91
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS E SAÚDE PERFIL SOCIOECONÔMICO DE CORTADORES DE CANA-DE-AÇÚCAR QUE DESENVOLVERAM DISTÚRBIOS OSTEOMUSCULARES RELACIONADOS AO TRABALHO (DORT) RUBIATABA-GOIÁS SUELEN MARÇAL NOGUEIRA Goiânia 2013

Cortadores de Cana I

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Artigo

Citation preview

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    COORDENAO DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU

    MESTRADO EM CINCIAS AMBIENTAIS E SADE

    PERFIL SOCIOECONMICO DE CORTADORES DE CANA-DE-ACAR QUE

    DESENVOLVERAM DISTRBIOS OSTEOMUSCULARES RELACIONADOS AO

    TRABALHO (DORT) RUBIATABA-GOIS

    SUELEN MARAL NOGUEIRA

    Goinia

    2013

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    COORDENAO DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU

    MESTRADO EM CINCIAS AMBIENTAIS E SADE

    PERFIL SOCIOECONMICO DE CORTADORES DE CANA-DE-ACAR QUE

    DESENVOLVERAM DISTRBIOS OSTEOMUSCULARES RELACIONADOS AO

    TRABALHO (DORT) RUBIATABA-GOIS

    SUELEN MARAL NOGUEIRA

    Orientadora: Prof. Dra. Eline Jonas

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Ambientais e Sade, da Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa da Pontifcia Universidade Catlica de Gois, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Cincias Ambientais e Sade.

    Goinia

    2013

  • Nogueira, Suelen Maral. N778p Perfil socioeconmico de cortadores de cana-de-

    acar que desenvolveram doenas osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT) em Rubiataba-Gois [manuscrito] / Suelen Maral Nogueira. 2013.

    90 f. ; il. ; 30 cm.

    Dissertao (mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de Gois, Mestrado em Cincias Ambientais e Sade, 2013.

    Orientadora: Profa. Dra. Eline Jonas.

    1. Cana-de-acar - Corte. 2. Trabalhadores. 3. Leses por esforos repetitivos. I. Ttulo.

    CDU: 331.472:633.61(043)

  • DEDICATRIA

    Dedico a concluso deste trabalho primeiramente a Deus por tudo que tem

    providenciado em minha vida e a Nossa Senhora pela Intercesso por mim.

    Dedico a meu av Leonardo Maral Vieira, que guerreiro trabalhou duro at

    os ltimos dias de sua vida, e que me foi um exemplo maior de carter e dignidade e

    hoje se encontra com Deus.

    Dedico tambm a meu pai Aluzio Nogueira Barros que sempre me incentivou

    a traar este caminho escolhido e a minha me Zlia Maral Nogueira Barros que

    com seu carinho incondicional e seu amor incomparvel se dedicava ao meu bem

    estar nos perodos de ansiedade, estresse e trabalho.

    Aos meus irmos Leonardo, Lavnia, Ricardo e Caroline por serem fiis

    companheiros em todos os projetos de minha vida e pela cumplicidade na realizao

    deste trabalho, muito obrigada e me desculpem pela ausncia e impacincia. Amo

    todos vocs.

    A Cleber Barbosa da Silva pelo apoio, incentivo e compreenso que foram

    imprescindveis para que esta etapa fosse concluda, muito obrigada por me fazer

    superar meus medos e enfrentar tudo o que me foi proposto.

    A todos os meus colegas de trabalho que ao meu lado enfrentaram as

    dvidas, indecises e suportaram minha omisso e ausncia.

    s minhas queridas amigas Karlinha e Leticia, e minhas cunhadas Elisangela

    e Hellenninna pelo companheirismo, dedicao e palavras de apoio e incentivo.

    A todos meus sobrinhos queridos Clarinha, Lulu, Bibi, Fef, Joo Pedro e

    Tet que com suas travessuras e prolas me presenteiam com horas de alegria e

    descontrao, vocs so os amores da minha vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Aos cortadores de cana-de-acar e seus familiares que se dispuseram em

    me receber em suas casas e participaram desta pesquisa e muito contriburam para

    a concluso deste estudo.

    minha orientadora Dra. Eline Jonas que no s me forneceu um pouco do

    seu preciosssimo tempo, mas tambm me guiou para o caminho correto.

    s professoras: Dra. Maira Berberi e Dra. Lucia Helena Rincon Afonso que

    participaram da Banca Examinadora na qualificao e com suas consideraes

    muito contriburam para o enriquecimento deste estudo, agradeo tambm Dra.

    Maria Alves Barbosa que na Banca Examinadora da defesa colaborou com

    excelncia na organizao e disposio das ideias do trabalho.

    Ao Centro de Ensino Superior de Rubiataba CESUR pelo apoio

    incondicional tanto financeiro como moral no alcance deste objetivo.

  • Quando o trabalho um prazer a vida bela.

    Porm quando imposto a vida uma escravido.

    (Mximo Gorki)

  • RESUMO

    No Brasil, a agricultura representa importante fonte de trabalho, sendo a produo

    da cana-de-acar grande empregadora. A atividade da agroindstria canavieira

    com maior concentrao de mo de obra consiste no corte da cana-de-acar; e

    implica em grande exigncia do sistema musculoesqueltico do trabalhador. O

    presente trabalho objetivou identificar o perfil socioeconmico de cortadores de

    cana-de-acar em Rubiataba-GO que desenvolveram Distrbios Osteomusculares

    Relacionados ao Trabalho DORT. Descrever as condies de trabalho e sade

    dos cortadores de cana e correlacionar com a ocorrncia de Distrbios

    Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. Analisar a influncia do processo

    sade-doena na situao econmica e social destes indivduos e discutir a

    preocupao acerca da reabilitao profissional destes trabalhadores. Os cortadores

    foram identificados e localizados a partir de pronturios de consultrio de fisioterapia

    credenciado a indstria alcooleira do municpio. Os dados foram coletados

    utilizando-se de um questionrio socioeconmico e o Questionrio Nrdico de

    Sintomas Osteomusculares. Conclui-se que os trabalhadores que desenvolveram

    DORT encontram dificuldades em conseguir retornar a suas atividades laborais, com

    no comprometimento da empresa na reabilitao profissional. Constatou-se

    influencia do adoecimento na vida, renda e trabalho dos sujeitos. Muitos ainda

    apresentam dores principalmente em coluna lombar e membros superiores; e se

    encontram em situao de pobreza.

    Palavras Chave: Cana-de-acar, Sade Ocupacional, Reabilitao Profissional.

  • ABSTRACT

    In Brazil, the agriculture represents an important labor source, and the sugarcane

    production is a big employer. The activity of the sugarcane industry, with its bigger

    concentration in labor consists in cutting sugarcane, and involves in a big demanding

    of the workers musculoskeletal system. This work had as goal to check the current

    health situation, conditions and kinds of job of the sugarcane cutters who developed

    Work-related Musculoskeletal Disorders (MSDs). Describe the work and health

    conditions of cane cutters and correlate with the occurrence of Work-Related

    Musculoskeletal Disorders. To analyze the influence of the disease process in the

    economic and social situation of these individuals and discuss concerns about the

    vocational rehabilitation of workers. The cutters were located and identified from

    records of the office of accredited physiotherapy alcohol industry in the municipality.

    Data were collected by using a socioeconomic questionnaire and the Nordic

    Musculoskeletal Questionnaire. It was observed that the workers who developed

    MSDs found difficulties in the professional rehabilitation, and many couldnt return to

    their labor activities. It was found the influence of illness in life. Many still presents

    pains, principally in the lumbar spine and upper limbs, and live in a situation of

    poverty.

    Keywords: Sugarcane, Occupational Health, Professional Rehabilitation.

  • SUMRIO

    DEDICATRIA............................................................................................................ii

    AGRADECIMENTOS ................................................................................................. iii

    RESUMO ................................................................................................................... iv

    ABSTRACT ................................................................................................................ v

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ....................................................................viii

    LISTA DE TABELAS .................................................................................................. ix

    LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. xi

    1. INTRODUO....................................................................................... 16

    2.

    REVISO DA LITERATURA .............................................................

    19

    2.1. A expanso da cultura da cana-de-acar no Brasil ................................ 19

    2.2. O trabalho na produo da cana-de-acar.............................................. 20

    2.3. O trabalho no corte da cana-de-acar e o comprometimento do

    sistema osteomuscular...............................................................................

    26

    3.

    METODOLOGIA ...................................................................................

    33

    3.1. Tipo e Local do estudo............................................................................... 33

    3.2. Populao/Amostra .................................................................................. 34

    3.3. Materiais e mtodos .................................................................................. 35

    4.

    RESULTADOS E DISCUSSO ........................................................

    37

    4.1. A produo agroindustrial da cana-de-acar em Rubiataba e o

    processo de urbanizao...........................................................................

    38

  • 4.2. Identificao e notificao da DORT em cortadores de cana ...................

    43

    4.2.1. Transtornos Mentais Comuns em cortadores de cana: O suicdio ............ 45

    4.2.2. A Migrao Regional e a Procedncia do Trabalhador do corte da cana.. 46

    4.2.3.

    Perfil socioeconmico dos cortadores de cana-de-acar que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e 2007 ........

    48

    4.2.4. O afastamento do trabalho e o impacto sobre a renda dos cortadores de

    cana que desenvolveram DORT ...............................................................

    58

    4.2.5. Condies de trabalho e sade dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e 2007 ........

    60

    4.2.6. Hbitos alimentares dos cortadores de cana que desenvolveram DORT

    e estiveram em tratamento em 2006 e 2007.............................................

    67

    5.

    CONSIDERAES FINAIS................................................................

    69

    6. REFERNCIAS.................................................................................... 73

    APNDICES ..........................................................................................

    82

    APENDICE I. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido................... 83

    APENDICE II. Questionrio socioeconmico ........................................ 85

    ANEXOS.............................................................................................. 86

    ANEXO I. Questionrio Nrdico de Sintomas Osteomusculares ........... 87

    ANEXO II. Parecer Consubstanciado do Comit de tica...................... 88

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CAAE Certificado de Apresentao para Apreciao tica.

    CEP Comit de tica e Pesquisa.

    CEREST - Centro de Referncia Sade do Trabalhador.

    CONAB Companhia Nacional do Abastecimento.

    DORT Doenas Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho.

    EPI - Equipamentos de Proteo Individual.

    IAA - Instituto do Acar e lcool.

    INSS Instituto Nacional de Seguridade Social.

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.

    NMQ - Nordic Musculoskeletal Questionnaire.

    NRRs - Normas Regulamentadoras do Trabalho Rural.

    PRODUZIR- Programa de Desenvolvimento Industrial de Gois.

