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obras completas de JAIME CORTESÃO Porlugália Os Factores Democráticos na Formação de Portugal

CORTESÃO, Jaime _ Fatores Democráticos.pdf

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  • obras completas de JAIME CORTESO

    Porluglia

    Os Factores Democrticosna Formao de Portugal

  • Na c~~.. deset~ho d ^n~6n|o Carnelro

  • obras completas deJAIME CORTES.~O

    H I S T ~ R I A j V o l u m e i

  • obras completas deJAIME CORTESAO

    SECOES

    HIBtr la Po l f t te~ Edu .e~~o Te ' t rQ , t Poas t~ X~ lco En~ lo C r l t l eaL l t e t 6 r l a L l t e r s t u r I n -l an t l l u V iage r~ Menq6*

    r i a s D I s p e ~ s

  • ]AIME CORTES.,rO

    OS FACTORES DEMOCRATICOSNA F O R M A O D E P O R T U G A L

    pref~clo do

    P r o ] . D r . V t t o r l l l o M a g a l h d e O o d l n A o

    PORTU~LIA EDITORA I LISBOA

  • P R E S E N A D E ] A I M E C O R T E S X ONA HISTORIOGRAF1A PORTUGUESA

  • EM I921-1922 a Histria da Celonizao Por-tuguesa do Brasi l revelava, ao lado dos

    nomes consagrados de H. Lopes de Mendona,Luciano Pereira de Silva, Ernesto de Vasconce-los, Pedro de Azevedo, Paulo Merea e outros,dois novos historiadores: Duarte Leite, com Os"Falsos Precursores de Cabral e o estudo da pri-mitiva cartografia relaiva ao Brasil, e Jaime Cor-teso, com a anlise da viagem de Pedro ,4lvaresCaral, que nesse mesmo ano sairia desenvol-vida em volume autnomo. No era mera coinci-dncia a simultaneidade e o encontro dessa duplarevelao, no campo da histria, do antigo pro-]essor universitrio de Matemticas Superiores eMecnica, que no Brasil exercia uma misso di-plomtica de inigualado prestgio, e, mais novovinte anos, do antigo mddico e professor l icealque depois de combater em Frana era entodirector da Biblioteca Nacional de Lisboa, ondecom a a juda de Raul Proena real izava umaobra de incomparvel solidez e relevncia, e quesoubera elevar a centro de reunio e irradiao

  • culturalu b sta lembrar os nomes de AntnioSrgio e Aquilino R~beiro. No era casual coin-cidncia que dois destinos to diferentes, trina.nados todavia no mais ldimo amor da Ptria,que no nostalgia passadista mas esperaa dea tornar sempre mais humana e universalista,enveredassem ambos para a pesquisa histricaconduzida cientificamente, eles que nas suasmos amassaram o barro do porvir. E tambmno foi por acaso que ambos surgirwm comohistoriadores no gigantesco empreendimento deMalheiro Dias. Portugal acabava de sair de umaguerra onde se batera ao mesmo tempo pela pre-servao do patrimnio ultramarino, que o im-perialismo das naes de capitalismo industrialameaava, e pela defesa de valores de autnticahumanidade com que pretendia torjar a co'mu-nidade portuguesa espalhada aos quatro ventosdo orbe. E pmparava-se Portugal para participarcom sincero entusiasmo na comemorao do cen-tenrio da independncia do Brasil, essa naoque soubera gerar e levar maioridade, e em

  • que mostrava assim a sua vontade de manter-sepresente para a:lm das vicissitudes de estatutopolit ico que da evoluo histrica tinham resul-tado; e tal presez~a, queriam-na agora os ho-mens da generosa repblica decantar em fraternacomunho. Interveno na Grande Guerra e par-ticipao nas celebraes rasileiras co~~situamass~m duas laceras de uma mesma at i tude eorientao, ardentemente promissora de um fu-turo melhor. A Histria da Colonizao do Bra-sil , deste modo, um balano donde ressalta oorgulho pelo que no passado se edi] icou, masque sabe aceitar as realidades do presente e pre-tende a,sentar alicerces sobre que erguer novasconstrues.

    No d, por tudo isso, tambdm jogo do acaso,se em 1922 o presidente A~t6nio Jos de Almeidad receido no Rio pelo embaixador Duarte Leite,e se da misso cul tura l que o ~companha fazparte Jaime Corteso. E ~a mesma lgica estque, trinta anos volvidos, este viesse a estudar,por conta do Governo brasi le i ro, o t ratado de

  • Madrid que est na origem do futuro Brasilindependente.

    Antes de se consagrar histria, Cortesoescrevera dois dramas sobre tema,~ histricos-era um~ forma de aco cvica, quando a Naotinha, de se defender na conturbada conjunturamundial da primeira Grande Guerra. Mais tardeo prprio radicar a a sua vocao de historia-dor e discernird com lucidez quanto essa pticadramtica in[lui,~ na sua concepo primeira dodevir dos homens (ve]a-se adiante p. 5). EmO Infante de Sagres Joel Serto ver aeer~aa-mente uma das matrizes da sua vivncia hist-rica dos nossos descobrimentos. Todavia justoreconhecer que j no seu trabalho de estreia nainvestigao histrica--sobre Cabral e o des-cobrimento do Brasil--, Cortes~o se ocupa noapenas do principal figurante mas tambm detodos os que o acompanhara,n, e sobretudo sentea necessidade de reconstituir (como j scarLopes sublinhou) a sociedade e a paisagem daLisboa do dealbar de Quinhentos. Reconhecido

  • is to, cabe perguntar se o ex l io , cu jo caminhotoma em z927, com a consequente estadia de al-guns anos em Paris, no veio infleetir decisiv~mente o seu rumo como historiador. E a respostano pode deixar de ser afirmativa. Repare-se,na verdade, que de r93o so Os Factores Demo-crticos na Formao de Portugal, sem dvidauma das suas obras-primas e um dos momentoscimeiros da historiografia portuguesa neste nossosculo. Aproximem-se desse estudo denso e tersoos artigos (que adiante tambm vo reproduzi-dos) de z928 e I93o na Seara Nova. Uma tr -p l i ce i nflunc ia marca com o seu cunho ta i scr iaes h is tor iogrdficas: d, antes de mais eacima de tudo, a geografia humana de Brunhes(de que uma citao significativa figura at emexergo, ver p. 2r7) e Vallaux, ~ cada passo fere-fidos e rujas ideia's-mestras so a ferramentafundamental da construo; d a histria econ-mica e socia l de t tenr i Pi renne, que inspi ra aanlise da evoluo urbana portuguesa na IdadeMddia e a interpretao (na esteira de Oliveira

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  • Martins) da revoluo de r383-5; em terceirolugar, com menor importdncia que as ante-riores mas ainda assim no para despregar,Durkheim- ncuta menos do que o ]undador daescola sociolgica 1rancesa e um dos que orja-raro verdadeiramente a sociologia em todo omundo. No artigo de r928 o nome de Durkheimaparece nada menos do que trs vetes: o histo-riador busca seguir principalmente o princpiometodol6gico durkheimiano das relaes do pro-cesso social com as variaes do volume e den-sidade dindmica das sociedades. Compreende-seque, quem era e seria sempre essencialmentegegrafo na concepo do evir dos homens eapreenso das relaes basilares que entre elesse estabelecem, ]osse haurir sociologia do pen-sador francs a sua morfologia social que temtanto de geografia humana. O que certo d que,na confluncia destas trs correntes--contri-buindo embora desigualmente--, Jaime Corte-so pde escrever estas palavras lortes, deci-sivas: o mdtodo geogrfico, a interpretao

  • econ6mica e o ponto de vista sociolgico remo-delaram nos ltimos anos profundamente a His-tria," e historiador algum, contemporneo do. teu tempo, pode escuswr-se de os ut i l izar.A Histria social domina hoje t~da a Histria. (Ver, na presente eolectnea, p. 219). Estaspalavras, devia-as a Paris.

    No mesmo ano de Os Factores Democrticos~'Ma em Bruxelas L'Expansion des Portugaisl~lns l 'Histoire de la Civil isation, que procediala mesma concepo e da mesma megodologia.A continuao da estadia~ em Frana, permitin-do-~he uti l izar o opulento acervo bibtiogr]icola Bibtiothque Nationale e estudar nos origi-Jtais as cartas antigas de que esse estabeleci-mento #ossui um riqussimo esplio- condies, le que em Portugal no ter ia beneficiado-- , e'm seguida a estadia na Espanha republieana,dando-lhe aso a trabalhar sobre os ~undos delrquivos de excepcional interesse para a histria],orluguesa, como o Archivo das [ndias, de Sevi-lha, fruti] ieam nos captulos com que co~bora

  • no empreendimento de Damio Peres. Num totaZde umas 500 pginas, o desenvolvimento doopsculo de Bruxelas e o seu prosseguimento notempo: ante nossos olhos deslumbrados surgeassim, pela primeira vez em tais propores edentro de uma orientao moderna, todo o am-pl~ssimo fresco dos descobrimentos, conquistas,coloniza e organizao ul~ramarinas, no con-texto verdadeircomente ecumnico da civilizaomundial, desde as razes meievais desse movi-mento que translormou a face do globo at oocaso do sculo pombalino. Para medirmos bema novidade desta gigantesca pirmide que um sartfice erguera, convm situ-la no que eraento a historiografia portuguesa. Lcio de Aze-vedo d em r929 a primeira sntese da hist6riaeconmica portuguesa, ainda hoje infelizmenteno substituda mesmo se na realidade demolidae superada. Luso-brasileiro, como Duarte Leite,como o prprio Corteso o vir a ser, de orma-o no acadmica, pde, por ter partido dasactividaes comerciais, construir uma viso do

  • nosso passado em obedincia ao conceito mate-rialista, no nico, ma, certamente indispensvelpara a compreenso da histria. As naes novivem s do herotsmo, assunto predilecto dela.Essa viso dada em fun~io da ideia de ciclo,que tanta influncia exerceria na historiografiarelativa ao Brasil e que Corteso tambm uti l i-zaria. Mas Azevedo pertence ainda maneiratradicional de encarar a histria econmica, eest demasiado preso ao ponto de vista contabi-lstico de chefe de empresa. Na mesma altura,David Lopes reconstitua com mincia e segu-rana erudita a expanso portuguesa em Mar-focos; mas nunca pretendeu abarcar o conjuntodo expansionismo, e quase no ultrapassava oque Simiand chamava a histria. dvnemen-lietle, sem a ligar sistemticamente base geo-,4rfica e s condies sociais-econmicas, como[azia Corteso. Quirino da Fonseca estudava acaravela, Fo~toura da Costa a marinharia e alileratura que com ela est ligada, Armando Cor-leso a cartogra~a, Joaquim de Carvalho a cal-

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  • fura por~uguesa em relao com o pensamento]ilosfico, Queiroz Veloso especiatizara-se numahistria meramente erudita dos acontecimentospoltico-militares entre meados de Quinhentos e58o, Pau~o Merea co~~~inuava a sua elucidao,por vezes penerante, de certos aspectos funda-mentais da evoluo do direito portugus, queno deslig~ua da estrutura social conquanto noindo at o mago dela (e menos atento ao con-dicionalismo econmico). Em face de rodas, m-par, a obra de Jaime Corteso: distingue-se delaspela sua ambio e por dispor dos meios intelec-to, ais de a realiza,. Dissemos ambio : pobrecultura que no ambiciosa e se contenta naslimitaes. Corteso o homem dos horizontessem ~im, da perspectiva escala do globo, e quepretende tudo repensar, desafiar todas as ver-dades sensaCas, a fim de ludo compreender; asua temtica Marga-se a cada passo, ~mi de Ceutaao Japo, do Monomotapa Amaznia, das es-tradas romanas ao socialismo filantropista deEa, mesmo se certos fios condutores a perpas-

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  • .~'am, se certos refros retomam a anos de dis-Idncia. Conhecendo os documentos como poucos

