingana de Eduardo, ou o comeo dela, por toda dor que causei a ele nesses anos.Amanh; no, hoje, ele dar um fim a isso. Mas antes que ele termine, irei ansiar pelo conforto deficar de p aqui, pendurado em minhas correntes. Entende que ele sequer veio olhar para mim,Jamie? Seria de pensar que ele iria querer pelo menos olhar, no ? Para se vangloriar um pouco.Mas no. Ele deixou tudo por conta dos seus juzes...

    Eu abri a boca para falar, mas nada saiu. Ser um belo dia, me dizem os carcereiros. Um grande dia de vero para morrer. Mas Londres

    um lugar sujo e fedorento, Jamie, um lugar triste para se morrer. Daria qualquer coisa para ouvir ospssaros cantando, para dar as boas-vindas ao amanhecer em Tor Wood uma ltima vez disse, ebufou. Mas agora eu no tenho nada para dar, e estamos muito longe da floresta de Ettrick.

    Naquele momento aconteceu um milagre.Em algum ponto alm da alta janela com grades acima de nossas cabeas, um pssaro comeou a

    cantar, e a clareza e o volume do som nos calou. A cano era brilhante em sua beleza crescente, asnotas subindo e descendo com lmpida perfeio, de modo que parecia que a criatura que as produziaestava ali na cela conosco em vez de do lado de fora, no negror da noite. Eu vi os olhos de Wallacese arregalando e enchendo com uma espcie de medo supersticioso.

    Me de Deus sussurrou ele. Que tipo de feitiaria essa? Ainda faltam trs horas inteiraspara o alvorecer. Que tipo de criatura faz um som assim na escurido da noite?

    s um pssaro, Will, nada mais. Eles o chamam de rouxinol, e canta noite. Acho que ele noexiste na Esccia, embora possa estar enganado. Eu certamente nunca ouvi nenhum l, e no o tipode coisa que voc esqueceria facilmente. No maravilhoso?

    Ele escutou, e pude ver a tenso desaparecendo. Finalmente permitiu que seu peso repousasse umpouco nos grilhes.

    Sim murmurou. isso, uma coisa com a qual se maravilhar.No tenho ideia de quanto tempo ficamos ali de p escutando-o antes do silncio da noite voltar. Ele partiu. Acha que ir voltar? Seu palpite to bom quanto o meu. Mas ele atendeu seu desejo. Isso foi como um milagre. Sim disse, olhando para o nada. Lembra daquele dia na floresta de Dalfinnon, Jamie, antes

  • que eles nos pegassem? Lembra que nos escondemos entre as amoras? Estava muito quieto e ficamosprestando muita ateno nos sons vindo deles, e ento a nica coisa que podamos ouvir era umpequeno canto na rvore acima de nossas cabeas? Deus, aquele passarinho l sabia cantar. Comoum pintarroxo, dizem. Mas a no ser que voc conhea o som de um pintarroxo, nunca vai poderdizer se era verdade ou no. Foi a pequena Jenny que me disse naquele dia que o passarinho era umpintarroxo, pois eu no conhecia. Como poderia saber? Pobre Jenny... disse, apertando os olhos evirando a cabea. Ela tinha 7 anos e aquele grande ingls filho de uma puta a matou. Nem mesmoolhou para o que tinha feito. Nem mesmo virou a cabea para ver. Apenas cortou seu pescoo fino damesma forma que teria feito com uma galinha. Jesus, Jamie, sonhei com isso durante anos, a cabeadela rolando e pulando como uma bola que as crianas chutam para os arbustos, a boca aberta e osolhos arregalados, como se estivesse pensando no que havia acontecido. O que eles fizeram a voc ea mim depois era motivo suficiente para odiar todos eles e querer v-los mortos, mas a pobrepequena Jenny...

    Ele se empertigou novamente, voltando a apoiar os ombros na parede, e retornou ao latim: O nome dele era Percy, sabia disso? O homem que matou Jenny? William Percy. Um parente

    pervertido do conde ingls. Eu o encontrei novamente, anos depois, aps a batalha de StirlingBridge, reconheci entre os prisioneiros. Ele no lembrou de mim, mas eu levei seu rosto em minhamente. Eu o pendurei pelos calcanhares enquanto recordava o que havia feito a ns e minhairmzinha. Ele negou tudo, mas no podia negar a cicatriz que marcou seu rosto naquele dia, e aindamarcava. Eu cortei suas entranhas com meu punhal e as deixei cair sobre o rosto dele, e quando eleparou de gritar, cortei sua cabea. Mas no to secamente quanto ele cortara a de Jenny, precisei detrs golpes, por causa do modo como estava pendurado.

    Eu fechei os olhos, tentando eliminar a imagem que ele evocara. A Inglaterra teve muitos motivos para lamentar aquele dia de trabalho na floresta de Dalfinnon. E

    este novo dia colocar um fim nisso quando eles me enforcarem e arrancarem minhas entranhas assimcomo eu cortei as dele. Algumas pessoas, o arcebispo Lamberton foi uma delas, me perguntaram porque odeio tanto os ingleses, mas eu tinha tantas razes que nunca fui capaz de responder a nenhumadelas. Cristo sabe que ns, escoceses, nunca tivemos de procurar muito por motivos para desprezar acrueldade e a arrogncia desse povo, mas aquele dia na floresta de Dalfinnon teve muito a ver comisso. J havia sido muito ruim eles terem matado minha me e meu pai naquela manh. Mas o quefizeram a ns naquela floresta garantiu meu verdadeiro dio; to forte hoje quanto foi na poca. Masvoc os perdoou, Jamie, ao passo que eu nunca consegui, e nunca quis disse, balanando a cabea,perplexo. Como voc pde, depois do que fizeram a voc naquele dia? Voc os perdoou, e eununca duvidei de sua sinceridade. Mas tambm nunca entendi. Ns ficamos mais ntimos depoisdaquilo, mas depois nossos caminhos se separaram. Voc abraou a cruz, e eu abracei o arco. Mascontinuamos amigos, mesmo com voc desaprovando a mim e a tudo o que eu fazia.

    Ergui a mo para interromp-lo. Eu raramente desaprovei o que voc defendia, Will, ou o que voc queria. Era o modo, no o

    motivo, que me causava dor. Eu louvava seus objetivos, mas deplorava a selvageria em suaconquista.

    Selvageria... sim. Mas apenas um tolo daria a outra face a inimigos que o matariam por fazerisso. Ou voc acha que os ingleses no so selvagens?

    O que vimos na floresta de Dalfinnon foi depravao, Will, cometida por um bando de homens

  • bbados. Poderiam muito bem ser escoceses, no fosse pela graa de Deus. Eles eram ingleses, Jamie. Sim, e eram bbados. Nenhum homem melhora com a bebida. Mas atribuir seus crimes, por

    piores que tenham sido, a toda Inglaterra e a todos os ingleses no faz sentido para mim. Bem, agora tarde demais para debater isso. Fale-me sobre Cressingham. Cressingham?Minha pergunta claramente o surpreendeu, pois ele inclinou a cabea para o lado e pensou por um

    momento. Cressingham era um idiota; um idiota pomposo e pretensioso. O ingls mais odiado da Esccia. Sim, mas tambm seu prisioneiro depois da Batalha de Stirling Bridge. Voc realmente o esfolou

    vivo para fazer para si uma bainha de espada?Ele se contorceu. No, Deus minha testemunha! falatrio de inimigos ressentidos. Eu no estava perto do lugar

    onde ele foi morto. Mas ele foi morto. E esfolado vivo antes disso. Sim, ele foi. uma das razes pelas quais eles vo me enforcar como criminoso. Punio, dizem.

    Mas eu no estava l, e no soube de nada at ele j estar morto. Tinha coisas demais na cabeanaquele dia, depois da batalha e com Andrew Murray gravemente ferido, para prestar ateno no quemeus homens estavam fazendo. Mas a responsabilidade era minha como lder. Isso indiscutvel, eeu a aceito.

    Eu me virei, pensando em fazer um sermo sobre aparncias e culpa, mas quando me voltei parafit-lo vi seus olhos rasos dgua, e a viso transformou minhas palavras moralistas em cinzas emminha boca. William Wallace nunca foi visto chorando por nada. Era parte da lenda entre os homensselvagens e incontrolveis que ele liderara por tanto tempo. Mas estava chorando naquele momento,despudoradamente; as lgrimas correndo por suas bochechas at sua barba emaranhada.

    O que h, Will? O que h de errado?Perguntas tolas, inteis, eu sabia.Ele ergueu a cabea e olhou diretamente para mim. Eu estava errado, Jamie? Eu fui um tolo esses anos todos?Eu s consegui olhar para ele, boquiaberto. Eu fiz o que minha conscincia mandou, e fiz isso por nossa terra triste e por nosso povo

    empobrecido. Eu sabia que no tinha habilidade para isso nem o direito de fazer, e recolhi a bandeirade guardio depois de Falkirk, quando isso ficou claro para todos. Mas o povo chorava denecessidade, e nunca iria conseguir apoio entre os nobres da Esccia. Ento eu me apresentei econcordei em ser guardio, por insistncia de Wishart; Wishart e outros, os lordes da Igreja daEsccia. Eles pelo menos permaneceram leais ao rei e ao reino quando os grandes senhores estavamunicamente se preocupando com eles mesmos. Ento eu liderei o povo escocs contra todos aquelesque o iriam esmagar; magnatas escoceses e parasitas ingleses; o liderei at a vitria em Stirling comAndrew Murray e depois at o massacre em Falkirk. E depois disso me afastei e deixei outrosconduzirem os rumos da terra.

