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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
CORES DE AIDÊ E A EMANCIPAÇÃO DAS MULHERES NEGRAS EM FLORIANÓPOLIS
Cauane Gabriel Azevedo Maia1
Resumo: O objetivo da pesquisa é traçar os reveses e reverberes provocados por meio da banda Cores
de Aidê através da ótica das Mulheres negras que fazem parte do grupo, bem como as percepções e
possíveis modificações das quais as Mulheres não negras foram submetidas acerca do debate étnico
racial por conta da sua participação na banda. Debater as interações entre as diversas Mulheres e
situações de confronto com a temática interseccional entre raça e gênero por meio dos espaços
artísticos e políticos que a banda Cores de Aidê esteve inserida, por meio das narrativas das
integrantes e dos fragmentos situacionais que contribuíram para a complexificação e formação da
identidade do grupo como uma potente voz que questiona as relações de poder na sociedade atual
será a ponta de lança para o início de um complexo diálogo que, possivelmente, não se esgotará nestas
páginas.
Palavras-chave: Cores de Aidê. Samba-reggae. Feminismo Negro.
Introdução
Quando penso, hoje, na configuração atual da banda Cores de Aidê, com seu repertório, letras
de música, debate sobre figurino, locais onde aceitamos realizar os espetáculos, oficinas de percussão
ou rodas de conversa, me questiono: Como chegamos a esse ponto? Em que medida, cada uma de
nós foi responsável por essa composição? De que modo a articulação de mulheres com percursos tão
distintos desembocou numa identidade coletiva tão expressiva?
Essa pergunta "como descreve a banda?" é um pouquinho complicada porque eu sinto que a
banda ela… ela muda cotidianamente, assim né! Agora, eu entendo que ela tá num processo
mais... mais fixo, digamos assim. Mas mudou completamente desde quando eu entrei, né! A
ideia de banda, o que era a banda, os corpos dessa banda. Tudo isso mudou completamente
de 2015 para cá, né! Mas eu descrevo a banda, hoje, que a gente tem, como para além de uma
banda né, como um coletivo que usa e que tem a arte como ferramenta de transformação né.
Para fazer política, para dar recado, para defender ideias e lutas e transformar. (Informação
verbal2)
Com essas reflexões, observando as minhas companheiras de Banda, uma vez que sou
integrante desde 2015, pensei em que momento nossas ideias e concepções divergem e convergem
para a constituição da identidade coletiva "Aidê". Mais ainda, em que medida, todas as vozes das
atuais integrantes encontram suas reverberações que contribuem para isso?
As provocações encontram em nosso processo constante, dinâmico e, nem sempre suave, de
formação muitos elementos que surgem nas narrativas das integrantes e que elucidam a maneira
1 Mestranda em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil.
2 Entrevista concedida por MANOELA, Dandara. Entrevista concedida via aplicativo WhatsApp. [maio. 2017].
Entrevistadora: Cauane Maia. Florianópolis, 2017.
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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
peculiar, mas, ao mesmo tempo, simbiótica e aglutinadora, das personalidades de cada Mulher. Sendo
possível especular, inclusive, que essa diversidade dá a tônica do grupo.
A banda Cores de Aidê surge através da iniciativa da Sarah Massí, atualmente regente e
percussionista, em conjunto com a Maria Fernanda, dançarina e percussionista, que, em torno de um
sonho infanto-juvenil, agrupou mulheres diferentes etnicamente, etariamente, de estratos sociais
diversos, oriundas de outras localidades, entre outros fatores. Contudo, desde seu início, muita coisa
se modificou: "A banda Cores de Aidê nasceu no dia 21 de fevereiro de 2015 no Morro do Quilombo,
Bairro Itacorubi, e hoje conta com 15 mulheres, sendo 3 cantoras, 2 dançarinas e 10 percussionistas"
(SODRÉ, 2016, p.13).
A pedagoga Bê Sodré (2016), também percussionista e regente das Cores de Aidê, em seu
trabalho monográfico, descreve a sua composição, naquele período. Hoje, podemos constatar
modificações na constituição do grupo, no local de ensaio, na construção cênica e outros fatores.
Certamente, daqui a algum tempo, esse artigo será atualizado através de outras contribuições
acadêmicas que poderá apontar as modificações de alguns dados, ou não.
