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COROADO NO CONGO, NO MOVIMENTO MANGUEBEAT SUA
EXPLOSÃO: OUÇA O GRITO DA NAÇÃO
Leandro Queiroz
Quem vê as Nações de Maracatu se apresentar no carnaval de
Pernambuco talvez não se atente para o surgimento dessa cultura.
Alguns historiadores demarcam esse surgimento advindo da festa do Rei
do Congo. Ainda que as representações atuais sejam diferentes da festa
originária, a cultura negra persiste como protagonista.
O ritmo dos gonguês, atabaques e alfaias marcou a resistência
até o maracatu alcançar a sua legitimação. Um dos processos de
valorização dessa manifestação é refletido pela participação das Nações
na abertura do carnaval da capital pernambucana.
Sob comando do Mestre Rubens, Nação Pernambuco de Olinda-PE tem
na raíz a essência católica da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos. Foto: Kaio Pereira
Se hoje nas Nações de Maracatu as homenagens são diferentes
a cada ano, nas festas do Rei do Congo a homenagem era sempre a
“Dom Afonso IV” – primeiro Rei (reino de Congo) da África a se
converter ao catolicismo. A festa do Rei do Congo, organizada pela
Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, tinha
representações teatrais e apresentações musicais que culminava na
homenagem ao Rei do Congo com a coroação de um negro.
“O rei era coroado e ele tinha uma função, para além daquele
momento da espetacularização. Ele ficava responsável por cuidar de um
grupo de escravos. Então, era o que eles chamavam de Nação – esse
grupo que ficava sob a tutela do Rei coroado, o Rei do Congo. Ele tinha
esse papel de ajudar os escravos e também auxiliar o senhor – era um
mediador”, ressaltou a historiadora Naara Góes.
O ritmo forte e resistente que conquista multidões
O maracatu tem no seu ritmo um diferencial. O ritmo bastante
percussivo é marcado, principalmente, pela marcação das loas ou
toadas no tempo do gonguê, atabaque, alfaia e, mais recentemente, do
abê. “A loa, não é uma letra qualquer. Ele sempre vai remeter a algum
elemento negro, da história negra, da luta, da resistência, da
religiosidade. Então, os maracatus, têm as suas loas e toadas muito
direcionadas e centradas nisso.”, destacou Naara.
Houve muita perseguição e massacre as Nações e seus membros
por terem elo com os terreiros de candomblé. A luta pela legitimação –
por parte do Estado – teve líderes como Dona Santa e Badia. Em 1991,
com o movimento Manguebeat e a explosão de artistas como Chico
Science é que o maracatu passa a ser investigado e divulgado
nacionalmente.
“Realmente é com o movimento Manguebeat, que é quando (o
maracatu) explode nacionalmente, quando todos querem saber o que é.
Aí acaba tendo uma legitimação que depois de um tempo o maracatu
começa a abrir o carnaval da cidade (de Recife) e você vai ter essa
valorização”, comenta Naara.
Anos de luta trazem glória para a Nação
Nas duas últimas décadas, a abertura do carnaval da capital
pernambucana teve o protagonismo de Nações de Maracatu. Além da
abertura que propiciou a valorização e o desenvolvimento das Nações,
acontece o concurso que no grupo principal conta com nove das 29
afiliadas a AMANPE (Associação dos Maracatus Nação de
Pernambuco). A disputa é acirrada e tem na Nação do Maracatu Porto
Rico uma de suas mais bem desenvolvidas.
O brilho e o desenvolvimento do Maracatu Nação Sol Nascente
também é reconhecido, mesmo que esta tenha optado por não participar
do concurso. Ambas Nações são convidadas para se apresentarem na
abertura do carnaval de Recife, sendo representantes de uma grande
força para o grito de resistência da cultura negra.
NAÇÃO DO MARACATU DE PORTO RICO
Sede: Terreiro de Porto Rico, casa de Mãe Elda, na Comunidade do
Bode, no Bairro do Pina – Recife/PE
Cícero Bernar
“Porto Rico tem fundamento, nosso baque tem tradição. O meu
canto é verde e vermelho e o Nagô é minha nação!” - Com fundamento
voa mais alto, Nação do Maracatu Porto Rico.
Tendo como sede o terreiro homônimo, comandado pela Yalorixá
e Rainha do Maracatu Elda Ivo Viana, mais conhecida por Mãe Elda de
Oxóssi, há quase 40 anos, a Nação do Maracatu Porto Rico é símbolo
de resistência centenária de cultura pernambucana. Desde o ano de
1916, a nação de “sangue verde e vermelho” – em uma homenagem ao
orixá Ogum – vem desenvolvendo as suas atividades, sendo a campeã
disparada da disputa entre os maracatus de Baque Virado no período
carnavalesco em Recife.