    PUC/Gois Pontifcia Universidade Catlica de Gois.

    QNSO - Questionrio Nrdico de Sintomas Osteomusculares.

    SEAD - Sistema Estadual de Anlises de Dados.

    SINAM -Sistema de Informao de Agravos de Notificao.

    SUS Sistema nico de Sade.

    TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

    TCM - Transtornos Mentais Comuns.

    NICA Unio da Agroindstria Canavieira do Estado de So Paulo.

    WHO World Health Organization.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - A queima da cana-de-acar para o corte manual....................... 21

    Figura 2 - A atividade do corte manual da cana-de-acar........................... 23

    Figura 3 - Cortador de cana em Rubiataba-GO............................................. 28

    Figura 4 - Localizao da Microrregio de Ceres e do Municpio de

    Rubiataba-GO...............................................................................

    33

    Figura 5 - Fluxo da identificao, localizao e recrutamento dos

    participantes do estudo.................................................................

    34

    Figura 6 - Quadro da Correlao de Pearson R para a anlise de

    correlao entre variveis.............................................................

    36

    Figura 7- Crescimento da rea plantada com cana-de-acar no Estado

    de Gois........................................................................................

    39

    Figura 8 - Indstria alcooleira em Rubiataba-GO.......................................... 41

    Figura 9 - Indstria alcooleira de Rubiataba-GO (imagem via satlite) ........ 42

    Figura 10 - Faixa etria de cortadores de cana que desenvolveram DORT e

    estiveram em tratamento em 2006 e 2007. Rubiataba-GO...........

    50

    Figura 11 - Idade e condies de sade dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e

    2007. Rubiataba-GO ....................................................................

    50

    Figura 12 - Escolaridade dos cortadores de cana que desenvolveram

    DORT e estiveram em tratamento em 2006 e 200&. Rubiataba-

    GO.................................................................................................

    .

    52

  • Figura 13 -

    Escolaridade e renda individual dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e

    2007. Rubiataba-GO ....................................................................

    54

    Figura 14 - Renda familiar e nmero de pessoas na famlia dos cortadores

    de cana que desenvolveram DORT e estiveram em tratamento

    em 2006 e 2007. Rubiataba-GO...................................................

    57

    Figura 15 - Renda familiar e renda individual dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e

    2007. Rubiataba-GO ....................................................................

    58

    Figura 16 - Tempo de afastamento dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e

    2007. Rubiataba-GO ....................................................................

    59

    Figura 17 - Renda individual e tempo de afastamento dos cortadores de

    cana que desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em

    2006 e 2007. Rubiataba-GO ........................................................

    60

    Figura 18 - Renda individual e trabalho atual dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e

    2007. Rubiataba-GO ....................................................................

    63

    Figura 19 - Condies de sade e renda individual dos cortadores de cana

    que desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006

    e 2007. Rubiataba-GO..................................................................

    66

    Figura 20 - Condies de sade e renda familiar dos cortadores de cana

    que desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006

    e 2007. Rubiataba-GO..................................................................

    67

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Populao Residente por Sexo, do Municpio de Rubiataba,

    no perodo de 1970 a 2010......................................................

    39

    Tabela 2 - Populao da zona urbana e rural do municpio Rubiataba

    GO no perodo de 1970 a 2010...............................................

    40

    Tabela 3 - rea e produo da cana-de-acar nas safras 10/11 e

    11/12 em Rubiataba-GO........................................................

    42

    Tabela 4 - Frequncia de notificaes de agravos relacionados ao

    trabalho em Gois, na regio Centro-Oeste e no Brasil em

    2010.........................................................................................

    44

    Tabela 5 - Escolaridade e renda individual dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e

    2007. Rubiataba-GO...............................................................

    53

    Tabela 6 - Condio civil e tipo de ocupao da moradia dos cortadores

    de cana que desenvolveram DORT e estiveram em

    tratamento em 2006 e 2007. Rubiataba-GO............................

    55

    Tabela 7 - Renda familiar e o nmero de pessoas na famlia dos

    cortadores de cana que desenvolveram DORT e estiveram

    em tratamento em 2006 e 2007. Rubiataba-GO......................

    56

    Tabela 8 - Renda familiar e renda individual dos cortadores de cana

    que desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em

    2006 e 2007. Rubiataba-GO...................................................

    58

  • Tabela 9 -

    Tipo de trabalho atual dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e

    2007. Rubiataba-GO ..............................................................

    61

    Tabela 10 - Renda individual e trabalho atual dos cortadores de cana

    que desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em

    2006 e 2007. Rubiataba-GO....................................................

    62

    Tabela 11 - Frequncia de dor nas regies musculoesquelticas dos

    cortadores de cana que desenvolveram DORT e estiveram

    em tratamento em 2006 e 2007. Rubiataba-GO .....................

    64

  • 16

    1. INTRODUO

    No Brasil, a agricultura representa importante fonte de trabalho, sendo a

    produo da cana-de-acar grande empregadora. A indstria sucroalcooleira utiliza

    a Saccharum spp vulgo cana-de-acar na produo de etanol (lcool combustvel)

    e acar. O Brasil o maior produtor mundial de acar e de lcool, destacando-se

    como maior exportador de tais produtos, sendo So Paulo o Estado brasileiro com

    maior produo nvel nacional e o estado com maior nmero de trabalhadores do

    corte da cana (SUGUITANI, 2006; SILVA et al., 2008; CHAMA, 2009; LOUREIRO,

    2009; SOUZA; MIZIARA, 2010).

    Observa-se a expanso na produo da cana-de-acar em todo o pas

    inclusive no Estado de Gois que apresenta alta potencialidade na atividade

    canavieira. O Cerrado constitui o bioma preponderante no Centro-oeste e possui

    como caracterstica a baixa declividade das terras que so propicias mecanizao

    do processo produtivo da cana-de-acar, o que explica a expanso da indstria

    canavieira nesta regio (CASTRO; BORGES; AMARAL, 2007; OLIVEIRA;

    FERREIRA, 2007; DANTAS, 2011).

    A atividade da agroindstria canavieira com maior concentrao de mo de

    obra consiste no corte da cana-de-acar, que feito manualmente. O corte de cana

    implica em grande exigncia do sistema musculoesqueltico do trabalhador e leva a

    um alto ndice de Doenas Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho DORT

    (RUMIN; NAVARRO;PERIOTO, 2008).

    Os Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho podem ser

    definidos como manifestaes patolgicas que se instalam insidiosamente em

    determinados segmentos do corpo em consequncia principalmente do trabalho

    realizado de forma inadequada (DELIBERATO, 2002).

    As afeces musculoesquelticas adquiridas em tal ambiente laboral podem

    acarretar em dficit funcional tanto nas atividades de vida diria como na atividade

    profissional e pode ocasionar tambm a incapacidade e invalidez. O afastamento do

    trabalhador gera prejuzo social, econmico e pessoal. Alm disso, segundo

  • 17

    Carvalho e Pastre (2008), provoca gastos com afastamentos, indenizaes,

    tratamentos e processos de reintegrao ao trabalho.

    Tais distrbios devem-se principalmente a fatores biomecnicos

    representados por foras excessivas na execuo das tarefas, postura esttica

    corporal e/ou segmentar mantida por perodos prolongados, alavancas crticas sobre

    as articulaes, compresso mecnica dos tecidos moles e elevada repetitividade

    dos movimentos sem que haja o devido reequilbrio das estruturas envolvidas na

    movimentao (CHIAVEGATO FILHO; PEREIRA, 2003/2004).

    No Brasil a problemtica acerca da sade e do perfil dos trabalhadores do

    corte de cana-de-acar estudada principalmente em So Paulo e no Nordeste,

    identificando fatores como a baixa remunerao, a explorao do trabalhador, as

    condies precrias de moradia e alimentao, e as condies ambientais que

    esses trabalhadores so expostos, fatores estes que influenciam a sade e

    qualidade de vida.

    Em Gois tais pesquisas com cortadores de cana-de-acar so incipientes,

    assim como a produo agrcola da cana no Estado. Alm disso, no se encontra na

    literatura trabalho que discorra sobre a reabilitao profissional e a situao ps-

    DORT destes operrios, dai a importncia deste estudo que permite discutir a

    problemtica social do adoecimento para ento orientar aes polticas.

    A implantao de polticas pblicas voltadas para os trabalhadores da cana

    consiste em uma necessidade incontestvel. Estratgias de preveno de DORTs

    devem ser implantadas com intuito de minimizar problemas de sade ocupacional e

    nus sade pblica e a previdncia social. Algumas iniciativas vm sendo

    pensadas no que diz respeito a estes trabalhadores, porm sem grandes mudanas

    em relao legislao existente. Estado e indstrias no se comprometem na

    resoluo de tais problemas sociais (FREITAS, 2009).

    O presente trabalho objetivou identificar o perfil socioeconmico de cortadores

    de cana-de-acar em Rubiataba-GO que desenvolveram Distrbios

    Osteomusculares Relacionados ao Trabalho DORT, descrever as condies de

    trabalho e sade dos cortadores de cana e correlacionar coma ocorrncia de

  • 18

    Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho e analisar a influncia do

    processo sade-doena na situao econmica e social destes indivduos.

    Os dados coletados geraram uma discusso acerca da reabilitao

    profissional, da influncia das DORTs na situao socioeconmica dos cortadores

    de cana e dos sintomas persistentes das doenas musculoesquelticas.

  • 19

    2. REVISO DA LITERATURA

    2.1. A expanso da cultura da cana-de-acar no Brasil

    De acordo com estudos de Suguitani (2006) e Loureiro (2009) a cana-de-

    acar foi trazida para o Brasil pelos portugueses na colonizao e cultivada no

    Nordeste brasileiro principalmente nos estados de Pernambuco, Bahia, Alagoas e

    Paraba. Como a cana teve origem em regio com ampla disponibilidade de gua,

    luminosidade e energia, se adaptou a outras diversas regies do mundo assim como

    no Brasil. ndia, China, Tailndia, Paquisto e Inglaterra so pases com grande

    produo de cana-de-acar.

    Na dcada de 40 a agroindstria canavieira iniciou uma migrao do Nordeste

    para o Centro-Sul, principalmente para So Paulo que apresentava vantagens como

    proximidade do mercado consumidor e investimentos para indstrias. De acordo

    com Torquato, Fronzagila e Martins (2008), So Paulo responsvel por cerca de

    60% do total produzido no Brasil alm de concentrar grande parte dos centros de

    pesquisas de tecnologias para a agroindstria canavieira.