    . e os documentos de toda a sorte: das antigascartas s crnidas, dos dirios de navegao aosdiploma ~, de jacto descola paro as mais arro-iadas interpretaes que os sobrevoam a quealtitude, ideando uma vastssima traa de que~~~ apenas pontos de reerncia; a ousadia dashipteses ta que nem reptos a todo o esorode, pensar e de investigar- suscitano as maislte.ndas iscusses, as mais ardentes, porque ohi~'toriador vive as suas provocantes construesapaixonaamente. No pas do doeumentozinho,,lira: no ~ssa de arremedo de erudio (pois os,','rdadeiros eruditos, na segurana da heurstica, ' da hermenut ica, como um Herculano, um;alna Barros, um Corteso, um Duarte LeiteI,'m sto raros), era como que um abalo stsmico,~,.[orado pela problemtica de um Srgio e pela, , t t ica quase matemt ica de um Duarte Lei tec qu' por seu turno viria a gerar, mas s poste-,,,rm:~l.te, uma outra problemtica). Quem, atd

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  • a, quisesse um estudo de co~~junto do passadoportugus, dispunha to s6, volvido meio sculosobre o es]oro de Oliveira Martins que conti-nuava a ser a matriz, confessada ou no, detoda a problemtica, e aldm do ensaio global deSdrgio, to sugestivo, de 1929 (no mesmo an~o Guide Bleu inseria um de Corteso, mas queno repercutiu entre ns), dispunha apenas, di-zamos, do enumer~tivo Fortunato de Almeida,sempre til pelas suas bibliografias, procurandono desprezar nenhum aspecto (e destes dois1~gulos no substituido pela Barcelos), masno s~ de estilo pouco ameno colho sobretudoincapaz de tentar des[ibrar os fios condutores eobnubilado por um anti-liberaIismo serdio. Noht dvida de que a Histria de Portugal dirigidapor Damio Peres dominada pala colaboraode Jaime Corteso: pela sua amplido- no es-pao e no tempo--, em primeiro lugar, e pelasua garra, incontestvelmente, por outro lado,e isto quando colaboravam tambm um Lciode Azevedo, um Newton de _~Iacedo (com as

  • suas admh'veis andlises das instituies de cul-tura) , um Joaquim de Carvalho, um Verg l ioCorreia, um Paulo Merea (estes trs dominando(r panormica medieval).

    Jaime Corteso herdava de Gama Barros,Alerto de Sampaio, Costa Lobo, Lucia~no Pe-reira da Silva, retomava de Duarte Leite a inte-.~rao das navegaes no condicionalismo ~sico,uo ignorava as sugestes de um Srgio (quasepens~das em comum), aproveiava a contribui-~:o documental, erudita, do Archivo HistoricoI)ortuguez, mas estava tambm muito bem in_/~~rmado da bibliografia estrangeira, ele prpriotrazia uma contribuio arquivstica indita pri-macial, e sobretudo dava, como historiador de,,flcio, uma sntese cuja traa resultava da tr-plice influncia que em Paris haurira. A histo-riografia portuguesa elevava-se assim ao piano.I relevancia internacional.

    A gnese da nacionalidade e a ecloso e mar-,ha cio expansionismo inscrevem-se num proces-,,t is geral que em uma base geogrfica (leque

  • de possibilidades) e condies sociais, encarnan-do-se em figuras representativas do movimentocolectivo. A orientao atlantica ]oi marcada aofuturo territrio nacional pela .rede romana deestradas e pela diviso administrativa romana,"depois, a ocupao do litoral e a criao dognero de vida nacionM, que o comrcio mar-timo a distncia com base na agricultura (noprimeiro termo Cortesao marca a sua discordn-cia quanto ~ L. de Azevedo, que ]alara de mo-narquia agrria, no segundo, quanto a Sdrgio),]ormando-se uma nova solidariedade das popu-laes ribeirinhas do mar, que se.consolida como desenvolvimento das cla, ses urbanas nos por-tos, com a trans]ormao de Lisboa em empriocomercial e metr6pole de uma grande naomartima; a revoluo urbana popular, de basemesteirat mesmo se depois aproveitada~ pela bur-guesia (aqui Corteso a]asta-se de Srgio paraseguir~ iluminando novas ~acetas, Oliveira Mar-fins), de r383-5 permite a reorganizao polticae social em luxao do mar; o plano de defesa da

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  • costa desenvolve-se com a tomada de Ceuta, eem seguida organizam-se metdica e cienti]ica-me~zte os descobrimentos, criando-se os i~zstru-mentos tcnicos respectivos (caravela, astrolionutico, regimentos de navegao). A ida ai~m--mar afunda ratzes em toda essa multi-secularpreparao atlntica, deflagra pela necessidadede ouro -- e Corteso um dos primeiros a mos-l ra r o pape l do fu l vo me ta l v indo da ~ # ' i caNegra no mundo mediterrneo, fornecendo assimrena das ideias que serviro monumental tesede Braudel La Mditerrane et le Monde Mdi-tt,rranen, cuja geo-histria no ignora o esoroanterior do historiador portugus (e lhe prestahomenagem). Pois no h ainda, nas pginasrHativas ao imprio oriental, como que o pres-s'ntimento de que a verdadeira personotgem d,d, o oceano Indico? E, como em I~22 evocaral.isboa sob os ngulos geogrc~ico e social, ao des-pertar para o sculo XVI, c~gora a poderosa evo-al~o da Goa da segunda metade desse sdculo..]la.s' a outra grande personagem, bem mais do

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  • que o infante D. Henrique ou Nuno da Cunha, o acar do Brasil.

    Por tudo isto esperaramos o encontro do his-loriador portugus e dos Annales d'histoireeconomique et sociale que Lucien Febvre e MarcBloch ~undaram em r929 --a revista que larenovar desde os alicerces todo o movimento his-toriogr[ico mundial e mesmo todo o movimentodo conjunto das cidadelas human, as. Mais tarde,o grupo dos Annales reconhecer Cortesocomo um dos seus. Discutia-se uma ve comBrauel os mritos e demritos compctrados dashistoriografias portuguesa e espanhola no segundoquartel do nosso sculo; e se colectivamente aEspanha sobrelevava, Braudel contrapunha:Mas Portugal tem Corteso/ Todavia., o en-contro no se deu. Sem d,vida por uma circuns-t~ncia secundria: a ida do escritor portuguspara Espanha. Tambm porque em ~929-r93I osAnnales no tinham ainda conquistado a au-dincia que depois vieram a ter. Multas eram asreservas, de todos os lados, a essa ]irme e ambi-

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  • ciosa vo1~tade de edificar con]untamente, emestreita colaborao e dilogo permanente, rodasas cincias do homem e dos homens, rodas ascincias sociais e culturais numa perspectiva his-trica- verdadeira dimenso do humano. Ape-sar disso, surpree~~deria que a intimidade coma obra to inouadora de Pirenne- patrono dosAnnales- e a adeso s suas directrizes 1ulz-damentais no tivessem levado o exilado paei-s iense ou depo is o i nvesagador ] i xado emEspanha ao contacto com a economia poltt icahistoricizante e histria econmica esta,tstica deum Simiand e um Labrousse, a etnologia e umMarcel Mauss, a sociologia de um Halbwachs,t psicologia gentica e social de um Walton, e,mais que tudo, com a histria singelamente hu-mana, porque visando a apreender toda a com-plexidade dos homens, de um Marc Bloch e umLucien Febvre. Em ta l desencontro, que a l is~ parcialmente o d, intervm toda a personali-dade de Jaime Corteso. Ele prprio dealba quev,iera da dramaturgia histria," e, lemremo-to

  • i gua lmen le , da med ic ina : uma med ic ina quenessa poca era ~ nem podia ser outra cousaessenciMmente clnica, exame do caso singular,com base em intuio bem mais do que em an-l i ses ou ou t ros me ios de d iagnos t i co (en toinexistentes), tanta vez impotente perante o so-[ r imento e a morte, e por isso de for te apelodramt ico para uma sensib i l idade to agudacomo a de Corteso. O seu humanismo no de raiz e cunho cient[ icos, est intensamenteimpregnado de valores estticos e de religiosidade(quem, melhor do que o incrdulo, pode com-preender o autntico esprito religioso? ainda hpouco perguntava Franzis Jeanson; pois esseno est enredado ~~a ganga do institucionaIi-zado, do dogmatizt~do e riluali~ado, vive a efer-vescncia da espontaneidade- na l inguagem deGurvitch),. d sobretudo pro[unda simpatia hu-mana: Quantos vezes nos surpreendemos a n6sprprios, na rua, no carro, de comboio, em meiodo aglomerado da turba, ]ascinados pela ms-cara humana e ten.tando auscultar, para ld do

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  • recorte ]rio dos lbios, dos vincos da testa ou doclaro vago do o lhar, o mistr io das a lmas.(Ver adiante, p. 6). Repae-se bem nessas duaspMavras que comandam os smiles." mscara eauscu l ta r. Mas esse human ismo d , em igua lplano, de aco cvica- de respeito pelo homem,l o g o p o r c a d a h o m e m , c o m o u m fi m e m s iprprio.

    No prefcio da sua capela imper]ei~a :-- OsDescobrimentos Portugueses- escrever, tr intamos vo!vidos sobre os (Ss Factores Democrticos:Uma escola moderna, eivada de sentido geom-trico, tem procurao resolver os probl_emas dahist6ria, como se fossem teoremas, filtrando as~uas averiguaes atravds dum fino e complicadocrivo de andlises crit icas, nmeros, grficos e~latisticas, abolindo as individualidades do seurelato e ignorando por sistema que todos os ideaisparticipam da f e toda. a progresso humanarepresenta um processo do esprito e uma con-,uista da l iberdade. Por via de regra, os histo-r iadores desse t ipo a]adigxm-se no t rabalho

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  • meritrio de apuramento e discusso ,las ]oJ~tes,mas esquecem-se de subordin-las, como di, iaBenedetto Croce, ]ol~te suprema, autoridadeda conscincia humana, histrieamente viva eactiva. Nessa escola de historiografia no enfi-leiramos. O grande historiador visava aqui, si-multneamente, ao que se nos afigura, por umlado, o geometrismo erudito de Duarle Leite,e por outro todo o movimento historiogrdficoligado aos Annales. Ora, se um Lucien Febvree, depois, um Fernand Braudel so os incontes-tcdos promotores de uma pesquisa atenta aoquantitativo a loda a escala do passado atd ondeesse quantitativo pode abarcar, lux da cinciaecon6mica e do estudo cient]ico das estruturassociais, como esquecer que o primeiro d o autorde um incomparvel Lutero, o finssimo criadorda psicologia histrica com Le problme de l'in-croyance e suas contribuies para a histria dasensibilidade em geral e do sentimento religioso{bem como da conscincia, de ptria), e que na3." Parte de La Mditerrane et le ~ionde Mdi-

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  • terranen do seu discpulo esto presentes aspoderosas personagens de Fil ipe II, do cardealGra~~velle, de A~~tnio Perez e tantos outros?Alis, numa curva de salrios que penosamenteno consegue apanhar uma curva de preos emescalada no haver mais calor humano do queem multas reco~~stituies histricas que preten-dera ser expresses directas de vivncias? De queervem os quadros ~mmdicos de movimento deportos ou de chegadas de melais preciosos oudas mortes e nascime~~tos ou da produo decereais e especiarias, seno para cingirmos demais perto o ]rmito das grandezas e misriasdos homens, dos seus anseios e desesperos, se~~opara que no sejam a cega presa de movi,nentoscolectivos de que tudo ignoram? Poderosa per-sonalidade -- das taras mpares do Porugal dosnossos tempos--, Jaime Corteso tendia a vermais as personalidades do que o colectivo; visua-lista, tem o sentido das paisagens, o sentido agu,-dssimo do espao, de raiz gegrafo. Falta-lhe os'entido do econmico e o das estruturas eolectivas

