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ANTÔNIO VALDIR VIAN NOVO SINDICALISMO: Crise e perspectivas na sociedade brasileira contemporânea Dissertação apresentada à Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões / Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Programa de Pós-Graduação em História, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Estudos de História Latino-Americana. Orientador: Prof. Dr. Werner Altmann. SANTO ÂNGELO 2002

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ANTÔNIO VALDIR VIAN

NOVO SINDICALISMO:

Crise e perspectivas na sociedade brasileira contemporânea

Dissertação apresentada à Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões / Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Programa de Pós-Graduação em História, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Estudos de História Latino-Americana. Orientador: Prof. Dr. Werner Altmann.

SANTO ÂNGELO 2002

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ANTÔNIO VALDIR VIAN

NOVO SINDICALISMO:

Crise e perspectivas na sociedade brasileira contemporânea

Dissertação aprovada com conceito_______________, no Programa de Pós-

Graduação em História, área de concentração Estudos de História Latino-Americana,

promovido pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI de

Santo Ângelo, e Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS de São Leopoldo.

Professor Orientador ________________________________________

Prof. Dr. Werner Altmann

_______________________________________

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Santo Ângelo, maio/2002

À causa.

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“A situação da ação é o centro do mundo da vida.”

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(Habermas, 1991)

AGRADECIMENTOS

Em especial, ao professor Dr. Werner Altmann do Programa de Pós-Graduação em

História e orientador desta dissertação de Mestrado, pelas orientações recebidas.

À direção da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões e

da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, pela oportunidade dos estudos oferecidos.

Aos demais docentes que contribuíram para a realização desta dissertação e Curso.

Aos companheiros cutistas/cepergianos, professores Arthur, Gilberto, Rejane,

Adelino , João e à memória de Dálcio.

Aos familiares, amigos e colegas, pelo convívio, apoio e companheirismo.

A todos àqueles que criaram esta possibilidade, os meus agradecimentos sinceros.

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SUMÁRIO

ABREVIATURAS E SIGLAS.....................................................................................

RESUMO.........................................................................................................................

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................

1 – O SINDICALISMO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA.................................

1.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO SINDICALISTA NA INGLATERRA..

1.2 O AVANÇO DO MOVIMENTO SINDICAL NA EUROPA..............................

1.2.1 As centrais sindicais e a evolução do movimento sindical - estrutura sindical e relações sindicatos/partidos: os casos da França, Inglaterra, Bélgica, Espanha, Suécia, Alemanha e Itália..............................................

1.3 O SINDICALISMO NA AMÉRICA.......................................................................

2 – O CASO BRASILEIRO: A ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES

2.1 O MOVIMENTO OPERÁRIO NO BRASIL ATÉ 1889......................................

2.2 O MOVIMENTO OPERÁRIO A PARTIR DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA ATÉ 1930..........................................................................................

2.3 O CONTROLE SINDICAL E A RESISTÊNCIA OPERÁRIA DE 1930 A 1945

2.4 DE 1945 A 1964 – A ASCENSÃO DAS LUTAS DOS TRABALHADORES...

2.5 DE 1964 A 1978 – O SINDICALISMO POPULISTA E BUROCRÁTICO........

2.6 DE 1978 A 1990 – O SINDICALISMO COMBATIVO OU “AUTÊNTICO” (NOVO SINDICALISMO).......................................................................................

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2.7 DEPOIS DE 1990 – SINDICATOS EM CRISE.....................................................

2.8 A ESTRUTURA SINDICAL BRASILEIRA.........................................................

2.9 O SINDICALISMO DE ESTADO..........................................................................

2.10 O MOVIMENTO SINDICAL E OS AVANÇOS DO NEOLIBERALISMO...

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3 – NOVO SINDICALISMO.......................................................................................

3.1 ANTECEDENTES E ESTRATÉGIAS...................................................................

3.2 AS COMISSÕES DE FÁBRICA.............................................................................

3.3 FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A ESTRUTURAÇÃO DO NOVO SINDICALISMO.......................................................................................................

3.4 A EMERGÊNCIA DOS TRABALHADORES......................................................

3.5 A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES – CUT...................................

3.5.1 O processo de fundação e construção da CUT........................................... 3.5.2 A CUT e a nova concepção sindical........................................................... 3.5.3 A prática discursiva do sindicalismo cutista............................................... 3.5.4 Os impasses do sindicalismo cutista nos anos 80 e 90...............................

3.6 O PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT......................................................

3.6.1 Criação e crescimento do PT na visão de Lula.......................................... 3.6.2 A proposta de construção do PT – construir núcleos por categoria ou local de trabalho..........................................................................................

3.7 A CONFERÊNCIA NACIONAL DA CLASSE TRABALHADORA – CONCLAT.................................................................................................................

3.8 CENTRO DE PROFESSORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – CPERS........................................................................................................................

3.8.1 Estrutura sindical do CPERS..................................................................... 3.8.2 As lutas da categoria...................................................................................

3.9 O RECRUDECIMENTO DAS GREVES E O NOVO SINDICALISMO...........

3.9.1 A onda de greves e as novas táticas de luta............................................... 3.9.2 A construção do novo sindicalismo e os fatores que conduziram à intensificação das greves...........................................................................

3.10 O NOVO SINDICALISMO: AS ORIENTAÇÕES TEÓRICAS E AS PRÁTICAS SINDICAIS...................................................................... .................

3.10.1 As características do movimento............................................................. 3.10.2 O novo sindicalismo enquanto idéia e proposta...................................... 3.10.3 A persistência de certas práticas sindicais associadas ao novo sindica- lismo.......................................................................................................... 3.10.4 A reestruturação produtiva e as relações de trabalho.............................. 3.10.5 Negociação coletiva do Trabalho, do fordismo ao toyotismo................ 3.10.6 Repercussões sobre o sindicalismo brasileiro.........................................

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3.10.7 Toyotismo e reestruturação produtiva..................................................... 3.10.8 Flexibilização e terceirização................................................................... 3.10.9 Impasses, avanços, limites e desafios do sindicalismo........................... 3.10.10 Posicionamento do movimento sindical frente à política neoliberal... 3.10.11 Como o CPERS se coloca diante dessa conjuntura.............................

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4 – CRISE E PERSPECTIVAS...................................................................................

4.1 DIMENSÕES DA CRISE SINDICAL....................................................................

4.2 PERSPECTIVAS DO SINDICALISMO................................................................

CONCLUSÃO................................................................................................................

ABSTRACT....................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................

