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CRÉDITOS - Unicap #FiqueEmCasaSalveVidas€¦ · 4 APRESENTAÇÃO O Congresso Publius é evento anual realizado por professores da Universidade Católica de Pernam-buco, com o objetivo

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    Gustavo Ferreira SantosJoão Paulo Allain Teixeira

    Marcelo Labanca Corrêa de Araújo

    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO:Direito(s) em debate.

    Recife, 2016

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    CRÉDITOS

    Editora: APPODI

    Organização: Gustavo Ferreira Santos

    João Paulo Allain Teixeira

    Marcelo Labanca Corrêa de Araujo

    Conselho editorial: Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho (UEA)

    Gustavo Carneiro Leão (UNICAP)

    Ivone Fernandes Lixa (FURB)

    Maria Lúcia Barbosa (UFPE)

    Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (FURG / FMP)

    Design da capa: Ana Catarina Silva Lemos Paz

    Composição do miolo: Ana Catarina Silva Lemos Paz

    As opiniões e posicionamentos contidos nesse livro não, necessiariamente, correpondem às opinões e posicionamentos tomados pelos organizadores.

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    APRESENTAÇÃO

    O Congresso Publius é evento anual realizado por professores da Universidade Católica de Pernam-buco, com o objetivo de discutir temas pertinentes ao direito público, especificamente no que se refere aos vínculos que se estabelecem entre Constituição e Democracia. Na edição 2015 do Publius o tema escolhido como eixo norteador do evento é “Tutela Multinível dos Direitos”, apontando para a necessária percepção de que os direitos apresentam níveis distintos de proteção e promoção, tanto no plano interno como em planos normativos distintos, como acontece com o direito subnacional, o direito supranacional e o direito interna-cional.

    O evento teve duração de três dias de debates com a participação de professores e pesquisadores con-vidados de várias universidades do Brasil, América Latina e Europa e envolvendo estudantes de graduação e pós-graduação stricto sensu de diversas universidades da região.

    O livro que agora apresentamos é fruto das reflexões que aconteceram nos grupos de trabalho do evento (Direitos Sociais e Judicialização das Políticas Públicas; Justiça Constitucional e Jurisdição Constitu-cional; (Des)Criminalização de Direitos; Tutela dos Direitos à Liberdade; Hermenêutica, Universalidade e Multiculturalismo dos Direitos; Direitos de Nacionalidade e Estrangeiros; Os Novos Direitos; Diálogo entre Cortes e Proteção Multinível; Constituições Subnacionais e Tutela de Direitos: Controle de Convencionali-dade). Para os diversos GTs o evento contou com cento e vinte trabalhos inscritos, resultando em sua confi-guração final, sessenta e cinco trabalhos enviados para publicação após os debates. Estes trabalhos integram o presente livro eletrônico, juntamente com os trabalhos de autores convidados, mantendo a métrica e a obediência aos temas propostos pelo evento.

    A todos, desejamos uma boa leitura. E que estes escritos possam servir como leituras seminais para a compreensão dos desafios que uma tutela multinivel de direitos fundamentais exige.

    Recife, julho de 2016.

    Gustavo Ferreira Santos

    João Paulo Allain Teixeira

    Marcelo Labanca Corrêa de Araujo

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    SUMÁRIO

    1. APRESENTAÇÃO

    2. A FUNÇÃO PUNITIVA NA RESPONSABILIZAÇÃO DO FORNECEDOR EM RELAÇÃO DE CONSUMO: DIÁLOGO DO DIREITO BRASILEIRO COM O SISTEMA COMMON LAW, EM BREVES NOTAS E REFLEXÕES PARA UMA MAIOR PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

    Adriano Barreto Espíndola Santos Aldo César Filgueiras Gaudêncio 16

    3. JUDICIAL DO DIREITO SOB A ÓTICA DA TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO: IMPLICAÇÕES NO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

    Alexandre Henrique Tavares Saldanha Victor Rafael Alves de Mattos 24

    4. RACIONALIDADE METÓDICA E PROCEDIMENTAL NA CRIAÇÃO JUDICIAL SOB A ÓTICA DA TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO:IMPLICAÇÕES NO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

    Alexandre Henrique Tavares Saldanha 32

    5. INFRAERO E A ADOÇÃO DO ORÇAMENTO SIGILOSO NO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA (RDC):UMA ANÁLISE SOBRE A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO

    Alcerlane Silva Lins Roberta Cruz da Silva 41

    6. A EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVILAlcerlane Silva Lins Luiz Gustavo Simões Valença de Melo 51

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    7. COTAS RACIAIS: ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO DE FUNDAMENTAÇÃO DO VOTO DE LEWANDOWSKI NA ADPF 186/DF

    Ana Caroline Alves Leitão Virginia Colares 60

    8. A PROTEÇÃO JUDICIAL DAS MINORIAS: A UNIÃO HOMOAFETIVA NO STF E NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

    Ana Catarina Silva Lemos Paz Luiz Manoel da Silva Júnior Arthur Albuquerque de Andrade 70

    9. DIREITO AO PROTESTO E SUA TUTELA JUDICIAL: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A OCUPAÇÃO DA RUA NETO CAMPELO PELO MOVIMENTO OCUPE ESTELITA

    Ana Paula da Silva Azevêdo Letícia Malaquias Mendes Barbosa Vitória Caetano Dreyer Dinu 85

    10. QUEM TEM DIREITO À ÚLTIMA PALAVRA? O INSTITUTO DA REVISÃO JUDICIAL À LUZ DAS TEORIAS DE DWORKIN, DAHL E WALDRON

    Ana Tereza Duarte Lima de Barros Mariana Cockles Teixeira 95

    11. A AUTONOMIA DAS ORDENS LOCAIS INDÍGENAS NA AMÉRICA LATINA SOB O PONTO DE VISTA DO TRANSCONSTITUCIONALISMO E DO NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANOArthur Albuquerque de Andrade Ana Catarina Silva Lemos Paz Luiz Manoel da Silva Júnior 101

    12. ESCRAVISMO CONTEMPORANEO E INTEGRAÇÃO ECONÔMICA: UM ESTUDO ACERCA DOS POSSÍVEIS IMPACTOS DA ADESÃO DA BOLÍVIA AO MERCOSUL

    Bruna de Oliveira Maciel Jaqueline Maria de Vasconcelos 107

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    13. O PODER-DEVER DO ESTADO NA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ÂMBITO FAMILIAR À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988Bruna de Oliveira Maciel Jaqueline Maria de Vasconcelos 116

    14. LIBERDADE RELIGIOSA: UMA ABORDAGEM DO PONTO VISTA DAS RELAÇÕES ENTRE OS MODELOS DE ESTADO E IGREJA E O CASO LAUTSI CONTRA ITALIA

    Camila Leite Vasconcelos 125

    15. A VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL AO OLIGOPÓLIO MIDIÁTICO E O DIREITO À COMUNICAÇÃO: A NECESSIDADE DA SUPERAÇÃO DO DOMÍNIO ECONÔMICO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO EM MASSA PARA SUA REGULAÇÃO DEMOCRÁTICA

    Camila Freire Monteiro de Araújo Izídia Carolina Rodrigues Monteiro Nara Fonseca de Santa Cruz Oliveira 134

    16. REPENSANDO A AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA: A (IM)POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO “ABATE-TETO” SOBRE REMUNERAÇÃO, SUBSÍDIO OU PROVENTO DA APOSENTADORIA DE AGENTE PÚBLICO CUMULADOS COM BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE DO CÔNJUGE/COMPANHEIRO SERVIDOR DO ESTADO

    Carla Cristiane Ramos de Macêdo Roberta Cruz da Silva 145

    17. TRANSEXUALIDADE E DIGNIDADE: OS DESAFIOS JURÍDICOS E SOCIAIS PARA A GARANTIA PLENA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Carlos Henrique Felix Dantas Raissa Lustosa Coelho Ramos 159

    18. PERSONALIDADE JURÍDICA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E TOMADA DE DECISÃO APOIADA: DESAFIOS E PROPOSTAS PARA UM EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA

    Carlos Henrique Felix Dantas Raissa Lustosa Coelho Ramos 166

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    19. LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE SOBRE A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL NO ÂMBITO DOS CONFLITOS DOMÉSTICOS

    Carolina Salazar l’Armée Queiroga de Medeiros Hallane Raissa dos Santos Cunha Túlio Vinícius Andrade Souza 175

    20. DIÁLOGO INTERJUDICIAL: REALIDADE GLOBAL NO BRASIL E A EXIGÊNCIA DE NOVOS DIREITOS ATRAVÉS DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

    Caroline Alves Montenegro Renata Santa Cruz Coelho 185

    21. A CRISE CONTEMPORÂNEA DOS REFUGIADOS, DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS PÚBLICASDavid Cavalcante 192

    22. LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA OCORRÊNCIA DE PRISÕES PREVENTIVAS E DAS FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS DOMÉSTICOS

    Débora de Lima Ferreira Marília Montenegro Pessoa de Mello 201

    23. O DIREITO PENAL SIMBÓLICO: DA PROMESSA DE PROTEÇÃO À EFICÁCIA INVERTIDA – UM OLHAR SOBRE A PROTEÇÃO À VÍTIMA

    Érica Babini Lapa do Amaral Machado Andrielly S. Gutierres Silva Willams França Silva 211

    24. ENTRE RETRIBUIÇÃO, NEUTRALIZAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E CONTROLE – A REPRESENTAÇÃO DOS MAGISTRADOS SOBRE A FINALIDADE DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO EM PERNAMBUCOÉrica Babini L. do Amaral Machado Maurilo Miranda Sobral Neto Vitória Caetano Dreyer Dinu 221

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    25. DEMOCRACIA, EFETIVIDADE E DIREITOS SOCIAIS: UM OLHAR SOBRE OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – A PARTICIPAÇÃO COMO CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

    Erika Patrícia Ferreira dos Santos Isabel Cristina Souza Queiroz Marco Aurélio da Silva Freire 234

    26. REAÇÃO LEGISLATIVA FRENTE À JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL PÓS 88Eriverton Felipe de Souza 242

    27. NEGOCIADO X LEGISLADO: O DIREITO DO TRABALHO EM PERIGO

    Fábio Túlio Barroso 253

    28. NOTAS SOBRE A AUTONOMIA SINDICAL BRASILEIRAFábio Túlio Barroso 260

    29. O “DIREITO AO CONFLITO” NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: POTENCIALIDADES E RISCOS

    Fernanda Fonseca Rosenblatt João André da Silva Neto Maria Júlia Poletine Advincula Pedro Henrique Ramos Coutinho dos Santos 266

    30. A DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO PESSOAL DE DROGAS EM DEBATE NO STF: UM PASSO RUMO À SUPERAÇÃO DA GUERRA ÀS DROGAS?

