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Corte Especial

Corte Especial - STJ...Penal e Processual Penal. Conselheiro de Tribunal de Contas. Questão de ordem. Ação penal originária. Competência do STJ. Art. 105, I, a, da CF/1988. Pedido

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AÇÃO PENAL N. 266-RO (2003/0169397-8)

Relatora: Ministra Eliana Calmon

Autor: Ministério Público Federal

Réu: Natanael José da Silva

Advogado: Antônio Nabor Areias Bulhões e outro

Réu: Francisco de Oliveira Pordeus

Advogado: Romilton Marinho Vieira e outro(s)

Réu: Irene Becária de Almeida Moura

Advogado: Romilton Marinho Vieira e outro(s)

Réu: Vitor Paulo Riggo Ternes

Advogado: José Cleber Martins Viana e outro

Réu: Evanildo Abreu de Melo

Advogado: José do Espírito Santo e outro(s)

EMENTA

Penal e Processual Penal. Conselheiro de Tribunal de Contas.

Questão de ordem. Ação penal originária. Competência do STJ.

Art. 105, I, a, da CF/1988. Pedido de exoneração de Conselheiro de

Tribunal de Contas sem publicação apresentado após a inclusão do

feito em pauta de julgamento pela Corte Especial. Descabimento.

Inefi cácia. Indeferimento de inquirição de testemunha de defesa diante

das peculiaridades do caso concreto. Justifi cativa idônea. Princípio da

proporcionalidade. Princípio constitucional da duração razoável do

processo. Produção de provas determinada na fase do art. 11, § 3°,

da Lei n. 8.038/1990 e dos arts. 227 e 228 do RISTJ. Reabertura da

instrução criminal. Descabimento. Ausência de nulidade. Princípio

pas de nullité san grief. Teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas

por derivação. Inaplicabilidade. Nulidade do julgamento que recebeu

a denúncia. Descabimento. Inclusão de circunstâncias agravantes

no julgamento dos declaratórios opostos contra o acórdão que

recebeu a denúncia. Inexistência de prejuízo à defesa. Inversão da

ordem de testemunhas por ocasião do cumprimento de carta de

ordem. Ausência de prejuízo. Mera irregularidade. Requisição de

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documentos formulada pela defesa. Indeferimento. Cerceamento de

defesa. Inexistência. Proposta de suspensão condicional do processo.

Descabimento. Art. 89, caput, da Lei n. 9.099/1995. Prescrição

virtual. Inadmissibilidade. Delito de peculato-apropriação. Concurso

de pessoas. Art. 312, caput (primeira parte), na forma do art. 29,

caput, do Código Penal. Animus rem sibi habendi. Adequação típica

demonstrada por prova testemunhal e documental produzida na

instrução criminal. Peculato-desvio praticado mediante continuidade

delitiva. Art. 312, caput (segunda parte) do Código Penal, na forma do

art. 71, caput, do diploma repressivo pátrio. Verba pública desviada para

satisfazer interesses próprios do denunciado. Autoria e materialidade

comprovadas por prova documental e testemunhal. Coação no curso

do processo. Art. 344 do Código Penal. Infração penal confi gurada

por indícios e prova testemunhal. Supressão de documento público.

Art. 305 c.c. art. 61, II, b e d, do Código Penal, na forma do art. 29 do

estatuto repressivo pátrio. Infração penal confi gurada por indícios e

prova pericial e testemunhal.

1. A exoneração do acusado, Conselheiro do Tribunal de Contas

do Estado, detentor de foro especial, antes da publicação, não tem

o condão de fazer cessar o foro especial, como pleiteado no dia

da sessão, poucas horas antes do início do julgamento, porquanto

os atos administrativos só têm existência jurídica após publicados.

Precedentes.

2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o

STJ competente para julgar a ação penal.

3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa, não

apresentam prova quanto ao prejuízo, o que descarta acolhimento.

Precedentes.

4. A principal prova documental, desencadeadora das

investigações, foi obtida por decisão judicial, não havendo como

acolher a alegação de tratar-se de prova ilícita por derivação -

ponderação doutrinária.

5. O juiz pode indeferir, com decisão fundamentada, diligências

requeridas pela defesa. Precedentes do STJ.

6. Peculato desvio e peculato apropriação cuja materialidade e

autoria estão comprovados, direcionando-se para dois dos denunciados.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 21

7. Inaplicabilidade da suspensão condicional do processo - art.

89, caput, da Lei n. 9.099/1995, pelo quantitativo da pena, em seu

mínimo legal superior a um ano.

8. A jurisprudência, inclusive do STF, não aceita a prescrição

virtual.

9. Inexistência de prova sufi ciente para embasar a condenação

de I. B. A. M. como partícipe ou co-autora do delito de peculato na

modalidade apropriação.

10. Vasta prova coletada na instrução comprovando a autoria do

peculato - Art. 312 CPP do réu N.J.S., em continuidade delitiva.

11. Materialidade comprovada por perícia e demais provas

apontando o denunciado N.J.S. como autor do crime previsto no art.

305 (supressão de documento público) c.c. art. 61, II, b e d, do Código

Penal, ao impedir pessoalmente o cumprimento da ordem judicial de

busca e apreensão, inutilizando importantes documentos públicos por

meio de fogo, para encobrir a materialidade dos crimes de peculato a

ele imputados.

12. Prova testemunhal que aponta, com segurança, a participação

do denunciado E.A.M. no crime de supressão de documento público,

ao impedir a ação dos bombeiros para salvar os documentos do

incêndio provocado pelo denunciado N.J.S.

13. Denúncia julgada procedente para condenar o réu N.J.S. por

peculato apropriação (art. 312, 1ª parte, CP), peculato desvio (art.

312, 2ª parte, CP), supressão de documento público (art. 305, CP) e

coação no curso do processo (art. 344, CP) e ainda à perda do cargo de

Conselheiro do Tribunal de Contas.

14. Condenação do réu F.O.P. pela prática de peculato apropriação

(art. 312, 1ª parte, CP).

15. Improcedência da denúncia em relação a I.B.M. e V. R. T. por

falta de provas.

16. Condenado o réu E.A.M. pela prática do crime de supressão

de documento público (art. 305, CP), substituindo-se a pena imposta

pela pena de prestação de serviço à comunidade.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça A

Corte Especial, por maioria, em questão de ordem, manteve a competência

do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar a causa. Vencido o Sr.

Ministro João Otávio de Noronha.

A Corte Especial, por unanimidade, julgou procedente a denúncia em

relação a Natanael José da Silva pelos delitos tipifi cados no art. 312, combinado

com o art. 29, art. 312, combinado com art. 71, art. 344, combinado com o art.

61, inciso II, alínea b, e art. 305, combinado com o art. 61, inciso II, alíneas

b e d, todos do Código Penal, condenando-o à pena de quatorze anos e oito

meses de reclusão em regime inicial fechado e ao pagamento de cento e setenta

dias-multa no valor de um salário mínimo cada. Como efeito da condenação,

Natanael José da Silva perde o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do

Estado de Rondônia.

A Corte Especial, por unanimidade, julgou procedente a denúncia em

relação a Francisco de Oliveira Pordeus pelo delito tipifi cado no art. 312, caput,

combinado com o art. 29, ambos do Código Penal, condenando-o à pena de três

anos de reclusão em regime inicial aberto e ao pagamento de cem dias-multa

no valor de um salário mínimo cada. A pena privativa de liberdade é substituída

por penas restritivas de direito, a saber: prestação de serviços à comunidade a

ser cumprida em estabelecimento assistencial que necessite de repasse de verba

pública e limitação de fi m de semana a ser cumprida no departamento do

Corpo de Bombeiros localizado no Município de Porto Velho, Rondônia.

A Corte Especial, por unanimidade, julgou procedente a denúncia em

relação a Evanildo Abreu de Melo, como incurso nas sanções do art. 305 do

Código Penal, condenando-o à pena privativa de liberdade de dois anos e seis

meses de reclusão em regime inicial aberto e ao pagamento de vinte dias-multa

no valor de um salário mínimo cada. A pena privativa de liberdade é substituída

por penas restritivas de direito, a saber: prestação de serviços à comunidade a

ser cumprida em estabelecimento assistencial que necessite de repasse de verba

pública e limitação de fi m de semana a ser cumprida no departamento do

Corpo de Bombeiros localizado no Município Porto Velho, Rondônia.

A Corte Especial, por unanimidade, julgou improcedente a denúncia

em relação à Irene Becária de Almeida Moura e em relação a Vitor Paulo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 23

Riggo Ternes. Na questão de ordem, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Ari Pargendler, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior e Hamilton Carvalhido votaram com a Sra. Ministra Relatora.

No mérito, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Ari Pargendler, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior e Hamilton Carvalhido votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Gilson Dipp.

Sustentaram oralmente o Dr. Edinaldo de Holanda Borges, Subprocurador-Geral da República, o Dr. Romilton Marinho Vieira, pelos réus Irene Becária de Almeida Moura e Francisco de Oliveira Pordeus, o Dr. José do Espirito Santo, pelos réus Vitor Paulo Riggo Ternes e Evanildo Abreu de Melo, e o Dr. Antônio Nabor Areias Bulhões, pelo réu Natanael José da Silva.

Brasília (DF), 05 de maio de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministra Eliana Calmon, Relatora

DJe 20.08.2010

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Nesta ação penal a denúncia foi recebida pela Corte Especial em 1º.06.2005, em razão de um dos denunciados (Natanael José de Silva) ser Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, nomeado após a prática dos delitos apurados na instrução criminal (art. 105, I, a, da CF/1988).

Na data de hoje, quando designada a sessão de julgamento, chegou ao gabinete, pela manhã, petição formulada pelo denunciado Natanael José da

Silva, informando ter pedido exoneração do cargo de Conselheiro, na data de 03.05.2010 (segunda-feira), fato confi rmado pelo Presidente da Corte de Contas do Estado de Rondônia.

Requereu, diante do pleito, o reconhecimento da incompetência do STJ para processar e julgar a causa, com a remessa dos autos ao Juízo de 1º Grau do Estado de Rondônia.

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Diante desse quadro e tendo em vista que o pedido de exoneração foi

apresentado pelo denunciado após a inclusão do feito na pauta da sessão de

julgamento, inexistindo notícia do resultado e da publicação do ato, submeto ao colegiado a presente questão de ordem.

Como relatora apresento as seguintes razões para indeferir o pleito:

1) não há notícia nos autos da efi cácia do ato de exoneração, que depende de publicação no Diário Ofi cial;

1.1) sobre o tema, confi ra-se os comentários de Mauro Roberto Gomes de Mattos sobre o art. 34 da Lei n. 8.112/1990:

A exoneração a pedido é verifi cada pela livre iniciativa do servidor, que através de requerimento manifesta seu desejo de não mais ser servidor público. Ela poderá ser tornada sem efeito, pela retratabilidade do servidor, se ainda não publicado no órgão ofi cial o deferimento do pedido de exoneração com o consequente ato exoneratório. Sem o despacho de deferimento publicado no DO do requerimento de exoneração não há empecilho para o retorno ao status quo ante do servidor, tendo em vista que os efeitos deste ato só se consumam com a sua publicação no órgão de imprensa ofi cial.

(grifei)

(Lei 8.112/90 interpretada e comentada. Rio de Janeiro: América Juridica, 2006. P. 202)

Nesse sentido, trago à colação o seguinte precedente desta Corte:

Administrativo. Cargo público. Vacância. Posse em outro cargo inacumulável. Retratação do pedido antes da publicação do ato. Retorno ao status quo ante. Possibilidade.

1 - Regida a Administração pelo princípio da publicidade de seus atos, estes somente têm eficácia depois de verificada aquela ocorrência, razão pela qual, retratando-se o servidor, antes de vir a lume o ato de vacância (posse em outro cargo), sua situação funcional deve retornar ao status quo ante, vale dizer, subsiste a ocupação do cargo primitivo. Sentença e acórdão mantidos.

2 - Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 213.417-DF, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 16.11.1999, DJ 13.12.1999, p. 188)

No aresto acima mencionado, a Sexta Turma do STJ examinou caso em que Delegado de Polícia Federal assumiu o cargo de Delegado da Polícia Civil do Estado da Bahia, fato que causou a declaração de vacância do cargo de Delegado da Polícia Federal.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 25

Ocorre que, antes de publicado o ato de vacância, o interessado apresentou requerimento desistindo da posse no cargo de Delegado da Polícia Civil, pretendendo ver reconhecido o direito de voltar ao status quo ante.

Da ementa acima transcrita, tem-se que o STJ admitiu a retratação apresentada pelo interessado antes da publicação do ato que declarou vago o cargo de Delegado da Polícia Federal, garantindo-lhe o direito de retornar ao status quo ante, aplicando o entendimento de que o ato administrativo somente surte efeitos a partir da publicação no Diário Ofi cial.

Em razão da pertinência com a situação ora examinada, transcrevo trecho do voto proferido pelo Min. Fernando Gonçalves em que Sua Excelência, como fundamento para tomada de posição, fez menção a Parecer da Consultoria-Geral da República:

Impõe-se acrescentar - ainda - que a Consultoria-Geral da República, em parecer da lavra do então Consultor Geral da República e depois Ministro do STF - Antônio Gonçalves de Oliveira - no Parecer 520-2 de 24 de março de 1959, aprovado pelo Senhor Presidente da República, estabeleceu ser inefi caz o ato de exoneração quando publicado posteriormente à retratação do pedido que lhe deu causa.

(grifei)

Trago, ainda, a lição de Hely Lopes Meirelles sobre o tema:

Publicidade é a divulgação ofi cial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos.

(...)

A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso mesmo os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a dispensam para sua exequibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige.

(...)

O princípio da publicidade dos atos e contratos administrativos, além de assegurar os seus efeitos externos, visa propiciar o seu conhecimento e controle pelos interessados diretos e pelo povo em gera, através dos meios constitucionais...

(...)

A publicação que produz efeitos é a do órgão ofi cial da Administração, e não a divulgação pela imprensa particular, pela televisão ou pelo rádio, ainda que em horário ofi cial.

(Direito Administrativo Brasileiro. P. 72/74)

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No mesmo sentido precedente desta Corte:

Administrativo. Cargo público. Aposentadoria. Retratação do pedido antes da publicação do ato. Retorno ao status quo ante. Possibilidade.

1 - Regida a Administração pelo princípio da publicidade de seus atos, estes somente têm eficácia depois de verificada aquela ocorrência, razão pela qual, retratando-se o servidor, antes de vir a lume o ato de aposentadoria, sua situação funcional deve retornar ao status quo ante, vale dizer, subsiste a condição de funcionário ativo.

2 - Recurso em mandado de segurança provido.

(RMS n. 5.164-SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 15.08.2000, DJ 04.09.2000, p. 193)

Entendo, portanto, que o pedido de exoneração formulado pelo denunciado

Natanael José da Silva não tem o condão de alterar a competência do STJ para

julgar a Ação Penal n. 266-RO na data de hoje (05.05.2010), em razão da

ausência de publicação ofi cial do ato administrativo.

2) a presente ação penal vem sofrendo todas as possíveis procrastinações

por parte da defesa que tem se esmerado em requerer diligências, provas

complementares e seguidas argüições de nulidades;

3) o pedido de exoneração apresentado no órgão de origem, Tribunal de

Contas do Estado de Rondônia, chegou a ser sustado pelo denunciado Natanael

José da Silva na data de 31.03.2010, para depois reiterar o propósito de exonerar-

se do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia

em 03.05.2010, quando constatou que restaram infrutíferas as tentativas de

adiamento deste julgamento;

4) embora graves os delitos apurados, pelo decurso do tempo haverá

prescrição de pelo menos um ou dois dos delitos, o que ocorrerá fatalmente caso

seja reconhecida a incompetência desta Corte.

Assim sendo e principalmente pela inexistência de publicação do ato de

exoneração, voto por indeferir o pedido de incompetência desta Corte.

QUESTÕES PRELIMINARES AO JULGAMENTO SUSCITADAS

PELA DEFESA

1) Rejeito o pedido de adiamento do julgamento feito por Irene Becaria de

Almeida (fl . 2.505-2.513), já que, conforme será demonstrado no decorrer deste

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 27

voto, o resultado da ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público do Estado de Rondônia contra a acusada, em razão da emissão do cheque da Assembléia Legislativa no valor de R$ 601.315,00, não interfere no juízo de convencimento formado por este órgão julgador sobre o delito imputado a esta denunciada pelo parquet.

2) Rejeito a argüição da defesa quanto a falta de pedido de dia para julgamento por parte do Ministro Revisor Francisco Falcão. Conforme se depreende do doc. de fl . 2.502, consta por certidão nos autos que o processo foi enviado do gabinete do Ministro Revisor, para o Ministro Presidente que designou sessão de julgamento para esta data, 05.05.2010.

3) Antes de iniciar o exame das questões levantadas por Natanael José da

Silva nas alegações fi nais, entendo oportuno traçar um breve resumo histórico sobre a parte fi nal da instrução deste processo.

Concluída a instrução com apresentação das alegações fi nais pelas partes, determinei, com esteio no art. 11, § 3°, da Lei n. 8.038/1990, a expedição de carta de ordem para:

a) oitiva de 06 (seis) testemunhas de defesa arroladas pelo denunciado Natanael José da Silva (depoimentos que guardariam relação com os crimes de supressão de documento público - art. 305 do Código Penal - e coação no curso do processo - art. 344 do Código Penal - imputados ao agravante pelo Ministério Público Federal) e;

b) para que fossem juntados aos autos os originais ou a microfi lmagem dos cheques indicados pelo parquet como prova material dos delitos de peculato-apropriação (art. 312, caput, primeira parte, do Código Penal) e peculato-desvio (art. 312, caput, segunda parte, do Código Penal) atribuídos ao agravante (fl . 2.289-2.290).

Expedida a carta foram ouvidas 05 (cinco) testemunhas de defesa (fl . 2.362-2.379), tendo o Ofi cial de Justiça deixado de intimar a testemunha Reinaldo Guimarães de Figueiredo, Coronel da Polícia Militar aposentado, em razão de ter ele mudado de endereço, passando a residir no Estado do Rio de Janeiro - informação repassada ao meirinho por servidor do Comando da Polícia Militar e consignada na certidão do Ofi cial de Justiça (fl . 2.357v.-2.358).

É esta a primeira insurgência do denunciado (fato sobre o qual já me pronunciei no julgamento do agravo regimental), pois entende que deverá ser adiado o julgamento a fi m de que seja ouvido por carta de ordem a testemunha considerada imprescindível, cujo endereço está à fl . 2.360.

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Entendo, data venia, como de inteira impertinência o requerimento

formulado, pelos motivos abaixo deduzidos:

a) nos termos do art. 11, § 3°, da Lei n. 8.038/1990, abaixo transcrito,

determinei a expedição da carta de ordem para oitiva das 06 (seis) testemunhas

arroladas pela defesa do denunciado Natanael, com o fi m de assegurar o pleno

direito de defesa ao acusado, oportunizando a produção da prova por ele reputada

indispensável:

Art. 11 - Realizadas as diligências, ou não sendo estas requeridas nem determinadas pelo relator, serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de quinze dias, alegações escritas.

§ 1º - Será comum o prazo do acusador e do assistente, bem como o dos co-réus.

§ 2º - Na ação penal de iniciativa privada, o Ministério Público terá vista, por igual prazo, após as alegações das partes.

§ 3º - O relator poderá, após as alegações escritas, determinar de ofício a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa.

Tomei a providência justamente com o escopo de evitar eventual arguição

de cerceamento do direito de defesa ao denunciado, estando demonstrado, após

os depoimentos prestados pelas 05 (cinco) testemunhas ouvidas por carta de

ordem, que estas em nada acrescentaram à elucidação dos crimes de supressão de

documento público e coação no curso do processo imputados a Natanael, demonstrando,

em muitos dos testemunhos, falta de objetividade e idoneidade nas declarações,

quando confrontadas com os demais depoimentos colhidos na instrução (frise-

se que as 06 (seis) testemunhas de defesa (todas, à época, funcionários da Assessoria

Militar da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia) foram arroladas pelo

ora denunciado para prestarem depoimento em relação aos crimes de supressão de

documento e de coação no curso do processo, não guardando qualquer relação com os

crimes de peculato atribuídos ao acusado);

b) acrescente-se, ainda, que a intimação da testemunha Reinaldo Guimarães

de Figueiredo foi determinada por decisão de minha lavra, tendo deixado de

ser cumprida pelo Ofi cial de Justiça em razão de informação repassada por

servidor do órgão no qual a testemunha trabalhava (Comando da Polícia Militar

do Estado de Rondônia - fl . 2.357v.-2.358) de que esta não residia mais em

Rondônia e sim no Estado do Rio de Janeiro;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 29

c) a jurisprudência fi rmada nesta Corte é no sentido de considerar o direito

do acusado à oitiva das testemunhas arroladas quando dentro do número legal

e quando necessário para compor o quadro probatório. Contudo, entendo que

no caso concreto tal entendimento merece ser excepcionado porque pelo conjunto

probatório produzido na instrução criminal em relação à autoria dos delitos de

supressão de documento público e de coação no curso do processo imputados ao

denunciado pelo parquet, restou comprovado à saciedade (fato sobre o qual não

irei me adiantar neste momento em razão de encontrar-se tratado no voto de

mérito da Ação Penal), por meio das provas testemunhais colhidas na instrução

criminal, que o depoimento da testemunha Reinaldo Guimarães de Figueiredo

(Coronel da Polícia Militar e Chefe da Casa Militar da Assembléia Legislativa do

Estado de Rondônia à época dos fatos) em nada acrescentaria ao processo;

Trago à colação, como forma de ilustrar este voto trecho de voto da relatoria do

Min. Felix Fischer, nos autos da APn n. 390-DF (DJ 16.04.2008):

Em relação à pretendida inquirição do Exmo. Sr. Governador do Estado do Paraná Roberto Requião de Mello e Silva, arrolado como testemunha na defesa prévia, entendo que, no caso incide o disposto nos arts. 209 e 213 do Código de Processo Penal. Explico!

Compulsando os autos verifi co que diversos ofícios foram expedidos com a fi nalidade específi ca de, em observância ao disposto no art. 221 do Código de Processo Penal, possibilitar o prévio ajuste do local, dia e hora para a realização da inquirição da testemunha em destaque. Ocorre que nas respostas aos ofícios restou reiteradamente salientado o seguinte (vide fl . 964 à título de exemplo):

Em atenção ao contido no expediente acima referido, comunico-lhe que, em decorrência de inúmeros compromissos assumidos previamente, não existe disponibilidade de horário, a curto prazo, para comparecer à oitiva requisitada por Vossa Excelência.

Informo-lhe, ainda, que, ao tomar conhecimento do teor do Processo n. 2004.163560-9, concluí que nada tenho a acrescentar ou declarar aos fatos que deram origem a esses autos, e que a minha oitiva não trará considerável diferença para a justa inquirição da verdade (fl . 964).

Ora, testemunha é a pessoa que depõe sobre o fato criminoso ou suas circunstâncias, tanto que o próprio Código de Processo Penal autoriza que não seja computada como testemunha (por não poder ser assim considerada!) aquela que, não obstante arrolada tempestivamente, nada souber que interesse à decisão da causa (art. 209, § 2º, parte fi nal do CPP). Assim, o indeferimento justifi cado da inquirição de testemunha, notadamente quando as razões por ela mesma

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apresentadas se mostram plausíveis, longe de implicar em violação ao princípio da ampla defesa, se apresenta, a uma, como medida em perfeita consonância com as funções do juiz no processo penal a quem, segundo o art. 251 do CPP, incumbe prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos e, a duas, como providência concordante, coerente com o princípio da celeridade processual ou razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da Lex Fundamentalis).

Desta forma, no caso, se mostra evidente a prescindibilidade (ou porque não dizer até inocuidade!) da inquirição da testemunha arrolada, afinal, em suas diversas manifestações afi rmou categoricamente que não tem nada a acrescentar ou declarar a respeito dos fatos apurados nesta ação penal. Com efeito, o indeferimento de sua oitiva, no caso, é medida que se impõe, tendo em vista que em diversas oportunidades a testemunha mencionada deixou claro que não tem qualquer consideração a fazer a respeito dos fatos apurados na presente ação penal.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

(grifei)

Esclareço que Sua Excelência, o relator, foi acompanhado pelos demais

membros da Corte Especial, sendo indeferida a oitiva de testemunha de defesa

considerada desnecessária.

O entendimento adotado no precedente trazido à colação vem sendo

repetido no âmbito do STJ, como faz certo o julgado assim resumido na sua

ementa:

Processual Penal. Habeas corpus. Art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso I, da Lei n. 11.343/2006. Incompetência da Justiça Federal. Alegação de insuficiência de provas sobre a internacionalidade do delito. Dilação probatória. Inadequação da via eleita. Indeferimento de inquirição de testemunhas domiciliadas no exterior e arroladas na defesa prévia. Inocuidade da oitiva. Princípio constitucional da celeridade processual. Arts. 209 e 213 do CPP. Justifi cativa idônea. Pedido de retratação da confissão realizado após a prolação da sentença condenatória. Faculdade do julgador. Princípio da identidade física do juiz. Inaplicabilidade no sistema processual penal antes da entrada em vigor da Lei n. 11.719/2008. Prisão em fl agrante. Apelar em liberdade. Ré que permaneceu custodiada ao longo do processo. Liberdade provisória. Proibição decorrente de texto legal e de norma constitucional. Sentença condenatória e dosimetria da pena. Fundamentação sufi ciente. Art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Aplicação do percentual mínimo. Fundamentação idônea.

I - A competência para o julgamento dos delitos de tráfi co internacional de entorpecentes é da Justiça Federal.

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II - In casu, o Tribunal de origem reconheceu, de forma expressa, a transnacionalidade do delito, o que somente a partir da análise profunda do material probatória poderia ser infi rmado, medida incabível na via do habeas corpus (Precedentes).

III - Testemunha é a pessoa que depõe sobre o fato criminoso ou suas circunstâncias, tanto que o CPP autoriza que não seja computada como testemunha aquela que, não obstante arrolada tempestivamente, nada souber que interesse à decisão da causa (art. 209, § 2º, parte fi nal do CPP). Assim, o indeferimento justifi cado da inquirição de testemunha se apresenta, a uma, como medida consonante com as funções do juiz no processo penal a quem, segundo o art. 251 do CPP, incumbe prover a regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos e, a duas, como providência coerente com o princípio da celeridade processual (art. 5º, inciso LXXVIII, da Lex Fundamentalis).

IV - Na espécie, ficou caracterizada a prescindibilidade da inquirição das testemunhas arroladas, pois, além de residirem no exterior, nada sabiam acerca dos fatos apurados na ação penal ou sobre suas circunstâncias. Ademais, a expedição de carta rogatória somente procrastinaria o encerramento da ação penal e a segregação cautelar da paciente.

(...)

Ordem denegada.

(HC n. 132.908-CE, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13.08.2009, DJe 13.10.2009)

d) o denunciado, com o pedido de expedição de carta de ordem para

intimação da testemunha no endereço de fl . 2.360, pretendeu, na verdade, protelar

o julgamento do processo, dando causa à instauração de incidentes que em nada irão

alterar a conclusão a respeito dos fatos criminosos contra ele imputados pelo

parquet.

Com efeito, não há direito constitucional absoluto, devendo o intérprete (no caso

dos autos, o julgador) examinar e ponderar, por meio do juízo de proporcionalidade, os

princípios constitucionais em virtual confl ito para aplicar o entendimento que melhor

se adeque à situação concreta.

Nesse sentido, transcrevo lição do constitucionalista André Ramos Tavares:

Não existe nenhum direito humano consagrado pelas Constituições que se possa considerar absoluto, no sentido de sempre valer como máxima a ser aplicada aos casos concretos, independente de consideração de outras circunstâncias ou valores constitucionais. Nesse sentido, é correto afi rmar que os direitos fundamentais não são

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absolutos. Existe uma ampla gama de hipóteses que acabam por restringir o alcance absoluto dos direitos fundamentais.

(Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: saraiva, 2008. P. 488)

e) no âmbito do processo penal, colho o seguinte ensinamento de Antonio

Scarance Fernandes:

Na realidade, a idéia de proporcionalidade sempre esteve presente no Direito. Assim, em um sentido amplo, seria um principio que obrigaria “o operador jurídico a tratar de alcançar o justo equilíbrio entre os interesses em confl ito”.

(...)

Entre nós, assinalam a constitucionalidade do princípio Gilmar Ferreira Mendes e Luís Roberto Barroso, enquadrando-o na cláusula ampla do devido processo legal.

(Processo Penal Constitucional. 5. ed. São Paulo: RT, 2007. P. 56)

Sobre o tema, confi ra-se precedente da Suprema Corte:

Processo Penal. Prisão cautelar. Excesso de prazo. Critério da razoabilidade. Inépcia da denúncia. Ausência de justa causa. Inocorrência. Individualização de conduta. Valoração de prova. Impossibilidade em habeas corpus.

1. Caso a natureza da prisão dos pacientes fosse a de prisão preventiva, não haveria dúvida acerca do direito à liberdade em razão do reconhecimento do arbítrio na prisão - hipótese clara de relaxamento da prisão em fl agrante. Contudo, não foi o que ocorreu.

2. A jurisprudência é pacífica na admissão de relaxamento da prisão em fl agrante e, simultaneamente, do decreto de prisão preventiva, situação que em tudo se assemelha à presente hipótese, motivo pelo qual improcede o argumento de que há ilegalidade da prisão dos pacientes.

3. Na denúncia, houve expressa narração dos fatos relacionados à prática de dois latrocínios (CP, art. 157, § 3°), duas ocultações de cadáveres (CP, art. 211), formação de quadrilha (CP, art. 288), adulteração de sinal identifi cador de veículo motor (CP, art. 311) e corrupção de menores (Lei n. 2.252/1954, art. 1°).

4. Na via estreita do habeas corpus, não há fase de produção de prova, sendo defeso ao Supremo Tribunal Federal adentrar na valoração do material probante já realizado. A denúncia atende aos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não havendo a incidência de qualquer uma das hipóteses do art. 43, do CPP.

5. Somente admite-se o trancamento da ação penal em razão de suposta inépcia da denúncia, em sede de habeas corpus, quando houver clara constatação

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de ausência de justa causa ou falta de descrição de conduta que, em tese, confi gura crime. Não é a hipótese, eis que houve individualização das condutas dos pacientes, bem como dos demais denunciados.

6. Na contemporaneidade, não se reconhece a presença de direitos absolutos, mesmo de estatura de direitos fundamentais previstos no art. 5º, da Constituição Federal, e em textos de Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afi guram fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico-valorativa.

7. Ordem denegada.

(HC n. 93.250-MS, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 10.06.2008)

e) o adiamento do julgamento, no caso dos autos, para que seja realizada a intimação da testemunha Reinaldo Guimarães de Figueiredo no endereço de fl . 2.360 (local que não corresponde mais ao seu atual endereço, conforme já foi mencionado linhas acima), a fi m de prestar depoimento sobre fatos já devidamente expostos e demonstrados pelos demais meios de prova colhidas durante a instrução, implicará no retardo da prestação jurisdicional, contrariando

o princípio constitucional da duração razoável do processo, razão pela qual entendo

que seja o caso de indeferir-se, diante das peculiaridades do caso concreto, a oitiva da

mencionada testemunha.

Desta Corte, destaco o seguinte precedente sobre a matéria:

Habeas corpus. Alegação de cerceamento de defesa e violação do contraditório. Indeferimento de produção de prova. Desnecessidade da diligência. Discricionariedade do juiz. Constrangimento ilegal inocorrente. Ordem denegada.

A realização de diligência solicitada pela defesa sujeita-se à análise da necessidade e da oportunidade com relação ao contexto da ação penal, situação aferível pelo juiz do caso por meio do juízo de proporcionalidade.

No caso vertente, o juiz motivou adequadamente o indeferimento, porquanto a solicitação da defesa mostrava-se inócua ao intuito de reverter a prova dos autos e de modifi car o contexto da verdade real.

Ordem denegada.

(HC n. 73.605-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 25.09.2008, DJe 13.10.2008)

Ultrapassado esse ponto, passo a examinar a alegação do denunciado de que,

com a decisão de fl . 2.289-2.290 (em que determinei a expedição de carta de ordem para oitiva de testemunhas arroladas pelo acusado Natanael e requisitei a

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remessa dos originais ou da microfi lmagem dos cheques indicados pelo parquet como prova material dos delitos de peculato-apropriação e peculato-desvio), a instrução criminal foi reaberta, fazendo-se necessária a concessão de prazo para

apresentação de novas alegações fi nais pelas partes.

Transcrevo, para melhor compreensão do tema, os dispositivos da Lei n. 8.038/1990 (diploma que regula o trâmite dos processos de competência originária no STJ e STF) e do Regimento Interno do STJ por mim invocados como fundamento para determinar a colheita das provas de fl . 2.289-2.290 e posicionar-me sobre os requerimentos deduzidos pelo denunciado às fl. 2.470-2.474 (frise-se que na petição de fl . 2.470-2.474 o denunciado Natanael

José da Silva, atendendo ao despacho que exarei com esteio no art. 228, caput, do

RISTJ, requereu a produção de provas reputadas necessárias pela defesa, não havendo

de se falar, portanto, na fi gura do agravo interno, recurso que somente encontrou

cabimento, nos termos regimentais, a partir do momento em que foram indeferidas as

diligências pretendidas pelo réu - art. 228, § 1°, do RISTJ (dispositivo que atribui ao

relator a competência para decidir sobre os requerimentos formulados pelas partes)) e

novamente examinados nesta oportunidade:

Lei n. 8.038/1990

Art. 11 - Realizadas as diligências, ou não sendo estas requeridas nem determinadas pelo relator, serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de quinze dias, alegações escritas.

§ 1º - Será comum o prazo do acusador e do assistente, bem como o dos co-réus.

§ 2º - Na ação penal de iniciativa privada, o Ministério Público terá vista, por igual prazo, após as alegações das partes.

§ 3º - O relator poderá, após as alegações escritas, determina de ofício a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa.

Art. 12 - Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte:

I - a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação;

II - encerrados os debates, o Tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.

Regimento Interno do STJ

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Art. 227. Realizadas as diligências ou não sendo estas requeridas nem determinadas pelo relator, serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de quinze dias, alegações escritas.

§ 1º Será comum o prazo do acusador e do assistente, bem como o dos coréus.

§ 2º Na ação penal de iniciativa privada, o Ministério Público terá vista, por igual prazo, após as alegações das partes.

§ 3º O relator poderá, após as alegações escritas, determinar, de ofício, a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa.

Art. 228. Finda a instrução, o relator dará vista do processo às partes, pelo prazo de cinco dias, para requererem o que considerarem conveniente apresentar na sessão de julgamento.

§ 1º O relator apreciará e decidirá esses requerimentos para, em seguida, lançando relatório nos autos, encaminhá-los ao revisor, que pedirá dia para o julgamento.

Rejeitei a pretensão do denunciado, por entender que o pleito não detém

razoabilidade e objetiva retardar o julgamento.

Da leitura dos dispositivos acima transcritos, tem-se que o Ministro relator

encontra-se autorizado, no âmbito dos processos criminais de competência

originária do STJ, a determinar, de ofício e antes de levar o feito ao julgamento

da Corte Especial, a produção de prova que repute necessária, não encontrando

guarida legal a pretensão do denunciado de reabertura de prazo para apresentação de

novas alegações fi nais.

Em comentários ao art. 11 da Lei n. 8.038/1990, confi ra-se lição de Julio

F. Mirabete:

Após a manifestação das partes, o relator poderá determinar de ofício a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa (art. 11, § 3°). Realizadas estas, marcar-se-á data para o julgamento, intimando-se os interessados.

(Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2006. P. 608)

Pois foi exatamente pautada no raciocínio acima citado que determinei a

intimação das partes para que requeressem o que considerassem conveniente

apresentar na sessão de julgamento (fl . 2.455).

Feitas essas considerações sobre o fundamento legal utilizado para indeferir

o pleito da defesa de Natanael, teço algumas considerações sobre os aspectos que

reforçaram a minha convicção quanto a desnecessidade de reabertura de prazo para

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que as partes pudessem pronunciar-se sobre as provas colhidas por meio da

mencionada carta de ordem.

Determinei a colheita da prova testemunhal e a juntada da microfi lmagem

de documentos já existentes nos autos (fl . 1.869-1.928), com o fi m de atender

e resguardar o pleno direito de defesa do acusado Natanael, já que este tinha

solicitado a oitiva das testemunhas arroladas às fl . 2.289 e havia argüido nulidade

em razão da ausência dos originais dos cheques mencionados na exordial

acusatória (prova material dos delitos de peculato indicados na denúncia).

Da leitura dos depoimentos prestados às fl . 2.362-2.379, verifi ca-se que

as testemunhas consideradas imprescindíveis pela defesa do denunciado Natanael

em nada acrescentaram à sua defesa e para a elucidação dos fatos imputados na

exordial acusatória.

Ademais, com a intimação por mim determinada, com fulcro no art. 228

do RISTJ (fl . 2.455), teve a defesa oportunidade de consultar os autos e tomar

conhecimento do teor das provas testemunhais colhidas, estando apta a discutir a

questão que entender pertinente na sessão de julgamento.

Sobre o tema, confi ra-se precedentes do STF e desta Corte retratando

fi rme entendimento de que a ausência de vista da parte acerca de prova juntada

aos autos não importa em nulidade quando ausente prejuízo ao réu:

Habeas Corpus.

1. Crime de latrocínio (art. 157, § 3º, in fi ne, do Código Penal c.c. o art. 1º, II, da Lei n. 8.072/1990 - crime hediondo).

2. O assistente de acusação requereu juntada aos autos de documento com o objetivo de aferir o tempo de percurso entre o quartel da Polícia Militar de Floriano e o local do sinistro, em decorrência de diligência efetuada pelo 2º Distrito Policial de Floriano-PI.

3. Alegação da defesa de que o acórdão atacado assumiu premissa errônea correspondente ao fato de que a referida juntada teria sido realizada ainda na fase do inquérito policial.

4. Ademais, o impetrante sustenta a falta de plausibilidade do acórdão recorrido (STJ) no que concerne ao argumento de que tal prova poderia ter sido amplamente discutida no decorrer da ação penal.

5. A rigor, de fato, verifi ca-se o equívoco do acórdão impugnado quanto à afi rmação de que o documento teria sido apresentado na fase inquisitorial. A diligência na qual se mediu o tempo de percurso entre o quartel da polícia militar de Floriano e o local do sinistro foi realizada no bojo da ação penal.

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6. O paciente tomou conhecimento do documento acostado aos autos, embora não intimado especificamente para tanto, e não apresentou impugnação ou demonstração de prejuízo para a defesa.

7. Ressalte-se ainda que a sentença foi fundamentada em outras provas sufi cientes à condenação do paciente. Precedentes: HC n. 71.011-RJ, Rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, unânime, DJ de 26.05.1995; HC n. 73.647-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, unânime, DJ de 06.09.1996 e RE n. 230.020-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 25.06.2004.

8. Ordem indeferida.

(HC n. 82.955-PI, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJU de 19.12.2006)

Processual Penal. Habeas corpus. Art. 17 da Lei n. 7.492/1986. Alegação de nulidade no julgamento do recurso de apelação, em razão da juntada de documentos, por parte do parquet, sem que a defesa sobre eles pudesse se manifestar. Inocorrência da apontada nulidade, haja vista que o e. Tribunal a quo não utilizou, em momento algum, o material probatório juntado aos autos para fundamentar a condenação imposta ao paciente. Execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da condenação. Constrangimento ilegal verifi cado de acordo com recente entendimento do c. Supremo Tribunal Federal.

I - A juntada de documentos, em fase recursal, sem vista à parte contrária para manifestação, não acarreta prejuízo à defesa se os referidos documentos não foram utilizados pelo e. Tribunal a quo para a formação do convencimento da culpa, motivo pelo qual não é caso de decretação da nulidade (Precedentes desta Corte e do STF).

(...)

Habeas corpus parcialmente concedido para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da condenação.

(HC n. 103.429-SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 17.02.2009, DJe 23.03.2009)

Processo Penal. Habeas corpus. Recurso de apelação. Razões tardias. Intempestividade. Não-ocorrência. Documentos. Juntada. Parte contrária não intimada. Ausência de prejuízo. Condenação baseada nas provas coligidas durante a instrução criminal. Ordem denegada.

1. A apresentação a destempo das razões de apelação constitui mera irregularidade, não caracterizando a intempestividade do recurso.

2. No processo penal pátrio, no cenário das nulidades, vigora o princípio geral de que somente se proclama a nulidade de um ato processual quando há a efetiva demonstração de prejuízo, nos termos do que dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal e o Enunciado Sumular n. 523 do Supremo Tribunal Federal.

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3. Se os documentos juntados aos autos não infl uenciaram a decisão do Tribunal a quo, tendo a condenação sido fundamentada nas provas obtidas durante a instrução criminal, não há falar em prejuízo para a defesa por não lhe ter sido dada a oportunidade de se manifestar sobre os referidos documentos.

4. Ordem denegada.

(HC n. 44.814-PB, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 13.02.2007, DJ 12.03.2007, p. 265)

Agravo regimental. Recurso especial. Apropriação indébita previdenciária. Nulidade processual. Cerceamento de defesa. Intimação do réu. Vista de documentos. Interferência no julgado. Não ocorrência. Entendimento do Tribunal a quo. Matéria probatória. Aplicação da Súmula n. 7-STJ. Abolitio criminis. Lei n. 9.983/2000. Revogação art. 95, d da Lei n. 8.212/1991. Inexistência.

No processo penal, nenhum ato processual será declarado nulo, se a parte interessada não comprovar o prejuízo dele decorrente e, sobretudo, se – argüido a destempo – não infl uiu na investigação da verdade substancial ou na solução da causa.

O deferimento de juntada de documentos, a pedido de um dos co-réus, não importa em nulidade absoluta do feito se – não contraditada a tempo e modo – não serviram de base à condenação do recorrente.

A condenação baseada em provas testemunhais e confi ssão judicial não pode ser revista por esta Corte, nos termos da Súmula n. 7-STJ, por demandar análise de matéria fático-probatória.

O art. 3º da Lei n. 9.983/2000 manteve a antijuricidade da fi gura típica anterior (art. 95, d da Lei n. 8.212/1991), no seu aspecto substancial, e, consequentemente não fez desaparecer o delito em questão, não confi gurando, portanto, a abolitio criminis.

Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 618.213-SC, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 21.10.2004, DJ 29.11.2004, p. 426)

Criminal. HC. Homicídio qualificado. Ocultação de cadáver. Juntada de documentos pela acusação. Ofensa ao art. 475 do CPP. Inocorrência. Prévio conhecimento das peças pelo defensor. Falta de elaboração de quesitos obrigatórios. Circunstância atenuante. Ausência de prejuízo. Pena fixada no mínimo legal. Ordem denegada.

É imprópria a alegação de cerceamento de defesa decorrente da juntada de documento sem a abertura de vista ao patrono do paciente, pois os autos evidenciam situação peculiar, qual seja, a demonstração de que a defensoria teve prévio conhecimento das peças juntadas pelo órgão acusatório, antes do julgamento, afastando a alegação de surpresa hábil a prejudicar a defesa do réu.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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Não há prejuízo ao réu pela ausência de formulação de quesitos obrigatórios referentes a circunstância atenuante, pois a reprimenda não pode ser fixada abaixo do mínimo cominado em lei. Súmula n. 231 desta Corte.

Ordem denegada.

(HC n. 32.651-RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 06.05.2004, DJ 14.06.2004, p. 256)

Conforme será demonstrado, no curso do voto de mérito, proferido nos

autos desta Ação Penal, pela análise das provas, restará cabalmente demonstrado

que os testemunhos, colhidos às fl . 2.362-2.379, em nada infl uenciaram no juízo

de convencimento que se formou acerca da autoria dos delitos imputados pelo

parquet.

Verifi co, ainda, que a microfi lmagem do cheque de n. 004847 (juntada às

fl. 2.338v.-2.339 v.) não trouxe aos autos qualquer fato novo, mostrando-se

desprovido de fundamento o raciocínio desenvolvido pelo denunciado Natanael

de que a simples juntada do título microfi lmado importaria em prejuízo do

acusado (frise-se que, pelo sistema das nulidades, vigora o princípio pas de nullité

san grief - somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver

efetiva demonstração de prejuízo à defesa).

Ressalto que em nenhum momento da instrução criminal o denunciado

Natanael negou a autoria da assinatura subscrita no referido cheque (prova

material do delito de peculato-apropriação). Pelo contrário, desde o início da

persecução criminal o réu confi rmou a emissão do título, tendo suscitado apenas

nulidade em razão da acusação estar lastreada em cópia. Daí a determinação de

juntada da microfi lmagem do documento (art. 11, § 3°, da Lei n. 8.038/1990),

fato que não importou em nenhum prejuízo aos denunciados.

No que tange à remessa da microfi lmagem dos 55 (cinquenta e cinco) cheques

requisitados às fl. 2.290, restou cabalmente demonstrado no voto de mérito

proferido nesta Ação Penal que a juntada dos originais ou da microfi lmagem destes

títulos mostra-se despicienda para fi ns de confi guração do delito de peculato-desvio

(art. 312, caput, segunda parte, do Código Penal) imputado ao denunciado,

tendo a apuração da autoria e materialidade da citada infração penal sido levada

a termo a partir de prova documental e testemunhal produzida na instrução.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados do STJ:

Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Substitutivo de recurso ordinário. Estelionato. Emissão de duplicatas que não correspondem a mercadorias vendidas

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ou serviços prestados. Pedido de diligência. Expedição de ofícios. Indeferimento fundamentado. Cerceamento de defesa. Inexistência.

1. É entendimento pacífi co no Superior Tribunal de Justiça que o Juiz pode, em decisão fundamentada, indeferir as diligências requeridas pela defesa, uma vez que ao julgador cabe aferir, em cada caso, a real necessidade da medida para a formação de sua convicção.

2. Se o Juiz indeferiu o pedido de expedição de ofícios, por entender que o deslinde da causa prescinde da realização da diligência requerida, porquanto seu convencimento está embasado em outros elementos dos autos, não há de se falar em cerceamento de defesa.

