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corpo - Rede Globoestatico.redeglobo.globo.com/2019/07/08/B3corpo.pdfSou Musa Michelle Mattiuzzi, pesquisadora na área de artes do corpo, formada pela Pontifícia Universidade Católica

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O que pOde O cOrpO cOm O usO da internet

artigopor Musa M. Mattiuzzi

Olá!Sou Musa Michelle Mattiuzzi, pesquisadora na área de artes do corpo, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em Comunicação das Artes do Corpo/Performan-ce. Nasci na cidade de São Paulo, morei praticamente os 30 anos da minha vida na capital paulista. Mas foi no desloca-mento que me tornei artista. Tentei ser mestre acadêmica em dança e fui jubilada, e logo em seguida artes visuais, jubilada de novo. Tudo isso na cidade de Salvador, onde passei os últimos oito anos de vida. Os caminhos que tomei na Soterópolis me nomearam mestra do meu fazer e da mi-nha vida, não precisava desses papéis acadêmicos para viver a arte de fazer performance.

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Musa Michelle Mattiuzzi é performer, diretora de cinema, escritora e pesquisadora, graduada em artes do Corpo pela Pontifícia universidade Católica de são Paulo

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Na minha trajetória, a experiência de fazer ações na rua e me envolver de modo indisciplinar com o corpo me possibilitou um intercâmbio com/entre diversos artistas, grupos, co-munidades e coletivos. Experiências que moldaram o meu conhecimento para que pudesse afirmar-me como performer, diretora de cinema, es-critora, criadora em artes. Foi da im-possibilidade de viver em Salvador que me projetei como artista da per-formance, posso dizer agora que con-segui. Como no dito popular: vim, vi e venci. Ao longo dos últimos dez anos dediquei-me processualmente à pesquisa, enquanto uma pessoa preta a pensar o corpo e as relações com o mundo a partir e com as lin-guagens artísticas. A única preocu-pação que tinha nessa dedicação era que as minhas criações em perfor-mance fossem entendidas pela au-diência, e durou por muito tempo a minha incompreensão da narrativa errante de fazer arte. E por isso, aten-ta aos efeitos do processo avassalador da necropolítica sobre os corpos ra-cializados e dissidentes, penso que sobrevivi ao processo de genocídio ao me dedicar à performance de con-tar a história da escravidão - como escrevo com o próprio corpo levando em consideração a minha história e, por consequência, a história na arte?

É assim, escrevendo histórias a partir da criação artística em performance, que desenvolvo um conceito de cor-po, mas esse não é o contexto para melhor elaborar esses pensamentos. Para continuar a linha de pensamen-to, encerro a minha apresentação pessoal. Mas no decorrer do texto me colocarei diante das narrativas com reflexões e experiências, pois acredi-to que me implicar no contexto com a premissa de elaboração crítica a partir do fazer é fortalecer o compro-misso ético em viver com pessoas de coletividades/comunidades que não aceitam a morte e se instrumentalizam com a arte.

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Convidada para contribuir para o mapeamento de “novas” manifes-tações artísticas e suas diversas e

“inovadoras” formas de expressão, coloco aspas porque vou fazer esse texto pensando sempre em dois pon-tos em justaposição. Para mim, também é importante apresentar contranarrativas dos significados e sentidos das palavras como forma de politização. Não quero tensionar os pontos apenas para achar o certo e o errado, mas para trazer à tona a contradição da norma dita culta.

Nas duas últimas décadas não surgi-ram novidades inovadoras, e sim uma onda de reorganização social. E a internet, com as redes sociais e a viralização de conteúdos, é de fato um modo coletivo de pensar e orga-nizar saberes e seus respectivos in-teresses fragmentados; no caso do Brasil, pela colonização. E é a partir da edição em tempo real e da produ-ção de selfies que o corpo encontra ressonâncias do passado e do pre-sente no futuro e apresentações se-mióticas futuristas que apontam para uma ancestralidade próspera. Por-tanto, agora é um outro tempo para a produção de desejo, outro modo

de ver e olhar as manifestações ar-tísticas. Com um celular produzimos com ótima qualidade visual, e são esses roteiros com efêmeras ações performáticas de natureza íntima, executadas em tempo real, que ope-ram na produção de subjetividade na contemporaneidade.

