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Mia Couto (Moçambique) Despedida Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos quando anunciaste a despedida e eu que habitara lugares secretos e me embriagara com os teus gestos recolhi as palavras vagabundas como a tempestade que engole os barcos porque ama os pescadores Impossível separarmo-nos agora que gravaste o teu sabor sobre o súbito e infinito parto do tempo Por isso te toco no grão e na erva e na poeira da luz clara a minha mão reconhece a tua face de sal E quando o mundo suspira exausto e desfila entre mercados e ruas eu escuto sempre a voz que é tua e que dos lábios se desprende e se recolhe Ali onde se embriagam os corpos dos amantes o te ventre aceitou a gota inicial e um novo habitante enroscou-se no segredo da tua carne Nesse lugar

Couto, Mia - Despedida [Poema].doc

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Mia Couto

Mia Couto

(Moambique)

Despedida

Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos

quando anunciaste a despedida

e eu que habitara lugares secretos

e me embriagara com os teus gestos

recolhi as palavras vagabundas

como a tempestade que engole os barcos

porque ama os pescadores

Impossvel separarmo-nos

agora que gravaste o teu sabor

sobre o sbito

e infinito parto do tempo

Por isso te toco

no gro e na erva

e na poeira da luz clara

a minha mo

reconhece a tua face de sal

E quando o mundo suspira

exausto

e desfila entre mercados e ruas

eu escuto sempre a voz que tua

e que dos lbios

se desprende e se recolhe

Ali onde se embriagam

os corpos dos amantes

o te ventre aceitou a gota inicial

e um novo habitante

enroscou-se no segredo da tua carne

Nesse lugar

encostmos os nossos lbios

funda circulao do sangue

porque me amavas

eu acreditava ser todos os homens

comandar o sentido das coisas

afogar poentes

despertar sculos frente

e desenterrar o cu

para com ele cobrir

os teus seios de neve

In Despedida