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  • pro]undas. Leiam-se dois dos melt~ores capulosdo seu monumental #'esco Alexandre de Gusmoe o Tratado de Madrid: em 0 rei e o reinado doouro, a discusso crlica dos montantes de ex-traco do fulvo melal e dos seus descaminlos,penetran.te e slida, vem para avaliar as rgiasdespesas ~ no como ponto de partida para des-fibrar a eslmtura global ou surpree'~~der as vicis-situdes da con]unlura. O capt,do seguinte inti-tula-se Organizao social e estilo de vida, eh nele ~bginas ]ormosas e sugestivas ~ a rela-cion~o da lrica popular com a ausncia dohomem aldm Atlntico, ou a do barroco portu-gus com o absoluismo e a vivncia utramarina(em especial orientalizante) ; mas como no sen-tir que ]alta a anlise at medula da' sociedadede ento, uma definio precisa das classes, ocmputo dos seus rdditos respectivos e de qua~~tobesam demogr~icamente, a distribuio da pro-priedade, as [ormas de empresas? Sim, certaspineeladas de mo firme prometem, mas o qua-dro no se precisa: Rpida dimi~mio da agri-

  • fultura, e da nasce~le indstria dos tecidos, lasip~dstrias nuticas e do comrcio martimo, tpicactividade portuguesa, que dera carcter ~ Na-fo, desequilibraram a organizao social. A ve-lha burguesia de armadores, exportedores, gran-Jes comerciantes e a nova dos induslriais !que. conde de Ericeira te~dara erguer], definharam,'m proveito da ~obreza e do alto clero. Em boa,'rdade, a populao dividia-se em duas classes:,, nobreza e o alto clero, que mandavan~,, e opm~o, que obedecia. Uma reduzida classe mdia,h' letrados, uncion.rios e lofistas no vincava.umlquer t rao /or te na fis ionomia da grei .~ l. p. 79). E noutras passagens (pp. 44 e 8r ) ca-~.racteriza melhor a segunda: Abaixo e muito.d,aixo desta fidalguia de saugue estreme, rumo-,im,a numa turba indistinta o povo. em que se.ti~iuravam a pequena classe mdia, os mec-,.vos e os ganhes, agricultores, pequenos pro-/.sitrios, baixo clero. mais ou menos iguala-.h,~. pelo alheamento do poder, dos privilgios et.pmsses. E o problema decisivo acaba por ser

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  • posto: Ao passo que, nas outras grandes naescoloniais como a Inglaterra e a ttolanda, a bur-guesia evolura para o capitalismo comercial, combase na expanso imperialista, que apoiava e ins-pirava, Portugal, desequilibrado na organizaosocial e tributrio das indstrias estrangeiras,caminhava para, um absolutismo invertebrado,sem a forte medula da burguesia e do comrciomartimo, e para a dimi~mio da soberania,co~~dicionada pela tutela inglesa. (pp. 4 e 88).Mas no julgaramos estar a ouvir Oliveira Mar-tins nos seus diagnsticos e na sua problemtica,desde a Theoria do Socialismo a todo o co~zjuntoque forma a sua Histria de Portugal (e que nod apenas constitudo pelos dois tomos que tmeste ttulo)? Jaime Corteso apercebe-se de umritmo ],ndamental da nossa pretdrita evoluo,que aos perodos de burguesia e Estado de basepopular ]az suceder perfodos de r~o breza e Estadoabsolutista. No liga todavia esta respirao aobalancear da co~~juntura econmica e s viragenspro#~.udas da estruturao colectiva.

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  • Havia que dizer o que acabamos de apontar,correndo embora o risco de que alguns apodemas ~wssas palavras de restries. A estatura de.[aime Corteso no se compadece com a peque-nez de calar discordncias, com o subterfigiodo panegfrico que evita a caracterizao da per-~onalidade com receio de que esta se esbamone.~'e no a cobrir o manto espesso do caudal lauda-/brio. A obra de Corteso d de cantaria de gra-Mto: seria amesquinhar-lhe a traa e duvidar da,pmtidade dos materiais no dizer claramente oqu, e el~r d e aquilo que no nem pretendeu ser.Porque granit ica- e to difana, no entanto--,rr,quer, exige a discusso, o choque de ideias,r, vlril enfrentar dos problemas. Jaime Cortesov~lava voltado, do cerne, para o futuro, sabiaamar a ]uve~~tude. Seria atraio-lo, por isso,~td~ irmos mais aldm do que ele pde ir, compra-,'troo-nos no l feito --no que ele fez, e com que/,rimor e segura~~a de oficio--, em vez de ten-hrrmos a nossa prpria aventura, pelos caminhos, / Iw ele inc lus ive entendia que no havia que

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  • tentar. Deixemos o aplauso para o anacronismode redoma, deixemos a fidelidade de subservin-cia para os que, acatando-a, desrespeitam os va-lores autnticamente humanos.

    Em r959, dando um balano sua carreira,insistia Corteso em que a sua prpria evoluointelectual o conduira a uma quase inversoda nossa tbua de valores. A princpio, comodramaturgo, t inha da Histria uma concepo Carlyte, hipertrofiando os heris; a investiga-o de longos anos levou-o porm ta dar umaimp~rncia crescente criao annima e colec-tiva. Convencemo-nos at, de que na evoluohistrica intervdm uma oculta conscincia da es-pdcie. (Ver adiante, p. 5) . Vincmos atrs opapel que nessa inverso teve o encontro com ageografia humana de Brunhes e Vallaux, com ahistria econmica e social de Pirenne e com amorfologia social de Durkheim. Mas seria in]ustono lembrar que os grmenes se rastreiam j emA Expedio de Cabral e o Descobr imento doBrasi l de r022 e ser ia i lud i rmo-nos supor que

    XXXIV

  • houve realmenle uma inverso irreversvel. DaJnesma ]ase criadora que Os Factores Democr-ticos (para cuja concepo subjacente convmh,r presentes as linhas que vm a.p. 2z9 da colec-Mnea) so os cap tu los do ro l . I I I da Histr ia,1~' Portugal dirigida por Damio Peres (r93z).~mde avul ta a ] igura do infante D. I fenr ique,,Uribuindo-se-lhe uma projeco que a lt ima, ,hra~ Descobr imentos Portugueses ( I96o) - -, t boa parte reduziria (o que se atribui a umnico homem par~ilhe-se largamente com toda a,:r, ' i a que o indivduo pertenceu). No ]undo.,, historiador polarizou-se sempre em ]uno dasI,rr.~onagens e das paisagens com tonalidadesI,.v,eme~~te diferentes mas nunca na realidade,,/,,,stas quanto ao papel do individual e do colec-t~,,,. No prefcio a Os Descobrimentos Portugue-,., ,~crever: A nosso ver, a histria no obe-

    ./,.vo apenas a um determinismo geogrfico e

    ., ,,m;m,co. No ignoramos que a trama comumt,, passao tecUta pelo esoro dos homens, nal,,t, quotidiana com a natureza e sob o acicate

    XXXV

  • das necessidades primrias. Negar, porm, aparte das aspiraes espirituais e da criao indi-vidual na histria d reduzi-la a um arremedoinumano de cincia. E logo a concepo d ex-posta com toda a sua niidez: Sobre a talagarada in]ra-estrutura econmica, moldaa por sua~lez pelo meio geogrfico, cujo estudo de co~~-]unto historiador algum, digno do seu tempo,pode dispensar, as grandes correntes espirituaise as ortes personalidades que as encarnam, bor-daram o ris das crenas religiosas, dos novo~conceitos da cincia e da ]iloso]ia, das mltiplasexpresses das arfes, ou a 1narca das vontadespoderosas, "ao servio dos interesses prprios o~~gerais, tanto maiores e mais ~ecundos, quantomais o individual se fundiu com o colectivo.Perpassa o sopro de Croce, e, para alm do fil-sofo italiano, de Oliveira Martins que o precedeu.Atente-se na primeira pgina de Os FactoresDemocrticos (adiante, 15. Ix): no se nega taparte da criao individual na histria; masCorteso pensa que todas as naes, antes de

    X X X V I

  • tingirem a sua definio poltica suprema, atra-v,essam um demomdo pertodo de ]ormao, or~deavultam quase exclusivamente esses ]actos ge-vais de ocupao do solo e agrupamento dapopulao, variaes do regime econmico, ela-borao dum esprito colectivo, movimentos eIransormaes da massa. Oliveira Martins escre-T~ra, meio sdcuto antes, algo que la 1,o mesmo~nlido. Em L'Expansion des Portugais de z93oa o~,cepo exposta no d, I,o fundo, di]erente, la que molda o pre[cio de ro: L 'Mstoi re,.l'ailleurs, est tissue aussi bien par les obscures,i/terminations gographiques et sociales que parl'mlelligenee lucide des hommes d'lite. (p. 2z).

    Depois da quase inverso da t~bua de va-l,,r, 's com que o prprio corta em duas ]ases a, ,a carre i ra de h istor iador, duas obras, e das,h' maior envergadura num conjunto todo ele de. e, 16picas dimenses, vm, pelos seus atulos ]d,,' /,do seu conteddo, desvendar as pro]undas li-,l, rl~ de fora da sua pesquisa, os plos entre os,itlai~' se magnetiza: Atexandre de Gusmo e o

    X X X V I 1

  • tratado de Madrid, ou seja, o estadista e a defi-nio do Brasil geogrficamente em direitointernacional, e Raposo Tavares e a ]ormaoterritorial do Brasil, quer dizer, o bandeiranteiniguatado e a sua odisseia terrestre que inscrevenum continente a ]utura realidade navional.O homem, criador de histria, e a paisagem cujainfluncia ele sofre mas que tambm modela comsuas mos criadoras. E Joel Serto, discutindoo tomo I da primeira, destas obras, levantavaprecisamenle o problema: no dar Cortesorelevo excessivo s personagens em detrimentodas sociedades e das civilizaes -- do colecavo?Talvez no tivesse, no tinha [elizmente razo:por trds dos nomes prprios, estua toda a reali-dade cotecliva, e no ]undo a primeira essencial-mente um estudo de Portugal e Brasil na pocade Alexandre de Gusmo, a segunda, um estudodo bandeirismo, fenmeno colectivo, visto atra-vs de um dos que melhor o encarnaram. Aindanesta escolha de persona,gens para representarmovimentos globais da sociedade e situaes epo-

    XXXVIII

  • cais dir-se-ia correr, subterrdneamente, uma dasdirectrizes de Oliveira Martins.

    Mas Jaime Corteso vai mais longe do queo seu predecessor. Ningum, mais do que Cor-leso, contribuiu para uma nova problemdticala nossa histria que superasse a do historiadorla gerao de 7o. E indispensvel no esquecerevidentemente Srgio, mais economista, de cujosensaios saird, por exemplo, o tema de um dost raba lhos de Vi rg n ia Rau- -d o p rob lema do~d; foi este lcido pensador que ps tambm,,'m toda a sua fora, o problema dos cereais deMarrocos na expanso por$uguesa (problenm quea erudio posterior no soube considerar nosdevidos termos); e tantas outras perspectivasforam por ele c~bertas (pode ver-se um outroexemplo no estudo colectivo, recentemente publi.., 'ado, da Cadeira de Histr ia de Portugat daFaculdade de Letras de Lisboa, sobre a pestettcgra). Haveria ainda que relembra,r a prole-~ndtica que ressal~a das anlises crt icas de/)lmrte Leite. ]atroe Corteso, porm, marcou

    x x x I x

  • com o seu cunho toda a reconstituio do nossopassado desde as origens ao sculo XVIII, e tantono que ao ocewno Indico concerne como quantoao Brasil. As pginas dedicadas s vias no Oci-dente peninsutar romano, como s picadas paraas minas do ouro no serto de Mm-Atldnticochamam a ateno para as questes de circulaointerna. O estudo da evoluo do litoral suscitoucontribuies de um gegra[o [tsico, FernandesMartins, e de Fernando Castelo Branco. Os Fac-tores Democrticos esto porm longe de terexaurido o seu feitio de i~~spirao: eonvdmrel-los atentamente, medit-los, seguir caminhosque sugerem, como o da anlise da evoluo ur-bana entre ns, a melhor preciso das classessociais e do seu papel polttico, desenvolvendo aideia, que pode ver-se a p. 2o da presente colee-tanea, da importncia Eque] atribumos, na]ormao das sociedades, ao quadro geogrd~icoque as condiciona e s relaes de produo queas prendem e cimentam. O vdor Joao A]onso,cujo perpel na tomada de Ceula Perito de Age-