Dona Elda, apesar de continuar sendo a rainha do Maracatu,
atualmente não é a responsável pela manutenção e organização da
sede por estar com a doença de Alzheimer e impossibilitada de
continuar em suas funções sendo substituída por sua filha, Edileusa
Viana. Mesmo assim, ela continua desfilando. “Quando ela sai na
passarela, você não reconhece ela, não. Já é outra pessoa, já fica com a
proteção de todo mundo, os espíritos e orixás chegam modificando ela”,
conta Amanda Mariana, integrante da Nação.
Cheio de energia, o batuque pausadamente ritmado da Nação é
quase como um sentimento de entrega: uma onda impossível de ser
controlada, onde o que podemos fazer é se deixar levar por ela até o
fundo daquela sensação. Não é à toa que, segundo o Mestre Jailson
Chacon Viana, as batidas lembram “o baque das ondas do mar,
recheadas com variações vibrantes, como o movimento das ondas do
mar”.
Foto: Kaio Pereira
Mestre Shacon é o comandante de ritmo do Maracatu Porto Rico
de Palmares. Sendo filho de Mãe Elda, é com ele que as marcações dos
instrumentos são seguidas pelos integrantes. Também é dele a
renovação dos aparatos usados para o som “único” de Porto Rico,
através de tambores, atabaques e abês, sempre ligados às tradições
africanas. “O Mestre também é bem dado, o que ele puder fazer por
cada batuqueiro ele faz. Ele tem a gente como filho, tem esse
envolvimento com a gente, de família, de tudo”, afirma Amanda Mariana.
Também é ele quem lidera as viagens e apresentações da Nação
em outros estados do Brasil como São Paulo, Santa Catarina, Sergipe e
Rio de Janeiro. Além de ministrar, juntamente com os batuqueiros,
oficinas de maracatus em países como a Bélgica, Espanha, França e
Alemanha levando a cultura, o ritmo marcante e um maior
reconhecimento dessas manifestações de matrizes africanas para
pessoas de todo o mundo.
Esse laço com tradições e religiões africanas é algo inerente ao
Maracatu de Porto Rico. “O pessoal sempre diz: ‘maracatu é macumba,
maracatu é Xangô’. Mas, de fato, maracatu é religião mesmo. É
candomblé, tem a Rainha, que representa Yansã, tem o Rei, que
representa Xangô, tem as Princesas, a Imperatriz...”, diz Edileusa Viana,
vice-presidente da Nação e filha de Mãe Elda.
O envolvimento do mestre e de toda a comunidade do maracatu
também surge a partir da aceitação de grupos que são majoritariamente
marginalizados na sociedade no próprio batuque da nação até às
oficinas feitas para crianças e jovens com baixas condições econômicas.
“O maracatu ele abrange todo mundo. No caso, tem a corte das baianas
ricas também que não é só mulher que veste vestido rodado, os homens
também participam, pessoas LGBTs que quiserem entrar, a gente
abraça todo mundo”, diz Mariana.
Foto: Kaio Pereira
A cada ano as músicas clássicas e tradicionais da Nação vão
sendo interpretadas e ensaiadas, ao mesmo tempo em que novas
composições vão sendo incluídas no repertório para a passarela do
carnaval. Entretanto, é importante notar que o Maracatu, por mais que
pareça diante das vestimentas, não é algo similar às Escolas de Samba
tão famosas no carnaval carioca. “Não temos enredo: a gente
homenageia um orixá. Sempre dentro da Nação, sempre dentro do
candomblé, a gente homenageia um orixá sem sair da originalidade”,
completa.
Homenageando Yemanjá, a mãe das águas, no Carnaval de
2018, a nação desempenha um intenso trabalho de confecção
comandando por Edileusa. Paêtes, plumas, grandes chapéus, coroas,
vestidos rodados, brilhantes e longos fazem parte das vestimentas que
serão usadas luxuosamente pelos desfilantes.
Todos vêm trabalhando desde o mês de julho para que tudo
esteja praticamente pronto em janeiro, somente com alguns ajustes a se
fazer. “Do momento em que a gente tá confeccionando as roupas aqui
até o momento em que a gente vai pra passarela, acontece muita, muita
coisa”, fala Amanda Mariana.
Logo após os ensaios, os integrantes e batuqueiros do maracatu
se reúnem para os rituais de candomblé e de agradecimento aos orixás
e proteção para todos da comunidade, assim como também fazem antes
de desfilar na passarela demonstrando mais uma vez o vínculo com as
raízes africanas e afro-brasileiras.
“Antes da gente ir pra passarela, nos preparamos e fazemos as
nossas oferendas para que nada de mal nos aconteça (...) e que a gente
faça um carnaval maravilhoso. Aí iremos pra passarela bem tranquilos,
com nossos orixás... Aí vai sem medo!”, afirma Edileusa.
NAÇÃO DE MARACATU SOL NASCENTE
Sede: Balé de Cultura Negra do Recife, no bairro de Água Fria -
Recife/PE.