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ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC –cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano

AFL-CIO – Federação de Sindicatos – American Federation of Labor/Congress of Industrial Organizations (Federação Americana do Trabalho + Congresso das Organizações Industriais) – EUA

AI-5 – Ato Institucional nº 5

ALCA – Área de Livre Comércio das Américas

ANAMPOS – Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais

ASS – Alternativa Sindical Socialista

CAT – Central Autônoma de Trabalhadores – no Brasil e no Chile

CCL – Central Sindical canadense

CCOO – Comissões Obreiras

CCQs – Círculos de Controle de Qualidade

CDdL – Confederazione Generale Italiana del Lavoro – Confederação Geral do Trabalho

CDFT – Confederação Democrática Francesa dos Trabalhadores

CE – Constituinte Escolar

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

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CEP – Controle Estatístico de Processo

CES – Confederação Européia

CFDT – Confederação Francesa Democrática de Trabalho

CFTC – Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos

CGC – Confederação Francesa de Quadros

CGIL – Confederazione Generale Italiana del Lavoro – Confederação Italiana do Trabalho

CGOCM – Confederación General de Obreros y Campesinos de México

CGT – Comando Geral dos Trabalhadores – Brasil; e Central Geral dos Trabalhadores

CGT – Conféderation General du Travail – Confederação Geral do Trabalho – França

CGT – Confederación General del Trabajo – Argentina

CGT – Confederación General del Trabajo – Espanha

CGTB – Confederación General del Trabajo Boliviana

CGTB – Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros

CIO – Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres

CIOSL – Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres – EUA e Europa

CISG – Comando Intersindical de Greve

CISL – Confederação Italiana de Sindicatos dos Trabalhadores

CLP – Controlador lógico programável

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CLU – Canadian Labor Union – União do Trabalho Canadense

CNC – Comando numérico computadorizado

CNT – Confederação Nacional del Trabajo – Espanha

CNTC – Confederación Católica del Trabajo

CNTE – Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação

CNTI – Confederação Nacional dos Trabalhadores

CNV – Confederação Holandesa de Trabalhadores

COB – Central Obrera Boliviana

COB – Confederação Operária Brasileira

COBRAS – Comitês Unitários de Base

CODEFAT – Fórum tripartite, paritário, deliberativo, legal, permanente e de âmbito nacional

COM – Casa del Obrero Mundial

CONCLAT – Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras; Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras

CONCUT – Congresso Nacional da CUT

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CONEDs – Conselhos Nacionais de Educação

CP – Controladores programáve is

CPERS – Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul

CROM – Confederación Regional Obrera Mexicana

CTM – Confederación de Trabajadores de México

CUT – Central Única de Trabalhadores - Brasil

DGB –Deutscher Gewerkschafts Bund – União de Sindicatos Alemães

DOPS – Departamento de Ordem Pública e Social

DS – Democracia Socialista

ENAMP – Encontro Nacional de Articulação de Movinentos Populares

ENOS – Encontro Nacional das oposições Sindicais

ENTOES – Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposição a Estrutura Sindical

EUA – Estados Unidos da América do Norte

FARC – Facção Revolucionária da Colômbia

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

FETAG/RS – Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura do Rio Grande do Sul

FGTB – União Geral de Sindicatos Belgas

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional

FNL – Fórum Nacional de Lutas

FO – Força Operária

FS – Força Sindical

FSM – Fórum Social Mundial

G-8 – O bloco dos países altamente desenvolvidos + a Rússia

IBC – Instituto Brasileiro do Café

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INPC – Indicador de Preços ao Consumidor

IOF – Imposto sobre Operações Financeiras

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

JIT – Just-in-time

JVC – Empresa japonesa eletrênicos

LO – Landsorganisationen i Sverige – Confederação Sueca de Sindicatos

LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal

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LSN – Lei de Segurança Nacional

MASP – Métodos e técnicas utilizados para a racionalização do trabalho

MDB –Movimento Democrático Brasileiro

MIA – Movimento Intersindical Anti-Arrocho

MST – Movimento dos Sem-Terra

MTIC – Ministério do Trabalho Indústria e Comércio

NAFTA – Tratado de Livre Comércio da América do Norte

NLRA – National Labor Relations Act – Legislação regulamentando as relações de trabalho

NLRB – Sindicatos que realizam negociação com a empresas no local de trabalho

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OGB – Central dos Sindicatos austríacos

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMC – Organização Mundial de Comércio

ONGs – Organizações Não-Governamentais

ORIT – Organização Regional Interamericana de Trabalhadores

OVB – Organização Holanda

RSA – Representação Sindical Autônoma

RSU – Representação Sindical Unitária

PC – Partido Comunista

PCB – Partido Comunista do Brasil

PDCA – Métodos e técnicas utilizados para incrementar racionalização do trabalho

P&D – Pesquisa e Desenvolvimento

PL – Partido Laboralista

PLP – Participação em lucros e resultados

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNR – Partido Nacional Revolucionário

PRI – Partido Republicano Institucional

PROEX – Projeto de Exportação

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PUI – Pacto de Unidade Intersindical

SAC – Confederação dos Sindicatos Autônomos – Suécia

SDCD – sistema digital de controle distribuído

SGB – Schweizerischer Gewerkschaftsbund – União dos Sindicatos Suíços

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SEM – Sistema de Estoque Mínimo

SINFAVEA – Sindicato Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores

SIVAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

SME – Sindicato Mexicano

TGWU– Sindicato de Transportes e Trabalhadores Gerais

TLC – Trades and Labor Congress of Canada – Congresso das Categorias e Trabalho do Canadá; ou Central Sindical canadense

TQC ou CQT – Programas de Qualidade Total

TUC – Trade Union Congress – Congresso de Sindicatos

UERGS – Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

UGT – Union General de los Trabalhadores – Espanha

UIL – União Italiana do Trabalho

UMWA – United Mine Workers of America – Sindicato Nacional de Trabalhadores Industriais

UNE – União Nacional de Estudantes

UNICAMP/SP – Universidade de Campinas, São Paulo

UPS – United Parcel Service

USI – União Sindical Independente

U.T.G – União dos Trabalhadores Gráficos

U.T.L.J. – União dos Trabalhadores em Livros e Jornais do Rio de Janeiro

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RESUMO

O novo sindicalismo é conseqüência de uma combinação de fatores internacionais, regionais e locais, e forças contestatórias contra a política econômica do governo e seus reflexos negativos sobre os trabalhadores, ocorrendo em algum grau em todos os segmentos da sociedade. Criadas as expectativas acerca do sindicalismo e do caso brasileiro para refletir sobre a trajetória do novo sindicalismo e os impasses vividos nas últimas décadas propôs-se como objetivo do trabalho analisar o movimento sindical, focalizando o novo sindicalismo brasileiro e os fatores capazes de explicar a crise do sindicalismo moderno, as transformações a partir da reestruturação produtiva, os avanços, os limites e os desafios, para saber quais as perspectivas do sindicalismo no Brasil diante das novas realidades trazidas pela globalização da economia e o desgaste do neoliberalismo. Para o alcance deste propósito, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, criando condições de interpretação dos fatos históricos e a afirmação da tese sustentada, que parte do princípio de que a crise recente do novo sindicalismo é crise do capitalismo, e, sua superação requer um sujeito social, consciente e capaz de reconhecer -se como a força política e social criadora de alternativas para uma nova sociedade sem explorados e exploradores. Com este instrumental, foi empreendido o trabalho estruturado em quatro capítulos: o primeiro apresenta a história do sindicalismo, com

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ênfase nas experiências nas quais se inscrevem os movimentos sindicais na Europa e na América. Na seqüência foi estudado o caso brasileiro, focalizando a luta dos operários em busca de organização, a crise dos sindicatos depois da década de 1990, a estrutura sindical brasileira, o sindicalismo de Estado e a ofensiva neoliberal. O terceiro capítulo focaliza a trajetória do novo sindicalismo. Os antecedentes e estratégias montadas para se afirmar perante o ‘velho sindicalismo’, a emergência dos trabalhadores, a criação da Central Única dos Trabalhadores e do Partido dos Trabalhadores. O CPERS e o perfil diferenciado das reivindicações e da organização. As orientações teóricas e as práticas sindicais no caminho do novo sindicalismo, para esclarecer, na ab ordagem final, a crise e perspectivas do sindicalismo, dimensionando a crise sindical, as hipóteses, as aberturas e possibilidades de um trabalho em nível internacional, bem como as perspectivas do sindicalismo, diante do cenário desfavorável imposto pelo projeto neoliberal.

UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES – URI

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO EM ESTUDOS DE HISTÓRIA LATINO-AMERICANA

NOVO SINDICALISMO:

Crise e perspectivas na sociedade brasileira

contemporânea

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ANTÔNIO VALDIR VIAN

SANTO ÂNGELO – 2002

INTRODUÇÃO

Esta dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em História – Mestrado –

aborda a questão do sindicalismo, enfocando, como tema central, o novo sindicalismo, crise e

perspectivas sindicais na sociedade brasileira contemporânea.

O estudo pauta-se na importância do movimento sindical, assumido ao longo do século XX

e no direcionamento dado à sua trajetória com as questões suscitadas pela entrada em cena, no

Brasil, do “novo sindicalismo” no início da década de 1970, elemento fundamental à eclosão da

onda de greves neste período. Essa época foi marcada pelo surgimento de uma nova classe

trabalhadora no cenário político do país e trouxe para o espaço público a novidade, depois de

vários anos de regime autoritário, da participação dos trabalhadores nos enfrentamentos mais gerais

contra o autoritarismo burocrático-militar do final da década de 1970 até meados da década de

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1980. Ao mesmo tempo, marcava a entrada em cena de uma camada de trabalhadores que

defendia, em muitos aspectos, a ampliação dos direitos democráticos nos locais de trabalho.

O trabalho delineia os passos históricos do movimento sindical no Brasil, o qual, devido à

escravidão e ao modelo de monocultura agroexportador, teve um enfoque de formação do

proletariado distinto da Europa e do restante da América. Embora o surgimento do sindicalismo no

país não detenha as características do processo encetado no cenário europeu e nos demais países

americanos, é válido ter presente como o mesmo ocorreu em outros horizontes para que se tenha

uma visão mais nítida do caso brasileiro. Nessa perspectiva, impõe-se o conhecimento das

experiências históricas dos trabalhadores, levadas a efeito em diferentes países do continente

europeu e americano, as quais caminharam para a formação dos primeiros sindicatos. A discussão

inicial se depara sobre a história do sindicalismo e da análise de conjunto, evolui para o estudo do

caso brasileiro, marcado pela organização dos trabalhadores e do novo sindicalismo iniciado no

Brasil em 1978, à crise do novo sindicalismo e às perspectivas do sindicalismo no limiar do século

XXI, na tentativa de levantar conclusões e tendências sobre o movimento sindical no Brasil e

conhecer as estratégias de sobrevivência criadas pelo sindicalismo brasileiro na trajetória de

enfrentamento com a política neoliberal.

Como questão preliminar, importa fazer uma reflexão sobre a trajetória do novo

sindicalismo, apontando os impasses, desafios e problemas enfrentados pelo sindicalismo brasileiro

nos últimos anos.

Desta forma, o trabalho investiga as principais questões concernentes à atividade sindical

no Brasil. Aborda as conquistas e as retrações do movimento sindical que desafiam a compreensão

na contemporaneidade e busca situar a crise do novo sindicalismo e as perspectivas sindicais. Para

tanto, o trabalho tem como objetivo analisar o movimento sindical, mais precisamente o novo

sindicalismo brasileiro e os fatores capazes de explicar a crise do sindicalismo moderno, as

transformações a partir da reestruturação produtiva, os desafios, estratégias e limites, para saber

quais as perspectivas do sindicalismo no Brasil, diante das novas realidades trazidas pela

globalização da economia e o desgaste do neoliberalismo.

A tese aqui sustentada: 1) parte do princípio que as crises recentes do novo sindicalismo

são crises do capitalismo; mas a superação do capitalismo não será produto de suas crises, e sim da

existência de uma força política e social alternativa, capaz de impor rupturas ao capitalismo e

amadurecida para trilhar o caminho da luta pela igualdade, justiça, emprego, distribuição de renda

e poder; 2) os impasses que o sindicalismo brasileiro enfrenta nesta primeira década do século XXI

não se resumem aos problemas oriundos da coexistência pacífica com a estrutura sindical atrelada;

todavia não se construirá um autêntico sindicalismo de luta, de massas, pela base e democrático, se

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continuar a cumplicidade existente com a estrutura oficial; 3) para o cenário de liberdade e

autonomia sindical, é fundamental que se conquiste, previamente, o direito à organização dos

trabalhadores nos locais de trabalho; considerando a estratégia empresarial de expulsar o sindicato

de dentro das empresas, o principal desafio deste período, nesse terreno, é colocar o sindicato

dentro de local de trabalho; para tanto, o movimento sindical precisa manter o tom reivindicatório e

oposicionista ao capitalismo e a qualquer discurso que por ventura venha substituir o discurso

neoliberal, tendo claro que as questões e os dilemas que a classe trabalhadora tem diante de si não

são respondidas isoladamente; 4) com a liberdade e autonomia sindical, caem o “monopólio de

representação” e instituições do modelo corporativista que regem as negociações coletivas; o

modelo de negociação coletiva nesse novo cenário deve privilegiar formas que levem à unificação

dos trabalhadores para além dos limites estreitos da própria categoria; 5) o sindicalismo precisa

existir como um sujeito social, que luta, mas luta muito além da força organizativa dos sindicatos,

indo ao encontro da idéia defendida por Marx, de um centro de organização da classe operária ,

que implicava transformar os velhos sindicatos em uniões de operários que organizassem os

trabalhadores assalariados – empregados e desempregados – não apenas enquanto vendedores,

reais ou virtuais, da mercadoria-força de trabalho, mas sim como indivíduos-produtores sujeitos do

processo produtivo, potenciais criadores de uma nova sociedade, sem explorados e exploradores;

6) para enfrentar o novo cenário – reestruturação produtiva, flexibilização trabalhista – , composto

de novos discursos do capitalismo e a própria crise sindical, não se pode apenas propor mudanças

na legis lação que rege a organização sindical e as negociações coletivas mas também reforçar as

manifestações de descontentamento visando a substituir o capitalismo por outro modelo de

sociedade: uma sociedade socialista, nos moldes do que está sendo discutido nos Fóruns Sociais

Mundiais; 7) argumenta ainda que a quebra do ritmo e o resgate do sujeito social se faz através da

superação pela CUT das heranças do sindicalismo corporativo, da capacidade de luta e resistência

dos trabalhadores, da comunicação e trabalho, das relações de solidariedade, da conscientização e

da inserção no quotidiano do povo, capaz de fazê-lo avançar com fatos e palavras que criam novas

realidades e superam divisões, respeitando a diversidade, para que os sentidos compartilhados

tornem-se alimento para a ação e manifestação em defesa dos direitos e dos interesses dos

trabalhadores e de todos marginalizados e excluídos da sociedade, rumo a uma economia solidária

e a um mundo melhor.

O tema remete a uma abordagem conceitual das palavras-chave mais importantes

identificadas no conjunto das formulações, tais como sindicato, estrutura sindical,

sindicalismo de estado e organização partidária, pois essas palavras/categorias podem se

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transformar em mediações concretas de análise e intervenção da realidade em diferentes

contextos.

Neste caminho, toma-se como pressuposto da análise o fato de que um conceito sobre

sindicato não poderia ser construído com base apenas na noção simples e particularizada de

organização de pessoas. É necessário compreender e explicar o fenômeno através das

complexas relações que são determinadas no conjunto da sociedade.