  • vedo e Sdrgio destacaram~ e cuja aco posterior,~~a colonizao da Madeira, cabe a Corteso omdrito de ter mostrado, est a pedir uma biogra-]ia esclarecedorco. O Mstoriador, porque pro[un-damente gegra]o (quanto mais o passado dohomem recua no tempo, tan~o mais a Mstria semotda sobre a geografia que assim a prefigura,ler-se- a p. 25r), repensa a ideia de cicio deLcio de Azevedo em funo dos espaos, e essasua perspectiva uma das origens da ideia decomplexo histrico-geo, gg~ico (veja-se o Dicio-nr io de Histr ia de Portugal , sub verbo) queentra na [erramenta hoje necessria a pensar opassado: o ouro e a Guin, as especiarias e oIndico, o a~car e o Brasa. Por tudo isso souberenovar inteiramente o problemco das origens deSo Paulo, que se perdia na ridcula discussosobre qual o [undador-- Anchieta ou Nbrega ~,elevando-o ao nico plano em que ~eaZmentehistrico: o da expans~o dos lanados e detodo um povo, rumo coo mister ioso ser to dometal branco, sob a dgide de uma pol t t ica da

  • Coroa que estava a par das necessidades de al-canar a regio mineira e domina os caminhos;ao mesmo tempo, o povoamento pela plantao;e assim entram no palco Joo Ramalho, MartimA]o~~so de Sousa, tantos outros. O mesmo esp-rito d indaga'o e explicao preside srie dertigos sobre as bandeiras e o bandeirismo, vistossob ngulo novo, utilizando manancia~ indito dedocumentos qze permitem apercebermo-nos dasrazes por que os Jesutas o denigrem e com eleesto em oposio. Na mesma directriz, a fulgu-ran te Geografia do acar no Bras i l se i s -cen t i s ta - -esse acar que tA Geogra ] ia e aEconomia da Restaurao, em I94o, tinha reve-lado estar na gnese de uma nova burguesiaprovineial, dos pequenos portos melropolitanos,em oposio ao capitalismo monopolista de Lis-boa, e dessa sorte constituir a base econmico--geogr]iea do movimento poltt ico pelo qual sereadqu i r i u a i ndependnc ia . E ta l ba lancearsocial-econmico, e tambm geogrfico, de con-centrao capitalista-estadual ou disseminao

    XL I I

  • de classe mdia, ligadas s reas ~ indica, attn-tica, etc. ~ de actividades e sua localizao-na capital ou nas cidades provincianas--, quebelos temas, que extraordinrio tema da nossahistria, se iluminado pela trajectria da conjun-tura estudada nos preos, salrios, [ucros, cam-bios, emisses monetrias. No nos possivetaqui, evidentemente, ales]olhar todo o ramo es-plendoroso de questes que e pesquisa e reflexodo historiador vieram pr, enumerar os miradou-tos insuspeitados a que nos convida a alcando-rarmo-nos para avistarmo.~ longes cada vez mai.amplos.

    Mas de modo algum poderamos deixar desublinhar a trao bem carregado que a aventuradas ideias conexa de uma busca de fontes sem-pre insatisfeita, de sistemticas publicaes daspeas probatrias com esclarecedoras introduese notas, editando-se textos estabelecidos com apu-rado rigor, com vigilncia crt ica. O historiador,afinal, na plena acepo da palavra: abrangendopois os megalticos corpus que so os Paulicem

    X L I I I

  • Lusitana Monumenta Historica, Alexandre deGusmo e o Tratado de Madrid e Os Manuscritosda Coleco de Angelis (Jesutas e Bandeirantes),como as primorosas edies criticas de A Cartade Pero Vaz de Caminha e Dilogos das Grande-zas do Brasil. Jaime Corteso evitava as solues]alceis--demasiado fdceis--de atirar para aletra de ]orma, sem outra ordenao, gavetasou maos de documentos por outrem copiadossem reviso atenta do director de publicao,sem a fixao prvia de critrios cienttficos,e sem os acompanhar das anlises que oselucidem.

    Ainda neste ponto hd que ir lio do mes-tre e planear a publicao de documentos emluxao de grandes categorias de estudo, e juntaros es[oros da paleografia, diplomdtica, filologia,histria no estabelecimento do texto e no comen-tdrio, indispensvel; para isso h que prepararprimeiro pessoal, reind-lo cuidadosamente, or-necer-lhe cabedal terico, dirigi-to de perto, comresponsabilidade.

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  • Todavia, no apontmos ainda com su]icientenitidez aquilo que constituiu a condio ~~ecessd-ria para Corteso, como Duarte Leite (como lfora um Marc Bloch ou um Lucien Febvre) feremsido grandes historiadores: d que omm de apru-mada cidadania. No sacri icaram nas aras dooportunismo mais ou menos de encome~,da; sa-b iam que a ve rdade pode se r, ou pode pe lomenos ser considerada por alguns, inoportuna e,logo, importuno o Iistoriador; mas saiam tam-bm q,ce a gra~~deza da ptria est na verdadeplena., e que ao autntico historiador no socabidas concesses a Csar ou a Mamol~, poisele a colscincia da ~,ao que sabe ver-se defrente ,,as suas gl6rias e ~tas suas misdrias. JaimeCo'teso tendia, a focar sempre em primeiroplano todos os valores positivos--nas escalade z~m humanismo ecumnico (perdoe-se o pleo-nasmo), porque era fundamente bom e generosoe abnegado e desinteressado e altaneiro, no porq~~aisquer transigncias ou interessado ,p~,dor.Por isso a sua histria tanta vez epopeia, mas

  • no soa a ]also, e se nem sempre reflecte o quefoi realmente o passado, reflecte ento o que eraesse homem que ansiava sempre por elevar todosos homens. Havia na sua concepo da histriamuito ainda, de finalidade exemplar, e da fre-quentemente a sua tonalidade, que, por vir dele,nos enriquece. No atraio-lo pensar, no en-tanto, que hoje se impe implacvel luc idez,mesmo se dolorosa, e que histria temos de irbuscar, mais do que uma l io moral - -de ar-qutipos pelos quais modelamo-nos ou de justi-ficaes em [uno do passado em vez de resul-tarem da nossa aro rumo ao futuro--, temosde i r buscar, d iz amos, uma maneira de pr eanal isar todos os problemas humanos. Al is]aime Corteso no desaprovaria as palavras deAntnio Caetano do Amaral, em 17)2, na Mero~-ria I: huma hisloria sincera envergonha-se da,toria v~, que se busca em antiguidades menti-rosas: esgosta-se desses sonhos agradareis,pasto de huma esteril recreao; e se sabora scom a verdade pura. Por isso a renovao da

    XLVI

  • nossa h is tr ia n~o estd na chamada revisohistrica, que consiste em geral em mudar aapreciao das personagens (parece que se chegaa denegrir os que lutaram pela independnciada pdtr ia , se essa luta ta de par com o com-bate opresso); est no caminho que, remon-tando a Ferno Lopes, passando por Caetano doAmaral, Herculano, Oliveira Martins, Alberto deSampaio, Costa Lobo, e tantos outros, em nossosdias se encarnou em Duarte Leite, Veiga Simese Jaime Corteso. Para irmos mais Mdm.

    Sonhava fa ime Corteso com uma grandeHistria de Portugal no contexto da histria dacivilizao. No pde infelizmente edi[ic-la, masdeixou-nos, dispersos, muitos dos m~teriais quea co~,s#iuiriam. Impossvel seria, evidente,substituir o que no realizou. Mas impunha-se a

    X L V I I

  • reunio de todos esses dispersos, e uma ordemtanto quanto possvel sistemtica permitird seguias grandes linhas da sua concepo, desde asremota origens ao sculo XVIII. Pdginas muitasdelas de difcil acesso, ou a caminho do esqueci-mento, rodas elas merecem ser lidas ou relidas,lembradas, meditadas, e isto no s pela sualmpida beleza: antes, como tentdmos mostrar,porque so vivas, porque continuam a ser portosde onde desa]errar, para a viagem de descobertado nosso passado.

    Lisboa, z2 de Abril de z964

    VITORINO M:AGALI-IES GODINHO

  • INTRODUXO

  • A H I S T R I A E O H I S T O t ~ I A D O R

    H ~ tempos um jornalista ps-me as seguintesquestes, dirigidas ao historiador.Primeira:

    Quais as razes da sua preferncia pelostrabalhos histricos?

    Respondi:--0 desejo veemente de acrescer em mim

    c nos meus concidados a conscincia da comu-nidade a que pertencemos. Afundar as razes doser no conhecimento do pretrito, em comunhoom todos aqueles que formaram em ns o sen-tflnento nacional, e contribuir para criar a cons-cincia histrica e pragmtica da Nao--eis. dever e a alegria do historiador. A histria devada povo, humfldemente escrita, quer na glriados seus feitos e virtudes, quer na contrio dos~t,us erros e defeitos, das suas Aljubaxrotas edos seus Alccer-Quibires, no pode e no deve,,t.r a contemplao esttica do passado, mas umit~tpulso, uma promessa, um pacto de vida para. futuro. O fim da histria, considerada como

  • cincia humana e humansfica, no uma regres-so ao passado, mas uma explicao do presente,uma arte de prever e uma promessa de exce-dncia.

    Dir-nos-o -- continuei -- que essa comuni-dade, a da Ptria Portuguesa, extremamentereduzida, quando comparada com a comunidadehumana, universal. ~, certo. Mas o estudo dahistria portuguesa liga-se, mais infimamente quenenhuma outra, histria da Humanidade. 0grande feito e glria dos Portugueses foi ter dadoo primeiro grande passo para a unificao daHumanidade; haver estreitado entre os homense os povos, de bom o11 mau grado, um primeirolao de compreenso e amor. A histria de Por-tugal entranha um sentido ecumnico; e em cadahistoriador portugus, digno desse nome, deveriaexistir um cidado do mundo e um apstolo da.fraternidade universal.

    Segunda questo:--Para escrever a histria tem necessidade

    de novos documentos?-- ~ costume dizer-se -- prosseguimos -- que

    no h histria sem documentos. Sem dvida.Mas com a seguinte reserva: no h documentossem histria. Queremos dizer: as fontes do pas-sado devem ser lidas luz da cultura geral queas ditou e dos interesses, confessados ou ocultos,que podiaJn mover a pena do autor e obrig-Ioa deformar ou a calar a verdade. Buscar e des-cobrir documentos excelente. Saber interpreta.--los mais e melhor. Para esta segunda partedo trabalho da obra histrica torna-se indispen-svel no s conhecer a vida, mas possuir umsentido e uma filosofia da vida. Durante vrias

  • dcadas nos demos com igual paixo a essasduas tarefas. Vrias d6cadas, repetimos.

    --Dcsde quando datam ento os seus traba-lhos histricos? Pennaneceu sempre fiel a ummesmo conce i to de h i s t r ia? - -pe rgun tou denovo o interlocutor.

    - -A nossa vocao de h is tor iador deve terdespertado aquando escrevemos o drama emverso O Imfante de Sagres, representado em1916, a que sucedeu pouco depois o drama,igualmente em verso, Egas Moniz. Logo aps edurante mais de quarenta anos, persistentes tra-balhos de investigao nos levaram a uma quaseinverso da nossa tbua de valores. At a l i ahistria incarnava para ns em personalidadessingulares que a dirigiam, os Heris, segundoo conceito pico e hipertr6fico de Carlyle. Lon-gos anos passados nos arquivos, quer nos por-tugueses quer nos estrangeiros, levaram-nos adar uma importncia crescente criao an-nima e colectiva. Convencemo-nos ate de quena evoluo histrica intervm urna oculta cons-cincia da espcie.