    Polticas de incentivo produo da cana-de-acar no Brasil foram citadas

    em estudos e Chama (2009) considera que tiveram incio no ano de 1929 com a

    criao do Instituto do Acar e lcool IAA, o instituto financiava pesquisas na

    modernizao da produo, alm do uso do lcool-motor com a fabricao de

    automveis movidos a lcool. At este perodo a cana era explorada para a

    produo de acar e na dcada de 30 foi viabilizada a produo do lcool. Na

    dcada de 70 foi criado o Prolcool, programa governamental com incentivos fiscais

    e financeiros a produtores e destilarias, garantia de mercado e a obrigatoriedade da

    adio do lcool anidro gasolina. A estratgia surgiu devido a alto preo do

    petrleo e a dependncia desta fonte de energia.

    Aps sofrer crises Loureiro (2009) afirma que o setor sucroalcooleiro desde o

    ano de 2000 vem passando por modernizao e ampliao de mercado, incentivado

  • 20

    pela tecnologia de carros flexfuel (bicombustveis -tecnologia automobilstica com

    motor que funciona a base de lcool ou gasolina) e as exigncias do protocolo de

    Kioto1, que intensifica a utilizao de energia renovvel e de bio-combustvel para a

    diminuio do aquecimento global.

    Observa-se um crescimento relevante na produo da cana-de-acar em

    todo o pas, inclusive no estado de Gois.O estado apresenta alta potencialidade na

    atividade canavieira, com disponibilidade de terras planas e com preo baixo, menor

    custo de produo associado alta rentabilidade, recursos hdricos abundantes,

    clima favorvel e alm de incentivos fiscais, como o Programa de Desenvolvimento

    Industrial de Gois - PRODUZIR2.

    2.2. O trabalho na produo da cana-de-acar

    A agricultura representa no Brasil importante fonte de trabalho para a frao

    da populao com baixo nvel de instruo. A produo da cana-de-acar

    historicamente, a maior empregadora desta mo de obra dentre as principais

    lavouras, concentrando cerca de 21% dos trabalhadores rurais. Em 2006 a

    populao do Brasil somava 184 milhes de pessoas, 87 milhes eram

    trabalhadores, destes 17 milhes atuavam no trabalho rural, sendo a cana-de-acar

    o setor agrcola responsvel por 3,6 milhes de empregos diretos e indiretos

    (ROCHA, 2007).

    No Brasil, a colheita da cana ocorre predominantemente sob a forma semi-

    mecanizada onde apenas o corte realizado de forma manual e o carregamento e

    transporte realizado por mquinas. No corte manual o trabalhador braal utiliza uma

    1Protocolo de Kioto: acordo firmado entre diversos pases que se compromissaram em

    reduzir 5,2% das emisses de dixido de carbono havidas em 1990. Entrou em vigor em 2005 (LOUREIRO, 2009). 2 Programa sancionado por meio da Lei 13.591, de 18 de janeiro de 2000, e regulamentado pelo decreto n 5.265, de 31 de julho de 2000. Tem a finalidade de promover o desenvolvimento do Estado de Gois por meio de investimentos industriais que promovam a expanso, a modernizao e a diversificao do plo industrial, e aumento da gerao de emprego e de renda (CARRIJO; MIZIARA, 2009).

  • 21

    ferramenta chamada podo ou foice e com golpes cortam a base dos feixes e

    retiram a palha que no utilizada na produo do etanol e acar (SEABRA; LEAL;

    MACEDO, 2006; RIBEIRO; FICARELLI, 2010).

    A colheita da cana-de-acar de forma totalmente manual processou-se

    historicamente e para que acontea necessria a queima prvia da planta uma vez

    que reduz o esforo do cortador e elimina animais peonhentos (Figura 1). Porm, a

    queimada da cana implica em grande impacto ambiental contribuindo para o

    aquecimento global e poluio do ar, alm disso, produz partculas carbonizadas,

    fuligem, gases nocivos como xidos ntricos, hidrocarbonetos, dixido de nitrognio

    e monxido de carbono que prejudicam a qualidade do ar e a sade da populao

    que vive nas reas canavieiras (BRAUNBECK; OLIVEIRA, 2006; RIBEIRO, 2008).

    Figura 1. A queima da cana-de-acar para o corte manual. Fonte: VILA, 2008.

    A eliminao da queimada da cana do processo produtivo elimina a mo de

    obra do trabalhador braal que substitudo pelas mquinas colheitadeiras

    (TORQUATO; FRONZAGILA; MARTINS, 2008). Macedo (2005) na organizao do

    livro: Energia da Cana-de-Acar Doze estudos sobre a agroindstria da cana-de-

    acar no Brasil e a sua sustentabilidade da NICA - Unio da Agroindstria

    Canavieira diz que o avano da mecanizao visa interesses ambientais e

    econmicos e conflitante com interesses sociais, uma vez que tem reduzido o

    nmero de empregos no setor.

  • 22

    Segundo Verssimo (2011, p.18), a mecanizao vem sendo implantada de

    modo lento e gradual, porm irreversvel. De acordo com a autora, em So Paulo, a

    rea colhida com mquinas foi de 51% na safra 2008/2009, equivalente a 2 milhes

    de hectares do total de 3,9 milhes de hectares de rea colhida no Estado, esse

    processo decorre devido ao acordo firmado em junho de 2007 entre a agroindstria

    canavieira e o governo paulista por meio do documento Protocolo Agroambiental do

    Setor Sucroenergtico 3 que estabeleceu metas para a erradicao da queima da

    cana. De acordo com Macedo (2005), a cana colhida transportada para a indstria

    onde os colmos so processados e passam por uma srie de moendas que separam

    o caldo da fibra (bagao). O caldo passa por processo de limpeza, concentrao e

    cristalizao, resultando no acar. O caldo quando fermentado com leveduras

    resulta em um vinho que destilado e separado em lcool e vinhaa - resduo final

    da produo, que reutilizada como fertirrigao. Todas as etapas do

    processamento da cana necessitam de trabalhadores com treino e habilidades, a

    atividade que menos exige treinamento e qualificao consiste no corte da cana

    (Figura 2).

    Quanto ao corte destaca-se que a agroindstria canavieira emprega um

    milho de brasileiros no corte da cana-de-acar, e mais de 80% do que colhido

    cortado mo (LAAT; VILELA, 2007, p. 1). Somente no Estado de So Paulo entre

    os anos de 2003 a 2005 houve um acrscimo de 15,6% nos postos de trabalho no

    corte da cana-de-acar, aumentando de 448.883 para 519.197 segundo dados da

    SEAD - Sistema Estadual de Anlises de Dados (SANCHES et al., 2009).

    Na safra de 2008 em Rubiataba 7.088 trabalhadores estavam envolvidos

    diretamente na colheita manual da cana-de-acar, o que corresponde a 72,03% de

    todos os trabalhadores da produo da cana no municpio (SOUZA, 2009).

    3O protocolo, assinado por 155 usinas, 24 cooperativas de produtores de cana e o Governo

    do Estado de So Paulo, estipula metas para o fim da queimada de cana. Para 2014 em reas com declividade menor que 12% e para 2017 as reas com declividade superior a 12% (TORQUATO; FRONZAGILA; MARTINS, 2008).

  • 23

    Figura 2 A atividade do corte manual da cana-de-acar.

    Os postos de trabalho no corte da cana enfrentam uma oscilao devido

    temporalidade da safra. A entressafra constitui o perodo de plantao e

    crescimento, sendo dispensvel a mo de obra do corte, o que estabelece uma

    dificuldade na obteno de emprego para os cortadores de cana como citam

    Romanelli e Bezerra (1999, p. 83):

    [...] essas famlias continuam a sofrer com o desemprego na poca da entressafra, quando as dificuldades financeiras aumentam. Nesse perodo, so efetuados trabalhos eventuais, que podem durar um dia ou uma semana e que so ligados a atividades agrcolas, como colheita de caf, laranja, amendoim, ou a bicos na construo civil, que demandam pouca qualificao da fora de trabalho.

    A periodicidade da safra, apesar de produzir oscilao na taxa de emprego e

    renda de tais trabalhadores, cria oportunidades para uma grande quantidade de mo

    de obra temporria, composta por migrantes, principalmente nordestinos que so

    contratados por empreiteiros chamados gatos. Tal atividade no possui registro

    trabalhista as regies canavieiras mais procuradas situam-se em So Paulo e Gois

    (VERSSIMO, 2011).

    A migrao e o xodo rural que so provocados pela expanso da cultura

    canavieira geram nos municpios envolvidos o fenmeno da urbanizao com

    problemas estruturais e assistenciais, alm de nos perodos da entressafra sofrerem

    uma crise social com o desemprego de milhares de trabalhadores (KONDA, 2006;

  • 24

    PERES, 2009). Porm para Chagas, Toneto Jr e Azzoni (2009, p. 19) os municpios

    no sofrem tanto assim, os autores afirmam que:

    [...] se por um lado a expanso da cana gera presses de gastos para as prefeituras por exigir um maior dimensionamento dos servios pblicos para atender a sazonalidade da atividade e dos fluxos migratrios, maiores gastos de sade para lidar com efeitos deletrios da queimada, entre outros; por outro lado, esses municpios parecem ter uma maior arrecadao que, eventualmente, mais que compensam as maiores presses de gastos.

    Os trabalhadores rurais se organizam em sindicatos, que em geral no

    apresentam programa especfico relacionado para os trabalhadores migrantes.

    Comumente so discutidas questes trabalhistas em detrimento s questes sociais,

    ainda assim, tais trabalhadores no se mobilizam e ficam a merc do

    emprego,aceitando as condies de trabalho e sobrevivncia que lhe so impostas

    como afirma Freitas (2009).

    Para Silva (2008),a dificuldade na mobilizao de tais trabalhadores ocorre

    devido instabilidade e disperso da mo de obra justamente pela sazonalidade do

    trabalho, e o baixo grau de instruo tambm pode influenciar na falta de

    movimentao destes trabalhadores.

    O perfil de cortadores de cana-de-acar foi identificado em estudos

    realizados em So Paulo, Minas Gerais, Nordeste e Gois e observou-se que a

    mdia de escolaridade dos empregados da lavoura da cana-de-acar baixa. A

    educao no campo ocorre de forma precria, historicamente o analfabetismo no

    meio rural tomado como natural (PEREIRA, 2007; ROCHA; MARZIALE; ROBAZZI,

    2007). Segundo Moraes (2005), em So Paulo a mdia era de 4,2 anos de estudo,

    na regio Norte-Nordeste, 29,3% dos trabalhadores do setor so analfabetos e

    47,8% tm quatro anos de estudo incompletos.

    Alm da falta de oportunidade, das condies de vida e do desinteresse por

    parte dos cortadores de cana, existe a negligncia das indstrias na educao de

    seus trabalhadores como cita Silva, Santos e Borba (2010, p.14): A escolarizao

    dos cortadores de cana da agroindstria canavieira no de interesse do capital

  • 25

    diante dos processos modernos de intensificao do trabalho, da existncia de um

    exrcito de reserva em busca de emprego.