Portanto construir o conceito sobre sindicato requer análise de categorias

objetivamente históricas, políticas e normativas. Assim, sindicato se define como organização

associada ao trabalho assalariado e, sobretudo, à capacidade de os trabalhadores se

organizarem em defesa de seus direitos e interesses comuns.

O sindicato é uma organização livre e autônoma de pessoas com a finalidade de

defender e promover seus direitos. Pode ser uma organização de qualquer tipo de pessoas

(tanto patrões como empregados têm o direito de se organizar), entretanto a principal

finalidade do sindicato é a defesa dos direitos dessas pessoas e a reivindicação de seus

direitos, isto é, ele está a serviço do bem comum.

O importante, de qualquer modo, é insistir nas qualidades de um verdadeiro sindicato:

independência e soberania, podendo discutir em pé de igualdade com qualquer outro sindicato

ou organização.

Os sindicatos são partes da sociedade capitalista, ou seja, expressam a sociedade

baseada na divisão de classes e, ao mesmo tempo, se opõem ao capitalismo na forma como

este distribui a renda. Representam uma organização condicionada pelo local de trabalho,

nesse sentido são um reflexo passivo da organização da força de trabalho.

De outra parte, a compreensão da expressão “estrutura sindical” requer certas

observações. Segundo Escouto (1991, p. 15), “estrutura, no sentido comum em que é

empregada a palavra, significa a dispos ição, a ordem das partes que compõem um todo. E

sindicato vem a ser um tipo de associação, contemplada no mundo jurídico trabalhista, que se

caracteriza pela união de trabalhadores com interesses comuns”. Assim, a estrutura sindical é

o sistema de relações que assegura a subordinação dos sindicatos (oficiais) às cúpulas do

aparelho de Estado – do Executivo, do Judiciário ou do Legislativo. Todavia Boito Jr. (1991)

afirma que a estrutura é algo mais profundo, nem sempre fácil de se detectar, e que é implícita

e inconscientemente reafirmada pelo discurso daqueles que, ao se referirem criticamente aos

efeitos da estrutura sindical, imaginam erroneamente estar criticando a estrutura que produz

tais efeitos. Essa estrutura sindical, acompanhada dos efeitos jurídicos tutelares, de um

modelo ditatorial ou “democrático” de controle do Estado sobre os sindicatos oficiais, tem

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sido espaço onde se desenvolve um tipo particular de sindicalismo, o sindicalismo de Estado.

Esse sindicalismo se caracteriza por apresentar uma forma organizativa, métodos de ação e

objetivos característicos, possui também uma ideologia que serve como “cimento”, no

entender de Gramsci (apud Boito Jr., 1991, p. 54), da estrutura sindical.

A organização partidária, diferentemente dos sindicatos, tem outra qualidade. É uma

organização voluntária que rompe com a estrutura natural da sociedade onde se insere e que

se propõe a reestruturar a organização social existente.

Os sindicatos produzem, no limite, uma consciência setorial e corporativa na luta de

classes e sua arma maior é a greve, uma atitude absenteísta, uma ausência, frente ao

capitalismo vigente. Esse limite perante a sociedade em que existe permite ao sindicato

apenas conquistas parciais, nunca a contestação global do sistema. Mesmo a ocupação das

empresas num momento de luta é uma atitude de resistência e que não permite a ação

ofensiva que reordene as leis, que retome os investimentos e a atividade produtiva, que

avance sobre o poder do Estado (Pont e Rossetto, 1984).

Nesta perspectiva, o primeiro capítulo desta dissertação apresenta o sindicalismo em

perspectiva histórica, mergulhando nas primeiras experiências nas quais se inscrevem os

movimentos sindicais, aprofundando o conhecimento sobre as organizações sindicais na Inglaterra

e sua disseminação pela Europa e América, para situa-lo, a partir daí, no contexto do

neoliberalismo.

O segundo capítulo aborda a organização dos trabalhadores no Brasil. O caso brasileiro

apresenta uma conjuntura à parte, haja vista que o país teve um processo de formação do

proletariado distinto da Europa e do restante da América.

A história da luta dos operários no Brasil pode ser dividida em sete fases. O movimento

operário no Brasil até 1889 teve como marca maior a primeira greve de trabalhadores,

promovida pelos operários da indústria gráfica, no Rio de Janeiro, em 1858. A partir da

Proclamação da República até 1930, ocorre a segunda fase das lutas operárias no país,

podendo-se identificar a organização autônoma e independente do movimento sindical em

relação ao Estado, o surgimento dos sindicalistas “pelegos”, as condições precárias de vida do

trabalhador, a falta de leis regulamentando o trabalho, a exploração da mão-de-obra feminina

e infantil.

A terceira fase das lutas operárias vai de 1930 a 1945. Nela observamos a resistência do

movimento sindical às normas estabelecidas pelo Decreto-Lei 19.770/31 e a consolidação da

estrutura sindical brasileira, com a subordinação dos sindicatos ao Estado e a adoção de

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mecanismos perversos, como a unidade sindical e o imposto sindical, deixando os sindicatos

de ser órgãos de luta para serem órgãos de cooperação com as metas do governo.

O período de 1945 a 1964 marca a quarta fase e é caracterizado pela ascensão das lutas

dos trabalhadores, embora os “pelegos” tenham se fortificado com a ida de sindicalistas para

organizações paralelas. O sindicalismo populista, assentado sobre sindicatos de Estado,

dinamizou o movimento da classe trabalhadora através das organizações paralelas surgidas,

entre as quais se cita o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).

Na quinta fase, de 1964 a 1978, dominou o sindicalismo populista e burocrático, a greve

de adesão passiva. Mas por volta de 1973 o movimento sindical voltou a articular-se através

de greves localizadas e, em 1978 e 1979, a organização sindical dinamizou-se a partir de

intensa participação dos trabalhadores, passando os sindicatos por transformações em suas

estruturas, e tornando-os mais aparelhados para a luta.

Entre 1978 e 1990, ocorreu a sexta fase, a do sindicalismo combativo, que se caracteriza

como o novo sindicalismo brasileiro. Houve expressiva expansão do sindicalismo dos

assalariados médios e dos setores de serviços, e despontaram, neste período, duas correntes

dentro do sindicalismo brasileiro: a corrente (novo sindicalismo ou sindicalismo autêntico)

que deu origem à Central Única de Trabalhadores (CUT), em 1983; e a Unidade Sindical,

corrente que luta por mudanças na Consolidação das Leis Trabalhistas, liderada pela

Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT).

A sétima fase vem depois de 1990 e traz como marca a crise do sindicalismo, cujo

indicador mais expressivo é a queda relativa e absoluta do número de trabalhadores

sindicalizados. As demandas sociais começaram a vir à tona em meados da década de 1970,

na confluência da “crise do milagre” como processo de “transição conservadora”, e na década

seguinte continuou a persistir num cenário de crise econômica e política. Essa configuração

singular gerou um ambiente social altamente explosivo, mas também criou sérios obstáculos à

atividade sindical.

O contexto da crise e transição não só criou as condições para o ressurgimento dos

trabalhadores na cena política, como também propiciou que estes passassem a desempenhar

um papel central no processo de redemocratização do país. Além disso, a mobilização sindical

foi favorecida pela conjuntura da década de 1980, quando, na maior parte do tempo,

conjugaram-se altas taxas de inflação e níveis relativamente baixos de desemprego. Tal

situação acabou levando à sobrevalorização das novas práticas sindicais, obscurecendo a

importância do ciclo de crescimento que estava na raiz dessa expansão da atividade sindical,

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cujos limites tornar-se-iam evidentes depois do esgotamento do modelo de substituição de

importações.