Na minha maneira de pensar, vai chegar o dia em que vai ser normal ver uma banda composta
apenas por mulheres. É pra isso que estamos contribuindo! Digo, "banda de mulheres" de
maneira simbólica, para representar que em todo e qualquer lugar vamos ter mulheres
fazendo o que desejam e sonham. Nós, como banda percussiva de samba reggae, somos quase
um símbolo da luta feminista. (Informação verbal3)
O desejo de contribuir para o combate às opressões de raça e gênero e a consciência do papel
político da Banda Cores de Aidê, permanece, e é a todo tempo lembrada, como a essência do samba-
reggae: "Atraves de uma serie de estrategias, a producao musical dos blocos afro extrapola os limites
da expressao cultural e ganha proporcoes de movimento social. Neste contexto, o samba-reggae
aparece como um poderoso trunfo de militancia, capaz de apontar os rumos de uma nova intervencao
politica." (GUERREIRO, 2016).
Atualmente a banda Cores de Aidê conta com 11 mulheres que se dividem entre as alas da
percussão, dança e voz. Com repertório escolhido de acordo com o espaço e o público, as músicas
autorais são revezadas entre clássicos do samba-reggae e da música popular brasileira, cujas letras
versem sobre temas de combate às opressões. Contudo, nem sempre a escolha do repertório e a
configuração cênica, ou seja, todo o espetáculo (dança, música, voz, coreografia, figurino,
maquiagem) é decidido de modo tranquilo, sem uma intensa negociação e debate que, procura levar
3 Entrevista concedida por MASSÍ, Sarah. Entrevista concedida via aplicativo WhatsApp. [maio. 2017]. Entrevistadora:
Cauane Maia. Florianópolis, 2017.
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em consideração as opiniões de todas, ou da maioria.
É por meio dessa mutação e dinamismo constante da banda Cores de Aidê que, através de
temas diversos que buscam complexificar as relações de poder, me percebo, também, tentando
compreender as possíveis modificações, ou não, das integrantes do grupo, especialmente diante da
emancipação da mulher negra, de modo geral e específico.
O Samba-reggae e suas possibilidades de transgressão
Participar das Cores de Aidê e, mais especificamente, ter como expressão artística o samba-
reggae me fez revisitar, através das minhas memórias, tudo aquilo que, até aquele momento, conhecia
sobre o ritmo. Mesmo eu, tendo vivido em Salvador, no momento de ápice dos Blocos Afro e, por
conseguinte, do samba-reggae, meu conhecimento sobre o tema, quando cheguei no grupo, se
nivelava ao senso comum e, muitas vezes, era facilmente ultrapassado por outras integrantes.
A necessidade de pesquisar, revisitar, compreender e estudar com profundidade o samba-
reggae sempre fez parte da rotina da Banda Cores de Aidê que, via na ignorância sobre o assunto uma
armadilha para a apropriação cultural e a banalização da cultura afro-brasileira. Desse modo, o grupo
buscou fontes diversas de pesquisas para se aproximar da "essência do ritmo" por meios diversos
(vídeos, artigos, livros, documentários, vivências em Salvador, entre outros), as Cores de Aidê
mergulhou no universo percussivo, resgatando na década de 1990 o auge desse mundo negro4.
Este estilo percussivo se caracteriza, em termos conceituais, pela apologia ao negro e,
musicalmente, pela recriacao de sonoridades afro-americanas. Sua estetica mestica conecta
diversos elementos culturais elaborados na rede atlantica que originou e abrigou a diaspora
negra (GUERREIRO, 2016, p. 1)
O surgimento do samba-reggae tem seu nascedouro na história da musicalidade baiana,
através das religiões de matrizes africanas e manifestações em festas profanas, cujo auge é o carnaval.
Bem como as influência do continente africano, fonte inesgotável de inspiração para os negros
baianos. Assim como o soul music de James Brown, dos Jacksons Five, do movimento Black Power
dos Estados Unidos que exaltava o orgulho étnico e lutava por um melhores condições de vida da
população afro-americana na década de 1960. O Caribe também foi uma fonte musical importante
para o samba-reggae através da música cubana e jamaicana, tendo no reggae de Bob Marley uma
referência potente na qual a percussão vai se reinventar.