3. Ordem denegada.

(HC n. 78.774-SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 18.09.2008, DJe 06.10.2008)

Criminal. RHC. Prefeito. Contratos sem prévia licitação. Despesas irregulares. Superfaturamento. Requerimento de perícia contábil e técnica em todos os contratos. Indeferimento da diligência. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Caráter protelatório. Princípio do livre convencimento do juiz. Fundamentação sufi ciente. Recurso desprovido.

Hipótese em que o paciente, ex-Prefeito Municipal, foi condenado pela prática de delitos relacionados à contratação de emissora de rádio para divulgação de matéria pública, com despesas irregulares, sem procedimento licitatório e com superfaturamento.

Não se reconhece o apontado constrangimento ilegal por cerceamento de defesa, devido ao indeferimento de realização de perícia contábil e técnica em todos os contratos e empreitadas realizados pelo Município, se o Magistrado fundamenta sufi cientemente a sua desnecessidade para a elucidação dos fatos, com base nos elementos do processo.

Caráter meramente protelatório da diligência requerida que resta evidenciado, pois a defesa não logrou demonstrar a real necessidade da perícia, permanecendo inerte ao longo da instrução, ainda mais em se tratando de feito em que o próprio Tribunal de Contas Municipal realizou perícia técnica, a qual foi corroborada pelas demais provas dos autos.

O Julgador pode indeferir, motivadamente, diligências que considere protelatórias ou desnecessárias. Precedente.

Recurso desprovido.

(RHC n. 13.918-CE, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 25.05.2004, DJ 1º.07.2004, p. 215)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 41

Habeas corpus. Processual Penal. Denunciação caluniosa. Indeferimento de diligências requeridas pela defesa. Constrangimento ilegal. Inocorrência. Caráter procrastinatório. Falta de provas a embasar o decreto condenatório. Vedado o exame do conjunto probatório.

- O indeferimento de diligências requeridas pela defesa, por si só, sem a demonstração de efetivo prejuízo, não confi gura constrangimento ilegal, mormente quando consideradas, pelo magistrado, de caráter meramente procrastinatório.

- O e. Tribunal a quo, ao reexaminar todo o material probatório, entendeu correta a decisão proferida pelo douto magistrado de primeiro grau, que condenou o paciente por denunciação caluniosa.

Infi rmar tal decisum é inviável pela via escolhida.

- Ordem denegada.

(HC n. 30.442-RJ, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 1º.04.2004, DJ 24.05.2004 p. 305)

Feitas essas considerações, passo à análise das preliminares suscitadas por

Natanael José da Silva nas alegações fi nais.

PRELIMINARES SUSCITADAS PELO DENUNCIADO

NATANAEL JOSÉ DA SILVA

I - TEORIA DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS

POR DERIVAÇÃO

Para o denunciado, nos termos do art. 157, § 1°, do Código de Processo

Penal e do art. 5°, LVI, da Constituição da República de 1988, o inquérito

policial e o processo dele derivado estão eivados de ilegalidades, na medida em

que oriundos de um procedimento administrativo de investigação instaurado

pelo Ministério Público do Estado de Rondônia, nascido da ilegal obtenção de

cópia do cheque n. 004847, agência 350, conta-corrente 0776230009, Banco

Sudameris, no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos e um mil, trezentos e quinze

reais), emitido pela Assembléia Legislativa (fl s. 07-08 do Apenso I).

Segundo o denunciado Natanael, a cópia do cheque foi ilicitamente

obtida pelo deputado Eduardo Valverde Araújo Alves, membro do Partido dos

Trabalhadores, com a qual protocolou denúncia ao Ministério Público Estadual,

em 28.05.2001, informando sobre condutas irregulares do Presidente da

Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, acostando a esse requerimento

(fl . 02-08 do Apenso I).

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Considero inteiramente impertinente o entendimento do denunciado,

porque o MP, ao receber a denúncia do deputado, não se louvou no documento

por ele enviado. Requereu à autoridade judiciária competente a quebra do

sigilo bancário da conta mantida pela Assembléia Legislativa no Sudameris,

solicitando ainda cópia de todos os cheques administrativos emitidos em favor

de funcionários e deputados no período de janeiro a abril de 2001, os extratos

bancários e as cópias de cheques emitidos em favor de funcionários, sacados da

conta da empresa Dismar (fl . 10-15 do Apenso I).

Decretada a quebra do sigilo (fl . 22-25 do Apenso I), chegou ao Judiciário

a cópia do cheque emitido no valor de R$ 601.315,00 (fl . 106-107 do Apenso I).

Para o Ministério Público o importante foram as denúncias quanto as

irregularidades, sendo irrelevante o documento juntado, tanto que providenciou

o parquet a obtenção lícita dos documentos bancários. Assim sendo, não há

prova ilícita, ou prova derivada de ilícito, sendo inteiramente inócua a cópia do

cheque que circulou nos jornais e que também acompanhou a representação.

Ademais, ainda que assim não fosse, o que se admite apenas para

argumentar, é preciso que se atente para a questão da prova ilícita por derivação,

a fi m de que não se faça equivocadas afi rmações.

Oportunos os comentários sobre o tema - Provas Ilícitas Por Derivação, de

Ada Pellegrini Grinover, quando adverte não ser aplicável às provas derivadas

de ilícito a teoria dos frutos da árvore envenenada, como se colhe do trecho

seguinte:

No entanto, é preciso atentar para as limitações impostas à teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore envenenada, pelo próprio Supremo norte-americano e pela doutrina internacional: excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita, quando a conexão entre umas e outras é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito; ou, ainda, quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Fala-se, no primeiro caso, em independent source e, no segundo, na inevitable discovery. Isso signifi ca que a prova ilícita não foi absolutamente determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivam de fonte própria, não fi cam contaminadas e podem ser produzidas em juízo.

(grifo nosso)

(As Nulidades no Processo Penal. 10. ed. São Paulo: RT, 2007. P. 163)

Assim sendo, afasto a preliminar.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 43

II - NULIDADE DO JULGAMENTO QUE RECEBEU A

DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA

QUANTO À JUNTADA DO INQUÉRITO N. 403-RO

A alegação feita na oportunidade das alegações fi nais foi suscitada nos

embargos de declaração opostos contra o acórdão da Corte Especial, quando do

recebimento da denúncia (fl . 401-435).

Na ocasião, refutei o questionamento, assim argumentando:

O primeiro ponto argüido pela defesa diz respeito à juntada aos autos do

inquérito, sem que houvesse intimação.

Entendi inteiramente desnecessária a intimação, diante dos fatos contidos na

denúncia, dos quais já constava a questão do incêndio. Ora, o réu se defende de fatos,

e esses fatos estavam postos na denúncia. Observe-se que, em nenhum passo do voto

condutor da decisão de recebimento, faz-se referência ao que está no inquérito, o que me

pareceu sufi ciente para não atrasar o julgamento da complexa demanda, envolvendo

mais de dez pessoas e toda ela processada no Estado de Rondônia. O MPF pediu para

que fosse dado vista à defesa por não saber que, para os julgadores, eram sufi cientes

os documentos constantes dos autos principais, sem haver acréscimo ou decréscimo de

prova pela só-anexação do inquérito.

A Relatora não omitiu da Corte o pedido da defesa, tanto que inicia o voto

dizendo o porquê de indeferir o pedido de adiamento da sessão designada para que a

defesa pudesse se manifestar sobre os fatos constantes do inquérito que foi apensado aos

autos principais, não sendo demais transcrever o texto aludido:

Preliminarmente indefi ro o pedido de adiamento formulado na Petição 70.915, depois da designação da pauta, por entender que a defesa não terá prejuízo algum com a juntada do inquérito, cujos fatos ali versados já se encontram na denúncia, com as provas respectivas, sendo o inquérito inteiramente desimportante para o exame dos fatos narrados na peça inicial desta ação penal.

(fl . 413)

Como já dito, o indiciado, antes do recebimento da denúncia, defende-se de fatos

que já estão devidamente retratados na denúncia.

(fl . 500-509)

Nesta oportunidade reitero a fundamentação antecedente, principalmente

porque no inquérito juntado aos autos, de n. 403-RO, não há nenhum

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documento de interesse para este processo. Nele pode-se encontrar por exemplo,

o laudo pericial realizado pela Polícia Técnica, este sim documento de interesse

ao deslinde da querela, mas já constante dos autos principais (fl s. 100-115 do

Apenso VI da APN 266).

De referência aos depoimentos colhidos naquele inquérito, embora

interessantes, só têm valor probatório quando colhidos judicialmente. Enfi m,

inteiramente desarrazoada a exigência de intimação, como pleiteada, porque

a decretação da nulidade de um ato processual é espécie de sanção aplicável

nos casos de desatenção a formalidade essencial, ou quando acarretar prejuízo

concreto para a defesa. Neste sentido trago à colação lição de Ada Pellegrini

Grinover:

A decretação da nulidade implica perda da atividade processual já realizada, transtornos ao juiz e às partes e demora na prestação jurisdicional almejada, não sendo razoável, dessa forma, que a simples possibilidade de prejuízo dê lugar à aplicação da sanção; o dano deve ser concreto e efetivamente demonstrado em cada situação.

(As Nulidades no Processo Penal. 10. ed. São Paulo: RT, 2007. P. 31)

Afasto, portanto, a preliminar de nulidade do julgamento realizado quando

do recebimento da denúncia.

III - NULIDADE DO JULGAMENTO QUE RECEBEU A

DENÚNCIA POR EXTRAPOLAR LIMITES DO JUÍZO DE

DELIBAÇÃO DO ART. 6º DA LEI N. 8.038/1990

Suscita o denunciado a preliminar de nulidade do julgamento em que foi

recebida a denúncia, aduzindo que a relatora, quando proferiu o voto condutor

de fl . 413-421, extrapolou os limites do juízo de delibação previsto no art. 6° da

Lei n. 8.038/1990, abaixo transcrito:

Art. 6º A seguir, o relator pedirá dia para que o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas.

§ 1º No julgamento de que trata este artigo, será facultada sustentação oral pelo prazo de 15 (quinze) minutos, primeiro à acusação, depois à defesa.

§ 2º Encerrados os debates, o Tribunal passará a deliberar, determinando o Presidente as pessoas que poderão permanecer no recinto, observado o disposto no inciso II do art. 12 desta lei.

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No voto, proferido na sessão de julgamento do dia 1º.06.2005 (fl . 413-421), foram expostos, de forma minuciosa, todos os fatos narrados na exordial acusatória, com destaque para os delitos supostamente praticados pelos denunciados, tipifi cadores da conduta delituosa.

Nos processos de competência originária, envolvendo denunciados com prerrogativa de foro, a decisão judicial de recebimento de denúncia, diferentemente do que ocorre na apuração de delitos pela primeira instância, exigem do julgador acurado exame dos fatos investigados, não sendo bastante meros indícios de materialidade e autoria. Até mesmo pela complexidade do processamento, com avaliação da defesa preliminar, o recebimento da denúncia é pronunciamento com emissão de juízo de valor, realizada pelo colegiado. Dai a maior difi culdade no processamento dos feitos submetidos ao rito da Lei n. 8.038/1990.

Na hipótese em exame, como consta do voto proferido no julgamento dos embargos de declaração, opostos pelo denunciado (fl . 500-505), cuidei de acolhê-los, retirando o excesso de linguagem contido na ementa de fl . 434-435.

Consequentemente, já estando corrigido o excesso, pelo colegiado, rejeito a preliminar de nulidade da decisão de recebimento da denúncia.

IV - PRELIMINAR DE NULIDADE DE JULGAMENTO, EM

RAZÃO DA INCLUSÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES

PELO ACÓRDÃO DE FL. 500-509, AO ACOLHER EMBARGOS DE

DECLARAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Tenha-se presente que neste feito, o juízo coletivo da Corte Especial, ao acompanhar o voto da relatora (fl . 502-505), na oportunidade em que apreciou os embargos de declaração, opostos pelo MPF, teve como escopo corrigir o julgamento antecedente para nele incluir a circunstância agravante prevista no art. 61, II, d, do Código Penal (crime praticado mediante emprego de fogo), quanto ao delito tipifi cado no art. 305 do Código Penal (supressão de documento público). E o fundamento para a aceitação foi a descrição fática constante da denúncia, o que não ensejou surpresa alguma para a defesa, na medida em que se defende o réu dos fatos e não da tipifi cação. Assim, pôde o denunciado, quando ofereceu defesa preliminar, cientifi cada dos fatos narrados na exordial, articular as questões embasadoras de defesa, inclusive em relação à alegação de que houve supressão de documento público mediante emprego de fogo por parte do denunciado Natanael. Aliás, o incêndio por ele provocado foi descrito com desenvoltura pelo MPF, na denúncia. Não há nulidade alguma, portanto.

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V - PRELIMINAR DE NULIDADE DA INSTRUÇÃO CRIMINAL EM RAZÃO DO INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS ARROLADAS PELO DENUNCIADO NATANAEL, POR IMPOSIÇÃO DE LIMITE AO NÚMERO DE TESTEMUNHAS

Assevera Natanael ter peticionado, insistindo na oitiva de testemunhas ainda não inquiridas, por considerá-las indispensáveis. Assim, em 04.09.2007 pediu para serem ouvidos Celso de Oliveira (Popó), Valdir Raupp de Mattos, Edésio

Martelli e Ivo Scherer (fl . 1.018-1.019).

O pleito foi devidamente atendido às fl. 1015, sendo colhidos os testemunhos indicados, como consta das fl s. 1.071-1.073 (Valdir Raupp); fl s. 1.217-1.219 (Ivo Scherer); fl s. 1.117-1.120 (Celso de Oliveira Souza (Popó)) e fl s. 1.233-1.238 (Edésio Martelli), respectivamente.

Com a oitiva das testemunhas consideradas indispensáveis pela defesa, extrapolou-se o número máximo de oito, o que aceitei para assegurar o exercício da ampla defesa. Assim, ancorada no art. 11, § 3°, da Lei n. 8.038/1990, determinei a expedição de carta, cumprida pelo Juiz Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Porto Velho-RO (fl . 2.362-2.379), em demonstração inequívoca da insubsistência da nulidade alegada.

VI - PRELIMINAR DE NULIDADE EM RAZÃO DA INVERSÃO DA ORDEM DE TESTEMUNHAS POR OCASIÃO DO CUMPRIMENTO DE CARTA DE ORDEM

A instrução deste processo foi realizada por carta de ordem, sendo muitas as testemunhas arroladas pela defesa e não poucas as indicadas pelo Ministério Público.

Na audiência de oitiva das testemunhas o Juiz Federal, a quem tocou o cumprimento da carta, deixou consignado na ata de audiência (fl . 1.348) que, em razão da inviabilidade de tomar o depoimento de todas as testemunhas de acusação antes daquelas arroladas pela defesa, “a mera inversão na ordem de testemunhas, nomeadamente quando se trata de oitiva fora de terra, traduz mera irregularidade, carente de idoneidade a estacar a instrução.”

O denunciado Natanael, com fulcro no art. 5°, LV, da CF/1988 e no art. 396 do Código de Processo Penal, alega que a inversão da ordem das testemunhas é motivo de nulidade do processo. Entretanto não aponta o prejuízo concreto que lhe causou a inversão. Ora, pune-se com a sanção da nulidade os atos processuais que, desviando-se do modelo pré-estabelecido, possa causar prejuízo

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para as partes, entendendo a doutrina que a parte, ao alegar nulidade, deve demonstrar prejuízo concreto, advindo da prática de um ato desconforme com a previsão legal, sob pena de entender-se sanada a irregularidade.

A nulidade provocada pela inversão da ordem das testemunhas é tratada como mera irregularidade pela jurisprudência, se a parte não demonstra prejuízo. Neste sentido são os precedentes desta Corte:

Processual Penal. Habeas corpus. Inversão da ordem de oitiva das testemunhas. Ausência de nulidade. Prejuízo não-demonstrado pela defesa. Excesso de prazo. Prejudicado. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

1. A inversão na ordem de oitiva dos depoimentos das testemunhas de acusação e defesa não gera nulidade, especialmente se não for demonstrado nenhum prejuízo para o paciente. Precedentes do STJ.

2. Proferida sentença, resta prejudicado o habeas corpus na parte em que se alegava excesso de prazo para formação da culpa.

3. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

(HC n. 83.758-MT, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 03.08.2009)

Recurso em habeas corpus. Direito Processual Penal. Intimação da expedição de carta precatória. Legalidade. Inversão da ordem de oitiva. Nulidade. Inocorrência. Recurso improvido.

1. A intimação das partes do despacho que ordena a oitiva de testemunha por precatória atende à exigência do artigo 222 do Código de Processo Penal, cuja inobservância, de qualquer modo, consubstancia nulidade relativa, a reclamar argüição oportuna e demonstração inequívoca do prejuízo dela resultante.

2. “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado.” (Súmula do STJ, Enunciado n. 273).

3. “É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha.” (Súmula do STF, Enunciado n. 155).

4. À luz do disposto no artigo 222, parágrafos 1º e 2º, do Código de Processo Penal, e consoante entendimento jurisprudencial, a expedição de precatória para oitiva de testemunha não suspende a instrução criminal, não havendo falar em nulidade em face da inversão da oitiva de testemunhas de acusação e de defesa, mormente em não demonstrado prejuízo qualquer advindo à defesa do réu.

5. Recurso improvido.

(RHC n. 21.100-MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 28.08.2007, DJ 22.10.2007, p. 370)

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Processual Penal. Habeas corpus. Art. 214, c.c. art. 224, a, na forma do art. 71, do CP. Necessidade de oitiva da vítima. Tese já apreciada no julgamento do HC n. 44.229-RJ. Reiteração de pedido. Inversão na oitiva das testemunhas. Ausência de prejuízo. Ilegitimidade ad causam do Ministério Público. Estado de miserabilidade da vítima e sua família. Aferição. Impropriedade da via eleita. Inversão de compromisso. Ausência de prejuízo. Sentença. Fundamentação. Ocorrência. Nulidade não confi gurada.

I - Considerando que a controvérsia relativa à ausência de oitiva da vítima já foi apreciada no HC n. 44.229-RJ, perdeu o objeto, neste ponto, o presente writ.

II - Inexistindo prejuízo efetivo para o acusado, a inversão na ordem dos depoimentos não enseja nulidade. (Precedentes).

III - In casu, a alegação de que os pais da vítima podem prover às despesas do processo, sem privação à manutenção própria ou da família, exige, necessariamente, o cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de habeas corpus (Precedentes do STF e STJ).

IV - O deferimento de compromisso ao pai da vítima - testemunha da acusação - se caracteriza como mera irregularidade, mormente por não ter restado, em decorrência deste fato, prejuízo para a defesa. (Precedente).

V - Não há nulidade a ser reparada no presente caso, eis que a r. sentença condenatória - confi rmada pelo v. acórdão atacado - se encontra, na medida do possível, sufi cientemente fundamentada.

VI - A palavra da vítima, em sede de crime de estupro, ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não tem testemunhas, ou deixam vestígios.

Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada.

(HC n. 50.838-RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 03.08.2006, DJ 30.10.2006, p. 341)

VII - PRELIMINAR DE NULIDADE EM RAZÃO DO

INDEFERIMENTO DE REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS

Afi rma o denunciado Natanael José da Silva que, por ocasião da abertura

do prazo de diligências, requereu diversas providências, todas indeferidas pela

relatora, o que foi confi rmado pelo colegiado (fl . 1.570-1.576).

Nesta oportunidade consigno que após quase cinco anos de instrução, no

limiar do fechamento da fase instrutória, depois da realização de uma densa

prova documental e da oitiva de muitas testemunhas, além de requisições e mais

requisições de documentos bancários, pediu o acusado Natanael as seguintes

diligências:

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a) requisição de cópias de folhas de pagamento dos servidores

comissionados no período de janeiro a abril de 2001;

b) perícia grafotécnica dos 55 (cinquenta e cinco) cheques mencionados na

exordial acusatória, a fi m de comprovar a regularidade dos endossos;

c) requisição junto à 1ª Vara da Fazenda Pública do Estado de Rondônia

e ao Tribunal de Consta do Estado de Rondônia de cópia dos Processos n.

001.2005.018940-8 e n. 4.470/2004 que tramitam, respectivamente, naqueles

órgãos e versam sobre os mesmos fatos apurados no presente processo e nos

quais constam diversos documentos de interesse para a defesa; e

d) requisição junto ao Comando do Corpo de Bombeiros do Estado de

Rondônia e à Polícia Técnica do Estado de Rondônia de cópias dos laudos

periciais realizados no prédio da Assembléia Legislativa no dia 1º.06.2001.

Pediu então a nulidade do processo, a fi m de que lhe fosse garantida ampla

defesa, nos exatos termos do pleito.

Os documentos requeridos são inteiramente desnecessários, diante das

provas já produzidas. Senão vejamos: as folhas de pagamento dos servidores

comissionados no período de janeiro a abril de 2001 em nada alteram o universo

investigado, a partir de uma realidade: a) o dinheiro da folha de pagamento

dos servidores da Assembléia Legislativa foi parar na empresa particular do

denunciado Natanael, em operação por ele realizada em 16 de fevereiro de

2001, juntamente com o Diretor Financeiro da Assembléia, um dia de sábado;

b) a perícia grafotécnica dos endossos encontrados nos 55 (cinquenta e cinco)

cheques também não alterariam uma realidade inconteste: todas as ordens de

pagamento foram parar na conta da empresa do Presidente da Assembléia,

sendo de fragilidade absoluta a explicação dada pelo denunciado a vista deste

fato, só revelado após a quebra do sigilo bancário das consta da Assembléia

Legislativa, quando afi rmou que cinquenta e cinco pessoas trocaram os cheques

de seus salários por dinheiro, na empresa do acusado Natanael, uma mera

revendedora de bebidas; c) a requisição dos processos administrativos e da

ação civil por ato de improbidade administrativa foram formados a partir das

investigações que deram origem à presente ação penal, sendo desnecessário

repetir, em duplicidade, prova documental. Aliás, se algum documento contido

nos processos indicados era do interesse do denunciado, deveria ele trazer aos

autos, o que fez com abundância quanto ao que lhe foi pertinente, fazendo

chegar aos autos, inclusive, diversos recortes de jornais; d) os laudos periciais

do incêndio perpetrado no prédio da Assembléia Legislativa encontram-se

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nos autos às fl s. 100-115 do Apenso VI, sendo portanto inteiramente inócua a

providência requerida.

Como demonstrado, a requisição dos documentos pela defesa mostra-

se desnecessária, porque os fatos neles constantes já estão devidamente

comprovados, sendo desnecessário o prolongamento da instrução.

PRELIMINARES SUSCITADAS PELO DENUNCIADO

EVANILDO ABREU DE MELO

I - NULIDADE DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE PROPOSTA

DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

A denúncia oferecida pelo Ministério Público imputou ao acusado

Evanildo a prática do delito de supressão de documento público, capitulado

no art. 305, c.c. art. 61, II, d (com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura

ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum), na

forma do art. 29, caput, (concurso de pessoas), todos do Código Penal. Para

esta tipifi cação a pena mínima indicada é de dois anos, o que não autoriza o

benefício da suspensão condicional do processo, como previsto no art. 89, caput,

da Lei n. 9.099/1995; o dispositivo prevê pena mínima igual ou inferior a 01

(um) ano (dispositivo não alterado pela Lei n. 10.259/2001).

II - PRESCRIÇÃO VIRTUAL

Alega o denunciado Evanildo que, por ser primário, eventual condenação

pela prática do delito de supressão de documento público, capitulado no art.

305 do Código Penal, não deverá superar a pena mínima de 02 (dois) anos.

E argumenta: sendo assim, tendo em vista a extinção da punibilidade pela

prescrição virtual, caso aplicada a pena mínima, de 04 (quatro) anos, nos termos

do art. 109, V, do Código Penal, deve o processo ser extinto em relação ao

acusado.

Data venia da defesa, a prescrição virtual é instituto de criação doutrinária,

com o objetivo de, após analisadas as circunstâncias concretas em que se deu a

prática do delito, se visualizada uma pena mínima a ser aplicada ao acusado, em

caso de eventual condenação, declarar-se de logo extinta a punibilidade pela

prescrição virtual, dispensando-se a instrução, pela total inutilidade do processo.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 51

A doutrina não logrou aprovação no direito pretoriano, como demonstram

os precedentes do STF:

Habeas corpus. Prescrição antecipada ou em perspectiva. Ordem denegada.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fi rmou-se contrariamente à tese da chamada prescrição antecipada ou em perspectiva. Precedentes: RHC n. 94.757, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe-206 de 31.10.2008; Inq n. 1.070, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 1º.07.2005; HC n. 83.458, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 06.02.2004; e HC n. 82.155, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 07.03.2003.

Ordem denegada.

(HC n. 96.653-CE, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 29.09.2009)

Agravo regimental no agravo de instrumento. Criminal. Atos obcenos. Matéria infraconstitucional. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. Prescrição em perspectiva. Impossibilidade. Precedentes.

1. Controvérsia decidida à luz de norma infraconstitucional. Ofensa indireta à Constituição do Brasil.

2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem confi gurar, quando muito, situações de violação meramente refl exa do texto da Constituição.

3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífi ca no sentido de não admitir a prescrição antecipada pela pena em perspectiva.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AI n. 728.423-SP, Rel. Ministro Eros Rau, Segunda Turma, DJ 26.05.2009)

MÉRITO DA ACUSAÇÃO

PRIMEIRO FATO

PECULATO-APROPRIAÇÃO DO CHEQUE DE R$ 601.315,00

(ART. 312, CAPUT NA FORMA DO ART. 29, CAPUT, TODOS DO

CÓDIGO PENAL)

Segundo a denúncia, em 16 de fevereiro de 2001, Natanael José da Silva e

Francisco de Oliveira Pordeus, Presidente e Diretor do Departamento Financeiro

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da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, respectivamente, mediante

acordo prévio de vontades, emitiram, a débito da conta corrente de n. 350-

07762-3000-9, mantida pelo órgão por eles dirigido, Banco Sudameris, agência

n. 350 de Porto Velho-RO, o cheque de n. 004847, no valor de R$ 601.315,00

(seiscentos e um mil, trezentos e quinze reais) como comprovam os docs. de fl .

103-107 do Apenso I e o doc. de fl . 1.320 do Apenso V.

A ordem de pagamento foi apresentada ao banco no mesmo dia 16, uma

sexta-feira, pelo Diretor Financeiro Francisco Pordeus, o qual reteve consigo o

valor de R$ 1.315,00 (mil, trezentos e quinze reais), entregando o restante (R$

600.000,00) à empresa Transeguro para serem guardados até o dia seguinte

(sábado) e transportados para a sede da Distribuidora de Bebidas São Miguel

Arcanjo Ltda (Dismar), empresa que tem o denunciado Natanael José da Silva

sócio majoritário como evidencia o contrato social de fl . 348-368 do Apenso I.

Ainda de acordo com o MPF, a importância foi efetivamente entregue na

empresa Dismar à denunciada Irene Becaria de Almeida Moura, funcionária de

confi ança de Natanael.

Considera o parquet que os denunciados Natanael, Francisco Pordeus

e Irene, unidos por liame subjetivo, mediante prévio acordo de vontades,

apropriaram-se, de forma indevida, do valor de R$ 601.315,00, pertencente à

Assembléia Legislativa. Os dois primeiros utilizando-se do cargo público que

ocupavam e a terceira equiparada a funcionária pública, diante da circunstância

fática elementar ao crime de apropriação indébita.

Na versão da defesa de Natanael e Francisco Pordeus, tomaram eles a

atitude de sacar o valor indicado na ordem de pagamento e procederam como

descreveu o MPF para realizarem o pagamento aos servidores comissionados da

Assembléia.

Transcrevo trecho do interrogatório prestado pelo denunciado Natanael

que, com relação ao delito de peculato-apropriação a ele imputado, afi rmou em

Juízo que:

de referência ao 2º episódio que diz respeito ao cheque de R$ 601.315,00, sacado do banco Sudameris de que fala a denúncia, quer o interrogado dizer que ao assumir a Presidência da Assembléia Legislativa em 1º de fevereiro de 2001, já tinha informação de que na Assembléia havia a chamada folha de pagamento paralela, na qual fi guravam nomes que não eram de servidores comissionados da Casa;

(...)

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 53

que então combinou com seu diretor fi nanceiro Francisco Pordeus de fazerem um enxugamento na folha, sacando os valores correspondentes à mesma e efetuando os pagamentos a cada um dos comissionados pessoalmente; que então no dia 16 de fevereiro para uma folha de mais ou menos R$ 1.250.000,00 o interrogado determinou o saque do valor indicado na denúncia, ou seja R$ 601.315,00; que este cheque foi sacado e o valor entregue à empresa de segurança Transeguro para ser guardado até que fosse feito o pagamento;que então pensou o interrogado em resolver o problema pegando o dinheiro sacado e que estava na posse da Transeguro; que o dinheiro fi cou guardado naquela empresa, porque embora não fosse possível fazer rapidamente um contrato da empresa com a Assembléia, o interrogando pediu para que a funcionária de sua empresa, de nome Irene, usasse o contrato que a empresa tinha com a Transeguro e desta forma, poderia ser feita guarda do numerário; que no dia seguinte no sábado mesmo o dinheiro foi entregue na Dismar porque o contrato só dava cobertura do transporte da Transeguro para a Dismar e da Dismar para a Transeguro;

(fl . 622-623)

O acusado Francisco Pordeus alega que reteve consigo o valor de R$

1.315,00 em razão da informação passada pela empresa Transeguro de que

seria mais apropriado que o valor transportado pela empresa de segurança fosse

redondo, ou seja, R$ 600.000,00. Afi rma não haver qualquer prova nos autos

de ter ele se apropriado de R$ 1.315,00, tendo desempenhado suas funções na

Assembléia Legislativa sob o primado da ética e da moral (fl . 812-816). Colho

trecho do seu interrogatório:

que confirma o depoente ter emitido juntamente com Natanael José da Silva, em nome da ALE/RO, o cheque no valor de R$ 601.315,00, em favor da própria ALE/RO na data de 16.02.2001, em uma sexta-feira; que na mesma data da emissão do cheque o interrogando esteve na agência no Banco Sudameris e efetuou o saque daquela quantia retendo consigo a importância em dinheiro de R$ 1.315,00, sendo que o restante R$ 600.000,00 foram entregues à empresa de transporte de valores Transeguros para que conduzisse aquele montante em dinheiro até o estabelecimento da empresa Dismar;

(...)

que esclareceu o interrogando que na época a ALE/RO estava sem segurança para guardar a quantia antes mencionada e que o Presidente da ALE resolveu deixar aquele montante na empresa Dismar porque esta tinha contrato com a empresa de transporte Transeguros e a ALE não possuía contrato de prestação daquele serviço; que o valor de R$ 600.000,00 se destinava ao pagamento de servidores comissionado da ALE; que não sabe informar quantos eram aqueles servidores; que o interrogando destinou a quantia de R$ 1.315,00 juntamente com os R$ 600.000,00 para pagamento da folha alusiva aos servidores comissionados

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da ALE/RO; que o pagamento dos servidores comissionados ocorreu num sábado, dia 17.02.2001;

(fl . 812-813)

Para Irene Becaria de Almeida Moura não há nos autos prova alguma que

a incrimine. Como funcionária da empresa Dismar, cuidou tão-somente de

cumprir as ordens do seu patrão Natanael, recebendo o valor transportado pela

Transeguro. Dá a seguinte versão aos fatos: entrou em contato com a Transeguro

com o único objetivo de cientifi car-se acerca do procedimento para transporte

do valor mencionado pelo denunciado Natanael, tendo recebido informação

de funcionário da empresa de segurança que o serviço só poderia ser feito se

fi rmado contrato antecedentemente. Como a Assembléia não era cliente da

empresa de segurança, recebeu Irene ordem de Natanael para que fosse feito

o serviço em nome da sua empresa, a Dismar, pois a mesma já era cliente da

Transeguro. Confi ra-se trecho do seu interrogatório:

A interroganda trabalha na empresa Dismar desde setembro de 1985. Sua função na empresa sempre foi de gerente fi nanceiro. Confi rma que o denunciado Natanael era e continua sendo sócio da empresa Dismar. A interroganda não tomou conhecimento prévio da emissão do cheque no valor de R$ 601.315,00. Acerca do transporte do valor de R$ 600.000,00 a interroganda esclarece que na sexta-feira, dia 16 de fevereiro de 2001, recebeu ligação do denunciado Natanael solicitando informações acerca do procedimento de transporte de valores por intermédio de carro-forte, esclarecendo que seria preciso transportar uma certa quantia para a Assembléia Legislativa e o mesmo não sabia qual procedimento a ser seguido. A interroganda então logo em seguida, entrou em contato com funcionário da empresa Transeguro, com quem a Dismar mantinha contrato para transporte de valores e pediu esclarecimentos acerca da possibilidade da referida empresa (Transeguro) transportar valores para a Assembléia Legislativa. A interroganda foi informada pelo Sr. Benedito, funcionário da Transeguro, encarregado da tesouraria, que o transporte de valores só se realizava mediante prévio contrato entre a Transeguro e a empresa que necessitasse do respectivo serviço. Disse, portanto, que sem a existência de contrato não seria possível o transporte de nenhum valor para a Assembléia Legislativa. Recebida essa informação, no mesmo dia, a interroganda retornou a ligação para o denunciado Natanael, informando-o do procedimento de transporte de valores e da necessidade de prévio contrato para que a Transeguro realizasse os seus serviços. Decorrido algum tempo, o denunciado Natanael novamente ligou para a interroganda, informando que a realização de contrato com a Transeguro e a Assembléia Legislativa dependeria de prévio procedimento de licitação e, como era necessário o transporte imediato de valores para a Assembléia Legislativa,

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 55

solicitou a interroganda que consultasse a empresa Transeguro para se informar acerca da possibilidade do transporte dos numerários da Assembléia Legislativa ser realizado em nome da empresa Dismar, utilizando-se do contrato existente entre a Dismar e a Transeguro. Novamente a interroganda contactou a empresa Transeguro para saber da possibilidade do transporte de valores da Assembléia Legislativa fazendo uso do contrato que possuía com a empresa Dismar, ocasião em que foi informada pelo senhor Benedito que a Transeguro poderia sim transportar dinheiro pertencente à Assembléia Legislativa, mas que todo o procedimento seria necessariamente feito em nome da empresa Dismar, além de que todos os valore deveria ser entregue na sede desta empresa.

(...)

No sábado, dia 17 de fevereiro de 2001, a Transeguro transportou o valor de R$ 600.000,00, pertencente à Assembléia Legislativa até a sede da empresa Dismar, isso por volta da 08:30 às 09:00 da manhã. Na sede da empresa a interroganda foi quem recebeu os malotes contendo a importância já referida, assinando, em razão disso, a guia de transporte n. 001857. Foi só nessa ocasião que a interroganda tomou conhecimento de que o valor transportado era de R$ 600.00,00.

(fl . 659-660)

Para justificarem a conduta dizem que os pagamentos seriam feitos

diretamente aos servidores comissionados que comparecessem no dia 17,

sábado, à Dismar, porque havia muitos servidores “fantasmas” na folha de

comissionados da Assembléia e a providência era necessária para evitar lesão aos

cofres públicos.

Para Natanael o pagamento de forma pessoal é autorizado pela legislação

que regula o tema, tanto que a Resolução Administrativa n. 003 do Tribunal de

Contas Estadual, no art. 50, § 2°, dispõe que o pagamento de despesas somente

será feito mediante ordem bancária ou cheque nominativo quando possível,

dando opção quanto ao pagamento pessoal.

O fato imputado aos três denunciados Natanael, Francisco Pordeus e

Irene, da forma descrita e contraditada, foi tipifi cada como delito de peculato-

apropriação do valor de R$ 601.315,00, constante do artigo 312, caput, do

Código Penal:

Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

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Cezar Roberto Bittencourt, dissertando sobre a adequação típica do delito

de peculato-apropriação, preceitua que:

O verbo apropriar-se tem o signifi cado de assenhorear-se, tomar como sua, apossar-se; apropriar-se é tomar para si, isto é, inverter a natureza da posse, passando a agir como se dono fosse da coisa móvel pública, de que tem posse ou detenção.

(...)

A consumação do crime e, por extensão, o aperfeiçoamento do tipo coincidem com aquele em que o agente, por ato voluntário e consciente, inverte o título da posse, passando a reter o objeto material do crime (dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel) como se dono fosse (uti dominus).

(...)

O animus rem sibi habendi, também característico do crime de peculato, precisa fi car demonstrado. Se o agente não manifesta a intenção de fi car com a res e, ao contrário, a restitui à repartição, de pronto, o dolo do peculato-apropriação não se aperfeiçoa.

(Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. P. 16-18)

Natanael e Francisco Pordeus, como servidores públicos, utilizando-se dos cargos que ocupavam junto ao Poder Legislativo do Estado, emitiram, a débito da conta corrente de n. 350-07762-3000-9, mantida pela Assembléia Legislativa do Estado, no banco Sudameris, agência n. 350 de Porto Velho-RO, o cheque de n. 004847, no valor de R$ 601.315,00 (microfi lmagem de fl . 2.338-2.339).

Em nenhum momento da instrução criminal os acusados Natanael e Francisco negaram a autoria das assinaturas subscritas no referido cheque. Ao contrário, desde o início da persecução criminal confi rmaram a emissão, muito embora tenham dado versão inverossímil: tiveram a intenção de realizar o pagamento parcial da folha de comissionados da Assembléia Legislativa no mês de janeiro de 2001 (conforme aposto no verso do cheque), o que teria sido feito no dia aprazado, 17 de janeiro de 2009.

Afi rmam que o pagamento dos servidores comissionados foi realizado no sábado, dia 17.02.2001, na sede da Assembléia Legislativa.

A versão não sobrevive sequer a uma verifi cação perfunctória.

Prescrevem os arts. 63, 64 e 65 da Lei n. 4.320/1964 (diploma que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal) que:

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 57

Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verifi cação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

§ 1° Essa verifi cação tem por fi m apurar:

I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

II - a importância exata a pagar;

III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;

II - a nota de empenho;

III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.

(...)

Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga.

Parágrafo único. A ordem de pagamento só poderá ser exarada em documentos processados pelos serviços de contabilidade.

Art . 65. O pagamento da despesa será efetuado por tesouraria ou pagadoria regularmente instituídos por estabelecimentos bancários credenciados e, em casos excepcionais, por meio de adiantamento.

Interpretando as principais expressões contidas na lei temos, na lição de

Valdecir Pascoal:

Pagamento é o ato pelo qual o Estado faz a entrega do numerário correspondente, recebendo a devida quitação.

(...)

A ordem de pagamento só poderá ser consignada em documentos processados pelos serviços de contabilidade do órgão.

(grifo nosso)

(Direito Financeiro e Controle Externo. Niterói: Impetus, 2002. P. 72)

No âmbito do Estado de Rondônia, vigorava, à época dos fatos, a Resolução

Administrativa n. 003, editada pelo Tribunal de Contas que, em seu art. 50, § 2°,

prescrevia:

O pagamento de despesas, obedecidas as normas que regem a execução orçamentária, far-se-á, quando possível, mediante ordem bancária ou cheque

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nominativo, contabilizado pelo órgão competente e obrigatoriamente assinado pelo ordenador de despesa e pelo encarregado do setor fi nanceiro.

Ainda no âmbito estadual, vigorava a Resolução n. 031, da Secretaria da

Fazenda que, no art. 3° estabelecia:

O pagamento de vencimentos, salários, proventos e vantagens aos servidores do Estado será feito por meio de crédito em conta corrente credenciado pelo Estado, mediante a entrega das listagens a ser creditada a cada um e a correspondente ordem bancária, pelo valor global dos créditos.

Tem-se que o sistema de execução das despesas públicas, compreendendo

desde a fase de empenho, passando pela liquidação e chegando ao pagamento,

encontra-se regulado pelas normas gerais da Lei Federal n. 4.320/1964, diploma

com o qual as normas estaduais e municipais devem guardar compatibilidade.

Afi rma o denunciado Natanael, em sua defesa, que o art. 50, § 2°, da

Resolução Administrativa n. 003, editada pelo Tribunal de Contas Estadual,

prescreve que o pagamento de pessoal somente será realizado por meio de

cheque nominativo ou ordem bancária, quando estas opções mostrarem-se

possíveis.

Entendo, contudo, que tal raciocínio não subsiste a uma interpretação

sistemática das regras de controle da despesa pública.

A versão apresentada pelos denunciados Natanael (ex-Secretário Estadual

de Saúde e ex-gerente do banco estadual de Rondônia) e Francisco Pordeus

(responsável direto pela gestão do departamento fi nanceiro da Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia, ex-funcionário do Banco do Brasil e

consultor fi nanceiro, não pode ser crível, como constatado pela testemunha de

defesa Swamy Hatzinakis - fl . 1.169). Para ela a experiência de ambos no trato

com fi nanças e com a coisa pública, não poderia confundí-los, pois contraria

visivelmente o estabelecido nos arts. 63, 64 e 65 da Lei Federal n. 4.320/1964.

A opção adotada pelos agentes públicos, emissão de cheque nominal

endossado, tornando-o ao portador, para pagamento de despesa pública,

confi gura pagamento de despesa sem anterior liquidação e desprovida de ordem

de pagamento, exarada por serviço de contabilidade (providência necessária, nos

termos do art. 64 da Lei n. 4.320/1964), é condenável de qualquer ângulo que se

analise, ocasionando a quebra do controle da despesa pública.

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O procedimento para realização da despesa pública foi concebido com o

escopo de propiciar o controle efetivo na gestão do erário e deve ser estritamente

obedecido, sob pena de responsabilização do agente público responsável. Afi nal,

a realização de gastos com pessoal deve seguir estritamente o princípio da

legalidade e o trâmite estabelecido em lei, viabilizando o exercício da fi scalização

por parte do órgão competente, comprovando a Administração o cumprimento

do seu dever de remunerar o trabalho dos funcionários.

Ressalvo que, em razão da existência da Resolução n. 003 do Tribunal de

Contas do Estado de Rondônia, admitir-se-ia a viabilidade do pagamento da

folha de comissionados mediante a emissão de cheque nominativo, mas jamais

por meio de pagamento em dinheiro, passando pela empresa de propriedade do

Presidente da Assembléia. O proceder descrito na denúncia e confi rmado pelos

próprios denunciados, além de não ter respaldo legal, prejudica a constatação do

devido emprego da verba, para o fi m específi co de pagamento de pessoal.

Ademais, constata-se que os denunciados não carrearam para os

autos documento comprobatório de que o montante sacado foi empregado

efetivamente para pagamento dos comissionados.

Para os denunciados só seria possível a acusação se demonstrado, por

meio da quebra do sigilo bancário, que o valor sacado da conta da Assembléia

Legislativa tenha sido creditado em alguma das contas em nome dos réus.

Revela-se pertinente o fato de não haver nos autos nenhum recibo de

quitação fornecido pelos comissionados ao receberem os seus salários

pessoalmente, nem tampouco restou provado por qualquer outro meio, sequer

por testemunha.

O denunciado Natanael apenas suscitou, quando das alegações fi nais,

estar sendo perseguido pelo Ministério Público. Disse textualmente: “desde

a sua posse no cargo de Presidente da Assembléia Legislativa (ocorrida no

dia 1º.02.2001), passou a sofrer perseguição por parte do Ministério Público

Estadual”. Chegou a dizer Natanael que os recibos de pagamento dos

comissionados e assim identifi cados foram apreendidos pelo MP que os reteve

em seu poder, sem juntar aos autos para persegui-lo.

Entendo que, para identifi cação dos tais “servidores fantasmas”, havia

outros meios mais simples e efi cazes. Sendo bastante o recadastramento dos

servidores comissionados lotados na Assembléia.

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É também estranho que tenham os denunciados escolhido um sábado para efetuarem o pagamento, dia que não há expediente normal nos órgãos públicos.

No que tange à alegada retenção dos documentos por parte do Ministério Público, verifica-se que todo o material apreendido na primeira etapa da diligência, realizada no prédio da Assembléia Legislativa, foi devolvido (doc. de fl . 55 do Apenso I).

Ademais, se cotejadas as afi rmações constantes das declarações de Natanael com as de Francisco Pordeus, vamos encontrar diversas contradições, o que torna vulneráveis as versões fáticas fornecidas por ambos. Vejamos.