    No havia outros para conduzir, Will. Voc era o escolhido por Deus para o cargo, e a derrotaem Falkirk no foi obra sua. Voc deveria ter ficado.

  • Merda! Foi obra minha, Jamie. Andrew Murray nunca teria deixado que se passasse o queaconteceu ali. Ele teria encontrado um modo de fazer funcionar. Sua morte aps a Batalha de StirlingBridge foi a maior perda da Esccia, e minha. E o que eu teria feito caso tivesse ficado? Lideradooutros mil homens para a morte em outro massacre? No, Jamie, no...

    Ele pigarreou e apertou os ombros contra a parede em busca de conforto. Eu no podia fazer isso, no depois do que descobrira vendo aqueles cavaleiros filhos da me

    correndo, fugindo do campo e nos deixando para trs como animais a serem massacrados. O orgulhoda Esccia! Bah! Aquela farsa em Falkirk me ensinou que a Esccia nunca ser livre at que seusprprios lordes e magnatas se transformem, at que vejam que sua prpria liberdade, sua honrapessoal, e poucos deles tm isso aos olhos do povo, devem ser arrancadas da Inglaterra. Enquantoeles continuarem sentados discutindo, dedicando mais tempo e reflexo ao bem-estar de suas terrasna Inglaterra que aos problemas em casa, a Esccia ser uma terra arrasada, seu povo massacradopela nobreza dos dois lados enquanto seus magnatas fazem acordos para o prprio enriquecimento.

    Vamos l, Will, no to desolador. H alguns na nobreza que demonstram grande lealdade terra.

    Sim, mas muito poucos, e no o bastante. Os outros so leais apenas a eles mesmos. Vi issoclaramente naquele dia em Falkirk, e foi quando soube que no podia mais suportar. Eu lavei as mospara aquilo tudo, como Pncio Pilatos, e ento me odiaram por isso. E agora vou morrer ao nascerdo sol, e me pergunto... no, isso no verdade, Jamie. Pergunto a voc: eu estava errado no caminhoque escolhi?

    Ele se empertigou e sacudiu as correntes em seus braos, olhando para elas antes de erguer osolhos atormentados para mim.

    Eu desonrei a Esccia? Deus sabe que cometi muitos pecados aos olhos de homens como voc, enenhum deles me incomodou, j que eu via meu dever claramente. Mas seria doloroso agora acharque estive errado por todos esses anos, ou que fugi ao meu dever no final.

    Ele passou do latim religioso para o escocs. Voc nunca mentiu para mim, Jamie. Voc me enfrentou, gritou comigo e me desafiou, mas nunca

    mentiu para mim. Ento agora me diga. Eu estava errado? No posso responder a isso, Will. S Deus pode. Diga-me, voc tem medo do que faro a voc?Ele ergueu as sobrancelhas. Os carrascos? Voc delira? Claro que sim. Eles vo me matar, Jamie, me estripar e cortar em

    pedaos, e eu no vou gostar de nenhuma parte disso. Mas Deus sabe que no tenho medo da morte.Houve momentos, logo depois de Falkirk, em que eu teria dado as boas-vindas morte, de qualquerlado; e antes daquilo eu pensei em morrer em uma luta ou outra. No morrer que me incomoda, omodo, pois eu no gostaria de morrer mal, chorando como uma criana que levou umas palmadas notraseiro. Voc estar l?

    Est falando entre a multido? No, que Deus no permita. J basta estar aqui agora. Voc viria se eu pedisse, Jamie? Estar l como minha testemunha? No haver mais ningum. Para ver voc morrer? algo que no tenho nenhum desejo de ver, Will. Sim, mas no apenas para ver; para poder dar seu testemunho depois. Ademais, voc estar l me

    impediria de me lamuriar e me fazer de bobo.Descobri que foi fcil sorrir com isso. Acho que h pouca chance disso, Will. Nenhum guardio da Esccia foi o bobo de ningum.

  • Sim, mas eu fracassei como guardio disse, olhando para mim srio. Voc vir, por mim?Eu fechei os olhos e ento assenti. Virei, Sir William. Serei sua testemunha, honrarei sua confiana e serei honrado por ela. Ir se

    confessar agora? Est preparado para isso?Seu lento consentimento tirou um peso de minha alma. Sim, padre James, irei. Estou pronto... tanto para falar com Deus quanto para encontr-lo.

    E assim eu fiquei de p na praa Smithfield e testemunhei em silncio a morte do homem que acreditoter sido o maior e mais leal filho da Esccia. Ele tinha 35 anos, dois anos mais velho que eu.Lembro, porque aquele era o dia do meu 33 aniversrio, e quase tanto se passou desde ento.

    O jovem Robert Bruce, conde de Carrick, tomou o trono no ano seguinte, em 1306, e ao longo dasduas dcadas seguintes finalmente expulsou os ingleses de solo escocs e construiu um pas unificadoa partir do caos feudal. Foi ele quem levou nossa terra a unidade, a paz e a prosperidade com asquais meu primo William ousou sonhar.

    Mas foi apenas recentemente, quando comearam a circular esses novos boatos da morte heroica edesafiadora de O Wallace, que lembrei da insistncia de Will em que eu fosse testemunha e falasseem seu favor. No passara pela cabea dele que pudesse ser transformado em celebridade; ele estavapreocupado em ser difamado e degradado na morte. E agora est acontecendo o oposto, e isso mechoca como sendo mais funesto que seus medos ao morrer. Ele est sendo recriado falsamente porpessoas que querem usar sua grandeza para benefcio prprio.

    Assim, chegou o momento de escrever sobre o William Wallace que eu conheci, pois o homem queesses boatos vazios colocam em seu lugar pintado em cores falsas e espalhafatosas, retratando umheri da antiguidade, sem pecado, sem falha, sem remorso e, pior de tudo, sem a mistura enganosa eirritante de fora adorvel e falhas lamentveis que fizeram de meu primo Will o homem que foi.

  • Captulo 1

    Mesmo agora, quando mais de cinquenta anos se passaram, acho difcil imaginar um paladino menosadequado. Ele foi paladino para ns, pois salvou nossas vidas, nossa noo de sentido e nossa pazmental, restaurando nossa dignidade estraalhada quando estvamos no ponto mais baixo.Possivelmente o homem de aparncia menos atraente que j vi, rapidamente se tornou uma das maisslidas fundaes de minha jovem vida. Mas naquela primeira noite, quando ele nos despertou de umsono exausto, vimos apenas o rosto monstruoso, esverdeado e sem pelos de um demnio ardiloso seerguendo acima de ns.

    Estvamos gaguejando de terror, e nosso medo era real, pois havia dois dias que corramosaterrorizados, subindo e descendo colinas, tropeando e caindo, e cegos de lgrimas e dor,soluando e incoerentes a maior parte do tempo, inteiramente convencidos de que seramosapanhados e mortos a qualquer momento pelos homens que nos perseguiam. No tnhamos noo dosquilmetros que ficavam para trs ou da distncia que havamos percorrido. Sabamos apenas quetnhamos de continuar correndo. Em certos momentos, impotentes pela exausto, parvamos paradescansar, nos apertando em qualquer lugar que oferecesse um mnimo esconderijo, mas nuncaousvamos parar muito tempo, porque os homens que nos caavam tinham pernas muito maiscompridas que as nossas e eles sabiam que podamos conden-los pelos crimes que havamos vistocometer. E ento, assim que conseguamos encontrar foras para correr por nossas vidas novamente,corramos. Bebamos sempre que encontrvamos um crrego, mas no ousvamos parar para caarou pescar. No podamos sequer roubar comida, porque fugamos por campo aberto, evitandopessoas e lugares que pudessem abrigar nossos perseguidores.

    Chegamos ao alto de uma comprida encosta e nos agachamos ali atrs de uma alta touceira desamambaias, olhando para baixo para o lugar de onde viramos e chocados de descobrir quepodamos ver quilmetros a fio e que ningum nos perseguia. Apertamos os olhos em busca de sinaisde movimento na colina, mas s vimos lebres e o que poderia ser um porco selvagem, mais de umquilmetro e meio abaixo de ns. Finalmente aceitamos que no havia assassinos vorazes noscaando.

    nossa frente, a encosta descia suavemente por oitocentos metros na direo de uma planciecoberta de relva, limitada direita pelo canal profundo e arborizado de um riacho da montanha.

    Will apontou para as rvores. Vamos para l. Ningum nos ver e poderemos dormir.Quando partimos, eu me senti cambaleando embriagadamente, incapaz de pensar em qualquer coisa

    que no no fato de que logo poderamos dormir. Era final de tarde, e o sol lanava nossas sombrasbem frente de ns. A relva sob nossos ps era curta e densa, e o avano era fcil. Logo chegamos beirada do desfiladeiro e pulamos na primeira depresso que encontramos, um buraco de lateraisaltas cheio de relva, protegido pelo topo das rvores que se erguiam abaixo de ns na fenda profundae escondida. Em poucos minutos estvamos dormindo.