    Considerando que grande parte dos trabalhadores da lavoura canavieira tm

    poucos anos de estudo e que a mecanizao da colheita altera o perfil do

    empregado com oportunidades para tratoristas, motoristas, mecnicos e condutores

    de colheitadeiras, v-se a necessidade de alfabetizao, qualificao e treinamento

    desta mo de obra para desempenho destas atividades (MORAES, 2007; SILVA et

    al., 2008).

    Apesar da introduo da tecnologia e mecanizao livrar os cortadores de

    cana das condies degradantes de trabalho, pode ocasionar no desemprego de

    centenas de trabalhadores, principalmente devido baixa ou nenhuma escolaridade

    do cortador impossibilitando sua migrao para outras funes no setor canavieiro

    (SILVA; SANTOS; BORBA, 2010).

    Entretanto Borba (2011, p. 4) em sua pesquisa afirma:

    O gestor da usina, ao ser interrogado sobre o trabalho e a escolaridade dos cortadores de cana, relatou que embora a empresa invista em cursos para a formao do trabalhador, este no demonstra interesse em melhorar sua condio de escolaridade ou profissional. Percebe-se que o gestor transfere para o trabalhador a responsabilidade por sua baixa ou nenhuma escolaridade e por sua no qualificao ou competncia. Trata-se de um discurso de humanizao que compatvel com a organizao flexvel, apesar de os trabalhadores continuarem desvalorizados enquanto seres humanos e explorados enquanto fora de trabalho, configurando uma desumanizao crescente do trabalho. A linguagem empresarial idealizadora e romntica, na qual o conflito capital e trabalho parece no existir.

    Observam-se desigualdades no desenvolvimento da agroindstria canavieira

    que utiliza de tecnologias e modernidade das foras produtivas e apresenta padres

    arcaicos nas relaes de trabalho e produo, principalmente no corte da cana. A

    busca pela maior produtividade e eficincia gera aumento da explorao e do

    agravamento das condies de trabalho, caracterizadas por baixos salrios, perda

    dos direitos e at casos de escravizao por meio de dvidas, revelando as

    exigncias das indstrias de cana-de-acar (SILVA, 2005; FREITAS, 2009).

  • 26

    A atividade do corte da cana pode ser considerada trabalho anlogo s

    condies de escravo devido a jornadas exaustivas e em condies degradantes.

    A Constituio Federal probe tais situaes de trabalho a partir destas condies o

    trabalho na lavoura da cana-de-acar no considerado decente (SILVA, 2008, p.

    147). Porm, ainda que no decente continue sendo uma opo de trabalho para

    uma parcela significativa de brasileiros.

    2.3 . O trabalho no corte da cana-de-acar e o comprometimento do sistema

    osteomuscular

    O nmero de trabalhadores nesta atividade agroindustrial do corte da cana

    expressivo. O cortador ganha por produo e, portanto, intensifica sua jornada de

    trabalho. O pagamento por tonelada e o trabalhador acompanha sua produo por

    metro,a converso feita pela empresa e fiscalizada pelos sindicatos e de acordo

    com Silva (2005), a exigncia de produo do trabalhador do corte de 10 a 12

    toneladas de cana por dia.

    Para um trabalhador cortar 12 toneladas de cana diariamente ele caminha

    cerca de 8 quilmetros, despende 133.332 golpes de podo e carrega montes de

    cana com peso mdio de 15 kg cada at que se atinja as 12 toneladas, realiza

    aproximadamente 36.630 flexes e entorses torcicos para golpear a cana,

    perdendo em mdia 8 litros de gua (MACIEL et al., 2011).

    No corte da cana o trabalhador envolve com um dos braos um feixe de cana,

    flexiona o tronco para baixo lateralmente e golpeia com o podo a base dos colmos

    rente ao solo, depois de cortar os feixes de cana o trabalhador os levanta do solo,

    gira o corpo, curva-se e os deposita nos montes. Esses movimentos so repetidos

    ao longo de toda a jornada de trabalho e tornam-se automatizados (ALESSI;

    NAVARRO, 1997; RUMIN; NAVARRO; PERIOTO, 2008).

    Toda a atividade do corte da cana realizada sob sol forte, trajando vestes

    que protegem o trabalhador, mas aumentam sua temperatura corporal, gerando

    alteraes trmicas como febre, calafrios, cimbras e alteraes articulares (ALVES,

  • 27

    2006). Para Plancherel, Queiroz e Santos (2010), o sol escaldante tpico em todo o

    perodo da safra, que compreende os meses de Setembro a Maro em Alagoas.

    O carter temporrio do trabalho, temporrio este que se repete

    indefinidamente, a imposio da quantidade diria de cana cortada4, e a

    necessidade de mo de obra jovem dotada de muitas energias para o desempenho

    do corte de cana sugere a ideologia capitalista das indstrias (SILVA, 2005;

    ANDRADE, 2009).

    O pagamento por produo tambm de caracterstica capitalista uma vez

    que o trabalhador responsvel pelo seu rendimento e ritmo de trabalho porm,

    consiste em uma responsabilidade mascarada, pois a empresa que converte a

    produo em remunerao (ALVES, 2006). Novaes (2007, p. 171) afirma: A fora

    fsica e a destreza so critrios imprescindveis para assegurar o aumento da

    produtividade nesse sistema de corte que supe a intensificao do ritmo de

    trabalho.

    A atividade do corte de cana-de-acar implica em grande exigncia do

    organismo humano. O funcionamento do organismo quando submetido a uma alta

    carga de trabalho apresenta alteraes metablicas, endcrinas, biomecnicas,

    psicolgicas e cognitivas para se adaptar a demanda imposta, porm so

    adaptaes limitadas e lentas, a imposio excessiva ocasiona no dficit fisiolgico

    e na enfermidade (LAAT; VILELA, 2007).

    De todos os sistemas humanos o musculoesqueltico o mais comprometido.

    Como citado, so necessrios esforos fsicos, movimentos repetitivos de membros

    superiores, manuteno de posturas estticas e movimentos inadequados da coluna

    vertebral alterando a biomecnica corporal (Figura 3). O esforo fsico agravado

    pela remunerao por produtividade que define os salrios dos trabalhadores e a

    temporalidade dos postos de trabalho exige que a renda mensal seja redistribuda

    para os demais meses do ano (VERSSIMO, 2011).

    4 Durante a dcada de 1980, a mdia exigida era em torno de cinco a seis toneladas

    dirias; estes nmeros passam para 10, durante os anos de 1990 e atualmente esto em torno de 12 a 15 (SILVA, 2005, p. 27).

  • 28

    A remunerao por produtividade interfere no rendimento e capacidade de

    produo do trabalhador, pois aumenta e intensifica o ritmo de trabalho, o que

    significa um maior dispndio de fora fsica que poder acarretar perda de

    capacidade do trabalho, comprometimento da sade do trabalhador ou at mesmo

    podendo levar a morte por exausto fsica (SANTOS, 2009).

    Segundo Chiavegato Filho e Pereira (2003/2004), tais fatores esto

    diretamente envolvidos na gnese da DORT, alm disso, movimentos repetitivos, o

    uso excessivo de fora e movimentos rpidos, e a combinao de tais fatores. O

    fenmeno DORT entendido como sendo produto das interaes que ocorrem entre

    o ser humano e seu ambiente na presena de condies fsicas e psquicas

    predisponentes, e o ambiente a que o cortador de cana de acar esta submetido

    possui estressores tanto mecnicos como fisiolgicos e psicolgicos (DELIBERATO,

    2002).

    Figura 3 - Cortador de cana em Rubiataba-GO. Fonte: Campanato, 2011. Disponvel em: http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho

    Os distrbios musculoesquelticos constituem patologias que afetam

    msculos, tendes, nervos e articulaes dos membros superiores (dedos, mos,

    punhos, antebraos, braos, ombro), coluna vertebral (cervical, dorsal e lombar) e

    membros inferiores (quadril, joelho, tornozelo e p). Quando tais distrbios tm

    relao direta com as exigncias das tarefas, ambientes fsicos e com a organizao

  • 29

    do trabalho so chamados Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho -

    DORT (CHIAVEGATO FILHO; PEREIRA, 2003/2004).

    Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS), as Doenas Relacionadas ao Trabalho (traduo literal das denominadas Work related diseases) so patologias de natureza multifatorial nas quais o ambiente de trabalho e a atividade profissional, contribuem significativamente, mas apenas como um entre uma srie de fatores, para a etiologia da doena (SERRANHEIRA, 2007, p. 34).

    A incidncia dessas afeces musculoesquelticas vem aumentando entre os

    trabalhadores, despertando a preocupao acerca da sade ocupacional. Foram

    notificados 5.452 casos de DORT no Brasil no ano de 2010, sendo 55 no estado de

    Gois. Tais distrbios so considerados problema de sade pblica, pois ocasionam

    nus ao ministrio da sade, transtornos de produo para a empresa e para o

    paciente podendo levar ao prejuzo funcional (SINAN, 2011).

    Todos os trabalhadores esto expostos a riscos especficos, e a atividade do

    corte da cana considerada de risco para o desenvolvimento de doenas

    ocupacionais. No Municpio de Pacaembu-SP observa-se ocorrncia de

    adoecimentos relacionados atividade laborativa dos cortadores de cana, tais como

    cibras constantes, afeces do sistema osteomuscular (leses por esforos

    repetitivos, bursites, tendinites, leses na coluna vertebral) e desidrataes (RUMIM;

    NAVARRO; PERIOTO, 2008).

    A dor muito forte constitui principal caracterstica das afeces

    musculoesquelticas, o paciente pode apresentar ainda queixa de parestesia5,

    edema, perda da fora muscular e/ou diminuio dos controles dos movimentos. A

    persistncia do quadro conduz a uma hipotrofia muscular e perda das amplitudes

    articulares funcionais comprometendo a capacidade funcional (CHIAVEGATO

    FILHO; PEREIRA, 2003/2004; WALSH et al., 2004).

    De acordo com trabalhos analisados, os segmentos corporais do cortador de

    cana passveis de aparecimento de distrbios musculoesquelticos so a coluna

    lombar e os membros superiores. Carvalho e Pastre (2008) com uma amostra de

    203 cortadores de cana encontraram uma incidncia de 21,8% de sintomas em

    5 Diminuio da sensibilidade, formigamento, dormncia.

  • 30

    coluna lombar. Teixeira e Freitas (2003) observaram que 39,6% dos trabalhadores

    estudados sofriam de dor lombar. No interior de Gois, um estudo com pronturios

    de pacientes cortadores de cana-de-acar evidenciou 24% de dor lombar irradiada

    para o membro (NOQUEIRA; QUEIROZ, 2010).