Evidencia-se, então, a retomada de uma política que implica, de um lado, conhecer a

política neoliberal no Brasil e as posições que o movimento sindical tem assumido diante do

neoliberalismo que aponta para a restrição e eliminação de direitos sociais, e de outro, em avançar

no desvelamento da trajetória do novo sindicalismo, gerado pelas contradições de um dado modelo

econômico e político, que firma suas propostas na desregulamentação e flexibilização do trabalho,

privatização das empresas estatais e desindustrialização. Essas considerações permitem situar o

“sindicalismo” no conjunto dos conflitos de classe, pois o movimento sindical, como parte das

relações de classe, sofre a ofensiva neoliberal, fenômeno internacional, vinculado a fatores

econômicos e políticos, que se processam também em escala internacional.

A análise do liberalismo econômico de 1888 a 1930, do surgimento posterior do

neoliberalismo, sua base teórica, a chegada ao poder e o enfrentamento do sindicalismo,

mostra que o liberalismo, em termos econômicos e sociais, não é algo novo no Brasil. É

apenas mais outra onda entre várias que já houve na história do capital. É preciso lembrar

também que neoliberalismo não é nada mais nada menos do que uma forma de capitalismo, o

liberalismo vestido com roupagens novas. Uma forma do capitalismo se organizar e que ao

longo da história do capitalismo, principalmente da história industrial e pós-industrial do

capitalismo, ele tem tomado formas diferentes de ser: uma forma predominantemente

estatística, quando o Estado toma o espaço político-econômico, toma as decisões, controla as

decisões e utiliza o seu poder para promover certas linhas de desenvolvimento da economia e

da sociedade sob seu controle. Viveu-se um pouco isso durante os vários períodos de ditadura

no Brasil. Inclusive a última ditadura de 21 anos, na qual havia entre os militares um projeto

de hegemonia do Brasil que precisava ser reforçado através de um Estado forte.

Atualmente estamos em outra etapa da história do capital, de capitalismo centralmente

neoliberal, isto é, que busca desmantelar as redes de regulação, fiscalização e controle sobre o

capital privado, permitindo uma cada vez maior liberdade do capital privado de atuar.

Essa linha de ação não é mais nacional, como era em outras épocas. Hoje é um projeto

global. A globalização em si é uma conseqüência do desenvolvimento do capitalismo que

abarca toda a sociedade e, conseqüentemente, se forma o mercado mundial.

A Ordem de Mercado não é governada por escala ou hierarquia única de fins, serve, isto sim,

a membros indeterminados e sem fins distintos. A Ordem de Mercado envolve economias inter-

relacionadas, formando um sistema. Segundo Hayek (1985), é apropriado utilizar -se como

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sinônimo o termo catalaxia 1. É, pois, a catalaxia o tipo especial de ordem espontânea produzida

pelo mercado, mediante a ação de pessoas dentro das normas jurídicas da propriedade, da

responsabilidade civil e do contrato. A catalaxia possibilita a conciliação de propósitos divergentes,

aparentemente beneficiando a todos.

Esse projeto global foi introduzido com toda a sua força no momento em que explodiu a

crise do endividamento externo no começo da década de 1980. Esse foi um momento crítico

porque o Brasil e vários outros países do Hemisfério Sul tinham se endividado, acumulando

dívidas fantásticas. Daí veio a decisão unilateral de os Estados Unidos mudarem o patamar da

taxa de juros, multiplicando-a por 3, triplicando a dívida e os juros, que ficaram impagáveis.

Chegando a década de 1990, está dada a oportunidade de uma nova onda neo-colonial

sob uma forma modernizada, em que não há mais necessidade de ocupar fisicamente os países

com exércitos, pois o tributo chamado pagamento regular da dívida externa é instrumento de

pagamento regular. Esgotada essa etapa, surge a nova etapa, a inserção subordinada das

economias periféricas na economia globalizante que se está vivendo agora. Isso significa a

aplicação do ajuste neoliberal aos países devedores do Hemisfério Sul, inclusive o Brasil.

Esse ajuste incluiu privatizações, enfraquecimento da capacidade arrecadadora do Estado,

desregulação, superar e eliminar os vários instrumentos que o Estado tem para controlar e

regular os fluxos de capital, os investimentos, os financiamentos. Com isso, as transnacionais

espalham-se principalmente pela Ásia, articulam os pequenos produtores, transformados em

milhões pelo mundo a fora, enquanto os controladores da produção e da comercialização, são

cada vez menos.

Essa nova onda de neoliberalismo está no bojo de um grande processo de reestruturação

produtiva. É ele que tem importância fundamental no mundo de hoje. E está ocorrendo em

três linhas principais, quais sejam, a linha de evolução da informática, da informatização dos

processos produtivos; a criação de circuitos eletrônicos cada vez menores, mais compactos e

mais ricos de informação, a aplicação desses circuitos eletrônicos à produção na forma de

robôs (robótica); e a aplicação dos circuitos integrados as telecomunicações (telemática), que

permite essa globalização e até interestelarização das comunicações.

Essas três linhas de modernização têm uma dupla face: uma face negativa que é a

destruição maciça e acelerada de empregos humanos e a vantagem de reduzir cada vez mais a

necessidade do trabalho e da aplicação da energia humana na produção de bens e serviços.

1 Do verbo grego “katallattien”, significa “trocar” ou até “converter-se de inimigo em amigo”.

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Esse que é um fator positivo e de progresso na história humana, está, no entanto,

acontecendo de forma destruidora, para os seres humanos. Sobressaem a violência e a

barbárie, onde cada um tenta liquidar o outro numa competição bruta l pela sobrevivência pelo

emprego, para poder-se manter e à sua família.

Essa realidade está na base de uma crise brutal, crise agravada pela falta de

planejamento da transição entre um processo de economia centrada na indústria e no emprego

assalariado pa ra uma economia pós-industrial, não mais centrada no emprego assalariado, mas

em outras formas de trabalho, de vínculo e de contrato social. Assim, não havendo política de

transição e já que estas políticas não virão pelo lado do poder, cabe aos trabalhadores a defesa

de seus interesses. Aí é que entra a questão do sindicalismo.

O terceiro capítulo focaliza o novo sindicalismo. Analisa desde seus antecedentes e

estratégias, detendo-se nas práticas sindicais distintas do passado pela juventude de seus

quadros, pela sua presença marcante nos setores mais modernos da economia, pela sua grande

disposição de luta, e não deixando de ser também, uma manifestação tardia. Seu

aproveitamento só foi possível graças às transformações econômicas e sociais que ocorreram

a partir da segunda metade do século XX e que foram responsáveis pelo surgimento de uma

classe trabalhadora, numerosa e diversificada, cuja trajetória política foi refreada pelo golpe

de 1964.

A partir de 1978, houve mudanças substanciais no movimento sindical brasileiro. Os

trabalhadores se apropriavam do espaço das empresas, reorganizando-se a partir dos locais de

trabalho. As primeiras greves de 1978 foram possíveis graças à organização das comissões de

fábricas.

O ressurgimento das comissões de fábrica, como parte da experiência do operariado

brasileiro, entre outros fatores que contribuíram para a estruturação do novo sindicalismo,

possibilitou a emergência dos trabalhadores e a assunção da organização de vanguarda do

verdadeiro sindicalismo, transformando a classe trabalhadora em força real, de modo que a política

sindical e a militância no interior da fábrica encontram-se articuladas na própria natureza do “novo

sindicalismo”.