    No sei quanto tempo se passou. Mas algo bateu no meu p, e abri os olhos para ver o rosto maishediondo que j havia visto olhando para mim. Eu gritei, acordando Will com um susto e fazendo

  • com que nos lanssemos ladeira acima, mas o monstro nos pegou facilmente, me agarrando eenfiando debaixo de um brao e prendendo Will no cho com uma enorme bota. Ele nos silencioucom um rugido poderoso que considerei sede de sangue, ento me lanou agachado a seus ps,depois recuou um passo e nos observou. Estiquei a mo na direo de Will, e ele a apertou comfora, nos preparamos para a mutilao e a morte que a apario certamente nos causaria. Mas entoa grgula nos deu as costas, e a ouvimos falar.

    Primeiro achei que eram ladres querendo me roubar. Estava longe, e achei que eram homens.Era uma voz estranha, inesperadamente suave, e as palavras eram cuidadosamente articuladas.

    Falava em escocs, mas com um ritmo estrangeiro. No sabamos o que pensar e, ainda tomados peloterror, nos encaramos com olhos arregalados. Mas, com as costas do gigante voltadas para ns, eupodia ver que no havia nada de sobrenatural nele. Por trs ele era um homem como qualquer outro,embora com um volume enorme. Apenas quando ele encarava diretamente que voc o achavahediondo. Estava vestido em tons de verde, a cabea escondida por um capuz que fazia parte datnica, e enquanto eu olhava, meu corao comeando a desacelerar, ele ergueu a mo e deu umpuxo na testa.

    Quando se virou para ns, o rosto estava coberto por uma mscara de tecido verde que ele deviater baixado do capuz. Estava firmemente presa sob o queixo, e tinha apenas trs aberturas debeiradas irregulares, uma para respirar e uma para cada olho. O olho direito brilhava na minhadireo desde a abertura.

    Pronto disse ele. Melhor assim, no? Melhor? repeti, minha voz pouco mais que um guincho. Meu rosto. Assusta crianas. Ento eu o mantenho escondido... a maior parte do tempo disse,

    inclinando a cabea para olhar para Will. E agora que sei que no esto aqui para me roubar, tenhoalgumas perguntas a fazer.

    Ele se curvou de repente, agarrando meu tornozelo, e eu fiquei rgido de medo, mas ele apenas otorceu gentilmente e levantou para dar uma olhada na parte de trs de minha perna.

    Suas pernas esto cobertas de sangue seco. E tambm as suas acrescentou, apontando com acabea para Will. Por que apenas as pernas e por que s a parte de trs?

    Voc sabe muito bem disse Will, com a voz um pouco mais alta que a minha, mas eu podiaperceber o desafio nela. Voc fez isso; voc e seus amigos. Nos usou como mulheres... Comoovelhas.

    Eu fiz o qu? disse o gigante, se levantando por um momento, abrindo e fechando um enormepunho grosso, depois se curvando rapidamente e agarrando o tornozelo de Will da mesma forma quepegara o meu. Fique quieto. No vou machucar voc rosnou ele quando Will comeou a chutar.

    Eu tambm fiquei tenso com o movimento sbito dele, pronto para me lanar em defesa de Will,mas depois fiquei imvel, sentindo que no havia maldade naquele homem. Ento assisti enquanto elevirava Will de barriga para baixo e o mantinha preso com a mo entre os ombros enquanto levantavaa bainha da nica roupa de meu primo, expondo a base das costas, as ndegas e os danos do quehavia sido feito a ele. Eu no tinha visto at aquele momento, pois nenhum de ns falou sobre o queacontecera, mas eu sabia que o que estava vendo era o reflexo de minhas prprias costas. Vomitei,ouvindo o gigante repetir:

    Fique quieto, jovem, deitado quieto.Quando terminei de limpar a boca, os dois olhavam para mim. Will sentado, rosto plido, e o

  • gigante reclinado, os ombros apoiados na encosta que se erguia atrs dele. Jesus Cristo disse nosso captor naquela sua curiosa voz macia e algumas vezes sibilante.

    Agora me escutem os dois. Sei que me ver assustou vocs. Isso acontece bastante, e eu me acostumei.Mas tambm saibam disso. No tive nenhuma participao no que foi feito a vocs, e nenhum amigomeu faria isso, jamais. No sei quem vocs so, nem de onde vm, e nunca os vi antes deatravessarem aquelas montanhas.

    Ele apontou um dedo para Will. Quando isso aconteceu? Ontem disse Will em um sussurro. Quando? De dia ou de noite? De dia. De manh. Onde? Em casa, perto de Ellerslie. Perto de Ellerslie? Isso em Kyle, no?Will assentiu. Sim, perto de Ayr. Terra de Carrick. rea de Bruce. Mas isso fica a mais de cinquenta quilmetros daqui. Como

    chegaram? Corremos. Correram? Cinquenta quilmetros em dois dias? Crianas? Sim retrucou Will. Eles estavam nos perseguindo. Algumas vezes nos escondemos, mas

    principalmente corremos. Quem estava perseguindo vocs? Os que... os que assassinaram meu pai, Alan Wallace de Ellerslie. E minha me. E minha

    irmzinha, Jenny, tambm.As lgrimas corriam pelas bochechas de Will, abrindo canais limpos na terra ressecada. Cristo!A mscara verde se virou para me encarar. E quem voc? Irmo dele?Eu balancei a cabea, sentindo as lgrimas tremendo em meus prprios olhos. No, sou o primo dele, Jamie, de Auchincruive. Fui morar com Will quando toda a minha famlia

    morreu de febre h dois anos. Ah disse ele, olhando novamente para Will. Seu nome Will Wallace? William. Ah. William Wallace, ento. Meu nome Ewan Scrymgeour. Arqueiro Ewan, como os homens

    me chamam. Podem me chamar de Ewan. Ento me contem exatamente o que aconteceu ontem e comocomeou tudo isto.

    Foi bom ele ter perguntado aquilo a Will e no a mim, porque eu no tinha ideia do que haviaacontecido. Foi tudo muito repentino e violento, e tudo cara sobre mim como uma pedra de um cuazul claro. Mas Will era dois anos mais velho, acostumado a pensar por conta prpria, j que haviasido ensinado durante anos, pelos pais, que conhecimento e capacidade de ler e escrever so asmaiores foras que um homem livre pode ter. Will vinha de um cl de homens e mulheres de luta,assim como eu, mas o ramo de nossa famlia ao qual o pai dele pertencia tinha uma habilidade

  • natural para questes clericais, e dois de seus tios, bem como vrios primos, eram monges. Eram ingleses disse Will, a voz ainda baixa, o cenho franzido enquanto se esforava para

    lembrar dos acontecimentos. Ingleses? No pode ser. No h soldados ingleses na Esccia. Eu os vi! E os ouvi conversando. Mas podia dizer pelas armaduras antes mesmo de ouvi-los

    rosnando uns com os outros. Jesus, isso no faz nenhum sentido. No estamos em guerra com a Inglaterra e eles no tm

    soldados aqui. A no ser que sejam desertores que vieram para o norte em busca de saques. Mas sefor esse o caso, teriam ficado mais seguros na Inglaterra. Os homens do rei Alec os caaro comolobos. Quantos eram?

    Dez a p e um cavaleiro no comando. Ele tinha uma coisa branca na tnica. Uma espcie de torreou castelo.

    E o que aconteceu? No sei disse Will, limpando os olhos com a parte de cima do pulso. Estvamos caando

    esquilos, Jamie e eu. Ouvimos o barulho, corremos para ver o que estava acontecendo e encontramosminha irm Jenny fugindo. Ela estava perturbada, fora de si, tomada pelo terror. No conseguia falar,nem mesmo tentou. S ficou uivando, aos prantos. Eu sabia que alguma coisa terrvel haviaacontecido. Ento a deixei l com Jamie e corri para ver.

    Ele ficou em silncio, olhando para o nada, e seu rosto ganhou uma expresso soturna. Eles estavam todos mortos, espalhados no acesso ao ptio ele disse em uma voz embotada que

    nunca havia escutado antes. Jessie, a cozinheira, Angus, o tratador de cavalos; Timothy, Charlie,Roddy e Daft Sammy. Todos mortos... estripados e cobertos de sangue e...

    Ele ento soluou, um nico som doloroso. Meu pai estava sendo encostado na parede junto porta com a cabea para um lado e os olhos

    arregalados, e achei que estava olhando para eles, mas ento tambm vi sangue nele, por todo ocorpo... e a cabea estava quase cortada, pendurada para um lado. Minha me estava perto dele,cada de barriga para baixo, com uma grande lana se projetando entre os ombros. Eu podia ver aspernas nuas dela at em cima. Nunca tinha visto antes disse, soluando e estremecendo. Os queestavam vivos eram todos estrangeiros, o que os ingleses chamam de homens de armas, todos comcapacetes, coletes e cotas de malha, alm de um cavaleiro montado. Os homens estavam conversandoe rindo, mas o cavaleiro estava apenas sentado no cavalo, limpando a espada em algo amarelo. Entoum deles me viu, gritou e eu corri o mais rpido que pude at onde havia deixado Jamie e Jenny.

    Quando ele parou dessa vez, achei que no iria dizer mais nada. O que aconteceu ento? estimulou o arqueiro Ewan. O qu? O que aconteceu depois que voc correu de volta para Jamie e sua irm? Ah... ns corremos pelo caminho pelo qual tnhamos vindo, mas eu tinha de carregar Jenny, e eles

    nos apanharam perto da velha torre de vigia. Cinco deles. Um matou Jenny. Cortou a cabea dela enem mesmo olhou para o que havia feito. Estava olhando para Jamie com uma expresso terrvel norosto. E ento eles... eles fizeram o que fizeram conosco, depois nos amarraram e deixaram ali, nosarbustos junto muralha da torre. Disseram que iam voltar.