    Fernanda Thaynã Magalhães de Moraes Laís Emanuella da Silva Lima Maria Eduarda Moreira de Medeiros 277

    31. O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E SEUS REFLEXOS PARA O PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEOFernando Flávio Garcia da Rocha João Paulo Allain Teixeira 283

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    32. AS TRANSFORMAÇÕES DO ENSINO JURÍDICO A PARTIR DA UTILIZAÇAO DAS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃOFernando Flávio Garcia da Rocha Paloma Mendes Saldanha 291

    33. A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO REAÇÃO AO ILUSÓRIO E ILEGÍTIMO DISCURSO PUNITIVO NA AMÉRICA LATINAFernando Borba de Castro Lenice Kelner Leonardo Idenio Soares 298

    34. A DIGNIDADE DO TRABALHADOR NO COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO AMEAÇAS E RISCOS VINDOS DO PODER LEGISLATIVO

    Flora Oliveira da Costa 310

    35. A COMPLEXIDADE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO UM OLHAR LUHMANNIANO

    Flora Oliveira da Costa 317

    36. A FIGURA DA MULHER FRENTE À POLÍTICA PROIBICIONISTA DO TRÁFICO DE DROGAS: UMA ANÁLISE SOCIO-CRIMINOLÓGICA

    Gabriela Parisi de Amorim Gisele Vicente Meneses do Vale Paloma dos Santos Silva 327

    37. A PROTEÇÃO MULTINIVEL E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS ENQUANTO RESULTADO DO DIÁLOGO ENTRE DIFERENTES CORTESGabriel Soares Ribeiro Lopes Maria Carolina Oriá Veloso 334

    38. É A PROSTITUIÇÃO UMA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO OU A COMPRA DE UMA MERCADORIA?Gabrielle Costa Carvalho de Oliveira Larissa Brasileiro Malheiro Vanessa Alexsandra de Melo Pedroso 342

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    39. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E RADIOFUSÃO SOB A ÓTICA DO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃOGessyca Galdino de Souza Gustavo Ferreira Santos 346

    40. ATIVISMO JUDICIAL E O CONTROLE DA PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE A DIREITOS FUNDAMENTAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO §3º, DO ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 – LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL – LOAS

    Glauco Salomão Leite Dyego José Holanda Pessoa Tatyana Paula Cabral De Melo Marcolino 356

    41. O PROTAGONISMO JUDICIAL E A REFORMA POLÍTICA: ANÁLISE DO CASO SOBRE O FINANCIAMENTO PRIVADO DE CAMPANHAS ELEITORAIS

    Glauco Salomão Leite Mirella Luiza Monteiro Coimbra Pablo Diego Veras Medeiros 365

    42. ATIVISMO JUDICIAL CONTRAMAJORITÁRIO: O CASO DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA USO PRÓPRIO.

    Glauco Salomão Leite José Raimundo Silva Neto Raphael Crespo Forne 375

    43. ASPECTOS E CONTROVÉRSIAS SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO DA PRISÃO NO BRASIL: UMA ANÁLISE DA ADPF 347

    Glebson Weslley Bezerra da Silva Mariane Izabel Silva dos Santos Roberta Rayza Silva de Mendonça 383

    44. POLÍTICAS PÚBLICAS, O DIREITO SOCIAL À SAÚDE E A EXTRAFISCALIDADE DA TRIBUTAÇÃO SOBRE O CIGARROIdalina Cecília Fonseca da Cunha 391

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    45. MOVIMENTOS SOCIAIS AGRÁRIOS: TEORIA DO ETIQUETAMENTO E CRIMINALIZAÇÃO

    Indira Capela Rodrigues Raquel Fabiana Lopes Sparemberger 397

    46. SOLUÇÃO DE VIA ÚNICA: O PUNITIVISMO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A IMPOSIÇÃO DA PENA PELO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

    Iricherlly Dayane da Costa Barbosa João André da Silva Neto Marília Montenegro Pessoa de Mello 409

    47. NEOCONSTITUCIONALISMO E NEOPROCESSUALISMO COMO INSTRUMENTOS PARA EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA E FORTALECIMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOJaqueline Maria de Vasconcelos Patrícia Freire de Paiva Carvalho 417

    48. JURISDIÇÃO E DESCONSTRUÇÃO: UMA ANÁLISE PROCEDIMENTAL DA ARGUIÇÃO DE DESCUPRIMENTO FUNDAMENTAL NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO A PARTIR DE JACQUES DERRIDA

    Joyce Batista do Nascimento João Paulo Allain Teixeira 423

    49. DIREITO À MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA: A PERMANÊNCIA DAS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS NA ATUALIDADE

    Julia Santa Cruz Gutman Renata Santa Cruz Coelho 438

    50. CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: BREVE CONSIDERAÇÕES DIDÁTICAS SOBRE ASPECTOS CONCEITUAIS E PROCESSUAIS

    Luciano José Pinheiro Barros Raquel Alves Almeida Silva Ana Beatriz Oliveira de Souza 447

    51. CRISE, JURISDIÇÃO E DEMOCRACIALuciano José Pinheiro Barros Mateus Siqueira Pacheco 455

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    52. DIREITOS CONSTITUCIONAIS E INTERNACIONAIS DOS REFUGIADOSMaria Alana Calado Capitó Pedro Victor Montenegro de Albuquerque 464

    53. CRISE FEDERATIVA E FINANÇAS MUNICIPAIS: A PROBLEMÁTICA DA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

    Maria Raquel Firmino Ramos 470

    54. AS MULHERES DIANTE DA LEI 11.343/2006: A CRIMINALIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE SOCIAL.

    Marília Montenegro Pessoa de Mello (orientadora) Juliana Gleymir Casanova da Silva 479

    55. A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL PÓS-88: A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA COMO INSTRUMENTOS DE EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

    Marco Aurélio da Silva Freire João Paulo Rodrigues do Nascimento 487

    56. (IN)CONSTITUCIONALIDADE NA ADOÇÃO DO INSTITUTO DA CONTRATAÇÃO INTEGRADA NOS CONTRATOS DA INFRAEROMarta Rodrigues de Oliveira Roberta Cruz da Silva (orientadora) 496

    57. A EMERGÊNCIA DE DECLARAÇÕES SUBNACIONAIS DE DIREITOS NA ORDEM CONSTITUCIONAL AUSTRALIANA: O PAPEL DO PACTO FEDERATIVO NA FORMATAÇÃO DO REGIME DE PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A ADOÇÃO DE UM CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE FRACO

    Mauro La-Salette Costa Lima de Araújo 507

    58. LIBERDADE RELIGIOSA X TRÁFICO DE DROGAS: O CASO DE “RAS GERALDINHO”

    Mateus Rafael de Sousa Nunes 514

    59. DIREITO AO ESQUECIMENTO E LIBERDADE DE IMPRENSA.Nara Fonseca de Santa Cruz Oliveira Camila Freire Monteiro de Araújo 521

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    60. A POLÍTICA DE PRIVACIDADE DO GOOGLE E SUAS INFRAÇÕES AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AO DIREITO CONSTITUCIONAL À PRIVACIDADE: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA

    Paloma Mendes Saldanha 528

    61. DIREITOS POLÍTICOS E ESTRANGEIROSRafael Lima Rangel Vasconcelos 543

    62. A FAMÍLIA BASEADA NO POLIAMOR EM CONSONÂNCIA COM O PRINCÍPIO DA LIBERDADESilvana Vieira da Silva 553

    63. A CRIMINALIZAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE DE CÁTEDRA NO BRASIL: ANÁLISE DO PROJETO DE LEI Nº 1.411/2015 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

    Synara Veras de Araújo 562

    64. BREVE ANÁLISE SOBRE O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANORenata Santa Cruz Coelho Caroline Alves Montenegro 568

    65. “O ONTEM É HOJE”: SOBRE A TUTELA DOS DIREITOS À LIBERDADE PRESENTE NA OBRA CINEMATOGRÁFICA TATUAGEM

    Synara Veras de Araújo 578

    66. ESTUDO IDEOLÓGICO SOBRE O MODELO PROCESSUAL COOPERATIVO DO NOVO CPCSteel Vasconcellos 588

    67. O DISCURSO DO ÓDIO FRENTE ÀS MANIFESTAÇÕES MINORITÁRIAS COMO HIPOTÉSE DE COLISÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAISTieta Tenório de Andrade Bitu 598

    68. CONFLITOS INDÍGENAS E O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS (SIDH)Valdênia Brito Monteiro Bárbara Raquel da Silva Fonseca 610

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    69. A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO PRESSUPOSTO PARA O COMBATE DO TRÁFICO DE SERES HUMANOSVanessa Alexsandra de Melo Pedroso Luize Ivila Santos da Rocha Larissa Gabrielle Silva de Andrade 619

    70. CRIMINALIZAÇÃO DA PELE E DA CONDIÇÃO SOCIAL NA GUERRA ÀS DROGASVictor de Goes Cavalcanti Pena Danyelle do Nascimento Rolim Medeiros Lopes 625

    71. A REGULAMENTAÇÃO BRASILEIRA DAS MIGRAÇÕES E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADEVictor Scarpa de Albuquerque Maranhão Thiago Oliveira Moreira 630

    72. PRISÕES PREVENTIVAS E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: UM DEBATE POSSÍVEL?

    Wictor Hugo Alves da Silva 640

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    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO:Direito(s) em debate.