    Durante as nossas demoradas e repetidas es-tadas em Espanha, Frana, Itlia, mais de pas-sagem em Bruxelas e Londres, e muito longa-mente no Brasil, fomos assduos frequentadoresde arquivos. Vivemos tambm intensamente avida, o que no ensina menos que os livros e osdocumentos. Possuiu-nos em todos os tempos apaixo do in~'esigador, quer na clausura e siln-cio das bibliotecas, quer no teatro e tumulto domtmdo exterior.

    O homem, nas suas relaes com a Terra e~m o Cu, que trabalha e produz, luz do dia

  • ou na treva das minas, que desfralda a vela doseu barco ao vento; que burila o fuso com quefia ou insculpe a canga dos bois e a alevanta eenfeita como um altar; que ama, odeia, sofree ajusta o verbo, nas suas trovas, msica dossentimentos; que canta e baila, executando comentusiasmo cndido um rito mgico ou sagrado;o homem que procura remir-se na conscinciaactiva da Humanidade e dar urna finalidademetafsica ou religiosa ao Universo; o homem,documento de todos os. documentos, autor e actordo drama da vida, mereceu sempre de ns amais vida ateno. Mais do que ateno, atrae-o irresistvel, absoro e solidariedade total.Quantas vezes nos surpreendemos a ns pr-prios, na rua, no carro, de comboio, em meiodo aglomerado da turba, fascinados pela ms-cara humana e tentando auscultar, para l dorecorte frio dos lbios, dos vincos da testa oudo claro vago do olhar, o mistrio das almas,as causas primeiras e os fins ltimos da vida.O homem, com os seus vcios e virtudes, as suasmisrias e grandezas, e, mais quc tudo, a suamarcha trgica sobre o abismo da morte e osseus esforos transcendentes de sobrevivncia-eis no fundo o motivo secreto que determina apesquisa, o esforo e a pena do historiador eforja, ao fim e ao cabo, a chave angustiosa dassuas interpretaes.

    Destarte nos debrumos longos anos sobrecatlogos, cdices, pergaminhos e velhos pap!isou mapas delidos e desconhecidos, mas buscandosempre lobrigar por detrs do documento secoa fonte viva dos indivduos e das multides, queafundaram os alicerces instveis da histria e

  • acenderam a cambiante de luz prpria e fugidia,em que os antepassados desenharam seus vultos.Preocupou-nos sempre e conjuntamente a faceda vida extinta do passado e a da vida do pre-sente, para explicarmos uma pela outra. E quantomais tentvamos compreender a segunda, maisdescobramos na sua estrutura as estratificaesindelveis da primeira.

    A histria, vista a esta luz, e deve ser umaescola de formao moral. A averiguao dofacto, na sua identificao real, acarreta consigoo amor da verdade e a repulsa da mentira; en-sina a relatividade do humano e o respeito peladiversidade alheia; e torna-se uma lio perma-nente de compreenso e dignidade. Por isso oensino da histria, nos escales mdios e supe-riores, deve ser feito em contacto permanentecom as fontes, tornar-se uma pesquisa continuado real, uma interpretao livre e um acto deconscincia, com fins ticos e pragmticos. En-sinar aos homens ou adolescentes a histria comouma cincia plenamente construda, ou, seja, umdogma e artigo de f6, equivale a diminuir-lhesa capacidade de iniciativa e de juzo e tentarsecar-lhes as fontes eriadoras da personalidade;, numa palavra, um atentado mortal contra aa s m a ,

    A primeira lio que a histria e a vida nosensinam a da transitoriedade dos mitos, dosregimes e sistemas. 1Vias tambm da capacidadedo homem em melhorar as sociedades. Os ho-mens passam e desaparecem; a Humanidadepermanece e marcha. E assim fomos levados, nainterpretao do passado, a formular um juzomais equilibrado entre a criao colectiva e a

  • das personalidades reprcsentativas; entre as soli-citaes de carcter econmico e as influnciasculturais e religiosas -- de cuja conjuntura inst-vel nasce o permanente devir histrico. E quantomais buscamos as razes do Portugus, tantomais na essncia do nacional descobrimos o uni-versai.

  • OS .FACTORES DEMOCRATICOSNA FORMA2;O DE PORTUGAL

  • ANTES de entrar prpriamente no objecto donosso estudo, convm enunciar certas ideiasgerais -- aquilo a que poderamos chamar os pos-tulados, histricos sobre que assenta.

    Uma antiquada concepo, cuja carreira noterminou de todo em Portugal, faz consistir ahistria na evocao dos homens e dos eventossingulares, faustosa galeria de retratos e pain6isde batalhas, a que se acrescenta quando muitoo quadro das insfituies. Dir-se-ia desta sorteque os factos de ocupao do solo e agrupamentoda populao, as variaes do regime econmico,a elaborao dum esprito colectivo, os movi-mentos e transformaes da massa, is.to 6, osfactos prpriamente sociais no t~m importncian~ vida duma sociedade. Longe de n6s a ideiade negar a parte da criao individual na his-t6ria. Mas rodas as naSes, antes de afingirema sua definio poltica suprema, atravessam umdemorado periodo de formao, onde avultamquase exclusivamente esses factos gerais.

  • A conscincia duma solidariedade e dum idealcolectivo, o sentimento e a ideia duma ptriaelaboram-se lentamente atravs desses movimen-tos de grupos e das lutas entre eles suscitadas.E por via de regra os grandes homens so tantomais representativos quanto melhor incarnam eorientam as necessidades e aspiraes colectivas.

    O que se diz das naes em geral, com maio-ria de razo se pode afimmr das democracias,em cuja histria os factos da massa assumemuma importncia capital.

    I; hoje um facto averiguado que tanto asdemoeracias antigas como as medievais nasceramno das influncias de teorias abstractas mas sobo impulso daquela espcie de fenmenos econ-micos e sociais. O mesmo conceito de democraciano surgiu, antes de realizado, como pura con-cepo poltica na mente dos estadistas ou dosfilsofos. Pelo contrrio, gerou-se na luta dosinteresses sociais e com lentido evoluiu at asua perfeita expresso terica. Os primeiros pas-sos dados--escreve James Bryce -- para umregime democrtico ngm resultaram por formaalguma do principio, que os povos tm, do direitode se governarem por si prprios, mas antes dosentimento de que era mister p6r termo opres-so das massas populares, vtimas duma classeprivilegiada de cidados 1. E se, desde Her-doto, por democracia se entende a forma dogoverno, pela qual o exerccio do poder pertencelegalmente no a uma ou a algumas das classes

    I Les Dmoerat~es Moernes, traduo francesa (1924),ro l . I , p. 39.

  • da sociedade mas ao conjunto dos seus membros,esse regime apresenta-se na histria como umfacto social e poltico em marcha, com maior oumenor grau de eficincia, ou realizado dentro domesmo pas apenas por certos grupos sociais,como sucedeu com as democracias urbanas daIdade M~dia. Deve tambm advcrtir-se que, nouso comum, o regime democrtico se empregana acepo do governo no qual a influncia pre-dominante pertence s classes populares, as maispobres e numerosas.

    Mas, at que ponto ser lcito prender as aspi-raes democrticas de hojc s do passado?

    S~ as origens de todas as democracias tm deprocurar-se em grande parte no passado das res-pectivas classes populares, muito mais na histriada Repbl ica em Portugal- is to dum regimede origens e tendncias essencialmente dcmocr-ficas- esse mtodo dever observar-se.

    Com efeito, a Nao s0 atingiu a maioridadepolftica e a plena expresso nacional com a re-voluo democrtica do sculo x~v, conformelhe chamou Ol ivei ra Mart ins, e o t r iunfo e aencorporao das classes populares na vida polf-fica. At ali Portugal era um agregado de regies,de classes e de cidades com interesses por vezesisolados ou diferentes. Foi aquela revoluo queimps definitivamente a vontade e a orientaoda massa s minorias oligrquicas, c clero e anobreza mil itar, cujos interesses at6 a haviamdominado a vida nacional. Por isso mesmo o qued carcter singular nao portuguesa entretodas as demais que durante um certo perododa sua histria ela nos aparece, em massa, dotai-nada pelo mesmo idcal e a mesma vis histrica

  • facto que o Epico assinala com fulgor, dandocomo heri aos Lusadgs a nao inteira.

    Tal acesso das classes populares conscin-cia e aos direitos polticos e a essa comunhoherica num ideal colecvo preparou-se lenta-mente, primeiro nos progressos da apropriaodo solo pelos homens, depois na sua condensaoem grupos, e por fim na renovao econmica,na formao de classes novas, nas aspiraes elutas dos concelhos- episdio portugus, aindaque sui generis, da vasta revoluo comunal daEuropa durante a Idade Mdia.

    Posta a questo, sob o ponto de vista europeu,todas as democracias actuais se ligam ao desen-volvimento do urbanismo na Idade Mdia e elaborao dos princpios democrticos durantea revoluo comunal. Todas as comunas -- disseo eminente historiador Camille Julian- se enca-minharam insensivelmente para a democracia, efoi a realeza, como Roma para as cidades do pas-sado, que defere essa marcha. Todavia, poss-vel ligar, como os textos o demonstram, semlacunas demasiado longas, a ideia moderna daRepblica, tal como os Girondinos a conceberam, da Comuna, qual se formulou no reinado deLus VI 9..

    Em Portugal do prprio movimento dascomunas que vai nascer o conceito supremo daNao; e apenas desaparecidas as causas que en-travaram aqui, mais ainda do que no resto daEuropa, o desenvolvimento poltico das classespopulares, os princIpios democrticos vo reto-

    2 Int, roe~uetion sur Z'l, istoire en Franee, in Extrailmdes htstoriens franzais du XlX ~i~cle, p. LVlII.

  • mar a sua marcha at o advento da Repblica.Os mesmos centros urbanos, que em 1383 elege-ram o mestre de Avis e to poderosamente contri-buiram para assegurar a independncia nacional,vo afirmar de novo a s.ua conscincia politica ecapacidade combativa nas lutas pela liberdadedurante o pelodo hberal e republicano. O leitorque se d ao trabalho de comparar certos factosdo passado, que vamos relatar, com os contem-por/lneos -- tarefa que deixamos sua inicia-tiva--, convencer-se-, porventura, de que oparalelismo no fica por aqui; e que tambm essepassado encerra uma lio eloquente para oshomens de hoje.

    No se estranhe, pois, que o nosso estudocomece por uma introduo geogrfica, sem aqual se no compreenderiam as transformaessucessivas, no regime econmico do povo portu-gus, as quais por sua vez esto na base da suaevoluo politica, nem que uma hist6ria do re-gime republicano em Portugal abra com o estudodoutras pocas que to afastadas se afiguram.

    Concepo democrtica da histria portu-guesa, dir-se-. ~ possvel. Mas em toda e qual-quer cincia o que importa que as suas concep-es sejam.., cientficas. E se este estudo perma-nece fiel a esse critrio, depois de meditar as pgi-nas que vo seguir-se, o leitor dir.

  • T E O R I A G E O G R A F I C A D A F O R M A O D U ME S T A D O N O O C l D E N T E D A P E N I N S U L A

    N INGUM que seja contemporneo do seutempo, na velha mas eloquente frase de

    Sousa Martins, poder estudar hoje o fenmenoda formao poltica de Portugal, sem o encararnas suas relaes com o territrio. Na gnese deum Estado cooperam sempre factores vrios,quer de natureza terrestre quer humana, tantode origem interna corno externa. E, a par dasobscuras determinaes de carcter geogrfico oueconmico, h que discriminar ar~ que ponto aspuras razes de esprito e a vontade conscientedos homens influram nos acontecimentos. A ver-dadeira histria, aquela que seja ou pretenda seruma relao perptua entre o efeito e a causa,deve encarar uns e outros e dilucidar a parte quea cada um desses factores pertence na evoluodos acontecimentos. S assim a sua. lio pode.~er proveitosa, e nas linhas do passado dele-trear-se qualquer ensinamento para o futuro.