Sobre a imputação do delito de peculato-apropriação ora examinada, tem-se que o denunciado Natanael, quando interrogado em Juízo (fl . 622-623),

afi rmou:

“...que ao assumir a Presidência da Assembléia Legislativa em 1° de fevereiro de 2001, já tinha a informação de que na Assembléia havia a chamada folha de pagamento paralela, na qual fi guravam nomes que não eram de servidores comissionados da Casa;

(...)

que então combinou com seu diretor fi nanceiro, Francisco Pordeus de fazerem um enxugamento na folha, sacando os valores correspondentes à mesma e efetuando os pagamentos a cada um dos comissionados, pessoalmente; que então no dia 16 de fevereiro, para uma folha de mais ou menos R$ 1.200.000,00, o interrogado determinou o saque do valor indicado na denúncia, ou seja R$ 601.315,00; que este cheque foi sacado e o valor entregue à empresa de segurança Transeguro, para ser guardado até que fosse feito o pagamento; que então pensou o interrogado em resolver o problema pegando o dinheiro sacado e que estava na posse da Transeguro; que o dinheiro fi cou guardado naquela empresa, porque embora não fosse possível fazer rapidamente um contrato da empresa com a Assembléia, o interrogado pediu para que a funcionária de sua empresa, de nome Irene, usasse o contrato que a empresa tinha com a Transeguro e desta forma, poderia ser feita a guarda do numerário; que no dia seguinte, no sábado mesmo, o dinheiro foi entregue na Dismar porque o contrato só dava cobertura do transporte da Transeguro para a Dismar e da Dismar para a Transeguro; da Dismar, o interrogado ordenou fosse levado o dinheiro para a Assembléia, e no sábado mesmo, iniciou o pagamento, pois muitos servidores estavam ansiosos por receber, eis que já estava atrasado o pagamento, pois, se referia à folha do mês de janeiro. Que, inclusive, no dia 19, segunda-feira, verificou-se a necessidade de complementação, sendo então feito o saque de mais um cheque no valor de R$ 179.000,00 mais ou menos; que com esta sistemática a folha, ao fi nal, foi de aproximadamente R$ 780.000,00 para uma previsão de R$ 1.250.000,00;

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(...)

que reconhece o interrogado que não fez a coisa certa, mas a sua inexperiência no serviço público o levou a agir da maneira que lhe pareceu mais rápida e efetiva; que a sua inexperiência era na área fi nanceira, pois só trabalhara em banco e antes de ser Presidente da Assembléia, fora Secretário de Saúde, tendo alguma experiência burocrática, mas não fi nanceira;

Francisco de Oliveira Pordeus, no interrogatório judicial asseverou (fl . 812-

813):

que confirma o depoente ter emitido juntamente com Natanael José da Silva, em nome da ALE/RO o cheque no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos e um mil, trezentos e quinze reais), em favor da própria ALE/RO, na data de 16.02.2001, em uma sexta-feira; que na mesma data da emissão do cheque o interrogando esteve na agência no banco Sudameris e efetuou o saque daquela quantia retendo consigo a importância em dinheiro de R$ 1.315,00 (mil e trezentos e quinze reais), sendo que os restantes R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) foram entregues à empresa de transportes de valores Transeguros para que conduzisse aquele montante em dinheiro até o estabelecimento da empresa Dismar, Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda; que o transporte do montante de R$ 600.000,00 do banco ao estabelecimento da empresa Dismar através da fi rma de transporte de valores Transeguros, ocorreu na mesma data que o interrogando esteve no banco para sacar o dinheiro, ou seja, 16.02.2001; que esclareceu o interrogando que na época a ALE/RO estava sem segurança para guardar a quantia antes mencionada e que o Presidente da ALE resolveu deixar aquele montante na empresa Dismar, porque esta fi rma tinha contrato com a empresa transp. de valores Transeguros e que a ALE não possuía contrato de prestação daquele serviço; que o valor de R$ 600.000,00 se destinava ao pagamento de servidores comissionados da ALE; que não sabe informar quanto eram aqueles servidores; que o interrogando destinou a quantia de R$ 1.315,00 juntamente com os R$ 600.000,00 para pagamento da folha alusiva aos servidores comissionados da ALE/RO; que o pagamento dos servidores comissionados ocorreu no prédio da ALE/RO, num sábado, dia 17.02.2001; que não se recorda do horário que esteve na agência bancária para sacar o cheque de R$ 601.315,00 sabendo dizer ter sido durante o horário de atendimento ao público; que a ALE/RO resolveu efetuar o pagamento dos servidores comissionados e apurar a existência de servidores “fantasmas”; que sabe informar que houve constatação da existência de servidores “fantasmas” não sabendo informar quantos; que não sabe precisar quanto, mas sabe dizer que sobrou dinheiro daquele montante destinado ao pagamento de servidores comissionados que ocorreu no sábado, 17.02.2001; que sabe informar que o valor antes referido, que sobrou do montante destinado ao pagamento dos servidores comissionados retornou à conta da ALE/RO por meio de depósito bancário;

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(...)

que estava presente no momento em que o pagamento estava sendo efetuado além do interrogando, o presidente da ALE, ora acusado Natanael, e quatro funcionários da ALE, não se recordando quais eram tais funcionários.

(...)

que não tem recordação de que tenha havido demissão de servidores fantasmas;

que antes de fevereiro de 2001, os servidores comissionados da ALE recebiam o salário depositado em contas bancárias;

que nos meses de março, abril, maio e junho, os pagamentos não mais foram feitos em espécie, passando a serem feitos por meio de depósito bancário, da mesma forma que os demais servidores efetivos;

Decompondo-se e cotejando os dois textos podemos destacar os desacertos

seguintes:

1a) enquanto Natanael afi rma que o valor arrecadado com o saque do cheque

de R$ 601.315,00 não foi sufi ciente para cobrir a folha de comissionados do mês

de janeiro de 2001, tendo sido necessário a emissão de outro cheque no valor de R$

179.000,00;

b) o acusado Francisco Pordeus alegou que sobrou dinheiro do montante

sacado com a emissão do cheque de R$ 601.315,00, quantia essa que, segundo

Francisco, teria sido devolvida aos cofres da Assembléia, fato não comprovado com

a quebra do sigilo bancário.

Verifi ca-se, portanto, que os denunciados não estão acordes, sequer com

a quantia sacada, o que contribui para demonstrar a insubsistência da tese de

defesa.

2) o denunciado Francisco alegou não ter tido notícia de que tenha havido

demissão de supostos servidores “fantasmas”, dado relevante para a aferição da

autoria do delito de peculato ora examinado, já que demonstra a insubsistência

da tese de defesa dos acusados Natanael e Francisco de que o pagamento

realizado com a presença dos servidores foi levado a termo com o escopo de

expungir do quadro da Assembléia os comissionados “fantasmas”.

Ora, caso fosse crível que o saque da quantia de R$ 601.315,00, da conta da

Assembléia Legislativa, tivesse sido efetuado com o fi m de expungir da folha de

comissionados os servidores “fantasmas”, seria razoável e até mesmo necessário,

como decorrência lógica do princípio da moralidade, que Natanael, na qualidade

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 63

de Presidente da Casa e responsável pela idéia de emissão do referido cheque,

houvesse determinado a instauração de processo administrativo para demitir os

tais servidores que não compareceram no sábado, dia 17.02.2001 (consigno que

até mesmo o dia escolhido pelos denunciados para efetuar o pagamento dos

comissionados não contribui muito para a acolhida da tese de defesa).

3) outro fato que corrobora a veracidade da acusação, esvaziando a tese

da defesa advém da análise da folha de comissionados da Assembléia Legislativa,

referente ao mês de janeiro de 2001, juntada às fl . 710-836 do Apenso n. III,

documento apreendido na primeira etapa da diligência de busca e apreensão

realizada no prédio da Assembléia Legislativa, arrecadado pelo Ministério

Público. Pelo documento a folha não passou de R$ 299.327,81 (duzentos e

noventa e nove mil, trezentos e vinte e sete reais e oitenta e hum centavos),

quantia bem inferior ao cheque que deu causa ao oferecimento da denúncia

e mais baixo ainda do valor de R$ 1.200.000,00 (hum milhão e duzentos mil

reais), montante que segundo Natanael era o valor da folha comissionada para

janeiro de 2001. Assinale-se que nos meses seguintes as folhas não passaram

de quatrocentos mil reais (fevereiro - R$ 330.835,83 (fl . 838-964); março - R$

357.509,79 (fl . 970-1.112)), valor infi nitamente menor do que os indicados por

Natanael.

4) outro ponto de discordância entre os denunciados merece destaque. No

interrogatório a denunciada Irene Becaria disse o seguinte:

Quando o dinheiro chegou na empresa Dismar só estava presente no local da tesouraria, onde o dinheiro foi entregue, a interroganda. Após concluído o procediemnto de entrega de valores, a interroganda ligou para o denunciado Natanael, informando que o dinheiro já estava na empresa e que o mesmo poderia vir retirá-lo. Depois de alguns minutos a interroganda se recorda que o denunciado Natanael e Francisco Pordeus estiveram na tesouraria da empresa Dismar para pegar a quantia que havia sido transportada pela empresa Transeguro. A interroganda não sabe informar o que foi feito com o dinheiro a partir desse momento.

(fl . 660)

Entretanto Natanael afirma, no interrogatório, ter ordenado que o

dinheiro fosse transportado da empresa Dismar para a Assembléia Legislativa,

a denunciada Irene af irma que tanto Natanael quanto Francisco Pordeus

compareceram pessoalmente à sede da Dismar no sábado e levaram o dinheiro

público consigo;

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5) revela-se, ainda, incoerente a alegação da defesa de que o dinheiro sacado

da conta da Assembléia Legislativa foi transportado pela empresa Transeguro sob

o argumento de que esta empresa preservaria com segurança a verba pública.

Ora, caso fosse esse o objetivo dos denunciados Natanael e Francisco, por que então, após a entrega do valor na Dismar, não cuidaram de realizar o transporte da verba pública, sem qualquer segurança, para a sede da Assembléia Legislativa?

Seria mais apropriado que tivessem feito, pessoalmente, o transporte do montante da sede da Transeguro diretamente para a sede da Assembléia Legislativa, sem passar pela sede da empresa Dismar, da qual Natanael é sócio majoritário.

Pelos fatos aqui demonstrados e pelos indícios reunidos na instrução, tenho por comprovados os fatos descritos na denúncia envolvendo os denunciados Natanael José da Silva e Francisco de Oliveira Pordeus.

Sobre a validade da microfi lmagem de cheque como prova material de delito, confi ra-se o teor do art. 1°, § 1°, da Lei n. 5.433/1968 (diploma que

regula a microfi lmagem de documentos):

Art. 1º É autorizada, em todo o território nacional, a microfilmagem de documentos particulares e ofi ciais arquivados, êstes de órgãos federais, estaduais e municipais.

§ 1º Os microfi lmes de que trata esta Lei, assim como as certidões, os traslados e as cópias fotográfi cas obtidas diretamente dos fi lmes produzirão os mesmos efeitos legais dos documentos originais em juízo ou fora dêle.

A tese da defesa de que o valor de R$ 601.315,00 foi sacado para fazer

frente à folha de comissionados da Assembléia Legislativa referente ao mês

de janeiro de 2001 não encontrou guarida na prova produzida na instrução

criminal. Pelo contrário, confrontados os interrogatórios prestados pelos

denunciados restou demonstrada a existência de contradições sobre fatos que

deveriam mostrar-se indene de dúvidas, tal como a sufi ciência do valor sacado

para cobrir a despesa com os comissionados.

Sobre a tese de que a prova indiciária fundamenta a condenação, Adalberto

José Aranha preceitua:

Embora não leve à certeza, a jurisprudência tem admitido a condenação quando a prova indiciária for veemente ou então quando várias pequenas circunstâncias sejam concordes até em detalhes.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 65

(...)

Por indício veemente entende-se aquele que, dada a sua natureza, permite razoavelmente afastar todas as hipóteses favoráveis ao acusado.

(Da prova no Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 213)

Nesse sentido, Marcellus Polastri Lima afi rma que:

Adotado o principio do livre convencimento e não existindo hierarquia entre as provas no processo penal, a prova indiciária ou circunstancial é válida e prevista no art. 239 do Código de Processo Penal, e, segundo a jurisprudência:

Os indícios integram o sistema de articulação de provas e valem por sua idoneidade e pelo acervo de fatores de convencimento (TACRIM-SP, RJDTACRIM, 7/149).

Assim, perante nosso ordenamento jurídico, a prova indiciária tem o mesmo valor de outras provas e, consoante já alertava Paolo Tonini, perante o direito italiano, “a gravidade dos indícios se atem ao grau de convencimento: são graves os indícios que são resistentes às objeções e, que, portanto, tenham uma elevada persuatividade. Os indícios são precisos quando não são suscetíveis de outras interpretações diversas”.

(Curso de Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 195)

A versão apresentada pela defesa revelou-se ainda mais insubsistente quando examinados os pontos controvertidos contidos nos interrogatórios, como destacado acima, sendo importante chamar atenção para fato da maior relevância: não há registro nos autos, ou prova ofi cial, de demissão dos supostos servidores “fantasmas”. Há apenas recortes de jornais colacionados pelo réu Natanael (fl . 1.704-1.717), documentos que não possuem o condão de comprovar a assertiva.

Os indícios reunidos na instrução criminal e a prova produzida em Juízo, de forma convergente, apontam para uma conclusão segura: os denunciados Natanael José da Silva e Francisco de Oliveira Prodeus, utilizando-se das facilidades que seus cargos lhes proporcionavam, apropriaram-se de dinheiro público, cometendo o delito de peculato na modalidade apropriação, capitulado no art. 312, caput, (primeira parte, na forma do art. 29, caput, (concurso de pessoas), ambos do Código Penal.

Em relação à conduta da denunciada Irene Becaria de Almeida Moura, reputo que não há prova suficiente para embasar a sua condenação como partícipe ou co-autora do delito de peculato na modalidade apropriação.

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Da prova produzida na instrução criminal, tem-se que a acusada limitou-

se a atuar obedecendo as ordens de Natanael, seu empregador e superior

hierárquico.

Os depoimentos prestados pelos denunciados Natanael, Francisco Pordeus e

Irene afi rmam sem distorção alguma, ser Irene funcionária da empresa Dismar, e

como tal atendeu às ordens de Natanael.

Assim, em razão da ausência de prova ou indício de domínio funcional do

fato por parte da ré e por não ter sido demonstrada nenhuma conduta hábil a

ser enquadrada como espécie de participação moral ou material no delito ora

examinado, carece de base probatória a acusação do delito de peculato praticado

pela denunciada Irene.

SEGUNDO FATO

PECULATO-DESVIO

O Ministério Público imputou ao denunciado Natanael José da Silva a

prática de peculato na modalidade desvio, tipifi cado no art. 312, caput, (segunda

parte), na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Afi rma que, com a quebra do sigilo bancário da conta da Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia, junto ao banco Sudameris, restou apurado

que, no período de janeiro a abril de 2001, 55 (cinquenta e cinco) cheques

administrativos nominais a pessoas físicas diversas foram sacados, totalizando

R$ 207.855,20 (Apenso V), valor este creditado na conta junto ao Bradesco, de

titularidade da empresa Dismar (Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo

Ltda), da qual o denunciado é sócio majoritário (ordem judicial de quebra do

sigilo bancário da empresa Dismar - fl . 373 e 512/694 do Apenso II).

Assevera o parquet que se constata no verso dos 55 (cinquenta e cinco)

cheques, subscritos por Natanael e Francisco de Oliveira Pordeus, a aposição de

carimbo do Bradesco atestando que os valores consignados nos citados títulos

foram creditados na conta n. 15.550-0, agência 2167, mantida pela Dismar.

Para o Ministério Público, tal fato caracteriza delito continuado pois os

55 (cinquenta e cinco) cheques da Assembléia Legislativa foram emitidos pelo

denunciado Natanael, com o escopo de desviar verba pública para aplicação em

proveito próprio, em continuidade delitiva.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 67

A análise deste fato está inteiramente voltado para a conduta de Natanael

José da Silva, já que apesar de confi gurada, em tese, a prática do delito de

peculato-desvio, por parte de Francisco de Oliveira Pordeus, o Ministério

Público não cuidou de incluir este agente na exordial acusatória quanto a este

acontecimento.

Segundo o parquet, Natanael, em interrogatório judicial, disse que os

cheques nominativos foram subscritos pelo acusado e emitidos pela Assembléia

Legislativa com o fi m de remunerar servidores comissionados e que as ordens

de pagamento foram endossadas pelos benefi ciários e por eles trocadas na

Dismar, estabelecimento de grande porte na cidade de Porto Velho-RO e que,

por isso mesmo, está acostumado a realizar esse tipo de operação. Eis a palavra

do denunciado:

que embora o Ministério Público afi rme que, dos 55 cheques, 5 são de pessoas que disseram não terem recebido o valor da ordem de pagamento. Nos próprios autos, além dos 5 nomes, mais 3 depoimentos afi rmam que foram de pessoas que receberam os valores indicados nos cheques, fatos este que não veio a ser objeto de manifestação do Ministério Público; que, ao contrário, o Ministério Público indica estes 3 depoimentos como sendo de pessoas que não reconheceram o pagamento; que estes cheques foram recebidos pelos próprios favorecidos no mês de março e abril, na empresa do interrogado; que inclusive é possível obter da Assembléia os documentos referentes aos recibos de pagamento; que a empresa do interrogado tem por hábito trocar cheques com pessoas conhecidas que procuram para este fim, inclusive na relação dos 55 nomes, interrogado identifi cou 2 nomes como sendo de seus motoristas, que receberam pagamentos referentes a diárias e tendo de viajar e estando os bancos fechados, procuraram trocar esses cheques na empresa do interrogado;

(fl . 621)

Sobre este específi co fato, troca dos cheques dos comissionados na Dismar,

disse Irene Becaria de Almeida Moura, quando interrogada em Juízo:

A interroganda esclarece que é comum a empresa Dismar trocar cheques de terceiros, uma vez que esse procedimento de certa forma dá maior segurança aos valores que ficam guardados no caixa da empresa. A interroganda esclarece, outrossim, que esse procedimento não é realizado com qualquer pessoa; depende da origem dos cheques; é preciso que o mesmo seja bom. Em razão desse procedimento a interroganda afi rma que alguns cheques emitidos pela Assembléia Legislativa foram descontados na sede da empresa Dismar.

(fl . 660)

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Para este episódio sustenta a defesa duas razões que justifi cam o agir de

Natanael:

a) os cheques nominativos foram emitidos pela Assembléia Legislativa

com o fi m de remunerar servidores; b) a só juntada de cópias dos cheques não

se mostra sufi ciente para servir de prova material ao delito imputado (fl . 159-

268), porque inviabilizada a aferição da regularidade dos endossos, os quais

demonstrariam a insubsistência da acusação formulada.

Entendo que nesse tópico, algumas premissas devem ser fi xadas acerca da

validade e da sufi ciência da prova.

Os cheques têm as cópias constando dos autos (fl s. 159-268 do Apenso I)

e por elas verifi ca-se terem sido creditados todos os cheques na conta 15.550-0,

agência 2167, do Bradesco, de titularidade da Dismar, fato aliás confi rmado pelo

denunciado, mas criando como desculpa objetivo inteiramente inverossímil: os

cheques foram creditados na conta da Dismar porque os servidores procuraram

a Dismar para trocar os cheques por dinheiro. Daí os endossos em todas as

ordens de pagamento.

Após apresentar a sua justifi cativa, volta-se o denunciado contra o processo

para dizer que a prova produzida nos autos não é sufi ciente para condena-lo por

peculato-desvio, eis que só seria possível aceitar a versão do Ministério Público

por meio de perícia grafotécnica nos endossos apostos nos versos dos cheques,

providência necessária para comprovar que as assinaturas foram apostos pelos

servidores cujos nomes constam nos cheques.

A tese é inteiramente inacreditável. Afinal, em meio a tantos

estabelecimentos existentes na cidade de Porto Velho-RO, exatamente os

55 (cinquenta e cinco) cheques emitidos irregularmente foram todos, sem

exceção, trocados no mesmo dia, um sábado, na empresa de propriedade do

então Presidente da Assembléia Legislativa? Entendo que não há prova hábil a

autorizar a conclusão.

Muito embora não tenham sido periciadas as assinaturas dos endossos,

nem haja perícia afi rmando a falsidade de qualquer delas, da análise das provas

produzidas na instrução tem-se que, pelo menos parte dos mencionados

cheques foram, de fato, utilizados pelo denunciado como meio de desvio de

dinheiro público em seu benefício. E para chegar-se a essa conclusão revela-se

desnecessária a realização de perícia grafotécnica nos mencionados títulos.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 69

Colhe-se da prova testemunhal muitas das conclusões. Por exemplo,

prestou depoimento em Juízo Elianio de Nazaré Nascimento, beneficiado

pelo cheque de fl . 191-192 do Apenso I (emitido no valor de R$ 3.154,07),

oportunidade em que afi rmou:

que, ao tempo dos fatos, era servidor comissionado da Assembléia Legislativa, assessor de imprensa, diretamente vinculado ao Presidente, primeiro réu; que recebia valores mensais da Assembléia, no valor de R$ 3.000,00; que recebia em cheques;

(...)

que o valor relativo ao cheque foi realmente recebido pelo depoente, mas, não endossou o cheque, repassando-o diretamente ao primeiro réu, em pagamento a uma dívida, contraída para aquisição dum veículo Palio; que não sabe quem tenha endossado aquele cheque;

(fl . 917)

Gerson Barbosa Costa (benefi ciado pelo cheque de R$ 3.154,07 - fl . 193-

194 do Apenso I) declarou que:

...trabalhava na assessoria de imprensa da Assembléia Legislativa local; que portanto, recebia um pagamento mensal de cerca de R$ 2.500,00 a R$ 3.000,00; que recebia os pagamentos mensais das mãos do primeiro acusado, em cheque, não se recordando qual ou quais bancos era sacados; que os pagamentos eram feitos com atraso; que comparecia, diariamente, à Assembléia Legislativa; que seu sócio de empresa Elianio de Nazaré do Nascimento também era funcionário de Natanael; que quase todos os jornalistas nesta capital trabalhavam para o primeiro réu, enquanto Presidente da Assembléia Legislativa; que havia uns dez ou mais jornalistas custeados por ele;

(fl . 919)

Luciana do Carmo Becker, benefi ciada com o cheque de R$ 3.879,07 (fl .

165-166 do Apenso I) afi rmou em Juízo:

que, há cerca de quatro anos atrás, trabalhou da Assembléia Legislativa local, era ondontóloga; que cumpria jornada fi xa, das 14h00 às 18h00, todos os dias;

(...)

que seu salário girava entre R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00; que o cargo era comissionado;

(...)

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que de fato, não recebeu o valor de R$ 3.879,07, representado pelo cheque 5066; que, porém, depois de prestar aquele depoimento, em casa, conversando com seu marido Valdir Tschursthentaller Costa, ele lhe afi rmou da prestação dum serviço à Assembléia Legislativa, não especificando qual a natureza, razão do recebimento daquele valor; que ele não informou o porquê do nome da depoente constar do cheque; que o marido da depoente, à época, era repórter cinematográfi co, também prestava serviços para a Assembléia Legislativa, não sabendo se regularmente;

(fl . 1.424-1.425)

Confrontados os nomes dos depoentes acima mencionados com a folha de comissionados da Assembléia Legislativa nos meses de janeiro a abril de 2001 (docs. de fl . 711 do Apenso III às fl . 1.258 do Apenso IV), observa-se que apenas o nome de Elianio de Nazaré Nascimento fi gura como servidor comissionado da Casa Legislativa e, mesmo assim, do doc. de fl . 1.156 extrai-se que este recebia o valor de R$ 623,00 a título de remuneração, valor bem abaixo do que consta no cheque a ele atribuído.

Assim, mesmo sem adentrar na questão da regularidade dos endossos, verifi ca-se que ao menos 02 (dois) dos 55 (cinquenta e cinco) cheques citados na denúncia podem até ter sido emitidos pelo denunciado Natanael com o fi m de remunerar o trabalho de jornalistas, mas não fi guravam eles na folha de pagamento da Assembléia. Poderiam ser até custeados pela Assembléia, mas estavam a serviço pessoal do denunciado, então Presidente da Casa.

Demonstrado, portanto, o desvio de verba pública em proveito do denunciado, desnecessária torna-se a apuração da autenticidade dos endossos.

Cezar Roberto Bittencourt conceitua o peculato-desvio da seguinte forma:

Nesta fi gura - peculato-desvio- não há o propósito de apropriar-se, que é identifi cado como o animus rem sibi habendi, podendo ser caracterizado o desvio proibido pelo tipo, com simples uso irregular da coisa pública, objeto material do peculato. Ao invés do destino certo e determinado do bem de que tem a posse, o agente lhe dá outro, no interesse próprio ou de terceiro. O desvio poderá consistir no uso irregular da coisa pública.

(Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. P. 13-14

Sobre a sufi ciência das cópias dos cheques apresentadas pelo parquet como

prova material do delito, confi ra-se o seguinte precedente desta Corte:

Habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Crime praticado contra menor de 14 anos.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 71

I - Documento comprobatório da idade. Necessidade de autenticação. Matéria não suscitada no momento oportuno. Prova incontestada.

Embora à prova da idade da vítima por meio de certidão se exija, em princípio, selo de autenticidade, isso não quer dizer que a cópia não autenticada do mesmo documento não sirva a tal intuito quando se percebe que contra ela inexiste contestação nos autos, bem assim, os fatos nesse sentido restaram incontroversos.

(...)

VI - Ordem prejudicada quanto à progressão e denegada quanto ao mais.

(HC n. 66.579-SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19.05.2009, DJe 08.06.2009)

Sobre o tema, trago a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, em

comentários ao art. 232, parágrafo único, do Código de Processo Penal:

Fotografi a do documento: é a fotocópia (xerox), hoje, amplamente utilizada por todos para reproduzir um documento original. Almeja o Código de Processo Penal que ela seja autenticada, isto é, reconhecida como verdadeira por agentes do serviço público, conforme fórmula legalmente estabelecida. Não se veda, no entanto, a consideração de uma fotocópia como documento, embora preceitue a lei que ela não terá o mesmo valor probatório do original. Ao juiz cabe a avaliação da prova, tornando-se a fotocópia livre de controvérsias se, juntada por uma parte, não tiver sido impugnada pela outra.

(Código de Processo Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2004. P. 461)

Nesse diapasão, colaciono a lição de Heráclito Antonio Mossin:

Embora a jurisprudência somente tenha reconhecido o valor probante ao documento reproduzido mecanicamente quando autenticado, a verdade é que, não havendo protesto da parte contrária quanto à não-autenticação desse documento constante dos autos, deve ele prevalecer como prova válida, uma vez que aquele sujeito da relação jurídico-processual a tem como tal. Nesse caso, o rigorismo da formalidade deve ser substituído pelo modo às vezes prático da busca da verdade real.

Comentário ao Código de Processo Penal. São Paulo: Manole, 2005. P. 484)

Da leitura das peças de defesa apresentadas pelo acusado Natanael e do

interrogatório por ele prestado em Juízo, defl ui-se que em nenhum momento

foi negada a autoria da assinatura aposta nos cheques acostados às fl . 159-268

tampouco contestou Natanael a autenticidade das cópias constantes dos autos.

Ao contrário, confi rmou o denunciado ter emitido as ordens de pagamento com

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o fi m de remunerar servidores da Assembléia e que estes, mediante endosso, trocaram os cheques na Dismar.

Demonstrada a materialidade do delito, pela prova coletada na instrução tem-se que o réu Natanael José da Silva, em continuidade delitiva, emitiu pelo menos 02 (dois) cheques (datados de março e abril de 2001), para com eles desviar verba pública em prol do atendimento de interesses próprios (remunerar jornalistas por ele contratados e pagos com dinheiro da Assembléia Legislativa).

Nesse ponto não tenho dúvida em afi rmar haver nos autos prova sufi ciente

da autoria e da materialidade do delito praticado, como demonstrado.

TERCEIRO FATO

COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO JUDICIAL

Segundo o Ministério Público, com o fi m de assegurar a ocultação de outro crime, foi cometido mais um delito, este tipifi cado no artigo 344, c.c. o artigo 61, II, b, do Código Penal.

Entendo oportuno traçar um breve resumo histórico do que ocorreu no dia 1º.06.2001, data em que Ofi ciais de Justiça, Promotores de Justiça, Ofi ciais do Ministério Público, 02 (dois) agentes da Polícia Civil e 01 (um) Delegado da Polícia Civil) dirigiram-se à sede da Assembléia Legislativa para cumprir ordem judicial de busca e apreensão.

Como registra o doc. de fl . 43-44 do Apenso I, a diligência foi dividida em 02 (duas) etapas. Na primeira os executores do mandado compareceram ao prédio da Assembléia Legislativa e apreenderam os documentos mencionados no auto de apreensão de fl . 45-47 do Apenso I (dentre estes as folhas de comissionados da Assembléia dos meses de janeiro a abril de 2001 - Lote 14 de fl . 46).

À tarde, quando os executores do mandado retornaram ao prédio para cumprir a segunda etapa da diligência, o denunciado Natanael, avisado da apreensão antecedente, retornou do interior do Estado onde estava em viagem (fato confi rmado no interrogatório prestado pelo réu, ouvido neste STJ - fl . 625) e impediu a conclusão dos trabalhos, inviabilizando a retirada dos documentos do prédio.

Expostos os fatos narrados em certidão exarada por Ofi ciais de Justiça (fl . 43-44 do Apenso I) e corroborada por diversos depoimentos constantes dos autos, passo a analisar as provas quanto a esta acusação.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 73

O Ministério Público imputou ao denunciado Natanael José da Silva

a prática do delito de coação no curso do processo, tipifi cado no art. 344 do

Código Penal c.c. o art. 61, II, b (para facilitar ou assegurar a execução, a

ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime), do Código Penal.

A diligência de busca e apreensão na sede da Assembléia Legislativa visava

arrecadar provas para a constatação do cometimento dos delitos de peculato,

praticados pelos denunciados Natanael e Francisco Pordeus, como já descrito

acima, como fato dois. A diligência foi autorizada pelo Juízo da Vara da Fazenda

Pública da Comarca de Porto Velho-RO, determinando a busca e apreensão

de equipamentos, cd´s, fi chas, documentos e demais itens aptos a guardar

informações relacionadas com o setor de pagamento de pessoal da Assembléia,

especialmente o que estivesse relacionado com os servidores comissionados no

período de janeiro a abril de 2001 (fl . 28-33 do Apenso n. 1).

Consignou o juiz na sua decisão, que a diligência deveria ser levada a termo,

com a presença de 02 (dois) Ofi ciais de Justiça, representantes do Ministério

Público e Delegados da Polícia Civil (fl . 34-36). Informa a certidão de fl . 43-

44 do Apenso I, datada de 02.06.2001, que os Ofi ciais de Justiça, incumbidos

de realizar a diligência, foram acompanhados pelos Promotores de Justiça

Aidee Maria Moser e Rodney Pereira de Paula, por um Delegado de Polícia

Civil, 02 (dois) agentes de polícia, contador do Ministério Público e técnicos

de informática. Segundo registra a mesma certidão, dirigiram-se os agentes ao

setor de recursos humanos da Assembléia Legislativa, o qual foi aberto, sem

qualquer resistência, com o auxilio de chaveiro. Iniciada a execução do mandado,

os ofi ciais apreenderam e lacraram documentos úteis à investigação, realizando

o depósito junto à sede do Ministério Público estadual.

À tarde, ao retornarem, como consta da certidão, chegaram a realizar

nova apreensão de documentos, tendo sido devidamente encaixotados, mas por

volta das 18:00h, quando da chegada do Presidente da Assembléia Legislativa

ao local, a energia do prédio foi cortada, tendo sido iniciada, segundo relato

dos Ofi ciais de Justiça, a prática de uma série de atos abusivos por parte do

denunciado Natanael José da Silva.

Afi rma o parquet que Natanael, auxiliado por policiais militares e agentes

de segurança da Assembléia Legislativa, proferiu ameaças e utilizou de força

física para obstar a execução da ordem.

Segundo registra a denúncia, o incidente tomou grandes proporções

pela completa inação do Comando Geral da Polícia Militar que, embora

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avisado por telefone, omitiu-se inteiramente. O máximo que se obteve foi

o comparecimento, ao local, de uma guarnição comandada pelo Tenente

André Roberto de Azevedo, único policial que tentou preservar a legalidade

e o cumprimento da ordem judicial. Porém, afi rma o parquet, que este agente

policial foi impedido pela força dos demais colegas, inclusive do Coronel da

Polícia Militar Reinaldo Guimarães de Figueiredo, chefe da Assessoria Militar da

Assembléia, o qual orientou o Tenente Azevedo, dizendo-lhe: “levar em banho-

maria, porque ao fi nal poderia sobrar para ele, Tenente”.

Em sua defesa, o denunciado Natanael alega que se opôs ao cumprimento

da ordem de forma pacífi ca, argumentando que a busca e apreensão somente

poderia ser concedida pelo Tribunal de Justiça. Esta versão é corroborada pela

testemunha de defesa Celso de Oliveira Souza, então deputado estadual:

Quando o Presidente chegou na assembléia passou a questionar a legalidade da ordem judicial, condicionando seu cumprimento a iniciativa do Procurador-Geral de Justiça e da determinação do desembargador.

(...)

O presidente se interpôs ao cumprimento do mandado até que satisfeita a legalidade da diligência. Entretanto, não o vi ameaçar ou agir com truculência, conforme já disse.

(fl . 1.118)

Segundo o réu, o Ministério Público Estadual estava empenhado em

persegui-lo em razão da instauração de uma CPI para apurar a venda de terras

irregulares por parte de Amadeu Machado, Conselheiro do Tribunal de Contas

do Estado, político de infl uência em Rondônia, com o qual o Promotor Abdiel

Ramos mantinha estreitos vínculos de amizade (interrogatório prestado pelo

denunciado às fl . 626-627).

Esta afi rmação de Natanael é confi rmada pelo Senador Valdir Raupp,

testemunha arrolada pela defesa que asseverou:

entretanto tomou conhecimento por ouvir dizer do episódio da invasão da Assembléia Legislativa; que este episódio segundo lhe chegou ao conhecimento foi provocado por fatos políticos antecedentes e que podem assim ser resumidas pela testemunha: o Sr. Amadeu Machado foi e é político de importância e infl uência no Estadio, tendo participação da instalação do Estado; que entretanto viu-se envolvido em denúncias sobre vendas de terras ao Estado, que ensejou a abertura de uma CPI, sob o comando do Deputado Chico Paraíba; que estes fatos não são desconhecidos da testemunha porque a testemunha tendo sido

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 75

governador de Rondônia de 95 a 99, vivenciou a efetiva infl uência do Sr. Amadeu Machado no Estado; que o promotor Abdiel Ramos, e que parece foi membro do Ministério Público que atuava no processo que levou à invasão da Assembléia, tinha ligações com o Sr. Amadeu Machado, porque inclusive, antes de ingressar no Ministério Público, parece que foram sócios de escritório; que esta motivação política levou a uma drástica invasão da Assembléia pelo Ministério Público e pelos ofi ciais de Justiça, numa operação de busca e apreensão quando poderia ser feito com uma simples requisição à Assembléia.

(fl . 1.071-1.072).

Ivo Scherer, Procurador de Justiça, citado na defesa do réu Natanael, como

membro do Ministério Público, crítico da postura dos executores do mandado

judicial, declarou em Juízo:

que não sabe de tratamento diferenciado, em nível institucional, do Ministério Público em relação ao acusado Natanael José Da Silva quando comparado àquele dispensado ao também então Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Amadeu Machado; que porém Amadeu Machado possuía amizade dentro do Ministério Público; que ele comparecia em eventos sociais do Ministério Público;

(fl . 1.218).

Por sua vez, Gerson Barbosa Costa, testemunha da defesa (jornalista

benefi ciado com um dos cheques citados no tópico da denúncia relacionado

com o delito de peculato-desvio), afi rmou:

que Amadeu Machado tinha uma rixa com Natanael, desconhecendo-lhe a causa; que todos ligados a Natanael eram atacados pelo jornal de Amadeu Machado;

(fl . 920).

Advirto que as investigações não descambaram e nem poderiam para

averiguar da malquerenças ou não do Ministério Público com o denunciado

Natanael, como parece ter sido a intenção da defesa.

Agiu o Ministério Público dentro de sua esfera de atribuição, como

demonstram os arestos colacionados:

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes de tal órgão, as

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prerrogativas profissionais de que se acham investidos os advogados, sem prejuízo da possibilidade - sempre presente no Estado Democrático de Direito - do permanente controle jurisdicional dos atos praticados pelos promotores de justiça e procuradores da república. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava a nulidade de ação penal promovida com fulcro em procedimento investigatório instaurado exclusivamente pelo Ministério Público e que culminara na condenação do paciente, delegado de polícia, pela prática do crime de tortura.

(HC n. 89.837-DF, rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 20.10.2009).

Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Concussão e peculato. Delitos cometidos supostamente por agente público. Dados obtidos em inquérito policial. Busca e apreensão. Ministério Público. Legitimidade para proceder à investigação. Alegação de ofensa aos incisos XI e XII do art. 5º da CF/1988. Inexistência. Lei n. 9.296/1996. Ordem denegada.

1. A teor do disposto no art. 129, VI e VIII, da Constituição Federal, e nos arts. 8º, II e IV, da Lei Complementar n. 75/1993, e 26 da Lei n. 8.625/1993, o Ministério Público, como titular da ação penal púbica, pode proceder às investigações e efetuar diligências com o fi m de colher elementos de prova para o desencadeamento da pretensão punitiva estatal, sendo-lhe vedado tão somente realizar e presidir o inquérito policial.

2. Ademais, o requerimento de busca e apreensão e seu acompanhamento direto pelo Ministério Público, assim como qualquer outro pedido destinado ao esclarecimento dos fatos, se insere no âmbito normal de atuação do Parquet, conforme se depreende da leitura dos arts. 47 e 242 do Código de Processo Penal, não havendo, portanto, que se falar em violação ao princípio da legalidade.

3. No caso, a busca e apreensão foi determinada por autoridade competente, em razão da necessidade de se apurar melhor os fatos investigados em inquérito policial, sendo a diligência cumprida pela Policia Federal, acompanhada pelo Ministério Público do Estado. Não há, portanto, que se falar em ofensa ao princípio constitucional contido no inciso XI do art. 5º da CF/1988.

(...)

8. Habeas corpus denegado.

(HC n. 33.682-PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 16.04.2009, DJe 04.05.2009).

Criminal. HC. Tortura. Concussão. Ministério Público. Atos investigatórios. Legitimidade. Atuação paralela à polícia judiciária. Controle externo da atividade policial. Órgão ministerial que é titular da ação penal. Inexistência de impedimento ou suspeição. Súmula n. 234-STJ. Ordem denegada.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 77

1 - São válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, na medida em que a atividade de investigação é consentânea com a sua fi nalidade constitucional (art. 129, inciso IX, da Constituição Federal), a quem cabe exercer, inclusive, o controle externo da atividade policial.

2 - Esta Corte mantém posição no sentido da legitimidade da atuação paralela do Ministério Público à atividade da polícia judiciária, na medida em que, conforme preceitua o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal, sua competência não exclui a de outras autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. Precedentes.

3 - Hipótese na qual se trata de controle externo da atividade policial, uma vez que o órgão ministerial, tendo em vista a notícia de que o adolescente apreendido pelos policiais na posse de substância entorpecente teria sofrido torturas, iniciou investigação dos fatos, os quais ocasionaram a defl agração da presente ação penal.

4 - Os elementos probatórios colhidos nesta fase investigatória servem de supedâneo ao posterior oferecimento da denúncia, sendo o Parquet o titular da ação penal, restando justifi cada sua atuação prévia.

5 - “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia” (Súmula n. 234-STJ).

6 - Ordem denegada.

(HC n. 84.266-RJ, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Quinta Turma, julgado em 04.10.2007, DJ 22.10.2007 p. 336).

Faz-se necessário frisar que a ordem de busca e apreensão a ser cumprida

nas dependências da Assembléia Legislativa foi deferida por Juiz de Direito

nos autos de um processo cautelar ajuizado pelo Ministério Público, com o fi m

de investigar irregularidades cometidas por Natanael José da Silva e Francisco

Pordeus, na condução da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia.

Em todo e qualquer Estado Democrático de Direito espera-se que uma

ordem judicial seja cumprida devidamente, sem oposição, senão as juridicamente

admitidas, sendo grave ou melhor gravíssima a atitude de tentar pela força

barrar o cumprimento de uma ordem judicial.

No caso dos autos, restou demonstrado pela prova testemunhal produzida

na instrução criminal que o denunciado Natanael, ao ser avisado de que havia

sido expedida ordem de busca e apreensão a ser cumprida nas dependências da

Assembléia Legislativa, dirigiu-se ao prédio sede onde passou, de forma agressiva,

a opôr-se ao cumprimento do mandado judicial, impedindo a apreensão dos

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documentos, inclusive da folha de pagamento dos servidores comissionados da

Assembléia, dos meses de janeiro a abril de 2001, indispensáveis para provar o

peculato imputado na denúncia.

Sobre o triste episódio foi ouvido o Desembargador Presidente do Tribunal

de Justiça do Estado, Dr. Miguel Monico Neto, que, à época dos fatos, ocupava o

cargo de Promotor de Justiça:

que, ao tempo dos fatos, era Promotor de Justiça, nesta capital; que numa sexta-feira, depois do expediente, recebeu um telefonema dum colega do Ministério Público, Charles; que ele noticiava a respeito dum tumulto na Assembléia Legislativa local; que, na confusão, dois Promotores de Justiça, Rodinei e Aide, estariam presos naquela repartição pública, por ordem do então Presidente da Assembléia Legislativa o réu Natanael José da Silva. que foi ate o local; que nas imediações, observou estarem desligadas as luzes do quarteirão onde se localiza a Assembléia, excluisvamente, já que havia luz no restante da área; que adentrou no recinto, não havia movimento, estava um pouco escuro, mas dava pra ver alguma coia, antes das 19h00min; que se dirigiu à parte dos fundos, onde funciona a parte administrativa daquela repartição; que lá encontrou diversos promotores de Justiça e servidores do Ministério Público, Ofi ciais de Justiça; que se inteirou dos fatos, tomando conhecimento de o tumulto decorrer da tentativa de cumprimento dum mandado de busca e apreensão; que a tentativa de cumpri-lo se iniciara às 15h00min, acompanhando os Ofi ciais de Justiça, promotores de Justiça e Ofi ciais do Ministério Público; que o objetivo era apreender documentos e equipamentos; que, todavia, o cumprimento do mandado fora obstado pelo Presidente da Assembléia Legislativa, o primeiro réu; que a apreensão e a retirada do material foi obstada; que chegou a visualizar a funcionária do MP Angélica, sob o uma caixa de documentos, além do servidor Kléber Perea; que tratou de contactar o Presidente da Assembléia, quem, até então desconhecia; que o encontrou, ele estava armado, cercado por dois seguranças armados ostensivamente; que ele estava nervoso; que argumentou com ele da necessidade de se permitir o cumprimento da ordem judicial; que ele disse que mandado expedido por Juiz de primeiro grau não valia, somente se fosse passado por Desembargador teria validade; que ele falou que o mandado não seria cumprido; que havia um outro deputado estadual Daniel Pereira, a quem Natanael entregara uma arma prateada; que, a certa altura, buscando fazer cumprir a ordem, um segurança armado encostou uma arma de fogo no depoente sem, porém, sacá-la; que, então, refreou seu ânimo; que o então corregedor do Ministério Público, Abdiel Ramos Figueira, este no local; que ele buscava viabilizar o cumprimento da ordem; que ele telefonou, a exemplo de diversos outros colegas, para o Comando Geral da Polícia Militar; que o Juiz responsável pela emissão do mandado judicial Odivanil Marins, esteve no local; que porém a ordem não era cumprida; que cerca de meia hora depois

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 79

ao local chegou uma única guarnição da Polícia Militar, integrada por 6 homens, no máximo; que era um tenente jovem que comandava o grupo, não recordando o seu nome; que ele também foi impedido de fazer cumprir a ordem; que, num dado momento, no local, compareceu o Senador Amir Lando, apoiando o obstáculo ao cumprimento da ordem; que ele fez um discurso político, dizia se tratar a tentativa de cumprir o mandado de afronta às prerrogativas do Parlamento;

(...)

que os documentos objetos da apreensão frustrada forma colocados num local contíguo ao departamento administrativo fi nanceiro, na parte de trás; que lá foram queimados; que visalizou as labaredas; que os computadores foram destruído;

(...)

que o Corpo de Bombeiros foi acionado para estancar o incêndio; que todavia os bombeiros tiveram o acesso impedido ao local do fogo; que a ordem judicial acabou não sendo cumprida; que o fato se arrastou noite adentro; que no dia seguinte, num sábado, os Deputados Estaduais se reuniram e aprovaram uma Emenda à Constituição Estadual, retirando todas as prerrogativas do Ministério Público;

(...)

que se recorda de outros Promotores de Justiça que presenciaram os fatos, Cláudio Ribeiro, Gilberto Barbosa, dentre outros; que quando chegou ao local, o funcionário Kleber Perea do MP, noticiou que haviam acabado de desligar o computador portátil pelo próprio utilizado para relacionar o material apreendido;

(...)

que o Corpo de Bombeiros chegou rapidamente, depois de iniciado o fogo; que a chegada da guarnição de fogo teve lugar umas duas ou três horas depois do depoente ao local; que o Corpo de Bombeiros não teve acesso ao local do fogo, razão pela qual houve a tentativa de utilização da escada; que o fogo se desenvolvia num local aos fundos do departamento administrativo fi nanceiro; que o Corpo de Bombeiros estava ao lado das demais pessoas, também sem acesso ao local do fogo; que o acesso àquele local era impedido por seguranças armados;

(fl . 898-901).

Angélica Lopes Hernandes, Oficiala do Ministério Público, citada no

depoimento acima, declarou em Juízo:

que Promotores de Justiça argumentavam com o primeiro acusado sobre o cumprimento do mandado judicial; que o acusado Natanael resistia, dizendo

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“se alguém tentar sair, é para mandar bala que eu seguro”; que ele não permitia o cumprimento do mandado; que ele determinou fossem as portas fechadas; que ele arremessou computadores ao chão, destruindo-os; que viu ele assim fazer; que ele pediu álcool a algum dos capangas dele, para atear fogo nos documentos; que os documentos foram colocados numa espécie de jardim de inverno, um local externo separado que ele lançou álcool e ateou fogo.; que, nesta altura a luz j´pa havia sido cortada; que foi possível visualizar as ocorrências porque não estava de todo escuro; que aquela área externa para onde foram levados os documentos fi cava ao lado do corredor e com o pé tentou obstar o curso das caixas, acrregadas por Natanael e seu “capanga”; que diante disto Natanael determinou fosse a depoente retirada do local, ao que seu capanga retirou a depoente d emodo bem brusco; que, como fi zesse bastante calor, num dado momento, Natanael tirou a camisa e dicou com uma tolha no ombro utilizando-a para impedir a absorção da fumaça oriunda do fogo ateado naquela documentação; que diante do fogo, solicitou ao também Deputado Estadual Daniel Pereira se providenciasse a abertura duma janela; que assim foi feito; que Natanael sentou no corredor e, com um revólver ao colo, dizia que ninguém iria tirar nada dali;

(...)

que Natanael dizia que até morreria, mas, nada sairia da Assembléia Legislativa; que ele não admitia o cumprimento da medida;

(...)

que não chegou a ver o Corpo de Bombeiros; que eles não adentraram no prédio; que o fogo não foi impedido por ninguém; que a destruição e o fogo aconteceram por volta das 20h00min, mas não tem como precisar bem;

(...)

que os capangas dele não ameaçavam, não abriam a boca, quem fala o tempo todo era o réu Natanael: “daqui não sai, daqui ninguém tira nada”; que depois, a certa altura, Natanael permitiu a saída da sala, mas determinou fossem anotados os nomes de todos;

(fl . 908-909).