Não é demais lembrar que o novo sindicalismo emergiu e cresceu em meio a uma crise

prolongada e aguda que, ao mesmo tempo, estimulou a ação sindical e restringiu os seus

resultados.

O novo sindicalismo, definido em oposição ao sindicalismo populista e burocrático,

apareceu, então, como uma resposta diante da crise do sindicalismo. Suas características, no final

da década de 1970, são entrevistas através de um conjunto de três proposições: a) o sindicato no

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novo sindicalismo é mais combativo: por sua tendência a recorrer a greves; pelas formas de luta

escolhidas; b) os sindicatos do tipo novo sindicalismo são mais representativos da base que

representam porque admitem novos protagonistas como líderes, admitem e estimulam a

representação nos locais de trabalho e eleições sindicais sistemáticas realizadas em condições de

maior liberdade e competição; c) o novo sindicalismo não é apenas uma tendência sindical, mas

representa uma arena de lutas em defesa dos direitos sociais e políticos e questiona os próprios

limites do Estado corporativista, criando oportunidades de expansão da cidadania operária.

Outro acontecimento significativo na reorganização do movimento sindical foi a

realização do IX Congresso de Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de Material

Elétrico do Estado de São Paulo, em janeiro de 1979, em Lins, interior de São Paulo.

Realizado um pouco depois do III Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo

que, entre outras demandas, destacou a Central Única dos Trabalhadores – CUT – como um

objetivo a ser alcançado pelos trabalhadores, o congresso de Lins trouxe algumas novidades

para o sindicalismo brasileiro. Entre outros esforços no sentido de celebrar-se a unidade entre

os sindicatos representados, defendeu a criação de um Partido dos Trabalhadores.

Entre as resoluções que integravam a proposta de formação de um Partido dos

Trabalhadores (que em 1982 obteve o registro definitivo como Partido dos Trabalhadores –

PT) foram levadas ao congresso e aprovadas a total desvinculação dos sindicatos do Estado;

direito de greve, reforma agrária “efetiva e radical”; extinção gradual do imposto sindical;

ajuste governamental às pequenas empresas; reajustes salariais trimestrais. A partir daí,

observa-se uma movimentação constante dos sindicalistas que tentam organizar-se para terem

mais força no plano nacional.

Em 1980 e 1981, a atividade sindical mais combativa já era uma realidade. A começar daí,

visando a unidade mais orgânica dessas forças, multiplicam-se os encontros na busca de

organização dos setores mais combativos do movimento sindical. A reorganização sindical ocorreu

rapidamente, pois já vinha desde 1978 dando condições para que os trabalhadores pudessem ter um

lugar na nova ordem democrática que começava a ser vislumbrada.

Até o final da década de 1980, o novo sindicalismo apresenta enorme capacidade de

mobilização e um grande sucesso em forjar um novo projeto político e organizativo da classe

trabalhadora, traduzido no surgimento da Central Única dos Trabalhadores. A CUT, que

nasceu da luta pela liberdade de organização sindical combinada com a luta contra a ditadura

militar, defende um lugar para os trabalhadores na sociedade brasileira.

Desde a fundação da Central, em agosto de 1983, declarou-se guerra à estrutura sindical

oficial em todas as resoluções. Os princípios, reivindicações e o tipo de ação presentes na or igem

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da CUT estão embricados com o novo sindicalismo de tal forma que Rodrigues (1997), analisando

a relação entre sindicalismo e política no Brasil, tendo a CUT como foco de análise, afirma que

esta surge da práxis do novo sindicalismo.

As características traçadas pela CUT são semelhantes, guardadas as singularidades

históricas, àquelas que marcaram o novo sindicalismo. Sugerem um novo conjunto de formas de

estratégias políticas e formas de organização para os sindicatos, em oposição àquelas existentes no

sindicalismo do passado. Sugerem, também, um posicionamento social e político mais radical por

parte dos sindicatos dentro do contexto do surgimento do movimento operário socialista. E a

criação de sindicatos de trabalhadores até então não organizados.

Inf luenciada por várias correntes de pensamento – sindicalismos autênticos, igreja, etc.

– em sua concepção e prática, a CUT investe em mobilizações de massa, formula propostas de

desenvolvimento econômico e social para o país, ao mesmo tempo em que se propõe a

ampliar e consolidar a esfera pública no Brasil, somando-se a outros setores da sociedade civil

organizada para gestar mecanismos de participação e controle social.

As Conferências Nacionais da Classe Trabalhadora, desde a 1ª CONCLAT, realizada

em 1981, também tiveram grande impacto diante da situação política nacional e

representaram um forte impulso para a luta dos trabalhadores. Constituindo um espaço

legítimo para divergir, discutir, tentar acordos e medir forças, essas conferências expressam a

capacidade política dos trabalhadores de influir no processo político.

Outro movimento maciço e unificado, que adquiriu peso a partir dos anos de 1980, é o

Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul – CPERS. Esse sindicato do

funcionalismo público da categoria da educação, de postura combativa, evidenciada na ação

concreta, através de greves prolongadas no Estado, alinha-se à rearticulação do movimento

sindical, impulsionado pela emergência do novo sindicalismo.

Com o recrudescimento das greves e o novo sindicalismo, emergido em 1978, cresce a

movimentação dos assalariados da classe média e novas expectativas são criadas em torno da

superação do regime militar. A análise do novo sindicalismo evidencia as orientações e as

práticas sindicais, os impasses, avanços e limites do movimento sindical, seu ingresso na

década de 1990 e as sérias dificuldades trazidas pelas modificações no processo de trabalho e

de produção capitalista. As conquistas sociais e os avanços no terreno das negociações

coletivas inscritas na Constituição de 1988 logo seriam confrontados com as metas de

desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, repercutindo sobre o

sindicalismo brasileiro.

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Desde então intensificaram-se as adversidades no plano político, sem que os setores de

esquerda tenham conseguido forjar uma alternativa real de poder; a disposição para a realização de

greves e mobilizações arrefeceu diante das baixas taxas de crescimento e do aumento do

desemprego. A prática da negociação coletiva perdeu espaço para a defesa do emprego, por conta

do cenário econômico e da ausência de política salarial. E os problemas organizativos do

movimento sindical desdobraram-se em uma crise interna que atinge a própria identidade classista

da CUT, a mais importante organização sindical do país. Em meio a impasses e tendências de mais

concessões ao capital, catalisa no pólo defensivo a tendência majoritária, combativa e disposta a

construir um autêntico sindicalismo de luta, de massas, para fazer frente ao desafio da ofensiva

neoliberal que começava a impregnar a economia, a política e a própria cultura popular.

A partir do governo Collor, a agenda neoliberal passou a orientar as iniciativas reformadoras

do poder público e a subordinar as estratégias de sobrevivência dos setores empresariais em um

cenário econômico de crescente incerteza e competitividade. A liberalização comercial

indiscriminada, a privatização a qualquer custo e a tentativa de desregulamentação dos direitos

sociais acabaram sendo interrompidas pelo impeachment, mas foram retomadas com maior ímpeto

pelo governo de Fernando Henrique Cardoso que, por sua vez, passou a subordinar toda a política

econômica ao controle da inflação.