    Se relancearmos no seu conjunto os traosgeomorfol6gicos mais gerais da Pennsula His-

  • Mapa da Peninsu]a Ibrica

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  • pnica, parficularidade alguma parece justificaruma ragmentao pol t ica dentro dela. Essemacio polgono de forma regularmente penta-gonal, to nit idamente separado, a um lado, doresto da Europa, pela barreira pirenaica, e, aooutro, to brevemente d iv id ido da Afr ica peloestreito de Gibraltar, dir-se-ia talhado para umafuno nica- a que deriva da sua posio in-termediria entre dois confinentes e entre o Medi-terrneo e o Atlntico, to caracterstico e cheiode possibilidades esse facto se nos afigura. Vistasmais de per to as coisas, este juzo a l tera-se.Olhada em seu cons.pecto, a Pennsula Hispnicaapresenta-se como uma fortaleza, constituda pelavasta regio dos planaltos centrais, pendida aocidente, e rodeada numa grande parte do per-metro por p lanc ies ou zonas l i tora is mais oumenos individualizadas. De todas essas regiesper i f r i cas - -a da Ca ta lunha e A rago , a deMfircia e Valncia, a da Andaluzia e a do Oci-dente da Pennsula -- esta ltima a que oferecemaior soma de caracteres distintivos em relaoaos planaltos centrais e goza de mais rasto con-tacto com o oceano.

    At que ponto poderiam esses caracteres geo-grficos influir na formao dum Estado ? Conhe-cidas as condiges geogrficas que favorecem aecloso poltica dos Estados, poder-se-ia em rigortraar uma teoria da formao duma nao inde-pendente no Ocidente da Pennsula. Teoria, cer to, cont ingente, de valor re lat ivo e apenascompreensvel, quando enquadrados os elementosgeograflcos entre os demais factores que podeminfluir na gnese duma nao; fitil, no obstante,para melhor compreenso do que vai dizer-se.

  • Para isso deveramos abstrair o mais pos.svel dascondies polticas actuais, sem todavia perderde vista que se estuda o territrio apenas emrelao ao homem e ao seu agrupamento em so-ciedades; e atender tanto aos caracteres funda-mentais e estveis da geografia, como a certasparticularidades transitrias quc hajam fido umvalor funcional.

    Aqueles que modernamente se tm ocupadode geografia poltica, concordam em afirmar queas zonas polticas activas ou zonas de ecloso dosEstados so aquelas em que se iealiza o contactoentre as formaes geogrficas e os gneros devida diferentes, tais como o deserto e a floresta,a montanha e a~ plancie, ou os pases martimosem que as populaes ocupadas na labuta domar vivem na contiguidade de populaes maiscaracteristicamente terrestres. Quando um terri-trio, merc dessa riqueza de elementos, possuicapacidades economicas fortes e diferenciadas,mais tarde ou mais cedo os homens prosperame multipHcam-se sobre ele. Durante essa fase decrescimento, um momento pode vir em que umncleo humano adquira um mnimo de densidadesocial, isto , de solidariedade entre os seus ele-mentos. Forma-se ento, pouco a pouco, a cons-cincia de que o territrio e a actividade econ-maca a que deu lugar constituem um patrimniocomum; e desde logo aparece, e muito mais naspocas agitadas, o instinto da segurana colec-tiva.

    Essa necessidade de segurana comum cons-titui o primeilo estdio psicolgico na ecloso donovo Estado, sentimento tanto mais forte quantoo grupo em formao for contguo a um ou mais

  • grupos sociais, diferentes e aguerridos. Forma-sedentro dele aquilo a que chamaremos uma ten-dncia progressiva para a diferenciao, que parase afirmar e progredir tem que lutar com fre-quncia quer contra as foras de inrcia interio-res, quer contra inimigos exteriores, condiesestas de oposio favorveis, dentro de certoslimites, sua perfeita evoluo poltica.

    Ao ocupar-se deste problema de geografiapoltica, Camille Vallaux menciona trs exemplosparticularmente eloquentes. E como neste gnerode cincias s o mtodo comparativo pode for-necer-nos, guardadas as devidas propores, umequivalente de experincia, vamos tentar resumi--los: Nos pases martimos- diz esse autorh tambm fermentos de vida que deram origemno passado a sociedades polticas numeresas. Trspequenos Estados do Noroeste da Europa nas-ceram assim do mar e so por ele mantidos, sobreestreitas faixas terrestres; so a Noruega, a Dina-marca e a Holanda. E. continuando, mostra oautor como a Noruega se define pela conexode mar piscoso, da montanha coberta de flores-tas e do deserto quase rctico, que a separa daSu6cia- trs condies naturais que assegurama sua autonomia polffica e fazem desse pafs quaseum Estado-fortaleza, como a Abissfnia,. A Dina-marca, continua ele, o Estado das ilhas e dosestreitos; a sua posio geogrfica explica emgrande parte o seu nascimento, desde o dia em(wue os estreitos se trnaram estradas frequenta-das. Finalmente, a I-Iolanda o Estado dososturios flll~,iais, nascido da pesca de mar e daso.~tradas flvio-mafftimas do Reno e do Mosa.Nasceu no dia em que o aumento da populao

  • no Norte da Europa reclamou um suplementode alimentao fornecido pelos mares, e em quea importao das especiarias coloniais deixou emparte Veneza e Lisboa para tomar o caminho dosesturios do Norte 3.

    Quando, luz destes exemplos, se analisa oconjunto dos caracteres geogrficos que podiamfavorecer no Ocidente da Pennsula Hispnicaa formao dum Estado independente, verifica-seque o maior nmero dos fermentos de vida poli-fica, que se continham naquelas reges e provi-nham da conexo de elementos geogrficos dife-rentes, da existncia de esturios profundos ouda posio beira das estradas martimas oufluviais, coexisam, como iremos ver, em Por-tugal.

    Num pequeno estudo, que recentemente pu-blicmos sobre O Problema das Relaes entrea Geografic~ e a Autonomia Poltica de Portu-gal 4, fizemos notar que os dois caracteres dageografia portuguesa, que mais prepararam a suadiferenciao poltica na Pennsula, so aquiloa que chamamos o conlacto cmciforme entre osseus diversos elementos geogrficos e a conver-gncia atM~#ica dos seus caracteres, Seia-noslcito transcrever desse estudo as palavras que selhes referem:

    I f Assente no flanco ocidental da meseta,numa longa vertente preenchida pelas plancies

    3 Jean Brunhes e~ Camtl le Val laux, La Gograph~.ee l'Hlsto~re, paris, 1921, pp. 291 e segs. Todo o caitulo VlIdesse t rabalho dedtcado a esse problema que Val lauxJ anter iormente versara em Gograph~e Sociale, le Sole$ l'Et.a$., PaMs, 1910.

    4 3cara Nova, n.o 201, de 20 de Fevereiro de 1930.[TranserLto adiante, pP. 227-2e9].

  • de aluvio, considerado em conjunto e grossomodo, o territrio de Portugal realiza mn con-tacto cruci]orrae entre uma srie de elementosgeogrficos diversos" de oeste a leste, entre omar e a plancie, e entre esta e as diversas for-maes do seu relevo bem como do da Pennsula;do norte a sul, entre a regio de aqum do Tejo,de forte alt imetria e abundante pluviosidade eirrigao, e as plancies e as pleniplancies adus-tas de alm do Tejo. Na realidade o contacto mais complexo e d-se de norte a sul e de oestea leste, entre uma divers idade r iquss ima deelementos, formando uma espcie de mosaieo deterrenos gecl6gicos, de regies e paisagens, emcontraste com a macia uniformidade dos planal-tos interiores da Pennsula.

    II- Este contacto de elementos vrios poroutra forma s.e enriquece e, por assim dizer, ga-nha sentido: no seu conjunto os caracteres daconstituio geogrfica de Portugal unem-se na-qu i l o a que chamaremos uma convergnc iaatldntica:

    ta) A posio geogrfiea de PortugaI tor-nava os seus portos, alm de estaes foradasda v ia mar ifima, que une o Sul e o Norte daEuropa, as melhores escalas de comrcio e nave-gao deste confinente para a Africa, a AmricaCentral e Meridional e a Asia;

    b) O territrio portugus forma uma longafaixa rectangular no sentido da fronteira atln-fica, facil i tando o contacto duma grande varie-dade de terrenos com o oceano;

    c) No seu conspecto orogrfico essa longafitixa rectangular forma um anfiteatro irregular,voltado para o Atlnficoj situao privi legiada

  • de exposio que exp.lica o seu clima temperadoe martimo e a sua riqueza fluvial. Ajustando-sea esta faixa arditetrica, os rios do Norte de Por-tugal, como o Vouga e o Mondego, descem doN.E. para S.O., e os do Sul, como o Sado e oMira, de S.E. para N.O., dispondo-se no con-junto como as varetas de um leque a que tivessempartido as extremidades convergentes;

    d) No s por este motivo o territrio por-tugus extremamente rico de rios que nascemdentro do seu solo; como o pendor ocidental dameseta faz que quatro dos maiores rios da Ibriavenham desaguar nas suas costas, uns e outrosfertilizando o solo, abrindo portos e auxiliandoa fixao humana na beira-mar;

    te) Uma grande estrada geogrfica, pr-xima e paralela estraga martima, estabelececomunicao fcil entre o Norte e o Sul do Pas,permitindo um estreito contacto entre as popula-es costeiras;

    f) Finalmente o litoral era durante a IdadeM6dia muito mais articulado: mais vastos e fun-dos, os esturios permitiam quc o mar penetrasseat longe no interior das terras; e a costa desdo-brava-se num maior nmero de abras e portosnaturais, favorecendo uns e outros o aumento depopulao interessada no trabalho e no com6rciomaritimo.

    No rpido estudo, donde transcrevemos estepasso, tentmos, partindo dum facto conhecido,encontrar a sua explicao parcial pelos factoresgeogrficos. Aqui, ao contrrio, abstraindo dofacto histrico, pretendemos estabelecer a teoriada sua formao pela pura determinao dos fac-tores geogrficos, esquecendo por agora as res-

  • tantes causas que a podiam influir. E, sendoassim, deve dizer-se que, se encararmos o actualterritrio portugus nas suas relaes com as pro-vncias, espanholas mais prximas, a oposio doscaracteres geoglficos respectivos, olhados emseu conspecto, se observa de oeste para leste,mas no entre a Galiza e as provncias portugue-sas que lhe so fronteiras. Apenas o litoral diverso do rio Minho para o norte, mas nada norelevo, na constituio do terreno, no regimeorogrfico, no clima e nas capacidades agrcolasdo solo distingue essencialmente aquela provnciaes pan.hola das portuguesas fronteirias.

    Convm, ao invs, caracterizar melhor nassuas diferenas, como parte na g~nese dc factossociais posteriores, as duas zonas do Norte e doSul da vertente ocidental da Pennsula. Na re-gio do Norte, e mais em especial ao Norte doMondego, a natureza do solo em que abundamos terrenos impermeveis, e mais especialmenteo granito, favorece o regime das guas, que portoda a parte correm superfcie, determinadoainda pela grande pluviosidade e a extrema ri-queza da rede fluvial. 0postamente, ao Sul doTejo, abundam os terrenos perme~veis, e maisparticularmente os calcrios, o que facilita umregime diferente das guas, as quais s em certospontos ou linhas privilegiadas se encontram,agravado ainda pela pluviosidade escassa e apobreza da rede hidrogrfica dessas regies.

    Ora constitui uma das leis gerais do povoa-mento que concentrao ou disperso dagua correspondam duma maneira exacta a con-centrao e a disperso das populaes agrcolas.Os estudos de geografia regional, to avanados

  • em certos pases, como a Frana, permitem esta-belecer aquele facto com toda a evidncia. EBrunhes antepe, como exemplo, a Champanhee a Picardia, de solo permevel, concentrao depovoamento e urbanismo aldeo, Baixa Nor-mandia, Bretanha e Vendeia, terras de solode granito e xisto, de populao dispersa e po-voamento do tipo campnio 5

    Se uma pluviosidade mais abundante deter-minaria ao Norte uma populao mais numerosa,a constituio dos terrenos, o regime e a distri-buio das guas promoviam a disperso doshabitantes em pequenos ncleos e facilitaram,a par disso, o desenvolvimento da pequena pro-priedade. Ao invs, no Sul, a pluviosidade es-cassa e a concentrao da gua necessitaram oagrupamento duma populao menos numerosaem vilas e cidades distantes umas das outras,bem como a formao de latifndios.