Kleber Perea Serrano, consultor de informática, prestando serviços ao

Ministério Público, declarou, quando ouvido pelo Juiz:

que chegaram no local pela manhã; que no início não houve resistência; que os documentos e equipamentos objetos da medida foram devidamente separados; qu, do meio para o fi m da tarde, contudo passou a haver resistência; que servidores da Assembléia passaram a dizer que nada seria levado até pronunciamento do Presidente da Casa; que as portas da repartição ública foram fechadas; que fi caram numa sala, junto com o material já separado, próximo da

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saída; que no local num dado momento chegou o primeiro réu e disse “nada vai sair”; que ele inclusive tentou tomar do depoente um computador portátil em yutilização, alimentado com dado s do material apreendido; que ele esclareceu ao acusado se tratar de equipamento pessoal dele; que ele determinou a um segurança dele fosse proibida a saída da sala;

(...)

que o primeiro acusado adentrou na sala onde se encontrava o depoente e outros servidores do Ministério Público Estadual, apossou-se de computadores (CPU) e os arremessou para longe, por cima das divisórias, no vão livre; que ele assim o fez no tocante a três computadores; que ele estava bastante alterado; que, a seguir, ele e seguranças seus passaram a arrastar uma caixa grande contendo documentos já apreendidos. que Angélica então colega de Ministério Público de depoente tentou obstar com o pé, a retirada da sala; que o primeiro acusado a empurrou, bruscamente, que a caixa foi retirada, arrastada por um corredor ate uma espécie de jardim de inverno ou solário; que, naquele local, o primeiro acusado e seus auxiliares passaram a rasgar a documentação; que, depois, foi ateado fogo; que acompanhava aquela cena a uma distância de 6 metros; que todos os ali presentes no contexto da oposição se reportavam, ao primeiro réu, Presidente da Assembléia Legislativa; que a fumaça invadiu o local; que naquela altura a luz já havia sido cortada; que houve rumores de que a Polícia Militar invadiria o local; que o primeiro réu conversou por telefone com o Comandante da Polícia Militar, dizendo-lhe para não adentrar no local; que o primeiro réu disse naquela conversa telefônica “eu me responsabilizo pela vida de meus homens e você deve ser responsabilizar pela vida de seus homens”; que ele disse que utilizaria de todos os meios para evitar fosse a invasão cumprida e, para tanto, se necessário fosse responderia a tiros, na bala; que ele finalizou a conversa pedindo ao Comandante da PM para não ordenar a invasão; que logo em seguida, viu alguém passar com 2 ou 3 armas, para entrega ao auxiliares do réu; que o primeiro réu já estava sem camisa, junto com 2 ou 3 pessoas em igual condição; que quando o primeiro pegou aquela caixa de documentos, anteriormente, ele já estava armado; que os bombeiros tentaram apagar o fogo e, para tanto, tentaram colocar uma escada, mas o primeiro acusado e seus auxiliares empurraram a escada de volta; que fi cou sem poder sair daquela sala por bastante tempo, cerca de 4 ou 5 horas; que a porta era vigiada por seguranças, recordando-se do tenente da PM Veronesi; que o PM Veronesi prestava serviços à Assembléia;

(...)

que não viu o primeiro réu ateando fogo, mas como disse todos se reportavam a ele;

(fl . 911-914).

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Claúdio Ribeiro de Mendonça, Promotor de Justiça, prestou depoimento em

Juízo e afi rmou que:

que, junto com os colegas foi argumentar com o acusado Natanael, a respeito da necessidade de se permitir o cumprimento da ordem judicial; que, contudo, muito alterado, ele se opunha, dizendo que não permitiria assim fosse feito, sem fundamento algum; que ninguém tiraria nada dali, dizia ele; que havia policiais a serviço da Assembléia o apoiando e seguranças, não se recordando se portavam armas ostensivamente; que o primeiro réu dizia que mandaria matar quem transpusse os limites traçados por ele; que o material cuja apreensão se pretendia já estava separado; que havia papéis e computadores; que, todavia, num dado momento, aquele material foi levado para um corredor existente entre a Assembléia e o terreno vizinho, lançando-se-lhe fogo, que produziu labaredas; que os computadores foram arremessados ao chão; que a ocorrência foi visualizada por todos; que tudo foi feito a mando do primeiro réu; que os bombeiros chegaram em decorrência do fogo, uma meio hora depois; que, nada obstante o acesso deles ao local do fogo foi impedido pelo acusado Natanael e pelo também Deputado Estadual Carlão de Oliveira; que eles tiararam a escada que permitira o acesso ao local do fogo; que inclusive a escada pegou na perna do depoente; que o tumulto durou cerca de 2 ou 3 horas; que a ordem judicial não foi cumprida;

(...)

que, em relação à funcionário Angélica parece que houve o uso de alguma força para dela tomar a caixa de documentos; que o primeiro réu era muito grosseiro, maltratou bastante o Procurador de Justiça Vitache; que depois de ali estar uns 40 minutos, a luz sumiu, apenas no prédio da Assembléia;

(fl . 903-904).

Dos depoimentos acima transcritos, tem-se que toda a resistência ao

cumprimento da ordem judicial foi comandada pelo denunciado Natanael. As

testemunhas, presentes ao local dos fatos desde o início da diligência, foram

categóricas em afi rmar que Natanael utilizou-se de força física contra a servidora

Angélica, tendo, proferido ameaças, inclusive de morte, aos agentes incumbidos da

execução da ordem, o que, só por si, já confi gura o delito de coação no curso do

processo judicial, crime formal capitulad o no art. 344 do Código Penal:

Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fi m de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 83

Em relação à configuração do delito ora examinado, Cezar Roberto

Bittencourt preceitua:

Não é necessário que a violência usada seja irresistível, bastando que seja idônea para constranger o coato com a finalidade de privilegiar interesse próprio ou alheio.

(...)

Grave ameaça, por sua vez, constitui forma típica da “violência moral”; é a vis compulsiva, que exerce uma força intimidatória, inibitória, anulando, ou minando a vontade e o querer do coato, procurando, assim, intimidá-lo com o objetivo de favorecer interesse próprio ou alheio.

(grifos nossos).

(Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. P. 317-318).

A resistência ao cumprimento da ordem judicial por parte do réu Natanael

também foi confi rmada pelo então Procurador do Estado de Rondônia Nilton

Djalma dos Santos Silva (agente público incumbido de redigir o pedido de

suspensão de liminar interposto pela Assembléia Legislativa perante o Tribunal

de Justiça):

que a diligência corria normalmente; que o primeiro acusado estava fora da cidade e chegou à Assembléia no fi nal da tarde; que ele falou com aquele equipe de agentes públicos; que o depoente se ausentou indo para se gabinete a fi m de fazer o requerimento de revogação da ordem; que, porém, surgiu um impasse quanto à retirada do material selecionado; que o primeiro acusado, em contato com o Juiz que passara a ordem, quem também compareceu ao local, deixou claro que nada ia ser retirado dali; que a argumentação do primeiro réu, inclusive motivadora do pedido judicial de revogação, era de que a competência para emitir ordem daquela natureza era do Tribunal de Justiça; que o Juiz dizia da necessidade de cumprir sua ordem sob pena de prisão a quem se opusesse; que o primeiro réu argumentava que, ali, na Assembléia, era ele quem tinha poder de polícia; que por volta de pouco mais das 19h00 a luz acabou, exatamante quando o Juiz e o primeiro réu discutiam sobre o caso na sala de recepção do Departamento Financeiro;

(fl . 942).

Confi rmando a coação exercida pelo denunciado Natanael, Abdiel Ramos

Figueira, então Procurador-Geral de Justiça do Estado de Rondônia, declarou

em Juízo:

que era uma sexta-feira, ali chegando por volta das 18h30min; que à noite já caíra; que, no local, as luzes já estavam desligadas; que, lá procurou seu colega

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Procurador Vitachi; que no local o primeiro acusado já tinha o domínio da situação no sentido de impedir o cumprimento da ordem; que o material já estava separado;

(...)

que o primeiro réu era acompanhado por Policiais da PM a paisana e seguranças da própria Assembléia; que alguns estavam armados ostensivamente; que a diligência se concentrara no setor administrativo, num anexo da Assembléia; que conversou com o primeiro réu, argumentando de que a ordem seria cumprida; que ele em resposta, arguiu; “só se passarem por cima de mim”, ao que o depoente ponderou que se necessário fosse, assim se faria;

(...)

que naquele contexto, acompanhado do Tenente da Polícia Militar cujo nome não se recorda, teve outro contato com o primeiro réu; que ele estava deitado no corredor do Anexo, cercado de 10 auxiliares; que, novamente, ponderou-lhe da necessidade de a ordem ser cumprida; que ele encostou a mão no peito do Tenente, dizendo-lhe se ele se responsabilizaria pela vida dos homens que traria, porque ele próprio, o primeiro réu, responsabilizar-se-ia pela vida dos seus homens; que ele próprio disse “só saio daqui morto”;

(...)

que a certa altura surgiu fogo no local onde estaria a documentação objeto de resistência à apreensão, numa espécie de jardim de inverno; que o Corpo de Bombeiros compareceu ao local quando era em torno de 22h00min ou 23h00min; que contudo, o acesso deles ao local do fogo foi impedido; que o deputado Carlão derrubou a escada, auxiliado por outro deputado estadual; que a escada quando caiu acabou atingindo a perna do promotor de Justiça Cláudio; que não viu o primeiro réu armado nem sem camisa; que ele tinha o domínio da situação; era quem dava as ordens de resistência;

(...)

que lá pelas 03h00 chegou a revogação da ordem passada pelo Presidente do Tribunal de Justiça, Renato Mimessi;

(...)

que a luz fora desligada, segundo informações repassada ao depoente, a mandado de Natanael; que na vizinhança a iluminação era regular;

(...)

que não viu o primeiro réu atear fogo nem quebrar equipamentos;

(...)

que não tem lembrança se o acusado Evanildo Abreu, Deputado Estadual Coronel Abreu ajudou o deputado Carlão a derrubar a escada dos Bombeiros, mas ele auxiliava na “resistência”;

(fl . 1.418-1.421).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 85

A prova testemunhal, tanto das pessoas arroladas pelo Ministério Público,

como pela defesa, é segura em afi rmar que a diligência de busca e apreensão

vinha sendo regularmente cumprida na tarde do dia 1°.06.2001, até a chegada

do réu Natanael que, tendo o domínio funcional do fato, assumiu a dianteira na

resistência ao cumprimento da ordem judicial.

Após a chegada do réu Natanael ao local dos fatos, houve o corte da

energia elétrica (que se restringiu apenas ao prédio da Assembléia) e a total

inviabilidade da conclusão da diligência, pela oposição de Natanael, com o

auxílio de seguranças e policiais que prestavam serviço à Assembléia, impedindo

a retirada da documentação ainda não recolhida (certidão de fl . 43-44 do

Apenso I).

Nesse diapasão, transcrevo trecho do depoimento prestado pelo então

Deputado Estadual Mauro de Carvalho, presente ao local dos fatos:

que por ocasião da tentativa do cumprimento do mandado de busca e apreensão estava na Assembléia Legislativa; que tomou conhecimento da presença deles quando já estavam dentro da Assembléia; que conversou com um dos agentes públicos; que o primeiro acusado foi conversar com eles; que a energia acabou; que não viu fogo que não viu destruição de computadores; que havia o pessoal da segurança normal da Assembléia; que o primeiro acusado foi quem fi cou a frente da situação;

(fl . 931-932).

Edézio Martelli, testemunha de defesa foi ouvida em Juízo e declarou que:

que o pessoal que fazia a busca estava na sala onde funcionava o setor administrativo; que o Sr. Natanael chegou ao corredor que dava acesso à sala; que ai começou um tumulto; que o depoente estava no corredor e pode dizer que começou um incêndio, em uma janela próxima onde estavam os policiais e os Promotores; que imagina que foram os policiais que colocaram fogo para dispersar as pessoas ali presentes, pois a resistência por parte da Assembléia ocorria no corredor, enquanto o fogo começou em uma janela em frente à porta do setor administrativo; que a janela dava acesso a uma área externa; que viu o fogo mas não viu quem foi o responsável por ele;

(fl . 1.234).

André Roberto de Azevedo, então tenente da Polícia Militar do Estado de

Rondônia, presente ao local dos fatos e referida nos depoimentos de Miguel

Monico Neto e Abdiel Ramos Figueira, declarou em Juízo:

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o fato ocorreu no início da tarde; que um outro companheiro do depoente é que acompanhou o início do cumprimento do mandado; que quando assumiu o serviço em torno das 19:30h, já se dirigiam à Assembléia Legislativa para substitui-lo; que o ofi cial de justiça lhe passou que tinha um mandado de busca e apreensão na Assembléia, tendo por objeto documentos e computadores; que Natanael impediu a retirada deste material; que o ofi cial pediu ao depoente para acionar maior efetivo para o cumprimento do mandado, o que foi feito; que o efetivo não estava autorizado a ir ao local, o que levou o depoente a solicitar a presença do Tenente-Coronel; que algum tempo depois a situação permaneceu sem solução; que um certo momento o ofi cial disse que iria dar cumprimento com o pessoal que estava ali (o depoente mais quatro policiais); que o deputado Natanael e seguranças da Assembléia além de PM´s impediram a sua passagem; que o deputado disse que mandaria os seguranças atirar no depoente e no oficial se insistissem; que disse que ele tinha autoridade máxima dentro da Assembléia; que indagou ao depoente se o mesmo aceitaria ser responsabilizado pela morte de seus subordinados; que disse ao ofi cial de justiça para chamar um magistrado; que concordaram em não entrar a força; que tempos depois, jogaram os equipamentos em uma sala de atearam fogo; que o bombeiro foi acionado; que eles também impediram a entrada do caminhão dos bombeiros ao fechar o portão da Assembléia; que os bombeiros pularam o portão; que apareceram os deputados Carlão, Coronel Abreu e Natanael e derrubaram a escada dos bombeiros para impedir que o fogo fosse apagado; que durante esse tempo tinha conversado com o Coronel Figueiredo; que este Coronel lhe disse que deveria levar esta situação em “banho maria”, senão iria sobrar para o depoente;

(fl . 1.484-1.485).

Entendo que os testemunhos do Policial Militar André Roberto de Azevedo

e do Procurador do Estado Nilton Djalma dos Santos Silva detém grande

relevância por se tratarem de agentes públicos estranhos aos quadros do

Ministério Público, (órgão que, na ótica da defesa, estava empenhado em

perseguir o réu). Corroboram tais testemunhos com os outros depoimentos,

afirmando categoricamente que o acusado Natanael assumiu a postura de

coordenar, e de forma agressiva assumiu a resistência ao cumprimento da ordem

judicial. Para tanto utilizou-se de ameaças graves.

Muitas das testemunhas arroladas pela defesa em nada acrescentaram

à instrução, mostrando-se alheias aos fatos ou incoerentes, muitas vezes

contribuindo no quadro fático probatório para descrédito da tese sustentada por

Natanael.

Neste ponto, lembra-se lição de Marcellus Polastri Lima:

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 87

O Juiz deve verificar as condições pessoais, credibilidade e idoneidade da testemunha, sabido que as vezes a testemunha depõe dominada pelo medo, ou ainda pode ter deficiência de percepção e falhas de memória, existindo sempre as pessoas sugestionáveis, podendo ainda a idade (a criança e o velho) infl uir na credibilidade do testemunho.

(Curso de Processo Penal. 3. ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 163).

Anoto que certas testemunhas de defesa, presentes ao local dos fatos,

confirmam o corte da energia após a chegada de Natanael, mas, quando

inquiridas acerca da conduta do acusado no dia da suposta prática do delito

de coação no curso do processo judicial, limitam-se a tergiversar, afi rmando

que nada viram e ouviram sobre o que se passava no interior do departamento

fi nanceiro e que a conduta social do acusado não detém qualquer nódoa.

Francisco Carvalho da Silva, então deputado estadual, afi rmou em Juízo

que:

que quando chegou já havia uma confusão; que não chegou a conversar com o primeiro réu; que a luz logo foi cortada, não sabe a mando de quem; que não dava para ver nada, muito escuro;

(...)

que viu o fogo mas não sabe o que estava sendo consumido; que o Corpo de Bombeiros estava chegando ao local;

(fl . 926-927).

Antonilson da Silva Moura, servidor da Assembléia Legislativa, declarou

em Juízo que:

que até por volta das 20h00 quando deixou o prédio nada de anormal se sucedera; que foi embora depois do policial liberá-lo; que não havia polícia, Corpo de Bombeiros ou qualquer anormalidade; que o primeiro acusado lá chegou por volta das 16h00min; que não podia transitar no prédio razão pela qual nada viu; que entre as 18h30min e 19h00 a luz acabou, desconhecendo a causa; que dava para enxergar alguma coisa; que não viu pessoa alguma com vela ou lanterna; que não viu fogo; que não ouviu barulho de coisa quebrando;

(fl . 939).

Como se pode constatar pela análise das provas e pelos relatos das

testemunhas, a conduta tipifi cada como crime de coação no curso do processo

judicial, atribuída ao denunciado, está intimamente relacionada com os delitos

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de peculato imputados ao réu, devidamente comprovados, como já analisado

e sedimentado na prova documental resultante da apreensão que se deu na

primeira etapa do cumprimento do mandado judicial.

Os Ofi ciais de Justiça (certidão de fl . 43-44 do Apenso I), os Promotores

de Justiça, os servidores do parquet, um tenente da Polícia Militar e o Procurador

do Estado (autoridade esta incumbida de defender judicialmente a Assembléia

Legislativa), estavam presentes ao local e atestam que o réu, de forma arbitrária

(quase inimaginável nos dias atuais), coordenou a resistência ao cumprimento

do mandado judicial. Valendo-se de violência moral e física, procurou o réu

esconder as provas que lhe incriminavam no curso de processo judicial, com

o fi m de atender interesse próprio (ocultar provas e impedir que o Ministério

Público tivesse acesso a documentos que pudessem incriminá-lo), incidindo

portanto, circunstância agravante prevista no art. 61, II, b, do Código Penal:

A rt. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualifi cam o crime: (Alterado pela L-007.209-1984)

II - ter o agente cometido o crime:

(...)

b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

QUARTO FATO

SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO

O Ministério Público imputa aos denunciados Natanael José da Silva,

Vitor Paulo Riggo Ternes e Evanildo Abreu de Melo, a prática do crime de

supressão de documento público, capitulado no art. 305, c.c. art. 61, II, b e d, na

forma do art. 29, caput, todos do Código Penal.

Afi rma o parquet que, por volta das 21:00h do dia 1°.06.2001, quando

os executores do mandado judicial encontravam-se na sala do departamento

fi nanceiro da Assembléia Legislativa, o denunciado Natanael arrecadou os

computadores que tinham sido apreendidos e atirou-os sobre uma mureta,

jogando-os em uma sala localizada ao lado do departamento financeiro,

destruindo os equipamentos.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 89

Assevera que Natanael, auxiliado por um policial militar que prestava

serviço na Assembléia Legislativa, afastou, mediante o emprego de força física,

Angélica Lopes Hernandes, servidora do Ministério Público, do local em que

estava uma caixa de papelão com os documentos apreendidos e, apossando-se

da caixa, passou a rasgar os documentos, jogando-os em uma sala lateral ao

departamento fi nanceiro. A seguir, o denunciado derramou álcool sobre os

papéis e ateou fogo, destruindo-os.

O Corpo de Bombeiros foi chamado mas Natanael, com o fi m de obstruir

o trabalho dos soldados do fogo, ordenou o trancamento do portão lateral da

Assembléia, no que foi auxiliado pelo denunciado Vitor Paulo Riggo Ternes,

então diretor logístico da Polícia Militar que, para evitar a intervenção dos

bombeiros despistou-os, fornecendo informações equivocadas, dizendo que o

incêndio estava localizado em casa vizinha à Assembléia.

Assevera o parquet que, após constatado que a informação prestada pelo

acusado Vitor Ternes era falsa, os bombeiros conseguiram adentrar no pátio

do prédio da Assembléia, onde fi xaram uma escada para subir até o local do

incêndio, mas foram impedidos neste momento pelos denunciados Evanildo

Abreu de Melo e José Carlos de Oliveira, respectivamente, deputado estadual e

Vice-Presidente da Assembléia.

Para o autor da ação penal o acusado Evanildo intimidou os bombeiros por

meio de ameaças, tendo o acusado Natanael, com o auxílio de outro deputado

(José Carlos de Oliveira), derrubado a escada, inviabilizando defi nitivamente a

ação do Corpo de Bombeiros.

Assim, foram queimados os documentos já separados para a apreensão,

com o nítido propósito de suprimir a prova cabal dos delitos cuja materialidade

foi narrada nos tópicos acima. Ou seja Natanael promoveu a destruição, em

benefício próprio e em prejuízo das investigações, de documentos públicos dos

quais não podia dispor.

Para o Ministério Público a ação do denunciado Vitor Riggo Ternes,

difi cultando a ação dos bombeiros e do acusado Evanildo Abreu, adotando

postura contrária à ação dos bombeiros, os inclui como partícipes da conduta

delituosa empreendida por Natanael, pois contribuíram para o malogro da ação

do Corpo de Bombeiros e concorreram para a prática do crime de supressão

de documento público devidamente capitulado no Código Penal (art. 305, na

forma do art. 29, caput, do Código Penal).

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Em sua defesa o réu Natanael negou a autoria do delito, alegando em Juízo:

que efetivamente em relação ao incêndio houve o início do fogo no fosso de ventilação da Assembléia, mas em hipótese alguma foi o mesmo provocado pelo interrogado, havendo a suspeita de que o incêndio foi iniciado por iniciativa de algum policial que acompanhava o Ministério Público pois os próprios policiais escolheram os policiais de sua confi ança, lotados na Delegacia de Combate aos Tóxicos;

(fl . 626).

O acusado Vitor Riggo Ternes, Policial Militar, também negou a participação

no delito de supressão de documento público e sobre os fatos delituosos a ele

imputados deu a versão seguinte, quando interrogado:

durante todo o tempo que o interrogado esteve na Assembléia Legislativa permaneceu no pátio situado entre o prédio da Casa de leis e o anexo onde os fatos estavam ocorrendo. Em nenhum momento o interrogando esteve dentro do referido anexo, provavelmente o setor fi nanceiro da Assembléia Legislativa, para conversar com o denunciado Natanael, nem com qualquer outra pessoa vinculada à Assembléia Legislativa. O interrogando afirma que em nenhum momento recebeu qualquer ordem ou instrução do denunciado Natanael ou de qualquer outra pessoa em relação à prática de qualquer procedimento para contornar os fatos.

(...)

o interrogando não presenciou o denunciado Natanael destruir computadores pertencentes à Assembléia Legislativa, nem mesmo atear fogo em documentos da referida Casa. Por volta das 21:30 horas o interrogando visualizou que estava saindo fumaça em cima do telhado do anexo da Assembléia legislativa, que o depoente supõe fosse o setor fi nanceiro. Após visualizar a existência de fumaça no local, a primeira providência do interrogando foi ligar para o Copom e solicitar a presença do Corpo de Bombeiros;

(...)

Em seguida o interrogando conduziu sua tropa até o 1º BPM, localizado próximo á Assembléia Legislativa. Depois o interrogando se deslocou novamente à Assembléia Legislativa, ocasião em que visualizou um caminhão do corpo de bombeiros estacionado em frente ao portão lateral da Assembléia Legislativa, portão este situado defronte a um prédio da Prefeitura do Município de Porto Velho-RO. Nessa ocasião o interrogando tomou conhecimento que o referido portão estava trancado e os bombeiros não estavam conseguindo acessar a parte interna da Assembléia Legislativa.

(...)

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 91

Logo em seguida o interrogando percebeu que o portão da casa lindeira à Assembléia Legislativa estava aberto, razão pela qual informou ao sargento do corpo de bombeiros que o acesso através de escada por aquele local seria mais fácil. O interrogando afi rma que em nenhum momento dissimulou ou induziu o corpo de bombeiros a seguir para outro local, a fi m de difi cultar o acesso do mesmo à área interna da Assembléia Legislativa;

(...)

o interrogando não presenciou o denunciado Evanildo Abreu praticar qualquer ação que impedisse o trabalho dos bombeiros.

(...)

Por volta das 22:00 horas, quando o interrogando esteve novamente na Assembléia Legislativa, promotores e policiais relataram ao interrogando que o denunciado Natanael e outros deputados ali presentes haviam impedido a ação dos bombeiros, inclusive tinham derrubado a escada que estava sendo utilizada pela corporação como instrumento de acesso a parte interna da Assembléia Legislativa.

(fl . 654-656).

Como os demais, negou o réu Evanildo Abreu de Melo sua participação no

delito de supressão de documento público e assim contou a seguinte história:

No dia dos fatos o interrogando chegou na Assembléia Legislativa quando os bombeiros já estavam no local. Antes disso o interrogando não esteve na Assembléia Legislativa em nenhum momento.

(...)

Então o interrogando seguiu para a sala de entrada do setor de tesouraria onde ocorri a o tumulto encontrando no local, além do denunciado Natanael, os também deputados José Carlos de Oliveira, Cacá Mendonça, Chico Paraíba, entre outros que o interrogando não se recorda. Na sala o interrogando sentiu forte odor de fumaça. O interrogando também percebeu que tinham queimado papéis em uma área de ventilação também conhecida como jardim de inverno, localizada no setor financeiro da Assembléia Legislativa. O interrogando viu algumas CPU´s de computador jogados ao chão e marcas de fogo.

(...)

No local da queima o interrogando pôde percedber que existiam papéis, tais como ofícios, que haviam sido queimados, mas que naquele momento o fogo já havia cessado, inclusive em razão de algumas pessoas já terem jogado água no local, erstando apenas fumaça. Nessa ocasião também já se faziam presentes no local peritos da Polícia Civil.

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Depois de aproximadamente uns dez minutos quando o interrogando havia saído da sala do departamento fi nanceiro, se deparou com um sargento do corpo de bombeiros colocando uma escada na parte lateral externa do setor fi nanceiro da Assembléia Legislativa, para acessar a parte superior daquela repartição, uma vez que além de fumaça, as pessoas nas imediações diziam em alto som: “a Assembléia Legislativa está pegando fogo”. Nesse momento, como o interrogando já havia tomado conhecimento da real situação dentro do setor fi nanceiro, o mesmo disse ao referido sargento do corpo de bombeiros que não havia necessidade do mesmo subir a escada e quebrar o telhado daquela repartição, esclarecendo que o fogo já sido apagado e que a única coisa que havia restado era a fumaça que estava saindo em cima do telhado.

(fl . 657-658).

Expostas as teses de defesa apresentadas pelos denunciados apontados neste tópico da denúncia, passo a confrontar suas versões com os fatos que restaram comprovados na instrução criminal.

De todo o material probatório colhido na instrução criminal e já examinado em capítulos anteriores deste voto, tem-se como premissa insofi smável que, a partir do momento em que o denunciado Natanael chegou ao prédio da Assembléia Legislativa, a segunda etapa do cumprimento da ordem judicial de busca e apreensão restou prejudicada.

Ficou demonstrado por meio de prova testemunhal que o réu Natanael

José da Silva, auxiliado por seguranças e policiais a paisana, impediu, mediante violência e grave ameaça, a retirada de documentos e provas que pudessem incriminá-lo pela prática dos delitos de peculato imputados na exordial acusatória.

Pelo que disseram as testemunhas tem-se a certeza de que o acusado Natanael tinha o domínio funcional do fato e era o único interessado na destruição dos documentos que já estavam em poder da funcionária do Ministério Público, ainda no interior do departamento fi nanceiro. Pretendia o acusado, com tal conduta, destruir a prova da prática dos crime de peculato imputados na denúncia. Só não alcançou seu desiderato porque muitos dos documentos comprobatórios já estavam fora da Assembléia, apreendidos na diligência realizada pela manhã.

Assim sendo, tem-se como fato incontroverso, porque comprovado até mesmo por perícia (fls. 312-326 do Apenso VI), que no dia 1° de junho de 2001, durante o cumprimento da ordem judicial de busca e apreensão, houve a destruição de computadores e a queima de documentos pertencentes à Assembléia Legislativa.

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A perícia ofi cial realizada pelo Instituto de Criminalística do Estado de

Rondônia, no interior do departamento fi nanceiro da Assembléia Legislativa,

constatou a presença de 05 (cinco) CPU´s bastante danifi cadas e a queima e

destruição de documentos públicos, levada a efeito por ação humana, fatos

registrados fotografi camente (fl . 317-326 do Apenso VI).

O fato descrito está tipifi cado no art. 305 do Código Penal:

A rt. 305 - Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é particular.

Cezar Roberto Bittencourt, comentando o dispositivo, leciona que:

As ações tipifi cadas consistem em: a) destruir (eliminar, destruir, assolar); b) suprimir, que é fazer desaparecer sem que o objeto seja destruído ou escondido; c) ocultar, que signifi ca esconder, encobrir de modo que não seja encontrado.

(...)

Consuma-se o crime com a destruição, supressão ou ocultação do documento público ou particular, independentemente de eventual prejuízo ou benefício decorrente. Como crime instantâneo (embora de efeito permanente), consuma-se no momento em que o sujeito ativo produz a supressão, destruição ou ocultação de documento verdadeiro.

(Tratado de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 344-345).

Provada a materialidade do delito indicado pelo Ministério Público,

quando do oferecimento da denúncia, já recebida pela Corte Especial, resta

analisar a prova quanto à autoria.

Na versão de Natanael o incêndio foi causado pelos policiais que

acompanhavam o Ministério Público, mas a afi rmação não encontra suporte em

nenhum depoimento prestado nos autos, tratando-se de hipótese inteiramente

vazia e incoerente.

Afi nal, para que o Ministério Público iria determinar a queima de documentos

que pretendia apreender? Para incriminar o denunciado pela prática do delito

tipifi cado no art. 305 do Código Penal e correr o risco de perder as provas materiais

do cometimento do delito de peculato (art. 312 do CP), crime cujo preceito secundário

prevê pena mais grave do que a do art. 305 do CP?

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Caso fosse crível tal tese, concluir-se-ia que o parquet estaria lhe benefi ciando.

Tese desarrazoada e desprovida de fundamento.

Superado esse ponto, colaciono depoimentos de testemunhas presenciais

que afi rmam, categoricamente, ter partido do denunciado a iniciativa de queimar

os documentos reunidos no cumprimento da ordem judicial.

Miguel Monico Neto, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de

Rondônia, declarou:

que, todavia, o cumprimento do mandado fora obstado pelo Presidente da Assembléia Legislativa, o primeiro réu; que a apreensão e a retirada do material foi obstada; que chegou a visualizar a funcionária do MP Angélica, sob o uma caixa de documentos, além do servidor Kléber Perea;

(...)

que ele falou que o mandado não seria cumprido; que havia um outro deputado estadual Daniel Pereira, a quem Natanael entregara uma arma prateada; que, a certa altura, buscando fazer cumprir a ordem, um segurança armado encostou uma arma de fogo no depoente sem, porém, sacá-la; que, então, refreou seu ânimo;

(...)

que os documentos objetos da apreensão frustrada foram colocados num local contíguo ao departamento administrativo fi nanceiro, na parte de trás; que lá foram queimados; que visalizou as labaredas; que os computadores foram destruídos;

(...)

que o Corpo de Bombeiros foi acionado, para estancar o incêndio; que todavia os bombeiros tiveram o acesso impedido ao local do fogo; que Natanael José da Silva e o também Deputado Estadual José Carlos retiraram uma escada que serviria ao acesso ao local do fogo;

(...)

que o Corpo de Bombeiros chegou rapidamente depois de iniciado o fogo; que a chegada da guarnição de fogo teve lugar umas duas ou três horas depois do depoente ao local; que o Corpo de Bombeiros não teve acesso ao local do fogo, razão pela qual houve a tentativa de utilização da escada; que o fogo se desenvolvia no local aos fundos do departamento fi nanceiro; que o Corpo de Bombeiros estava ao lado das demais pessoas, também sem acesso ao local do fogo; que o acesso àquele local era impedido por seguranças armados;

(fl . 1.353-1.355).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 95

Angélica Lopes Hernandes, Ofi ciala do Ministério Público, foi citada no

depoimento acima transcrito e declarou em Juízo que:

que Promotores de Justiça argumentavam com o primeiro acusado sobre o cumprimento do mandado judicial; que o acusado Natanael resistia, dizendo “se alguém tentar sair, é para mandar bala que eu seguro”; que ele não permitia o cumprimento do mandado; que ele determinou fossem as portas fechadas; que ele arremessou computadores ao chão, destruindo-os; que viu ele assim fazer; que ele pediu álcool a algum dos capangas dele, para atear fogo nos documentos; que os documentos foram colocados numa espécie de jardim de inverno, um local externo separado que ele lançou álcool e ateou fogo.; que, nesta altura a luz já havia sido cortada; que foi possível visualizar as ocorrências porque não estava de todo escuro; que aquela área externa para onde foram levados os documentos fi cava ao lado do corredor e com o pé tentou obstar o curso das caixas, carregadas por Natanael e seu “capanga”; que diante disto Natanael determinou fosse a depoente retirada do local, ao que seu capanga retirou a depoente de modo bem brusco; que, como fizesse bastante calor, num dado momento, Natanael tirou a camisa e dicou com uma tolha no ombro utilizando-a para impedir a absorção da fumaça oriunda do fogo ateado naquela documentação; que diante do fogo, solicitou ao também Deputado Estadual Daniel Pereira se providenciasse a abertura duma janela; que assim foi feito; que Natanael sentou no corredor e, com um revólver ao colo, dizia que ninguém iria tirar nada dali;

(fl . 908-909).

Kleber Perea Serrano, consultor de informática que prestava serviços ao

Ministério Público, declarou em Juízo:

que o primeiro acusado adentrou na sala onde se encontrava o depoente e outros servidores do Ministério Público Estadual, apossou-se de computadores (CPU) e os arremessou para longe, por cima das divisórias, no vão livre; que ele assim o fez no tocante a três computadores; que ele estava bastante alterado; que, a seguir, ele e seguranças seus passaram a arrastar uma caixa grande contendo documentos já apreendidos. que Angélica então colega de Ministério Público de depoente tentou obstar com o pé, a retirada da sala; que o primeiro acusado a empurrou, bruscamente, que a caixa foi retirada, arrastada por um corredor ate uma espécie de jardim de inverno ou solário; que, naquele local, o primeiro acusado e seus auxiliares passaram a rasgar a documentação; que, depois, foi ateado fogo; que acompanhava aquela cena a uma distância de 6 metros; que todos os ali presentes no contexto da oposição se reportavam, ao primeiro réu, Presidente da Assembléia Legislativa;

(...)

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que logo em seguida, viu alguém passar com 2 ou 3 armas, para entrega ao auxiliares do réu; que o primeiro réu já estava sem camisa, junto com 2 ou 3 pessoas em igual condição; que quando o primeiro pegou aquela caixa de documentos, anteriormente, ele já estava armado; que os bombeiros tentaram apagar o fogo e, para tanto, tentaram colocar uma escada, mas o primeiro acusado e seus auxiliares empurraram a escada de volta; que fi cou sem poder sair daquela sala por bastante tempo, cerca de 4 ou 5 horas; que a porta era vigiada por seguranças, recordando-se do tenente da PM Veronesi; que o PM Veronesi prestava serviços à Assembléia;

(fl . 911-914).

Claúdio Ribeiro de Mendonça, Promotor de Justiça, prestou depoimento em

Juízo e afi rmou que:

que, junto com os colegas foi argumentar com o acusado Natanael, a respeito da necessidade de se permitir o cumprimento da ordem judicial; que, contudo, muito alterado, ele se opunha, dizendo que não permitiria assim fosse feito, sem fundamento algum; que ninguém tiraria nada dali, dizia ele; que havia policiais a serviço da Assembléia o apoiando e seguranças, não se recordando se portavam armas ostensivamente; que o primeiro réu dizia que mandaria matar quem transpusse os limites traçados por ele; que o material cuja apreensão se pretendia já estava separado; que havia papéis e computadores; que, todavia, num dado momento, aquele material foi levado para um corredor existente entre a Assembléia e o terreno vizinho, lançando-se-lhe fogo, que produziu labaredas; que os computadores foram arremessados ao chão; que a ocorrência foi visualizada por todos; que tudo foi feito a mando do primeiro réu; que os bombeiros chegaram em decorrência do fogo, uma meio hora depois; que, nada obstante o acesso deles ao local do fogo foi impedido pelo acusado Natanael e pelo também Deputado Estadual Carlão de Oliveira; que eles tiraram a escada que permitira o acesso ao local do fogo; que inclusive a escada pegou na perna do depoente; que o tumulto durou cerca de 2 ou 3 horas; que a ordem judicial não foi cumprida;

(fl . 903-904).

O próprio réu Evanildo Abreu de Melo confi rma ter Natanael obstruído o

trabalho do Corpo de Bombeiros:

Logo em seguida o denunciado Natanael e o deputado José Carlos de Oliveira deixaram a repartição e se aproximaram do sargento que estava segurando a escada, tomando-a das suas mãos e arremessando-a ao chão;

(fl . 658).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 97

Na instrução criminal foram reunidos indícios e provas contundentes

de ter o acusado Natanael interesse em suprimir os documentos que seriam

apreendidos na diligência de busca e apreensão (pretendia ele destruir as folhas

de pagamento de servidores comissionados da Assembléia Legislativa referente

aos meses de janeiro a abril de 2001), documentos apreendidos na primeira

etapa do cumprimento da ordem judicial e sem os quais restaria difi cultada a

prova da prática dos delitos de peculato.

Diante da documentação dos fatos narrados na denúncia, confi rmados de

forma minuciosa nos testemunhos colhidos no curso da instrução, tem-se como

certa a afi rmação de que o denunciado efetivamente impediu o cumprimento da

segunda etapa da diligência, em torno do cumprimento da ordem judicial. Mas

foi além para também inutilizar, destruindo com fogo importantes documentos,

na tentativa de encobrir a materialidade dos seus crimes.

Examinando-se as condutas atribuídas aos denunciados Vitor Riggo Ternes

e Evanildo Abreu de Melo, tem-se que o parquet, na denúncia, afi rma que o réu

Vitor Ternes teria obstruído o trabalho de controle do incêndio ao repassar, de

forma premeditada, informações equivocadas aos bombeiros acerca do local em

que o fogo estava ocorrendo.

Quando interrogado negou Vitor Ternes (fl. 655) a sua participação,

inclusive porque, segundo alegou foi sua a iniciativa de chamar os bombeiros.

Mas quando chegou a viatura do Corpo de Bombeiros o incêndio já estava

controlado, razão pela qual cuidou de informá-los acerca deste fato.

Tal versão é confi rmada pelo doc. de fl . 89-90 do Apenso VI (Registro de

Atividade dos bombeiros que compareceram ao prédio da Assembléia com o

objetivo de debelar o incêndio).

Considero não haver nos autos prova sufi ciente para embasar a acusação

formulada pelo parquet de que o denunciado Vitor Ternes, de forma dolosa, tenha

concorrido como partícipe na prática do delito de supressão de documento

público.

No tocante ao denunciado Evanildo Abreu de Melo, então deputado

estadual, afi rma o Ministério Público que este acusado, no dia dos fatos, dirigiu-

se ao local em que os bombeiros colocaram uma escada para ter acesso ao

departamento fi nanceiro e passou a criar empecilho à ação dos soldados do fogo,

por meio de ameaças, conduta que contribuiu para a consumação do delito de

supressão de documento público praticado pelo réu Natanael José da Silva.

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Colho trecho de depoimento da única testemunha que, quando inquirida

sobre a conduta do réu Evanildo, no dia dos fatos, respondeu objetivamente às

perguntas formuladas pelo Juiz de Direito, não se limitando a alegar que nada

viu ou que não tem lembrança de tal fato.

André Roberto de Azevedo, então tenente da Polícia Militar do Estado

de Rondônia, testemunha referida no depoimento de Miguel Monico Neto e

presente ao local dos fatos, declarou em Juízo que o réu Natanael foi auxiliado

pelo denunciado Evanildo Abreu de Melo (então deputado estadual) na derrubada

da escada utilizada pelo Corpo de Bombeiros para ter acesso ao local em que o

fogo tinha sido empregado:

que um certo momento o ofi cial disse que iria dar cumprimento com o pessoal que estava ali (o depoente mais quatro policiais); que o deputado Natanael e seguranças da Assembléia além de PM´s impediram a sua passagem; que o deputado disse que mandaria os seguranças atirar no depoente e no ofi cial se insistissem; que disse que ele tinha autoridade máxima dentro da Assembléia; que indagou ao depoente se o mesmo aceitaria ser responsabilizado pela morte de seus subordinados; que disse ao oficial de justiça para chamar um magistrado; que concordaram em não entrar a força; que tempos depois, jogaram os equipamentos em uma sala de atearam fogo; que o bombeiro foi acionado; que eles também impediram a entrada do caminhão dos bombeiros ao fechar o portão da Assembléia; que os bombeiros pularam o portão; que apareceram os deputados Carlão, Coronel Abreu e Natanael e derrubaram a escada dos bombeiros para impedir que o fogo fosse apagado; que durante esse tempo tinha conversado com o Coronel Figueiredo; que este Coronel lhe disse que deveria levar esta situação em “banho maria”, senão iria sobrar para o depoente;

(fl . 1.484-1.485).

O depoimento do agente policial, como mostra a transcrição acima,

demonstra de forma taxativa que o réu Evanildo Abreu de Melo participou

dos fatos descritos, impedindo o acesso dos bombeiros ao departamento

fi nanceiro da Assembléia Legislativa, contribuindo de forma decisiva para que

se consumasse a perda de diversos documentos públicos, auxiliando dessa forma

o denunciado Natanael José da Silva.

A acusação do Ministério Público e o testemunho acima mencionado

encontra supedâneo no doc. de fl . 89-90 do Apenso VI (Registro de Atividade

formalizado pelos bombeiros que compareceram à Assembléia Legislativa no

dia 1º.06.2001 com o fi m de debelar o incêndio).

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 99

Os bombeiros relataram que, ao identifi carem estar o fogo localizado no

Departamento Financeiro da Assembléia Legislativa, cuidaram de fi xar uma

escada com o escopo de ter acesso ao local, momento em que o réu Evanildo

Abreu de Melo tomou a frente, impedindo a atuação dos agentes.

Tenho como comprovado que o denunciado Evanildo Abreu de Melo atuou

como partícipe do réu Natanael José da Silva.

CONCLUSÕES

Assim vistos e examinados os autos e devidamente analisadas as provas,

concluo quanto as diversas imputações e o faço considerando de per si cada um

dos quatro fatos indicados na denúncia e estudados separadamente neste voto.

PRIMEIRO FATO (peculato-apropriação)

Julgo procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar Natanael

José da Silva e Francisco de Oliveira Pordeus, como incursos nas penas do art.

312, caput, (primeira parte), na forma do art. 29, caput, do Código Penal e julgo

improcedente a denúncia oferecida contra Irene Becaria de Almeida Moura, por

falta de provas.

SEGUNDO FATO (peculato-desvio)

Julgo procedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal,

para condenar Natanael José da Silva, como incurso na pena do art. 312, caput,

(segunda parte), na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Esclareço que, quanto a este fato, houve a participação do denunciado

Francisco de Oliveira Pordeus, mas não tendo ele sido incluído como agente na

denúncia, não pode responder pelos fatos então apurados.

TERCEIRO FATO (coação no curso do processo judicial)

Pelos fatos que se constituem em delito, como consta da inicial e

se identifica como sendo o terceiro episódio, dentre os quatro episódios

destacados, julgo procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar

Natanael José da Silva, como incurso na pena do art. 344 c.c. art. 61, II, b, do

Código Penal.

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QUARTO FATO (SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO)

Com relação aos fatos que formam o quarto episódio, como consta dos

autos, julgo procedente a denúncia oferecida contra Natanael José da Silva, para

condena-lo como incurso nas penas do art. 305, c.c. art. 61, II, b e d, do Código

Penal. Também julgo procedente a denúncia em relação ao acusado Evanildo

Abreu de Melo, incurso nas mesmas penas do artigo 305, c.c. art. 61, II, d, do

Código Penal e na forma do art. 29, caput, do Estatuto Repressivo pátrio. Por

fi m, julgo improcedente o pedido formulado contra Vitor Riggo Ternes, por falta

de provas, insufi cientes as colhidas para condenação.

FIXAÇÃO DAS PENAS

PRIMEIRO FATO (peculato-apropriação - art. 312 CP)

Na dosagem das penas analiso as circunstâncias especiais do artigo 59 do Código Penal em relação ao acusado Natanael José da Silva.

Considero de alta reprovabilidade a conduta deste acusado, eis que aproveitou-se do cargo público para apropriar-se de dinheiro pertencente ao órgão que presidia, conduta apta a merecer exemplar reprimenda. De maneira artifi ciosa, criou mecanismo até certo ponto primário para assim desvirtuar a fi nalidade da verba apropriada, certamente na certeza da impunidade, pelo prestígio exercido na Casa Legislativa, conduzida com prepotência e compadrio.

Considerando todas essas circunstâncias, para um delito cujas penas cominadas

vão de dois a doze anos de reclusão, fi xo a pena-base em 04 (quatro) anos e 08 (oito)

meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de 100 dias-multa,

no valor de um salário mínimo dia, nos termos do art. 60 do Código Penal.

Em relação ao réu Francisco de Oliveira Pordeus, tendo presente as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, deixo consignado que era o réu responsável direto pela gestão do caixa da Assembléia Legislativa, ocupando o relevante cargo de confiança de Diretor do Departamento Financeiro, função decisiva para que fosse possível aliar-se ao Presidente do órgão e juntos, em co-autoria apropriarem-se de verba pública na modalidade de peculato-apropriação, conduta que merece o devido juízo de censura.

Assim, à vista dos elementos destacados, fi xo a pena-base em 03 (três) anos de

reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 100 dias-multa, cada um no

equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 101

SEGUNDO FATO (peculato-desvio)

Analisadas as diretrizes do ar. 59 do Código Penal e as circunstâncias em

que foi cometido este delito por Natanael José da Silva, quando atuava como

dirigente maior da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, da qual

era presidente, não se pode deixar de considerar de extrema gravidade o desvio

de verbas por ele patrocinado para atender a interesse próprio. Conduziu-se o

acusado de forma incompatível com o exercício do cargo, merecendo a devida

repreensão da Justiça.

À vista dessas circunstâncias fi xo a pena-base, dentro de um mínimo

de dois e um máximo de doze anos, em 03 (três) anos e 02 (dois) meses de

reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um no

equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal.