    Como vocs escaparam? Vocs escaparam, no ?Will assentiu.

  • Sim. Eu guardava uma faquinha para esfolar esquilos debaixo de uma pedra junto porta datorre, perto de onde eles nos deixaram. Jamie estava mais perto dela que eu, ento falei para elepegar para mim. Ele rolou para l, pegou, depois se arrastou de volta, segurando-a s costas, eu apeguei e consegui soltar os pulsos dele. Demorou muito. Depois ele cortou as cordas das pernas e mesoltou. E ento corremos.

    Tem certeza de que eles perseguiram vocs?Will ergueu os olhos para o gigante, surpreso. Ah, sim, eles nos perseguiram, e teriam nos apanhado, s que houve uma tempestade e ficou

    difcil ver por causa da chuva e da escurido. Mas sabamos para onde estvamos indo, e eles no.Ento escapamos deles e continuamos entrando na floresta, cada vez mais fundo, at no saber maisonde estvamos. Corremos o dia todo. Quando escureceu dormimos um pouquinho, depoislevantamos e corremos de novo. Mas eles encontraram nosso rastro, e podamos ouvi-los vindo atrsde ns, gritando para que desistssemos.

    Ahnn.O homem grande ficou pensando naquilo por um tempo, nos estudando atentamente com o olho

    bom, e eu comecei a ficar com medo de que ele duvidasse de tudo o que Will tinha dito, emboracertamente pudesse ver que nosso terror e nossa exausto eram reais.

    Bem disse ele finalmente. O que interessa que vocs escaparam, esto aqui e bem longedeles. Vocs sabem para quem estavam trabalhando?

    Will franziu o cenho. Para quem eles estavam trabalhando? Eles no estavam trabalhando para ningum. Eles eram

    ingleses! No h ingleses em Carrick. Os homens l so todos homens de Bruce. Meu pai serviu acondessa de Carrick a vida inteira. Ele tinha muito orgulho disso.

    Sim, sem dvida. Ento, se voc est certo e eles eram ingleses, deviam ser desertores, comodeduzi. Ou isso ou seu pai deve ter incomodado algum importante. E poderoso. Ele era rico?

    Meu pai? perguntou Will, piscando. No, ele no era rico. Mas tambm no era pobre.Temos um bom rebanho de gado.

    Eles podiam estar atrs disso. Mas seja isso ou no, aquele gado no est mais l disse ele,suspirando alto e juntando as mos. Certo, ento, eis o que vamos fazer. Eu tenho um acampamentoaqui perto, no fundo da ravina, junto ao crrego. Iremos para l, onde h uma bela fogueira, voupreparar alguma coisa para comer e vocs dois podero se lavar no riacho, e eu ensino a vocs comofazer uma cama de samambaias. De manh decidimos o que devem fazer a seguir. Vamos agora.

    A gua estava gelada, mas o frio sobre meu corpo aquecido foi suficientemente intenso paraamortecer o pior da dor lancinante em minhas costas. Eu trinquei meus dentes de 8 anos e medediquei furiosamente a eliminar as evidncias de minha vergonha e do pecado que suportara. Podiaouvir Will se lavando perto de mim e ouvir seus palavres murmurados, pois ele sempre teve umjeito bastante explcito e duro com as palavras. Quando senti que minhas pernas e ndegas estavamlimpas novamente, ajoelhei no crrego, me inclinando para frente de modo a jogar gua no rosto e na

  • cabea, esfreguei ambos at sentir que tambm estavam limpos. Eu terminei informou Will, enquanto eu sacudia a gua dos cabelos, e voltamos juntos para a

    margem.A fogueira de Ewan era bem escondida em um buraco revestido de pedras, mas podamos ver seu

    brilho refletido nos galhos, e logo estvamos sentados ao lado dela, cada um enrolado em um dosdois cobertores velhos que ele nos jogara juntamente com uma nica toalha de pano grosso quandoretornamos.

    Comam disse ele, dando a cada um uma pequena tigela de lata com comida.Alm dos ovos batidos, havia uma carne deliciosa, em pedaos pequenos, e algum tipo de raiz

    picante que devia ser nabo. Ele tambm estava cozinhando alguma outra coisa em uma panela rasa,mas no tinha nada a ver com o que comemos naquela noite. Ele havia erguido a mscara e a enfiadode volta no capuz, talvez para conseguir ver melhor, e tomava o cuidado de dar as costas a nsenquanto trabalhava. A coisa na panela era uma mistura preta e molhada de plantas e ervas, comalgum tipo de p que ele tirava em grande quantidade de um bolso em sua tnica. Ele manteve amistura fervendo sobre as brasas com um pouquinho de gua, misturando com uma vareta everificando a temperatura com o dedo de tempos em tempos embora eu tenha percebido que elenunca provava , at que a tirou do calor e colocou de lado para esfriar. Ainda dando as costas parans, enquanto Will e eu nos delicivamos com o refogado, ele comeou a rasgar o que me parecia seruma bela camisa, produzindo dois pedaos grandes e vrias faixas compridas e finas. Will e euacompanhvamos todos os seus movimentos, mastigando com avidez e pensando no que ele iriafazer.

    Will pigarreou. Posso fazer uma pergunta?O homem grande ergueu os olhos, o lado destrudo de seu rosto escondido nas sombras. Sim, pergunte. Que tipo de ovos so estes? So bons. Uma mistura, mas quatro deles eram de pato. O resto era de aves terrestres selvagens; tetraz e

    frango dgua. Voc no vai comer? Eu j comi, enquanto vocs tomavam banho.Will assentiu, depois disse: Voc no precisa mais esconder o rosto. No estamos mais com medo.O rosto de Ewan se contorceu no que eu achei ser um sorriso. Tm certeza disso? Sim, temos certeza. No temos, Jamie? Sim, temos certeza, claro respondi e depois, encorajado por minha juventude e pela sbita

    percepo de que realmente no tinha medo daquele homem estranho, eu perguntei: O que houvecom ele? Seu rosto?

    O gigante respirou fundo. Quantos anos voc tem, William Wallace? Dez. Bem, ento, quando eu era um garoto apenas dois anos mais velho do que voc agora, fui

    atingido no rosto por uma clava. Sabe o que uma clava?

  • Sim, um porrete. Isso. Um porrete com cabea de metal. E ela quebrou meu rosto inteiro, arrancou meu olho e

    todos os dentes de um dos lados. Quem fez isso? No sei. Foi no comeo de uma batalha, em um lugar chamado Lewes, em Sussex, no sul da

    Inglaterra.Ele continuou nos contando como, quando aprendiz de um arqueiro gals, se juntara ao exrcito do

    rei Henrique, o terceiro desse nome, em sua guerra contra os bares rebeldes liderados por Simon deMontfort. O atual rei da Inglaterra, Eduardo I, disse Ewan, era ento prncipe e comandava acavalaria e os arqueiros do lado direito da linha de batalha do rei Henrique, no terreno elevadoacima da cidade de Lewes. Mas o inimigo, comandado pelo prprio Simon de Montfort, osurpreendeu vindo pela retaguarda aps uma ousada marcha noturna e assumira o controle daelevao aps uma batalha breve e encarniada. Naquela breve luta no comeo da manh, antes dabatalha propriamente dita, a companhia de arqueiros do jovem Ewan, correndo para assumir novasposies, havia sido apanhada em campo aberto e esmagada por um esquadro de cavaleiros deMontfort, um dos quais atingiu Ewan de passagem.

    Mas se voc perdeu a batalha, por que eles o chamam de arqueiro Ewan? perguntei. Porque isso que sou. Um arqueiro, com uma vida de experincia no arco longo. Eles me

    deixaram no campo como se estivesse morto, mas eu no morri. E quando me recuperei eu retomei oaprendizado. Havia perdido mais de um ano de aprendizado, mas meu mestre tambm era meu tio.Ele me aceitou de volta aos seus cuidados, e eu aprendi bem, apesar de ter perdido o olho. Isso mudasua viso, sabe, ter s um olho disse, fazendo um som rosnado que deveria ter sido um risoautodepreciativo. Mas eu me adaptei rapidamente, pois no tinha muito mais que me distrasse dotrabalho. Enquanto outros sujeitos corriam atrs de garotas, eu encontrava consolo no arco e emaprender a arte de us-lo melhor que qualquer homem que j conheci.

    Ele pegou a panela que colocara ao lado do fogo antes, conferindo a temperatura novamente com odedo.

    Isso, est pronto.Eu olhei atentamente enquanto ele dobrava cada um dos dois grandes pedaos da camisa rasgada

    em quatro e depois derramava cuidadosamente metade da mistura na panela em cada uma dascompressas que havia feito. Eu franzi o nariz com o cheiro daquilo.

    O que isso? Uma panaceia. O que uma panaceia? Um remdio, feito de coisas naturais. Este um emplastro feito de folhas de bardana, ervas e

    uma mistura especial de coisas secas que recebi de minha me, que uma curandeira famosa.Normalmente emplastros precisam ser quentes, mas este no. para vocs.

    Ele ergueu os olhos para ver como eu reagia a isso, mas me limitei a olhar para a panaceia. H um para cada um. Vamos colocar isso nos traseiros, onde a dor pior, e manter preso no

    lugar com essas faixas compridas. Vocs vo dormir com isso no lugar, e de manh devero estar sesentindo melhor. Talvez a dor no tenha passado totalmente, mas o pior sim. Agora, vamos colocar.J esto frias, ento no vo queimar vocs.