    Deve dizer-se ainda, para terminar a enume-rao dos caracteres essenciais, sob o ponto devista da geografia polffica, de oposio entre asduas regies, que a profuso dos vales fluviaisparalelos e o relevo orogrfico mais rico em oNorte dificultavam as relaes entre os grupos,ao passo que a zona de alm do Tejo, longaplanc'ie, bem menos rica em vaies fluviais, cons-titui uma imensa estrada geogrfica que facilitaem grau extremo a comunica.o entre os grupos,ainda que apartados.

    Por outro lado importa muito assinalar aindacertas vantagens que as costas portuguesas ofe-receram de todos os tempos fixao do homem

    5 Obra c lk, pp. I~5 e seEs.

  • e gnese da acfividade martima. No litoral doOcidente da Pennsula o mar de pequena pro-fundidade e a passagem ao longo dele do ramodescendente da corrente do Golfo permite umcontacto entre guas de ~]iferente temperatura,circunstncias estas que realizam, como sabido,as condies ~primas para a vida de certas esp-cies martimas. Desta sorte, as costas ocidentaispeninsulares pertencem ao nmero daquelas ondese encontram com maior abundncia ~ variedadeno s os peixes em gera/mas aqueles que vivemem cardumes densos. So estas ltimas espciesque permitiram sempre realizar com grande ren-dimento a indstria da pesca, e entre elas asardinha e o atum frequentaram desde longa dataas guas costeiras do Ocidente. 9~ de notar, toda-via, que durante a Idade Mdia outras espciesvisitaram essas costas, entre as quais, pela suaimportncia, devemos assinalar a baleia.

    Paralelamente, corno adiante se ver, a maiorarticulao da costa durante aquela poca, prin-cipalmente traduzida na maior profundidade dosesturios, permifia que uma parte mais numerosada populao se entregasse pesca e se alimen-tasse com os seus produtos. A mesma pesca nosrios era mais rica e frutttosa, e uma srie dedocumentos, que datam dos primeiros sculosda Monarquia, patenteiam que os sveis, emcertos rios, como o Minho, o Douro, o Mondegoe o Zzere, constituam, pela sua abundncia,farto recurso para. a subsistncia das popula-es . No ficam por aqui as vantagens que os

    6 Gema Barros, H~trta d,a Adm~nfstra#o P,JBHeaem Portu.qaZ no~ ~eulos XII a XV, tomo IV, 1022, pp. 146e segs. e !oamsim.

  • profundos esturios de mars ofereciam: abrindos guas do mar um contacto mais largo com aterra, multiplicaram as salinas, que sabemoshaverem sido mais numerosas que em nossosdias 7

    Estes factos revestem uma grande importn-cia em relao ocupao do solo, ao agrupa-mento da populao e gnese e evoluo dosgneros de vida. Um dos mestres contempor-neos da geografia humana, Jean Brunhes, chamaa ateno para certas regies, a que ele chamaas zonas de concentrao activa da populao,e entre elas, maiormente, as orlas martimas daEuropa, da Asia e da Amrica, ao norte de 3"de latitude N., sempre que, alm daquelas con-dies de vida para as espcies martimas, asplanlcies baixas e os esturios de mar estabe-lecem um contacto fcil com o mar.

    Nessas regies, em que o mar oferece grandesrecursos de alimentao, mas o seu aproveita-mento exige tambm um trabalho rduo e umaluta constante com o perigo, formam-se aglome-raes, particularmente activas e prolfficas, quasesempre dotadas dum vivo esprito de iniciativae coeso. Antes do aparecimento da indstriada hulha, estas orlas martimas eram, depois dandia e da China, as regies onde se contarapopulao mais densa. Educados nessa escola doesforo, nos primeiros tempos, enquanto se nodeu a diviso do trabalho, em breve os pescado-res exerceram a cabotagem e transportaram pro-dutos de porto a porto, tOs mares, que forneciamao homem uma abundante alimentao animal,

    7 lbfem, pp. 158 e segs

    2 6

  • observa Brunhes, cedo viram tambm um activodeslocamento por mar dos homens e das coi-sas 8.

    Por via de regra os grandes povos martimosiniciaram pela pesca a sua vocao; nela bus-caram produtos de troca com os outros povos;nas suas mesmas lutas com o mar aprenderama arte da manobra e afinaram os tipos de navio;e nos acasos das viagens foradas compreende-~:am a uti l idade de as realizar adrede. 0 casoda Holanda t p ico. Nasceu da pesca a suagrande actividade mart ima e dela se pode afir-mar que foi construda sobre carcaas de aren-ques . Brunhes eloquentemente evidencia quantopara a formao e o desenvolvimento da Ingla-terra, da Noruega, do Japo e dos Estados Uni-dos importaram tambm as labutas da pesca.

    Pode, pois, suspeitar-se desde j que essaprofunda penetrao do mar at o mago dasterras que algum tempo as condies geogrficaspermit i ram em mais a l to grau no Ocidente daPennsula, haviam de influir a poderosamentenos factos do povoamento e da organizao so-cial. Theobald Fischer foi o primeiro, segundocremos, a emitir a opinio, parfilhada por Bru-rdles, da semelhana entre a situao geogrficaentre Portugal independente em relao Espa-nha com a Holanda independente em relao Alemanha, sublinhando que ~enhuma outraregio da Pennsula, como Portugal, est inti-mamente unida ao mar, que pelos grandes estu-r ios penetra profundamente at o inter ior das

    a O b r a c l t . , p , 1 5 0 .

  • terras 9. Observe-se que nenhum destes gegra-los conheceu o facto to importante da maiorlargura e proundidade desses esturios noutrostempos, o que torna a semelhana mais flagrante.

    Tempos houve durante a Idade Mdia emque a falta de segurana impossibilitou a forma-o de grandes aglomeraes nas costas do Nortee do Ocidente da Europa. Bandos de piratasassolaram as povoaes do litoral, e no hesita-varo por vezes em subir o curso dos. rios e levaras suas terrveis depredaes ao interior das ter-ras. Dessa calamidade partilharam rodas as re-gies banhadas pelo Atlntico desde as Flandresar~ o estxeito de Gibraltar. A sombra desse pe-rigo, sempre iminente durante sculos, prospe-raram as aglomeraes humanas situadas nofundo dos esturios ou nos estreitos golfos empontos de mais difcil acesso, e a cuia protecose abrigaram as populaes acossadas por aque-les assaltos. A fortuna de certas cidades medie-vais, como Bruges, Londres, Bordus, Sevilha,cresceu em grande parte com o favor desta cir-cunstncia; mas, j muitos sculos antes, Atenas,Argos, Roma ou as cidades etruscas que comu-nicavam com o mar se estabeleciam a uma dis-tncia suficiente para escapar aos ataques vindosdo largo.

    O fundo dos esturios foi o bero de muitanao martima. Abrigados pelas muralhas doburgo, aonde os remetiam as investidas dos cor-srios, os homens medievais haviam de consi-derar com ciumenta admirao esses arrojados

    9 Theoba ld F i sche r, i n K i r cho , L~erkune vo~Europa , 1893 ; e J . B run i xes , La Gdograph ie Huma~ne ,3.a edio, 1925, I voI., p. 28.

  • navegantes que, depois de atravessar os mares,saltearam as erras e regressaram impunes comas barcas carregadas de despojos.

    Por forma bem diversa sueedia se as costasvoltaram a oferecer condies de segurana e asestradas martimas se animaram de navegantes--mercadores. Atrados pela riqueza do mar equi pelos mercadores estrangeiros que vinhama trocar os seus produtos, em breve os homensacorriam costa e tanto mais depressa e emmaior nmero, quanto maior era a segurana, aactividade, as facilidades e os lucros da vida ma-rtima. Os Pases Baixos, na acepo antiga destadesignao geogrfica, e em especial a Holanda,oferecem o exemplo mais ilustravo, no s~ dasrie de factores de carcter geogrfico, econ-mico, religioso e poltico que podem influir nagnese dum Estado martimo, mas da estratifi-cao dos seus efeitos, to visveis e diferenciadosaparecem na. sua histria as influncias e os re-sultados daquelas causas. I~ assim que nas suasorigens urbanas se podem surpreender as osci-laes da populao, que da ocupao da costapassa a refugiar-se no fundo dos esturios ou nointerior das terras, para reocupar num refluxoirreprimvel os melhores pontos do litoral, e istoao sabor das menores ou maiores condies desegurana.

    Estas mesmas condies geogrficas, quedesde a Antiguidade se reflectiram na formaodo povoamento e na agremiao dos homens, lcito inferir-se que produzissem efeitos seme-lhantes nas costas atlnticas da Pennsula. Aocabo destas rpidas consideraes podemos, pois,traar nas suas linhas mais gerais a teoria da

  • formao dum Estado no Ocidente da Pennsula.Fora de prever que os elementos decisivos dediferenciao poltica nessa regio se relacionas-sem com o mar. Como a Holanda, um oceanorico em espcies animais penetra profundamentepelos esturios de mar no interior das terras;tal como sucede com a Dinamarca, a.n suas costaspossuam uma srie de escalas sobre o trooduma grande es trada martima; e, como naNoruega, formaes geogrficas diferentes en-travam num contacto fecundo; caracteres estes, certo, atenuados neste caso, pois nem os nossosrios so grandes estradas fluviais penetrandono corao da Europa, corno o Escalda, o .Mosa.e o Reno, nem a estrada martima possua aforada concorrncia dos estreitos dinamarque-ses, nem os elementos em contacto ofereciam tontido contraste, como no ocidente da pennsulaescandinava. Mas a convergncia numa s regiodesses caracteres, ainda que menos acusados,era, porventura, mais rica de virtualidades po-lricas.

    Podemos supor que um grmade nmero dencleos importantes de povoao comeasse porsurgir nos numerosos pontos de encontro dasestradas naturais terrestres entre si e principal-mente com as estradas fluviais, e nos stios quemelhores condies de segurana oferecessem,dado que as vantagens estratgicas coincidemquase sempre com as comerciais. Mais tarde aacfividade martima, quando favorecida pelomeio externo, poderia transformar-se num g-nero de vida inteiramente novo, criando igual-mente fortes aglomeraes beira-mar, e umanova solidariedade econmica, capaz de fundir

  • em si os interesses paralelos ou semelhantes egerar, com a necessidade de segurana colectiva,a ideia de um Estado novo. Sabido que da lutaentre os g6neros de vida e as formaes sociaisdiferentes nascem as novas concepes polticas,deve notar-se que a zona ocidental possua emestado latente os elementos de oposio, no sentre o homem martimo e o rural, mas entreo rural do Norte e o do Sul, de coeso social epoltica diferentes.

    Mas na costa e no fundo dos esturios deve-remos de preferncia buscar a regio e o ncleode germina.o donde a nova solidariedade sedevia estender a toda a costa e logo . regio deal6m do Tejo, dado que as duas possufam, comas grandes estradas naturais, as melhores con-dies para atingir um mnimo de densidade so-cial e poltica.

    Assim s e formariz~ um Estado abrangendotoda a zona do Ocidente da Pennsula, pois ne-nhum factor geogrfico essencial justifica a sepa-rao poltica ent~'e Portugal e a Galiza. Noutrasrazes haver que buscar a explicao dessefenmeno.

    Finalmente, os caracteres da posio geogr-fica da Pennsula, que faziam dela uma espciede ponte lanada entre dois continentes e da suavertente ocidental o melhor cais da Europa paradevassar o mundo desconhecido, tornaram essaltima regio o lugar eleito para a fuso de duascivilizaes diferentes e a criao, com os ele-mentos hauridos em cada uma delas, duma civi-lizao essencialmente martima e unitria e quede mediterrnea passasse a ser atlntica ou antese mais largamente ocenica.