Pelo crime continuado, aplico a regra do artigo 71, caput, do Código Penal

(crime continuado) e a vista da existência concreta da prática de 02 (dois) crimes da

mesma espécie, com a mesma pena-base, aplico a pena de 03 (três) anos e 02 (dois)

meses, aumentada do critério legal de 1/6 (um sexto), fi cando o réu defi nitivamente

condenado a pena de 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial

aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um, no equivalente a 1 (uma) vez o

salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal.

TERCEIRO FATO (COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO - art.

344 CP)

Analisadas as diretrizes do ar. 59 do Código Penal, entendo que a conduta

do réu Natanael José da Silva, então Presidente da Assembléia Legislativa do

Estado de Rondônia, é dotada de extrema gravidade, visto que, opondo-se à

ordem judicial expedida por Juiz de Direito regularmente investido na função

jurisdicional, atentou contra um dos Poderes da República.

Demonstram as provas dos autos ter agido o denunciado com o fi rme

propósito de impedir o acesso dos executores do mandado a documentos que o

incriminassem pela prática dos delitos de peculato imputados na denúncia e que

restaram devidamente demonstrados na instrução criminal.

Foi o delito executado com o emprego de violência e de grave ameaça

contra agentes públicos incumbido de executar a ordem judicial, fato que revela

o total desprezo do réu para com a integridade física dos servidores públicos.

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À vista dessas circunstâncias fi xo a pena-base, considerando as penas cominadas

ao delito, mínimo de hum e máximo de quatro anos, em 02 (dois) anos e 04 (quatro)

meses de reclusão, acrescendo-se 04 (quatro) meses em razão da circunstância

agravante prevista no art. 61, II, b, do Estatuto Repressivo, fi cando, então, o acusado

condenado a uma pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime

inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um equivalente a 1 (uma) vez

o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal.

QUARTO FATO (SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO -

art. 305 CP)

Este delito, imputado aos denunciados Natanael e Evanildo é de gravíssimo potencial, visto que levada a termo com o emprego de fogo, visando destruir prova da prática dos crimes de peculato imputados na denúncia e que restaram comprovados em razão do êxito da primeira etapa da busca e apreensão.

À vista dessas circunstâncias fi xo a pena-base, considerando as penas cominadas

de dois a seis anos de reclusão, em 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão,

acrescendo-se 06 (seis) meses em razão das circunstâncias agravantes previstas no art.

61, II, b e d, do Estatuto Repressivo, fi cando, então, o acusado condenado a uma pena

de 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão em regime inicial aberto, e ao pagamento

de 30 dias-multa, cada um no equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos

termos do art. 60 do Código Penal.

Para o denunciado Evanildo Abreu de Melo, nos termos do art. 59 do Código Penal, verifi co que a conduta do acusado (à época, deputado estadual) é deveras reprovável, visto que agiu com o propósito de impedir o exercício da atividade-fi m do Corpo de Bombeiros, contribuindo para a consumação do delito de supressão de documento público realizado mediante o emprego de fogo.

À vista dessas circunstâncias fi xo a pena-base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses

de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, equivalente a

1/2 (meio) salário mínimo por dia, nos termos do art. 60 do Código Penal.

5) CONCLUSÃO: PENA DEFINITIVA

Na fi xação das penas defi nitivas, temos o somatório das penas já fi xadas e

que serão vistas de per si.

5.1) No tocante a Natanael José da Silva, as penas de cada um dos delitos

por ele praticados restou assim fi xada:

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 103

a) delito tipifi cado no art. 312, caput (peculato-apropriação), do Código Penal:

04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto e ao

pagamento de 100 dias-multa, cada um no equivalente a 1 (uma) vez o salário

mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal;

b) delito capitulado no art. 312, caput (peculato-desvio mediante crime

continuado), do Código Penal: 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime

inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um no equivalente a 1

(uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal;

c) delito tipifi cado no art. 344 do Código Penal (coação no curso do processo

judicial) c.c. art. 61, II, b, do Código Penal: 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de

reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um no

equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código

Penal; e

d) delito tipifi cado no art. 305 do Código Penal (supressão de documento público)

c.c. art. 61, II, b e d, do Estatuto Repressivo pátrio: 03 (três) anos e 08 (oito) meses

de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 30 dias-multa, cada um

no equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código

Penal.

Após o somatório das penas fi xadas e considerando-se a regra do art. 69, caput

(cúmulo material), do Código Penal, fi ca o réu defi nitivamente condenado à pena

de 14 (quatorze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao

pagamento de 170 dias-multa, cada um no equivalente a 1 (uma) vez o salário-

mínimo.

Nos termos do art. 92, I, b, do Código Penal, declaro, como efeito da

condenação, que o réu Natanael José da Silva perde o cargo de Conselheiro do

Tribunal de Contas do Estado de Rondônia.

5.2) Francisco de Oliveira Pordeus, pelo delito do artigo 312, caput

(peculato-apropriação), do Código Penal, fi ca defi nitivamente condenado à pena

de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 100 dias-

multa, cada um no equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60

do Código Penal.

É pertinente a substituição da pena privativa de liberdade, uma vez que o

réu preenche os requisitos alinhados no art. 44 do Código Penal, revelando ser a

substituição sufi ciente à repreensão do delito.

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104

Assim sendo, observado o disposto pelo art. 44, § 2°, (segunda parte) e

na forma dos arts. 46 e 48, todos, do Código Penal, substituo a pena privativa

de liberdade aplicada por 02 (duas) sanções restritivas de direito, consistentes

em prestação de serviços à comunidade, a ser cumprida em estabelecimento

assistencial que necessite de repasse de verba pública e limitação de fi m de

semana, a ser cumprida no departamento do Corpo de Bombeiros localizado no

Município de Porto Velho-RO.

5.3) Evanildo Abreu de Melo, pelo único crime do art. 305 do Código Penal

(supressão de documento público), fi ca defi nitivamente condenado à pena 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-

multa, cada um no equivalente a 1/2 (meio) salário mínimo, nos termos do art. 60 do

Código Penal.

É pertinente a substituição da pena privativa de liberdade, uma vez que o

réu preenche os requisitos alinhados no art. 44 do Código Penal, revelando ser a

substituição sufi ciente à repreensão do delito.

Assim sendo, observado o disposto pelo art. 44, § 2°, (segunda parte) e na

forma dos arts. 46 e 48, todos, do Código Penal, substituo a pena privativa de

liberdade aplicada por 02 (duas) restritivas de direito, consistentes em prestação

de serviços à comunidade a ser cumprida em estabelecimento assistencial

que necessite de repasse de verba pública e limitação de fi m de semana a ser

cumprida no departamento do Corpo de Bombeiros localizado no Município

de Porto Velho-RO.

Sem custas (art. 7º da Lei n. 11.636/2007).

É o voto.

QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Sr. Presidente, pelo que decorre

do voto da eminente Relatora, o ato de exoneração tem o objetivo principal

de deslocar a competência. Essa utilização em fraude a lei de um pedido

dessa natureza nos impõe o julgamento. Registro que no precedente do STF,

aqui invocado, fi cou expressamente assentado a inexistência, naquele caso, de

exercício abusivo do direito.

Por esta razão acompanho o voto da Sra. Ministra Relatora.

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QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Castro Meira: Sr. Presidente, peço vênia à divergência para

acompanhar o voto da eminente Ministra Relatora.

É como voto.

QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Sr. Presidente, também acompanho

o voto da eminente Ministra Relatora porque, pelo que disse S. Exa., não foi

publicado ainda o ato deferindo o requerimento e, evidentemente, em tese, pode

ocorrer a retratação e, como sabemos, a publicidade é inerente a matéria.

QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Hoje a competência é, induvidosamente do

Superior Tribunal de Justiça, resultante do fato de que o denunciado, conselheiro

do Tribunal de Contas, tem foro aqui.

A exoneração é um ato que demanda procedimentos não ultimados até o

momento; enquanto não irradiar os efeitos próprios, o denunciado permanece

sendo conselheiro e o Superior Tribunal de Justiça é competente para processar

e julgar a presente ação penal.

Por esse motivo estou acompanhando o voto da eminente Ministra

Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Esta Corte Especial, na sessão de 1º de

junho de 2005 recebeu, por unanimidade, a denúncia oferecida em desfavor dos

acusados: Natanael José da Silva, Francisco de Oliveira Pordeus, Irene Becária

de Almeida Moura, Vitor Paulo Riggo Ternes e Evanildo Abreu de Melo e, por

maioria, afastou o primeiro denunciado do cargo de Conselheiro do Tribunal de

Contas do Estado de Rondônia (fl . 401-435).

Em relação aos policiais militares Pedro César Veronezi, Wildney Jorge Canto

de Lima, Jerônimo Servo da Silva, David da Silva e aos agentes de segurança

Marcus Aurélio Costa Silva e Raimundo Felício do Nascimento, concluiu a Corte

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Especial por rejeitar a exordial acusatória, sob o fundamento de serem eles

ocupantes de cargos de baixa patente na Polícia Militar, treinados para dar

segurança aos parlamentares, sendo de intuir-se que jamais se rebelariam

contra as ordens emanadas de deputados estaduais, aos quais tinham o dever

de proteger, principalmente em episódio ocorrido no interior do prédio da

Assembléia Legislativa.

A Corte Especial também rejeitou a denúncia contra José Carlos de Oliveira

e Reinaldo Guimarães de Figueiredo, por ausência de indícios de autoria dos

crimes a estes imputados (supressão de documento público e coação no curso do

processo, respectivamente).

A decisão colegiada fi cou assim ementada:

Processo Penal. Peculato. Coação no curso do processo e supressão de documentos públicos.

Comprovada a materialidade e a autoria do crime de peculato dos três primeiros denunciados, recebe-se a denúncia quanto a esses crimes.

A coação exercida pelo primeiro denunciado, objetivando paralisar a ação da justiça e destruir provas, está materialmente comprovada.

Co-autoria de servidores públicos que tinham discernimento e independência para agirem segundo a lei, sem obediência a ordem manifestamente ilegal.

Humildes servidores representados por agentes de segurança e policiais de baixa patente não podem ser incriminados como co-autores, por terem agido por temor do patrão e chefe de hierarquia superior.

A gravidade do crime de peculato, com autoria comprovada via farta prova documental, autoriza o afastamento do réu Conselheiro do Tribunal de Contas.

Denúncia recebida em parte.

(APn n. 266-RO, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 1º.06.2005, DJ 12.09.2005, p. 193)

Pelo decurso do tempo, quase cinco anos de instrução, é bom relembrar

os fatos que levaram à denuncia, os quais podem ser resumidos nos tópicos

seguintes:

1) a partir de informações prestadas pelo servidor público Eduardo

Valverde Araújo Alves, em 28.05.2001, passou o Ministério Público do Estado de

Rondônia a investigar os pagamentos feitos pela Assembléia Legislativa a seus

servidores, mediante a emissão de cheques sacados da conta da instituição;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 107

2) pelas informações, o Presidente da Assembléia Legislativa, Natanael José

da Silva e Francisco de Oliveira Pordeus, Diretor do Departamento Financeiro da

Assembléia Legislativa, emitiam cheques da conta corrente de n. 350-07762-

3000-9, mantida pela Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, no banco

Sudameris, e posteriormente desviavam as ordens de pagamento;

3) com as investigações constatou o Ministério Público os acontecimentos

que levaram à abertura do presente processo, identifi cado por quatro tópicos

embasadores da denúncia:

I - P RIMEI RO FATO: P RÁT ICA DE P ECULATO-

APROPRIAÇÃO DO CHEQUE DE R$ 601.315,00 (ART. 312, CAPUT,

(PRIMEIRA PARTE), DO CÓDIGO PENAL)

Atribui o parquet aos acusados Natanael José da Silva, Francisco de Oliveira

Pordeus e Irene Becaria de Almeida Moura a prática de peculato-apropriação

tipifi cado no art. 312, caput, (primeira parte), do Código Penal, pelo fato de,

em 16 de fevereiro de 2001, Natanael José da Silva e Francisco de Oliveira

Pordeus, respectivamente, Presidente da Assembléia Legislativa e Diretor do

Departamento Financeiro da Assembléia, mediante acordo prévio de vontade,

emitiram, a débito da conta corrente de n. 350-07762-3000-9, da Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia, no Banco Sudameris, agência n. 350 de

Porto Velho-RO, o cheque de n. 004847, no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos

e um mil, trezentos e quinze reais) como comprovam os docs. de fl . 103-107 do

Apenso I e o doc. de fl . 1.320 do Apenso V.

O cheque foi sacado no dia 16.02.2001 (sexta-feira) pelo denunciado

Francisco Pordeus, e o valor dividido: R$ 1.315,00 (mil, trezentos e quinze reais)

foi para sua conta e o restante (R$ 600.000,00), foi deixado no próprio banco

para ser entregue à empresa Transeguro.

No dia seguinte (sábado), foi o valor transportado para a Distribuidora

de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda (Dismar), de propriedade de Natanael

(contrato social de fl . 348-368 do Apenso I).

Considerou o Ministério Público Estadual que os denunciados Natanael

e Francisco, utilizando-se dos seus cargos, juntamente com Irene, a quem foi

estendida a qualidade de servidora, por força do art. 30 do Código Penal,

cometeram peculato-apropriação, tipifi cado no artigo 312, na forma do art. 29

(praticando mediante concurso de pessoas) do Código Penal, ao apropriarem-se

do valor de R$ 601.315,00.

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II - SEGUNDO FATO: PRÁTICA DO DELITO DE PECULATO-

DESVIO, EM CONTINUIDADE DELITIVA, DE 55 (CINQUENTA E

CINCO) CHEQUES ADMINISTRATIVOS NO VALOR TOTAL DE

R$ 207.855,20 (ART. 312, CAPUT, (SEGUNDA PARTE), DO CÓDIGO

PENAL)

Ao denunciado Natanael José da Silva também é imputada a prática de

peculato na modalidade desvio, tipifi cado no art. 312, caput, (segunda parte), na

forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Com a quebra do sigilo bancário da conta da Assembléia Legislativa,

apurou-se que no período de janeiro a abril de 2001 foram emitidos 55

(cinquenta e cinco) cheques administrativos, nominais a pessoas físicas diversas,

num total de R$ 207.855,20, valor creditado na conta da empresa Dismar -

Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda, junto ao Bradesco, não

se podendo olvidar o fato de ser o denunciado Natanael José Da Silva sócio

majoritário da distribuidora.

A afirmação do parquet está documentalmente embasada na prova

documental, porque no verso dos 55 (cinquenta e cinco) cheques há um carimbo

do Bradesco, atestando que os valores representados na ordem de pagamento

foram creditados na conta n. 15.550-0, mantida pela Dismar, sendo todos os

cheques, no total de 55 (cinquenta e cinco), de emissão do denunciado Natanael,

em continuidade delitiva e em proveito próprio, sob o falso argumento de que se

tratava de pagamento dos salários dos servidores. Entretanto, localizadas muitas

das pessoas nominadas, afi rmaram nunca terem trabalhado na Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia.

III - TERCEIRO FATO: DELITO DE COAÇÃO NO CURSO DO

PROCESSO (ART. 344 DO CÓDIGO PENAL C.C. ART. 61, II, b, DO

CÓDIGO PENAL)

Aos denunciados Natanael José da Silva, Pedro César Veronezi, Wildney

Jorge Canto de Lima, Jerônimo Servo da Silva, David da Silva, Marcus

Aurélio Costa Silva, Raimundo Felício do Nascimento e Reinaldo Guimarães de

Figueiredo é imputada na denúncia o delito de coação no curso do processo,

art. 344, na forma dos arts. 29 (concurso de pessoas) e 61, II, b (para facilitar ou

assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime),

todos do Código Penal.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 109

Em relação a este delito Natanael, auxiliado pelos policiais militares Pedro

César Veronezi, Wildney Jorge Canto de Lima, Jerônimo Servo da Silva e pelos agentes de segurança da Assembléia Marcus Aurélio Costa Silva e Raimundo

Felício do Nascimento, teria proferido ameaças contra os servidores que estavam no prédio da Assembléia Legislativa cumprindo o mandado judicial de busca e apreensão, chegando ao ponto de utilizarem-se de força física.

Mais grave ainda foi a imputação feita ao primeiro denunciado, pois Natanael teria inviabilizado a apuração dos crimes de peculato, impedindo o cumprimento da segunda etapa da ordem judicial de busca e apreensão.

No dia 1º.06.2001, com a chegada de Natanael ao prédio da Assembléia, a equipe de servidores da Justiça e do Ministério Pública foi paralisado o cumprimento da ordem judicial pela violenta intervenção do denunciado, como registra a denúncia, atitude que tomou grandes proporções, principalmente pela inação do Comando Geral da Polícia Militar que se omitiu inteiramente quando chamado por telefone para coibir a brutal atitude da autoridade legislativa. O máximo que se obteve foi o comparecimento, ao local, de uma guarnição comandada pelo Tenente André Roberto de Azevedo, único policial que tentou preservar a legalidade e o cumprimento da ordem judicial. Porém, foi ele impedido de atuar pela força dos demais colegas, inclusive do Coronel da Polícia Militar Reinaldo Guimarães de Figueiredo, chefe da Assessoria Militar da Assembléia, o qual orientou o Tenente Azevedo, dizendo-lhe: “levar em banho-maria, porque ao fi nal poderia sobrar para ele, Tenente”.

IV - QUARTO FATO: SUPRESSÃO DE DOCUMENTO

PÚBLICO (ART. 305, C.C. ART. 61, II, b e d, NA FORMA DO ART. 29,

CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL)

Os denunciados Natanael José da Silva, Vitor Paulo Riggo Ternes, Evanildo

Abreu de Melo e José Carlos de Oliveira são acusados pelo crime de supressão

de documento público - art. 305, arts. 29, caput, e 61, II, b e d, todos do

Código Penal. E isto porque no mesmo dia 1º, por volta das 21:00h, quando

os executores do mandado judicial encontravam-se na sala do Departamento

Financeiro da Assembléia, o denunciado Natanael arrancou os computadores

que já estavam apreendidos pela equipe, jogando-os em uma sala localizada ao

lado do departamento fi nanceiro, destruindo os equipamentos, ao tempo em que

arrebatou a caixa onde estavam diversos documentos já apreendidos e passou a

rasgá-los para em seguida, colocando os destroços em uma pequena área que

forma uma espécie de jardim de inverno, jogar sobre eles álcool e atear fogo.

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O Corpo de Bombeiros foi chamado mas Natanael impediu a entrada dos

soldados, ordenando o trancamento do portão lateral de acesso ao prédio. Nesse

trabalho contou Natanael com o auxílio do denunciado Vitor Paulo Riggo Ternes,

então diretor logístico da policial militar, fornecendo informações equivocadas

aos bombeiros, indicando uma outra direção, dizendo que o incêndio era na casa

vizinha à Assembléia.

A falsa informação retardou a atuação dos bombeiros que só depois de

algum tempo, ao constatarem ser falsa a indicação, conseguiram adentrar no

pátio do prédio, momento em que foram interceptados pelos denunciados

Evanildo Abreu de Melo e José Carlos de Oliveira, respectivamente, deputado

estadual e vice-Presidente da Assembléia.

Com ameaça aos bombeiros os fi éis auxiliares, juntamente com Natanael,

inviabilizaram a ação do Corpo de Bombeiros.

Para o Ministério Público a ação dos denunciados Vitor Riggo Ternes,

Evanildo Abreu e José Carlos de Oliveira, difi cultando a ação dos bombeiros

e dando apoio ao proceder de Natanael, contribuiu para a destruição de

documento público, delito capitulado no art. 305, na forma dos arts. 29, caput e

61, II, do Código Penal.

Iniciada a ação foram interrogados os denunciados (fl . 620-627- Natanael

José da Silva; fl . 654-656 - Vitor Paulo Riggo Ternes; fl . 657-658 - Evanildo

Abreu de Melo; fl . 659-661 - Irene Becária de Almeida Moura; e fl . 812-816 -

Francisco de Oliveira Pordeus).

Seguindo-se a apresentação das defesas prévias, oportunidade em que

foram arroladas as testemunhas:

1) fl . 662-663 - Evanildo Abreu de Melo;

2) fl . 664-667 - Irene Becária de Almeida Moura;

3) fl . 672-673 - Natanael José da Silva;

4) fl . 817-818 - Francisco de Oliveira Pordeus; e

5) fl . 840-853 - Vitor Paulo Riggo Ternes).

Após a oitiva das testemunhas foram apresentadas as alegações fi nais: MPF

(fl s. 1.584-1.597); Vitor Paulo Riggo Ternes - fl . 1.604-1.617; Irene Becaria de

Almeida Moura - fl . 1.619-1.627; Francisco de Oliveira Pordeus - fl . 1.629-1.640;

e Natanael José da Silva - fl . 1.642-1.697, o qual juntou os docs. de fl . 1.697-

2.277 (recortes de jornais e cópias de processo de Tomada de Contas Especial

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 111

instaurado pelo Tribunal de Contas Estadual para apurar irregularidades na

Assembléia Legislativa).

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - ALEGAÇÕES FINAIS -

FL. 1.584-1.597.

O Ministério Público Federal afirma estarem os fatos articulados na

denúncia devidamente comprovados, destacando que o denunciado Natanael

José da Silva foi eleito no fi nal do ano de 2000 para o cargo de Presidente da

Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia e ao tomar posse em 1º de

fevereiro de 2001, cuidou de nomear Francisco de Oliveira Pordeus para o cargo

de Diretor do Departamento Financeiro.

Reafi rma o parquet que, em 16 de fevereiro de 2001, os acusados, mediante

acordo prévio de vontade, emitiram a débito da conta corrente de n. 350-07762-

3000-9, da Assembléia Legislativa, no Banco Sudameris, agência n. 350 de

Porto Velho-RO, o cheque de n. 004847, no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos

e um mil, trezentos e quinze reais) como comprovam os docs. de fl . 103-107 do

Apenso I e o doc. de fl . 1.320 do Apenso V.

O cheque foi sacado logo em seguida pelo denunciado Francisco de Oliveira

Pordeus, o qual reteve para si o montante de R$ 1.315,00 (um mil, trezentos e

quinze reais), repassando R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) para a empresa

Transeguro que, por intermédio dos seus prepostos, levou a importância à

Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda (Dismar), empresa que tem

o denunciado Natanael José da Silva como sócio majoritário, como consta do

contrato social (fl . 348-368 do Apenso I).

O valor foi recebido na Dismar pela funcionária Irene Becaria de Almeida

Moura, fato por ela confi rmado no interrogatório judicial (fl . 659-661).

Para o MPF os denunciados Natanael e Francisco, utilizando-se do cargo

público, condição que por ser elementar ao crime de peculato estendeu-se a Irene

Becaria de Almeida Moura, por força do art. 30 do Código Penal, estando todos

três incursos nas sanções do tipo do artigo 312, caput, na forma do art. 29, caput,

do Código Penal, praticando o delito de peculato na modalidade apropriação.

O órgão ministerial aduz que não subsiste a alegação dos denunciados de

que o montante sacado da conta da Assembléia Legislativa teve por destino

pagamento da folha de servidores comissionados. Para o parquet tal alegação não

encontra suporte em nenhum elemento dos autos, mesmo porque o montante

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sacado (R$ 601.315,00) é muito superior ao valor total da folha de pagamento

dos servidores comissionados da Assembléia no mês de janeiro de 2001, o qual

estava no importe de apenas R$ 330.835, 83 (trezentos e trinta mil, oitocentos

e trinta e cinco reais e oitenta e três centavos) que, somado aos encargos da

Previdência um montante de R$ 335.503,16 (trezentos e trinta e cinco mil,

quinhentos e três reais e dezesseis centavos).

Destaca o MPF que o denunciado Natanael disse ter sido insufi ciente

o valor de R$ 601.315,00 para cobrir o pagamento da folha dos servidores

comissionados, razão pela qual foi providenciado novo saque de R$ 179.002,81

(cento e setenta e nove mil, dois reais e oitenta e um centavos), como evidencia

o cheque sob n. 004852 de fl . 109-110 do Apenso I e fl . 1.322 do Apenso V,

valores que somados ultrapassam em muito o real valor da folha.

Mas a acusação contra este denunciado não se restringiu a este saque

apenas porque, segundo o MPF, 55 (cinquenta e cinco) cheques nominativos

foram emitidos contra o Banco Sudameris, agência 350, de Porto Velho-RO,

com o fi m de remunerar servidores comissionados da Assembléia Legislativa

de Rondônia, constatando-se, após a quebra do sigilo bancário da Distribuidora

de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda (Dismar), que as referidas ordens de

pagamento foram todas creditadas na conta da Dismar, valendo notar que

muitos dos benefi ciários nem chegaram a endossar os cheques emitidos a seu

favor.

Natanael alegou que os cheques foram “trocados” em seu estabelecimento,

mas o MPF afi rma não merecer crédito a alegação porque “...não é crível que

essa sociedade mercantil, a despeito de pujante, funcionasse, concomitantemente,

como (i) estabelecimento comercial, destinado à venda de bebidas em grosso e

a varejo, e (ii) instituição fi nanceira, o mais plausível é acreditar que os cheques

em comento, que somaram R$ 207.855,20 (duzentos e sete mil, oitocentos e

cinquenta e cinco reais e vinte centavos), em cifras de 2001, serviram para desviar

valores, que deveriam custear o funcionamento da Assembléia Legislativa do

Estado de Rondônia, e vinculá-los ao atendimento de interesses pessoais do seu

Presidente, por efi ciência do abjeto assentimento dos titulares dessas ordens de

pagamento.”

Segundo o órgão acusador a utilização de servidores indicados nas ordens

de pagamento como benefi ciários é graciosa porque a intenção do denunciado

Natanael era desviar valores em prol da sua empresa, ou remunerar pessoas

que estavam a seu serviço pessoal, como por exemplo os cheques destinados a

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 113

remunerar jornalistas admitidos na Assembléia Legislativa com a fi nalidade de

promover o denunciado Natanael, conforme demonstram os depoimentos de

Elianio Nazaré do Nascimento e Gerson Barbosa Costa.

Concluiu o parquet, por imputar ao denunciado Natanael José da Silva

o delito de peculato na modalidade desvio, tipifi cado no art. 312, caput, (segunda

fi gura), na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Com relação à suposta prática do delito de coação no curso do processo, o

MPF relata que no dia 1º de junho de 2001, membros do Ministério Público

do Estado de Rondônia, juntamente com Ofi ciais de Justiça, servidores do MP

Estadual e policiais civis, dirigiram-se à sede da Assembléia Legislativa do

Estado de Rondônia com o escopo de cumprir mandado de busca e apreensão

expedido por autoridade judiciária nos autos do processo judicial em que se

apurava eventual prática de delito de peculato por parte de Natanael e Francisco

Pordeus.

Os agentes públicos destacados para dar cumprimento à ordem judicial

ingressaram sem resistência na sede da Assembléia Legislativa e, quando

separavam os documentos e computadores úteis à investigação, foram

surpreendidos pela chegada do acusado Natanael que, acompanhado de

seguranças e contando com a omissão dos policiais denunciados Vitor Paulo

Riggo Ternes e Evanildo Abreu de Melo, passou a agredir os agentes públicos

que se empenhavam no cumprimento da ordem judicial, chegando, inclusive, a

destruir computadores e incinerar os documentos que seriam apreendidos.Para

tanto foi providenciado o corte da energia elétrica do prédio e bloqueadas as

entradas, o que inviabilizou o acesso do efetivo policial e do corpo de bombeiros,

quando irrompeu o incêndio provocado pelo Presidente da Assembléia.

Conclui o Ministério Público Federal por imputar a Natanael José da

Silva os delitos de coação no curso do processo e de supressão de documento público,

tipifi cados, respectivamente, nos arts. 344 e 305, c.c. art. 61, II, b e d, na forma do art.

29, caput ,todos do Código Penal.

VITOR PAULO RIGGO TERNES - ALEGAÇÕES FINAIS - FL.

1.604-1.617.

Este denunciado alega não ter praticado nenhum ilícito. Segundo sua

versão, foi designado pelo Comando da Polícia Militar para acompanhar a

suposta resistência à ordem judicial de busca e apreensão no prédio da

Assembléia Legislativa. Deslocou-se para o local e lá fi cou fora do prédio, tendo

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avisado ao Corpo de Bombeiros sobre o princípio de incêndio nos fundos do

edifício. Coube-lhe orientar os bombeiros quando chegaram ao local, ao seu

chamado e ao perceber que o portão lateral estava trancado sugeriu que os

soldados usassem uma entrada alternativa, existente nos fundos da Assembléia.

Nega ter obstruído o trabalho do Corpo de Bombeiros e considera

insubsistente a imputação de ter suprimido documentos públicos, aduzindo,

para tanto que, na exordial acusatória, o Ministério Público não cuidou de

demonstrar qual conduta teria sido por ele praticada com o fim de fazer

desaparecer os documentos, principalmente porque, quando os bombeiros

chegaram ao local os documentos já estavam sendo queimados.

Alega que o Corpo de Bombeiros levou de 15 a 20 minutos para chegar ao

local e quando chegou o portão de acesso ao prédio estava trancado e guarnecido

por seguranças e deputados, estes os reais óbices à tentativa de controlar o fogo.

Admite o denunciado, no máximo, estar incurso na modalidade culposa do

delito do artigo 305 do Código Penal, pelo fato de ter dito aos bombeiros, em

certo momento, que o fogo estava sob controle. Mas como não há a modalidade

culposa, o qual exige dolo específi co, não pode ser então apenado. Pede seja

julgada improcedente a denúncia.

IRENE BECÁRIA DE ALMEIDA MOURA - ALEGAÇÕES

FINAIS - FL. 1.619-1.627.

Para esta denunciada não há nos autos prova da sua participação na

apropriação de valores, razão pela qual considera-se merecedora de absolvição

da imputação do delito de peculato, previsto no art. 312 do Código Penal,

embora confi rme ser empregada da Dismar, empresa que ostenta como sócio o

Ex-Presidente da Assembléia Legislativa de Rondônia. Confi rma ter recebido

de boa-fé o dinheiro transportado pela empresa de segurança Transeguro, no

valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), destinado ao pagamento de

servidores comissionados da Assembléia Legislativa, prática que visou acabar

com os “servidores fantasmas”.

Também confi rma ter entrado em contato com a Transeguro, a pedido de

Natanael, cientifi cando-se da entrega para o dia seguinte e de que era necessário

haver um contrato da empresa com a Assembléia Legislativa para só então ser

possível o transporte. Em razão da ausência de contrato, Natanael determinou

fosse o valor recebido pela denunciada, em nome da Dismar que tinha contrato

fi rmado com a Transeguro.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 115

Assevera que não pode ser responsabilizada penalmente por ter recebido o

valor entregue pela transportadora e repassado de imediato para Natanael José da

Silva e Francisco Pordeus.

Considera defeituosa a acusação por ser genérica, não tendo o parquet

demonstrado o dolo, necessário para a confi guração do delito de peculato, sendo

inviável a condenação com base em responsabilidade objetiva.

FRANCISCO DE OLIVEIRA PORDEUS - ALEGAÇÕES FINAIS

- FL. 1.629-1.640.

Na versão deste acusado, no dia 16 de fevereiro de 2001, ele e Natanael

decidiram pagar os funcionários comissionados da Assembléia Legislativa

pessoalmente, para constatar a real situação da folha de pagamento, a qual estava

muito alta, no valor de R$ 601.315,00.

Natanael procurou saber qual a forma mais segura para transportar o valor

da folha de pagamento, que se encontrava depositado no banco Sudameris,

agência Porto Velho-RO. Buscou informações com sua empregada, Irene Becaria

de Almeida Moura, a qual informou que a empresa Transeguro poderia transportar

o dinheiro para a empresa Dismar, com a qual mantinha contrato de transporte

de valores. O funcionário da empresa Transeguro, por questão operacional,

orientou no sentido de que se fi zesse o transporte em valor redondo, ou seja,

R$ 600.000,00. Dai a decisão de ser entregue ao denunciado a importância de

R$ 1.315,00, o qual seria, no dia seguinte (sábado), juntado ao valor principal

transportado, para o pagamento da folha.

Considera não haver nos autos prova do delito que lhe é imputado, porque

não se apropriou do valor de R$ 1.315,00, tendo desempenhado seu mister na

Assembléia Legislativa, sob o primado da ética e da moral.

Assevera que o motivo pelo qual o pagamento dos servidores comissionados

foi feito no sábado, na sede da Assembléia Legislativa, foi acabar com os

servidores “fantasmas” do órgão.

Realça o fato de ter apenas providenciado o saque da quantia (R$

601.315,00) do banco Sudameris, não tendo praticado qualquer conduta dolosa

que pudesse se amoldar ao tipo do art. 312, caput, (segunda fi gura) do Código

Penal.

Considera defeituosa a denúncia pela generalidade da acusação, o que

torna inviável a sua condenação, eis que o delito de peculato exige, conforme

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jurisprudência reiterada, elemento subjetivo - animus rem sibi habendi. Pede a

improcedência da acusação ou em caso de condenação requer seja considerada a

sua primariedade.

NATANAEL JOSÉ DA SILVA - ALEGAÇÕES FINAIS - FL. 1.642-

1.696.

Em sede de preliminar, argüi a defesa a ilegalidade do meio de obtenção

do cheque de R$ 601.315,00, aduzindo, para tanto, que o processo criminal

instaurado contra o ora denunciado teve origem em prova ilícita obtida pelo

Ministério Público, contrariando, portanto, o art. 5º, LVI, da Constituição

Federal de 1988.

Aduz que na data de 28.05.2001, Eduardo Valverde, membro do Partido

dos Trabalhadores, protocolou denúncia junto ao Ministério Público, acostando

a esse requerimento cópia do cheque no valor de R$ 601.315,00 (fl . 02-08 do

Apenso I).

Afi rma que em 1º.06.2001 os Promotores de Justiça Aidee Torquato e

Rodney De Paula requereram ordem judicial de busca e apreensão na sede da

Assembléia Legislativa e ordem de quebra do sigilo bancário da conta corrente

que a Assembléia Legislativa mantém na agência do banco Sudameris, agência

Porto Velho-RO. Em 07.06.2001, o banco Sudameris, ao responder à Delegada

Presidente do Inquérito Policial n. 078/2001 a respeito do cheque n. 004847,

agência 350, no valor de R$ 601.315,00, consignou que a referida ordem de

pagamento exposta em órgão de imprensa foi obtida de forma ilegal (fl . 57-58).

Em 17.07.2001, o banco Sudameris encaminhou ao juiz os documentos

referentes à ordem de quebra do sigilo bancário, inclusive com a cópia do cheque

questionado. Considera que os procedimentos instaurados pelo Ministério

Público, cujos resultados constituem a matriz probatória da ação, tiveram

origem no cheque obtido de forma ilegal, fato que macula toda a investigação

empreendida, devendo ser aplicada a teoria da inadmissibilidade das provas

ilícitas por derivação, positivada no art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal.

Entende não subsistir a alegação do parquet de que não há sigilo quanto a

ordem de pagamento, por ser ela documento público.

Reitera a preliminar de nulidade do julgamento em que foi recebida a

denúncia, porque, após a juntada aos autos do Inquérito n. 403-RO deveria ter

sido oportunizado à defesa prazo para manifestar-se sobre os fatos apurados no

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 117

referido procedimento administrativo instaurado com o fi m de apurar suposta

prática de infração penal.

Assevera que formulou pedido de adiamento da sessão em que foi recebida

a denúncia, sendo o requerimento negado pela relatora, sob o fundamento

de que os fatos noticiados no inquérito policial encontram-se descritos na

denúncia, não havendo qualquer prejuízo para a defesa.

Alega que o Ministério Público Federal concordou com o pedido de vistas

formulado pela defesa e que a Corte Especial, ao acompanhar o voto da relatora

neste ponto, terminou por prejudicar a defesa e violar os princípios da ampla

defesa e do contraditório.

Reitera, ainda, a preliminar de nulidade de julgamento da Corte Especial

que, ao concluir pelo recebimento da denúncia em face do acusado, extrapolou

o juízo de delibação a que alude o art. 6° da Lei n. 8.038/1990, fato que não foi

solucionado pelo acórdão de fl . 500-509 que julgou os declaratórios opostos

pelo ora denunciado.

Assevera que a decisão de recebimento da denúncia contém vício grave que

termina por implicar na nulidade do julgamento, sob o argumento de que houve,

quando do recebimento da denúncia, verdadeiro pré-julgamento, procedimento

que, segundo o acusado, propagou-se durante toda a instrução criminal, tendo

esta relatora proferido decisões que prejudicaram a defesa do denunciado.

Alega que a Corte Especial, acompanhando voto da relatora, violou o

princípio do contraditório, sob o argumento de que, ao acolher embargos

declaratórios opostos pelo Ministério Público Federal às fl . 539-546, terminou

por alterar a decisão que recebeu a denúncia, acrescentando circunstâncias

agravantes a 02 (dois) delitos imputados ao denunciado.

Assevera que em 04.09.2007, o acusado insistiu na oitiva de testemunhas

ainda não inquiridas, sob o argumento de que o limite máximo de 08 (oito)

testemunhas refere-se a cada fato imputado ao acusado, requerimento negado

(fl . 1.018-1.019). Após o indeferimento quanto a oitiva das testemunhas de

defesa que excederam o número máximo de 08 (oito), cuidou o acusado às fl .

1.031-1.034 de insistir no restabelecimento do rol de testemunhas contido na

defesa prévia, peça na qual o denunciado arrolou 16 testemunhas (fl . 672-675).

Considera haver nulidade na instrução criminal, por ter ocorrido inversão

na oitiva das testemunhas de acusação e defesa, em contrariedade ao art. 396 do

Código de Processo Penal e ao art. 5º, LV, da CF/1988.

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118

Continuando, diz que por ocasião da abertura do prazo de diligências

requereu (fl . 1.544-1.548):

a) requisição de cópias de folhas de pagamento dos servidores

comissionados no período de janeiro a abril de 2001;

b) perícia grafotécnica dos 55 (cinquenta e cinco) cheques mencionados na

exordial acusatória, a fi m de comprovar a regularidade dos endossos;

c) requisição junto à 1ª Vara da Fazenda Pública do Estado de Rondônia

e ao Tribunal de Contas do Estado de Rondônia de cópia dos processos n.

001.2005.018940-8 e n. 4.470/2004 que tramitam, respectivamente, naqueles

órgãos e versam sobre os mesmos fatos apurados no presente processo e nos

quais constam diversos documentos de interesse para a defesa;

d) a requisição junto ao Comando do Corpo de Bombeiros do Estado

de Rondônia e à Polícia Técnica do Estado de Rondônia de cópias dos laudos

periciais realizados no prédio da Assembléia Legislativa no dia 1º.06.2001.

Como os requerimentos foram indeferidos (fl . 1.549-1.550), interpôs

agravo regimental (fl . 1.561-1.568), confi rmando o colegiado o indeferimento

(fl . 1.570-1.576).

Requer seja o processo anulado, garantindo-lhe o direito às provas nos

exatos termos pleiteado.

No mérito, reitera os termos da resposta preliminar de fl . 45-54, bem como

de seu interrogatório de fl . 620-628, mediante os quais teria demonstrado a

insubsistência da denúncia oferecida pelo Ministério Público. Destaca, ainda,

que realizada a instrução processual, resultou evidente a improcedência da

exordial acusatória, nos termos dos depoimentos prestados pelos Procuradores

de Justiça Jackson Abílio, Ivo Scherer, Senador Valdir Raupp, Deputados Francisco

Carvalho da Silva e Edézio Martelli.

Destaca trechos de depoimentos que demonstrariam a ocorrência de

perseguição ao acusado, relatando publicação de artigo na imprensa local em

que o Procurador de Justiça Ivo Scherer teria criticado a postura dos membros do

Ministério Público que participaram da diligência de busca e apreensão.

Assevera que a ação do Ministério Público do Estado de Rondônia foi

desencadeada como forma de retaliação à Comissão Parlamentar de Inquérito

instaurada pela Assembléia Legislativa com o escopo de investigar atos

praticados por Amadeu Machado, então Presidente do Tribunal de Contas do

Estado de Rondônia, pessoa infl uente na citada unidade da federação.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 119

Afi rma que tal perseguição fi cou demonstrada no depoimento prestado

pelo denunciado Francisco Pordeus junto ao Ministério Público Estadual, o

qual relatou a atitude desrespeitosa do então Corregedor-Geral do Ministério

Público para com a pessoa do depoente (fl . 1.397, vol. 6).

Atribui a perseguição às atitudes adotadas no primeiro ano de mandato, as

quais incomodaram certos agentes políticos, tornando-se persona non grata do

então Procurador-Geral de Justiça José Viana Alves.

A fi m de subsidiar a assertiva de excesso por parte do parquet, menciona

o denunciado trecho de pronunciamento realizado pelo Senador Amir Lando

na tribuna do Senado Federal, no qual reprova a conduta dos membros do

Ministério Público do Estado de Rondônia.

Pede sejam vistos com reserva os depoimentos prestados pelos membros do

parquet durante a instrução criminal, eis que o Procurador Abdiel, às fl . 1.420-

1.423 do vol. 6, negou ter conhecimento do que transcorria na Assembléia

Legislativa, cuja CPI instaurada para apurar irregularidades envolvendo terras

públicas, tinha como fi gura investigada a Promotora de Justiça Aidee Torquato.

O denunciado assevera que o Ministério Público do Estado de Rondônia

omitiu e manipulou provas, induzindo a erro o Ministério Público Federal.

Informa que, nos autos de procedimento administrativo instaurado pelo

Ministério Público Estadual, foram colhidos depoimentos de pessoas que

reconhecem ter recebido cheques emitidos para pagamento da folha de salários

dos servidores comissionados, confi rmando, inclusive, a autoria dos endossos.

Pleiteia o acusado sejam requisitadas cópias dos processos administrativos

instaurados pelo Ministério Público Estadual com o fi m de apurar os fatos objeto

da presente ação penal (Processos n. 001.2001.007769-2, 001.2001.007770-6 e

001.2005.018940-8).

Pretendendo esclarecer o seu comportamento, disse que, o primeiro ato por

ele praticado ao assumir a Presidência da Assembléia Legislativa foi combater a

existência de funcionários “fantasmas”. Para tanto idealizou efetuar o pagamento

pessoal aos servidores, divulgando amplamente no noticiário local.

Apoiando-se na Resolução Administrativa n. 003 do Tribunal de Contas

do Estado de Rondônia, legislação que rege o pagamento de pessoal, invoca o

teor do seu art. 50, § 2º que, dispondo sobre o pagamento de despesas, determina

sejam feitas, quando possível, mediante ordem bancária ou cheque nominativo.

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120

Como as alternativas legais eram ensejadoras da continuação de servidores

“fantasmas”, autorizou a Mesa Diretora da Assembléia Legislativa só haver

pagamento de salários a quem comparecesse pessoalmente à Assembléia no dia

17.02.2001 (sábado). Daí o procedimento adotado pelo acusado, para viabilizar

a entrega dos salários aos servidores.

Considera desarrazoada a imputação que lhe é feita quanto ao delito

de peculato, porque, caso fosse do seu interesse apropriar-se do valor de R$

601.350,00, não teria tomado providências de transportar os valores pela

Transeguro; teria sido mais conveniente apropriar-se do valor, simplesmente.

Aduz que, em momento algum da instrução criminal, foi negado o fato de

que o recurso a ser transportado pertencia à Assembléia Legislativa e a prática

utilizada resultou em economia para os cofres da Assembléia no montante de

R$ 400.000,00.

Informa que a liminar de busca e apreensão foi suspensa pelo Presidente

do TJ-RO à 1:00h do dia 02.06.2001 e dentre outros itens, determinou o

Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça que o parquet devolvesse

os documentos, cd´s e disketes apreendidos, providência não atendida pelo

MP. Requer seja requisitada a devolução dos documentos apreendidos úteis à

demonstração da inocência do acusado.

Considera incoerente a conduta do parquet, em razão de ter afi rmado que,

além do cheque de R$ 601.350,00, foi descontado, ainda, um outro cheque no

valor de R$ 179.002,81 da conta da Assembléia Legislativa (fl . 330 do apenso

I) para complementar o valor da folha de salários dos servidores comissionados.

Afirma que a ausência de aditamento da exordial acusatória acarreta no

reconhecimento por parte do parquet de que o cheque foi emitido com o mesmo

objetivo daquele que deu causa à instauração das investigações, qual seja, reduzir

a folha de pagamento da citada Casa Legislativa.

Com relação ao suposto desvio dos 55 (cinqüenta e cinco) cheques que

totalizaram o valor de R$ 207.855,20, argui o denunciado cerceamento de

defesa, aduzindo, para tanto, que deveria ter sido juntado aos autos os originais

das referidas ordens de pagamento, já que, segundo entende, faz-se necessária

realização de perícia para comprovação da idoneidade dos endossos.

Assevera que o parquet, na exordial acusatória, consignou que seria

necessário vir aos autos os originais dos cheques, em atenção ao art. 5º, LIV e

LV, da Constituição da República de 1988, o que terminou não ocorrendo.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 121

Quanto à limitação do número de testemunhas, considera-se prejudicado,

pois ficou impossibilitado de arrolar as testemunhas ouvidas no processo

administrativo instaurado perante o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia

e que declararam ter recebido os valores referentes aos cheques nominativos

emitidos pela Assembléia Legislativa. Alega que não pôde demonstrar a

insubsistência das imputações feitas ao denunciado de prática do delito de

peculato-desvio.

Afi rma que o parquet sustentou a denúncia em torno da apropriação-

desvio com base em prova colhida por amostragem, pois dos 2.600 cheques

emitidos pela Assembléia durante o período de janeiro a abril de 2001, o

Ministério Público do Estado de Rondônia encontrou apenas 55 (cinquenta e

cinco) emitidos de forma supostamente irregular.

Por fi m, afi rma não haver prova nos autos que autorize o julgamento de

procedência da exordial acusatória, devendo o denunciado ser absolvido, nos

termos do art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal.

Juntou aos autos os docs. de fl . 1.697-2.287, referentes a recortes de jornais

do Estado de Rondônia, cópias de processo administrativo instaurado pelo

Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, com o fi m de apurar desvio de

dinheiro público e cópia de petição inicial de ação civil pública ajuizada pelo

Ministério Público do Estado de Rondônia contra os ora denunciados, por meio

da qual o parquet busca a condenação dos requeridos em atos de improbidade

administrativa.