    Will e eu nos entreolhamos com temor, muito conscientes do que havia acontecido da ltima vez

  • que um homem chegara perto dos nossos traseiros, mas o grande arqueiro era paciente e claramentepreocupado conosco, ento sofremos a indignidade de permitir que ele colocasse as coisas no lugar eas amarrasse com firmeza. Era revoltante, mas em muito pouco tempo eu imaginei que a dor no meutraseiro arrasado estava diminuindo, e me sentei imvel, desfrutando do calor da fogueirareabastecida e me apoiando em Will, que olhava ao redor do acampamento do arqueiro.

    Ento tambm olhei, e percebi que o que achara ser um lugar apenas temporrio tinha sinais depermanncia. O buraco da fogueira era bem feito, as pedras enegrecidas pelo tempo e pela fuligem, ehavia vrias caixas de madeira ou arcas solidamente construdas que pareciam pesadas demais paraser apanhadas e levadas por um homem em uma viagem s. Olhei mais atentamente na escurido e vique eram encaixadas em recessos na encosta escavada que cercava a fogueira e servia de assentopara ns, e que suas laterais tinham dobradias e podiam ser fechadas com um trinco.

    Voc vive aqui o tempo todo? falou Will, fazendo a pergunta que estava em minha mente. No disse Ewan. Mas passo muito tempo aqui. Minha me vive aqui perto. Por que no fica com ela? Porque ela vive em uma caverna respondeu e, vendo o espanto em nossos rostos, acrescentou:

    Fico afastado pois no quero deixar pistas de que estou aqui. S vou v-la quando acho que elaprecisa de mais comida. Ir com muita frequncia seria perigoso.

    Por qu?O grande arqueiro bufou de indignao. Porque algum poderia me ver indo ou vindo, e ento poderia procurar e encontrar minha me. E

    se eles a encontrarem, a matam.A enormidade daquilo nos deixou sem palavras, e Will, tendo visto a prpria me morta poucos

    dias antes, enxugou os olhos, de repente rasos dgua. Sobrou para mim fazer a pergunta bvia. Por que algum iria querer mat-la? Porque ela minha me e eu sou um fora da lei. Ento ela tambm . Uma fora da lei? reagi, tomado de espanto. Como a me de algum pode ser fora da lei?Ele esticou a mo para acariciar meus cabelos. Sim disse em voz baixa. absurdo, no? Mas ela , porque eu salvei a vida dela, e me tornei

    um fora da lei por fazer isso.Ele olhou para a fogueira, e eu puxei o cobertor mais para cima de mim, sentindo que haveria uma

    histria. E ele certamente comeou a falar, lenta e claramente naquela maravilhosa voz suave. Lembra de eu ter dito que ela era uma curandeira famosa? Bem, ela era. Vivia em um lugarzinho

    a leste daqui, uns 18 quilmetros de onde estamos agora. Sequer tinha nome; era s um punhadinhode casas perto de um rio. Mas ela era conhecida em toda a regio, e sempre que algum ficava doenteiam procurar por ela. A terra pertencia a um antigo senhor chamado Sir Walter Orminston, um dosOrminston de Dumfries, mas quando ele morreu passou-a para o filho mais velho, que era um montede estrume intil chamado William. Mas ele gostava de ser chamado de William, Senhor deOrminston. O velho havia sido apenas Orminston, mas o filho exigia ser chamado de Senhor deOrminston. De qualquer forma, esse Senhor de Orminston tinha uma esposa to tola quanto ele, e umfilhinho chamado Alasdair. A criana ficou doente, e o Senhor mandou levar minha me casagrande para v-lo. Apesar de ser uma grande curandeira, minha me no podia competir com avontade de Deus, e a criana morreu. O pai enlouqueceu, e sua esposa chamou minha me de bruxa,disse que havia colocado uma maldio no filho. Eles a trancaram em um poro na casa grande. Eu

  • soube de tudo na manh seguinte e sa imediatamente procura dela, cheguei no exato instante em queiam enforc-la em uma rvore. Eu estava longe demais para impedir, longe demais at para gritarpara eles e ser escutado. No podia acreditar no que estava vendo. Eles colocaram uma corda aoredor do pescoo e lanaram a outra ponta por sobre um galho alto, e ento trs homens se juntaramna outra ponta da corda, pretendendo correr com ela, erguendo-a no ar.

    Ele parou de falar, e tive de morder minha lngua para ficar quieto e esperar, mas Will falou. O que voc fez? O que eu podia fazer? Usei meu arco e disparei neles quando comearam a correr, antes que

    pudessem ergu-la do cho. A corda queimou o pescoo, mas a soltaram antes que ela estivesse noar. Eu j estava correndo na direo deles. Quando vi o Senhor William, disparei, mas ele estavacorrendo para se esconder atrs de uma rvore e eu o acertei no ombro. Eu o lancei longe, mas no omatei. No momento em que cheguei at minha me ramos apenas eu, ela e os trs homens que haviamatado. Todos os outros haviam se espalhado.

    Ele respirou fundo e soltou o ar com fora. Isso foi h dois anos, o fim da minha vida como eu a conhecia. Levei minha me no meu cavalo e

    escapamos, mas no podamos mais voltar para casa, pois ofereceram um prmio pela minha cabeapor ter assassinado os trs homens e pela tentativa de assassinato do Senhor William. Sabia quefariam isso, mas quando correu a notcia de que estvamos longe, minha me e eu, a levei para afloresta e passamos alguns meses l. Quando o tumulto passou, eu a trouxe novamente para c, pertoo bastante de sua prpria terra, mas suficientemente longe para no correr riscos. Ns nosescondemos aqui por mais um ou dois meses, enquanto eu procurava um lugar seguro e confortvelpara ela, at que um dia encontrei a caverna onde mora hoje. Ela est bastante contente, mas o soloabaixo da encosta perto da entrada lamacento, e fcil demais deixar rastros que possam serseguidos. Por isso, fico longe a maior parte do tempo.

    Exceto quando acha que ela precisa de mais comida eu disse. Sim, isso. Ela tem algumas cabras que ficam soltas, mas atendem ao seu chamado, e do a ela

    leite e queijo. E tem seus prprios cultivos, plantaes nas clareiras entre as rvores. Eu levo aveia ecarne fresca de tempos em tempos, carne que defumo aqui para que se conserve.

    Que tipo de carne? Carne de cervo. Dos cervos do Senhor William. Sou caador ilegal e ladro dos cervos dele.

    graas a ele que sou um fora da lei, ento demonstro minha gratido matando e comendo seus cervos. Como ser um fora da lei? perguntei.O grande homem sorriu para mim e eu vi seu rosto claramente, mas no vi nada de feio nele. como estar com sono. Voc aprende a aceitar isso, e espera que no dure muito disse,

    apontando com a cabea para Will. Seu primo j est dormindo. Agora os dois para cama.Podemos conversar mais amanh.

    Acordamos na manh seguinte com a viso de Ewan de p ao lado do buraco da fogueira, olhandopara ns com o que parecia um sorriso.

    Ento vocs dois vo dormir o dia inteiro? J tive todo um dia de trabalho enquanto vocsficavam aqui roncando. Levantem, vo ao crrego e limpem a baguna dos seus traseiros, rpido.Preciso que me ajudem a cortar isso, e depois vamos visitar minha me, ento levantem e seapressem.

  • Se nossos olhos ainda estavam embaados isso desapareceu imediatamente, pois a carcaaestripada de um pequeno cervo estava envolta em um pano grosso esticado sobre os ombros dele, oscascos pontudos mantidos juntos sobre o peito por um punho enorme. Pulamos de nossas camas desamambaia enquanto ele pousava o animal morto no cho e corremos a pequena distncia at o riachocom sua voz intimidadora em nossos ouvidos o tempo todo.

    O riacho era mais estreito e rpido do que eu achara na noite anterior, e passava por ns fazendoum arco, cujo limite externo acompanhava uma margem arborizada ngreme, mais alta e vertical queaquela s nossas costas. A nica forma de ver o cu era olhando diretamente para cima atravs deuma estreita faixa aberta entre os galhos no alto, e imediatamente percebi que o acampamento deEwan era o mais seguro possvel, pois algum s o encontraria por acaso. Nem mesmo o cheiro demadeira queimando o denunciaria, pois no momento em que a fumaa chegasse a algum teria sidodissipada pela folhagem densa nas encostas.

    A gua tambm no parecia to fria quanto na noite anterior, e rapidamente lavamos de nossoscorpos os restos do emplastro de Ewan, comentando um com o outro que j no sentamos a dorlatejante que parecera interminvel no dia anterior.

    Ewan quase terminara de esfolar o pequeno cervo quando voltamos fogueira protegida, ondeainda havia calor sob uma camada de terra esturricada. Ns o vimos cortar a cabea e as canelas eu estava fascinado com a cor e o fio da lmina curva que ele usava. Depois colocou todo o fardo nocentro do tecido que antes cobrira seus ombros.

    Tomem disse, amarrando as pontas juntas. Um de vocs pegue aquela p e o outro a picareta,depois enterrem isto junto margem do riacho. Mas tragam o pano de volta. E se preocupem emlevar para o mais longe que conseguirem carregar. No pensem em enterrar perto. Enterrem fundo,soquem o terreno e empilhem pedras sobre ele. No queremos atrair carniceiros, animais ou no.Depois voltem para c o mais rpido que puderem.