O samba-reggae está pautado tanto na tradição percussiva brasileira quanto nas referências
transnacionais que chegam através das mídias e contatos culturais que conectam a rede
4 Margarete Nunes (1997, p. 90) aponta o Ilê Aiyê como inaugurador desse mundo negro, se referindo a um novo padrão
estético de negritude, de exaltação da beleza e dos valores da África Negra e da diáspora
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atlântica. Além disso, o gênero é um belo exemplo das formas estético-comportamentais
híbridas/sincréticas que se modelam e circulam no "Atlântico Negro"(GUERREIRO, 2016,
p. 1)
O dialogo entre instrumentos de percussao e vocais deu ao samba-reggae a voz necessária
para garantir um protagonismo singular no cenário musical mundial, colocando a população negra na
ordem do dia. Nos blocos afro, o samba-reggae foi concebido, tendo como base uma banda formada
por varios tipos de tambores, onde cada executante realca seu instrumento; a coreografia dos
percussionistas; os temas das cancoes que mergulham no universo da comunidade; e as dancas
permanentemente inventadas, que desenham sua corporalidade (GOLI, 2016).
Com o surgimento dos Blocos Afro o discurso político de auto-afirmação da negritude, a
valorização de símbolos étnicos e de auto-estima da população negra ganha evidência e adeptos na
capital baiana:
Os jovens que se organizam nos blocos afro anunciam uma mudança não somente na estética
como na forma de conceber essa estética, ou seja, há uma alteração significativa no discurso
que está a ela associada. O caráter lúdico, recreativo e estético dos blocos afro é revestido de
uma dimensão política de auto-afirmação da negritude e o ser negro passa a ser caracterizado
pela adesão a uma estética particular, a uma forma de trajar, de portar-se e de pentear os
cabelos (NUNES, 1997, p. 85)
A forte conexão política do samba-reggae que, por meio da arte, utiliza-se de elementos
percussivos para a abordar o combate às opressões, especialmente o racismo, e a exaltação da
identidade negra torna-o um ritmo que extrapola o conceito lúdico e de entretenimento,
transformando-o numa manifestação de luta legítima da população afro-brasileira. E, por meio dessa
compreensão, vejo o samba-reggae como, estrategicamente adequado ao cenário sulista atual, que
sistematicamente invisibiliza o povo negro, como um caminho possível para o combate às relações
de poder e evidência da identidade negra local,
Tendo em vista o eurocentrismo existente no Sul do país, a propagação de uma banda
feminina de samba-reggae em Florianópolis é fundamental para a valorização do
protagonismo da população afro-brasileira e além disso, torna-se um ato de resistência
(SODRÉ, 2016, p.16 )
É na proposta de transgressão da banda, que o samba-reggae oferece um solo fértil para
debater os temas étnico raciais e de gênero. Mas, apesar da identificação, grande parte das integrantes,
antes de ingressarem na Banda cores de Aidê, tiveram pouco contato ou quase nenhum com o ritmo.
Muitas vezes por residirem fora do Nordeste
Tinha uma lembrança, mas nada muito claro. Só poucas referências de quando havia ouvido
na infância, especialmente pelo clip “They dont really care about us” do Michael Jackson e
alguns “clássicos” do olodum e Ilê Ayiê (mas sem saber que aquelas músicas eram deles, ou
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de que aquilo era Samba Reggae). (Informação verbal5)
Diante das diversas manifestações ao longo da trajetória da banda, tocar samba-reggae
aparecia como uma unanimidade do que se considerava invariável na identidade do grupo. A medida
que avançávamos nas pesquisas, estudos e vivências percussivas sobre o ritmo as possibilidades de
dialogar, através da arte, com públicos diversos pautas tão sensíveis e, muitas vezes, espinhosas se
consolidava
Por que é isso, eu não conhecia o que era samba-reggae, mas a partir do momento que eu fui
conhecendo a história, entendendo... Acho que, tanto eu quanto outras meninas da banda, a
gente foi percebendo que não tinha como simplesmente, usar o ritmo e falar de qualquer coisa
né! Não tinha como! Seria uma puta falta de respeito né! Então, quando a gente entende a
história do samba-reggae, da onde ele veio né, a função dele e a gente começa também a
observar: "Ahh, vai ser uma banda então só de mulheres!" A gente começa a observar os
corpos que fazem parte dessa banda. (Informação verbal6)
Imagem 01: Show Cores de Aidê - 08 de Abril 2017
"Quem é Essa Mulher?"