    Carvalho e Pastre (2008), em seu estudo com cortadores de cana de Luclia-

    SP detectaram que 18,2% apresentaram distrbios dos membros superiores.

    Teixeira e Freitas (2003), tambm observaram que os trabalhadores do interior de

    So Paulo sofriam dor nessa regio, sendo 52,3% em braos e 42,3% nas mos.

    Nogueira e Queiroz (2010) observaram que 53% dos cortadores apresentavam

    disfunes em membros superiores, sendo a epicondilite a afeco mais frequente

    com 18% dos casos.

    O trabalhador que desenvolve DORT precisa se ausentar do trabalho para

    tratamento, este afastamento implica na reduo da produtividade do cortador e

    consequentemente no seu rendimento financeiro. A reabilitao do trabalhador e seu

    retorno atividade laboral muitas vezes se torna desinteressante para a indstria.

    Os cortadores de cana-de-acar esto suscetveis tambm hipertermia

    devido ao calor gerado pela queima da cana, pelo exerccio intenso e prolongado, a

    exposio s baixas umidades e altas temperaturas sem adequada hidratao e

    pouca transpirao por conta das vestimentas pesadas (FARIA et al., 2006;

    NOVAIS, 2007; SANTOS, 2009).

    De acordo com Laat e Vilela (2007), com a desidratao, o cortador apresenta

    inicialmente sede, fadiga e cimbras intensas, na sequncia o mecanismo

    termorregulador corporal comea a entrar em falncia e surgem sinais como

    nuseas, vmitos, irritabilidade, confuso mental, falta de coordenao motora,

    delrio e desmaio. O trabalhador, durante a sua jornada de trabalho estar exposto

    tambm poeira e fuligem da cana queimada que impregnam seu rosto, suas

    mos e suas roupas (FARIA et al., 2006).

    A atividade fsica exigida na execuo do trabalho aumenta o ritmo

    respiratrio e promove maior inspirao da fibra vegetal carbonizada. Alm de

    dificuldades respiratrias pode ocasionar depsito de partculas carbonizadas nas

  • 31

    cavidades pulmonares levando a quadros respiratrios crnicos (RUMIN;

    NAVARRO; PERIOTO, 2008).

    Alm dos fatores biolgicos, fsicos e psquicos influenciarem diretamente no

    adoecimento do trabalhador da indstria canavieira, a situao social constitui

    tambm fator determinante no aparecimento de inmeras doenas. A pobreza, a

    moradia, a falta de saneamento bsico, a m alimentao, desnutrio e queda da

    imunidade sugerem maior vulnerabilidade e menor resistncia fsica de tais

    trabalhadores (FREDERICO; MACHINI; OLIVEIRA, 1984; ROCHA, 2007).

    Alm da sade fsica, a sade mental tambm se apresenta comprometida

    Duarte (2010) verificou um nmero significativo de TCM - Transtornos Mentais

    Comuns como ansiedade, humor depressivo e sintomas somticos entre os

    trabalhadores do corte de cana, principalmente mais velhos, com menor renda

    individual e menor escolaridade.

    Fatores pessoais so tambm determinantes no aparecimento de distrbios

    musculoesquelticos como trabalhar prximo ao limite fsico e continuar trabalhando

    lesionado em busca de um rendimento financeiro extra. O sistema de pagamento

    por produo associado alimentao insuficiente e condies de trabalho nocivas,

    sem pausas para descanso, pode agravar os riscos de acidentes e o desgaste fsico

    prematuro destes trabalhadores (LAAT; VILELA, 2007).

    O uso da fora de trabalho no processo de valorizao do capital torna-se to

    intenso na agroindstria canavieira que provoca a runa da sade do trabalhador.

    Arrasando-o fsica e mentalmente de maneira precoce sob ritmo e intensidade

    proporcionais ao processo de desvalorizao dessa mesma fora de trabalho.Borba

    (2011, p. 2) cita fatores determinantes para a recontratao do trabalhador, o que

    destaca o pensamento capitalista das indstrias:

    [...] se no faltava ao trabalho, se cortava uma grande quantidade de cana e se cortava de acordo com as normas da usina (rentes ao solo, mas no pode atingir a raiz para no prejudicar a rebrota), se no adoecia ou reclamava do servio com frequncia, se tem bom relacionamento com as chefias e com os colegas de trabalho, entre outros.

  • 32

    Os cortadores de cana constituem em sua maioria de jovens em idade

    produtiva e para Plancherel, Queiroz e Santos (2010), elementos desfavorveis

    sade neste ambiente de trabalho no provocam apenas o adoecimento e

    envelhecimento precoce de tais trabalhadores, mas tambm lhes rebaixam a vida

    mdia ativa.

    Diante de tantos fatores que influenciam no adoecimento dos cortadores de

    cana e do elevado nmero de trabalhadores que so submetidos a trabalho

    considerado rduo e pesado, com a sade em risco e baixo nvel social e

    econmico, questionamentos so levantados acerca da preocupao social e da

    qualidade do trabalho nas indstrias canavieiras.

    O processo sade-doena para Scopinho (2000) tambm um processo

    social, porque est diretamente relacionado s condies de vida e trabalho dos

    indivduos. Portanto, a investigao e a construo do conhecimento sobre a sade

    do trabalhador, a segurana no trabalho e a situao social e familiar, origina

    discusses acerca da real qualidade de vida e de trabalho dos cortadores de cana-

    de-acar.

  • 33

    3. METODOLOGIA

    3.1. Tipo e Local do estudo

    Trata-se de uma pesquisa exploratria, descritiva, com anlise quantitativa dos

    dados executada no Municpio de Rubiataba-GO, situado na microrregio de Ceres

    no Centro Goiano, com rea total de 765 km (Figura 4). Sua criao foi inserida na

    estratgia de ocupao territorial das agrovilas, portanto uma cidade planejada

    com emancipao municipal em 12 de outubro de 1953 (IBGE, 2010).

    O Municpio possui como atividade econmica primria a agricultura da cana-

    de-acar para a produo de etanol por uma indstria canavieira em funcionamento

    na regio desde 1985 (PAULA; SILVA; CORDEIRO, 2007).

    A escolha do Municpio ocorreu em razo da relevncia do setor

    agroindustrial da cana-de-acar na mobilizao de mo de obra na regio,

    principalmente no corte da cana, atividade que implica em exigncias fsicas e expe

    os indivduos a riscos ocupacionais.

    Figura 4 - Localizao da Microrregio de Ceres e do

    Municpio de Rubiataba-GO. Fonte: Adaptado de Ferreira e Deus, 2011.

  • 34

    3.2. Populao/ Amostra

    A populao estudada foi constituda por cortadores de cana-de-acar que

    em 2006 e 2007 se submeteram a tratamento fisioteraputico no nico consultrio

    credenciado junto indstria canavieira local no referido perodo. A identificao dos

    participantes da pesquisa ocorreu a partir das referncias encontradas nos

    pronturios fisioteraputicos da unidade em que foi realizado o atendimento. Dados

    estes de propriedade da pesquisadora, a qual autorizou a coleta inicial.

    Foram includos na pesquisa somente os trabalhadores localizados que foram

    submetidos ao tratamento e que consentiram em participar voluntariamente do

    estudo aps receberem os esclarecimentos sobre a pesquisa e assinarem o Termo

    de Consentimento Livre e Esclarecido TCLE (Apndice I) em duas vias, ficando

    uma delas com a pesquisadora e a outra com o sujeito pesquisado, conforme

    preconiza a Resoluo 196/96-MS.

    Foram excludos do estudo os trabalhadores que abandonaram o tratamento,

    os que deixaram o trabalho do corte da cana no perodo de 2006 e 2007 e os

    trabalhadores que no residiam na cidade no perodo da coleta de dados.A amostra

    foi constituda de 36 cortadores de cana que desenvolveram DORT e estiveram em

    tratamento em 2006 e 2007 e foram localizados para a pesquisa (Figura 5).

    Figura 5 - Fluxo da identificao, localizao e

    recrutamento dos participantes do estudo.

    112 pronturios

    identificados

    76 no localizados

    3 cometeram suicdio

    73 no foram encontrados

    36 cortadores localizados

    36 consentiram

    (TCLE)

  • 35

    O projeto de pesquisa foi submetido ao Comit de tica e Pesquisa (CEP) da

    Pontifcia Universidade Catlica de Gois PUC/Gois sob o Certificado de

    Apresentao para Apreciao tica -CAAE: 04334012.3.0000.0037, sendo

    aprovado em 16 de agosto de 2012. Somente aps a aprovao foi iniciada a coleta

    de dados.

    Foram garantidos o sigilo e o anonimato aos participantes da pesquisa, e a

    possibilidade de retirar-se do estudo em qualquer momento, sem nenhum prejuzo

    pessoal e profissional. A pesquisadora se responsabilizou pelo encaminhamento dos

    participantes a tratamento psicolgico e mdico caso fosse necessrio; e

    ressarcimento de gastos e indenizao caso houvesse algum dano, o que no

    aconteceu no decorrer do estudo.

    3.3. Materiais e mtodos

    Aps a identificao os participantes foram contatados a priori por meio de

    telefone e/ou visita domiciliar para a apresentao da pesquisa e obteno do

    devido consentimento com a assinatura do TCLE, sendo ento realizada a aplicao

    do formulrio com questes fechadas e abertas para identificar o perfil

    socioeconmico dos participantes (Apndice II). Os formulrios foram respondidos

    no domicilio do participante da pesquisa e para o presente estudo foram

    consideradas as variveis: sexo, idade, escolaridade, renda individual, nmero de

    pessoas na famlia, renda familiar, nmero de refeies realizadas por dia,

    caractersticas da moradia e condio civil, tempo de afastamento do trabalho para

    tratamento e condies de trabalho.

    Para a identificao dos distrbios musculoesquelticos foi utilizada a verso

    brasileira do Nordic Musculoskeletal Questionnaire NMQ (Questionrio Nrdico de

    Sintomas Osteomusculares QNSO), questionrio desenvolvido com a proposta de

    padronizar os relatos de sintomas osteomusculares e assim facilitar a mensurao e

    comparao dos resultados (Anexo I). Por meio deste instrumento Pinheiro, Troccoli

  • 36

    e Carvalho (2002), identificaram um bom ndice de validade, recomendando sua

    utilizao como medida de morbidade osteomuscular.

    A anlise estatstica foi realizada a partir dos dados do perfil socioeconmico

    e da situao de sade atual dos trabalhadores e a reabilitao profissional. Foi

    utilizado o teste de Hiptese t-Student para verificar se o valor obtido do ndice de

    Correlao era coerente com o tamanho da amostra utilizada n = 36 a um nvel de

    significncia de 5% e n 2 = 34 graus de liberdade.