Consta da certidão de fl . 2.288, que o denunciado Evanildo Abreu de Melo,

apesar de intimado na pessoa do seu advogado constituído, deixou de apresentar

alegações fi nais.

Diante de tal situação, determinei a sua intimação da inércia do procurador

constituído e designei defensor público para o exercício do munus (fl . 2.410).

EVANILDO ABREU DE MELO - ALEGAÇÕES FINAIS - FL.

2.427-2.435.

Em preliminar, argui a nulidade do processo, aduzindo, para tanto, que

apesar do denunciado fazer jus à suspensão condicional do processo, tal benefício

não foi oferecido pelo parquet tampouco pela relatora quando do recebimento

da denúncia.

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Entende que a pretensão punitiva em relação ao denunciado restou alcançada pela prescrição virtual. Afi rma que, no caso de eventual condenação, será fi xada pena mínima de 02 (dois) anos, nos termos do art. 109, V, do Código Penal, sendo então reconhecida a prescrição, porque entre a data da prática do delito imputado ao denunciado (16.02.2001) e a data do recebimento da denúncia (1º.06.2005), transcorreu prazo superior a 04 (quatro) anos.

Imputado ao denunciado a prática do crime de supressão de documento público, tipifi cado no art. 305 do Código Penal, durante a instrução criminal, restou demonstrado que o acusado não teve nenhuma participação no cometimento da infração, atendo-se o MPF, nas razões fi nais, basicamente, às condutas perpetradas pelos acusados Natanael José da Silva, Francisco Pordeus e Irene Becaria, fato que pode ser compreendido como pedido de absolvição implícito, atribuindo ao denunciado postura absenteísta em relação às condutas levadas a termo pelos demais acusados. E conclui que, a partir do momento em que o parquet assevera que a conduta do denunciado foi absenteísta, termina por reconhecer ter tido ele conduta omissiva, o que não se coaduna com o elemento subjetivo do tipo para a hipótese em questão, só punido a título de dolo.

Ao fi nal, requer a absolvição, nos termos do art. 388, II e IV, do Código de Processo Penal.

Após a apresentação de todas as defesas preliminares adotei as seguintes providências:

a) a expedição de carta de ordem para oitiva de testemunhas arroladas pela defesa do denunciado Natanel José da Silva (fl . 2.289), providência levada a termo às fl . 2.362-2.379;

b) requisição ao Banco Real do original ou da microfi lmagem do cheque do banco Sudameris, de n. 004847, agência 0350, conta mantida à época dos fatos pela Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos e um mil e trezentos e quinze reais), (fl . 2.334), documento juntado às fl . 2.338-2.339;

c) requisição das folhas de antecedentes criminais dos denunciados junto à Polícia Civil do Estado de Rondônia e à Polícia Federal, (fl . 2.410), documentos juntados às fl . 2.439-2.451.

Após o cumprimento das determinações foram intimadas as partes.

Nos termos do art. 228 do RISTJ, abri vista para que as partes, no prazo de 05 (cinco) dias, requeressem o que considerassem conveniente apresentar na sessão de julgamento (fl . 2.455).

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 123

O Ministério Público Federal, às fl . 2.462-2.463, pugnou pela procedência

da ação penal, afi rmando que a microfi lmagem do cheque de n. 004847 (no

valor de R$ 601.315,00) demonstrou que este título restou compensado nos

termos expostos na exordial acusatória.

Assevera que os demais cheques relacionados às fl . 2.405 foram creditados

à sociedade Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda (Dismar),

conforme microfi lmagem de fl . 1.869-1.928.

Aduz que a sentença proferida pelo Juízo da Primeira Vara da Fazenda

Pública da Comarca de Porto Velho-RO condenou os réus pela prática de atos

de improbidade administrativa, em razão das condutas que deram causa às

acusações de peculato discutidas nesta ação penal.

A Defensoria Pública da União peticionou às fl . 2.466, afi rmando não havia

nada a ser requerido nesta oportunidade, reservando-se no direito de alegar o

que entendesse devido na sessão de julgamento.

Natanael José Da Silva pronunciou-se às fl . 2.470-2.474, afi rmando não

estar o processo em condições de ser submetido a julgamento, eis que, em razão

das diligências determinadas pela relatora (fl . 2.289-2.290), faz-se necessária a

reabertura de prazo para manifestação das partes sobre a prova testemunhal e

documental colhidas.

Considera necessária a remessa dos 55 (cinquenta e cinco) cheques

requisitados às fl . 2.290 para perícia, bem assim a oitiva, na sessão de julgamento,

da testemunha de defesa Reinaldo Guimarães de Figueiredo, à época dos fatos

Chefe da Casa Militar da Assembléia Legislativa de Rondônia, cujo endereço

constante dos autos.

Com esteio no art. 228, § 1º, do RISTJ, indeferi os pedidos formulados,

deixando para melhor fundamentar a decisão na sessão de julgamento.

Autos encaminhados ao Ministro Revisor Francisco Falcão.

É o relatório.

VOTO-REVISÃO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Senhor Presidente, o Ministério Público

do Estado de Rondônia ofereceu denúncia em face de diversas pessoas, sendo a

exordial acusatória recebida apenas em relação a Natanael José da Silva, Francisco

de Oliveira Pordeus, Irene Becaria de Almeida Moura, Vitor Paulo Riggo Ternes

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e Evanildo Abreu de Melo, acusados da autoria, em concurso, dos crimes de

peculato-apropriação, peculato-desvio, coação no curso do processo e supressão

de documentos públicos.

Segundo a denúncia, os denunciados Natanael José da Silva e Francisco de

Oliveira Pordeus, nas qualidades de Presidente da Assembleia Legislativa do

Estado de Rondônia e Diretor Financeiro daquela Casa, emitiram o cheque

n. 004847, no valor de R$ 601.315,00, contra a conta n. 07762-3000-9, do

Banco Sudameris, agência única em Porto Velho, supostamente para cobrir

a folha de pagamento dos servidores do Parlamento, incluindo os servidores

comissionados.

Quando do cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão

dos documentos contábeis da Assembleia Legislativa, deferida no curso da

investigação tendente a apurar possíveis ilícitos na utilização dos valores acima

declinados, o denunciado Natanael José da Silva teria ofendido e ameaçado os

agentes públicos responsáveis pelo cumprimento da ordem judicial em apreço,

criando obstáculos ao seu cumprimento, e, ato contínuo, destruiu. mediante

utilização de fogo documentos públicos que já estavam em poder de ofi ciais

de justiça e em concurso com Evanildo Abreu de Melo, impediu o acesso dos

Bombeiros ao local do fogo.

É o relatório. Passo a decidir.

PRELIMINARES

O réu Natanael José da Silva articula preliminares que, a meu sentir, já foram

quase todas abordadas e rechaçadas pela Ministra Relatora por oportunidade

do recebimento da denúncia e do julgamento dos embargos declaratórios que

lhe seguiram. Adotando as mesmas razões de decidir, afasto as preliminares

suscitadas, acrescentando apenas que no que diz respeito à inversão da ordem da

oitiva de testemunhas, que a jurisprudência desta Corte é pacífi ca no sentido de

que tal fato, por si só, não gera nulidade processual.

As preliminares suscitadas pelo réu Evanildo Abreu de Melo são também

improcedentes, já que assente nesta Corte que o advento da Lei n. 10.259/2001

não derrogou o art. 89 da Lei n. 9.099/1995 no que diz respeito aos critérios

objetivos para concessão do sursis processual (HC n. 98.627-RS e HC n.

96.627-RJ), e a tese da prescrição virtual não encontra guarida no STF nem

nesta Corte.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 125

MÉRITO

A materialidade de todos os delitos está comprovada, bem como as autorias atribuídas aos réus Natanael José da Silva, Francisco de Oliveira Pordeus e Evanildo Abreu de Melo.

Entretanto, em relação à ré Irene Becaria de Almeida Moura, entendo ser improcedente a acusação, pois salvo a hipótese de ajuste prévio, inexiste co-autoria após a consumação do delito, como já decidiu esta Corte (HC n. 39.732-RJ).

Há que se indagar se o momento consumativo do crime de peculato-apropriação se deu quando do saque do cheque de R$ 601.315,00 ou na entrada do numerário na distribuidora Dismar, onde trabalhava a ré Irene Becaria de

Almeida Moura?

Ao sair da esfera de disponibilidade do ente público e fi car à disposição de terceiros no banco para transporte, os valores já haviam sido apropriados, de modo que quando da atuação da denunciada em questão, ou seja, na chegada do dinheiro à distribuidora Dismar, o delito de peculato-apropriação já estaria consumado, não havendo que se considerar a hipótese de co-autoria, conforme precedentes desta Casa (REsp n. 985.368-SP).

Observo quanto ao crime de supressão de documento público que o documento de fl s 89-90 dá a entender que o Corpo de Bombeiros foi acionado pelo réu Vitor Paulo Riggo Ternes, justamente para evitar maiores danos aos documentos.

Tal fato tem, a meu juízo, o condão de vulnerar a tese acusatória, que não restou devidamente comprovada no curso da instrução processual, motivo pelo qual tenho por improcedente a pretensão acusatória em face do réu Vitor Paulo

Riggo Ternes.

Por tudo quanto exposto, entendo procedente a pretensão punitiva estatal no que diz respeito às acusações lançadas em desfavor de Natanael José da Silva,

Francisco de Oliveira Pordeus e Evanildo Abreu de Melo, e improcedente quanto aos réus Irene Becaria de Almeida Moura e Vitor Riggo Ternes.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Sr. Presidente, estou de acordo não só com a

rejeição de todas as nulidades, porque não houve comprovação de prejuízo, como

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estou também com a conclusão quanto ao voto mérito, cuja prova inequívoca

resultou naquele pagamento sabático, grotesco, e com a dosimetria da pena que

agora se encerra.

Acompanho, integralmente, o voto da Sra. Ministra Relatora.

Presidente o Sr. Ministro Ari Pargendler

Relatora a Sra. Ministra Eliana Calmon

Revisor o Sr. Ministro Francisco Falcão

Sessão da Corte Especial - 05.05.2010

Nota Taquigráfi ca

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Sr. Presidente, acompanho a

eminente Relatora, agora com a adequação feita, o regime inicial, como já foi

registrado, com relação ao acusado Natanael José da Silva, será o fechado, e a

execução deve ocorrer após o trânsito em julgado, conforme jurisprudência.

AÇÃO PENAL N. 453-PR (2006/0102162-1)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Autor: O B

Advogado: Aquibaldo Almeida Leite

Réu: C da S F

Réu: S B R

Advogado: Estela Maria Faraj Torrens

EMENTA

Ação pública condicionada. Artigo 140, § 2º, do Código Penal.

Crime de injúria, com lesões corporais. Querelado magistrado. Queixa.

Impossibilidade titularidade do Ministério Público. Precedente.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 127

I - Tratando-se de suposto crime de injúria, com lesões corporais,

praticado por desembargador estadual, a ação penal é pública

condicionada, de titularidade do Ministério Público, não tendo o

querelante legitimidade para agir. Precedente: APn n. 39-BA, Rel.

Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 15.02.1993.

II - Queixa rejeitada, com a reautuação do procedimento como

inquérito e seu envio ao Ministério Público, nos termo em que

solicitado.

III - Prejudicada a Sindicância n. 77-PR em apenso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A

Corte Especial, por unanimidade, rejeitou a queixa-crime e determinou a

reautuação do feito como inquérito, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de

Noronha, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Cesar Asfor

Rocha, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp e Hamilton Carvalhido votaram

com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Felix Fischer. Ausentes,

justifi cadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e o Sr. Ministro Teori Albino

Zavascki. A Sra. Ministra Eliana Calmon foi substituída pelo Sr. Ministro

Massami Uyeda.

Brasília (DF), 03 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Francisco Falcão, Relator

DJe 15.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Omar Barghouthi ofereceu queixa-crime

contra Carvilio da Silveira Filho, desembargador do Tribunal de Justiça do

Paraná e sua assessora, Sheila Betina Radloff , ex-esposa do requerente.

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128

Sustenta que em decorrência de vários desentendimentos ocorridos entre

o querelante e sua ex-esposa, inclusive em relação à guarda de seus dois fi lhos,

discussão que já se encontra delimitada no âmbito do Judiciário, em autos

junto à 1ª Vara da Infância e Juventude de Curitiba, culminou por ser agredido

fi sicamente pelos réus aqui apontados, na casa dos avós de seus fi lhos, onde “(...)

foi atirado ao chão, sendo espancado com chutes, bofetões e arranhões, e, caído

ao chão, foi, por várias vezes, cuspido no rosto por Carvilio (...)” - (fl . 09).

Incontinenti, foi à Delegacia de Polícia prestar queixa e no momento em

que lá estava, chegaram parentes de Sheila, acompanhados de dois policiais

militares, e começaram a agredi-lo verbalmente e, mesmo diante do escrivão

que mandava que se retirassem da sala, deram-lhe chutes, socos e empurrões,

provocando lesões corporais no querelante.

Requer seja recebida a presente queixa crime para, ao fi nal, ser julgada

procedente a presente ação penal privada, com a condenação dos querelados

como incursos nas penas do artigo 140, § 2º, do Código Penal.

O feito foi inicialmente distribuído ao Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp.

Os querelados apresentaram defesa (fl s. 101-21) alegando, em síntese,

que somente queriam levar uma vida normal, sem serem atrapalhados pelo

querelante nas suas intromissões espúrias, e que seu comportamento se mostra

em evidente deslealdade processual.

Invocam a existência de uma ordem judicial impedindo o querelante de se

aproximar de um de seus fi lhos, a qual pretendia ele desrespeitar, tendo forçado

a entrada na casa dos avós do menino, o que ocasionou a contenda física entre

eles. Afi rmam que da parte dos querelados não houve violência, agressão ou

qualquer abuso, apenas atos tendentes a assegurar-lhes o respeito e a dignidade.

Versando sobre os mesmos fatos ora em apuração, foi instaurada a

Sindicância n. 77-PR, cuja relatoria me foi atribuída e se apresenta agora

apensada ao presente feito.

Sabendo-se da existência desta Ação Penal e também da AP n. 453-

PR, numa possível litispendência, a audiência preliminar do Desembargador

Carvílio da Silveira Filho foi desmarcada para análise da questão (fl . 191, da

citada Sindicância).

Constatado que a AP n. 453-PR teve como relator o nobre Ministro Gilson

Dipp, encaminhei-lhe os autos para que se manifestasse sobre sua prevenção (fl .

194, da Sindicância), o que foi feito nos seguintes termos:

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 129

Em atenção ao despacho de fl . 194, pela análise dos presentes autos, bem como da Ação Penal n. 453-PR, verificou-se que ambos os feitos tratam dos mesmos fatos, relativos à ocorrência, em tese, de agressões físicas supostamente praticadas por C. da S. F. e S. B. R. contra O.B., na cidade de Ibirama-SC.

A referida Ação Penal n. 453-PR foi distribuída em 19.05.200, não se vislumbrando, contudo, a prevenção indicada à fl . 34, eis que a matéria aventada na RP n. 346-PR, concernente a supostas agressões contra o adolescente M. R. B., não se identifi ca com os fatos ora apreciados.

A Sd n. 77-PR, por sua vez, foi distribuída ao Ministro Francisco Falcão em 23.03.2006.

Dessa forma, não se verifi cando a prevenção indicada à fl . 34 da APn 453-PR, e em observância ao disposto no art. 71 do RISTJ, retornem estes autos ao Ministro Relator, bem como a ele seja encaminhada a APn n. 453-PR, para providências cabíveis (fl . 197).

Acatei a prevenção, e ambos os feitos foram apensados (fl . 203) e determinei

a oitiva ministerial.

Em resposta ao despacho de fl . 199, o Ministério Público Federal assim se

manifestou, verbis:

2. O Ministério Público, em atenção ao despacho de fl . 199, requer o que se segue:

a) rejeição da queixa em face do que determina o art. 145 do CP;

b) após a rejeição, a reautuação da presente ação penal e da Sindicância n. 77 como inquérito policial, para que o parquet tome as providências legais cabíveis.

3. Em razão da presente ação penal e da SD n. 77 tratarem dos mesmos fatos, resta prejudicada a tramitação da referida sindicância, que deverá seguir o procedimento da presente ação penal (fl . 203).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): O presente feito, tal qual como

instaurado, não merece prosperar.

Como visto trata-se de ofensas, verbais e físicas, atribuídas a magistrado.

O artigo 145, do Código Penal é do seguinte teor, verbis:

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130

Art. 145. Nos crimes previstos neste capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

O querelante enquadra os querelados como incursos nas penalidades do

artigo 140, § 2º, do Código Penal, que é do seguinte teor:

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa

(...) omissis.

§ 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Em caso semelhante já se manifestou esta c. Corte Especial:

Processual Penal. Ação pública condicionada a representação do ofendido. Crime de calúnia, difamação e injuria. Instauração da ação penal mediante queixa. Impossibilidade. Código Penal. Arts. 145, parágrafo único e 141, inciso II. Rejeição.

No sistema penal brasileiro, o monopólio da ação penal pública, condicionada ou não, pertence ao Ministério Público, como decorrência da função institucional que lhe foi deferida, com exclusividade pela Constituição Federal.

Em se tratando, no caso de ofensa irrogada a funcionário publico no exercício de sua função (juiz do trabalho), a ação penal e publica condicionada e o seu titular o Ministério Público, não tendo, o ofendido, legitimidade para agir, na persecução punitiva, mediante queixa.

Queixa crime a que se rejeita (artigo 43, III, do Código Penal).

Decisão unanime (APn n. 39-BA, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 15.02.1993, p. 1.651).

Dos termos do voto do nobre relator, colho os seguintes fundamentos:

A presente ação penal não pode prosperar, porque encontra óbice inarredável, qual seja, o de que, em face da lei punitiva, não poderá ser manejada pela iniciativa da querelante. É que, tendo as ofensas sido irrogadas a magistrado, como bem salientou o ilustre Subprocurador Geral da República, “a ação a ser instaurada, na espécie, é a pública condicionada, de exclusiva iniciativa do

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 131

Ministério Público, mediante representação do ofendido” (Código Penal, artigo 145, parágrafo único, e artigo 141, inciso II).

O monopólio da ação penal pública, incondicionada ou condicionada, pertence ao Ministério Público. Trata-se de função institucional que lhe foi deferida, com exclusividade, pela Constituição Federal de 1988 (STF Pleno, RTJ, volume 135/510).

É, pois, impossível, à querelante, ajuizar a presente queixa, porquanto, em se tratando de ação pública, ainda que submetido à condição de ter havido representação, só pode ser iniciada pelo Ministério Público, admitindo-se a iniciação pelo ofendido - nos crimes de ação pública se esta não for intentada no prazo legal (RTJ, volume 136/654).

Tratando-se de ofensa irrogada a funcionário público, o STF assentou, em jurisprudência iterativa, “a ação penal é pública condicionada e seu titular o Ministério Público, não sendo parte legítima o próprio ofendido para agir mediante queixa” (DJU de 12.06.1987, p. 11.856).

Assim sendo, rejeito a presente queixa, nos moldes do artigo 395, II do CPP

e, acolhendo a manifestação ministerial, tendo em vista que a queixa ora rejeitada

subsiste como manifestação de vontade do ofendido, no sentido da persecução

criminal, determino a reautuação do feito como inquérito, remetendo-o em

seguida ao Ministério Público para as providências que entenda de direito,

declarando, também, prejudicada a Sindicância n. 77-PR, em apenso.

É o voto.

VOTO-VISTA (EM MESA)

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Sr. Presidente, pedi vista dos autos

apenas por uma pequena questão, porque me parecia que a ação penal pública

é condicionada e, efetivamente, o é, porque depende de representação, mas a

inicial da queixa supre essa manifestação de vontade específi ca.

É o que se deve deixar bem claro, porque se está a falar em ação pena

pública incondicionada.

Portanto, com o esclarecimento, acompanho o voto da relatoria, rejeitando

a queixa-crime e acolhendo a manifestação do eminente Subprocurador-Geral

da República, determinando a reautuação do feito como inquérito.

É o voto.

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AGRAVO REGIMENTAL NA REPRESENTAÇÃO N. 388-DF (2008/0200870-4)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Agravante: Weliton Militão dos Santos

Advogado: Labibe Maria de Araújo

Agravado: J A M

EMENTA

Agravo regimental contra decisão que determinou o arquivamento do

feito proposto pelo Ministério Público.

Penal e Processual Penal. Representação. Agravo regimental.

Arquivamento a requerimento do Ministério Público. Lei n.

9.800/1999. Petição em original incompleta. Impossibilidade. Não

conhecimento do recurso.

I - A parte que se utilizar da faculdade prevista no art. 4º da Lei

n. 9.800/1999 torna-se responsável pela entrega da peça processual de

forma completa, tanto do fac-símile como do original.

II - Certificada nos autos a discordância entre as duas

peças, uma vez que o original não incluía a última folha, na qual

constaria a assinatura do advogado que representa o agravante, resta

impossibilitado o conhecimento do recurso.

III - Agravo regimental não conhecido.

Agravo regimental contra despacho que determina abertura de vista

dos autos ao Ministério Público.

Penal e Processual Penal. Representação. Agravo regimental

abertura de vista dos autos ao Ministério Público. Despacho

irrecorrível. Ausência de pressupostos recursais. Não conhecimento

do recurso.

I - O despacho que determina abertura de vista dos autos ao

Ministério Público Federal em sede de agravo regimental, por não

conter carga decisória, não suscita interesse recursal.

II - Agravo regimental não conhecido.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 133

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A

Corte Especial, por unanimidade, não conheceu dos agravos regimentais, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi,

Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Castro Meira, Arnaldo Esteves

Lima, Massami Uyeda, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, Gilson Dipp e

Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedidos os Srs.

Ministros Teori Albino Zavascki, Aldir Passarinho Junior e Eliana Calmon.

Ausentes, justifi cadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e o Sr. Ministro

Teori Albino Zavascki. A Sra. Ministra Eliana Calmon foi substituída pelo Sr.

Ministro Massami Uyeda.

Brasília (DF), 03 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Francisco Falcão, Relator

DJe 08.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de dois agravos regimentais

manejados em sede de representação formulada por Weliton Militão dos Santos

em face de Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

O agravante apresentou, em 1º.09.2008, notícia crime, tombada como

Representação 388, na qual narrava que o representado teria infringido a Leis

n. 9.296/1996, 5.898/1965 e § 1º do art. 312 do CPB, quando, na qualidade de

Corregedor do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, instaurou persecução

penal e decretou a prisão administrativa do representante, Juiz Federal,

usurpando competência do órgão especial da Corte Regional, além de ter

permitido o vazamento do conteúdo de interceptações telefônicas decretadas

ilegalmente. Ventilou-se, ainda, o recebimento ilegal de verbas a título de diárias.

Vista ao Ministério Público Federal em 02.10.2008 (fls. 1.035), que

recebeu os autos em 13.10.2008 (fl s. 1.045), e os devolveu em 23.10.2008,

requerendo o arquivamento da notícia crime (fl s. 1.046-1.051).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

134

O então Relator, Min. Hamilton Carvalhido, vislumbrando a possibilidade

de conexão entre a presente Representação, a Representação n. 384-DF e Ação

Penal n. 550-DF, submeteu consulta nesse sentido ao Min. Paulo Gallotti,

relator desses feitos, por conexão ao Inquérito n. 603-DF. (fl s. 1.096).

Respondendo positivamente à consulta supra, o Ministro Paulo Gallotti

determinou a redistribuição, por prevenção, dos autos desta Representação (fl s.

1.098), despacho publicado em 06.02.2009 (fl s. 1.109).

Em 12.02.2009, alegando inexistir conexão a ensejar a reunião dos feitos,

o representante interpôs, via fac-símile, agravo regimental procurando obstar

a redistribuição determinada às fl s. 1.098, sendo que a petição original foi

protocolizada apenas em 19.02.2009 (fl s. 1.106-1.108 e 1.111-1.113).

Em 06.08.2009 o feito foi atribuído à relatoria do Ministro Teori Albino

Zavascki (fl s. 1.130), que por sua vez determinou a redistribuição ao Relator do

Inquérito n. 603-DF (fl s. 1.131).

O Ministro Nilson Naves, Relator do Inquérito n. 603-DF, determinou a

livre redistribuição do feito, o que foi feito a 23.10.2009, cabendo ele à minha

relatoria (fl s. 1.146-1.151).

Em 12.11.2009, alegando inércia do Ministério Público Federal quando

aos fatos narrados, o representante ajuizou ação penal privada subsidiária da

pública, tombada como Sindicância n. 217-DF, a qual, em 23.10.2009 foi

apensada à presente Representação n. 388-DF.

Tendo em vista que, conforme sólido entendimento jurisprudencial

desta Corte, o pedido de arquivamento formulado pelo Ministério Público

Federal vincula as decisões judiciais no âmbito desta Corte e que tal pedido

de arquivamento foi deduzido antes da interposição do agravo regimental que

objetivava impugnar o despacho que ordenou a redistribuição dos autos, entendi

por bem considerar prejudicado o referido agravo e determinar o arquivamento

da Representação, em atendimento à pretensão ministerial (fl s. 1.162-1.163),

o que, por via de consequência, demandaria também o arquivamento da

Sindicância n. 217-DF.

Irresignado, o representante interpôs agravo regimental em face da decisão

de arquivamento, aduzindo, em síntese:

a) incompetência absoluta deste relator para determinar o arquivamento

dos autos;

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 135

b) preclusão da faculdade do Ministério Público Federal requerer o

arquivamento do feito, tendo em vista que se tratava de ação penal privada

subsidiária da pública, ensejada justamente pela inércia do Parquet;

c) ilegalidade da decisão.

Ordenada vista dos autos ao Ministério Público Federal, opinou-se no

sentido de que fosse desprovido o recurso (fl s. 1.232-1.236).

Mais uma vez o representante interpôs agravo regimental, desta feita

irresignado com o despacho que concedeu vista dos autos ao Ministério

Público Federal, aduzindo que caberia ao relator efetuar juízo de retratação do

arquivamento dos autos ou levar o agravo a julgamento, mas jamais colher o

opinativo ministerial.

Existem, portanto, dois recursos de agravo regimental em exame: um em

face da decisão que determinou o arquivamento do feito e outro a impugnar o

despacho que abriu vista dos autos ao Ministério Público Federal para que se

manifestasse sobre o agravo regimental anterior.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): A questão, a princípio, pode

parecer um tanto quanto complexa, mas em verdade não é.

O representante foi investigado no bojo da denominada “Operação

Passárgada” da Polícia Federal, por intermédio da qual buscavam-se indícios do

cometimento de crimes quando do levantamento, mediante ordem judicial, de

repasses do Fundo de Participação do Municípios.

Não só a presente representação, mas também a Ação Penal n. 550-DF, a

Representação n. 384-DF e o Inquérito n. 603-DF têm a mesma motivação. Por

conta disso houve questionamentos quanto a possíveis vinculações a tais feitos,

vinculações essas que depois verifi cou-se inexistirem.

Cumpre-se esclarecer, ainda, que trata-se de feito extremamente

tumultuado, no qual o representante insiste em questionar até mesmo os pedidos

de vista formulados pelo representado ou os despachos que conferem vista dos

autos ao Ministério Público Federal.

E, diante de tal tumulto, é mister apresentar os fatos de maneira clara e na

sua ordem cronológica.

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136

Assim é que, em síntese, tem-se uma notícia crime (Rp n. 388-DF),

cujo arquivamento foi requerido pelo Ministério Público Federal, sendo que,

posteriormente foi questionada a redistribuição do feito, por via de agravo

regimental, e manejada ação penal privada subsidiária da pública (Sd n. 217, em

apenso).

Ora, como a promoção de arquivamento do Ministério Público vincula

as decisões desta Corte e foi lançada aos autos antes da interposição do agravo

regimental retromencionado, os autos foram arquivados e o agravo regimental

considerado prejudicado, o qual, diga-se de passagem, não teve o original da

petição apresentado no prazo conferido pelo art. 2º da Lei n. 9.800/1998, o que

seria mais um motivo para o não conhecimento do recurso.

Da mesma maneira, a apresentação de uma ação penal privada subsidiária

da pública, ao fundamento de inércia ministerial, se apresenta como um ato

despido de qualquer razoabilidade.

Muito claramente pode ser verifi cado que o Ministério Público Federal

teve vista dos autos da presente representação em 13.10.2008 (fl s. 1.045) e

opinou pelo seu arquivamento em 23.10.2008 (fl s. 1.051), ou seja, em apenas

dez dias, o que espanca, indubitavelmente, qualquer dúvida quanto à tempestiva

atuação ministerial, afastando a possibilidade de ajuizamento de queixa

subsidiária.

Especifi camente ao que diz respeito aos agravos regimentais ora em análise,

temos que o primeiro deles ataca a decisão de arquivamento da Representação

n. 388-DF e Sindicância n. 217-DF, e o segundo, inacreditavelmente, objurga o

despacho que, no âmbito do primeiro agravo regimental, deu vista dos autos ao

Ministério Público Federal.

Em existindo dois recursos de agravo regimental pendentes de julgamento,

entendo ser de bom alvitre uma análise individualizada de ambos.

O primeiro dos recursos em tela, por uma série de fundamentos, acima

apontados, objetiva a impugnação da decisão que determinou o arquivamento

do feito.

O recurso não transpõe o juízo de admissibilidade.

Às fl s. 1.167-1.194 consta petição enviada via fac-símile, nos termos da

Lei n. 9.800/1999.

Já às fl s. 1.197-1.223, consta o original da petição acima citada, mas não

correspondendo ao documento remetido prefacialmente via fac-símile.

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Às fl s. 1.226, a Coordenadoria da Corte Especial certifi ca que a petição

recebida em original não corresponde integralmente àquela remetida via fac-

símile.

Acentue-se que o documento em original não contém assinatura nem o

nome do procurador do representante. É apócrifo.

De acordo com o sólido entendimento desta Corte, a situação em apreço

equivale à inexistência do recurso.

Destaco os seguintes precedentes, verbis:

Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo de instrumento. Lei n. 9.800/1999. Fac-símile. Petição incompleta.

1. “Quem fizer uso de sistema de transmissão torna-se responsável pela qualidade e fidelidade do material transmitido, e por sua entrega ao órgão judiciário.” (artigo 4º da Lei n. 9.800/1999).

2. Não há como conhecer do recurso quando incorrespondentes o fac-símile, incompleto, e o original.

3. Embargos de declaração não conhecidos.

(EDcl nos EDcl no Ag n. 1.151.029-CE, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado em 17.11.2009, DJe 03.12.2009)

Processo Civil. Ação rescisória ajuizada por fax de forma incompleta. Discordância entre o material transmitido e o original. Inobservância às formalidades contidas no art. 4º da Lei n. 9.800/1999. Inépcia da inicial. Processo declarado extinto sem resolução do mérito.

1. A parte que se utilizar da faculdade prevista no art. 4º da Lei n. 9.800/1999 torna-se responsável pela entrega da peça processual de forma completa, tanto do fax como do original.

2. Sendo patente a discordância entre as duas peças, uma vez que a cópia recebida por fax não incluía a última folha, na qual consta a fi nalização do pedido e a assinatura do advogado que representa a autora, resta caracterizada a inépcia da inicial.

(...)

(AR n. 3.559-SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 28.10.2009, DJe 20.11.2009)

Processual Civil. Petição de embargos de declaração. Transmissão via fac-símile. Lei n. 9.800/1999. Incompleta. Não conhecimento.

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1. Conforme preconiza a Lei n. 9.800/1999, a parte é responsável pela qualidade e fi delidade do documento transmitido mediante fac-símile, bem como por sua entrega ao órgão judiciário, devendo haver perfeita concordância entre a petição do recurso enviada por fax e o original posteriormente remetido.

2. Na hipótese, a cópia da petição dos embargos de declaração remetida por meio do fac-símile não coincide com peça original, restando, pois, descumprida a disposição contida na norma legal acima mencionada.

3. Embargos de declaração não conhecidos.

(EDcl no AgRg na AR n. 4.224-BA, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 14.10.2009, DJe 27.10.2009)

Já o agravo regimental seguinte objetiva atacar o despacho de fl s. 1.229, que abriu vista dos autos ao Ministério Público Federal para manifestação sobre o agravo regimental anterior, ao fundamento de inexistência de previsão legal ou regimental para tanto.

A própria circunstância de não ser conhecido o agravo regimental que ensejou a abertura de vista ao Ministério Público Federal já parece sufi ciente a ensejar a prejudicialidade do agravo em face de tal despacho.

Mas cumpre ainda observar que o referido recurso não preenche os requisitos mínimos de admissibilidade.

Aliás, repita-se, bastante inusual a interposição de recurso em face do despacho que determina vista dos autos ao Ministério Público Federal.

A um porque, ao contrário do que sustenta o agravante, existe, sim, previsão regimental para que o relator determine vista dos autos ao Parquet, quando, diante da relevância da matéria, assim for requerido ou determinado ex offi cio (art. 64, inc. XIII do RISTJ). Poderia ainda ser dito que, por analogia, o inc. IX do art. 64 do RISTJ permitiria a abertura de vista ao Ministério Público Federal no presente caso.

Ademais, a existência de uma decisão é um pressuposto lógico dos recursos. Sem decisão não pode haver recurso. Nessa senda, não há como argumentar que o despacho que concede vista dos autos ao Ministério Público possa ser considerado uma decisão a ensejar a interposição de recurso, motivo pelo qual trata-se de despacho irrecorrível.

Como se não bastasse, não acarreta ao recorrente qualquer prejuízo a mera abertura de vista dos autos ao Ministério Público Federal. E, sem prejuízo, ou sucumbência, estaria ausente o interesse recursal, um dos pressupostos recursais subjetivos.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 139

Por tais motivos, não conheço dos agravos regimentais de fl s. 1.197-1.223 e

1.248-1.255, mantendo-se in totum a decisão que, atendendo a requerimento do

Ministério Público Federal, determinou o arquivamento do presente feito, e, por

consequência lógica, da sindicância 217, em apenso.

É como voto.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA N. 1.070-RJ (2009/0122573-0)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Ministerio Publico Federal

Agravado: Rodoviaria A Matias Ltda e outro(s)

Advogado: Sérgio Bermudes e outro(s)

Requerido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Interessado: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

EMENTA

Pedido de suspensão de liminar e de sentença. Lesão à ordem e à

economia públicas. Os idosos não pagam o transporte coletivo, mas

estão sujeitos a cadastramento; a decisão que os libera dessa exigência

difi culta o controle e a administração do município sobre o transporte

público, causando lesão à ordem e à economia públicas. Agravo

regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp,

Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João

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Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves

Lima, Humberto Martins e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr.

Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Luiz Fux. Ausentes, justifi cadamente,

os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Eliana Calmon que foram substituídos,

respectivamente, pelos Srs. Ministros Humberto Martins e Mauro Campbell

Marques. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília (DF), 06 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Presidente

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 14.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte

decisão, da lavra do eminente Ministro Cesar Asfor Rocha:

Rodoviária A. Matias Ltda. e outras, “delegatárias do serviço público de transporte urbano de passageiros de ônibus, exercendo suas atividades no município do Rio de Janeiro” (fl . 7), ajuízam o presente requerimento para suspender os efeitos do acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento n. 2008.002.37993, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que o proveu, deferindo “integralmente, os pedidos 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 da petição inicial da Ação Civil Pública” (fl . 196) n. 2005.001.157739-1 (6ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital - RJ), pedidos esses com o seguinte teor:

3.1 se abster de exigir dos idosos, beneficiários da gratuidade, para ingresso nos coletivos de transporte público, qualquer outro documento que não seja aquele aludido no § 1º do artigo 39 do EI, isto é, documento pessoal, que faça prova da idade;

3.2 permitir, aos idosos beneficiários da gratuidade no transporte coletivo público, o livre, pleno e irrestrito acesso ao interior dos veículos (coletivos), seja antes ou depois da roleta, independente do número e localização de assentos a eles reservados;

3.3 se abster de limitar o número de idosos benefi ciários de gratuidade em seus veículos, de qualquer tipo, seja ônibus e microônibus, em serviços regulares, seletivos ou especiais, com ou sem ar condicionado, sem qualquer tipo de restrição;

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3.4 reservar, para os idosos, 10% dos assentos de cada veículo de transporte coletivo, devidamente identifi cados com a placa de “reservado preferencialmente para idosos”, na forma od artigo 39, § 2º, do EI (fl . 112).

Decidiu o Colegiado, ainda, que o descumprimento do acórdão “ensejará multa de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) por ato de descumprimento de qualquer obrigação imposta no Acórdão” (fl . 195).

Narram as requerentes que a ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público estadual, tendo o Juiz de Direito deferido a liminar, parcialmente, “para determinar aos réus que façam gratuitamente a emissão de 2ª via do RIOCARD em favor dos idosos e, também, para que o cartão não contenha qualquer limitação quanto ao número de viagens disponíveis aos mesmos” (fl . 163).

Daí que, interposto agravo de instrumento pelo Parquet, foi proferido o acórdão objeto desta suspensão.

As requerentes afi rmam que “o idoso, mediante apresentação de documento de identificação, sem qualquer custo, recebe da entidade representativa das transportadoras municipais um cartão eletrônico que autoriza o ingresso gratuito nos ônibus municipais, sendo-lhe permitido utilizar-se de qualquer assento do veículo” (fl. 10). Entretanto, segundo alegam, “o v. acórdão da 1ª Câmara, analisando o disposto no art. 39, § 1º, do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), entendeu que esse dispositivo permitiria o ingresso dos idosos diretamente nos ônibus, sendo ilegal a exigência do seu cadastro no Sistema de Bilhetagem Eletrônica, denominado RioCard” (fl . 11).

Sustentam, ainda, que “a norma não diz que a documentação autoriza o ingresso diretamente nos ônibus, sendo muito claro que os documentos asseguram a obtenção da gratuidade” (fl. 11), e que também “não proíbe as concessionárias de transporte de analisar a documentação que dá direito à gratuidade. Não é razoável que esse exame seja limitado ao momento do embarque no coletivo, situação em que, premido muitas vezes pelo trânsito intenso e pelas fi las de usuários, o funcionário não tem nenhuma condição de aferir a regularidade do documento apresentado, sendo também impossível proceder a qualquer exame a posteriori dos documentos” (fl . 11).

Concluem “que o Sistema de Bilhetagem Eletrônica atualmente empregado no Município do Rio de Janeiro (RioCard) (a) não descumpre a norma específi ca, porquanto garante o acesso à gratuidade mediante a apresentação dos documentos referidos na lei, e (b) permite um controle mais efi caz, sem o qual se multiplicariam, aos milhões, as fraudes envolvendo o uso de documentos adulterados” (fl . 12).

Alegam que o exame da documentação pessoal no momento do embarque acarretará tumulto e lentidão na circulação de veículos em toda a cidade e que “o próprio idoso, que hoje se submete a esse exame uma única vez, apenas na obtenção do cartão RioCard, passaria a ser penitenciado pela reiterada

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apresentação de seus documentos” (fl . 12). Assim, não é razoável que seja vedado às empresas de ônibus analisar “a documentação dos pretendentes com as devidas cautelas, impedindo a verificação de regularidade dos documentos mediante a consulta dos cadastros dos órgãos emissores da identidade e cruzamento com outras fontes de dado, pois, permita-se o truísmo, isso não pode ser feito pelo trocador na admissão de cada idoso no ônibus” (fl . 14).

A possibilidade de lesão à economia, nesse caso, decorre da ausência de defesa contra fraudes recorrentes.

A tutela deferida, igualmente afirmam as requerentes, “interrompe o funcionamento de um sistema cuja implantação (...) custou cerca de R$ 60 milhões. Colocado em desuso o sistema, a sua reativação criará uma série de problemas, como recadastramento dos idosos que, acreditando na liminar, se abstenham de seguir utilizando o RioCard, aumentando severamente os custos das requerentes” (fl s. 14-15).

Também a respeito do aspecto financeiro, sustentam que “desequilibra, sobremaneira, a equação econômica dos contratos das requerentes a imposição de que o transporte de idosos seja feito em veículos seletivos e especiais – microônibus e ônibus com ar condicionado, por exemplo –, de forma gratuita e em frontal ofensa ao disposto no art. 39, caput, do Estatuto do Idoso” (fl s. 15-16).

Por último, insurgem-se contra a multa fi xada no patamar de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) diários por ato de descumprimento do acórdão, entendendo haver grave risco de lesão à economia pública.

Decido.

Os elementos contidos nos autos revelam a possibilidade de lesão à ordem e à economia públicas.

Com efeito, a determinação do acórdão recorrido, que amplia a decisão de primeiro grau antecipatória dos efeitos da tutela para permitir o ingresso dos idosos nos veículos de transporte coletivo rodoviário sem o porte do cartão RIOCARD e para estender tais efeitos aos ônibus e microônibus especiais, esbarra frontalmente na administração e controle do transporte público de passageiros, que são exercidos pelo Estado.

A implantação da bilhetagem eletrônica, de outra parte, não representa, por si, desrespeito aos idosos ou afronta aos seus sagrados direitos. Ao contrário, o mecanismo, na medida em que permite a racionalização do sistema, evita fraude e assegura a fiscalização do transporte, podendo vir a assegurar a utilização do transporte coletivo de forma segura pelas pessoas idosas e também pela população do município em geral.

Penso, assim, que os argumentos trazidos nesta medida excepcional são sufi cientes para justifi car o deferimento do pedido e a restauração dos efeitos da decisão de primeiro grau.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 143

Diante disso, determino a suspensão do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos autos do Agravo de Instrumento n. 2008.00237993.

Comunique-se com urgência (fl . 234-238).

A teor das razões, in verbis:

O pedido de suspensão de liminar não merece ser conhecido.

Primeiramente, constata-se que as agravadas não juntaram aos autos o acórdão com a integralidade dos fundamentos que levaram o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a dar provimento ao agravo de instrumento, estando ausente a fl . 348, conforme numeração do Tribunal a quo, a qual deveria constar entre as fl . 193 e 194, assim numeradas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Embora a Lei n. 8.437/1992 não faça qualquer menção a documentos de traslado obrigatório, é pressuposto lógico que o pedido de suspensão venha, no mínimo, acompanhado do inteiro teor da decisão que se quer ver suspensa, para que se possa aferir, no caso, se será competente para julgar o caso o Presidente do STF, se o acórdão tiver fundamento constitucional, ou o Presidente do STJ, se a decisão fundar-se em norma infraconstitucional.

Por outro lado, o pedido de Suspensão de Segurança ou Liminar só pode ser formulado quando a decisão proferida possuir grande potencial lesivo à ordem pública.

(...)

Portanto, ante a ausência do inteiro ter da decisão proferida pelo Tribunal a quo, o pedido de suspensão não deve ser conhecido, por não se firmar a competência do Presidente do Superior Tribunal de Justiça e pela impossibilidade de se aferir o potencial lesivo da decisão.

Pode-se observar que o Exmo. Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça não teria competência para apreciar o pleito de suspensão, pelo menos no tocante ao reconhecimento para da gratuidade nos serviços especiais e seletivos, porquanto os fundamentos do acórdão suspenso são eminentemente constitucionais (arts. 5º e 230, § 2º da Constituição Federal), não comportando, assim, impugnação por meio de recurso de competência do STJ.

(...)

As empresas agravadas sustentam que, apesar de serem pessoas jurídicas de direito privado, detêm a legitimidade para requerer a suspensão pois são delegatárias do serviço público de transporte urbano de passageiros de ônibus, exercendo suas atividades no município do Rio de Janeiro.

A partir da leitura dos autos extrai-se que, ao contrário do sustentado pela Rodoviária A. Matias Ltda. e outras, o acórdão impugnado não tem o condão de

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provocar o alegado dano à ordem, à segurança e à economia públicas, revelando-se, assim, a clara intenção das agravadas de defender seus interesses particulares relativos à exploração das linhas de transporte coletivos urbanos.

Por outro lado, pode-se observar que a antecipação da tutela questionada assegura o direito de acesso gratuito, livre, pleno e irrestrito ao transporte público gratuito, pelo idoso. O interesse público encontra-se, portanto, salvaguardado.

Destaque-se que, no presente caso, apenas o Município do Rio de Janeiro, responsável pela criação do Sistema de Bilhetagem Eletrônica denominado Riocard, mediante a edição da Lei n. 3.167/2000, é que possuiria legitimidade para pedir a suspensão do acórdão proferido pelo Tribunal a quo. Consoante já mencionado, o Município não interpôs recurso contra tal acórdão.

(...)

Em vista disso, impõe-se o reconhecimento da ilegitimidade das agravadas para pleitear a suspensão do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, pois evidente que as empresas, na qualidade de pessoas jurídicas de direito privado no exercício de função delegada do poder público, pretendem garantir interesses particulares.

(...)

A análise dos argumentos apresentados pela Rodoviária A. Matias Ltda. e outras, reproduzidos no relatório da decisão ora agravada, não permite compartilhar da preocupação de que a fruição pelos idosos do direito garantido constitucionalmente, na forma preconizada pela Lei n. 10.741/2003, possa causar os temidos transtornos - tanto é assim que o Município, principal interessado em caso de efetiva perturbação da ordem e da economia públicas, não interpôs recurso da decisão do Tribunal local.

(...)

O controle do transporte público de passageiros, ao contrário do que sugerem as agravadas, não depende da extensão, a todos os usuários, do sistema de bilhetagem eletrônica. Aliás, seria estranho que este sistema fosse essencial para a administração e controle dos transportes públicos no Rio de Janeiro, já que nem nas cidades mais avançadas do mundo se adotou sistema exclusivamente eletrônico de cobrança de passagens.

À guisa de exemplo, o Estado do Rio de Janeiro prevê a concessão de vale social para acesso aos transportes intermunicipais apenas de portadores de deficiência, doentes crônicos e estudantes aos transportes públicos, sem confundir estas gratuidades - defi nidas circunstancialmente pelo legislador local - com a gratuidade prevista na Constituição e na legislação nacional em favor de pessoa idosa, a saber, Lei Estadual n. 4.510/05 e Portaria Detro-RJ n. 811/07. O Departamento de Transportes Rodoviários (Detro-RJ) expressamente reconhece a desnecessidade do Riocard para que o idoso possa utilizar o transporte público intermunicipal, que está “garantido apenas com a apresentação da carteira de identidade”.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 145

Aliás, qualquer pessoa pode utilizar os ônibus urbanos do Município do Rio de Janeiro sem bilhete eletrônico: basta que pague a passagem ao motorista ou cobrador, em dinheiro, hipótese em que sequer recibo em papel receberá. Assim, da mesma forma que o motorista ou cobrador pode contar o dinheiro entregue e restituir o troco, também tem condições de verifi car a fotografi a do idoso e sua data de nascimento, constantes da carteira de identidade.