Aidê era uma Negra Africana
Que tinha magia em seu cantar
Tinha os olhos esverdeados
E sabia como cozinhas
O Senhorzinho ficou encantado
E quis com Aidê se casar
5 Entrevista concedida por JERÔNIMO, Maria F. Entrevista concedida via aplicativo WhatsApp. [maio. 2017].
Entrevistadora: Cauane Maia. Florianópolis, 2017. 6 Entrevista concedida por MANOELA, Dandara. Entrevista concedida via aplicativo WhatsApp. [maio. 2017].
Entrevistadora: Cauane Maia. Florianópolis, 2017.
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Eu lhe disse: - Aidê não se case!
Vá pro Quilombo! Vá se Libertar!
No quilombo de Camugerê
A liberdade Aidê encontrou
Juntou-se aos negros irmãos
Descobriu o grande amor
Hoje Aidê canta sorrindo
Ela fala como muito louvor:
A liberdade não tem preço!
O Negro sabe quem te libertou.
(Musica de Capoeira: Aidê Negra Africana)
O nome "Cores de Aidê" se inspira na figura mitológica da Aidê, que permeia as músicas de
capoeira pelo Brasil exaltando essa mulher que, de acordo com minha compreensão, buscou a
liberdade plena e efetiva no quilombo de Camugerê junto com os seus, elucidando quem, de fato, à
libertou: O amor. Desse modo, não monetarizou seus valores e afetos através da oferta de um
"casamento". Ou seja, esse destemor de buscar uma relação de afeto que não pode ser
"comprada/vendida", mas sim compartilhada, vivida, experienciada entre os seus, sua família
extensiva.
Em nossas músicas exaltamos o feminino, sua força, beleza e resistência, tendo como
referência a figura mitológica de Aidê, mulher negra que buscou sua liberdade, acreditou em
seus valores e não trocou sua alforria pelo casamento com o seu senhor, fugiu para o
quilombo de Camugerê onde pôde então cantar sorrindo. (SODRÉ, 2016, p. 14)
É por meio dessa elucidação que, também, se inicia construção da identidade coletiva da banda
Cores de Aidê que, põe em xeque os limites que as "cores" podem assumir socialmente como nos
debates sobre identidade de gênero: cor de menina, cor de menino. Ou nos temas étnico raciais,
especialmente no Brasil, cujo preconceito racial é de marca e não de origem
Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável,
culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm
como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência
étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o preconceito de raça se exerce em relação
à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do
indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição
de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as conseqüências do
preconceito, diz-se que é de origem. (NOGUEIRA, 2006, p. 292)
Santa Catarina, desde o censo de 1980, figura entre os Estados com menor percentual de
negros do país, o que lhe assegurou a imagem de “Estado branco”, “superioridade racial” e
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“desenvolvimento e progresso”, afirma Leite (2012, p.37-38):
A estas imagens soma-se, também, uma de particular importância, que é a de Santa Catarina
como “locus” de concretização do projeto imigrantista implantado desde meados do século
XIX, visando principalmente o “branqueamento” do país. (LEITE, 2012, p. 38)
A antropóloga Ilka Boaventura Leite (2012) discorre sobre a construção da imagem de
“Estado branco” por meio, também, do argumento frágil que em Santa Catarina houve um baixo
contingente de mão de obra escrava, uma vez que as propriedades eram de pequeno e médio porte de
policultura e não havia uma forte economia voltada para o mercado externo. O menor número de
africanos cativos em terras catarinenses é interpretado como não dependência da mão de obra. A
invisibilização da efetiva contribuição dos negros, bem como a ênfase em na ausência negra em terras
catarinenses são os elementos identificados na literatura científica pela autora.
A invisibilização do negro é um dos suportes da ideologia do branqueamento e o termo é
utilizado por diversos autores para descrever a situação da população negra. O termo surgiu
na literatura ficcional americana por Ellison (1990) para descrever o mecanismo de
manifestação do racismo nos Estados Unidos,[…]O autor procurou mostrar como a
invisibilização se processa pela produção de um olhar que nega a existência do outro como
forma de resolver a impossibilidade de bani-lo totalmente da sociedade. Ou seja, não é que o
negro não seja visto, mas sim que ele é visto como inexistente.(LEITE, 2012, p. 41) .
É nesse contexto que, uma banda de samba-reggae formada por mulheres, em sua maioria
negra, provoca e recria seu próprio mundo negro ou, pelo menos, seu "Estado menos branco". Com
isso, reflito: Em que medida as Mulheres Negras em Florianópolis têm suas vozes ouvidas? Quais
são os espaços de expressão da população negra do Município? Que ouvidos essas vozes alcançam?