    A FUNÇÃO PUNITIVA NA RESPONSABILIZAÇÃO DO FORNECEDOR EM RELAÇÃO DE CONSUMO:

    DIÁLOGO DO DIREITO BRASILEIRO COM O SISTEMA COMMON LAW, EM BREVES NOTAS E REFLEXÕES PARA UMA MAIOR PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

    Adriano Barreto Espíndola SantosMestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra - Portugal. Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. Especialista em Direito Público Municipal pela Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza. Advogado.

    Aldo César Filgueiras GaudêncioMestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra – Portugal. Pós-graduado em direito empresarial pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Pós-graduado em direito dos contratos. Advogado.

    SUMÁRIO: Introdução; 1. A proteção do consumidor e sua reparação por eventuais danos como garantias constitucionais; 1.1. Da reparação por danos na sistemática da responsabilidade civil do có-digo de defesa do consumidor; 2. Do dano moral ao social: um quadro de grave comprometimento da vida humana na relação de consumo; 3. O aparelhamento nocivo e sistemático do “dano eficiente”; 4. O diálogo entre sistemas como forma de aplacar diferenças e fomentar ganhos sociais; Conclusão; Referências.

    INTRODUÇÃO

    Diante da permanente necessidade de cuidado ao consumidor, figura, por sua própria condição, frágil na relação de consumo, desenvolver-se-á este estudo com o intuito de, dentre tantas problemáticas sobrevin-das, aplacar os enormes prejuízos de ordem moral, em específico, sofrido pelos consumidores nestas últimas décadas.

    Numa luta até então desigual, atendendo-se à dignidade da pessoa humana, com a expressão de boa parte dos anseios sociais em nossa Constituição Federal de 1988 e, depois, em sede de código de defesa do consumidor – lei n.º 8078/90 -, conseguiu-se estampar o direito à reparação de danos - evidente que se fir-mou aí grande avanço para uma sociedade consumerista, carente de segurança jurídica.

    Mas, com as recorrentes constatações de lesões aos consumidores, vê-se que a estrutura jurídica brasileira ainda apresenta lacunas que oferecem espaços às práticas destrutivas operadas pelos lesantes, voltadas tão somente à racionalidade econômica.

    De modo que, com as experiências exitosas alienígenas, obtém-se, então, base para adequar o modelo da função punitiva da responsabilidade civil ao sistema brasileiro, servindo tal instrumento para se alcançar a função social do mencionado instituto, como, também, travar, ou mesmo, de fato, eliminar o dano social.

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    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO:Direito(s) em debate.

    1. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E SUA REPARAÇÃO POR EVENTUAIS DANOS COMO GARANTIAS CONSTITUCIONAIS.

    A Constituição Federal de 1988 garante proteção aos consumidores imputando ao Estado uma obrigação de promoção de sua defesa. Aliado a isso, terão os consumidores a garantia da possiblidade de serem reparados por eventuais danos que venham a suportar nas no mercado de consumo.

    Especificamente, o legislador constitucional inseriu no texto do artigo 5º, inciso X a reparabilidade por danos morais e materiais, quando garantiu a inviolabilidade dos direitos da personalidade. De sorte que, o que extraímos é que o instituto da responsabilidade civil se vê presente no texto constitucional, agora como uma garantia da ordem jurídica estabelecida a partir de 1988 (MORAES, 2013).

    Ainda, como direito fundamental, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como a norma impe-rativa o disposto no artigo 5º, inciso XXXII, que institui que “o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor”. Lei esta que deveria ser elaborada dentro de 120 dias a partir da promulgação da Constituição, conforme artigo 48 dos atos das disposições constitucionais transitórias, na mesma Constituição (MIRAGEM, 2002 - Conferir também (CAVALIERI FILHO, 2008); (DUQUE, 2009); (GRAU, 1993)).

    A inserção do artigo 5°, XXXII, entre os direitos fundamentais coloca os consumidores entre os ti-tulares de direitos constitucionais fundamentais, porque estes não mais se resumem aos direitos de defesa contra interferência estatal na esfera jurídica particular (CANOTILHO, 1993). Atualmente, os direitos fun-damentais conferem também aos particulares direitos de proteção, direitos à organização e ao procedimento e direitos as prestações sociais.

    Entendemos que o Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais e, assim, proteger um cidadão perante o outro.

    Além disto, o artigo 170, inciso V, da Constituição Federal de 1988, tornou a defesa do consumidor um princípio da ordem econômica constitucional. Estes dois dispositivos – artigo 5º, inciso XXXII, e artigo 170, inciso V – legitimam todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista. A defesa dos consumidores pauta-se, em primeiro, nas razões econômicas derivadas das formas, segundo as quais se desenvolvem, em grande parte, ao atual tráfico mercantil e, em segundo, por critérios que emanam da adaptação da técnica constitucional ao estado de coisas que hoje vivemos imersos – na chamada sociedade de consumo em massa1.

    O dispositivo constitucional ordena ao Estado Brasileiro o dever de promoção à defesa do consumidor na forma de lei e não mera faculdade, pois se trata de um imperativo constitucional que ordena ao Estado em todas as esferas de poder (união, estado e municípios) e na sua tripartição de poderes (executivo, legislativo e judiciário)2. Foi o constituinte originário que instituiu um direito subjetivo público geral para todos os bra-sileiros como uma garantia fundamental. Outro imperativo ocorreu nos atos das disposições constitucionais transitórias, em seu artigo 48, que, por sua vez, deu prazo e nomeou a lei de defesa do consumidor como Código de Defesa do Consumidor (CAVALIERI FILHO, 2008)3.

    Finalmente, a Lei n.º 8078/90, Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, foi promulgada em 1990, e acarreta importantes mudanças que, no decorrer dos anos 90 e na primeira década do século XXI, tanto nos

    1 NUNES, 2012, p. 52: “No que respeita às normas constitucionais que tratam da questão dos direitos e garantias do consu-midor, elas são várias, algumas explícitas, outras implícitas. A rigor, como a figura do consumidor, em larga medida, equipara-se à do cidadão, todos os princípios e normas constitucionais de salvaguarda dos direitos do cidadão são, também, simultaneamente extensivos ao consumidor pessoa física. Dessarte, por exemplo, os princípios fundamentais instituídos no art. 5º da Constituição Federal são, no que forem compatíveis com a figura do consumidor na relação de consumo, aplicáveis como comando normativo constitucional”.

    2 BENJAMIN, 2008, p. 68, que afirma: “Se a Constituição Federal de 1988 manda o Estado-juiz, o Estado-executivo, e o Esta-do-legislativo proteger imperativamente o consumidor em suas relações intrinsicamente desequilibradas com os fornecedores de produtos e serviços, a CF/88 não definiu quem é o consumidor – logo temos que recorrer ao CDC, como base legal especial infra-constitucional para saber quando aplicar o CDC”.

    3 Ver também ALMEIDA, 2003; NISHHIYAMA e DENSA, 2011, pp. 432 a 433, que afirmam: “o princípio da proteção do con-sumidor é norma constitucional”; DUQUE, 2009.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/anos_90

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    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO:Direito(s) em debate.

    mecanismos de proteção, com o surgimento de novas associações civis voltadas à proteção dos consumidores, como órgãos administrativos também com o mesmo escopo.

    Além disso, impôs importantes e gradativas mudanças às relações de consumo, perceptível na me-lhora na qualidade de fabricação dos produtos e na relação das empresas, de um modo geral, frente os con-sumidores4.

    1.1. DA REPARAÇÃO POR DANOS NA SISTEMÁTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

    A lei n.º 8.078/90 adotou uma sistemática própria para garantir a reparação dos danos oriundos das relações de consumo. Assim, como se percebe claramente da citada lei, a responsabilização dos fornecedores está dividia em duas partes, em primeiro, a responsabilização decorrente dos acidentes de consumo ocorri-dos por defeitos nos produtos e serviços, tratada entre os artigos 12 a 14, e, em segundo, a responsabilização decorrente dos vícios nos produtos e serviços, previstos nos artigos 18 a 20.

    A responsabilidade por fato do produto ou do serviço identifica-se pela ocorrência de defeito. O de-feito que emerge do produto ou serviço disposto ao consumidor é a consequência de um dano provocado por uma falha no funcionamento regular destes5.

    Desse modo, o dano moral emerge imediatamente dos acidentes de consumo, haja vista que não há que se falar em acidente de consumo se não ocorrer o dano. Assim, a sistemática aplicada pelo Código de De-fesa do Consumidor atribui a quem idealizou e concebeu o produto ou o serviço o dever de repara eventuais danos suportados pelos consumidores.

    Quando a responsabilidade se trata de vício do produto ou do serviço, regulada pelos artigos 18 e 19, vício de qualidade e quantidade do produto, respectivamente, e artigo 20, vício de qualidade do serviço, a ocorrência de dano seria em razão pela demora na reparação do vício. Em outras palavras, havendo vício no produto ou serviço, há um prazo de 30 dias previsto na lei para resolução da falha, e, em caso de alargamento deste período por retardo do fornecedor em repará-lo, caso haja dano, então pode ser imputado ao fornece-dor o dever de pagar indenização, que, repetimos, tem relação a danos gerados pela demora em sanar o vicio (NUNES, 2012).

    A sistemática prevista na Lei n.º 8078/90, apesar de pautada na divisão a partir do entre defeito e vício, este menos gravoso, intrínseco ao bem ou serviço, com formas de reparação previstas em lei – havendo a possibilidade de a reparação ocorrer por danos morais e matérias -, e aquele, mais gravoso, e que se dá pela ocorrência de dano provocado pela exteriorização vício no bem ou serviço.

    O consumidor possui um instrumento forte de reparação dos danos que vier a suportar no mercado, no entanto é comum determinadas práticas abusivas ou perigosas, por vezes lesivas, serem recorrentes, o que quer nos mostrar que as indenizações pagas talvez não sejam suficientes para alterar as mesmas práticas empresarias prejudiciais aos consumidores.

    2. DO DANO MORAL AO SOCIAL: UM QUADRO DE GRAVE COMPROMETIMENTO DA VIDA HUMANA NA RELAÇÃO DE CONSUMO.

    Numa perspectiva moderna, nota-se que as relações de consumo tendem a oferecer sempre novas alternativas com o fito principal de promover os ganhos econômicos. E isso corresponde a fato natural, ine-xorável aos avanços da sociedade, que precisa atender às suas necessidades, amparada, principalmente, pela celeridade e pelo desenvolvimento comum.