    Levamos algum tempo para seguir suas instrues, e mal trocamos uma palavra um com o outro, toconcentrados estvamos em fazer exatamente o que ele mandara. No caminho de volta, fomosenvolvidos pelo delicioso aroma de comida. Ewan atiara o fogo adormecido, e uma frigideira planade ferro cheia de carne fresca e um tipo de cebola chiava sobre as brasas.

    Comemos vorazmente, como se no nos alimentssemos havia semanas. Aqueles dois diascorrendo haviam levado nosso apetite ao ponto da insaciabilidade. O fgado de cervo estavaperfeito, coberto de farinha e sal e grelhado levemente com as suculentas cebolas selvagens, equando a ltima migalha foi devorada, recostamos alegremente.

    Como esto as bundas de vocs?A pergunta, dirigida a ambos, foi feita relaxadamente enquanto Ewan limpava cuidadosamente sua

    faca, removendo qualquer sinal de comida de sua lmina reluzente. Ambos garantimos a ele queestvamos muito melhor.

    Bom disse, apontando com um polegar por sobre o ombro para onde a carcaa do cervo estavapousada, coberta de samambaias novas. Vou cortar um pouco disso em pedaos que possamoscarregar, e deixar o resto aqui para defumar depois. Vocs podem me ajudar a carregar a parte daminha me at ela.

    Ela vive longe daqui? perguntou Will.O grande fora da lei balanou a cabea. No longe, uma caminhada de duas horas. Longe o bastante para ser seguro quando algum vem

  • aqui me caar. O Senhor William suspeita que ainda estou por perto, ento de vez em quandopatrulhas vm me procurar. Mas ainda no me encontraram.

    No tem medo que encontrem sua me? perguntou Will. Ela est ao norte daqui, do outro lado das montanhas, no limite mais distante das terras de

    William. Eu deixo sinais no sul e no sudeste de tempos em tempos, para que continuem caando porl. Ademais, ela sabe cuidar de si mesma.

    Ewan pegou a faca novamente e comeou a amol-la em um instrumento muito usado que estiverapousado ao lado do seu p. Eu olhei cuidadosamente, nunca tendo visto um como aquele antes, umatira de couro, com talvez trinta centmetros de comprimento e um polegar de largura, que eleamarrara a uma vara de madeira pesada. O couro tinha uma ptina pela longa utilizao, sua corescurecida pela frico de uma lmina levemente untada. Eu o vi testar o fio da lmina com a pontado polegar.

    Ele no tinha barba. Isso era parte do motivo pelo qual me assustara tanto quando olhei para elepela primeira vez. Em um mundo onde todos os homens eram barbados, uma barba teria feito muitopara esconder sua aparncia assustadora, mas ele no fazia qualquer tentativa de cobrir a deformaodo rosto deixando-a crescer. Se usava uma mscara, por que no uma barba?

    J vi homens sem barba antes, mas muito poucos, e meu pai havia sido o nico que eu conhecerapessoalmente. Quando criana eu observava, fascinado, enquanto ele fazia grande esforo para livrarbochechas, queixo e lbio superior de pelos usando uma faca fina, de lmina curta eimpressionantemente afiada que reservava apenas para aquilo. Era trabalhoso raspar a barba, eusabia, uma tarefa meticulosa, demorada e aparentemente sem sentido, exceto pelo fato de que ocompromisso de meu pai com isso tinha um objetivo que eu descobrira por acaso certo dia,escutando minha me falar com uma amiga. Ela dissera que meu pai tinha um problema de pele ques conseguia controlar se barbeando diariamente. Ele talvez pudesse falhar um dia, mas trs diasseguidos sem a lmina cobriam seu rosto de furnculos e manchas escamadas. Eu nunca descobri acausa dessa doena, mas a partir daquele momento aceitei a rotina diria de meu pai como sendonecessria. Vendo Ewan amolar sua estranha faca azulada, eu percebi que a lmina era muito maisafiada que a de meu pai, e que ele poderia us-la facilmente para se barbear. Mas havia em sua peleuma suavidade que no dava sinal de ter sido raspada.

    Ewan, por que voc no usa barba?Ele olhou para mim surpreso, depois riu. A mesma razo pela qual no tenho sobrancelhas. Ela no cresce.Eu olhei para ele boquiaberto, pela primeira vez notando que era como ele dizia. Ele tinha cenhos,

    mas eles no apresentavam pelos.Ele riu novamente. Eu nasci careca, jovem Jamie. Nunca tive um nico pelo em qualquer lugar do meu corpo. Veja.Ele estendeu uma mo na minha direo, expondo a pele do antebrao. Era absolutamente lisa,

    bronzeada e muito musculosa, mas livre de qualquer trao de pelos. Nenhum cabelo? perguntei. Nem um s cacho. outra razo para a mscara e o capuz. Minha cabea nua torna fcil demais

    me notar. As pessoas se lembraro de um fora da lei mascarado e encapuzado, mas no conseguirodescrev-lo. Mas um homem careca e sem barba completamente diferente.

    Minha mente correu para absorver o que ele havia dito.

  • Ento voc no usava capuz antes de ser fora da lei? No, por que faria isso? Eu no precisava de um. No tinha motivo para ter medo que as pessoas

    soubessem quem eu era. No tinha nada a esconder nem nada a proteger. Mas agora diferente. Equanto a vocs dois? Para onde iro depois?

    No sei disse Will em voz baixa. Ele estivera escutando atentamente nossa conversa. Achoque deveramos procurar a condessa.

    A condessa? Em Kyle? Isso de onde vocs vieram, a quase cinquenta quilmetros. Comochegaro l? E o que faro quando estiverem l? Vocs tm outros parentes perto?

    No. ramos apenas ns, e o pessoal de Jamie em Auchincruive, mas eles tambm esto todosmortos. Eu tenho dois irmos, mas Malcolm est treinando para ser cavaleiro, e John foi feitocavaleiro h dois anos, e ambos esto com as foras de Bruce, em algum lugar de Annandale. No seicomo encontr-los, contar o que aconteceu. Eles precisam ser avisados. Isso deixa apenas Jamie eeu.

    E no tem nenhum outro parente em parte alguma?Will deu de ombros. Ah, sim. H o irmo de meu pai, Malcolm. Aquele em homenagem a quem meu irmo foi

    batizado. Ele vive em Elderslie, perto de Paisley.O grande arqueiro piscou. Ellerslie e Elderslie? H dois lugares com o mesmo nome? No so exatamente o mesmo respondeu Will. Apenas soam igual. Acho que no h nenhuma

    relao. Exceto que ambos tm cavaleiros chamados Wallace como ocupantes. Meu pai no era cavaleiro, mas meu tio Malcolm . Ele tem terras l, e uma casa. E como ele e seu pai se davam? Eram amigos? Eu... acho que sim. Eles so irmos, e sei que gostam um do outro. Ou gostavam um do outro...

    disse, a voz falhando um pouco. E tenho mais dois tios, ou um tio e um primo, perto dali. Pelomenos acho que perto. Peter e Duncan Wallace. Minha me fala deles... falava deles o tempo todo.Esto os dois na abadia de Paisley, um deles padre, o outro monge.

    Ewan se empertigou. Ento voc tem um cl l, nessa tal Elderslie, mesmo que todos sejam homens. No h mulheres

    l?Will deu de ombros. Acho que sim. Meu tio Malcolm tem uma esposa chamada Margaret. Ento para onde vocs devem ir, para seus parentes. No restou nada de onde vocs vieram. A

    condessa no deixaria vocs cuidarem sozinhos da fazenda, dois garotos, apenas crianas. Ademais,se os homens que mataram sua famlia descobrirem que esto de volta, iro terminar o quecomearam. Acho que deveriam ir para Paisley, para seus parentes na abadia. Eles os levaro atElderslie.

    Mas Paisley fica a quilmetros disse, escutando o desnimo em minha prpria voz, e Ewanvirou sua grande cabea para olhar para mim.

    Quilmetros? Deus o abenoe, jovem, muito mais perto que o lugar de onde vieram. So quasecinquenta quilmetros para voltar, mas Paisley fica a trinta daqui.

    Eu olhei para Will, mas ele apenas balanou a cabea, to ignorante quanto eu, e o grande Ewan

  • considerou isso um sinal de que estava certo. Ento eis o que faremos disse, a voz muito segura. Minha me encontrar algo que vocs

    possam vestir, para cobrir seus traseiros nus, e arrumar alguma comida para vocs. Depois dirqual o melhor caminho, e eu os colocarei na estrada. Vocs vero que ser fcil, e em pouco tempoestaro em Elderslie, batendo na porta do seu tio.

    A partir daquele dia, sempre que ouvi aquele tipo de certeza na voz de algum eu me preparei para opior que podia acontecer, pois os dias que se seguiram decididamente no foram fceis para nenhumde ns.

    Comeou naquela tarde, quando chegvamos base da baixa cordilheira coberta de rvores queabrigava a caverna da me de Ewan. A terra ali era densamente arborizada, mas tambm haviagrandes trechos de campos abertos, salpicados de bosques densos nas terras baixas no sop dasmontanhas, e eles eram lar de rebanhos de cervos. Estvamos caminhando havia quase trs horas emuma rota sinuosa, evitando os espaos abertos e nos mantendo nos limites das florestas, porque Ewannos alertara de que no era seguro arriscar cruzar os campos abertos, onde podamos ser vistos porqualquer um de qualquer direo. Os cervos, que eram muitos e pastavam em pequenos grupos deoito ou dez, em grande medida nos ignoraram, conscientes de nossa presena quando passvamos,mas parecendo no identificar perigo em ns.