  • A POPULAO E O TERRITRIO ANTES DAFUNDAO DA MONARQUIA

    DEPOIS do territrio, o homem. O solo possuiem estado latente as virtualidades econ-micas e polcas. Os homens e os grupos huma-nos, movidos pelas suas ideias ou crenas, viroocupar e explorar o solo por um trabalho lentode adaptao e organizao. Assim na proto--histria de cada nao h, como dissemos, umasrie de movimentos e transformaes de massa,demorados por consequncia, e que necessria-mente antecedem e preparam a formao doEstado.

    Pelo que respeita proto-histria portuguesapodem, a nosso ver, assinalar-se quatro fasestpicas no movimento e transformao do ncleosocial, donde sair a Nao. Esses factos demassa, que decorrem entre o sculo 111 antesda era crist e o sculo xIII da nossa era, soos seguintes:

    i.--A ocupao do solo por uma populaopermanente e perdurvel (perodo lusi-tano) ;

  • 2.- Cr iao das l inhas r g idas de povoa-mento, com tendncia aklntica, e pre-figurao do Estado em plena realizaogeogrfica (perodo romano) ;

    3.- Elaborao dos primeiros elementos na-cionais: a lngua e a urbanizao nosestuari0s pelo comrcio mart imo (pe-Iodo galaico-moArabe) ;

    4.0 -- Ocupao do litoral e criao do gnerode vida nacional: agricultura e comr-cio martimo (primeiro perodo de auto-nomia nacional).

    Estes factos aparecem indissol~velmente en-cadeados uns aos outros. Sobre o mesmo terri-trio o homem permanece fundamentalmente omesmo. A passagem dum facto ao outro d-sepor uma ruptura de equilbrio no povcamento,acompanhada duma transformao econmicageral, e pelo progresso contnuo numa tend@n-cia -- a aproximao e a utilizao do mar. Maugrado tratar-se duma concepo, na maior parteprpr ia, das or igens da nacional idade, somosobrigados a versar sumariamente os primeirosperodos e apenas no que interessa em especialao escopo do presente estudo.

    No sculo I I I antes de Cr is to, l t imo l imi teno passado, at onde alcanam as refernciashistr icas, a ver tente ocidenta l da Pennsulaencontra-se povoada, de forma esquemtica, porcinco grupos sociais: o Noroeste at o Douro,pelos Cala icos; entre o Douro e o Tejo, pelosLusitanos, excepto nas plancies litorais onde sehaviam fixado os antigos Trdulos (turduli vete-

  • res); entre o Tejo e o Guadiana, pelos Clticos;finalmente a actual regio do Algarve, pelos C-nios. Duma forma geral, esta diferenciao dosgrupos corresponde a uma relativa diferenciaogeogrfica. No se pode negar que a regio aonorte do Douro, as plancies litorais de Entre--Douro-e-Tejo, a mesopotmia de Enh-e-Tejo-e--Guadiana, como lhe chamava Estrabo, e aestreita faixa do Algarve possuam, umas em re-lao s outras, certos traos de caracterizaogeogrfica. J as terras altas de Entre-Douro-e--Tejo representam antes uma zona de transioentre aquelas que pelo norte e o sul imediata-mente as limitam.

    Mas, existiria de facto entre estes povos umaseparao ntida, sob o ponto de vista tnico ecultural? Os escassos dados antropolgicos athoje averiguados permitem antes afirmar a exis-tncia dum mesmo fundo tnico comum to forteque resistiu a todas as infiltraes de raas dife-rentes que at nossos dias e sucessivamente a pe-netraram. Identidade semelhante, sob o ponto devista econmico e cultural, traduzida por umpredomnio da civilizao castreja e um gnerode vida agricola-pastoril. No podemos, todavia,deixar de supor que os turduli veneres se ocupa-varo predominantemente na explorao dos pro-dutos do mar. O territrio oferecia ento umaspecto geral em violento contraste com o dopresente. A maior parte do solo estava cobertapor densas florestas, quando no alagada pelospntanos; e os rudes povoados alcandoravam-sequase exclusivamente nos morros solitrios, cer-cados por breves terrenos de cultura e pastoreio,emergentes das brenhas.

  • Quanto estn~tura social j as diferenas en-tre os grupos deveriam ser maiores. E pode afir-mar-se com afoiteza, tanto quanto nos lcitoconcluir das priineiras referncias dos historiado-res, que na regio central de Entre-Douro-e-Tejohabitava o grupo mais slidamente organizadoe mais apto, pois, para exercer uma hegemoniasobre os demais. Os Lusitanos, ,a mais forte dasnaes ibricas, no dizer de Estrabo e de Deo-doro Siculo, deixaram o nome vinculado his-tria pela resistncia bravssima que durante maisde sculo e meio, desde 193 a. J.C., opuserams legies romanas. Enquanto dos demais povosque com eles confinavam pouco ou nada os pri-meiros historiadores da era crist refereln, quepossa assinal-los, daqueles historiam as cam-panhas, nomeiam os chefes, parficularizam osfeitos e as virtudes.

    Pouco de preciso se conhece sobre a distribui-o dos Lusitanos no territrio. Mas a prolongadaresistncia que ofereceram aos Romanos, ascapacidades tcticas de que deram provas abun-dantes, o mbito das suas operaes que, trens-postos os limites da regio de origem, se alarga-ram em profundas investidas maior parte daPennsula e, para alm do estreito de Gibraltar,ao prprio Norte de Africa, e ainda o facto toeloquente de haverem assinado tratados de pazcom o inimigo, s~ podem explicar-se admitindoneles uma notvel densidade e coeso social epoHfica.

    No temos que nos ocupar neste momentodas razes deste facto mas apenas firar dele asconsequncias naturais. Povo to estremado dosvizinhos pela estrutura social, to aguerrido o

  • solidrio e duma to singular mobilidade no ata-que, forosamente havia de exercer uma hege-monia sobre os grupos mais prximos, e emespecial segundo uma orientao ocidental, parao norte, aonde os atraa a maior riqueza dapopulao, para o sul, onde as planuras damesopo~mia facilitaram as suas incurses, efinalmente para oeste, onde os atraa a diversi-dade do gnero de vida e dos recursos econ-micos. Tanto, pois, quanto as referncias doshistoriadores nos permffem vislumbrar as rela-es entre o homem e o territrio na vertenteocidental da Pennsula, ns vemo-la ocupadapor um pequeno nmero de tribos, sobrepostasquase todas no sentido meridiano, apresentandoum dualismo nos gneros de vida, pois um n-cleo parte se entregava k vida martima nasplancies costeiras, mas oferecendo j uma pri-meira fase de unificao poltica com a hegemo-nia dos Lusitanos que formaram o ncleo central.Muito provvelmente os turduli veteres, vindosdo Sul da Pentnsula, onde prosperava uma civi-lizao martima, serviriam de intermedirios en-tre os Lusitanos e outros povos de cultura maisadiantada, utilizando uma navegao de cabo-tagem, prpria ou alheia.

    A conquista e administrao dos Romanosmarca a segunda fase na organizao dos povosdo Ocidente da Peninsula. ~ certo que a roma-nizao da Ibria tevc como efeito imediato nouma diferenciao mas unificao dos seus dife-rentes povos sob o ponto de vista da civilizaogerai. Lngua, direito, religio, no esquecendoos aspectos da civilizao material, tudo os povosindgenas acabaram por tomar dos invasores.

  • Mas a arqueologia permite afirmar que os Lusi-tanos e em geral os demais povos perduraramna ocupao do territrio. E se, sob o ponto devista polIt ico prbpriamente dito, houve regres-so, certos actos da administrao romana con-triburam profundamente para a organizato eunificao social dos povos do Ocidente.

    Os Romanos comearam por obrigar met-dica e progressivamente as populaes a aban-donar os altos e fixar-se nos vales e nas plancies,primeira grande ruptura de equiltbrio na formade povoamento e ocupao do solo. Enceta-se ogrande assalto aos bravios do solo: desbastam-seas primeiras florestas e enxugam-se os primeirospntanos. Mas esse movimento das populaesno se fez ao acaso. Os Lusitanos, evidente,haviam utilizado as estradas naturais (sem o quefora impossvel compreender a sua mobil idadedurante as lutas com os Romanos), traando,quando mais no fosse com um trnsito secular,sobre o territrio, o primeiro esboo de sistemavial. Mas foram os Romanos com o traado darede das vias militares, to duradoiramente cons-trudas, que criaram as l inhas gerais de povoa-mento. Sbiamente lajeadas, medidas e anasto-mosadas, as vias romanas constituam um sis-tema admirvel de comunicaes.

    Posto que se conhea muito imperfeitamenteo traado completo dessas vias sobre o territrioportugus, sabe-se pelo It inerrio de Antoninoque as duas grandes estradas natura is , a doAlente jo e a que une o Norte ao Sul do Pas,foram aproveitadas. Olisipo (Lfsboa) estava l i-gada, dum lado, foz do Guadiana, por umaestrada que seguia por Salacia (Alccer), Pax

  • Julia (Beja), Mirtilis (Mrtola) e Baesuris (Cas-tro Marim); e, do outro, a Bracara Augusta(Braga) por uma estrada que passava em Sca-l~bis (Santarm), Conimbriga (Condeixa-a-

    Car ta tnc l icano o t ragao das es t raas romanasna Pennsu la , ex t ra ta o I t inerr io de Anton ino

    -Velha), Aeminium (Coimbra), Tatabriga (portodo actual Aveiro) e Cale (Porto). De BracaraAugusta irradiava um conjunto de estradas queenvolviam a Galiza, e uma das quais seguia paraTude (Tui) e Lucus (Lugo), mas todas acaba-varo por inflecfir para o oriente, na direco deAsturica Augusta (Astorga), onde terminavam.

  • Da mesma forma as estradas do Sul do Pas,l igadas umas com as outras, comunicaram comEmeri ta Augusta (Mr ida) . O que desde logofere a ateno neste sistema das vias romanasdo Ocidente que os dois grandes centros itine-rrios com os quais se ligava, Mrida e Astorga,eram muito excntricos e afastados um do outro;e que ele avulta pela continuidade e o felicssimotraado da longa estrada que une o Algarve Galiza. Por meio dela ficavam ligados uns aosoutros, em linha ininterrupta, os pontos extremosou mais importantes da navegao flvio-mar-rima em todos os rios da vertente ocidental, desdeo Guadiana ao Minho. Ao longo dela e no pontode encontro com as v ias fluvia is se formaramos centros urbanos de maior importncia nestaregio, durante a poca romana e a inda emquase toda a Idade Mdia. E basta examinaruma car ta desta par te da Pennsula, duranteaquele perodo da sua histria, para se ver quea grande maioria dos ncleos mais avultados dapopulao se concentram na regio mais prximada costa e na de A16m-do-Tejo. Assim uma partemuito importante das virtualidades do territriofora definitiva e sbiamente aproveitada. O sis-tema das estradas romanas, como instrumentode organizao social, envolvia duas consequn-c ias do maior a lcance para o futuro: aqui lo aque chamaremos a atlantizao do povoamentoe a sua unificao por meio duma linha dorsalno sentido meridiano. Nessa espcie de esqueletode povoamento, constitudo pela rede it inerriados Romanos no Ocidente da Pennsula, a es-trada que unia o Algarve Galiza representavaa coluna vertebral.

  • Um dos indcios e consequncias da atlanti-zao dos habitantes traduz-se pelo grande incre-mento que tomam durante essa poca as inds-trias da pesca. O peixe salgado e de conservado Ocidente da Pennsula passa a ter grandeimportncia no sistema econmico dos Romanos.

    Outro facto na administrao dos Romanosveio, sob o ponto de vis.ta da organizao e uni-ficao social, completar as consequncias dotraado das estrados. Referimo-nos divisoadministrativa. Alguns anos antes que terminassea era de Csar, sob o imperador Augusto, aPennsula foi dividida em trs provncias--aTarraconense, a Btica e a Lusitnia, e estas porsua vez em vrios conventos iurdic