    4 Sobre relação de consumo Cfr. PASQUALOTTO, 2011; OLIVEIRA, 2002.

    5 Cfr. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 265: “(...) fato do produto é um acontecimento externo, que ocorre no mundo exterior, que causa dano material ou moral ao consumidor (ou ambos), mas que decorre de um defeito do produto”.

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    Não há mal propriamente neste processo. A grande questão que se impõe é saber até que ponto as citadas relações podem estar revestidas da licitude. Se se ultrapassar esta barreira, dos negócios justos, segu-ramente sobrevirão enormes prejuízos aos consumidores, que se veem fracos perante o insuportável peso do poder socioeconômico exercido pelos fornecedores lesantes.

    Ou seja, quanto mais lacunas se deixam escapar, mais fortes se tornam os lesantes e, por conseguinte, o controle de seus atos se vislumbra como demasiado frustrante, sobretudo para os consumidores, que, já prejudicados, não têm meios para buscar amparo legal.

    Fecha-se o seguinte cenário: o consumidor, naturalmente, tem de resolver as questões do dia a dia, quais sejam levar o filho a escola, pagar as contas, ir ao médico, dentre outros afazeres prioritários, assim, vê-se, não tem tempo para buscar amparo no poder judiciário, ainda mais sabendo que tal iniciativa pode não acabar como desejada, resultando tudo num grave transtorno moral.

    O dano moral, antes analisado sob a feição de um só ente, hoje, com tais problemáticas de ordem consumerista, passa a compreender uma extensão muito maior, às vezes até de difícil avaliação e controle, o denominado dano social. Segundo o idealizador da teoria do dano social, Antonio Junqueira de Azevedo, o dano social é aquele mal impelido em face de muitos indivíduos, de uma parcela considerável da sociedade que se vê achacada em seus elementos mais ínsitos, como a moral, o bem-estar subjetivo, a paz e a seguran-ça, por exemplo6.

    Nas palavras de Maria Celina Bodin de Moraes (MORAES, 2006, p. 246), o dano moral corresponde à lesão perpetrada em face da dignidade humana7. Pois bem, nada mais elucidativo que trazer à baila tais palavras, as quais confirmam o grave mal do dano social. Como o próprio nome já assim o denota, diz res-peito a uma lesão pratica à dignidade de uma infinidade de pessoas, portanto, mais severa, que merece ser combatido de modo eficaz.

    O dano social subtrai a tranquilidade de toda população8. Deixa-se a impressão que ao lesante é per-mitido continuar tais atos, ao passo que o lesado se sente atônito e desorientado quanto aos seus direitos. Acaba, então, a aceitar a situação porque não sabe ao certo como, se ou a quem, ao menos, deve recorrer.

    Para descrever melhor, o estado da população se sintetiza em resignação. Aceitar passiva as adversi-dades é exatamente o que espera o lesante, tendo como base, tão somente, a sua racionalidade económica, direcionada a compatibilizar, a seu modo, gastos e lucros, sujeitando os consumidores aos mais indignos tratamentos.

    O dano de esfera social vai implantando, velada e sutilmente, uma sensação progressiva de sujeição aos quadros atuais. Pensa-se: tudo está como deve ser, e pronto. Não se projeta qualquer tipo de solução, restando, especialmente ao mais hipossuficiente, a submissão, o que pode concorrer para o superendivida-mento.

    Para melhor confrontar ideias, cumpre apresentar a seguinte situação hipotética: acostumado a rea-lizar seus pagamentos por via bancária, através de débito automático, porque, ocupado, João não tem tempo para realizar tais atividades diretamente em agências, fica surpreso com a cobrança de uma taxa de serviço, quando, à época, ao perguntar ao gerente do banco, fora informado que nada seria acrescido a sua conta

    6 AZEVEDO, 2004, p. 376: “Os danos sociais, por sua vez, são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição de sua qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as con-dições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral de pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população”.

    7 MORAES, 2006, p. 246: “Sob esta perspectiva constitucionalizada, conceitua-se o dano moral como a lesão à dignidade da pessoa humana”.

    8 AZEVEDO, 2004, p. 375: “A segurança, nem é preciso salientar, constitui um valor para qualquer sociedade. Quanto mais segurança, melhor a sociedade, quanto menos, pior. Logo, qualquer ato doloso ou gravemente culposo, em que o sujeito ‘A’ lesa o sujeito ‘B’, especialmente em sua vida ou integridade física e psíquica, além dos danos patrimoniais ou morais causados à vítima, é causa também de um dano à sociedade como um todo e, assim, o agente deve responder por isso. [...] A ‘pena’ – agora, entre aspas, porque no fundo, é reposição à sociedade -, visa restaurar o nível social de tranqüilidade diminuída pelo ato ilícito”.

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    habitual. Após realizar os cálculos de quanto teria desembolsado em três anos, reparou que os gastos mês a mês não impactavam tanto em seu orçamento – por isso não havia notado a situação velada -, mas que, ao final, isso correspondia à importância significativa, que poderia ser utilizado para cobrir outras obrigações. Sentindo-se fragilizado ante o poderio do banco, mesmo questionando seu gerente, não obteve resposta posi-tiva, restando-lhe o amparo do poder judiciário, que, não se sabe quando, poderá ter tais valores recuperados.

    Fatos como este supracitado repetem-se diuturnamente, sem controle prévio e apropriado, deixando o consumidor convencido que os esforços empregados para tal fim podem resultar em algo assaz desgastante. Tendo sua esfera existencial já fortemente atingida pelo ato em si, ainda pode se ver mais envolvido em razão das tentativas, digamos, estéreis.

    3. O APARELHAMENTO NOCIVO E SISTEMÁTICO DO “DANO EFICIENTE”.

    Notórios, nos meios midiáticos, os abusos cometidos por empresas de grande poder socioeconômico, como é o caso de companhias aéreas, operadoras de telefones, dentre outras. Mais alarmante que isso é sa-ber que os casos se repetem, que as mesmas empresas mantêm suas atividades desvirtuadas porque não há controle eficaz9.

    O fato é que, por não haver freios legais, acostumam-se a desempenhar suas atividades sem qualquer apego à vida humana. É dizer que as suas decisões serão sempre orientadas pelos resultados econômicos. Se os ganhos compensam, descarta-se a condições psicofísicas dos indivíduos envolvidos, podendo os lesantes, então, submeterem-se às possíveis ações judiciais – quando algum lesado tiver disposição para tal -, e se for condenado, deverá pagar o quantum arbitrado em juízo, de caráter compensatório.

    Vislumbrando as quantias de indenização que porventura surjam, os lesantes têm segurança em sa-ber o patamar que irá interferir em seu orçamento. Porque as indenizações compensatórias são antecipada-mente cognoscíveis, estes entes, alheios aos resultados que podem ser devastadores, raciocinam que o lucro compensa.

    É nesse sentido que se opera o “dano eficiente”, na concepção de César Fiúza (FIÚZA apud PIMEN-TA e LANA, 2010, p. 128)10. O agente lesante encontra campo lacunoso – em legislação – para aplicar o seu intento, sem se ater ao princípio jurídico mais importante, a dignidade da pessoa humana, insculpida no art. 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, norma que rege todo o ordenamento brasileiro.

    Por controlar todo o processo danoso, os custos das operações etc., o lesante chega a tranquila con-clusão que os custos com a readequação do produto, em se tratando, por exemplo, do recall, seria muito mais dispendioso que manter a situação como está, sujeitando-se, se for a hipótese, às possíveis indenizações compensatórias, e se condenado for.

    Pela insignificância, e ante o poderio econômico do lesante, na maioria das vezes estas mesmas empresas pressionam a realização de acordos, e logo no início, sem conferir o potencial lesivo do mérito da questão, já são encerrados inúmeros casos. Restam, portanto, alguns poucos que, ao final, não conseguirão efetivamente exprimir os caráteres dissuasivo, exemplar e punitivo, em face da conduta.

    9 FARIAS, ROSENVALD e NETTO, 2014, p. 411: “[...] As estatísticas demonstram que o Poder Judiciário e, especialmente os juizados especiais, converteram-se em repositórios de demandas de responsabilidade civil. Assombra a reiteração de demandas contra os mesmos réus, pelas mesmas práticas reveladoras de um profundo descaso com os seus clientes e a sociedade. Há uma subversão axiológica, haja vista que a lógica puramente patrimonialista e individualista – de uma racionalidade estritamente eco-nômica -, paira sobre situações jurídicas existenciais e metaindividuais. A eventual reparação de danos será um preço previamente conhecido e contabilizado pelo lesante”.

    10 FIÚZA apud PIMENTA e LANA, 2010, p. 128: “Fala-se, por fim, em dano eficiente e dano ineficiente. Ocorre dano eficiente, quando for mais compensador para o agente pagar eventuais indenizações do que prevenir o dano. Se uma montadora verificar que uma série de automóveis foi produzida com defeito que pode causar danos aos consumidores, e se esta mesma empresa, após alguns cálculos, concluir ser preferível pagar eventuais indenizações pelos danos ocorridos, do que proceder a um recall, para concertar o defeito de todos os carros vendidos que forem apresentados, estaremos diante do dano eficiente”.

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    Para melhor aclarar o tema, vale lembrar o emblemático caso Pinto Case em que a Ford produziu car-ros em formato de pinto, como o próprio nome sugere, onde o arranjo e qualidade das peças não condiziam com a segurança desejada. Assim, em virtude de acidente no qual houve a morte do condutor, além de graves lesões nos passageiros, chegou-se ao poder judiciário dos EUA a questão, momento em que ficou constatada a má colocação do tanque de combustível, assim como a fragilidade do material empregado, o que ocasionou o evento trágico.

    Comprovou-se, ademais, inclusive certificado pelo dono da empresa em audiência, que era do conhe-cimento da Ford o aludido problema, contudo, em razão da alteração do design do produto para a reformula-ção, seria melhor se submeter às possíveis indenizações, se fosse o caso, pagando as quantias compensatórias.