As mudanças na economia durante a década de 1990 afetaram ainda mais o mercado de

trabalho, provocando a perda de mais de 1 milhão de empregos na indústria, com impacto direto

sobre quase todas as categorias profissionais mais bem organizadas. Houve ainda uma migração de

empregos para setores com um menor grau de organização sindical, como é o caso do comércio,

afetando, assim, as bases tradicionais dos sindicatos.

Essas tendências foram aprofundadas pelo Plano Real, observando-se nos últimos anos dessa

década uma inflexão na agenda sindical, com a questão salarial cedendo lugar à questão do

emprego. Ao lado disso, começavam a ganhar espaço temas como a participação nos resultados e

lucros da empresa, a flexibilização da jornada de trabalho, a redução de benefícios sociais, a

formação profissional, ainda que as mudanças mais significativas estivessem ocorrendo apenas nas

categorias mais importantes, como metalúrgicos, bancários, químicos, entre outros.

A área de incidência desses temas é a empresa em que a organização sindical sempre foi

débil. A rigor, as negociações continuam a depender da configuração de cada setor.

Em um cenário tão adverso, marcado pela ofensiva neoliberal, não são poucos os

impasses, os limites e os desafios do sindicalismo. A partir de um processo de reestruturação

produtiva implantado com a abertura comercial do início da década de 1990, os sindicatos

vêm se defrontando com uma nova realidade trazida pela globalização da economia que

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significou um aumento da concorrência entre as empresas e a exigência de mais qualidade e

eficiência no processo produtivo. A isto, se acrescenta o aumento do desemprego, assim como

investidas contra a legislação trabalhista para flexibilizar a força de trabalho, acentuando a sua

precarização.

Nesse âmbito, busca-se alterar a legislação sobre direitos individuais ou reduzir a proteção

social ao que seja politicamente possível, mantendo ou ampliando a legislação trabalhista coletiva

para restringir a ação sindical, a negociação coletiva e o direito de greve. Assim, enquanto cresce a

pressão no sentido de que sejam eliminadas as formas de intervenção do Estado no âmbito do

direito individual do trabalho, aumenta, também, mas em sentido contrário, a pressão pela restrição

do poder sindical.

Há também o risco de uma multiplicidade de situações refletindo a heterogeneidade e a

segmentação do próprio mercado de trabalho e do aumento da distância entre os setores

organizados e mais dinâmicos, situados nos núcleos modernos da indústria, e aqueles mais

fragilizados, com baixa capacidade de representação e pouca ou nenhuma presença nos locais de

trabalho. Esse distanciamento reforça a tendência de enfraquecimento dos sindicatos na regulação

do mercado de trabalho.

Nesta ordem de análise, evidenciam-se os desafios trazidos à CUT pela política neoliberal,

como a criação de sindicatos “cutistas” nas bases dos sindicatos e sindicalistas “pelegos”, impondo

a necessidade de saber “como fazer” isso e evidenciar “como o CPERS se coloca diante dessa

conjuntura?”.

A nova realidade trazida pela globalização da economia, visível nas suas formas de

realização na empresa (na reestruturação produtiva, flexibilização das formas de contratação,

terceirização da mão-de-obra) e os impasses, avanços, limites e desafios colocados ao sindicalismo,

orienta no quarto e último capítulo deste trabalho a análise da crise e perspectivas do novo

sindicalismo. Apresenta a dimensão da crise sindical na esteira do novo complexo de

reestruturação produtiva marcado pela passagem de um “toyotismo restrito” para um “toyotismo

sistêmico”, que tende a instaurar, pelo obscurecimento da perspectiva de classe, uma nova captura

da subjetividade operária pela lógica do capital. É uma investida do capital nas próprias relações

sociais de produção. Seu principal aspecto é a flexibilização dos contratos de trabalho. Seu objetivo

é fechar o cerco contra o sindicalismo classista.

Esta situação mostra, mais do que na década de 1980, uma acirrada luta de classes na

produção e que a hegemonia do capital na produção está tentando se recompor, principalmente

através do novo complexo de reestruturação produtiva, utilizando, para isso, o mercado. Não é

apenas a busca do consentimento operário através de programas de qualidade total, de participação

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nos resultados, dos trabalhos em grupo. É, também, o velho uso de mecanismos coercitivos de

mercado como o desemprego estrutural, que tende levar à irracionalidade social.

Os sindicalistas e as lideranças políticas que pensam em uma perspectiva para além do

capital analisam esta nova crise para ver os caminhos para a construção, a partir da perspectiva do

trabalho de um novo projeto capaz de colocar obstáculos à sanha da valorização mundial e

destrutiva do capital.

Mas desde o final da década de 1990 e no limiar do século XXI, mesmo com grandes

dificuldades e mantendo suas diferenças políticas, o sindicalismo como um todo vem

demonstrando capacidade de reagir e buscar novas estratégias para manter sua força de negociação.

Nessa direção, sobressaem-se as perspectivas sindicais para o futuro.

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1 – O SINDICALISMO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

A história do movimento sindical inicia na Inglaterra, na segunda metade do século

XVIII, ao mesmo tempo que o capitalismo e a sociedade industrial. As primeiras centrais

sindicais surgem na Europa um século depois. Isso não quer dizer que não tenha havido, em

épocas anteriores ou em lugares diferentes, experiências de organizações sociais buscando

melhorar as condições de trabalho ou romper com formas de relações sociais de produção

desumanas, embora ainda não se tratasse de sindicato (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000).

Assim, para entender o surgimento do sindicalismo na Europa, há que se retroceder alguns

séculos e verificar como o desenvolvimento do capitalismo gerou as condições que deram

origem às lutas operárias e às práticas sindicais.

Beaud (1981) escreveu que as primeiras experiências dos camponeses e trabalhadores

urbanos foram desenvolvidas na Europa, no século XI. Nesse período, a sociedade feudal está

realizada em sua forma acabada. No âmbito do senhorio, efetua-se a organização da produção e a

extorsão do sobretrabalho, do qual se beneficia o senhor, detentor das prerrogativas políticas e

jurisdicionais. Constituída a sociedade feudal, inicia-se o processo de sua decomposição, trazida

pelas mudanças da prestação em trabalho, de gêneros ou em dinheiro, com o desenvolvimento do

trabalho livre e de formas de propriedades camponesas e a retomada do comércio através das feiras

comerciais, renascimento da vida urbana, formação da burguesia comerciante. Nessa

decomposição da ordem feudal, enraíza-se a formação do capitalismo mercantil, a qual, em vários

séculos estende a longa marcha para o capitalismo e a geração de descontentamentos.

A primeira etapa da marcha do capitalismo caracterizou-se pela pilhagem colonial levada a

efeito na América.

A pilhagem e a extração dos metais preciosos da América no correr do século XVI

constituíram as fontes de riqueza da Espanha. Ao mesmo tempo que os metais se tornaram

abundantes, os preços subiram. Os salários pagos aumentam mais devagar, no conjunto o salário

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baixou 50%, no século XVI. Diante da desordem das moedas e dos preços, os monarcas lançaram

éditos, proibindo as coalizões operárias, na França; surgiam as leis sobre os pobres na Inglaterra

que proibiam vagabundagem e mendicância no final do século XV, às quais foi acrescentada no

fim do século XVI a criação das workhouses (casas de trabalho forçado). Paralelamente,

desenvolveu-se a reflexão e a discussão sobre as moedas e os preços.