Emanuele Macedo Jamile Vieira
[email protected] [email protected]
Ubiracy Ferreira foi um reconhecido coreógrafo e estudioso da
cultura popular pernambucana e importante representante da cultura e
religiosidade afro-brasileiras. Também fundou o Balé de Cultura Negra
do Recife (Bacnaré). Faleceu em 2013, aos 76 anos, deixando um
legado de décadas de trabalho à frente do Maracatu Sol Nascente e
dezenas de prêmios conquistados pelo Bacnaré ao redor do mundo.
O Maracatu Sol Nascente foi uma herança deixada a Ubiracy,
porém, devido ao contexto de repressão policial provocada pela
perseguição aos povos de religiões de matrizes africanas, foi recolhido
ao museu, só retornando às suas atividades em 1986 por conta de uma
promessa feita por Ubiracy de retomar a Nação ao completar seus 50
anos de vida.
Atualmente o trabalho de Ubiracy vem sendo levado à frente por
sua esposa Antônia e seu filho Tiago Batista, que, além de organizar as
apresentações da Sol Nascente durante o carnaval, tocam atividades
abertas do Bacnaré durante todo o ano. O grupo também conta com
integrantes que moram fora do país e promovem oficinas de dança.
Foto: Kaio Pereira
Muitos deles voltam a Recife para participar das atividades
desenvolvidas durante o carnaval. O posto de mestre da Nação e
comandante de ritmo é assumido sempre pelo mais experiente no
Maracatu, seguido pelo contramestre que assume os trabalhos
sucessivamente. Mestre Tiago assumiu o posto por ser o mais
experiente dentro da nação Sol Nascente.
Ubiracy acreditava que os maracatus não devem brigar entre si e
que muitas brigas surgem a partir da competição, dificultando a união
entre as nações. Por esse motivo, a Sol Nascente não participa do
concurso que ocorre entre os Maracatus de Baque Virado durante o
carnaval de Recife.
“Ele sempre quis fazer uma associação. Juntar os maracatus.
Que os maracatus se juntassem pra ter mais força. A mesma força que
alguns grupos têm em Salvador e tem em outros estados”, explica Tiago.
É baseado em seus ideais que foi criada a Associação dos Maracatus
Nação de Pernambuco (AMANPE). Na ocasião, por conta do seu estado
de saúde, foi designado como Diretor de Honra.
O Maracatu Sol Nascente, assim como outras nações, está
fortemente ligado às tradições de religiões de matrizes africanas. Essas
tradições se revelam, dentre outras formas, através da presença da
Calunga - elemento fundamental nos maracatus que remete ao sagrado
e à ancestralidade.
Foto: Kaio Pereira
Todo o cortejo da nação também traz representações ligadas à
cultura africana, como a caracterização dos guerreiros que é inspirada
nas vestimentas utilizadas pelos guerreiros dos povos zulus.
Reafirmando o seu caráter religioso e voltado para a cultura afro-
brasileira, a Nação carrega consigo também um aspecto de resistência,
no que diz respeito ao histórico de marginalização do povo negro no
Brasil.
“Toda cultura africana, ela resiste. Ela luta pra resistir. Porque se
não (lutar), ela é engolida pelo modismo e pela mídia. Então a gente
briga pra ser reconhecido e pra mostrar a real tradição do Maracatu”,
afirma Tiago.
A invisibilidade e a perseguição sofrida pelo povo do Maracatu
reflete diretamente na forma como ele é visto pela população, segundo
Tiago, que diz: “tudo que a gente não conhece a gente acaba tendo
medo, todo mundo tem medo do desconhecido, a partir do momento que
você conhece as coisas, você perde o medo. O maracatu e o afoxé são
religiões que tocam no carnaval, que fazem parte da cultura africana,
mas a gente sabe que outras religiões vão de encontro, e essas religiões
acabam praticando o medo na população (...) sim, é de candomblé, é de
raiz mas a gente não tá fazendo o candomblé na rua, não, a gente tá
mostrando a cultura africana na rua, cultura pra que as pessoas
conheçam e entendam".
As Nações de Maracatu costumavam abrir tradicionalmente o
Carnaval de Recife na sexta-feira de Carnaval, mas uma ação da
prefeitura designou que em 2018, pelo fato desse dia ser comemorado o
dia do Frevo as apresentações teriam que ser feitas na quinta-feira ou
no sábado. Em uma decisão unânime entre as nações, a quinta-feira foi
o dia escolhido.
"A gente tava bem acostumado com a abertura do carnaval na
sexta-feira, já era uma coisa que se tornou histórica dentro do Recife,
mas a gente sabe também que tem outras atrações que querem aquele
local, aí por opção nossa a gente escolheu ao invés de fazer no sábado,
fazer na quinta. O amor da gente seria sexta, mas como não deu, a
gente preferiu fazer na quinta porque vai estar melhor estruturado e não
teria conflito com a multidão do galo", relata Tiago.
O som dos tambores e atabaques da Nação de Maracatu Sol
Nascente não deixa ninguém parado e já nas prévias e ensaios do
carnaval mostra a que veio, trazendo resistência, alegria, religiosidade e
cultura para as ruas de Recife. As vestimentas, as pinturas e os passos
característicos da cultura africana, encantam a todos onde se