    Consternado com a desconsideração à vida, o Tribunal da Califórnia determinou a condenação em indenizações de caráteres compensatório e punitivo, esta muito mais acentuada, com o intuito de provo-car verdadeira repressão ao comportamento praticado e aviso aos demais pretensos lesantes (LOURENÇO, 2008, p. 4 e 5).

    Logo, a lei não pode dispor de espaços que facilitem as citadas manobras. De tal modo que se impõe o auxílio da análise econômica do Direito para dirimir estas falhas, direcionando o estudo, a feitura, e a apli-cação da norma para eliminar do lesante a visão restrita da racionalidade econômica. Com isso, as atividades serão enformadas a atingirem a eficiência, sem, contudo, dar margem aos danos11.

    4. O DIÁLOGO ENTRE SISTEMAS COMO FORMA DE APLACAR DIFERENÇAS E FOMENTAR GANHOS SOCIAIS.

    No sistema anglo-saxônico, o common law desenvolveu-se ferramenta a ensejar a responsabilização do agente através de uma pena civil, os designados punitive damages. Tal instrumento, além de vir acompa-nhado à compensação do lesado, tem por fulcro a penalização à conduta lesiva e servir de exemplo para que os demais desistam de tal iniciativa.

    Mesmo diante de toda resistência do sistema civil law em acolher tal instrumento, atendendo-se às reservas e adequações pertinentes, frise-se: não há mais razão para o distanciamento entre sistemas, vez que o fim será sempre a proteção humana, através do reconhecimento pleno da dignidade da pessoa humana. Além disso, a função punitiva da responsabilidade civil proporciona o versátil enlace social do instituto, que pode, ao mesmo tempo, servir de controle preventivo e pena civil.

    Reflexo dessa imprescindível tutela social desponta cada dia mais, sobretudo no poder judiciário bra-sileiro, soluções voltadas a desestimular tais condutas lesivas, ainda que as condenações hodiernas, nem de perto, possam ser comparadas àquelas aplicadas, mormente, nos EUA12.

    Por sua relevância, expõe-se o inteiro teor de trecho de recente decisão de primeiro grau de jurisdi-ção, no Estado do Ceará, por meio da qual o magistrado salienta o papel punitivo da indenização pela respon-sabilidade civil, instrumento regulador da conduta social: “Também, deve a indenização servir de advertência ao ofensor, evitando-se, dessa forma, a reincidência, exteriorizando seu caráter punitivo e preventivo, através da fixação de um valor razoável” 13.

    11 PIMENTA, 2006, p. 169: “O que pressupõe a análise econômica do Direito é que a conduta legal ou ilegal de uma pessoa é decidida a partir de seus interesses e dos incentivos que encontra para efetuá-la ou não. Parte-se da premissa que os agentes – su-jeitos de direito – irão conduzir-se diante da legislação de forma a fazer a escolha que incorra em uma melhor relação quantitativa entre os custos e riscos envolvidos e os possíveis benefícios (escolha baseada no critério eficiência)”.

    12 MINAS GERAIS, 2011: “No que se refere ao quantum indenizatório referente ao dano moral, a despeito de não ser expres-samente adotada por nosso ordenamento jurídico a doutrina norte-americana do punitive damages, é lugar comum na doutrina e na jurisprudência que a indenização deve levar em conta o dano, a capacidade econômica da vítima e do agente, bem como o viés pedagógico da indenização, capaz de desestimular a reiteração da conduta social indesejada”.

    13 (SENTENÇA, 2015, p. 332).

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    CONCLUSÃO

    Há de se acolher o que de bom se construiu em tradição alienígena, como bem assevera Nelson Rosenvald (ROSENVALD, 2014, p. 165), porque os ganhos sociais serão sempre maiores que a precipitada inobservância14.

    Guardadas as proporções regionais e culturais, que devem ser respeitadas, a função punitiva atende-rá, inclusive, à função social da responsabilidade civil, maior contributo a ensejar que se evitem, preventiva-mente, a incidência do dano, estando, pois, mais condizente com os ditames da cláusula geral da dignidade da pessoa humana.

    Com a função punitiva, o sujeito sentir-se-á mais seguro, de que haverá a resposta apropriada do po-der judiciário, além disso, os demais entes de poderio econômico e social saberão o revés legal aposto às suas más condutas. Concomitante a isso, também, observe-se: o pretenso lesante não terá como calcular possíveis vantagens econômicas que existiriam se se sujeitasse, eventualmente, às condenações judiciais, como no caso de indenizações compensatórias, ao invés de conferir ao produto ou ao serviço os ajustes necessários à segurança do consumidor, porque as indenizações de caráter punitivo não podem ser avaliadas de modo antecipado.

    Assim, ficam evidenciadas a eficiência e a segurança jurídica determinadas pela função punitiva da responsabilidade civil, tendo em conta que o dano eficiente não mais poderá se formar, desmontando, com isso, o arranjo perigoso inclinado a causar o dano social, grande mal da atualidade.

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    14 ROSENVALD, 2014, p. 165: “As fronteiras foram rompidas. Não há como preservar a intransponível dicotomia entre a civil law (romanística, codificada e identificada por um ordenamento legislativo) e a common law (não romanística, não codificada e identificada em um ordenamento judiciário), tal como se fossem universos apartados. A nacionalidade do direito privado se revela um obstáculo às relações econômicas, cada vez mais intensas, entre cidadãos e empresas de países e sistemas jurídicos diversos. Ademais, a pureza metodológica ficou no passado. As nações da common law recorrem à legislação, assim como os Estados filiados ao civil law concedem paulatina importância à construção do direito pelos tribunais e pelos costumes”.

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    GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 3d., São Paulo, 1997.

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    SENTENÇA de 1º Grau de Jurisdição. 27ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, Estado do Ceará. Processo nº: 0543433-35.2012.8.06.0001. Classe: Procedimento Ordinário. Requerente: Anadir Espindola Barreto e outro. Requerido: Coelce – Companhia Energética do Ceara. Juiz de Direito Dr. Jose Cavalcante Junior. De-cisão datada de 14/09/2015 e publicada em 16/09/15, no Diário da Justiça, em página de n.º 332.

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    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO:Direito(s) em debate.

    JUDICIAL DO DIREITO SOB A ÓTICA DA TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO:

    IMPLICAÇÕES NO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

    ALEXANDRE HENRIQUE TAVARES SALDANHAEspecialista, Mestre e Doutorando em Direito pela UFPE. Professor da Universidade Católica de Pernambuco e das Faculdades Integradas Barros Melo. Advogado membro da comissão de propriedade intelectual da OAB/PE.

    VICTOR RAFAEL ALVES DE MATTOSAcadêmico em Direito pela AESO Barros Melo.

    SUMÁRIO: Introdução; 1. Hermenêutica filosófica; 2. Müller e a jurisprudência hermenêutica; 3. Pré-Compreensão; 4. Circularidade hermenêutica; 5. Segurança jurídica e metódica. Conclusão. Referências.

    INTRODUÇÃO

    Esta pesquisa tem como objetivo analisar as estruturas motoras da hermenêutica tratada por Müller e a Jurisprudência Hermenêutica para contrastar com o princípio da segurança jurídica. A pergunta norte-adora dessa pesquisa é se este recente movimento hermenêutico, baseado nas ideias de Heidegger e Gada-mer, oferece segurança jurídica. Esta pergunta, portanto, não pode ser compreendida como se estivéssemos abordando uma proposta política, pois a hermenêutica filosófica não prescreve elementos axiológicos, mas, descritivos.

    Müller se insere no contexto pós-guerra e toma para si o desafio de indagar e romper1 com o positivis-mo jurídico, especialmente o kelseniano. Isso faz de Müller, necessariamente, um pós-positivista.

    A fonte primordial de Müller para desenvolver suas ideias foram bastante profundas, visto que a her-menêutica filosófica em seu tempo estava em processo de transformação paradigmática bastante elementar. Heidegger findou com a hermenêutica ontológica e Gadamer seguiu essa característica. Em uma metáfora simples, diz-se que a hermenêutica sofreu uma mudança instrumental. O sujeito outrora utilizava de uma luneta, necessitava enxergar toda a mínima essência daquele objeto para auferir uma verdade sobre este. Devido às frequentes falhas deste método, a “nova” hermenêutica utiliza espelhos em volta do objeto, pois não há mais dissociação pura entre sujeito e objeto no processo de compreensão.

    1. HERMENÊUTICA FILOSÓFICA.

    O termo “hermenêutica” origina-se do deus grego ‘Hermes’. A este cabia a função de mensageiro dos deuses, interpretando suas mensagens àqueles que não poderiam compreendê-la. Como rotineiramente pontua Lênio Streck, nunca se soube o que os deuses realmente disseram, mas o que Hermes interpretou. Esta alegoria permite-nos concluir a atual função da hermenêutica contemporânea. Sob a ótica desta a on-tologia é descartada para dar lugar ao analítico, a ““essência” é apenas, ela própria, uma palavra que ganha sentido num contexto linguístico” (FERRAZ JR., 2015).

    1 Este rompimento não significa total abdicação das ideias contidas na obra Teoria Pura do Direito.

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    A hermenêutica “se restringia a tarefa de fornecer às ciências declaradamente interpretativas algu-mas indicações metodológicas, a fim de prevenir, do melhor modo possível, a arbitrariedade no campo da interpretação” (GRONDIN, 1999). Isto implica em dizer que em todo momento da história em que fora ra-cionalizado metodologias interpretativas pode-se falar em hermenêutica no seu sentido amplo.

    O caráter usado na antiguidade até o século passado tinha a função basilar de descobrir, pois acredita-va-se que havia um significado real e verdadeiro para os componentes da vida, fenômenos e textos. Juridica-mente estas ideias extremaram no positivismo clássico, onde a lei seria aplicada à determinado caso através do método dedutivo, sendo a interpretação normativa restrita ao uso de técnicas interpretativas pré-estabe-lecidas a todo e qualquer processo decisório.

    Hodiernamente o fator fulcral está centralizado na ‘compreensão’. Schleiermacher pode ser indicado como um daqueles que universalizaram a sistemática elaborada por Lutero, buscando o entendimento do texto com a vinculação do significante para com o respectivo autor. Este encarava como arbritrária o acrésci-mo de conteúdos próprios ao texto pelo intérprete (GRONDIN, 2002 apud SCHROTH).