Para a minha reflexão, convém per-ceber que vislumbro acentuar as nuances das mudanças dos paradig-mas sobre o corpo e também trazer questões filosóficas sobre o corpo que foram pensadas na modernida-de e fazem perdurar seu significado nos dias de hoje. Como é possível fazer arte de forma precária? Como imaginar o corpo precarizado e em performance exercer a plenitude como um exercício de poder? O que pode o corpo, naquele pequeno ins-tante de ótima luz e disposição para o timer? Quais os efeitos da criação com a popularidade nas redes sociais?

Quando escrevo a palavra “rede”, penso em ações práticas que ela pode gerar; em seus significados e nos sentidos em que pode ser aplicada esta pa-lavra: rede. E você, o que pensa quando lê essa palavra? Nesse contexto, convido a pensar os significados da palavra “rede”, no caso dos dois possíveis. Respectivamente, por metáfora, deno-minando comunidade, e também por internet, que toma a proporção do compartilhamento e intercâmbio de dados.

Como é interessante perceber os efeitos das redes sociais na nossa vida, e como o uso delas possi-bilitou desestruturar os tradicionais canais de difusão e comunicação em massa, e também destruir a narrativa hegemônica sobre o corpo normativo, e portanto direcionar os olhares para outras narrativas e existências. E ao mesmo tem-po, através das redes sociais, vimos crescer um grupo de extrema direita. E não só isso: foram eleitos dois presidentes em um mesmo conti-nente com a mesma estratégia política: o uso das redes sociais. Eu prefiro não escrever os nomes desses presidentes que são de extrema direita, para que não haja esses nomes em meus escritos. Assistimos às mudanças do uso das comunicações, ao vivo, e presenciamos duas eleições desastro-sas, ou seja, são as grandes mudanças apocalíp-ticas diante dos nossos olhos.

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O novo nesse processo são as tecno-logias e os recursos digitais, os usos das redes sociais, a possibilidade de popularidade das criações e produ-ções de narrativas por essa ferra-menta. A difusão de seu evento em arte para a comunidade que está co-nectada. É mais fácil encontrar seus interesses sociais por conta da rede. Ou melhor, vivemos o momento em que a rede nos direciona aos nossos interesses. E vice-versa. As infor-mações produzidas pelo comum e sendo socializadas na virtualidade.

A produção de subjetividade do cor-po na atualidade, mediada pela ne-cessidade de trocas rápidas, com um touch as ideias ficam em movimento espiralados e também imprimem uma ansiedade generalizada. A rede é essa ferramenta que te possibilita closes ao vivo de uma ação em performan-ce, até mesmo a demonstração do corpo e de suas marcas através da lente do celular. Talvez seja essa ino-vação dentro dos experimentos com a interface das redes sociais. Elas contribuíram para a efervescência do cenário independente de arte que sempre existiu, aos trancos e bar-rancos. Essa efervescência contribui para a mudança na forma de ler, es-crever, assistir, jogar, publicar, di-fundir e compartilhar as criações artísticas.

Nas duas últimas décadas Não

surgiram Novidades iNovadoras,

e sim uma oNda de

reOrga-nizaçãO

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Assim, apresento quatro artistas dis-sidentes que tive o prazer de conhe-cer pelas redes sociais Instagram e Facebook. Os critérios da minha es-colha para escrever sobre os seus processos foram: ponto de origem (Nordeste ou Norte do Brasil), estar em trânsito por conta do fazer artís-tico, ter uma única mulher negra cis, e a maior parte dos artistas listados que se identificarem com a comuni-dade LGBTQIA+.

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Começo por Ventura Profana, travesti que nasceu em Salvador e morou os dez primeiros anos da vida em Catu, cidade no interior da Bahia. Ela me conta que quando completou 11 anos foi com sua família para o Rio de Janeiro. De origem familiar cristã, ela tem marcado em seu corpo a experiência da convivência na igreja, ela pensa o corpo do ponto de vista religioso cristão. A performance que Ventura Profana propõe é com o corpo t r a v e s t i g e n e r e é pela experimentação. Ela encara como poética os processos de transformação/transição, prega o amor nos seus atos performativos com música eletrônica e acredita que a maior subversão em fazer performance é estar viva, falar de vida e não aceitar o silenciamento. Essa artista autodidata simultaneamente faz colagens e também escreve suas músicas, o que faz a sua produção ser completa e complexa, pois, usando vários dispositivos de edição de imagens, ela propõe uma narrativa não tradicional no contexto das artes que emergem pelas redes sociais. Sua frase icônica é “PROSPERIDADE TRAVESTI”. Atualmente vive em Minas Gerais e é bolsista da sétima edição da Bolsa Pampulha, no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, que em setembro abre a exposição como resultado da residência de seis meses. Siga-a no Instagram @venturaprofana.