O que essas vozes dizem? Como se constrói a negritude no "Estado branco"?
Eu acho que o que justifica ser uma banda de mulheres, é que Florianópolis em um dos
lugares mais opressores que eu já conheci. Então, eu acho que, um grupo de mulheres trazer
o ritmo lá de Salvador, Nordeste, que é um lugar, enfim, já é bem desvalorizado pelas pessoas
e a cultura do Sul, de forma geral né. Então acho que a gente trazer esse ritmo, com as
composições que a gente tem, só mulheres, e hoje, sendo grande parte (mais da metade,
mulheres negras) eu acho muito significativo. (Informação verbal7)
Percebendo os diversos percursos e trajetórias das mulheres da Banda Cores de Aidê, me
questiono: Como compreendemos, coletiva e individualmente, a negritude? Como nos relacionamos
com o debate étnico racial? Em que medida o espaço de convivência proporcionado por esse grupo
suscita e reverbera os debates sobre as relações de poder? Considerando e compreendendo as
múltiplas formas de lidar e atuar com a temática negra através dessa "polifonia" que são as nossas
7 Entrevista concedida por MANOELA, Dandara. Entrevista concedida via aplicativo WhatsApp. [maio. 2017].
Entrevistadora: Cauane Maia. Florianópolis, 2017.
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vozes, como diz a Sueli Carneiro (2017, p.16), como construímos uma ideia coletiva sobre o assunto?
Imagem 02: Show Cores de Aidê - 08 de Abril 2017
"Sou cativa da sua luta!"
Não são raras as histórias de opressão que as mulheres da banda colecionam. Em seu
repertório, diversos casos de assédio, racismo, intimidação. Sustentar uma posição política, ainda que
seja por meio da arte, faz do grupo um alvo fácil da intolerância e das manifestações de racismo,
machismo, entre outros:
(...) eu acho que o Cores de Aidê, "Aidê", ela traz pra gente enfrentamentos, sabe? Até dentro
da banda mesmo, assim, os enfrentamentos e diferenças entre algumas pessoas mesmo dentro
da banda. Pra mim, significou muito... (como eu posso dizer?) Trouxe muita coisa positiva,
muita coisa significativa, né. Às vezes alguma discordância ou você vê que, mesmo na pessoa
ao lado, pô! tem a reprodução do racismo ou reprodução de violência de gêneros, de
machismo (...) Enfim, tem várias situações difíceis, complicadas que a gente instiga só por
"Ser", né! Mulheres tocando samba-reggae, falando de questões étnico raciais, falando sobre
a luta antirracista, enfim. (Informação verbal8)
A construção de uma identificação positiva na infância é algo que inexiste para a população
negra no Brasil, estrategicamente as instituições se elaboraram para destituir de humanidade os negros
e, desse modo, o ego branco se estabelece, onde a especificidade do racismo é que o negro não pode
disfarçar ou esconder a marca da sua diferenciação: “o negro é escravo da sua aparição” afirma Fanon
(2008, apud Nkosi) e a presença da sua corporeidade aciona, ao menor contato, todas as
representações positivas ou negativas relacionadas ao lugar do escravo na divisão escravista de
trabalho: o corpo.
Quando a natureza toma o lugar da história, quando a contingência se transforma em
8 Entrevista concedida por MANOELA, Dandara. Entrevista concedida via aplicativo WhatsApp. [maio. 2017].
Entrevistadora: Cauane Maia. Florianópolis, 2017.
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eternidade e, por um “milagre econômico”, a “simplicidade das essências” suprime a
incômoda e necessária compreensão das relações sociais, o mito se instaura, inaugurando um
tempo e um espaço feitos de tanta clareza quanto ilusão.Clareza, ilusão e verossimilhança
que são frutos de um poder constitutivo do próprio mito: o de dissolver, simbolicamente, as
contradições que existem em seu redor. (SOUZA, 1983, p. 25)
Imagem 03: Show Cores de Aidê - 08 de Abril 2017
Em muitas das contribuições, quando se debate as experiências de enfrentamento das
opressões, a trajetória das mulheres negras trazem a negação do corpo negro através de estratégias de
branqueamento, como alisar os cabelos ou ocupar determinados lugares, por exemplo, como
subterfúgios de sobrevivência numa sociedade racista.
