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A SAGA DO CORRESPONDENTE INTERNACIONAL DO FINANCIAL TIMES PARA SE VIRAR NO BRASIL E SUAS EXPERIÊNCIAS PELO MUNDO. Perfil: Joe Leahy Breve História Por ser estrangeiro, a dificuldade inicial é a Língua Portu- guesa. Não é para menos, conjugação de tempos verbais, con- cordância e gírias são difíceis até para brasileiros natos, que dirá para ‘gringos’. “Os desafios seguintes são entender como funcionam os sistemas social e político do país. Assim que cheguei ao Brasil fiz um mês de aulas de português, aprendi bastante mas não o suficiente” contou Joe, que é também chefe do jornal em terras tupiniquins. Na mudança para o Brasil, Joe Leahy deixou para trás toda a sua experiência em cobrir o território asiático para abraçar o desafio de explorar o B dos Brics, sigla para o grupo de países emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Em seus textos, fica claro que ele tem acompanhado as manobras do governo brasileiro e transações das grandes em- presas no país, descrevendo, além disso, as políticas econômicas adotadas. Os deslizes e escândalos de ministros, envolvidos em acusações das mais cabeludas e chutados de suas pastas, tam- bém viram assunto. Adaptação cultural Na primeira conversa com Joe, o inglês fluiu automatica- mente. Na segunda, uma surpresa: “Você fala português?” digo eu. “Um pouquinho” responde. Escrevendo na língua de Shakespeare, não imaginei que ele praticasse muito. Na verdade, esse tem sido o desafio do cor - respondente nos últimos tempos, tanto é que partiu dele a ideia de conversarmos em português e já anunciou: “vou pedir para as pessoas no escritório só falarem em português comigo”. Andar nas ruas de São Paulo pode exigir atenção redobra- da. Após ser atingido por um ombro apressado pela Avenida Paulista em uma sexta feira à noite, ele repete o meu sonoro “opa!” e acrescenta: “nossa, essa foi forte, vou aprendendo”. Pontualidade também não deve ter sido vista como típica característica brasileira, ainda mais em dia de chuva. Cátia, uma das intrépidas repórteres desta matéria, numa desagradável fa- lha, deixou o moço esperando 30 minutos em um Café de São Paulo, ainda bem que ele foi “gente boa” e permanecia lá senta- do a minha espera, pensei comigo. Em contrapartida ao atraso, ele treinou o português que esforçadamente vem aprendendo. Para um correspondente internacional, vontade de experi- mentar nunca deve faltar, principalmente no que se diz respeito a explorar e conhecer o modo de vida local: “Na Indonésia, onde trabalhei, a cultura é muito indireta. As pessoas não dizem imagem do Youtube por James Fontanella-Khan Por Cátia Cananéa e Paula Arnoso Breve História Joseph Leahy morou 17 anos na Ásia: Hong Kong, Indonésia e Índia. Após esse período teve a possibilidade de voltar a trabalhar em Hong Kong ou embarcar no primeiro avião para a América do Sul, Joe não hesitou em escolher o Brasil. Australiano, começou a carreira em jornais locais da cidade de Melbourne, co- brindo desde política e meio ambiente, até agricultura. Joe se formou em Jornalismo no Royal Melbourne Institute of Tehcnology e hoje é correspon- dente internacional do jornal britânico Financial Times aqui. Quando criança, ele e o irmão fizeram uma competição para escrever um jornal sobre a família, Joe ganhou. Seguiu a carreira, seu irmão não.

Correspondente Internacional do Financial Times no Brasil - perfil do jornalista

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Saiba detalhes, profissionais e pessoais de um correspondente internacional

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A sAgA do correspondente internAcionAl do FinAnciAl times pArA se virAr no BrAsil

e suAs experiênciAs pelo mundo.

Perfil: Joe Leahy

Breve História

Por ser estrangeiro, a dificuldade inicial é a Língua Portu-guesa. Não é para menos, conjugação de tempos verbais, con-cordância e gírias são difíceis até para brasileiros natos, que dirá para ‘gringos’.

“Os desafios seguintes são entender como funcionam os sistemas social e político do país. Assim que cheguei ao Brasil fiz um mês de aulas de português, aprendi bastante mas não o suficiente” contou Joe, que é também chefe do jornal em terras tupiniquins.

Na mudança para o Brasil, Joe Leahy deixou para trás toda a sua experiência em cobrir o território asiático para abraçar o desafio de explorar o B dos Brics, sigla para o grupo de países emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Em seus textos, fica claro que ele tem acompanhado as manobras do governo brasileiro e transações das grandes em-presas no país, descrevendo, além disso, as políticas econômicas adotadas. Os deslizes e escândalos de ministros, envolvidos em acusações das mais cabeludas e chutados de suas pastas, tam-bém viram assunto.

Adaptação cultural

Na primeira conversa com Joe, o inglês fluiu automatica-mente. Na segunda, uma surpresa: “Você fala português?” digo eu. “Um pouquinho” responde.