    Para a anlise da dependncia entre as variveis foi utilizado o coeficiente de

    correlao de Pearson R que, de acordo com Filho e Junior (2009) varia de -1 a 1 e

    analisa o grau da relao linear entre duas variveis quantitativas e sua

    interpretao obtida utilizando o quadro da Figura 6 aps anlise de correlao os

    dados verificados foram organizados, discutidos e apresentados nos resultados

    finais.

    Correlao de Pearson R

    -0,2 < R < 0,2 No h dependncia entre as variveis.

    -0,4 < R < -0,2 ou 0,2 < R < 0,4 Dependncia fraca entre as variveis.

    -0,7 < R < -0,4 ou 0,4 < R < 0,7 Dependncia moderada entre as variveis.

    -1 < R < -0,7 ou 0,7 < R < 1 Dependncia forte entre as variveis.

    Se R = 1 ou R = -1, A correlao entre as variveis perfeita, positiva

    ou negativa respectivamente.

    Figura 6-Quadro da Correlao de Pearson R para a anlise de correlao entre variveis.

    Fonte: Adaptado de Filho e Junior, 2009.

  • 37

    4. RESULTADOS E DISCUSSO

    O trabalho do corte da cana-de-acar alm de requerer fora fsica do

    trabalhador considerado como uma atividade de risco de acometimento de

    DORTs como referido por Carvalho e Pastre (2008), Silva (2005), e Nogueira e

    Queiroz (2010) que estudaram a incidncia de tais distrbios entre populao

    semelhante de trabalhadores em Luclia-SP, Ribeiro Preto-SP e Rubiataba-GO

    respectivamente.

    Alm de doenas osteomusculares so encontrados estudos com relatos de

    doenas respiratrias, cardiovasculares, transtornos psicolgicos, casos de

    desidratao e febre, o que nos remete o quanto a atividade do corte de cana

    ameaa a sade destes operrios (FARIA et al., 2006; NOVAES, 2007; DUARTE,

    2010).

    A remunerao por produtividade considerada em unanimidade pelos

    autores como agravante para o adoecimento de tais trabalhadores e consideram que

    o carter temporrio do trabalho, limitado por safras, dificulta a relao entre

    empregado e empregador e proporciona a alta rotatividade e migrao de

    trabalhadores (SILVA, 2005; SILVA, 2008; SANTOS, 2009; VERSSIMO, 2011).

    Portanto, fatores relacionados ao ambiente de trabalho do corte da cana

    concorrem para o processo sade-doena e influenciam de forma direta a situao

    de vida e as particularidades socioeconmicas destes trabalhadores. A alta na

    produo da cana-de-acar e sua expanso, alm de gerar fenmenos sociais

    como o xodo rural e migrao e fatores ambientais como as queimadas, provoca

    tambm problemas de sade pblica.

    Macedo (2005) considera que a implantao de indstrias canavieiras

    normalmente implica em vrios impactos como uso de recursos materiais e hdricos,

    alteraes ambientais como na qualidade do ar, alterao climtica, ocupao do

    solo e degradao da biodiversidade e os impactos socioeconmicos com grande

    nfase na gerao de emprego e renda.

  • 38

    Com a gerao de emprego e renda as regies que implantaram a agricultura

    da cana-de-acar sofreram urbanizao, fenmeno este que vem acompanhado de

    problemas sociais, ambientais e de sade, uma vez que tais regies no

    apresentavam estrutura fsica e social nem mesmo planejamento adequado. Em

    contrapartida os trabalhadores rurais ao migrarem para os centros urbanos possuem

    maior acesso sade, educao e polticas sociais, recursos no conseguidos no

    campo, tal situao tem contribudo para melhores condies de vida desta

    populao (PERES, 2009; MACIEL et al., 2011).

    No Municpio de Palmeiras Paulista, com cerca de trs mil habitantes, um

    estudo realizado observou que a populao chega a triplicar durante o perodo da

    safra causando uma superlotao em postos de sade, escolas e gerando

    transtornos e nus ao Municpio, sendo principais imigrantes os baianos (KONDA,

    2006).

    Contudo a produo da cana-de-acar causa regio no s alteraes

    inerentes ao social e ambiental, os municpios canavieiros so beneficiados com

    arrecadao de tributos e a gerao de renda para a populao regional como citam

    Chagas, Toneto Jr e Azzoni (2009). Portanto, a agroindstria da cana gera

    paradigmas de benefcios e degradaes com implicaes ambientais, sociais e

    econmicas.

    4.1. A produo agroindustrial da cana-de-acar em Rubiataba e o processo

    de urbanizao

    A monocultura da cana em Gois encontra-se em ritmo acelerado de

    crescimento (Figura 7). De acordo com Dantas (2011), a projeo para a safra

    2011/2012 no estado de Gois de 3 bilhes de litros de etanol e 1,8 milho de

    toneladas de cana-de-acar, representando 3,3% de aumento comparados safra

    de 2010, com isso o estado deve se firmar como segundo maior produtor de etanol

    no Brasil.

  • 39

    Figura 7 Crescimento da rea plantada com cana-de-acar no Estado de Gois. Fonte: Conab - Acompanhamento da safra brasileira cana-de-acar: Safras 2005/06; 2006/07; 2007/08; 2009/10; 2010/11. Adaptado de SOUZA; MIZIARA, 2010.

    Em Gois o Municpio de Rubiataba constitudo de terras planas com

    vegetao tpica do cerrado formada por arbustos retorcidos de cascas grossas e o

    clima tropical mido. Em sua hidrografia destacam-se os rios So Patrcio e Rio

    Novo. Desde sua criao observado um decrscimo da populao residente no

    municpio (Tabela 1). Acredita-se que a diminuio da taxa de natalidade e a evaso

    de indivduos em idade produtiva a procura de trabalho e qualificao profissional

    sejam responsveis pelo declnio populacional (PAULA; SILVA; CORDEIRO, 2007).

    Tabela 1 - Populao Residente por Sexo, do Municpio de Rubiataba, no perodo de 1970 a

    2010.

    Anos Populao Homem Mulher

    1970 23.199 11.780 11.419

    1980 19.923 10.062 9.861

    1991 16.686 8.321 8.365

    2000 18.087 9.002 9.085

    2010 18.915 9.429 9.486

    Fonte: IBGE - Censos Demogrficos: 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010.

    A indstria sucroalcooleira de Rubiataba surgiu de uma cooperativa de

    empresrios da regio (Figura 8 e 9). A produo da cana-de-acar teve incio na

  • 40

    dcada de 1980 e impulsionou o crescimento e desenvolvimento da regio (SOUZA,

    2009).

    Como observado nos dados do IBGE, houve uma queda considervel da

    populao rural e aumento da populao urbana do municpio de Rubiataba (Tabela

    2), possivelmente pela diminuio da atividade agropecuria substituda pela

    produo agroindustrial da cana-de-acar. Tal situao explica o xodo rural

    encontrado no municpio com pico justamente na dcada de 80 em que a indstria

    sucroalcooleira fora implantada.

    Tabela 2 - Populao da zona urbana e rural do municpio Rubiataba -GO no perodo de

    1970 a 2010.

    Anos Populao Urbana (%) Rural (%)

    1970 100,00 40,70 59,30

    1980 100,00 57,95 42,05

    1991 100,00 75,48 24,52

    2000 100,00 84,07 15,93

    2010 100,00 85,72 14,28

    Fonte: IBGE - Censos Demogrficos: 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010.

    O crescimento desta monocultura gera desenvolvimento econmico regional

    com impactos ambientais e sociais uma vez que reas destinadas agropecuria e

    agricultura familiar esto agora dando lugar ao cultivo da cana-de-acar e

    trabalhadores rurais se vem obrigados a trabalhar em tais indstrias,

    principalmente devido ao arrendamento de terras. Em Rubiataba aproximadamente

    96,7% das terras de produo de cana-de-acar so arrendadas e 3,3% so terras

    prprias da usina, tal sistema favorece o xodo rural, quando h o arrendamento o

    proprietrio no fica residindo nas terras, o trabalhador migra para a cidade, e

    normalmente no possui qualificao profissional para ingressar em uma atividade

    urbana gerando o desemprego estrutural (FERREIRA; DEUS, 2011).

  • 41

    Figura 8 - Indstria alcooleira em Rubiataba-GO. Fonte: http://www.panoramio.com/photo/3509883

    O xodo rural tem sido constatado em inmeros municpios em funo da

    ocupao das terras com o plantio da cana-de-acar, foi o que aconteceu no

    municpio de Lagoa da Prata-MG. Porm,apesar da queda tanto no nmero de

    habitantes quanto de trabalhadores no meio rural, o Brasil registrou no perodo de

    1970 a 2006 um aumento da produtividade agropecuria fruto da produo industrial

    e da mecanizao dos processos produtivos, o que explica a urbanizao pela

    produo agrcola industrial (MACIEL et al., 2011).

    Em estudo realizado no interior de So Paulo, dos trabalhadores originrios

    da regio 91,49% moravam na zona urbana, dessa maneira pode-se afirmar que o

    emprego no corte da cana apesar de ser considerado um servio rural emprega em

    sua maioria pessoas que moram na cidade (CANO; VIRGNIO, 2010).

    Em Rubiataba a produo da cana-de-acar emprega grande contingente de

    trabalhadores do municpio, de acordo com Souza (2009) at o ano de 2006 a

    colheita da cana era realizada de forma totalmente manual, a partir de 2007 foi

    introduzida a colheita mecanizada, e no ano de 2008 apenas 26% da cana

    produzida no municpio foi colhida mecanicamente. Contudo a mecanizao est de

    forma gradativa sendo implantada na regio e vem acompanhada com o aumento na

    produo da cana.

  • 42

    Figura 9- Indstria alcooleira de Rubiataba-GO (imagem via satlite). Fonte:

    http://maps.google.com.br/

    Em 2006 foram produzidas 476.000 toneladas de cana-de-acar em

    Rubiataba (Tabela 3) em uma rea de 6.800 hectares e na ltima safra (11/12) a

    rea plantada dobrou e a produo triplicou com mais de 1 milho de toneladas

    (IBGE, 2009; CONAB, 2011).

    Tabela 3 - rea e produo da cana-de-acar nas safras 10/11 e 11/12 em Rubiataba-GO.

    Cana-de-acar

    Safra rea plantada (mil ha) Produo (mil t)

    10/11 11/12 10/11 11/12

    Rubiataba 18,4 22,6 1363,0 1390,0

    Fonte: Adaptado de Conab, 2011.