Já vivenciei algumas situações de opressão, mas tem duas que não é de muito tempo atrás, é
de dois anos, dois anos e um pouquinho. Eu tava sendo bem oprimida pelo meu ex-marido
e... logo em seguida que eu me separei eu fui... eu tava passando roupa, e limpando vidros,
fazendo faxina para para me virar, porque eu tava desempregada tinha recém perdido neném.
Ai eu tava numa casa, tava limpando os vidros e a moça pegou e... porque, eu já conheço,
vizinha de anos, anos, anos... ela colocou o prato na pia e falou pra eu comer ali. Aí eu olhei
pra mesa, ela sentou na mesa eu falei: mais alguém vai sentar aqui? ela falou "não!". Eu
peguei o prato, botei na mesa. Eu me senti muito oprimida, tipo uma vizinha de anos, que vi
nascer, crescer tu não... branca, lógico! Eu não poder sentar na mesa, normal! E… eu tava
muito, tão, me sentindo tão oprimida que já era natural eu me oprimir também. Então tem
uma situação que eu passei que eu não esqueço também, que foi de uma pessoa diferente,
numa faxina que eu tava fazendo, limpando, passando roupa aí no primeiro dia na casa eu
peguei a tábua de passar roupa e coloquei encostadinha na parede, com meu rosto, com eu,
virado para parede em vez de eu tá virada para sala, assim pra televisão, para janela vendo a
vista. Ai a moça da casa, Patrícia, pegou e falou: tá mas porque tu não deixa eu virado assim,
eu já liguei a televisão, bota um som aí tu já abre a janela e fica vendo aí pessoal passando.
E eu já tava numa situação que eu já tava tão oprimida que eu só botei assim, num cantinho.
(Informação verbal9)
9 Entrevista concedida por FERNANDES, Cristiane. Entrevista concedida via aplicativo WhatsApp. [maio. 2017].
Entrevistadora: Cauane Maia. Florianópolis, 2017.
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A convivência e acolhimento, o local de escuta atenta que se estabeleceu entre a Banda Cores
de Aidê fez imergir diversos relatos de experiências complexas de rejeição e violência que, muitas
vezes, acabamos naturalizando, mas, à medida que os diálogos acontecem, muitas amarras vão se
desfazendo. A rede de acolhimento e amparo das Cores de Aidê se estabelece diariamente, através
dos vínculos de confiança e partilha que esse relacionamento possibilita
Eu já vivenciei e consigo identificar situações de opressão de uma forma contínua em
toda minha vida , PORQUE SOU NEGRA. Pessoas negras, infelizmente, sempre tem
relatos de opressão com punhados, de preconceitos e discriminação, tanto como vítimas
ou testemunhas. Vou relatar uma história de opressão, com preconceito, que sofri na minha
infância, que sempre me recordo, infelizmente: Quando eu tinha uns 06 anos, estava na
minha escolinha, época de festa junina, todos os ensaios para a quadrilha eu tinha meu
“parzinho”, uma criança branca. No dia da apresentação na escola, para os pais, os pares
foram se formando… meu “parzinho” chegou e, em poucos instantes, foi retirado: - Meu
filho não vai dançar com essa ¨neguinha”! A mãe dele disse para a professora e o retirou do
meu lado. Logo me arrumaram um par, um coleguinha negro, que nem era da minha sala e
era bem maior que eu. Dançou e depois sumiu, pois ele já tinha seu par e eu fiquei ali, naquela
condição, com o sentimento de criança: "que ninguém queria brincar comigo”. Mais tarde,
fui entender o que era aquilo...uma humilhação moral. Desde então, participei de poucas
festinhas da escola, porque me senti oprimida naquela situação. Isto refletiu de uma forma
tão grave, que não participei de quase nenhuma festas ou formaturas nos anos seguintes.
(Informação verbal10)
Muitas vezes, a exposição que o corpo da mulher negra é submetido encontra sua
representação através dos cabelos, e durante a convivência no grupo utilizamos essa linguagem
estética, também como forma de expressão e transição. O escárnio com a estética negra evidencia o
racismo e a cultura de destituição de humanidade que nos é imputado através da ideologia do
branqueamento onde a “norma” é o perfil euro-branco e tudo o que se afasta desse ideal é
deslegitimado. O antropólogo Raul Lody (2004) aponta o corpo como um dos mais notáveis espaços
de representação e expressão de uma cultura:
Para os afrodescendentes do Brasil, os cabelos são memoráveis distintivos de identidade
étnica, de inclusão social e, especialmente, de revelação da luta pela liberdade, pelos direitos
de igualdade e cidadania.(LODY, 2004, p. 85)
"Somos Aidê! Todas Aidê!"