Escrevendo na língua de Shakespeare, não imaginei que ele praticasse muito. Na verdade, esse tem sido o desafio do cor-respondente nos últimos tempos, tanto é que partiu dele a ideia de conversarmos em português e já anunciou: “vou pedir para as pessoas no escritório só falarem em português comigo”.

Andar nas ruas de São Paulo pode exigir atenção redobra-da. Após ser atingido por um ombro apressado pela Avenida Paulista em uma sexta feira à noite, ele repete o meu sonoro “opa!” e acrescenta: “nossa, essa foi forte, vou aprendendo”.

Pontualidade também não deve ter sido vista como típica característica brasileira, ainda mais em dia de chuva. Cátia, uma das intrépidas repórteres desta matéria, numa desagradável fa-lha, deixou o moço esperando 30 minutos em um Café de São Paulo, ainda bem que ele foi “gente boa” e permanecia lá senta-do a minha espera, pensei comigo. Em contrapartida ao atraso, ele treinou o português que esforçadamente vem aprendendo.

Para um correspondente internacional, vontade de experi-mentar nunca deve faltar, principalmente no que se diz respeito a explorar e conhecer o modo de vida local: “Na Indonésia, onde trabalhei, a cultura é muito indireta. As pessoas não dizem

imagem do Youtube por James Fontanella-Khan

Por Cátia Cananéa e Paula Arnoso

Breve HistóriaJoseph Leahy morou 17

anos na Ásia: Hong Kong, Indonésia e Índia. Após esse período teve a possibilidade de voltar a trabalhar em Hong Kong ou embarcar no primeiro avião para a América do Sul, Joe não hesitou em escolher o Brasil. Australiano, começou a carreira em jornais locais da cidade de Melbourne, co-

brindo desde política e meio ambiente, até agricultura. Joe se formou em Jornalismo no Royal Melbourne Institute of Tehcnology e hoje é correspon-dente internacional do jornal britânico Financial Times aqui. Quando criança, ele e o irmão fizeram uma competição para escrever um jornal sobre a família, Joe ganhou. Seguiu a carreira, seu irmão não.

abertamente o que pensam e evitam conflito direto. São bem reservadas” disse Joe Leahy.

Logo, observar o comportamento e fazer parecido é útil como uma forma de lidar com as diversidades. “É muito im-portante ser sensível aos detalhes básicos de outras culturas. Na Indonésia, você não coloca a mão em cima da cabeça de uma criança, isso é considerado mais do que rude. Já na Índia, é importante ter uma opinião à ser insistente” explica.

Discussões na internet

A opinião, no entanto, pode gerar controvérsias. Desde o ano 2000 Joe escreve sobre mercados emergentes com notícias e comentários para o site do Financial Times, para a versão im-pressa ou o blog Beyond Brics e não raro recebe comentários de leitores indignados com um suposto posicionamento dele perante as questões abordadas.

Quando correspondente na Índia, escreveu em 27 de abril de 2009 uma matéria na qual cita trechos de entrevista com o político Raj Thackeray, a respeito de um possível controle mi-gratório dentro do país. “Nós não sabemos quem é terrorista e quem é trabalhador” alegou Thackeray.

No texto, Joe discorre acerca da opinião de uma pessoa pública, candidato ao governo, e afirma que tal opinião incita “visões extremistas”, mas cuja intenção de voto mantinha cres-cimento na Índia de então. A resposta veio no blog cinemarasik.com, em que o escritor virtual, que não pôde ser identificado, defende com unhas e dentes seu pretenso “ponto de vista ma-cro sobre assuntos mundiais” e o cinema indiano. Ele acusa Joe Leahy de ter feito mau jornalismo em um texto que deveria, segundo o crítico, ser apenas econômico.

O que incomodou o blogueiro do cinemarasik.com foi o fato de Joe Leahy apontar uma política anti-migração dentro de um mesmo território como uma medida apoiada em precon-ceito religioso, o que, no ponto de vista do blogueiro, não faz sentido já que medidas similares foram tomadas na Inglaterra e na Irlanda, “Irish jobs for Irish people” cita ele. Talvez não tenha ficado claro, mas a proposta de Thackeray significa tirar o direito de mobilidade de um povo de uma certa região dentro do seu próprio país, o que por si só já é algo grave.

Dissabores devem ser esperados em todas as profissões, e o jornalismo, que um dia foi organizado sob o sistema de um emissor que escreve para diversos receptores, hoje oferece a possibilidade de todos publicarem o que quiserem, de forma amadora ou profissional. No entanto, Joe mantém um certo distanciamento e impessoalidade, até porque nem todos os co-mentários e acusações de leitores podem ser levados à sério, fatos são fatos e não tem discussão.