(...)

A norma constitucional que assegura a gratuidade aos maiores de sessenta e cinco anos, conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores é autoaplicável, e, ainda que não o fosse, bastaria o caput do art. 39 da Lei n. 10.741/2003 para conferir-lhe força cogente.

(...)

Se o idoso necessitasse de se cadastrar, ou de apresentar uma complexa documentação (as agravadas referem-se à “documentação” de maneira altissonante, como se a checagem da idade exigisse mais do que a apresentação de carteira de identidade, que goza de fé pública), o legislador tê-lo-ia previsto expressamente, ou pelo menos teria deixado de estatuir a norma do § 1º do art. 39.

Registre-se a incongruência: atualmente, para que adentre nos demais países do Mercosul, o nacional brasileiro precisa apresentar, tão-somente, sua carteira de identidade. É irrazoável que as empresas de ônibus, presumindo que os idosos cariocas sejam estelionatários em potencial, vejam necessidade de analisar “a documentação dos pretendentes com as devidas cautelas, [com] a verifi cação de regularidade dos documentos mediante consulta dos cadastros dos órgãos emissores da identidade e cruzamento com outras fontes de dado”, enquanto - por exemplo - um ofi cial da Polícia Federal Brasileira deva se ater à verifi cação da carteira de identidade emitida por outros países no momento de permitir o ingresso no Brasil de certos estrangeiros. A propósito, a presença da desonestidade no uso do documento público por parte dos idosos atenta contra o princípio constitucional da boa-fé.

O reú Município do Rio de Janeiro, pessoa jurídica de direito público que seria a parte mais interessada na preservação de sua prerrogativa de controlar e fi scalizar o transporte, não apresentou, como fizeram as requerentes ora agravadas, pedido de suspensão da liminar, o que demonstra que a manutenção do acórdão suspenso não traria qualquer perturbação à ordem pública ou econômica.

Ressalte-se que, no caso de eventual reversão da decisão favorável aos idosos, bastará às empresas retomar o processo de cadastramento que já vêm realizando.

(...)

O fundamento invocado na ação civil pública para que os serviços “seletivos ou especiais” tivessem o mesmo tratamento do transporte regular dando ensejo,

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assim, também à gratuidade em favor dos idosos, era, eminentemente, de ordem constitucional: onde o art. 230, § 2º, da Carta Magna não estabeleceu distinção, descabia sua previsão pelo legislador ordinário.

A questão da gratuidade nos ônibus seletivos ou especiais não guarda relação com a discussão acerca da bilhetagem eletrônica. Do ponto de vista infraconstitucional, não haveria o que se discutir, já que o caput do art. 39 é cristalino ao condicionar o acesso gratuito ao transporte seletivo ou especial à ausência de transporte regular “paralelo”.

(...)

A questão, portanto, é eminentemente constitucional, já tendo sido submetida ao Supremo Tribunal Federal mediante a propositura da ADIn n. 3.096-DF...

(...)

Sem embargo da manifesta incompetência do Superior Tribunal de Justiça para apreciar eventual recurso manejado em face deste trecho do acórdão, o Exmo. Ministro Presidente, também neste passo, acolheu a suspensão da liminar. Desse modo, houve a ofensa ao art. 12, § 1º da Lei n. 7.347/1985 e o art. 4º da Lei n. 8.437/1992, que atribuem ao Presidente “do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso” a competência para apreciar o requerimento de suspensão de liminar.

Vale ressaltar circunstância importantíssima que passou despercebida do eminente Ministro Presidente: muitos microônibus e ônibus com ar condicionado realizam transporte convencional na Cidade do Rio de Janeiro. São, inclusive, remunerados com tarifas iguais e, no caso dos microônibus especialmente, constituem um serviço mais desconfortável, pior do que aquele prestado por meio de ônibus comuns.

(...)

A única forma de se entender sujeita à competência do Superior Tribunal de Justiça a discussão acerca da extensão da gratuidade às linhas seletivas e especiais é reconhecer que os péssimos microônibus cariocas, ou os ônibus simplesmente dotados de um ar condicionado, não são seletivos ou especiais - até porque inserem-se na tarifa usual para ônibus convencionais, que são suprimidos e trocados por estes outros (fl . 754-771).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): O agravo regimental ataca

a decisão de fl. 234-238 quanto aos seguintes tópicos: a) incompetência

do Superior Tribunal de Justiça, por se tratar de matéria constitucional b)

ilegitimidade das requerentes, por serem pessoas jurídicas de direito privado,

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 147

concessionárias de serviço público, na defesa de interesses particulares; c) falta

do inteiro teor do acórdão cujos efeitos foram suspensos e d) ausência de lesão à

ordem e economia publicas.

No tocante à suposta incompetência do Superior Tribunal de Justiça,

sem razão o agravante. Na espécie, o tema controvertido tem fundamento

preponderantemente infraconstitucional, qual seja, a Lei n. 10.741, de 2003 -

Estatuto do Idoso, o que atrai a competência do Presidente deste Tribunal, nos

termos do artigo 25, da Lei n. 8.038, de 1990.

No que tange ao segundo tópico, a Corte Especial já decidiu que “as

pessoas jurídicas de direito privado no exercício de função delegada do poder

público têm legitimidade para requerer a suspensão de execução de liminar ou

de sentença, desde que em defesa do interesse público” (SLS n. 765-PR, relator

o Ministro Barros Monteiro, DJ de 10.12.2007).

No caso dos autos, o interesse público, decorrente da dificuldade

de administração e controle do serviço de transporte público coletivo pelo

Município, em razão da falta de utilização, pelos idosos, do sistema de

bilhetagem eletrônica, fi cou evidenciado.

Quanto ao terceiro ponto, no âmbito da suspensão de liminar não se

examina o acerto ou desacerto da decisão, de modo que a falta de uma única

página do acórdão cujos efeitos foram suspensos não impede o deferimento do

pedido se, como no caso, for possível a exata compreensão da controvérsia.

No que diz respeito ao risco de lesão à ordem e economia públicas, a

decisão agravada está a salvo de censura. De fato, a manutenção dos efeitos do

acórdão, suspensos pela decisão agravada, difi cultaria o controle e administração

dos serviços de transporte pelo Município.

Ademais, a decisão agravada restabeleceu os efeitos da decisão de primeiro

grau, que deferiu o fornecimento gratuito de 2ª via do cartão RioCard aos

idosos e vedou a imposição de limites quanto ao número de viagens por eles

realizadas, de modo que o direito à gratuidade no transporte está assegurada.

No mais, as alegações do agravante, relativas à precariedade dos serviços

prestados, ao tipo de ônibus utilizado, se convencional, especial ou seletivo,

bem como aquelas relacionadas ao tipo de linha realizada por aqueles ônibus,

estão relacionadas ao mérito da controvérsia e, a toda evidência, não podem ser

articuladas na via restrita da suspensão de liminar.

Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

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AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA N. 1.276-RJ (2010/0136388-0)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Fundação Municipal da Infância e Juventude

Procurador: Júlio César Freitas Cordeiro e outro(s)

Agravado: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Requerido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

EMENTA

Pedido de suspensão. Ordem judicial determinando a contratação de

servidores em caráter precário. A suspensão de medida liminar é instituto

informado pela proteção à ordem, saúde, segurança e economia

públicas. O juízo acerca do respectivo pedido foi preponderantemente

político até a Lei n. 8.437, de 1992. O art. 4º desse diploma legal

introduziu um novo viés nesse juízo, o da “fl agrante ilegitimidade”

do ato judicial. A decisão judicial que intervém na administração

pública determinando a contratação de servidores públicos em caráter

precário é fl agrantemente ilegítima. Agravo regimental provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido,

Eliana Calmon, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino

Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda e Humberto

Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justifi cadamente, os

Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Francisco Falcão e Nancy Andrighi e,

ocasionalmente, o Sr. Ministro Felix Fischer. Os Srs. Ministros Cesar Asfor

Rocha e Francisco Falcão foram substituídos, respectivamente, pelos Srs.

Ministros Massami Uyeda e Humberto Martins. Presidiu o julgamento o Sr.

Ministro Aldir Passarinho Junior.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 149

Brasília (DF), 28 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Aldir Passarinho Junior, Presidente

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 19.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte

decisão da lavra do Ministro Cesar Asfor Rocha:

A Fundação Municipal da Infância e Juventude ingressa com o presente requerimento para suspender a decisão proferida nos autos da Ação Ordinária n. 2009.014.032556-2, do Juiz de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Campos dos Goytacazes - RJ, que concedeu a tutela antecipada requerida pelo Ministério Público para determinar que a ora requerente promovesse “a urgente contratação, em caráter excepcional e temporário, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, de funcionário capacitado a suprir a carência de recursos humanos atualmente enfrentada pelas unidades de acolhimento institucional municipais: Projeto Lara, Centro de Referência do Adolescente, Projeto Aconchego e Portal da Infância, bem como para os núcleos de atendimento preventivo por ela mantidos” (fl . 262). Impôs, ainda, a realização, “no prazo máximo de 90 (noventa) dias, de concurso público com vistas a suprir a carência de funcionários” (fl . 262).

A referida tutela foi mantida no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2009.002.44603/TJRJ e dos três embargos de declaração respectivos (fl s. 344-346, 371-375, 422-424, 432-435), daí o ajuizamento da presente suspensão nesta Corte.

Narra a requerente, para tanto, que:

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, através da Promotora de Justiça com atribuição junto ao Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Campos dos Goytacazes, ajuizou ação em face da Fundação Municipal da Infância e Juventude, ora postulante, sob a alegação de que a mesma não vem se desincumbindo de suas obrigações e metas com êxito, mormente no que concerne ao atendimento por ela disponibilizado às crianças e adolescentes inseridas em seis unidades de acolhimento mantidas pela mesma, sob a forma de Projetos Sociais intitulados de Projeto Lara; Centro de Referência do Adolescente, Projeto Aconchego, Portal da Infância e acolhimento Institucional Cativar e Conviver.

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Isto porque, segundo a ótica o Parquet, após visitas de fi scalização e contato com os coordenadores das citadas unidades, foi verifi cado que dos seis núcleos de abrigamento, quatro não contam com funcionários suficientes para o atendimento aos infantes, tornando-se dessa forma, precária a assistência prestada aos abrigados.

[...]

Assevera por fim, que a ausência de agentes tem trazido sérias consequências negativas ao desenvolvimento físico e psíquico dos infantes.

Em razão disso [...] é que o órgão do Parquet requereu prestação da tutela na forma antecipada no sentido de que o Estado-Juiz determine à Fundação ora postulante que faça contratar em caráter excepcional e temporário, funcionários capacitados a suprir carência de recursos humanos atualmente enfrentada pelas unidades de acolhimento institucional mencionadas na exordial, bem como para os núcleos de atendimento preventivo, pelo prazo máximo de 90 dias além de ser determinado à mesma que promova no prazo máximo de 90 dias concurso público com vistas a suprir a demanda funcional nos referidos Projetos Sociais, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00.

Como tutela definitiva, repetiu e ratificou o Ministério Público, os pedidos constantes em sede de tutela antecipada, com o acréscimo de condenação da Fundação nas iras sucumbenciais.

Em decisão proferida à fl . 132, o Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude deferiu o pedido de tutela antecipada na forma aviada pelo Ministério Público [...].

[...]

Em razão do julgado pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que manteve a decisão de primeiro grau, o juiz de primeiro grau determinou o cumprimento do referido acórdão exarado pelo TJRJ, sob pena de multa diária, agora no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), intervenção na Fundação ora postulante, responsabilidade na esfera cível e criminal (crime de desobediência) e outras medidas requeridas pelo Parquet.

[...]

Ainda para efeito de esclarecimento, há de se deixar consignado que a Fundação postulante interpôs Recurso Especial e Recurso Extraordinário em face do acórdão que ora se pede a suspensão, devendo ser esclarecido que os apelos raros constitucionais não tem efeito suspensivo.

Entretanto, como demonstrará e provará nas linhas que seguem, os fundamentos em que se apóia a decisão são frágeis, equivocados e despidos de sustentação fática e jurídica, não autorizando, portanto, a concessão da tutela jurisdicional vindicada em sede liminar (fl s. 2-5).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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Alega a requerente, inicialmente, que, sem observar a norma do art. 2º da Lei n. 8.437/1992, “o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve uma decisão antecipatória de tutela jurisdicional em sua totalidade, onde o insigne julgador de primeiro grau proclamou seu decisum sem a oitiva prévia da Fundação ora requerente, no prazo que a lei determina, e nisto reside a fl agrante nulidade do ato judicial cuja efi cácia se pretende suspender, e que constitui fundamento legal mais do que sufi ciente para respaldar o acolhimento deste pedido de suspensão” (fl . 9).

Sobre a lesão à ordem e à economia públicas, sustenta que “o orçamento municipal é dotado em sua maioria, de verba oriunda de royalties de petróleo” (fl . 11). Entretanto, tal verba, “consoante dicção do artigo 8º da Lei n. 7.990/1989, não pode ser usada para pagamento de pessoal, em quadro permanente, sob pena dos consectários previstos na referida lei e demais legislações aplicáveis à espécie” (fl . 11).

Ademais, salienta “que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000), em seu artigo 19 c.c. 20 inciso III, alíneas a e b dispõe que as despesas com pessoal não podem ser superiores a 60% da despesa corrente líquida, sendo 54% para o Executivo e 6% para o Poder Legislativo, sob pena do Administrador responder junto ao TCE, à Câmara Municipal e ao próprio Ministério Público, que é o fi scal da lei” (fl s. 11-12). Com isso, segundo a requerente, “é imperioso destacar que o Município e nem tão pouco a Fundação, ora Postulante, sequer têm condições de, neste momento, contratar pessoal em razão do orçamento estar comprometido no percentual da Lei Regente” (fl . 12).

Afi rma, ainda, que, “para se cumprir a decisão que se pretende suspender por esta via procedimental, é necessário que a Câmara Municipal aprove Projeto de Lei criando cargos ou empregos junto à Fundação-postulante, o que certamente não será aprovado tendo em vista que a Comissão de Orçamento e a de Constituição e Justiça analisarão o projeto e identifi carão que não existe orçamento para a criação de cargos ou empregos, além da fl agrante violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. O próprio Poder Judiciário não pode e nem deve determinar o ilegal, nem que seja a pedido do fi scal da lei, diga-se Ministério Público, sob pena do Estado Democrático de Direito ser frontalmente agredido, além claro do artigo 2º da Constituição Federal” (fl . 13).

Ressalta que, diante do texto legal, “o Município e suas unidades administrativas, incluindo a Fundação postulante, não podem ultrapassar o teto previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal para contratação de pessoal, além da verba dos Royalties de petróleo ter natureza indenizatória, transitória e variável, não podendo ser utilizada para pagamento de pessoal em quadro permanente e, ainda, além do orçamento municipal não ter previsão para realização de concurso público para contratação de pessoal de forma permanente, estando, portanto, devidamente demonstrada a lesão à ordem pública, aqui considerada em termos de ordem jurídica e administrativa, diante do comprovado impacto fi nanceiro

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decorrente do não-cumprimento do limite de despesa com pessoal. Conforme demonstrado pelas declarações oriundas da Secretaria Municipal de Controle e da Secretaria Municipal de Administração os gastos com pessoal são relevantes, e o aspecto de não se ter provisionado nas leis orçamentárias as fontes de custeio respectivas para essa nova despesa só traz maior abalo à sadia condução da Administração Pública, o que se mantida a decisão de primeiro grau, ensejará também em lesão à economia pública” (fl s. 13-14).

Por último, sustenta a requerente haver lesão à ordem pública jurídica, ferindo a decisão impugnada os princípios da segurança jurídica e da independência dos Poderes, invoca relatórios do presidente da fundação postulante e da Secretaria Municipal de Administração e destaca a possibilidade de efeito multiplicador.

Decido.

Efetivamente não estão presentes os requisitos necessários ao deferimento do presente pedido.

De fato, o acórdão que desproveu o agravo de instrumento da ora requerente, após apreciar os elementos de provas dos autos principais, traz fatos relevantes que, a meu ver, afastam a possibilidade de grave lesão à ordem e à economia públicas, assim:

No mérito do recurso, amparo não tem a pretensão da agravante. Isso porque restou comprovado, ao menos para fi ns de um juízo sumário de cognição, a precariedade da assistência que vem sendo prestada aos abrigados. A fl s. 49, verifi ca-se que o presidente da Fundação Municipal reconhece a necessidade da contratação de novos funcionários.

Dessa forma, tratando-se de crianças de abrigos, em que é notória a necessidade de maiores cuidados, forçoso é concluir pelas consequências desfavoráveis ao desenvolvimento psíquico das crianças em caso de manutenção da situação de carência de funcionários em que a instituição se encontra.

O Município agravante alega, contraditoriamente, a ausência de receita municipal para cobrir os gastos com a contratação excepcional determinada pelo juiz, ao mesmo tempo que declara que mais de dez mil funcionários contratados foram desligados em razão de acordo celebrado com o MPT (fl . 346).

Confi rmando o quadro fático acima, consta destes autos, à fl . 153, informação do Presidente da Fundação Municipal da Infância e Juventude, segundo a qual há necessidade de contratação de 37 funcionários para suprir a carência nos ‘Acolhimentos Institucionais da FMIJ - set. 2009’. Por outro lado, a título de ‘RECURSOS HUMANOS NECESSÁRIOS PARA FORTALECIMENTO/REESTRUTURAÇÃO DE PROGRAMAS E NÚCLEOS DE ATENDIMENTO DA FMIJ’, ele aponta o total de vinte professores, quatorze agentes de serviços gerais, um inspetor de pátio, um

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 153

agente administrativo, quatro assistentes sociais, um vigia, quatro pedagogas, duas cozinheiras, dezesseis instrutores de artes e ofícios e cinco psicólogos (fl s. 154-158).

Ademais, se é verdade que a municipalidade dispensou “mais de dez mil funcionários contratados”, não se pode acolher a tese de grave lesão à economia pública, considerando que o número total de funcionários a serem contratados temporariamente e, depois, mediante concurso pela Fundação é inferior a cem.

A propósito, o acórdão que julgou os segundos embargos de declaração assim se posicionou:

Por fi m, deve ser esclarecido que o Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Município de Campos de Goytacazes e o Ministério Público não veda totalmente a contratação de trabalhadores por tempo determinado, para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, apenas determina que a contratação seja para atender a necessidades verdadeiramente temporárias, com comunicação ao MPT e ao MPE, na forma da cláusula 1ª e seu parágrafo 1º, do citado documento (fl s. 214-215) (fl . 424).

O mencionado efeito multiplicador, por sua vez, não está demonstrado, não havendo dúvida de que a contratação imposta decorre de caso específi co em que se verifi ca urgência para solucionar problemas sociais na municipalidade.

Para encerrar, quanto às alegações relacionadas à ilegalidade e à inconstitucionalidade das decisões de primeiro e de segundo graus, constituem temas jurídicos de mérito, que ultrapassam os limites traçados para a suspensão de liminar, de sentença ou de segurança, cujo objetivo é afastar a concreta possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. A via da suspensão, como é cediço, não substitui os recursos processuais adequados. Nesse sentido, dentre outros: AgRg na SLS n. 1.082-PI, publicado em 04.03.2010, e AgRg na SLS n. 1.102-RJ, publicado em 08.03.2010, ambos da minha relatoria e julgados nesta Corte Especial.

Ante o exposto, indefi ro o pedido (fl . 444-449).

A teor do recurso:

“Quem conduz as políticas públicas do Município é o Poder Executivo, não o Judiciário, portanto, quem decide a respeito do cabimento e da necessidade ou não da elaboração de convênios ou de aditivos, ainda mais com uma instituição particular, como no caso em tela, é a Administração Pública, respeitando-se a sua conveniência e oportunidade, esfera em que não pode o Judiciário se ingerir” (fl . 473-474).

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“Como é de sabença ordinária, a iniciativa para criação e realização de concurso público de provas e títulos para provimento do cargo efetivo ou do emprego constitui-se em prerrogativa exclusiva do Chefe do Executivo, a teor do que dispõe o art. 61, inciso II, a, do texto constitucional” (fl . 474).

“(...) o Município e nem tão pouco a Fundação, ora Agravante sequer têm condições de neste momento contratar pessoal em razão do orçamento estar comprometido no percentual da lei regente.

A folha de pagamento está centralizada em nível de orçamento junto à pessoa jurídica de direito público interno como o fazem o Governo Federal e os Estados, o que pode ser devidamente comprovado nos documentos acostados ao agravo de instrumento, oriundos da Secretaria Municipal de Controle e Orçamento” (fl . 475).

“Deve ser ressaltado, ainda, que para se cumprir a decisão ora agravada, é necessário que a Câmara Municipal aprove projeto de lei criando cargos ou empregos junto à Fundação agravante, o que certamente não será aprovado tendo em vista que a Comissão de orçamento e a de Constituição e Justiça analisarão o projeto e identifi carão que não existe orçamento para a criação de cargos ou empregos, além de fl agrante violação à Lei de Responsabilidade Fiscal” (fl . 476).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. O Ministério Público do

Estado do Rio de Janeiro ajuizou ação de obrigação de fazer contra a Fundação

Municipal da Infância e Juventude (fl . 130-136).

O MM. Juiz de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso

da Comarca de Campos do Goytacazes, RJ, Dr. Heitor Carbalho Campinho,

antecipou a tutela para que a Fundação Municipal da Infância e Juventude

promovesse “a urgente contratação, em caráter excepcional e temporário, pelo

prazo máximo de 90 (noventa) dias, de funcionários capacitados a suprir

a carência de recursos humanos atualmente enfrentada pelas unidades de

acolhimento institucional municipais”, bem como, “no prazo máximo de 90

(noventa) dias, concurso público com vistas a suprir a carência de funcionários”

(fl . 262).

Interposto agravo de instrumento, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio de Janeiro, relator o Desembargador Wagner Cinelli

de Paula Freitas, negou-lhe provimento (fl . 344-346, 371-375, 422-424 e 432-

435).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 155

Seguiu-se pedido de suspensão de liminar ajuizado pela Fundação Municipal da Infância e Juventude (fl . 01-25), indeferido pelo Ministro Cesar Asfor Rocha porque inexistente a grave lesão à ordem e à economia pública, e, ainda, do possível efeito multiplicador (fl . 444-449).

O Município de Campos dos Goytacazes interpôs, então, agravo regimental.

2. A suspensão de medida liminar é instituto informado pela proteção à ordem, saúde, segurança e economia públicas. O juízo acerca do respectivo pedido foi preponderantemente político até a Lei n. 8.437, de 1992. O art. 4º desse diploma legal introduziu um novo viés nesse juízo, o da “fl agrante

ilegitimidade” do ato judicial.

A decisão que antecipou os efeitos da tutela incorre no que a lei denomina de “fl agrante ilegitimidade”, porque o Poder Judiciário não deve, sob o fundamento de atendimento inadequado nos núcleos de abrigamento, intervir na administração do prefeito e da Câmara Municipal, determinando a contratação de servidores em caráter precário e a instauração de concurso público para cargos públicos sem que existam vagas a serem preenchidas.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do agravo regimental, dando-lhe provimento para suspender os efeitos do acórdão proferido pela Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, relator o Desembargador Wagner Cinelli de Paula Freitas, nos autos do Agravo de Instrumento n. 2009.002.44603.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.147.489-SC (2009/0127669-5)

Relator: Ministro Felix Fischer

Agravante: Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e Agronomia

de Santa Catarina - CREA-SC

Procurador: Antônio Fernando Bernardes e outro(s)

Agravado: Município de Pedras Grandes

Advogado: Rodrigo Zanella Marcon

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EMENTA

Agravo regimental no recurso extraordinário no agravo regimental no recurso especial. Ausência de repercussão geral reconhecida. Inadmissibilidade do recurso extraordinário.

I - Segundo o decidido pela e. Suprema Corte (Questão de Ordem em Agravo de Instrumento n. 760.358-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 03.12.2009), é defi nitiva a decisão prolatada por Tribunal que inadmite recurso extraordinário com base na ausência de repercussão geral, a qual não atrai o agravo de instrumento previsto no art. 544 do CPC.

II - In casu, o v. acórdão recorrido restringiu-se ao exame de questão relativa à admissibilidade de recurso endereçado a esta e. Corte Superior (incidência da Súmula n. 284-STF), tema cuja ausência de repercussão geral já foi declarada pelo e. Supremo Tribunal Federal.

Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e João Otávio de Noronha.

Os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz foram substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Massami Uyeda e Humberto Martins.

Brasília (DF), 17 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Felix Fischer, Relator

DJe 16.12.2010

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 157

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo de instrumento interposto

pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CREA-SC

contra a r. decisão que inadmitiu o recurso extraordinário de fl s. 211-222, pelos

seguintes fundamentos:

O acórdão impugnado versou apenas questão relativa aos pressupostos de admissibilidade de recurso endereçado ao Superior Tribunal de Justiça (defi ciente fundamentação do recurso especial - STF, Súmula n. 284), tema em que o Supremo Tribunal Federal declarou inexistente a repercussão geral (RE n. 598.365-MG, DJe de 26.03.2010).

Nego, por isso, seguimento ao recurso extraordinário.

Intimem-se (fl . 227).

Nas suas razões (fls. 235-244), o agravante requereu, em síntese, o

provimento do presente agravo de instrumento, com a conseqüente subida do

recurso extraordinário interposto.

Esta e. Corte Superior, com fundamento na Questão de Ordem no Agravo

de Instrumento n. 760.358-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe

03.12.2009, recebeu o agravo de instrumento como agravo regimental (fl . 245).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): A r. decisão agravada deve ser

mantida por seus próprios fundamentos.

Preliminarmente, cabe esclarecer que a Lei n. 11.418/2006, adaptando-se

à reforma constitucional resultante da Emenda n. 45/2004, introduziu novos

artigos ao Código de Processo Civil, dos quais cite-se o art. 543-A. Estes artigos

regulamentaram a repercussão geral, novo requisito de admissibilidade do recurso

extraordinário.

De acordo com o referido artigo, não reconhecida a repercussão geral na

questão constitucional trazida no recurso extraordinário, a decisão valerá para

todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente (art.

543-A, § 5º, do Código de Processo Civil).

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O e. Supremo Tribunal Federal fi rmou entendimento segundo o qual

a decisão que nega seguimento ao recurso extraordinário, quando reconhecida

a ausência de repercussão geral, não enseja agravo de instrumento dirigido à e.

Suprema Corte. Por essa razão, referida decisão estará sujeita somente a agravo

regimental (QO-AI n. 760.358-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes,

DJe 03.12.2009).

A respeito, confi ra-se trecho do voto do em. Ministro Gilmar Mendes:

Trago à consideração questão de ordem para que se fixe, em Plenário, o entendimento de que agravo e instrumento dirigido a esta Corte não é o meio adequado para que a parte questione decisão de tribunal a quo que aplica a sistemática da repercussão geral, nos termos do art. 543-A e 543-B e parágrafos, do Código de Processo Civil.

(...).

A Lei n. 11.418/2006, ao regulamentar a repercussão geral e promover alterações substanciais no Código de Processo civil, em seis dispositivos diferentes, atribuiu ao STF, mediante alterações em seu Regimento Interno, a tarefa de defi nir os procedimentos no caso de recursos múltiplos, bem como as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos na análise da repercussão geral:

(...).

Assim o fez a Corte, editando emendas ao regimento interno e regulando os procedimentos relacionados à tramitação dos recursos de sua competência (extraordinários e agravos), no seu próprio âmbito dos tribunais de origem.

E, pela primeira vez, os Tribunais de origem tiveram a atribuição de sobrestar e de pôr termo aos agravos de instrumento.

Bem sabemos que nossa jurisprudência, no regime anterior, não admitia semelhante competência. mas tal atribuição é inevitável, principalmente considerando-se que toda a reforma constitucional foi concebida com bo objetivo evitar julgamentos repetidos e sucessivos de uma mesma questão constitucional.

Agora, uma vez submetida a questão constitucional à análise da repercussão geral, cabe aos tribunais dar cumprimento ao que foi estabelecido, sem a necessidade da remessa dos recursos individuais.

Caso contrário, se o STF continuar a ter que decidir caso a caso, em sede de agravo de instrumento, mesmo que os Ministros da Corte apliquem monocraticamente o entendimento fi rmado no julgamento do caso-paradigma, a racionalização objetivada pelo instituto da repercussão geral, de maneira alguma, será alcançada.

Assim, a competência para a aplicação do entendimento fi rmado pelo STF é dos tribunais e das turmas recursais de origem. Não se trata de delegação para que

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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examinem o recurso extraordinário nem de inadmissibilidade ou de julgamento de recursos extraordinários ou agravos pelos tribunais e turmas recursais de origem. Trata-se, sim, de competência para os órgãos de origem adequarem os casos individuais ao decidido no leading case, mediante:

a) registro da automática inadmissibilidade (§ 5º do art. 543-A) ou do indeferimento liminar dos recursos sobrestados (§ 2º do art. 543-B), cujas matérias se identifi quem como aquelas em que se tenha negado repercussão geral;

b) registro do prejuízo dos recursos contra decisões conformes à jurisprudência da Corte em matéria cuja repercussão geral já foi assentada e que já teve o mérito julgado; e

c) juízo de retratação, nos casos em que a repercussão geral fora assentada e cujo julgamento posterior de mérito, pelo STF, resulte contrário ao entendimento a que chegou a Corte de origem, na decisão objeto de recurso extraordinário.

Verifica-se, portanto, que a conversão de agravo de instrumento em

agravo regimental é decorrente de decisão do e. Supremo Tribunal Federal,

que reconhece aos tribunais e órgãos colegiados a competência para fi rmar

o entendimento a respeito da repercussão geral, nesse caso específi co sobre a

inexistência de repercussão geral.

In casu, o v. acórdão recorrido restringiu-se a tratar de questão relativa a

critério de admissibilidade de recurso apreciado por esta Corte (incidência da

Súmula n. 284-STF), tema cuja ausência de repercussão geral já foi declarada pelo

e. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 598.365-MG, Rel. Min.

Carlos Britto, DJe de 26.03.2010.

Cumpre enfatizar que o v. julgado do e. Supremo Tribunal Federal fi rmou

orientação de que se a matéria em apreciação for atinente a pressupostos de

admissibilidade de recursos da competência de outros tribunais, em qualquer

caso, não resta confi gurada a repercussão geral, porquanto o deslinde da quaestio

exige o exame da legislação infraconstitucional, confi gurando, portanto, típica

hipótese de ofensa indireta ou refl exa.

Confi ra-se, a propósito, o seguinte excerto da manifestação do eminente

Ministro Relator, verbis:

(...). Fazendo-o, anoto que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os temas atinentes aos pressupostos de admissibilidade de recursos da competência de outros Tribunais não ensejam a abertura da via extraordinária, dado que as ofensas à Carta Magna, se existentes, ocorreriam de modo indireto ou refl exo. (...).

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4. Ora bem, não havendo, em rigor, questão constitucional a ser apreciada por esta Suprema Corte, “falta ao caso elemento de configuração da própria repercussão geral”, conforme salientou a ministra Ellen Gracie, no julgamento da Repercussão Geral no RE n. 584.608.

Ainda mais ilustrativa a respectiva ementa, da qual se colhe:

Pressupostos de admissibilidade de recursos da competência de outros tribunais. Matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. A questão alusiva ao cabimento de recursos da competência de outros Tribunais se restringe ao âmbito infraconstitucional. Precedentes. Não havendo, em rigor, questão constitucional a ser apreciada por esta nossa Corte, falta ao caso “elemento de confi guração da própria repercussão geral”, conforme salientou a ministra Ellen Gracie, no julgamento da Repercussão Geral no RE n. 584.608.

Com estas considerações, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 12.556-GO (2000/0118554-3)

Relator: Ministro Felix Fischer

Agravante: Estado de Goiás

Procuradores: Ana Paula Lima Florentino A Ferreira e outro(s)

Luiz Henrique Sousa de Carvalho

Agravado: Alexandre Augusto de Paiva e outros

Advogado: Juscimar Pinto Ribeiro e outro(s)

EMENTA

Agravo regimental no recurso extraordinário no recurso em

mandado de segurança. Sistemática da repercussão geral. Acórdão

recorrido em consonância com o julgamento de mérito do e. Supremo

Tribunal Federal. Recurso extraordinário prejudicado.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 161

I - O recurso extraordinário, interposto contra v. acórdão que se

encontre em consonância com o julgamento de mérito proferido pelo

e. Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, estará prejudicado,

conforme o disposto no artigo 543-B, § 3º, do CPC.

II - In casu, a decisão recorrida está em consonância com a

posição adotada pela e. Suprema Corte, no sentido de que os Estados-

membros só podem instituir contribuição que tenha por fi nalidade

o custeio do regime de previdência de seus servidores, que não

abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e

farmacêuticos (RE n. 573.540-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar

Mendes, DJe de 11.06.2010).

Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Hamilton

Carvalhido, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Luiz Fux, Teori

Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda e

Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz

e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e João Otávio de

Noronha.

Os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz foram substituídos,

respectivamente, pelos Srs. Ministros Massami Uyeda e Humberto Martins.

Brasília (DF), 17 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Felix Fischer, Relator

DJe 02.12.2010

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

162

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto

pelo Estado de Goiás contra decisão assim fundamentada:

No julgamento do RE n. 573.540-MG, Relator o Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu:

Contribuição para o custeio dos serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica e farmacêutica. Art. 85 da Lei Complementar n. 62/2002, do Estado de Minas Gerais. Natureza tributária. Compulsoriedade. Distribuição de competências tributárias. Rol taxativo. Incompetência do Estado-membro. Inconstitucionalidade. Recurso extraordinário não provido. I - É nítida a natureza tributária da contribuição instituída pelo art. 85 da Lei Complementar n. 64/2002, do Estado de Minas Gerais, haja vista a compulsoriedade de sua cobrança. II - O art. 149, caput, da Constituição atribui à União a competência exclusiva para a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profi ssionais e econômicas. Essa regra contempla duas exceções, contidas no arts. 149, § 1º, e 149-A da Constituição. À exceção desses dois casos, aos Estados-membros não foi atribuída competência para a instituição de contribuição, seja qual for a sua fi nalidade. III - A competência, privativa ou concorrente, para legislar sobre determinada matéria não implica automaticamente a competência para a instituição de tributos. Os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhes foram expressamente outorgados pela Constituição. IV - Os Estados-membros podem instituir apenas contribuição que tenha por fi nalidade o custeio do regime de previdência de seus servidores. A expressão “regime previdenciário” não abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos (DJ de 11.06.2010).

Na espécie, o acórdão recorrido está conformado a esse entendimento e, por isso, julgo prejudicado o recurso extraordinário (art. 543-B, § 3º - CPC) (fl s. 358-369).

Sustenta o agravante que “Da mera análise dos autos percebe-se que o

precedente julgado pelo Supremo Tribunal Federal no caso de Minas Gerais é

diverso do tema tratado nos presentes autos.” (fl . 379).

Alega que no RE n. 573.540-MG “o Excelso Pretório declarou a

inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 64/2002 do Estado de

Minas Gerais por haver instituído contribuição compulsória de natureza

eminentemente tributária”, e que no presente caso “a Lei Goiana n. 12.872/1996

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 163

estabeleceu contribuição compulsória exclusiva para custeio das futuras

aposentadorias e pensões dos servidores, sem referir-se a essa obrigatoriedade

quanto à contribuição devida ao IPASGO” (fl . 379).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Inicialmente há que se ressaltar que, no julgamento das Reclamações n. 7.547-SP e 7.569-SP, o e. Supremo Tribunal Federal decidiu ser possível a interposição de agravo regimental perante o Tribunal de origem, contra decisão que teria supostamente aplicado de maneira equivocada o instituto da repercussão geral.

No mérito não há como desconsiderar o quanto já decidido nestes autos, que, inclusive, segue a linha de orientação deste e. Superior Tribunal de Justiça (RMS n. 9.668-GO, RMS n. 9.364-GO e RMS n. 12.824-GO), no sentido da compulsoriedade da contribuição para o custeio de assistência à saúde.

De fato, pela análise das disposições da Lei Estadual n. 12.872/1996, verifi co que, na hipótese, há obrigatoriedade de fi liação à assistência à saúde a determinadas pessoas, e por conseguinte, contribuição ao IPASGO, que é recolhida à alíquota de 6% sobre a remuneração. Ademais, há também previsão normativa facultando assistência hospitalar integral (além da citada fi liação obrigatória à assistência à saúde), com acréscimo, neste caso, de 3% de contribuição sobre a remuneração percebida.

Verifi ca-se, com isso, que a decisão recorrida está em consonância com a posição adotada pelo e. Supremo Tribunal Federal, ao analisar e decidir acerca da natureza e competência para instituição de contribuição para o custeio de serviços à saúde, conforme transcrevo:

Contribuição para o custeio dos serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica e farmacêutica. Art. 85 da Lei Complementar n. 62/2002, do Estado de Minas Gerais. Natureza tributária. Compulsoriedade. Distribuição de competências tributárias. Rol taxativo. Incompetência do Estado-membro. Inconstitucionalidade. Recurso extraordinário não provido.

I - É nítida a natureza tributária da contribuição instituída pelo art. 85 da Lei Complementar n. 64/2002, do Estado de Minas Gerais, haja vista a compulsoriedade de sua cobrança.

II - O art. 149, caput, da Constituição atribui à União a competência exclusiva para a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

164

e de interesse das categorias profi ssionais e econômicas. Essa regra contempla duas exceções, contidas no arts. 149, § 1º, e 149-A da Constituição. À exceção desses dois casos, aos Estados-membros não foi atribuída competência para a instituição de contribuição, seja qual for a sua fi nalidade.

III - A competência, privativa ou concorrente, para legislar sobre determinada matéria não implica automaticamente a competência para a instituição de tributos. Os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhes foram expressamente outorgados pela Constituição.

IV - Os Estados-membros podem instituir apenas contribuição que tenha por finalidade o custeio do regime de previdência de seus servidores. A expressão “regime previdenciário” não abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos. (RE n. 573.540-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.06.2010).

Assim, considerando a decisão de mérito proferida pelo e. Supremo

Tribunal Federal com repercussão geral reconhecida, onde foi consignado que

os Estados-membros só podem instituir contribuição que tenha por fi nalidade

o custeio do regime de previdência de seus servidores (e não a assistência à

saúde), bem como o disposto no artigo 543-B, § 3º, do CPC, torna-se incabível

a reforma da decisão recorrida.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

INTERVENÇÃO FEDERAL N. 106-PR (2009/0049699-0)

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Reqste: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

UF: Estado do Paraná

Procurador: Procuradoria Geral do Estado do Paraná

Interes.: Indústrias João José Zattar S/A

Advogado: César Augusto Gularte de Carvalho

Interes.: Anizio Alves França e outros

Advogado: Odir Antonio Gotardo e outro(s)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 165

EMENTA

Intervenção federal. Estado do Paraná. Descumprimento de

decisão judicial caracterizado. Ação de reintegração de posse.

1. A intervenção federal é medida de natureza excepcional,

porque restritiva da autonomia do ente federativo. Daí as hipóteses

de cabimento serem taxativamente previstas na Constituição da

República, em seu artigo 34.

2. Nada obstante sua natureza excepcional, a intervenção se

impõe nas hipóteses em que o Executivo estadual deixa de fornecer

força policial para o cumprimento de ordem judicial.

3. Intervenção federal julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, julgar procedente o pedido de intervenção federal nos termos

do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki,

Ari Pargendler, Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior,

Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Nancy Andrighi e Laurita Vaz votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e,

ocasionalmente, os Srs. Ministros Nilson Naves, Gilson Dipp e Luiz Fux.

Brasília (DF), 12 de abril de 2010 (data de julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente

Ministro João Otávio de Noronha, Relator

DJe 12.05.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se de pedido de intervenção

federal formulado por Indústrias João José Zattar S/A com fundamento no

artigo 34, VI, da Constituição Federal, contra o Estado do Paraná.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

166

A parte interessada aduz que o Estado do Paraná descumpriu ordem

judicial que requisitava força policial para dar cumprimento à ordem de

reintegração de posse de imóvel rural invadido pelos réus.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná julgou

procedente o pedido em acórdão assim ementado:

Pedido de intervenção federal. Invação de imóvel por particulares. Reintegração de posse. Pedido de reforço policial deferido. Descumprimento de ordem judicial (mando de reintegração de posse). Omissão do ente estatal caracterizada. Postergação por vários anos. Medida excepcional a que se impõe. Procedência do pedido.

Embora a intervenção federal consista em medida excepcional de supressão temporária da autonomia de determinado ente federativo, trata-se de medida perfeitamente cabível na hipótese em exame, haja vista a desídia do ente estatal em fornecer o reforço policial necessário para o cumprimento de decisão judicial, solicitado há vários anos.

Já neste Tribunal, foram requisitadas informações ao Governador do

Estado do Paraná, que informou que a intervenção em questão perdeu o objeto

em razão de o autor da ação ter ofertado o imóvel à venda ao Incra.

O Ministério Público Federal ofereceu parecer pela procedência do pedido

(fl s. 701-705).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): A presente intervenção

teve origem nos seguintes fatos:

A requerente ajuizou ação de reintegração de posse em desfavor de diversas

pessoas que invadiram seu imóvel rural.

Essa ação foi julgada procedente em primeira instância, decisão esta

confi rmada pelo Tribunal a quo.

Transitada em julgado, a reintegração não pode ser cumprida pelo Ofi cial

de Justiça em razão de os posseiros terem resistido ao cumprimento da ordem.

Assim, foi requisitado reforço policial ao 16º Batalhão de Polícia Militar

de Guarapuava (PR), que, por sua vez, informou ao Juiz que estava sendo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 167

elaborado estudo para viabilizar uma linha de ação, estudo este que ainda seria

submetido à aprovação superior, ou seja, da Secretaria de Segurança Pública (fl .

180).

Contudo, após um ano e mês da requisição do MM Juiz, o Comando da

Polícia Militar informou ao Juiz que não havia recebido autorização para efetuar

a intervenção policial solicitada (fl s. 182-183).

O autor da ação reintegratória, então, aviou requerimento de intervenção

federal.

Intervenção federal é medida de natureza excepcional, porque restritiva

da autonomia do ente federativo. Daí porque as hipóteses de cabimento serem

taxativamente previstas na Constituição da República, em seu artigo 34; e, na

hipótese em questão, no inciso VI do mencionado artigo, assim disposto:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

VI - p rover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

No caso, o pedido de intervenção federal está fundado no fato de o Poder

Executivo do Estado do Paraná, sem nenhuma justifi cativa, não ter fornecido

reforço policial para o fi m de dar cumprimento à decisão judicial de reintegração

de posse de imóvel rural.

Nesse sentido, este Superior Tribunal de Justiça, julgando outros casos

oriundos do Estado do Paraná em que se pedia a intervenção pelas mesmas

causas ora apresentadas, fi rmou entendimento de que autoriza a intervenção

federal a inércia do Poder Executivo estadual que, deixando de fornecer a força

policial sem motivo algum, descumpre decisão judicial.

Cito, a propósito, alguns precedentes:

Intervenção federal. Reintegração na posse. Sem-terra. Descumprimento de ordem judicial. Ausência de justifi cativa. Inação do Estado. Art. 34 da Constituição. Pedido deferido.

I - Sem desconhecer os graves problemas atinentes à terra no Brasil, o Poder Judiciário deve zelar pela garantia do Estado de direito, que se pauta pelo estrito cumprimento das leis e das decisões judiciais, além de assegurar aos litigantes o acesso à Justiça e ao devido processo legal.

II - Na linha de precedentes desta Corte, a inação do Estado em dar cumprimento a decisão judicial de reintegração na posse, sem justificativa plausível e sem a demonstração, sequer, de atos concretos nesse sentido, enseja o deferimento da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

168

intervenção. (IF n. 79-PR, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 09.12.2003)

Constitucional. Intervenção federal. Estado do Paraná. Imóvel rural invadido pelo MST. Reintegração de posse concedida. Descumprimento de decisão judicial. Atraso injustifi cável. Contumácia. Vastidão de precedentes.

1. Pedido de Intervenção Federal requerido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em face de descumprimento de ordem judicial (medida liminar) oriunda daquela Corte que determinou reintegração na posse dos titulares de imóvel rural invadido por grupo denominado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

2. A via da intervenção federal, de natureza especialíssima e grave, só deve ser aberta quando em situações extremas e se apresentar manifesta a intenção do Poder Executivo, pela sua autoridade maior, de conduta inequívoca de descumprimento de decisão judicial, como se insere na presente lide.

3. Em diversos casos semelhantes ao presente, a distinta Corte Especial deste Sodalício decidiu que, ante a recalcitrância do Estado do Paraná em descumprir decisões judiciais de reintegração de posse – mesmo que de natureza provisória – quando o esbulho é perpetrado por ditos movimentos sociais sem que houvesse qualquer justifi cativa plausível ou mesmo atos concretos nesse sentido, é de se deferir o pedido de intervenção federal.

4. O indeferimento do pedido implicaria despir de efi cácia e autoridade as decisões judiciais, importando num indesejável e crescente enfraquecimento do Poder Judiciário, transmudando a coercibilidade e o comando inerentes aos provimentos judiciais em simples aconselhamento destituído de efi cácia, ainda mais quando caracterizada a contumácia no descumprimento.

5. “É irrelevante o fato de não ser defi nitiva a decisão exeqüenda. Dizer que somente o desrespeito à decisão defi nitiva justifi ca a intervenção é reduzir as decisões cautelares à simples inutilidade.” (IF n. 97-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18.12.2006).

6. Vastidão de precedentes: IF n. 91-RO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 13.02.2006; IF n. 22-PR, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 06.06.2005; IF n. 70-PR, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 02.05.2005; IF n. 86-PR, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 28.06.2004; IF n. 76-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 13.10.2003, dentre outros.