    Mas aquilo mudou em um instante quando todo o movimento entre eles se imobilizou, e todas ascabeas se ergueram ao mesmo tempo. Ewan tambm ficou paralisado, e ergueu a mo para nosalertar. Um momento depois o campo nossa esquerda se transformou, com todos os cervoscomeando a correr ao mesmo tempo, saltando no ar enquanto fugiam em busca da proteo maisprxima, e quando todos haviam desaparecido Ewan continuou imvel, tenso em todos os seustraos.

    Eu comecei a perguntar o que havia de errado, mas ele me silenciou com um gesto brusco de mo. Escutem sussurrou ele.Eu apurei os ouvidos, consciente de que Will estava fazendo o mesmo, e ento escutei o que devia

    ter assustado os cervos, um estranho som ululante distncia, embora no soubesse dizer em qualdireo.

    O que isso?Ewan soltou o embrulho de carne e deslizou o grande arco esticado por cima da cabea. Cachorros rosnou ele, j comeando a correr. Ces de caa. Vocs dois ficam aqui!Suas ltimas palavras foram gritadas por cima do ombro enquanto ele corria, mas Will e eu no

    tnhamos inteno de permanecer onde estvamos. Olhamos um para o outro sem necessidade defalar e ento soltamos nossos prprios pacotes embrulhados em tecido e partimos atrs dele.Corremos o mais rpido que podamos, mas Ewan se movia como um homem possudo, em grandessaltos para frente, sem dar ateno a seus prprios alertas sobre ser visto. Logo vimos que noconseguiramos alcan-lo, mas continuamos a correr, indo at o limite, subindo e descendo, eolhando desamparados enquanto ele nos superava a cada passo frentico e finalmente desaparecia em

  • meio vegetao densa em outra colina bem frente.Momentos antes de chegar ao topo daquela colina ouvimos um nico uivo arrepiante em algum

    ponto frente. Era humano, e tomado de angstia. Avanamos pelo resto da vegetao e paramos derepente. Estvamos no alto de uma encosta ngreme coberta de relva com vista para uma clareiraestreita delimitada por rvores que se estendia por oitocentos metros dos dois lados. Vi movimentopor toda parte l, mas estava to sem flego pelo esforo de correr que inicialmente no entendi oque estava vendo, e lancei um brao sobre os ombros de Will e fiquei ali ofegante, tentando entendera cena.

    Minha primeira impresso, ainda viva em minha mente hoje, foi a de dois pontos imveis em meioa um redemoinho de homens distantes que giravam, espalhados, em grande velocidade, alguns delesmontados, outros a p. Um desses pontos era Ewan Scrymgeour, parado no sop da encosta abaixo dens e olhando atravs do vale estreito para o outro, pendurado em uma grande rvore isolada naencosta oposta, um fardo amarronzado sem forma. E depois, num piscar de olhos, o horror tomouconta de mim. O arqueiro gigante gritou novamente e partiu em disparada, na direo do fardopendurado.

    Os homens que giravam haviam se reunido nas duas extremidades do vale estreito, e ento seviraram na direo dele, ganhando velocidade medida que avanavam, e gritando ordens einstrues uns para os outros. Eu me dei conta dos dedos crispados de Will se cravando fundo emmeu brao.

    Temos de ajud-lo. Eles vo peg-lo.No instante em que ouvi as palavras ouvi tambm a inutilidade nelas. No tnhamos uma arma

    conosco, e no havia nada que pudssemos fazer. Ambos sabamos disso. Tambm sabamos que,expostos como estvamos na colina, seramos mortos. Se fssemos apanhados ali, obviamente tendoido com o grande Ewan, no seramos enforcados como foras da lei. Seramos feitos em pedaospelo primeiro homem a nos alcanar, isso se antes no fssemos novamente usados como mulheres.

    Os atacantes estavam se deslocando, seis homens a cavalo descendo em disparada pela nossadireita, e dois outros subindo a colina pela esquerda, estes seguidos por seis homens correndo quehaviam soltado quatro grandes cachorros de suas guias, ces de caa que passaram pelos doiscavaleiros que lideravam o grupo e corriam na direo do nosso amigo.

    Durante os momentos em que eu estivera olhando para os atacantes, Ewan Scrymgeour chegara rvore, e vi o lampejo de sua lmina enquanto ele cortava a corda e depois pulava para apanhar ame antes que casse no cho. Ele conseguiu por pouco, e a baixou suavemente, se curvando acimadela, de modo que no podia ver o que estava fazendo. Mas depois ele ajoelhou, a cabea baixa, e viclaramente quando se persignou antes de se levantar e pegar o arco. Sua aljava cheia, com quasevinte flechas eu as admirara naquela manh , estava pendurada nos ombros por uma faixa quepassava pelas costas, e ele estendeu a mo e pegou uma, encaixando-a no arco e olhando de um ladopara o outro na direo dos homens que se aproximavam.

    Eu nunca havia visto nada como o que se seguiu, nem testemunhei algo igual desde ento. EwanScrymgeour distribuiu a morte em uma clareira na floresta naquele dia como se fosse o prprio deusda morte. De p, sozinho sob a rvore na qual sua me havia sido morta, ele matou todo homem ecachorro que foi contra ele, derrubando-os indiscriminadamente quando chamavam sua ateno,alguns a poucos metros, como o primeiro cachorro que morrera no ar enquanto pulava em suagarganta, e outros em distncias maiores. Nenhum dos homens que o atacavam tinha arco, e essa era

  • sua nica vantagem. Para lidar com ele, tinham de chegar distncia de arremessar uma lana, ou distncia da espada, e ele matou um aps o outro antes que conseguissem.

    Seus atacantes logo reconheceram que ele nunca errava, e perderam todo desejo de lutar. Masaqueles homens haviam assassinado sua me, e Ewan os abateu sem misericrdia enquantocavalgavam e corriam para longe, at restarem apenas dois vivos um homem a p, que ficara almdo alcance do arco do arqueiro, e o lder do grupo a cavalo. Esse homem, que vestia a cota de malhae a meia armadura de um cavaleiro, se mantivera bem distante da luta, contendo seu cavalo abaixo demim e de Will na base de nossa encosta e acompanhando a ao se desenvolver.

    Ewan baixou o arco, ainda com uma flecha encaixada, os olhos fixos no homem abaixo de ns. Masento o homem a p comeou a fugir. Acredito que Ewan no tinha conscincia do sujeito at elecomear a correr, mas o arqueiro se virou na direo dele e ergueu o arco novamente. Ficou emposio, puxou a corda at a orelha, manteve-a ali por um instante, depois soltou. O homem em fugaestivera a trezentos passos quando comeara a correr, e estava quase to rpido quanto Ewan quandoa flecha se cravou entre os ombros e, com o impacto, mesmo de tanta distncia, lanou-o para frente,braos abertos, em um fardo esparramado e imvel.

    Mesmo tendo 8 anos, sem nunca ver um arco longo ser usado, eu sabia que o feito que acabara detestemunhar era extraordinrio. Mas o cavaleiro montado o perdera, pois dera a volta em seu cavaloassim que vira o outro homem desviar a ateno de Ewan, e estava subindo a colina rapidamente nanossa direo, sua espada desembainhada erguida. Eu no podia ver seu rosto, pois ele usava umelmo com viseira, mas sabia que pretendia nos matar.

    Will me empurrou para baixo e gritou para rolar, e enquanto eu me jogava no cho vi que elecorria na direo do homem em disparada e ento mergulhava, rodando encosta abaixo, cabeaenfiada entre os joelhos. Ouvi um barulho alto de cascos acima e ao meu lado, depois um sibiloviolento quando a ponta de uma espada brandida com fora passava pelo meu rosto e, morrendo demedo, rolei novamente, enquanto o cavaleiro puxava as rdeas da montaria e se virava, sepreparando para me atacar novamente, dessa vez mais seguro de seu alvo. Eu vi seu brao se erguere me ouvi gemer, e depois veio um som como uma martelada forte abafada. Meu quase assassino foijogado para trs do lombo de seu cavalo e caiu no cho.

    Eu no vira a flecha acert-lo, mas quando me coloquei de joelhos para olhar, ela estava l,atravessando-o, cravada quase at a extremidade no centro de seu peito, trespassando as camadas dearmadura que deviam proteg-lo. Podia ver os ps e pernas de Will ao meu lado, e quando olhei paraele seus olhos estavam mais arregalados do que j vira. Ainda tonto, e sem acreditar que no haviasido morto, eu me levantei para procurar o grande Ewan, e l estava ele com o arco ao lado docorpo, imvel onde o vira pela ltima vez, sob a rvore, ao lado do corpo da me. Muitos anos sepassariam antes que eu compreendesse como difcil para um arqueiro disparar com preciso em umalvo muito acima ou abaixo dele.

    Will continuava olhando para a flecha cravada no peito do cavaleiro morto. Ele se virou para mime piscou, depois olhou para baixo da colina.

    Vamos ajudar Ewan a enterrar a me disse.

    Enquanto permanecamos de p junto cova que Will ajudara Ewan a cavar, com a p que a meusara para cultivar suas plantaes, fui considerado pequeno demais para trabalho to pesado eume vi pensando na carnificina que se abatera sobre nossas vidas nos poucos dias anteriores.