Agora, por falar em cinema, dê uma olhadinha no que Bollywood é capaz de fazer, sugiro que você procure no Youtu-be as mega produções “Thriller Indiano Legendado” e “Rivaldo Sai Desse Lago”. Me diz se eles não são mestres do gonzo? Cá entre nós, é muita criatividade e gingado para um povo só...

Convergência e Novas Mídias

Entre os trabalhos realizados recentemente, Joe Leahy criou um projeto de jornalismo participativo com o colega James

Fontanella-Khan chamado Mumbai: Living The Dream. O desafio foi revelar o caminho percorrido pelos migrantes indianos que sonham em ter uma vida melhor na capital financeira do país. Além de um diário contando detalhes, eles postaram vídeos dos locais de trabalho e depoimentos destas pessoas que se estabe-leceram na região sul em busca de ascensão social. Um grupo de discussão foi criado no Facebook e os participantes confe-riam as atualizações de conteúdo pela própria página do site.

Após alguns meses as discussões misteriosamente de-sapareceram do grupo criado no Facebook, o que tornou a busca pelos vídeos, alguns postados no canal pessoal de James no Youtube, nem tão óbvia. Através de textos e imagens, a impressionante experiência de quem se submete à péssimas condições de vida nas periferias e exaustivos trabalhos braçais, acompanhada por Joe e James, revelam Mumbai como sendo uma cidade repleta de modernos prédios que se erguem nem tão distantes das favelas e da pobreza instalada à margem dos centros econômicos, cenário que nos remete instantaneamente à realidade das metrópoles brasileiras, de crescimento urbano acelerado, principalmente algumas décadas atrás.

No entanto, durante uma conversa informal Joe Leahy, afir-ma que não percebeu tanta similaridade assim com o Brasil.

Na Índia, apresentando Mumbai: Living The Dream

imagens do Youtube por James Fontanella-Khan

sociedade, negligência da polícia, dos políticos e dos poderosos das maiores empresas que me dá desgosto em qualquer lugar que eu vá. Sendo jornalista, é importante perceber essas coisas e ser capaz de enxergar a situação pensando no melhor para todos”, completa.

“Old, Young. Just Words”

A expressão acima, atribuída ao centenário ator e come-diante americano George Burns, estampava a camiseta de Joe na viagem que fez à cidade de Altamira, onde está sendo cons-truída a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, ocasião em que o conhecemos.

Adepto de trilhas e desafios de montain bike, o experiente jornalista ainda não teve muito tempo para explorar os cenários selvagens do interior paulista, mas pensa em fazer isso em breve, já que os parques de São Paulo estão sempre cheios nos finais de semana.

Ele ficou impressionado “pela calorosa receptividade que os brasileiros tem com desconhecidos. As pessoas passam mais tempo do que passariam em qualquer outro lugar [do mundo] para ajudar estrangeiros. Gosto do amor dos brasileiros pela vida”.

Uma postura positiva pareceu ser marca do correspon-dente, também não é para menos, como tantos contratempos, informações novas, ter de aprender a lidar com pessoas dife-rentes, viagens constantes para cobrir todo tipo de notícia de cunho econômico e a caótica e populosa São Paulo requerem, sem dúvida, uma boa mente.

Segundo ele, o povo do norte da Índia, de maioria Hindu, é totalmente diferente dos moradores muçulmanos do sul, e há muito preconceito étnico entre os povos das duas regiões.

Se os investidores, políticos e demais “business people” lei-tores do Financial Times estão realmente interessados nas con-dições de vida de indianos pobres, não podemos responder. Mas do ponto de vista jornalístico, Mumbai Living The Dream é sem dúvida uma prova de que mesmo escrevendo sobre negó-cios ou questões políticas e econômicas, é possível fazer mais do que esperam de você.

Entre dados e resultados.

Quando conversa, Joe fala trivialmente de economia, sem-pre pergunta a opinião sobre tudo e adapta o discurso ao nível de conhecimento mostrado, uma delicadeza dele, já que era prudente da minha parte não aprofundar em demasia.

Baseado em seus textos, grande parte dos investidores são encorajados a apostar no Brasil: nossas empresas crescem, nos-sa economia se mantém forte, a grande classe média cada vez consome mais e a roda da economia, que tem sentido o efeito dos freios do lado de lá, se move sem parar por aqui. O Brasil é mesmo um país abençoado por Deus...

Mas para Joe, nem tudo é tão bom assim. “No Brasil, há a necessidade de um fortalecimento do contrato social. Os favo-recidos na sociedade - que inclui pessoas mais ricas e líderes políticos – precisam perceber que é deles a responsabilidade de ajudar a melhorar a vida de todos, não apenas do seu ciclo e de suas famílias”.

Segundo ele, o Rio de Janeiro é um exemplo de potencial desperdiçado. “ Uma cidade linda, mas que tem sido mal admi-nistrada, o que permite a acumulação de tanta pobreza, crime e miséria literalmente junto ao paraíso. É esse individualismo na

imagens do Youtube por Meio & Mensagem