    Neste sentido, ao se considerar a produo da indstria alcooleira em

    Rubiataba (Figura 9) e o fato de o municpio apresentar participao na arrecadao

    total da indstria devido aos impostos decorrentes da atividade econmica em seu

    entorno, pode-se dizer que a cidade muito se beneficia da atividade canavieira, com

    aumento na receita municipal. Simultaneamente o grande nmero de empregos gera

    renda urbana que impulsiona a economia local (CHAGAS; TONETO JR; AZZONI,

    2009).

  • 43

    Nota-se com isso benefcios econmicos a um alto custo ambiental e social,

    neste setor o ganho econmico no pode ocorrer sem que o meio ambiente sofra

    influncia. Atitudes sustentveis podem amenizar os impactos sobre a regio que

    abriga a indstria sucroalcooleira, alm disso, a preocupao social deve ser

    instituda para a proteo do trabalhador. Tais indstrias j assumem o papel de

    responsabilidade social em seus negcios como afirma Macedo (2005, p. 202):

    Responsabilidade social um termo usado para descrever aes na rea de negcios ligadas a valores ticos: conformidade legal, respeito s pessoas, comunidades e meio ambiente. Mais especificamente, o entendimento dos negcios como uma parte integrada da sociedade, contribuindo diretamente para o seu bem-estar, preocupando-se com os impactos sociais das polticas e prticas dos negcios; os impactos do negcio especfico nos nveis abaixo e acima na cadeia de valores; os impactos das contribuies voluntrias dos negcios nas comunidades que afetam.

    4.2. Identificao e notificao da DORT em cortadores de cana

    Devido ao trabalho fsico intenso na produo da cana comum o

    adoecimento de cortadores de cana-de-acar na safra como mostra estudos de

    Teixeira e Freitas (2003), Carvalho e Pastre (2008) e Nogueira e Queiroz (2010),

    assim como as notificaes referentes Sade do Trabalhador (Tabela 4). Dentre

    outros as Doenas Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho apresentam

    incidncia significativa entre estes trabalhadores.

    Em se tratando de acidentes de trabalho e doenas ocupacionais Scopinho

    (2000) afirma que foram criadas s indstrias as Normas Regulamentadoras do

    Trabalho Rural (NRRs), afim de, evitar acidentes e proporcionar a segurana do

    trabalhador. Tais normas dispem sobre as regras mnimas de higiene e segurana

    nas frentes de trabalho rurais e da necessidade do uso de Equipamentos de

    Proteo Individual (EPIs) que protegem de acidentes porm, no minimizam o

    aparecimento de DORT. As empresas devem tambm notificar o aparecimento de

    doenas e a ocorrncia de acidentes de trabalho.

  • 44

    No que se refere a notificao de Doenas Relacionadas ao Trabalho e

    acidentes de trabalho, bem como a preveno, diagnstico e tratamento de doenas

    ocupacionais so atividades de responsabilidade do Centro de Referncia Sade

    do Trabalhador (CEREST) vinculado ao Sistema nico de Sade (SUS). As

    Doenas Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho so de Notificao

    Compulsria assim como doenas respiratrias, cardiovasculares, infecciosas,

    dermatolgicas e auditivas relacionadas ao trabalho e devem ser notificadas pelo

    SINAM- Sistema de Informao de Agravos de Notificao (BRASIL, 2011).

    A indstria alcooleira de Rubiataba apresenta equipe de segurana do

    trabalho com tcnicos responsveis pelas reas de produo que inspecionam o uso

    dos Equipamentos de Proteo Individual (EPIs) e auxiliam nos primeiros socorros;

    enfermeiro do trabalho que realizam triagem e avaliao inicial e mdico que

    administra o tratamento e encaminha o trabalhador se necessrio. Possui

    ambulatrio interno para atendimento aos trabalhadores e convnio com empresas

    privadas para realizao de exames, terapias e consultas especializadas.

    Constata-se uma no preocupao com a notificao de DORT, uma vez que

    no ocorre o encaminhamento dos trabalhadores lesionados ao SUS e CEREST

    ocasionando a subnotificao de casos como observado na Tabela 4 onde apenas

    55 situaes de DORT foram notificadas em todo o estado de Gois no ano de 2010

    (SINAN, 2011).

    Tabela 4 - Frequncia de notificaes de agravos relacionados ao trabalho em Gois, na

    regio Centro-Oeste e no Brasil em 2010.Centro-Oeste Brasil Agravo Gois Centro-Oeste Brasil

    Acidentes Graves 1.096 3.363 41.424

    Acidentes com Material Biolgico 1.260 2.545 31.220

    Intoxicaes Exgenas 143 393 3.036

    LER/DORT 55 129 5.452

    PAIR 29 41 304

    Pneumoconioses 3 3 186

    Dermatoses ocupacionais 3 131 501

    Transtornos mentais 0 21 352

    Cncer 0 10 27

    Total 2.589 6.636 82.502

    Fonte: Adaptado de UT-SINAN, 2011.

  • 45

    O presente estudo teve como foco os trabalhadores que desenvolveram

    DORT em Rubiataba-GO e estiveram em tratamento fisioteraputico nos anos de

    2006 e 2007, foram identificados 112 pronturios, o nmero significativo em apenas

    um municpio do Estado reflete a possvel subnotificao de casos em Gois. Os

    resultados nos mostram um cenrio onde dos indivduos identificados 36 foram

    localizados e consentiram em participar da pesquisa, 3 foram a bito por suicdio e

    os demais no foram localizados pois a maioria deles se mudaram do Municpio.

    4.2.1. Transtornos mentais comuns em cortadores de cana: O suicdio

    O nmero de suicdio encontrado na populao estudada expressivo,

    considerando que tais indivduos estiveram em tratamento em 2006 e 2007, e em

    um perodo de 5 anos quase 3% destes tiraram a prpria vida. De acordo com a

    literatura grande a suspeio para Transtornos Mentais Comuns TMC de

    cortadores de cana de acar, principalmente dos trabalhadores com mais de 50

    anos, os TMC so caracterizados por sintomas como ansiedade, humor depressivo,

    sintomas somticos, decrscimo de energia vital e pensamentos depressivos

    (DUARTE, 2010, p. 29).

    Os suicdios foram cometidos por homens com idades entre 25 e 50 anos por

    enforcamento em seu domiclio. Fatos como estes foram identificados em pesquisa

    realizada no Rio Grande do Sul por Meneghel e colaboradores (2004) que

    observaram maiores coeficientes de suicdio em idosos e em pessoas ocupadas na

    agropecuria e pesca, alm de maior mortalidade ser encontrada em homens e o

    suicdio por enforcamento o principal mtodo utilizado por agricultores.

    Em outra pesquisa realizada em Campinas-SP por Marn-Len e Barros

    (2003) tambm se constata que os dois meios de suicdio mais utilizados no sexo

    masculino foram o enforcamento (36,4%) e as armas de fogo (31,8%) sendo que

    75,7% das mortes por enforcamentos e 46,8% das mortes por armas de fogo

    ocorreram no domiclio.

  • 46

    As causas de suicdio entre os jovens so principalmente os problemas de

    relacionamento familiar ou de namoro, e entre os adultos problemas de ordem

    financeira e/ou conjugais mais ocasionam o ato. A desordem financeira

    considerada fator de risco para suicdio como cita Meneghel et al. (2004, p. 808)

    Inseridos na cultura patriarcal, os homens so mais sensveis a reveses

    econmicos como desemprego e empobrecimento e mais propensos ao suicdio.

    A literatura confirma que inmeros fatores interferem no processo de

    adoecimento mental desses trabalhadores principalmente os socioeconmicos e os

    ambientais. No presente estudo sabendo que os indivduos estudados

    desenvolveram DORT e estiveram afastados do trabalho, certamente esta situao

    culminou em diminuio da renda e em distrbios psicolgicos severos. Com isso

    observa-se que a populao estudada apresenta risco de desenvolver TMC e de

    morte por suicdio.

    4.2.2. A migrao regional e procedncia do trabalhador do corte da cana

    O nmero de cortadores de cana que no foram localizados (73) era

    esperado e se deve sazonalidade do trabalho, alm disso, aps o surgimento de

    doenas ocupacionais ocorre desinteresse da empresa, uma vez que o trabalhador

    lesionado no ter o mesmo rendimento. Tais trabalhadores se vm obrigados a

    procurar emprego fora do municpio considerando que a maior fonte empregadora

    do mesmo a indstria alcooleira.

    De acordo com Macedo (2005), a sazonalidade da produo agrcola da

    cana-de-acar em decorrncia do clima limita a colheita a sete meses por ano e

    compreende dois perodos na produo: a safra e a entressafra. Esse fator dificulta

    a relao entre empregador e empregado devido alta rotatividade, as

    necessidades de trabalho distintas nos perodos, alm de impossibilitar o vnculo

    empregatcio e o progresso profissional.

    O cortador de cana contratado apenas no perodo da safra que corresponde

    ao perodo de vero e moagem da cana. No inverno, a entressafra o perodo de

  • 47

    realizao de atividades como o plantio, a adubao, irrigao e limpeza. O contrato

    da safra corresponde a uma modalidade de contrato por prazo determinado e

    depende das variaes climticas da atividade agrria. Os trabalhadores so

    chamados safristas e recebem as indenizaes ao trmino da safra afirma Silva

    (2008).

    Porm, os trabalhadores que adoecem no perodo da safra so mantidos em

    tratamento sob responsabilidade da empresa por tempo indeterminado at que se

    recuperem. Neste perodo so afastados do trabalho e recebem pelo INSS

    Instituto Nacional de Seguridade Social. Aps recuperao do trabalhador ento

    feita a resciso do contrato. No perodo da entressafra os cortadores de cana-de-

    acar se mantm com bicos e trabalhos temporrios. Na safra seguinte para que

    ocorra a renovao dos contratos os trabalhadores devem se inscrever para

    seleo.

    O acometimento do sistema musculoesqueltico dos trabalhadores do corte

    da cana gera afastamento, aborrecimento, constrangimento e de acordo com Silva

    (2008) e Freitas (2009) estes fatores comprometem a contratao destes nas safras

    seguintes, pois os cortadores diminuem a sua produtividade devido leso

    adquirida.

    A situao de no contratao na safra seguinte de trabalhadores que

    desenvolveram DORT frequente e com isso o trabalhador que migrou da zona

    rural para a zona urbana migra para outras regies a procura de sustento. Tal

    situao justifica o nmero de trabalhadores que desenvolveram DORT e no foram

    localizados no Municpio de Rubiataba.