  • Anestesiado pela dor no rosto de Ewan, baixei os olhos para o monte de terra fresca sobre a mulherque nunca conhecera e vi os rostos de meus prprios mortos recentes: meu tio Alan e minha tiaMartha, os pais de Will; Timothy e Charlie, os mais antigos e fiis empregados de Sir Alan, ligados aele e sua famlia por uma vida de servio e dedicao linhagem do pequeno rebanho saudvel degado que eles haviam criado; Jessie, a rolia cozinheira que havia sido minha me desde minhachegada a Ellerslie; Roddy e Daft Sammy, os trabalhadores retardados que cuidavam dos currais ealgumas vezes serviam nos estbulos com Angus, o soturno velho tratador das Highlands; e areluzente pequena Jenny, a criana alegre cuja cabea degolada cara e rolara pelo cho na florestade Dalfinnon diante dos meus olhos. Aquilo havia sido apenas trs dias antes? Dez mortos, incluindoa mulher desconhecida que havamos enterrado ali, e atrs de ns, no pequeno vale, mais 18, dosquais 14 eram homens, os outros ces. Muita morte. Muito sangue.

    No me lembro de ter sado do lado do tmulo, nenhuma lembrana de entrar na caverna que haviasido a casa da me de Ewan. Recobrei a conscincia apenas depois do cair da noite, quando abri osolhos e me vi sentado apoiado em uma parede perto de uma grande fogueira. Ewan e Will estavamsentados do outro lado das chamas que enchiam o espao vazio com sombras tremeluzentes. Aspernas de Ewan estavam abertas, esticadas na direo do fogo, e ele parecia adormecido, o nicoolho fechado e as costas cadas sustentadas pela estrutura resistente de uma cadeira de pernas curtasdo tipo que minha me usara para amamentar meus irmos menores. Atrs dele, a boca da cavernaestava delineada pela luz, seu centro tomado pelo negror.

    Will estava sentado fascinado, olhando para o enorme arco de Ewan enquanto passava as mos,primeiro uma, depois a outra, para cima e para baixo pela superfcie aplainada e polida. Era maisalta do que ele, e perfeitamente circular, grossa demais no centro para que sua mo de dez anosagarrasse, mas afinando suavemente na direo das duas extremidades, onde tinha menos que alargura de um dedo de dimetro, e cuidadosamente escavada para sustentar a ponta enrolada de umacorda de tendes tranados que a transformava de uma vara simples, mas bonita, na arma mortal quepodia arremessar uma flecha por centenas de metros para perfurar placas de ao e uma pesada cotade malha.

    Ele de alguma forma sentiu que eu estava olhando e sustentou a arma paralela ao cho para quepudesse ver as chamas se refletindo em sua extenso reluzente.

    J viu algo assim, Jamie? perguntou, a voz cheia de espanto. J viu alguma coisa parecida?Quero aprender a usar um destes, como Ewan.

    Nosso anfitrio no estava dormindo, pois falou sem mover a cabea ou abrir o olho. Ento voc tem um longo caminho pela frente, Will Wallace, pois levar anos para ficar grande o

    bastante para empunh-lo corretamente, e ainda mais para desenvolver os msculos para pux-lo.Este de Gales, da terra do povo de minha me. No para homens comuns, e homens comuns notm nem a fora nem a habilidade para pux-lo, quanto mais us-lo.

    Vou aprender mesmo que tome toda a minha vida, a partir deste dia respondeu Will. Meunome vem do gals; Uallash. a palavra galica para gals. Voc me ensinar?

    Ewan abriu seu nico olho. Ensinar voc! Como posso fazer isso? Sou um fora da lei, e agora um assassino procurado. Matei

    14 homens hoje. Voc matou 14 homens que assassinaram sua me disse Will, olhando diretamente para ele, seu

    rosto estranhamente solene, suas palavras sem emoo, e enquanto ele falava me ocorreu que meu

  • primo mudou muito nos dias anteriores. Alm de quatro cachorros que tentaram mat-lo acrescentou no mesmo tom. Voc no assassinou ningum.

    Ewan resmungou alguma coisa que poderia ter sido um riso sarcstico. Duvido que as pessoas que encontrarem o Senhor William e seus homens vejam a coisa dessa

    forma.Aquele era o Senhor William? O cavaleiro?Eu novamente notei a frieza na voz de meu primo. Aquele no cavaleiro algum retrucou Ewan. Nascido nobre, mas inferior em tudo mais.

    Sim, aquele era William, Senhor de Ormiston, o covarde que ficou longe e depois tentou matar vocsdois quando achou que estava protegido de mim. Quem mais voc achou que poderia ser?

    Will ainda mantinha aquela expresso que era nova para mim, uma imobilidade marcada por olhosfrios e de aparncia raivosa.

    Isso no importa. Ele est morto, como devia estar. Para onde voc ir agora? De volta para a floresta, para Ettrick. No h mais nada que me prenda aqui. E se eles me

    procuraram antes, agora iro me caar.Will olhou para a fogueira, e o que disse depois foi uma surpresa tanto para mim quanto para

    Ewan. Ento venha conosco para Elderslie. Para nossos parentes. Ningum l o ver como um fora da

    lei. No sabero nada de voc. Vamos dizer que voc trabalhava para meu pai e no estava lquando a fazenda foi atacada. Depois nos encontrou e levou a Elderslie. Eles ficaro gratos por isso,e meu tio Malcolm encontrar um lugar para voc. Ele um bom homem, pois ouvi meu pai dizer quedava muito valor a ele. E voc forte; vale seu salrio para qualquer homem que o contrate. Ficarmelhor l, trabalhando para ns, que se escondendo na floresta o tempo todo.

    O grande homem deu o que eu j sabia ser um sorriso. Trabalhar para voc, ? Quantos anos voc disse que tinha? Tenho 10. Mas logo terei 11. E no quis dizer trabalhar para mim. Estava falando do meu tio

    Malcolm. E quanto ao meu rosto? um bom rosto... Depois que voc deixa de se assustar com ele. Voc pode comear usando sua

    mscara, se quiser, at as pessoas o conhecerem. Humm disse Ewan, franzindo a grande testa, a nica superfcie sem marcas de seu rosto.

    Como posso saber se gostaria de l? Da mesma forma que ns. Tambm nunca estivemos l, ento vamos descobrir juntos. Mas voc

    vai gostar. Ademais, preciso de voc l para me ensinar a ser um arqueiro.Ewan Scrymgeour colocou a palma da mo sobre os olhos e balanou a cabea, depois respirou

    fundo. Bem, William Wallace, essa pode ser uma boa ideia, e pode no ser. Vou ter de pensar. Agora,

    vo para a cama, os dois. Vou sair para conversar com minha me sobre isso.

  • Captulo 2

    Agora sentem-se, todos vocs, e me contem novamente. E dessa vez sem pressa. Conte tudo semdeixar nada de fora, Will. Sente-se.

    A voz de Sir Malcolm Wallace era grave e profunda, a boca escondida atrs de uma barbaemaranhada e grisalha. Ele no era de modo algum to grande quanto o arqueiro Ewan, mas dealguma forma transmitia a impresso de ser muito maior do que era. Eu suspeito que isso tinharelao com a bela qualidade de suas roupas, que mesmo eu podia ver que haviam sido cortadas paraenfatizar a largura do peito e dos ombros. Ele sentou no que obviamente era sua prpria cadeira junto lareira apagada. Will, Ewan e eu estvamos de p no que, para mim, parecia um ponto escuro nomeio da grande sala revestida de madeira.

    Movemo-nos obedientemente para sentar diante dele em trs cadeiras de madeira, e enquanto Willpigarreava nervoso, eu olhava ao redor, notando a riqueza que me cercava. A casa de Sir Williamera to grande e slida quanto o dono, feita de arenito e muito mais grandiosa do que a casa deEllerslie onde eu vivera os dois anos anteriores com a famlia do irmo dele. A sala onde estvamostinha duas janelas e uma mesa pesada com oito cadeiras de madeira simples. O restante da mobliaeram um enorme aparador junto parede dos fundos e uma poltrona ligeiramente menor, comalmofadas em cores brilhantes, que ficava do outro lado da lareira, em frente de Sir Malcolm. Suaesposa, lady Margaret, fora cozinha preparar comida para ns.

    Will pigarreou uma segunda vez, e ento iniciou sua histria nossa histria desde o comeo,naquele dia aparentemente distante em Ellerslie uma semana antes. Sir Malcolm j a ouvira uma vez,uma verso confusa e apressada, mas naquele momento estava sentado imvel, os dedos na barba,escutando atentamente. Will atrapalhou-se na descrio do que os homens haviam feito a ns dois,sem saber o quanto dizer e como apresentar, mas Sir Malcolm no fez perguntas e permaneceuinexpressivo durante a histria. Apenas uma vez seus olhos se desviaram de Will, e foi para olharinquisitivamente para Ewan Scrymgeour quando Will contou como havamos nos conhecido, e seusolhos acabaram se voltando para o sobrinho, que j chegava ao estgio final de nossa viagem,levando nossa chegada ali meia hora antes. O cavaleiro esperou at estar certo de que Will notinha mais nada a dizer, ento se virou para Ewan.

    Voc tem minha gratido, senhor Scrymgeour, mas espero que me perdoe se fizer algumasperguntas.

    A anuncia