7. Pedido de intervenção deferido. (IF n. 94-PR, relator Ministro José Delgado, DJ de 08.10.2007.)

Intervenção federal. Ação de reintegração de posse. Liminar concedida. Descumprimento. Postergação por vários anos. Procedência do pedido. Evidenciada a manifesta inércia do Poder Executivo Estadual quanto ao cumprimento da

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 169

decisão judicial, decorridos quase oito anos da concessão da liminar reintegratória de posse, cabe acolher-se o pedido de intervenção federal. Pedido de intervenção federal julgado procedente (IF n. 86-PR, relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 28.06.2004)

No que diz respeito ao fato de o requerente ter proposto ao Incra a

compra do imóvel objeto da reintegratória, também já decidiu este Tribunal que

não se trata de hipótese impeditiva do cumprimento da decisão judicial, pois

permanece o interesse do requerente em reaver seu imóvel.

Intervenção federal. Ação de reintegração de posse. Reforço policial. Descumprimento de decisão judicial caracterizado. Perda de objeto. Inexistência.

1. Na linha da jurisprudência desta Corte, impõe-se a procedência do pedido de intervenção federal nas hipóteses em que o Poder Executivo não fornece o reforço policial necessário para o fi m de efetivar o cumprimento de decisão judicial, transitada em julgado, de reintegração de posse de imóvel rural invadido por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

2. O fato de existir proposta de venda do imóvel não torna sem efeito a decisão judicial que julgou procedente o pedido de reintegração de posse, nem tampouco retira o direito da requisitante de reaver seu bem, não se mostrando razoável reconhecer que houve perda de objeto do pedido de intervenção federal.

3. Pedido de intervenção federal julgado procedente. (IF n. 103-PR, relator Ministro Paulo Gallotti, DJe de 21.08.2008)

Ante o exposto, julgo procedente o pedido de intervenção federal no Estado do

Paraná.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.112.943-MA (2009/0057117-0)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogado: Márcio de Assis Borges e outro(s)

Recorrido: Luzanira Fonseca

Advogado: Sem representação nos autos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

170

EMENTA

Processual Civil. Recurso especial. Execução civil. Penhora. Art.

655-A do CPC. Sistema Bacen-Jud. Advento da Lei n. 11.382/2006.

Incidente de processo repetitivo.

I - Julgamento das questões idênticas que caracterizam a multiplicidade.

Orientação - Penhora on line.

a) A penhora on line, antes da entrada em vigor da Lei n.

11.382/2006, confi gura-se como medida excepcional, cuja efetivação

está condicionada à comprovação de que o credor tenha tomado todas

as diligências no sentido de localizar bens livres e desembaraçados de

titularidade do devedor.

b) Após o advento da Lei n. 11.382/2006, o Juiz, ao decidir

acerca da realização da penhora on line, não pode mais exigir a prova,

por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de

bens a serem penhorados.

II - Julgamento do recurso representativo

- Trata-se de ação monitória, ajuizada pela recorrente, alegando,

para tanto, titularizar determinado crédito documentado por contrato

de adesão ao “Crédito Direto Caixa”, produto oferecido pela instituição

bancária para concessão de empréstimos. A recorrida, citada por meio

de edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora,

de modo que o Juiz de Direito determinou a conversão do mandado

inicial em título executivo, diante do que dispõe o art. 1.102-C do

CPC.

- O Juiz de Direito da 6ª Vara Federal de São Luiz indeferiu

o pedido de penhora on line, decisão que foi mantida pelo TJ-MA

ao julgar o agravo regimental em agravo de instrumento, sob o

fundamento de que, para a efetivação da penhora eletrônica, deve o

credor comprovar que esgotou as tentativas para localização de outros

bens do devedor.

- Na espécie, a decisão interlocutória de primeira instância que

indeferiu a medida constritiva pelo sistema Bacen-Jud, deu-se em

29.05.2007 (fl . 57), ou seja, depois do advento da Lei n. 11.382/2006,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 171

de 06 de dezembro de 2006, que alterou o CPC quando incluiu

os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens

preferenciais na ordem da penhora como se fossem dinheiro em espécie

(art. 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse preferencialmente

por meio eletrônico (art. 655-A).

Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte

Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o

voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki dando provimento ao recurso

especial no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior,

Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão, e as retifi cações de voto

dos Srs. Ministros Luiz Fux, João Otávio de Noronha e Castro Meira para

acompanhar o voto da Sra. Ministra Relatora, por unanimidade, conhecer do

recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra

Relatora. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha,

Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer,

Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão

votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justifi cadamente, o Sr. Ministro

Cesar Asfor Rocha e, ocasionalmente, a Sra. Ministra Eliana Calmon.

Brasília (DF), 15 de setembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 23.11.2010

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recurso especial interposto

por Caixa Econômica Federal - CEF, com fundamento nas alíneas a e c do

permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TRF da 1ª Região.

Ação: monitória ajuizada pelo recorrente em face de Luzanira Fonseca, alegando, para tanto, titularizar determinado crédito documentado por contrato

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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de adesão ao “Crédito Direto Caixa”, produto oferecido pela instituição bancária

para concessão de empréstimos (fl s. 15-18). A recorrida, citada por meio de

edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora, de modo que o

Juiz de Direito determinou a conversão do mandado inicial em título executivo.

Decisão interlocutória: o Juiz indeferiu, na data de 29.05.2007, a

utilização do sistema Bacen-Jud para realização de penhora eletrônica (fl . 13),

nos seguintes termos:

A quebra de sigilo bancário é medida excepcional que depende da presença de relevantes motivos, que por si só, justifi quem a violação do direito à privacidade resguardado expressamente pela Constituição (art. 5º, X).

A simples ausência de patrimônio penhorável, a meu ver, não é sufi ciente para ensejar a quebra de sigilo aqui pleiteado, que somente deve ser concedido excepcionalmente.

Assim sendo, indefi ro o pedido de quebra de sigilo bancário, via Bacen, por entender descabido.

Agravo de instrumento: foi interposto pelo recorrente (fl s. 02-09) contra

a decisão denegatória de penhora on line.

Decisão monocrática: o Relator negou seguimento ao agravo de

instrumento (fls. 21-23), ao argumento de que “a Agravante não logrou

demonstrar a realização de diligências para localização de eventuais bens da

devedora” (fl . 21).

Agravo regimental: o recorrente interpôs agravo regimental, às fl s. 24-32,

buscando que fosse reconsiderada a decisão.

Acórdão: o TRF da 1ª Região negou provimento ao recurso, nos termos

do acórdão assim ementado (fl s. 36-41):

Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Execução. Utilização do sistema Bacen-Jud para bloqueio de saldo de conta bancária. Impossibilidade.

1. A utilização do sistema Bacen-Jud com a fi nalidade de que seja determinada penhora de crédito em conta bancária é medida excepcional que, por implicar ruptura do sigilo bancário, somente é admitida quando esgotadas as tentativas para localização de outros bens do devedor, o que não ocorreu na espécie. Precedentes.

2. Segundo a doutrina “a ordem estabelecida no art. 655, após a alteração da Lei n. 11.382/2006, (...), não pode ser encarada como um parâmetro absoluto, ou como o único a ser seguido pelo órgão jurisdicional, em qualquer hipótese,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 173

para definir qual bem será penhorado”. Assim, embora a legislação, agora, expressamente autorize a realização de penhora de dinheiro “em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira”, “somente em situações excepcionais e devidamente fundamentadas é que se admite a especial forma de constrição” (Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina, in Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil 3).

3. Agravo regimental desprovido.

Recurso Especial: a recorrente alega ofensa ao art. 655 e 655-A do CPC,

além de dissídio jurisprudencial (fl s. 47-59). Aduz que, em razão das inovações

introduzidas pela Lei n. 11.382/2006, não há que se falar em necessidade de

comprovação, por parte do credor, do esgotamento de diligências na localização

de bens penhoráveis, para que seja realizada a penhora on line.

Juízo Prévio de Admissibilidade: decorrido o prazo sem a apresentação

das contrarrazões ao recurso especial, foi este admitido na origem (fl s. 65-66).

Despacho de afetação (fl . 70): considerando a multiplicidade de recursos

com fundamento em idêntica questão de direito e o disposto no art. 2º, § 1º, da

Resolução n. 8-STJ, afetei à Corte Especial o julgamento do presente recurso

especial e do REsp n. 1.112.584-DF, para os efeitos do art. 543-C do CPC.

Determinei a expedição de ofícios ao Presidente do STJ, aos Presidentes

dos Tribunais Regionais Federais e aos Presidentes dos Tribunais de Justiça,

com cópia do acórdão recorrido e da petição de interposição do recurso especial,

comunicando a instauração do aludido procedimento, para que se suspenda

o processamento dos recursos especiais que versem sobre a necessidade de

comprovação do esgotamento das diligências para localização de bens de

propriedade do devedor para a realização das providências previstas no art. 655-

A do CPC.

Manifestaram-se, nos termos do art. 3º, I, da Resolução n. 8/2008 do STJ,

o Conselho Federal da OAB (fl s. 157-181), a Defensoria Pública da União (fl s.

209-211) e o Advogado-Geral da União (fl s. 239-247). Não se manifestou, em

que pese notifi cado, o Instituto Brasileiro de Direito Processual (fl s. 220).

Parecer do Ministério Público Federal: por fi m, o Ministério Público

Federal opinou às fl s. 249-253, em parecer da lavra do i. Subprocurador-Geral

da República Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, pelo provimento do recurso

especial.

É o relatório.

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174

VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora):

DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO

A natureza do procedimento do art. 543-C do CPC visa unificar o

entendimento e orientar a solução de recursos repetitivos.

No despacho que instaurou o incidente do processo repetitivo, determinei

que fosse suspenso o processamento dos recursos especiais que “versem sobre a

necessidade de comprovação do esgotamento das diligências para localização de

bens de propriedade do devedor para a realização das providências previstas no

art. 655-A do CPC.” (fl . 70).

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com as recentes modificações no processo de execução, permaneceu

o legislador consciente da maior efetividade que o dinheiro, como forma de

viabilizar a realização do direito de crédito, confere à prestação jurisdicional.

A previsão do dinheiro como bem preferencial na ordem legal da penhora se

justifi ca por ser o bem que permite mais facilmente a satisfação da dívida, “já

que dispensa todo o procedimento destinado a permitir a justa e adequada

transformação de bem penhorado – como o imóvel – em dinheiro, eliminando a

demora e o custo de atos como a avaliação e a alienação do bem a terceiro” (Luiz

Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Curso de Processo Civil, v. 3,

Execução, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 270), além de que oportuniza

ao exequente penhorar a quantia exata necessária ao atendimento do seu crédito.

Não obstante a redação anterior do art. 655 do CPC não fazer qualquer

distinção entre dinheiro em espécie e dinheiro depositado ou aplicado em

instituições bancárias, a penhora desse último, antes da entrada em vigor da

Lei n. 11.382/2006, já era admitida por este Tribunal, atento à dinâmica das

relações sociais a que se sujeita o direito. Nesse sentido, vejam-se os seguintes

precedentes: REsp n. 916.832-SP, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de

03.09.2004; REsp n. 202.354-MA, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de

20.03.2000; AgRg na MC n. 11.881-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes

Direito, DJ de 12.02.2007 e AgRg no Ag n. 727.148-SP, 3ª Turma, Rel. Min.

Humberto Gomes de Barros, DJ de 27.03.2006.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 175

Em decisão unipessoal proferida no julgamento do REsp n. 1.103.760-

CE, publicada no DJ de 16.03.2009, o i. Min. Herman Benjamin, referindo-se

ao avanço tecnológico nas operações fi nanceiras, assim se manifestou:

Quanto à matéria que mais diretamente se relaciona com o mérito do apelo extremo, destaco a alteração dos paradigmas das relações econômicas. Atualmente, o dinheiro circula não mais em espécie, mas por meio de cartões de crédito e de débito automático; operações fi nanceiras são realizadas pela rede mundial de computadores; empresas que atuam nos mais diversos segmentos não possuem sequer bens passíveis de constrição, por estabelecerem-se em imóveis alugados, possuírem mobiliário por meio de contratos de leasing, etc.

Esclarece-se, por oportuno, que, antes do surgimento da penhora por

método eletrônico, a penhora de dinheiro depositado ou aplicado em instituição

bancária era somente realizada mediante ofício ao Banco Central do Brasil, que

requisitava às instituições fi nanceiras informações sobre conta e seus ativos. O

Juiz, após colher essas informações, determinava, via postal ou por mandado, a

penhora de dinheiro sufi ciente para garantir a execução.

O instituto da penhora eletrônica nasceu em 2001 como um instrumento

a conceder mais efetividade ao processo de execução, em virtude de um

convênio de cooperação técnico institucional entre o Banco Central do Brasil,

o Conselho da Justiça Federal e o STJ, tendo, posteriormente, ganhado força

em especial nas execuções trabalhistas. Ao modelo de atendimento deu-se o

nome de Bacen-Jud.

J U L G A M E N T O D A S Q U E S T Õ E S I D Ê N T I C A S Q U E

CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE - ART. 543-C, § 7º, DO CPC

A questão nuclear trazida a desate refere-se à necessidade ou não de

comprovação do esgotamento de vias extrajudiciais de busca de bens a serem

penhorados para a realização da penhora on line.

Observa-se, inicialmente, que, em se tratando de norma processual, vigora

o princípio tempus regit actum, no qual o direito intertemporal preconiza que

a lei nova se aplica imediatamente, inclusive aos processos em curso. Dessa

forma é necessário a exposição dos dois entendimentos desta Corte, segundo

o momento em que o Juiz proferiu decisão acerca da realização da penhora

requerida pelo credor: se antes ou posterior às alterações introduzidas pela Lei

n. 11.382/2006, cuja entrada em vigor se deu em 06 de dezembro de 2006.

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I. Da realização da penhora on line em momento anterior ao advento da Lei

n. 11.382/2006

No que concerne à realização de penhora on line de dinheiro depositado

ou aplicado em instituição bancária antes da entrada em vigor da Lei n.

11.382/2006, esta Corte Superior consolidou o entendimento de ser medida

excepcional, cuja efetivação está condicionada à comprovação de que o

credor tenha tomado todas as diligências no sentido de localizar bens livres e

desembaraçados de titularidade do devedor.

Diversos foram os julgados nesse sentido, entre os quais destacam-se: AgRg

no Ag n. 1.010.872-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15.09.2008;

AgRg no REsp n. 1.129.461-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido,

DJe de 02.02.2010; AgRg no Ag n. 944.358-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Castro

Meira, DJe de 11.03.2008; AgRg no Ag n. 1.087.731-BA, 2ª Turma, Rel. Min.

Eliana Calmon, DJe de 03.09.2009; AgRg no REsp n. 726.868-SE, 4ª Turma,

Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 28.11.2005; REsp n. 659.127-SP, 5ª

Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Rel. p/ acórdão Min. Gilson Dipp,

DJ de 21.02.2005.

Assevera-se, por oportuno, que discutir a comprovação desse exaurimento

esbarra no óbice da Súmula n. 7-STJ. Nesse sentido, vejam-se os seguintes

precedentes: AgRg no Ag n. 1.041.585-BA, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino

Zavascki, DJe de 18.08.2008; AgRg na MC n. 13.891-RS, 1ª Turma, Rel. Min.

Denise Arruda, DJe de 30.04.2008; AgRg no Ag n. 850.240, 5ª Turma, Rel.

Min. Felix Fischer, DJ de 08.10.2007.

II. Da realização da penhora on line após a entrada em vigor da Lei n.

11.382/2006

Com o advento da Lei n. 11.382, em 06 de dezembro de 2006, houve

uma grande mudança de paradigma no processo de execução, com o escopo

de conferir mais racionalidade e celeridade à prestação jurisdicional. Duas

alterações - quer sejam, (II.a) a equiparação do dinheiro em espécie ao dinheiro

depositado ou aplicado em instituição bancária; e (II.b) a introdução no sistema

processual da possibilidade preferencial de constrição eletrônica desses valores

- merecem ser analisadas em pormenor, diante da relevância que assumiram na

adoção, por este Tribunal, de nova orientação jurisprudencial, no sentido de ser

desnecessário o exaurimento da busca por bens passíveis de penhora.

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 177

II. a) Da equiparação do dinheiro depositado ou aplicado em instituição

fi nanceira ao dinheiro em espécie

O art. 655 do CPC, em sua novel redação, equiparou o dinheiro depositado

ou aplicado em instituições bancárias ao dinheiro em espécie, colocando-o em

primeiro lugar na ordem preferencial da penhora.

Em diversos precedentes desta Corte destacou-se a preferência do dinheiro

na ordem legal da penhora, entre os quais vejam-se: REsp n. 1.066.091-RS,

1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 25.09.2008; REsp n.

1.009.363-BA, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 16.04.2008; REsp

n. 1.230.232-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 02.02.2010;

AgRg nos EDcl no Ag n. 702.610-MG, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe

de 20.06.2008; REsp n. 1.033.820-DF, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda,

DJe de 19.03.2009; AgRg no Ag n. 1.123.556-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis

Felipe Salomão, DJe de 28.09.2005.

II. b) Da preferência pelo meio eletrônico para realização do ato

constritivo

Por sua vez, o art. 655-A representou outra alteração importante do

diploma processual, na busca por mais agilidade e efi ciência à execução. O

legislador, atento aos avanços da informática e buscando aperfeiçoar ato

processual já existente, a penhora, dispôs expressamente que “para possibilitar a

penhora de dinheiro em depósito ou aplicação fi nanceira, o juiz, a requerimento

do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário,

preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em

nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade,

até o valor indicado na execução” (grifo nosso).

Essa preferência do meio eletrônico, contudo, poderá ser afastada em

situações específi cas, como diante da ocorrência de algum problema ou falha

técnica no sistema. Nesse sentido, em julgado de minha relatoria destaquei que

“caso a expressão “preferencialmente” fosse suprimida do texto legal, a utilização

de qualquer meio diverso do eletrônico estaria vedada sempre que houvesse uma

eventual falha operacional do sistema, impedindo assim que as providências

mencionadas no art. 655-A fossem tomadas, ainda que por mecanismos menos

velozes” (REsp n. 1.043.759-DF, 3ª Turma, DJe de 16.12.2008).

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178

Com a realização preferencial da penhora eletrônica, evita-se oportunizar ao devedor frustrar a execução, valendo-se do lapso temporal entre a expedição do ofício ao Banco Central do Brasil, cujo conhecimento está ao seu alcance, e a efetiva penhora. Por esse mesmo motivo, o art. 655-A do CPC dispõe literalmente, que seja a requisição de informações e o ato de constrição (quando, por óbvio, existente conta de titularidade do devedor e ainda, ativo fi nanceiro nessa) realizadas no mesmo ato.

Salienta-se que a previsão contida no art. 655-A do CPC, de que “as informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução”, afasta qualquer alegação de violação dos dados pessoais do executado, porquanto, não se irá tornar público os últimos movimentos bancários do devedor, mas somente se averiguar se existe ativo fi nanceiro sufi ciente para garantir a execução.

Consigna-se, ainda, por oportuno, que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em sua 71ª Sessão Ordinária, ocorrida em 07.10.2008, aprovou a Resolução n. 61/2008, publicada no DJe de 15.10.2008, que, em seu art. 2º, dispõe ser “obrigatório o cadastramento, no sistema BACENJUD, de todos os magistrados brasileiros cuja atividade jurisdicional compreenda a necessidade de consulta e bloqueio de recursos fi nanceiros de parte ou terceiro em processo judicial.”

II. c) Da nova orientação jurisprudencial deste Tribunal

O STJ passou a adotar, para decisões proferidas após o advento da Lei n. 11.382/2006, nova orientação jurisprudencial, no sentido de não existir mais a exigência de prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados.

Esse novo entendimento do STJ decorre de uma interpretação sistemática do diploma processual, em especial de suas alterações recentes: art. 655, I, e 655-A do CPC. O princípio da efetividade, alçado à categoria de direito fundamental com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45/2004, serve como base de exegese da ordem processual, especialmente no que concerne ao processo de execução, que, conforme letra da lei, realiza-se “no interesse do credor” (art. 612 do CPC).

Assim, superou-se o entendimento anterior que condicionava à efetivação da penhora eletrônica à comprovação de que o credor tenha tomado todas as diligências a fi m de localizar bens livres e desembaraçados de titularidade do devedor.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 179

A maioria dos Ministros que compõem este Tribunal já teve a oportunidade de apreciar o tema, conforme se verifi ca, entre outros, nos seguintes julgados: EREsp n. 1.087.839-RS, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJe 18.09.2009; AgRg no Ag n. 1.230.232, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 02.02.2010; REsp n. 1.009.363-BA, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 16.04.2008; REsp n. 1.066.091-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 25.09.2008; REsp n. 1.097.895-BA, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 16.04.2009; AgRg no REsp n. 1.077.240-BA, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 27.03.2009; AgRg no Ag n. 1.034.766-RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2008; REsp n. 1.033.820-DF, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 19.03.2009; AgRg no Ag n. 1.050.772-RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo Furtado, DJe de 05.06.2009.

A propósito, confi ra-se o seguinte excerto colhido das lições do e. jurista Athos Gusmão Carneiro (Da penhora on-line e da penhora de faturamento. Repertório IOB de jurisprudência: civil, processual, penal e comercial, n.8, 2.

quinz. abr., 2010, p. 250)

O anterior entendimento de que a penhora on line seria uma medida excepcional, somente admissível quando esgotada a busca de outros bens a penhora, encontra-se superado, máxime tendo em vista a atual redação do art. 655, I, que coloca o dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação fi nanceira, em primeiro lugar na ordem preferencial de bens passíveis de expropriação.

Desse modo, considerando-se que todos os juízes devem ter seu cadastro

no sistema, conclui-se, a partir de uma interpretação harmônica e coerente

das normas processuais, que, após a entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006,

a constrição on line dos ativos fi nanceiros, requerida pelo exequente, não mais

prescinde o esgotamento das diligências extrajudiciais na busca por outros bens

do devedor.

Outrossim, nos termos do art. 543-C do CPC, determino, após a

publicação do acórdão, a comunicação de seu teor à Presidência e aos demais

Ministros deste Superior Tribunal de Justiça, aos Tribunais Regionais Federais,

bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados, em observância do disposto no

art. 543-C, § 7º, do CPC, c.c. os arts. 5 º, inciso II e 6º, da Resolução n. 8/2008.

CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

Portanto, no que diz respeito à penhora on line, a Corte Especial do STJ

consolida o entendimento de que:

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a) a penhora on line, antes da entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006,

confi gura-se medida excepcional, na qual a efetivação está condicionada à

comprovação de que o credor tenha tomado todas as diligências no sentido de

localizar bens livres e desembaraçados de titularidade do devedor;

b) após o advento da Lei n. 11.382/2006, o Juiz, ao decidir, não pode mais

exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na

busca de bens a serem penhorados.

JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO

Inicialmente, veja-se que a ação monitória é um procedimento de cognição sumária, por meio da qual o credor, de quantia certa ou de coisa determinada, desprovido de título executivo, mas cujo crédito esteja comprovado por documento hábil, visa obter a satisfação de seu direito.

Na hipótese sub judice, verifi ca-se que a recorrida, citada por meio de edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora, de modo que o Juiz de Direito determinou a conversão do mandado inicial em título executivo, diante do que dispõe o art. 1.102-C do CPC, in verbis: “No prazo previsto no art. 1.102-B, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a efi cácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial e executivo e prosseguindo-se na forma do Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta Lei”.

O Juiz de Direito da 6ª Vara Federal de São Luiz indeferiu o pedido de penhora on line, sob o fundamento de que, para a efetivação da penhora eletrônica, deve o credor comprovar que esgotou as tentativas para localização de outros bens do devedor.

O TJ-MA ao julgar o agravo regimental em agravo de instrumento, manteve esse entendimento, conforme se depreende da leitura de trecho da ementa:

A utilização do sistema Bacen-Jud com a fi nalidade de que seja determinada penhora de crédito em conta bancária é medida excepcional que, por implicar ruptura do sigilo bancário, somente é admitida quando esgotadas as tentativas para localização de outros bens do devedor, o que não ocorreu na espécie.

Feitas essas considerações iniciais, impõe-se analisar o presente recurso

especial à luz do sistema vigente à época, em atenção ao princípio tempus regit

actum.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 181

Na espécie, a decisão interlocutória de primeira instância que indeferiu a

medida constritiva pelo sistema Bacen-Jud, deu-se em 29.05.2007 (fl . 57), ou

seja, depois do advento da Lei n. 11.382/2006, de 06 de dezembro de 2006,

que alterou o CPC quando incluiu os depósitos e aplicações em instituições

fi nanceiras como bens preferenciais na ordem da penhora como se fossem

dinheiro em espécie (art. 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse

preferencialmente por meio eletrônico (art. 655-A).

Dessa forma, em consonância com a tese estabelecida linhas acima, dá-se

provimento ao recurso especial para determinar o retorno dos autos à origem,

onde, afastada a necessidade da busca por outros bens, o pedido de realização

da penhora pelo sistema Bacen-Jud deverá ser reapreciado, observando o

disposto na Resolução n. 61 do Conselho Nacional de Justiça, a qual disciplina o

procedimento de cadastramento de conta única.

É como voto.

VOTO-VISTA

Ementa: Processual Civil. Recurso especial. Execução civil.

Penhora. Art. 655-A do CPC. Sistema Bacen-Jud.

1. Segundo a jurisprudência assentada pelos órgãos fracionários

do STJ, inclusive da Corte Especial, “com o advento da Lei n.

11.382/2006, que alterou o Código de Processo Civil, (...) tornou-

se prescindível o esgotamento das vias extrajudiciais para se admitir

a localização de bens do devedor pelo sistema Bacen-Jud, com a

constrição do ativo fi nanceiro por meio eletrônico” (EREsp n. 940.688-

DF, CE, Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 13.11.2008). Conforme

decorre do próprio texto normativo, o sistema trazido pelo art. 655-

A do CPC não modifi cou a ordem preferencial de penhora, nem

ampliou e nem sequer alterou o rol dos bens penhoráveis previstos na

legislação processual. O novo dispositivo simplesmente disciplinou

forma de viabilizar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação

financeira, na linha do manifesto desiderato trazido pelas mais

recentes modifi cações do sistema do processo de execução, de conferir

máximas efetividade e autoridade aos títulos executivos, notadamente

os judiciais, que, uma vez formados, devem ser cumpridos espontânea

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e imediatamente pelo devedor, sob pena, inclusive, de multa de 10%

caso isso não ocorra (CPC, art. 475-J).

2. Recurso especial provido, nos termos do voto da Ministra

Relatora.

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: 1. Trata-se de recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, em ação monitória, negou provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de utilização do sistema Bacen-Jud para fi ns de penhora sob o seguinte fundamento:

(...) A utilização do sistema Bacen-Jud com a fi nalidade de que seja determinada penhora de crédito em conta bancária é medida excepcional que, por implicar ruptura do sigilo bancário, somente é admitida quando esgotadas as tentativas para localização de outros bens do devedor, o que não ocorreu na espécie. Precedentes. (fl . 46)

No recurso especial (fls. 47-59), a CEF aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos seguintes dispositivos: (a) art. 655 do CPC, pois, com a ordem estabelecida pela Lei n. 11.382/2006, apenas quando não houver dinheiro disponível é que o credor indicará bens para penhora; (b) art. 655-A do CPC, ao argumento de que “a redação do dispositivo é clara quanto ao caráter obrigatório da colheita de informações da autoridade bancária (‘o juiz requisitará’), limitada a discricionariedade do magistrado à escolha da forma de realização da providência (‘podendo no ato determinar sua indisponibilidade’): se pela via eletrônica, facilitadora e desburocratizada do sistema BACENJUD, ou pelo método tradicional, de expedição de ofício ao órgão” (fl . 52). Sem contra-razões (fl . 63).

O recurso foi admitido, na origem, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. Intimados a intervir na condição de amici curiae, manifestaram-se pelo provimento do recurso especial o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (fl s. 157-181), a Defensoria Pública da União (fl s. 209-211) e a União (fl s. 239-247). No mesmo sentido, o parecer do Ministério Público Federal (fl s. 249-253).

A relatora, Min. Nancy Andrighi, deu provimento ao recurso especial, nos termos da seguinte ementa:

Processual Civil. Recurso especial. Execução civil. Penhora. Art. 655-A do CPC. Sistema Bacen-Jud. Advento da Lei n. 11.382/2006. Incidente de processo repetitivo.

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I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO - PENHORA ON LINE.

a) A penhora on line, antes da entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006, configura-se como medida excepcional, cuja efetivação está condicionada à comprovação de que o credor tenha tomado todas as diligências no sentido de localizar bens livres e desembaraçados de titularidade do devedor.

b) Após o advento da Lei n. 11.382/2006, o Juiz, ao decidir acerca da realização da penhora on line, não pode mais exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados.

II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO.

- Trata-se de ação monitória, ajuizada pela recorrente, alegando, para tanto, titularizar determinado crédito documentado por contrato de adesão “Crédito Direito Caixa”, produto oferecido pela instituição bancária para concessão de empréstimos. A recorrida, citada por meio de edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora, de modo que o Juiz de Direito determinou a conversão do mandado inicial em título executivo, diante do que dispõe o art. 1.102-C do CPC.

- O Juiz de Direito da 6ª Vara Federal de São Luiz indeferiu o pedido de penhora on line, decisão que foi mantida pelo TJ-MA ao julgar o agravo regimental em agravo de instrumento, sob o fundamento de que, para a efetivação da penhora eletrônica, deve o credor comprovar que esgotou as tentativas para localização de outros bens do devedor.

- Na espécie, a decisão interlocutória de primeira instância que indeferiu a medida constritiva pelo sistema Bacen-Jud, deu-se em 29.05.2007 (fl . 57), ou seja, depois do advento da Lei n. 11.382/2006, de 06 de dezembro de 2006, que alterou o CPC quando incluiu os depósitos e aplicações em instituições fi nanceiras como bens preferenciais na ordem da penhora como se fossem dinheiro em espécie (art. 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse preferencialmente por meio eletrônico (art. 655-A).

Recurso especial provido.

Foi acompanhada pelos Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e

Felix Fischer. Os Ministros Luiz Fux, João Otávio de Noronha e Castro Meira,

em divergência, negaram ao provimento ao recurso.

Pedi vista.

2. Cumpre inicialmente delimitar o núcleo central da controvérsia a ser

dirimida. O que se questiona é, unicamente, a respeito da indispensabilidade

ou não, após a vigência do regime previsto no art. 655-A do CPC (introduzido

pela Lei n. 11.382/2006), do esgotamento de outros meios de localizar bens

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penhoráveis como condição para deferir pedido de informações à autoridade

supervisora do sistema bancário, sobre a existência de ativos fi nanceiros em

nome do executado, na forma prevista no citado art. 655-A do CPC. Não está

em questão, portanto, a ordem de penhora prevista no art. 655 do CPC, nem a

sua natureza absoluta ou relativa, matéria que, aliás, foi recentemente sumulada

por esta Corte Especial (Súmula n. 417). É que, conforme decorre do próprio

texto normativo, o sistema trazido pelo art. 655-A do CPC não modifi cou a

ordem preferencial de penhora, nem ampliou e nem sequer modifi cou o rol

dos bens penhoráveis previstos na legislação processual. O novo dispositivo

simplesmente disciplinou forma de penhorar dinheiro em depósito ou aplicação

fi nanceira. Eis o texto do dispositivo:

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.

§ 2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.

§ 3º Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exeqüente as quantias recebidas, a fi m de serem imputadas no pagamento da dívida.

§ 4º Qu ando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, nos termos do que estabelece o caput deste artigo, informações sobre a existência de ativos tão-somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa a violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, de acordo com o disposto no art. 15-A da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.

3. Assim delimitada a controvérsia, a solução que lhe deu o voto da Ministra

relatora tem respaldo, não apenas nas manifestações dos autorizados amici

curiae chamados ao processo (o Conselho Federal da Ordem dos Advogados

do Brasil e a Defensoria Pública da União) e no Ministério Público (fl s. 209-

211), mas também na uníssona jurisprudência dos órgãos fracionários do STJ,

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nas oportunidades que já tiveram de se manifestar a respeito. Cito, a título

exemplifi cativo, os seguintes precedentes, a começar pelo que foi proferido por

esta Corte Especial (CE: EREsp n. 940.688-DF, Min. Hamilton Carvalhido,

DJe de 13.11.2008), oportunidade em que, no voto do Ministro relator, fi cou

registrado:

Com o advento da Lei n. 11.382/2006, que alterou o Código de Processo Civil, os depósitos e as aplicações em instituições fi nanceiras foram incluídos como bens preferenciais na ordem de penhora e, equiparados a dinheiro em espécie, tornou-se prescindível o esgotamento das vias extrajudiciais para se admitir a localização de bens do devedor pelo sistema Bacen Jud, com a constrição do ativo fi nanceiro por meio eletrônico (...)

A 1ª Seção, ao julgar os EREsp n. 1.052.081-RS, Min. Hamilton

Carvalhido, DJe de 26.05.2010 decidiu no mesmo sentido, como se constata do

voto do Ministro relator, que registrou:

A questão está em saber se é necessário o prévio exaurimento das vias extrajudiciais de busca de bens do executado para que seja efetivada a penhora de ativos fi nanceiros por meio do sistema Bacen Jud.

De início, o dinheiro, por conferir maior liquidez ao processo executivo, já ocupava o primeiro lugar na ordem de preferência estabelecida no artigo 11 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), tanto quanto no artigo 655 do Código de Processo Civil (...).

Ocorre que a Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006, deu nova redação ao artigo 655 do Código de Processo Civil (...).

Como se vê, com o advento da Lei n. 11.382/2006, que deu nova redação ao artigo 655 do Código de Processo Civil, os depósitos e as aplicações em instituições financeiras foram incluídos como bens preferenciais na ordem de penhora e equiparados a dinheiro em espécie, de modo que, a partir de então, tornou-se prescindível o esgotamento das vias extrajudiciais dirigidas à localização de bens do devedor, para só então se admitir a utilização do sistema Bacen Jud, com a constrição do ativo fi nanceiro por meio eletrônico, porque incidentes, em casos tais, os artigos 185-A do Código Tributário Nacional e 655-A do Código de Processo Civil (...)

Precedentes no mesmo sentido, no âmbito das Turmas que tiveram

oportunidade de enfrentar a matéria:

1ª Turma: REsp n. 1.101.288-RS, Min. Benedito Gonçalves, DJe de

20.04.2009; AgRg no REsp n. 1.077.039-RJ, Min. Denise Arruda, DJe de

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26.03.2009; REsp n. 1.066.091-RS, Min. Teori Albino Zavascki, DJe de

25.09.2008; AgRg no AgRg no Ag n. 961.578-MG, Min. Luiz Fux, DJe de

17.12.2008; AgRg no REsp n. 1.065.276-RJ, Min. Francisco Falcão, DJe de

06.10.2008.

2ª Turma: AgRg no REsp n. 1.143.806-SP, Min. Humberto Martins, DJe

de 21.06.2010; AgRg no Ag n. 1.168.198-SP, Min. Mauro Campbell Marques,

DJe de 02.06.2010; AgRg no Ag n. 1.138.725-SP, Min. Eliana Calmon, DJe

de 08.09.2009; AgRg no REsp n. 1.077.240-BA, Min. Castro Meira, DJe de

27.03.2009; AgRg no REsp n. 1.103.760-CE, Min. Herman Benjamin, DJe de

19.05.2009.

3ª Turma: AgRg no Ag n. 1.050.772-RJ, Min. Paulo Furtado

(Desembargador convocado do TJ-BA), DJe de 05.06.2009; REsp n. 1.033.820-

DF, Min. Massami Uyeda, DJe de 19.03.2009.

4ª Turma: AgRg no Ag n. 1.034.099-DF, Min. Raul Araújo Filho, DJe de

28.06.2010.

4. Pela particular importância que ostenta o Conselho Federal da Ordem

dos Advogados do Brasil no cenário judiciário como órgão representativo dos

principais interessados na adequada prestação da tutela jurisdicionais, que são as

partes, merece destaque a sua manifestação a respeito do tema:

(...)

O presente recurso especial versa sobre a necessidade da comprovação do esgotamento das diligências para localização de bens de propriedade do devedor para a realização das providências previstas no art. 655-A do CPC.

A matéria, como se vê, é por demais relevante de modo a justificar a admissão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no feito, notadamente em decorrência de sua fi nalidade institucional, conforme prevê o art. 44, I, da Lei n. 8.906/1994 (...).

A jurisprudência desse C. STJ, a rigor, parece já ter defi nido o divisor de águas em relação à temática, considerando, notadamente, a data de vigência da alteração legislativa decorrente da Lei n. 11.382/2006, isto é, o momento em que a solicitação de bloqueio por meio do Bacen-Jud é formulada, se antes ou depois da entrada em vigor da lei, conforme os seguintes precedentes:

(...)

Com efeito, desse contexto extrai-se a controvérsia até hoje existente acerca da utilização do sistema Bacen-Jud, cujo objetivo é permitir aos juízes da execução, mediante senha pessoal, o acesso via internet ao Sistema de Solicitação

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do Poder Judiciário ap Banco Central, cabendo ao magistrado enviar ofícios eletrônicos contendo solitações de informações sobre a existência de contas correntes e aplicações fi nanceiras, determinações de bloqueio e desbloqueio de contas envolvendo pessoas físicas e jurídicas clientes do Sistema Financeiro Nacional.

Tal procedimento fi cou denominado na costumeira linguagem forense de “penhora on line”, cuja utilização ganhou grande repercussão na Justiça do Trabalho, decorrente, pois, de convênio fi rmado entre o Tribunal Superior do Trabalho - TST e o Banco Central do Brasil - Bacen, embora tenha sido embrionariamente utilizado pela Justiça Federal após convênio fi rmado com o Superior Tribunal de Justiça - STJ em maio/2001.

Como se sabe, o mencionado convênio Bacen - TST é objeto de argüição de inconstitucionalidade pelo Partido Democratas, conforme ADIn n. 3.091, Rel. Min. Joaquim Barbosa, tendo sua Excelência adotado o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999, estando os autos conclusos com Parecer do Procurador-Geral da República pela improcedência da ação. Idêntico questionamento é formulado pela confederação Nacional dos Transportes - CNT na ADIn n. 3.203, Rel. Min. Joaquim Barbosa, a qual se encontra apensada à aquela.

No entanto, em 07.10.2008, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ disciplinou o procedimento de cadastramento de conta única para efeito de constrição de valores em dinheiro por intermédio do convêncio Bacen-Jud através da Resolução n. 61, cujo art. 2º determina:

Art. 2º - É obrigatório o cadastramento, no sistema BACEN JUD, de todos os magistrados brasileiros cuja atividade jurisdicional compreenda a necessidade de consulta e bloqueio de recursos fi nanceiros de parte ou terceiro em processo judicial.

Vê-se, portanto, que o cadastramento dos magistrados objetivando a utilizando da moderna ferramenta é obrigatório, restando evidente que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ prima pela eficiência das atividades jurisdicionais executivas.

Esse Superior Tribunal de Justiça - STJ, por meio da Instrução Normativa n. 04, de 04.11.2008, disciplinou o procedimento de cadastramento de conta única para efeito de constrição de calores em dinheiro através do sistema Bacen-Jud, transparecendo, assim, que o Poder Judiciário está imbuído do espiríto de máxima efetividade na prestação jurisdicional, sobretudo em respeito ao art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

É, assim, por conta da natureza jurisdicional da execução que o juiz tem uma posição de comando na cena processual, sendo claro que uma vez provocado pelo interessado cabe-lhe o dever de levar o processo a bom termo, dando à causa solução justa, efetiva e em tempo razoável.

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A fi gura do juiz passivo, espectador distante e indiferente à controvérsia que lhe foi posta, não mais se adequa às exigências do moderno processo, em nada comprometendo sua independência e imparcialidade a adoção de medidas que venham a tornar a jurisdição plenamente efi caz, posto que juiz independente não é sinônimo de juiz passivo, e imparcialidade não é sinônimo de indiferença.

Esta postura, em verdade, é apregoada pela leitura conjunta dos artigos 125, I a IV, 599 e 600, do CPC, os quais tratam do papel do juiz no processo, cabendo ao mesmo adotar as providências que julgar indispensáveis para que se outorgue a quem tem direito a tutela jurisdicional reclamada, atendidos os pressupostos da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, tudo a proteger autoridade e a dignidade da Justiça.

A efetividade do processo executivo está, desse modo, relacionada diretamente com sua aptidão de entregar ao credor a prestação reclamada, e para que esse objetivo possa ser alcançado dispõe o juiz de diferentes meios executivos.

CHIOVENDA definia os meios executivos como “as medidas que a lei permite aos órgãos jurisdicionais pôr em prática para o fi m de obter que o credor logre praticamente o bem a que tem direito” classifi cando-os em: a) “meios de coação, com os quais os órgãos jurisdicionais tendem a fazer conseguir para o credor o bem a que tem direito com a participação do obrigado, e, pois, se destinam a infl uir sobre a vontade do obrigado para que se determine a prestar o que deve” e b) “os meios de sub-rogação aqueles com que os órgãos jurisdicionais objetivam, por sua conta, fazer conseguir para o credor o bem a que tem direito independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado”.

A “penhora on line”, ou, segundo alguns, penhora eletrônica (que é impropriamente designada, já que eletrônica não é a penhora, mas o meio utilizado para efetivá-lo) circunscreve-se como meio à disposição do magistrado para dirimir os confl itos que lhe são submetidos.

Essa providência, a rigor, não ofende o art. 620, do CPC (princípio da menor onerosidade da execução), tampouco se configura como quebra da garantia constitucional do sigilo bancário do executado, posto que ao credor é assegurada a tutela jurisdicional útil e adequada.

É preciso considerar vencedora a tese de que, sem descurar do princípio da menor onerosidade e da garantia constitucional do sigilo bancário de dados, não se aniquila o direito do credor à satisfação do crédito, sobretudo em respeito ao interesse público, social ou da Justiça, valendo transcrever, pela propriedade que lhe é peculiar, os ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

(...) Atenta contra a jurisdição o devedor que, tendo dinheiro ou fundos de depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando citado no processo executivo (CPC, art. 652).

(...)

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Logo, a efetividade e o resultando útil e adequado da tutela jurisdicional há de prevalecer, sendo induvidoso que a penhora por meio eletrônico agora decorre de expressa disposição legal, notadamente após a edição da Lei n. 11.382/2006.

Daí o entendimento acertado desta Corte Superior em divisar a questão de fundo ao momento em que foi solicitado o bloqueio eletrônico, se antes ou depois da entrada em vigor da mencionada lei, retirando, portanto, dessa premissa a possibilidade ou não do magistrado acatar o pedido, já que se trata, em verdade, de disposição processual que prestigia o art. 1.211, do CPC, e, igualmente, à segurança jurídica.

É prudente, portanto, o entendimento da desnecessidade de esgotamento das diligências para localização de bens do devedor se o requerimento do exeqüente foi realizado após a entrada em vigor do art. 655-A, do CPC, cabendo, no entanto, a demonstração do esgotamento das diligências se o pedido foi formulado antes da lei.

Assim, dada a relevância da matéria e a representatividade do Conselho Federal da OAB, comparece para requerer a sua admissão no feito, na condição de amicus curiae e apresentar, desde logo, sua manifestação.

Pelo exposto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil requer a Vossa Excelência:

a) a sua admissão no presente processo na condição de amicus curiae (Art. 543-C, § 4° do CPC c.c. Resolução n. 08/2008), para sustentar a desnecessidade de esgotamento das diligências se o requerimento é formulado após a entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006, cabendo tal demonstração se a solicitação foi requestada antes da vigência da lei, por resultar na correta interpretação sistêmica do moderno processo de execução.

b) a garantia de manifestação oportuna ao longo do transcurso do feito, com concessão de prazo para oferecimento de memoriais e sustentação oral.

5. Registre-se, por fi m, que o artigo 655-A do CPC nada mais representa

que a confi rmação do desiderato trazido pelas mais recentes modifi cações do

sistema do processo de execução, de conferir máximas efetividade e autoridade

aos títulos executivos, notadamente os judiciais, que, uma vez formados, devem

ser cumpridos espontânea e imediatamente pelo devedor, sob pena, inclusive,

de multa de 10% caso isso não ocorra (CPC, art. 475-J). Daí o acerto da lição

de Cândido Dinamarco, referida pelo Conselho Federal da OAB, segundo a

qual “Atenta contra a jurisdição o devedor que, tendo dinheiro ou fundos de

depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando citado no

processo executivo (CPC, art. 652) (...)”.

6. Pelas razões expostas, acompanho o voto da Ministra relatora.

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RETIFICAÇÃO DE VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Sr. Presidente, naquela oportunidade, houve essa

questão nebulosa sobre se era uma questão de preferência na ordem da penhora

ou se era a modifi cação dessa jurisprudência que impunha o exaurimento.

Em razão desses esclarecimentos, gostaria de retifi car o meu voto para

acompanhar o voto da Sra. Ministra Relatora, dando provimento ao recurso

especial.

Presidente o Sr. Ministro Ari Pargendler

Relatora a Sra. Ministra Nancy Andrighi

Sessão da Corte Especial - 15.09.2010

Nota Taquigráfi ca

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Sr. Presidente, diante dos

esclarecimentos, retifi co meu voto para acompanhar a Sra. Ministra Relatora,

conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Como existe, também, uma

Súmula da Corte Especial também nesse sentido, pode ser que haja na aplicação

prática alguma colidência em relação ao sentido da Súmula n. 417. Porque, na

verdade, a Súmula n. 417 dá uma certa proteção a que não se faça penhora em

dinheiro. Na medida em que, nos temos da decisão do recurso repetitivo, estou

de certa forma fortifi cando a penhora em dinheiro, independentemente de

outra pesquisa de outros bens, posso estar esvaziando um pouco o conteúdo

da Súmula n. 417. Mas, evidentemente, a questão vai acabar se revelando na

prática, no caso a caso. Em tese, estou de acordo.

Diante da ressalva feita pelo eminente Ministro Teori Albino Zavascki,

assim como da Ministra Nancy Andrighi, acompanho o voto da Sra. Ministra

Relatora, dando provimento ao recurso especial.