    Quando procurados em seus endereos 73 trabalhadores no foram

    encontrados, mas em alguns casos a famlia ainda reside no mesmo local e estes

    trabalhadores por falta de emprego e renda migraram para outras regies em busca

    de sustento, porm a famlia continua no Municpio por situao de comodidade e

    segurana. Tal situao reflete a dificuldade da reabilitao profissional dos

    indivduos no Municpio estudado.

    Na totalidade dos estudos a maioria dos trabalhadores reside no municpio

    em que trabalha apenas no estudo de Campos, Raposo e Maia (2007) com

  • 48

    trabalhadores pernambucanos revelam certo grau de mobilidade da mo de obra no

    corte da cana entre os municpios vizinhos, o que coincide com o encontrado nesta

    pesquisa onde poucos participantes (2) residiam em municpios prximos.

    Em se tratando da procedncia, foi observado no presente estudo um nmero

    considervel de trabalhadores naturais do Estado de Gois 29 (80,6%), sendo que

    de outros Estados como Minas Gerais, Maranho e Rio Grande do Norte foram

    encontrados apenas7 sujeitos (19,4%). A presena de emigrantes nordestinos

    dentre os cortadores de cana comum em Fernandpolis no Estado de So Paulo

    em que um tero dos trabalhadores veio da Bahia e do Maranho e em Lagoa da

    Prata-MG em que 50% dos trabalhadores estudados eram baianos (CANO;

    VIRGNIO, 2010; MACIEL et al., 2011).

    Autores como Rocha (2007) e Novais (2007) consideram histricas as sadas

    dos nordestinos de suas regies para o Sudeste e Centro Oeste em busca de

    melhores empregos e melhor condio de vida. Tais trabalhadores se enquadram no

    perfil do cortador de cana, pois apresentam baixa escolaridade e buscam

    oportunidade para um maior rendimento, alm de serem provenientes de estados

    com clima desfavorvel e trabalhos rduos.

    4.2.3. Perfil e socioeconmico dos cortadores de cana-de-acar que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e 2007

    Dentre os 36 participantes da pesquisa 35 (97,22%) so do sexo masculino e

    apenas 1 (2,77%) do sexo feminino. A nica mulher cortadora de cana-de-acar

    que desenvolveu DORT tem 58 anos e se encontra aposentada por apresentar

    problemas em coluna lombar. O nmero de mulheres que trabalham no corte da

    cana-de-acar pequeno, uma vez que, para a realizao da atividade

    necessrio fora fsica e resistncia. Esta situao foi encontrada em todos os

    estudos realizados com cortadores de cana em Gois, Minas Gerais e So Paulo

    onde indivduos jovens, em idade produtiva e do sexo masculino, constituem a maior

  • 49

    porcentagem dentre os trabalhadores em atividade (TEIXEIRA; FREITAS, 2003;

    RIBEIRO; FICARELLI, 2010; MACIEL et al., 2011).

    As mulheres apresentam menor participao na atividade do corte da cana

    por se tratar de um trabalho que exija muita fora fsica e com condies

    degradantes, as mulheres s se submetem a este emprego por falta de opo, e

    segundo Romanelli e Bezerra (1999) a tendncia das mulheres a realizao dos

    trabalhos domsticos. Os homens conseguem salrios at o dobro maiores do que o

    das mulheres, pois o pagamento definido pela quantidade de cana cortada como

    observado no estudo de Ribeiro e Ficarelli (2010).

    Outro fator que influencia na produtividade do trabalhador a idade. Neste

    estudo foi encontrado um nmero maior de sujeitos com mais de 40 anos (25%) e

    mais de 50 anos (38,89%) por se tratarem de indivduos que estiveram em

    tratamento h 5 anos e que j trabalhavam no corte da cana-de-acar com grande

    desgaste fsico e desenvolveram DORT (Figura 10).

    A anlise do mercado de trabalho da agroindstria canavieira feita por Moraes

    (2007) identificou a faixa etria de 220.517 empregados agrcolas, e observou que a

    maior proporo (28,4%) tinha entre 30 a 39 anos, seguida de trabalhadores com 18

    a 24 anos (25,3%) e 25 a29 anos (19,3%). Portanto a maioria dos cortadores de

    cana se encontra em idade produtiva, isso se justifica devido exigncia de fora

    fsica e resistncia para exercer essa profisso.

    Figura 10 - Faixa etria de cortadores de cana que desenvolveram DORT

    e estiveram em tratamento em 2006 e 2007. Rubiataba-GO.

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    18 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos mais de 50 anos

    6 79

    1414,28

    20

    25,71

    40

  • 50

    Observou-se que no existe relao entre idade e condies de sade (Figura

    11) tal situao pode ter ocorrido pelo fato de os elementos da amostra

    apresentarem uma idade mdia de 43,52 anos (+ 9,65 anos). Sendo assim

    apresentam homogeneidade em relao idade, justificando a falta de dependncia

    entre essas variveis.

    E por se tratar de trabalho rduo e considerado de risco para o aparecimento

    de doenas ocupacionais as condies de sade independem da idade, podendo

    acometer indivduos jovens que apresentam trabalho intensificado.

    Figura 11 - Idade e condies de sade dos cortadores de cana que desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e 2007. Rubiataba-GO. ndice de Correlao = 0,034194

    H consenso na literatura que o corte da cana-de-acar constitui importante

    fonte de emprego para uma grande frao da populao com baixo nvel de

    instruo (ROCHA; MARZIALE; ROBAZZI, 2007; DUARTE, 2010; MACIEL, 2011).

    Entre os cortadores de cana que desenvolveram DORT em Rubiataba-GO o nvel de

    escolaridade coincide com a literatura, 12 sujeitos (34,29%) tem apenas at 3 anos

    de estudo o que se considera que fizeram apenas a alfabetizao e alguns no a

    concluram, 16 (45,72%) estudaram de 4 a 7 anos, ou seja cursaram o ensino

    fundamental incompleto, apenas 4 (11,42%) possuem o ensino fundamental

    completo (8 anos de estudo), 2 sujeitos (5,72%) tem de 9 a 10 anos de estudo,

    portanto no completaram o ensino mdio e 1 (2,85%) possui ensino mdio

    completo (Figura 12).

    Idade X Condies de Sade

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    0 10 20 30 40 50 60

    Idade (anos)

    Co

    nd

    i

    es d

    e S

    a

    de

    Srie1

  • 51

    O nvel de escolaridade dos cortadores em Gois equipara-se de certo modo

    ao encontrado no interior de So Paulo por Ribeiro (2010) em que 25% dos

    entrevistados eram analfabetos e 56,4% no tinham completado o ensino

    fundamental. J no Nordeste a situao ainda pior com 29% de analfabetos e 48%

    de cortadores de cana com os primeiros quatro anos de estudos incompletos

    (MORAES, 2007).

    No Municpio de Fernandpolis Estado de So Paulo 42,35% no concluram

    o ensino fundamental bsico e quanto mais avanada idade menor o nvel de

    escolaridade 83,33% de trabalhadores com mais de 50 anos no concluram o

    ensino fundamental bsico (CANO; VIRGNIO, 2010). Segundo Maciel e

    colaboradores (2011), o baixo nvel de escolaridade associado idade avanada

    provavelmente reduziria as chances de reinsero no mercado de trabalho. E se

    tratando de um trabalhador que j fora acometido por uma DORT a sua chance de

    reinsero ainda menor.

    Em Pernambuco, os trabalhadores canavieiros apontam a baixa escolaridade

    (62%) e a falta de experincia e capacitao (10%) como obstculos na obteno de

    emprego fora do canavial. Poucos buscam se qualificar na entressafra (CAMPOS;

    RAPOSO; MAIA, 2007).

    Figura 12 - Escolaridade dos cortadores de cana que

    desenvolveram DORT e estiveram em tratamento em 2006 e 2007. Rubiataba-GO.

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    At 3 anos

    4 a 7 anos

    8 anos 9a 10 anos

    11 anos

    1216

    4 2 1

    34,29

    45,72

    11,425,72

    2,85

    N

    %

  • 52

    A educao direito de todos e o Estado oferece aos trabalhadores rurais o

    ensino de alfabetizao, ensino fundamental e mdio e segundo grau. Porm, as

    polticas de educao no campo na prtica apresentam dficit de funcionamento

    com professores trabalhando em situaes precrias, so mal remunerados e sem

    material didtico suficiente (PEREIRA, 2007). A falta de polticas de incentivo, as

    condies desfavorveis e o desinteresse levam desistncia dos estudantes e ao

    aproveitamento insatisfatrio e com isso persiste o analfabetismo no Brasil

    principalmente na zona rural. Em 2011 a taxa de analfabetismo rural foi de 21,2%, o

    dobro da mdia nacional, enquanto nas zonas urbanas a taxa encontrada foi de

    6,5% de acordo com Saraiva e Martins (2012).

    Alm de educao precria poucos trabalhadores se interessam pelo estudo

    e qualificao. Na zona da mata pernambucana foi constatada no estudo de

    Campos, Raposo e Maia (2007) uma reduzida quantidade de trabalhadores que se

    qualificam e esta qualificao no parece estar sendo adequada, uma vez que

    grande parte destes trabalhadores no conseguem empregos na entressafra.

    Porm, a situao de dficit de conhecimento dos cortadores favorvel s

    indstrias e por isso no se v preocupao educacional por parte destas.

    A baixa escolaridade geralmente implica em baixa renda e se tratando da

    renda dos cortadores de cana inmeros autores como Moraes (2005), Silva e Silva

    (2009) e Andrade (2009) consideram os salrios baixos e insuficientes, geralmente

    os trabalhadores apresentam piso salarial de em mdia um salrio mnimo a um e

    meio, esse montante acrescido por remunerao que varia de acordo com a

    quantidade de cana colhida diariamente, ou seja, por produo. Porm, mesmo com

    baixos salrios Andrade (2009) considera que a agroindstria da cana-de-acar

    tem propiciado melhoria nas condies sociais e de renda destes trabalhadores

    devido ao aumento da formalidade de contratao possibilitando a aquisio de

    bens materiais.

    Dos cortadores de cana que desenvolveram DORT 10 (27,7%) apresentam

    remunerao de at um salrio mnimo, 19 sujeitos (52,8%) recebem at dois

    salrios mnimos e 7 (19,5%) relataram receber entre dois e 4 salrios (Tabela 5).

    preciso lembrar que esta renda atual e que os cortadores estudados

    desenvolveram DORT e apresentam situaes de trabalho distintas atualmente.

  • 53

    Quando comparadas as diferenas de remuneraes entre estados verifica-se que o

    estado de So Paulo apresenta melhor remunerao, assim como maiores nveis de

    escolaridade entre os cortadores de cana, o que de certa forma explica os melhores

    salrios (MORAES, 2005).

    Tabela 5 Escolaridade e renda indi