    Há também a colaboração de Dilthey, com seu enfoque psicológico, porém, apenas a partir de Heide-gger pode-se falar em compreensão hermenêutica nos moldes desenvolvidos por Gadamer.

    O desenvolvimento de Gadamer, destacado repetidas vezes por Müller são as condições de possi-bilidade da compreensão. Para que esta ocorra faz-se necessário haver a pré-compreensão. Isto porque o intérprete, no seu processo interpretativo, atrela-se a um fator orientador, cuja essencialidade é histórica e contextual. Assim, cada interpretação será uma aplicação do estado de consciência do intérprete. Eis porque a compreensão gadamariana não é um processo descritivo e reprodutivo, mas produtivo e criativo. A circula-ridade hermenêutica se pauta no ‘embate’ transcorrido entre o texto na sua tradição amparado de signos e a contribuição da consciência trazida pelo intérprete. “Portanto, o intérprete tem de saber que a interpretação de um texto é sempre uma aplicação ao presente” (GRONDIN, 2002 apud SCHROTH apud GADAMER).

    2. MÜLLER E A JURISPRUDÊNCIA HERMENÊUTICA.

    Classificar os movimentos contemporâneos hermenêuticos é, além de um árduo trabalho, impossível sistematizar com exatidão em diferentes grupos. Isto se dá pelo fato de não haver escolas, mas movimentos convergentes em determinados aspectos e influências. O autor utilizado como base teórica desta pesquisa enquadra-se na chamada “jurisprudência hermenêutica”. O termo é utilizado por Gustavo Just, em sua obra “interpretando as teorias da interpretação”. O motivo da sua escolha é justificado. “Jurisprudência” relacio-na-se com as teorias consagradas “jurisprudência dos conceitos” e “jurisprudências dos valores”. O termo seguinte denota o pensamento influente desta corrente, a filosofia hermenêutica.

    A jurisprudência hermenêutica surge a partir de um contexto antiformalista trazida pelo pós-positi-vismo. Nesta esfera são levantadas as bandeiras da práxis decisória e sua axiologia em sentido epistemoló-gico, demonstrando dessa forma um rompimento com as ideias centrais do positivismo. Aquele funda-se na ideia de que a norma e a realidade não podem ser estabelecidas em mundos paralelos. A norma não pode ser fundamentada e racionalizada pura e simplesmente através da subsunção, pois a realidade intervém no processo interpretativo.

    A partir desse novo paradigma é que a jurisprudência hermenêutica se estabelece pelas suas raízes da hermenêutica filosófica de Gadamer. Noções como “pré-compreensão”, “círculo hermenêutico”, são utiliza-das pelos teóricos desse movimento. Apesar disso, esta corrente não promulga uma interpretação filosófica, mas pela práxis e com o uso da dogmática.

    Não se pode confundir o uso de determinados elementos da filosofia com uma abordagem filosófica. Este movimento visa a metodologia prática da interpretação, sendo assim, o tratamento geral do direito, como encara Dworkin pela sua filosofia analítica, é destoante com a JH.

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    Veremos mais adiante que um comportamento comum dos teóricos da JH é a separação herme-nêutica em determinadas áreas do direito. Müller, em sua teoria estruturante, evidencia sua canalização na hermenêutica constitucional (Müller, 2007). Para este, a universalização da metodologia interpretativa é um erro, visto que a natureza de um determinado diploma possui características e celeumas próprios.

    3. PRÉ-COMPREENSÃO.

    A verificabilidade objetiva da decisão judicial se perfaz através de um caminho cuja base fulcral é a racionalidade. A visão da JH sobre a determinabilidade dos elementos compositores dessa racionalidade está aportada em um copo estrutural denso mais significativo e concreto do que aspectos mais específicos e divergentes da metódica de cada um dos autores dessa “escola”2.

    A estrutura elementar da JH é, em primeiro lugar, o “esclarecimento das condições e do potencial de rendimento da objetividade jurídica” (MÜLLER, 2011). O esclarecimento ocorre quando são expostos os fatores que participam da interpretação e concretização normativa, que são mais de um. Porém, primeira-mente, iremos tratar da pré-compreensão.

    A filosofia de Heidegger se pautava, dentre diversos aspectos hermenêuticos e fenomenológicos, a pré-estrutura da compreensão. Segundo Jean Grodin, Heidegger buscou estudar aquilo que estava por de-trás da elocução, logo, a pré-compreensão é uma estrutura fundamental do seu pensamento. Pode-se en-tender esta “que o “Dasein” se configura por uma interpretação que lhe é peculiar e que se encontra antes de qualquer elocução ou enunciado” (GRODIN, 2003). Basicamente, a pré-compreensão está presente em todo agente ao se debruçar sobre um objeto ao estuda-lo. Na ciência não é diferente, especialmente nas ditas humanas e jurídicas.

    Tomando a pré-compreensão como elemento indissociável de uma relação entre o sujeito e objeto sob a qual ideias pretéritas e específicas de um agente dentro daquilo que se é, aonde é e quando é, a JH adota como imprescindível não apenas a aceitação desta impossibilidade dissociativa, mas a exposição em cada tentativa de compreensão (concretização) normativa, o que Esser vai chamar de “tomada de consciência das condições fundamentais do seu trabalho” (1970).

    O caráter axiológico da pré-compreensão não pode ser visto como uma contradição às ideias metódi-cas e racional da interpretação. Parte-se do princípio de que todo intérprete não pode dissociar seu ser dos conhecimentos e valores inerentes à sua formação e visão de mundo. Como alude Gustavo Just:

    A consciência metodológica deixa patentes os fundamentos verdadeiramente decisivos da interpretação e os torna acessíves à crítica, enquanto a ilusão da suficiência do mero silogismo dos métodos compromete, na realidade, toda possível autonomia jurídica da decisão relativamente às tentativas políticas e ideológicas de usurpação instrumental da norma

    A consciência dos elementos axiológicos não entrega o direito à política, pois, como enfatiza Esser, o que causa perigo ao direito é o obscurecimento desse elemento. A partir do momento em que há a tomada de consciência, pode-se exigir maior fundamentação racional do intérprete, levando consequentemente a um maior controle racional da decisão judicial. Não há como falar em método racional sem objetivar a redução da subjetividade do intérprete, e a tomada de consciência é um dos primeiros passos para a compreensão do processo decisório em seu aspecto psicológico e factual. Como bem colocado pelo professor Andreas Krell “o objetivo do método é reduzir a subjetividade do intérprete, possibilitar o seu autocontrole e “direcionar o seu agir para caminhos previsíveis” (2014 apud SCHMITT GLAESER, 2004, p. 139 ss.; STRAUCH, 2001, p. 200 s.).

    2 Como já descrito neste artigo, a JH não é considerada como uma escola de pensamento pela ausência de aspectos formadores.

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    A dificuldade maior, como aponta Müller:

    começam quando os preconceitos produtivos, que ensejam materialmente a compreensão, devem ser separados dos que impedem a compreensão corre-ta, a concretização conforme a norma. Essa separação não pode se dar ante-riormente; ocorre na própria compreensão. Assim a reflexão e racionalização dos preconceitos tanto produtivos quanto destrutivos – vistos do ângulo da norma – se torna igualmente uma tarefa da teoria estruturante da norma.

    Sob esse argumento que Müller enfatiza o aspecto elucidativo e introducionista dos elementos da pré-compreensão na fundamentação do intérprete.

    4. CIRCULARIDADE HERMENÊUTICA.

    Como tratado anteriormente, a pré-compreensão compõe a estrutura da racionalidade do intérprete. A consciência da sua existência é um passo necessário na formulação do pensamento da JH, entretanto, esta por si só não elimina por completo a indeterminação do direito.

    A doutrina formalista, sobretudo em seu raciocínio de codificação e positivismo3 não obteve êxito ao aplicar medidas de exacerbação de um direito legislado, acreditando na ideia de que poderia complementar e determinar o direito previamente ao juiz. Kelsen, por sua vez, avançou nesta problemática quando aludiu:

    A ideia de que é possível, através de uma interpretação simplesmente cog-noscitiva, obter Direito novo, é o fundamento da chamada jurisprudência dos conceitos, que é repudiada pela Teoria Pura do Direito. A interpretação simplesmente cognoscitiva da ciência jurídica também é, portanto, incapaz de colmatar as pretensas lacunas do Direito (2009).

    De fato, a jurisprudência dos conceitos demonstrou exatamente como não há possibilidade de prever com exatidão uma decisão jurídica. Faltou a Kelsen desenvolver o processo decisório hermenêutico.

    Assim, a proposta da JH se dá em analisar a indeterminação do direito legislado que caminha ao di-reito aplicado. Busca-se a partir de agora superar o mero preenchimento e enrijecimento do direito legislado, pois, o entendimento da JH se pauta no fato de que, todo esse processo de aplicação4 deve ser pensado sob a circularidade hermenêutica. Isso resulta em um estudo não mais linear e hierárquico, mas simultâneo e dialético.

    A medida que se examina os pressupostos e enfoque analítico da JH fica mais notório sua influência filosófica. Gadamer esboçou a respeito da circularidade hermenêutica que ocorre nos diversos campos cien-tíficos, argumentando acerca da compreensão dialética, formulada pela pergunta e resposta constante no processo interpretativo.

    O caráter noético da hermenêutica anterior a Heidegger está pautada em um processo linear da interpretação e pela busca ontológica através do método racional. Basicamente o positivismo científico5. O processo dialógico gadameriano opera sob uma perspectiva de questionamento entre o intérprete e o objeto para fins de compreensão. Compreender, para Gadamer, significa aplicar um sentido aos nossos questiona-mentos. Isso não significa que nossos questionamentos remeterão à uma compreensão objetiva e pura de um

    3 Aqui faz-se importante as recomendações de Norberto Bobbio em não confundir positivismo com positivação. Aquele é uma “doutrina jurídica segundo a qual não existe outro direito senão o positivo” (BOBBIO, 2006). Esta significa o direito descrito e posto, particular, temporal e mutável.