Por meio das reflexões que o tema me suscita, pensei nas diversas narrativas que as Cores de
Aidê unifica, por meio do samba-reggae. E , através das perguntas abertas, surgiram algumas
manifestações das integrantes da banda, para compor esse artigo. O objetivo era provocar e acessar
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Entrevista concedida por LUZ, Carla. Entrevista concedida via e-mail. [maio. 2017]. Entrevistadora: Cauane Maia.
Florianópolis, 2017.
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as múltiplas perspectivas e compreensões dessas mulheres sobre determinados temas, que compõem
a identidade coletiva das Cores de Aidê, uma vez que essa constituição é dinâmica e, nem sempre,
harmoniosa.
Na medida em que coloca em questão alguns pontos sobre a ser mulher negra. Ao mesmo
tempo que exalta a nossa beleza e nossa arte, através de suas letras e performances, também
problematiza questões como o preconceito e a discriminação..(Informação verbal11)
Imagem 04: Show Cores de Aidê - 08 de Abril 2017
Por meio das trajetórias umas das outras, da arte que nos converge, da militância que emerge
no espetáculo e na convivência, as posições de enfrentamento, de consciências da luta social e racial,
bem como do afeto que estrutura a rede de relações do grupo. Com tudo isso, é possível constatar que
as vozes negras são amplificadas nas Cores de Aidê
Eu acho que essa é a grande potência, eu me sinto me expressando, né! Ou seja, atingindo
as minhas subjetividades, mas, ao mesmo tempo, sei que tem mulheres se identificando.
Então, entendo sim! Com certeza! Sem a menor dúvida, como militância. Ainda mais da
forma que hoje a gente vem gerindo isso. Então, eu sinto que a potência é essa: a gente chamar
pelo batuque, porque o batuque ele vai lá... longe, né! Vem gente de longe ver o que a gente
tá fazendo. Aí quando chega, porque tocou lá no coração o batuque, e quando chega, a pessoa
olha: e vê as meninas dançando, vê a gente cantando, vê o tambor ali de pertinho ressoando,
e a performance, as cores, a alegria.(Informação verbal12)
Compreender o espaço, Cores de Aidê, como um lugar de questionamentos, de expressão
artística, de militância, de acolhimento, de escuta e do exercício, possível, de um afeto genuíno que
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Entrevista concedida por DARBOE, Kadza. Entrevista concedida via e-mail. [maio. 2017]. Entrevistadora: Cauane
Maia. Florianópolis, 2017. 12
Entrevista concedida por MANOELA, Dandara. Entrevista concedida via aplicativo WhatsApp. [maio. 2017].
Entrevistadora: Cauane Maia. Florianópolis, 2017.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
auxilia a comunicação, estabelece o respeito e aprendizados transversais é intuitivo. Contudo, a
oportunidade de coletar as percepções e perspectivas das demais integrantes, permitiu acessar, de
fato, as diversas formas de lidar com os temas que permeiam o grupo.
A trajetória da banda é permeada de complexas relações e debates, que merecem uma trabalho
de pesquisa mais aprofundado, que dê conta e esgote todas as suas possibilidade. Uma vez que, seu
caráter dinâmico, sua composição plural e sua relação com uma proposta de militância para debater
o mundo negro, dialogando com passado, presente e futuro, não caberia apenas em um artigo. E, com
a expectativas de que outras pesquisas acadêmicas surjam para dar conta do tema, deixo as brechas e
lacunas abertas para novos debates.
Referências
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Cores de Aidê and the Emancipation of Black Women Florianópolis
Abstract: The objective of the research is to trace the setbacks and reverberations provoked through
the band Colors of Aidê through the perspective of the Black Women who are part of the group, as
well as the perceptions and possible modifications of which the Non Black women were submitted
on the racial ethnic debate Because of his participation in the band. To discuss the interactions
between the different Women and situations of confrontation with the intersectional theme between
race and gender through the artistic and political spaces that the band Colors of Aidê was inserted,
through the narratives of the members and the situational fragments that contributed to the
complexification And forming the identity of the group as a potent voice that questions the power
relations in today's society will be the spearhead for the beginning of a complex dialogue that possibly
will not be exhausted in these pages.
Keywords: Cores de Aidê. Samba-reggae. Black Feminism.