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Convoco mais uma artista a esta lista: Castiel Vitorino Brasileiro, nascida em Vitória do Espírito Santo, uma bixa travesti que habita a fronteira. Ela triangula seu saber e suas conexões entre Brasil e países da América Latina e a países da África. Ela usa a psicologia e a arte para construir armas de guerra contra a colonização de seus pensamentos e desejos. Ela também cria próteses que nos ajudam a traduzir e atualizar ensinamentos ances-trais, oferecidos por africanos, entidades afro-brasileiras, negros que vivem diásporas diferentes. Ela nos convida com o seu fazer a repensar os corpos pretos dissidentes e suas fabulações subjetivas. Acompanhe-a pelo Instagram @castielvitorino.

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Outra artista é Maria Letícia, a performer e modelo Manauara Clandestina. travesti, nasceu em Manaus, cidade do estado do amazonas. atualmente vive em são Paulo e dedica-se às performances de moda, e, como Ventura Profana, ela tem em sua vida a experiência cristã e acredita na importância da arte da performance como transformação. Manauara, na Virada Cultural de são Paulo de 2019, esteve em ação em duas performances de moda no Centro Cultural são Paulo: Enegrecídio, de oito estilistas que se relacionam com questões raciais e de gênero, e a Próloga, da estilista Vicente Perrota, ambas ocupando o piso Flávio de Carvalho. Quem quiser saber mais sobre ela, procure por @manauraclandestina.

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Foi muito difícil selecionar essas quatro artistas, e pra mim é importante deixar expresso o critério de seleção. Não acho que seja justo, mas precisava fazer escolhas. Há uma gama imensa de artistas dissidentes que encontram a possibilidade de fazer arte com o próprio corpo e se manifestar nessas novas mídias sociais. Vou listar mais alguns delxs aqui (por favor, seja curioso e procure no Insta): a produtora musical e DJ BadSista (@badsista), a performer e artista visual Malayka (@malaykasn), a fotógrafa Caroline Lima (@carolinelima.co), a performer e atriz Roberta Nascimento (@roberta.nascimento.art), a performer Bruna Kury (@bruna_kury), a artista visual e grafiteira Annie Ganzala Lord (@ganzalarts), a DJ e performer Paulet LindaCelva (@pauletxy), a performer e modelo Aretha Sadick (@arethasadick), a performer Transalien Ana Giselle (@anagiza), a atriz, performer e cantora Laís Machado (@alarinjosulamericana), a poeta e cantora Tatiana Nascimento (@tatiananascivento), a artista visual e grafiteira Talitinha Andrade (@talitinhandrade)... Faltam muito mais nomes. Sigam-me no Instagram @musamattiuzzi e acompanhem os meus stories. Todos os dias, apresento um artista.

o futuro ééagora.

a última artista que escolhi para fazer parte deste escrito é inaê Mo-reira, que nasceu em salvador, no estado da Bahia. Ela pensa a perfor-mance do corpo a partir da dança. Na sua formação artística (graduada em

Dança pela Escola de Dança da Funceb, licenciada em Dança pela universidade Federal da Bahia e em Circo pela Escue-la de artes urbanas de Rosario, na ar-gentina), ela desenvolveu aprendizado nas técnicas corporais, dança, capoeira, circo e teatro físico e é uma multiartista. atualmente está em movimento com o seu projeto Dança intuitiva, um ato de, a par-tir da dança, cuidar e envolver mulheres. Esse projeto é de extrema importância nos tempos em que a sensibilidade é menospre-zada. Quem quiser saber mais sobre essa artista em movimento, acompanhe-a no instagram @dançaintuitiva.

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Esta brochura é partE

intEgrantE da Edição 15 do

cadErno globo, lançada

Em julho dE 2019. VEja mais Em

app.cadErnosglobo.com.br