    4 Nesse caso, a aplicação normativa é chamada por F. Müller de “concretização”.

    5 Não confundir o positivismo científico com o jurídico. Apesar de alguns aspectos semelhantes, estes dois movimentos possuíam diferenças significativas não apenas no seu objeto, mas em suas ideias também.

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    sentido, pois o ser (intérprete) é o sujeito mediador entre o objeto e a compreensão. E como já mencionado no capítulo anterior, o ser é constituído de uma pré-estrutura compreensiva substancial.

    Esses elementos sustentam uma posição contrária ao historicismo objetivo sob a ótica aplicacionista. Em épocas diferentes é comum a compreensão diversa das pretéritas sobre um mesmo texto, visto que o processo dialógico e questionador remeterá aos problemas presentes, ocasionando uma dependência rígida entre o significado6 e o tempo em que o sujeito o atribui. Para os juristas é importante uma argumentação neste sentido, ainda que o leitor discorde dessa posição. O argumento historicista causa diversas desconexões sociais entre o texto legal e a composição real dos fatos presentes. Se compreender é questionar-se sobre um problema presente, a partir de um intérprete vivente neste presente, a sua compreensão não será capaz de destoar do entendimento presente.

    O teor simultâneo trazido por Gadamer revela-se como corolário de uma compreensão formulada essencialmente no questionamento. Um enunciado elocutivo trará pressupostos materiais (conteúdo) insu-ficientes para uma compreensão participativa. Haverá simultaneidade quando o agente pensar simultanea-mente nos pressupostos.

    A partir deste panorama torna-se mais clarificado as ideias da JH. Sob a ótica do Direito não é neces-sário nem recomendado seguir puramente o raciocínio de Gadamer, haja vista que esta fora feita dentro do âmbito filosófico. Porém, sem a estrutura filosófica hermenêutica não é possível compreender a JH.

    Esta, por sua vez, utilizou da circularidade e seus pressupostos para superar o entendimento kel-seniano de que norma e realidade residem em esferas intocáveis. Ou seja, a JH não se preocupou apenas em conscientizar os pressupostos do raciocínio jurídico, mas em demonstrar que os dois lados jurídicos se entrelaçam na sua esfera interpretativa. A norma e o fato são, assim, indissociáveis, sendo necessário para uma compreensão racional a influência mútua da realidade e o texto normativo. A simultaneidade ocorre pela análise mútua entre o norma e fato em contraponto a linearidade apresentada por Kelsen. Para ilustrar melhor, Kaufmann trouxe um exemplo dessa simultaneidade e pré-compreensão no direito penal:

    O ácido clorídrico não é, nem nos termos estritos da letra da lei, nem segun-do o sentido possível da palavra [..], uma arma. Por outro lado, o apuramento da matéria de facto sem referência a uma norma não conduz à questão de saber se o ácido clorídrico é uma arma. Só se será confrontado com esta questão, se se ‘pré-compreender’ o acontecimento como um possível caso de roubo qualificado. Se se ‘pré-compreender’ o caso diferentemente, porven-tura como tentativa de homicídio, não importa saber se o ácido clorídrico é uma tentativa de homicídio, não importa saber se o ácido clorídrico é uma ‘arma’. Vemos que sem pré-compreensões razoáveis nunca se chega aos pro-blemas jurídicos relevantes. Também é fácil de identificar, aqui, o ‘círculo’ do processo de compreensão: só quando eu sei o que é roubo qualificado, posso entender o caso concreto como um caso de roubo qualificado; todavia, não posso saber o que é roubo qualificado sem uma análise correcta do caso concreto (2002).

    Como Gustavo Just bem coloca, esse raciocínio desmonta a ideia de que a norma possa ser determi-nada abstratamente, sendo toda interpretação é aplicação. Seu sentido será buscado a partir da solução do caso concreto.

    5. SEGURANÇA JURÍDICA E METÓDICA.

    A segurança é um fator almejado pelo ser humano sob um espectro global, dentre os quais inclui-se a modalidade judicial. A estrutura do Estado é articulada sob o enfoque de defender e preservar a segurança dos que o constituem. Avançando para o Estado democrático de direito este princípio, especialmente na sea-

    6 É importante que o leitor tenha sempre em mente a sinonímia entre sentido (compreensão) e aplicação na visão gadermaria-na. Uma aplicação do sentido é o item finalizador do processo interpretativo.

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    ra judicial, recebe espaço ainda maior e efetivo. Um Estado sem insegurança jurídica flerta com o Estado de natureza, haja vista ser o poder judiciário a ultima ratio das soluções de litígios públicos e privados.

    Encontrar segurança dentro de um Estado para que seu povo possa prosseguir os atos da vida civil e profissional é o caminho da civilidade. Por isto, acerta J. J. Calmon de Passos quando profere: “civilizar-se é colocar imune ao arbítrio e isto só é possível quando deixamos de nos submeter ao governo dos homens e passamos a obedecer a um conjunto de regras” (1999). Nota-se o fator objetivo almejado pelo autor, isto é, a vinculação do dever ao direito previamente determinado.

    Para fins desta pesquisa, trabalharemos essencialmente com a divisão estabelecida por Tércio Ferraz Jr, dividida em duas formas, sendo a função-certeza “a determinação permanente de efeitos que o ordena-mento jurídico atribui a um dado comportamento, de modo que o cidadão saiba ou possa saber de antemão a consequência de suas próprias ações”, e função-igualdade seria “um atributo da segurança que diz respeito não ao seu conteúdo, mas ao destinatário das normas” (1981).

    Sob o contexto hermenêutico da JH, quando se fala especialmente da circularidade hermenêutica e sua dependência recíproca do caso prático, resulta inevitável cogitar a insegurança que esta conduta tenderá a gerar ainda mais com o fomento dessas ideias. Nesse aspecto não há homogeneidade entre os pensamentos de cada autor. Afinal, como almejar um sistema judicial previsível?

    Um dos requisitos trazidos por Canotilho é o da exigência da clareza das leis, “pois de uma lei obs-cura ou contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido inequívoco, capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto” (1993). Esta é uma visão primária de um consti-tucionalista. Müller adota a metódica como via racional e passível de maior verificação objetiva da decisão.

    Como já exposto em capítulos anteriores, a JH não acredita ser possível a total previsão normativa (da mesma forma que pensou Gadamer e Heidegger). Isso seria contrastante com a estrutura do seu pensamen-to. Todavia, como alertou João Maurício Adeodato e o próprio Müller, na contemporaneidade não é mais ca-bível a pergunta maniqueísta, respaldada em uma mera afirmação ou negação da previsibilidade. Atualmente discute-se o grau de racionalidade, assim como o grau de previsibilidade normativa.

    O tracejo da aplicação7 normativa é desenvolvido pela metódica, motivada a “direcionar o seu agir para caminhos previsíveis” (Krell, 2014 apud SCHMITT GLAESER, 2004; STRAUCH, 2001). Dessa forma, o intérprete deve revelar o máximo possível seu processo interpretativo, demonstrando as etapas metodoló-gicas que seguiu. Esse processo interpretativo, para ser válido, deverá demonstrar a vinculação da produção substancial decisória com a norma.

    A função da metódica é, em essência, de demarcar um caminho verificável do processo de aplicação para reduzir qualquer abuso decisório, ocasionando no ferimento ao princípio da segurança jurídica. Um texto normativo não pode ser interpretado de inúmeras formas, tão somente contraditórias, por uma mesma corte, sob pena de violar a confiança do cidadão8. Na visão de Andreas Kreel (2014), o problema desta inter-pretação difusa pela corte brasileira está na

    pré-compreensão individual, que naturalmente varia, sofre pouca orientação e consolidação por parte da doutrina jurídica nacional sobre os métodos in-terpretativos, em que diferentes escolas se digladiam, sem causar, contudo, maiores efeitos em relação ao trabalho prático da aplicação do Direito.

    Esses argumentos demonstram que a interpretação não pode ser inteiramente racionalizada, visto que sempre haverá fatores irracionalizáveis. Porém, como já mencionado, importa saber o grau de racionali-dade possível a ser aplicável na metódica.

    7 Ou concretização, a depender da nomenclatura utilizada pelo autor.

    8 Nomenclatura utilizada por Canotilho em seu curso de Direito Constitucional.

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    Müller identifica também que a metódica não é capaz de alcançar uma racionalidade universal e ab-soluta, mas, assim como os cânones da interpretação, sua limitação não deve significar uma postura radical de exclusão, mas, de adotá-lo conhecendo os limites do seu alcance e sua relatividade, pois, segundo o autor, “as figuras de método são indispensáveis como momento da aplicação do direito, que estabilizam, racionali-zam e facilitam a verificabilidade” (Müller, 2011).

    Dessa forma, todos os meios adotados pelo direito, tanto na linguagem quanto nos elementos mate-riais, este acúmulo, quando utilizado para marcar as etapas em que o intérprete percorre seu raciocínio, é indispensável, pois o grau de racionalidade e verificabilidade tenderá a ser maior.

    CONCLUSÃO

    Conclui-se dessa pesquisa que a segurança jurídica pode ser saciada menos em termos herméticos que em graus nivelares. O estudo das estruturas fora imprescindível para o estabelecimento do que se pretende aprofundar. Apesar da concretização hermenêutica lidar com a práxis jurídica, evitando confundir termos jurídicos com conceitos filosóficos, a proposta de Müller está encalcada em uma seara filosófica por demais complexa. Como nosso propósito fora questionar, existiu a necessidade de conhecer e expor as características estruturais da JH.

    Dessa forma, pode-se defender que sim, existe segurança jurídica neste contexto hermenêutica. En-tretanto, esta garantia não ocorrerá de maneira automatizada, mas com demasiado esforço do intérprete e aqueles que cooperam na formação da decisão.

    REFERÊNCIAS

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    BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 2006.

    CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993

    FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

    ________. Segurança jurídica e normas gerais tributárias. Revista de Direito Tributário, ano V, n. 17-18, jul.-dez, 1981,

    GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Petrópolis, RJ : Vozes, 1997.

    GRONDIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. São Leopoldo, RS: Ed. UNISINO, 1999.

    JUST, Gustavo. Interpretando as teorias da interpretação. São Paulo: Saraiva, 2014.

    KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. (ORG.). Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

    KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009

    KRELL, Andreas. Entre desdém teórico e aprovação na prática: Os métodos clássicos de interpretação jurí-dica. São Paulo: Revista Direito GV 10 (1), 2014.

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    MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. 3. ed. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2011.

    _________. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

    PASSOS, J. J. Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: Julgando os que julgam. Rio de Janeiro: Meridio-nal, 1999

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    RACIONALIDADE METÓDICA E PROCEDIMENTAL NA CRIAÇÃO JUDICIAL SOB A ÓTICA DA TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO:

    IMPLICAÇÕES NO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

    ALEXANDRE HENRIQUE TAVARES SALDANHAEspecialista, Mestre e Doutorando em Direito pela UFPE. Professor da Universidade Católica de Pernambuco e das Faculdades Integradas Barros Melo. Advogado membro da comissão de propriedade intelectual da OAB/PE.

    SUMÁRIO: Introdução; 1. Liberdade de expressão na Internet; 2 Direitos Autorais e limites à cria-ção de bens culturais; 3 Cibercultura e participação: novos modelos de Direitos Autorais para novas dimensões das liberdades de comunicação; Considerações Finais; Referências.

    INTRODUÇÃO

    As contemporâneas tecnologias da informação provocaram, e continuam provocando, diversos im-pactos nos comportamentos sociais, na produção econômica, no sistema legal e em praticamente quaisquer setores do convívio humano. No que diz respeito ao Direito, são diversas também as consequências do de-senvolvimento tecnológico na forma como alguns direitos são interpretados, aplicados, e ainda na própria criação de “novos” direitos para novos tempos. A cibercultura, expressão que faz referência a este momento de relacionamento hiperdimensionado entre homem e tecnologias digitais, se caracteriza por novos hábitos, novos comportamentos, novas exigências sociais etc. Daí produzir tantos impactos no desenvolvimento do sistema jurídico.

    Nestes tempos de internet, compartilhamentos digitais e microprocessadores realmente “micros”, a produção e o acesso à informação adquire uma nova proporção, pois os mecanismos e ambientes propícios a lançar e adquirir informações, para comunicar e ser comunicado, são facilmente dispostos, encontrando-se disponíveis em, por exemplo, qualquer aparelho moderno de telefones celulares que possam acessar a rede mundial de computadores e as redes sociais. Ou seja, com a devida inclusão digital, todos poderão acessar informações antes restritas a alguns meios, ou poderão produzir informações, o que estaria anteriormente reservado a determinadas categorias profissionais e classes sociais.

    Com essa ampla possibilidade de comunicações, a internet permite que cada um lance suas opiniões, expresse suas opções artísticas, obtenha informações de seu interesse e crie algo. Justamente nessa última possibilidade, a de criar algo que esteja afim, é que podem residir problemas com limitações impostas pelo próprio sistema. Na verdade, a liberdade de expressão proporcionada pelas práticas cibernéticas recebe di-versos tipos de supressão, seja pelos direitos civis (danos morais e à imagem, por exemplo), pelos direitos penais (a exemplo dos crimes contra a honra), pelos fundamentais previstos na constituição (como a privaci-dade) e outros. O problema que envolve o exercício da criatividade em ambiente virtual reside nas questões de propriedade intelectual e adequação dos modelos legais de direitos autorais para tempos de cultura de compartilhamento, de convergência, de participação etc.

    Este trabalho propõe uma discussão sobre a supressão provocada pelos direitos autorais sobre a liber-dade de expressão proporcionada pelos mecanismos da internet. A hipótese trabalhada é a de que o modelo

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    tradicional de direitos autorais não é adequado para novos comportamentos típicos da cibercultura, princi-palmente aqueles que estão associados a liberdades fundamentais garantidas tanto em plano constitucional, quanto em instrumentos de proteção a direitos humanos. O objetivo não é defender uma extinção de direitos autorais, mas sim uma adaptação destes a novos modelos, a novas culturas. O que é possível, pois já há ins-trumentos juridicamente permitidos que trabalham com novas tutelas da propriedade intelectual.

    1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA INTERNET.

    Foge das pretensões de um trabalho desta dimensão conceituar objetivamente expressão tão comple-xa como liberdade, mas é necessário frisar ao menos o caráter ambíguo da dimensão jurídica de liberdade, pois reflete um esquema de liberdades x não-liberdades. Esta palavra vem sendo usada para significar a va-loração dada a ações, políticas, culturas ou instituições, considerando-as de importância fundamental, ainda que seja um ato de obediência ao direito positivo, ou a satisfação de interesses econômicos. (BOBBIO, 1986, p. 708).

    Por mais complexo que seja a expressão liberdade (do ponto de vista jurídico) reflete sempre um relacionamento entre condutas e tratamentos legais, uma interação entre pessoas e entre pessoas e institui-ções. Reflete um esquema entre comportamentos permitidos (as liberdades) e os proibidos por lei (as não-li-berdades) e é justamente este esquema que vai caracterizar a sociedade “livre” e a relação que existe entre liberdade e estado democrático.

    Muitos crêem ser a democracia “uma sociedade livre”. Todavia, as sociedades organizadas de estruturam mediante uma complexa rede de relações parti-culares de liberdade e não-liberdade (nada existe parecido com a liberdade em geral. Os cidadãos de uma democracia podem ter a liberdade política de participar do processo político mediante eleições livres. Os eleitores, os par-tidos e os grupos de pressão têm, portanto, o poder de limitar a liberdade dos candidatos que elegeram. A democracia exige que as “liberdades civis” sejam protegidas por direitos legalmente definidos e por deveres a eles correspon-dentes, que acabam implicando limitações da liberdade. (BOBBIO, 1986, p. 710).

    Se por um lado as liberdades estão previstas tanto no rol de direitos fundamentais previstos em cons-tituições federais e nas declarações internacionais de direitos humanos, elas vão encontrar limites em outros direitos ou outros valores também previstos no direito. É nessa “equação” que encontram-se as dimensões da liberdade, ou em outros termos, é nesse balanço que serão encontrados as reais possibilidades de comporta-mentos livres.

    Contemporaneamente, é possível analisar as questões que envolvem liberdades tanto em perspectiva otimista quanto pessimista. É possível falar em declínio das liberdades diante de ameaças a elas vindas tanto de representantes do poder público quanto de grupos de interesses, por causa de questões como crescimento da violência, desenvolvimento industrial, valoração das tecnologias e outros fatores. Em perspectiva oposta, a de evolução, as liberdades vêm sendo cada vez mais afirmadas e repetidas tanto em documentos jurídico de eficácia nacional quanto nos de alcance internacional, e estes últimos não se resumem às declarações universais. (RIVERO, 2006, p. 5).

    Sem entrar na discussão de perspectivas otimistas ou pessimistas, vale ressaltar que dentre os inú-meros problemas que envolvem as liberdades, dentre elas há as que sofrem consideráveis impactos da con-temporânea cibercultura e que requer enfrentamentos específicos para melhor tutela, qual seja, a liberdade de comunicação e expressão. Dentro do esquema anteriormente mencionado da relação entre liberdades e não-liberdades, é necessário analisar quais são os comportamentos de comunicação e expressão atualmente permitidos e quais não o são. Incluindo na análise a questão de identificar se as não-permissões são compa-tíveis com as exigências sociais de tempos de sociedade de informação.

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    Apesar de ser historicamente mais conhecida e de fazer parte, inclusive, do senso comum sobre o assunto das liberdades individuais, a liberdade de expressão não é a única liberdade associada à livre mani-festação do pensamento. O desenvolvimento histórico dos comportamentos sociais e das revoluções tecnoló-gicas fez serem identificadas outras liberdades, daí hoje falar-se em liberdade de comunicação e liberdade de informação, além da liberdade de criação. Falar em liberdade de expressão representa o direito que todos têm de livremente manifestar suas ideias, pensamentos, posições religiosas, ideológicas etc., o que é diferente da liberdade de comunicação, pois esta concede o direito de comunicar e ser comunicado, além de divulgar e receber informações. A liberdade de informação então é uma decorrência da liberdade de comunicação, porém com ênfase aos direitos fundamentais de informar algo, de se informar e de ser informado. (FARIAS, 2007, p. 172).

    Quanto à liberdade de informação, a própria declaração universal dos direitos humanos, em seu ar-tigo 19, já prevê a liberdade de receber informações por quaisquer meios e sem limitações. A questão está em associar informação com exercício de cidadania, com o direito de todos serem informados sobre o que está acontecendo na sociedade, sobre fatos relevantes e, principalmente sobre conteúdos que transcendam as esferas do público e do privado, e atinja o nível de interesse geral. (FARIAS, 2007, p. 175). Uma vez infor-mados, os cidadãos terão condições de melhor participar da sociedade civil, de melhor interagir com o poder público e, de certa forma, melhor compreender as próprias características culturais de sua sociedade, além de produzir cultura. E isto pode não interessar a quem detiver poder.

    Assim como qualquer modalidade das liberdades, a de informação está sob diversos perigos, seja por exercício do poder público ou pelas próprias inter-relações entre particulares. Especificamente as de expres-são e informação envolvem interesses econômicos, seja por causa do valor da informação, ou por causa dos direitos que estão em conexão com as formas de expressão, como a privacidade e os direitos autorais. A ques-tão então residiria em atingir um grau de equilíbrio entre essas liberdades e os demais interesses envolvidos, ou supravalorizar uma coisa em detrimento de outra (valorizando a produção cultural ainda que diminuindo questões de direitos autorais, por exemplo). Esta hipótese representaria uma quebra de igualdade, mas “se deixamos de lado o dogma da igualdade jurídica das vontades privadas e nos voltamos às realidades, a fre-qüência das situações de dependência que permitem a quem se encontra em posição de superioridade impor sua vontade ao inferior fica evidente”. (RIVERO, 2006, p. 205).

    Se é da própria natureza das liberdades jurídicas conter contradições, criar dogmas, e se submeter a interesses e forças do poder público e de setores privados, no atual contexto da sociedade da informação, com sua intrínseca cibercultura, as liberdades de expressão encontram-se ainda mais repleta de problemas. Isto porque se o ambiente digital cria diversos mecanismos para se expressar e para exercer as liberdades de informação, diversas também são as barreiras legais e econômicas que, de