Com o trabalho forçado na América e a baixa dos salários reais, a inflação surgia e com o

começo das enclosures2 na Inglaterra foi liberada a mão-de-obra de vagabundos, mendigos,

perseguidos e prisioneiros. As burguesias se encontram nas idéias da Reforma, na afirmação dos

direitos do indivíduo diante do soberano e nas diferentes expressões do pensamento humanista, nas

obras de Erasmo, Rabelais e Montaigne 3, enquanto o camponês continuava a cultivar e a ser

esmagado por taxas e por corvéias, o nobre a caçar e a fazer festins, o rei a reinar e a guerrear.

Nas formações sociais em que foi surgindo o capitalismo, o antigo continuava

predominando: população essencialmente rural, produção agrícola, troca restrita e a prestação foi

tirada da massa de camponeses em proveito do clero, da nobreza e do Estado real, possibilitando-se

o acúmulo de fortunas privadas de negociantes e banqueiros. O intercâmbio mercantil referia -se

mais à produção artesanal e só atingia pequena parte da produção agrícola. Surgiu a classe dos

comerciantes que atuavam como intermediários, realizando o lucro proveniente do sobretrabalho

imposto aos pequenos artesãos ou aos companheiros e aprendizes, ou de uma parte da renda

extorquida do campesinato.

Firmaram-se, então, duas formas principais de acumulação: a) uma acumulação estatal –

manufaturas reais, estradas reais, portos, b) uma acumulação burguesa – fortunas privadas,

moedas, metais preciosos, bens imobiliários. A fonte principal de acumulação era o sobretrabalho

do camponês. Na dimensão internacional, a fabulosa pilhagem da América – de tesouros e a

produção nova de valor, dos trabalhos forçados e escravidão.

O desenvolvimento das manufaturas e o início de um novo modo de produção – quando a

maioria da população da Europa vivia da agricultura –, foi levado a efeito nas Províncias Unidas,

onde o comércio desenvolvido era ativo, a agricultura moderna, a nobreza quase inexistente e a

burguesia poderosa.

A Holanda era o centro de comercialização do Ocidente. O capitalismo mercantil e

manufatureiro conheceu grande desenvolvimento nesse país, assentando-se em três pilares: a

2 Tributações (cobrança de taxas, impostos, encargos, rendas sobre a terra) (Tradução não oficial). 3 Pensadores humanistas da Renascença, período que viu o renascimento literário e das artes, se estendeu desde o fim do século XV, e a partir dos primórdios do século XVI espalhou -se pelo mundo, com Rebelais (Hugon, 1970, p. 62).

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Companhia (holandesa) das Índias Orientais, o Banco de Amsterdã e a frota de navios solidamente

construídos e armados para as rotas marítimas da Europa do Norte e do Oeste.

Por essa época, os holandeses empregavam estrangeiros a salários inferiores. Entre 1619 a

1663, esse povo dominava as rotas do Extremo Oriente e comercializava com a África e com a

Europa do Norte.

Grande potência comercial, a Holanda desenvolveu atividades de transformação,

indústrias, organizou “câmaras de mercadores”, criou universidades e bancos, fazendo da cidade a

grande praça financeira do século, impondo sua hegemonia ao conjunto das Províncias Unidas. Na

primeira metade do século XVII, a Holanda foi o “símbolo do capitalismo comercial e financeiro”,

mas surgiram os conflitos com a família Orange e o capitalismo e o protecionismo francês ganham

ascensão.

Aliada do monarca na base da expansão colonial e do mercantilismo, a burguesia inglesa

soube utilizar os descontentamentos contra o absolutismo na França. O comércio duplicou entre

1610 e 1640; a burguesia que promoveu o desenvolvimento comercial e manufatureiro precisou de

incentivo e proteção. As obras de Thomas Mun4, de 1621 e de 1664, salientando a importância do

comércio exterior, que o comércio é a riqueza do soberano, a vocação dos mercadores, o emprego

dos pobres, a melhoria das terras e a escola dos marinheiros, faz do compromisso entre a burguesia

e o soberano a grande causa nacional, mas um compromisso difícil para o rei Carlos I. Cromwell5

viu a oportunidade de instaurar uma ditadura via república oligárquica, e conduzindo uma política

mercantilista ofensiva, promulgou o primeiro ato de navegação, em 1651, através do qual os

produtos da América, África e Ásia só poderiam ser transportados em navios da Inglaterra ou das

colônias. A burguesia afirmava-se. Lupton, em 1622, escreveu: “As enclosures deixam gordos os

rebanhos e magras as pessoas pobres”. Os populares descontentes faziam reivindicações

originando uma agitação multiforme. As aspirações modernas – de camponeses, comerciantes,

artesãos e pessoas eminentes locais – surgiram, então, em 1648, resumidas nas palavras

democracia parlamentar, liberdade e propriedade. Paralelamente, desenvolveu-se o novo modo de

extorsão, resultante da dominação indireta de negociantes sobre os artesãos.

4 Mercador londrino, um dos diretores da Companhia das Índias Orientais: A discourse of Trade from England into the East Indies , 1621; England’s Treasure by Foreign Trade, 1664; as idéias contidas neste Tratado, expostas a partir de 1622, tiveram nítida influência sobre a política econômica da Inglaterra e de outros países europeus (Hugon, 1970, p. 74). 5 Oliver Cromwell (1599-1658) chefiou a revolução que destituiu e executou o rei Carlos I da Inglaterra, sendo proclamado Protetor da República da Grã-Bretanha (Rossetti, 1970).

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Os artesãos pobres reclamavam a proteção da regulamentação, tendo como objetivos a

elevação da tarifa ou do salário, a redução da jornada de trabalho, a proteção contra a concorrência

externa. A democracia e a liberdade são reclamadas pelos membros da burguesia, dos negócios e

dos bancos, os juristas e os homens da lei, que encontraram sustentação nas profissões liberais e

entre os grandes proprietários rurais estão os comerciantes e agricultores enriquecidos. Aí residia a

força social nova, cujo peso foi subestimado pela monarquia. Os descontentamentos renasceram e

o absolutismo foi derrubado. Quem beneficiou-se da política mercantilista foi a burguesia, usando

o apoio dos movimentos populares contra o absolutismo.

A burguesia encontrou em Locke a justificativa para a derrubada do soberano. Para Locke 6,

o que fundamentava a sociedade e o governo era o livre consentimento dos cidadãos. Esse mesmo

fundamento justificava o direito a insurreição. Locke concebia o governo como um remédio para

os inconvenientes do estado natural e rejeitava o absolutismo que colocava o soberano acima das

leis, isto é, fora da sociedade civil. Ele não reconhecia aos trabalhadores a capacidade de governar,

e diante dos pobres, preconizava a força.

Na França, por sua vez, o mercantilismo atingiu seu apogeu sob o reinado de Luís XIV

e com Colbert 7 nas finanças. Colbert desenvolveu a política da produção (1663), realizou

pesquisa sobre os recursos da França e instalou quatrocentas manufaturas coletivas. Através

dessa política foram desenvolvidas as produções de luxo e de exportação, as de base e de

consumo corrente. Ao mesmo tempo era brutal o aprendizado da disciplina manufatureira, os

mendigos foram encerrados em asilos e deveriam aprender uma profissão; as moças, os

ociosos, o pessoal dos conventos foram obrigados a trabalhar; as crianças deveriam ir ao

aprendizado; a jornada de trabalho era de dezesseis horas; em caso de erro, eram previstas

multas, açoites e guilhotina. Foi com essa política comercial, frente a um contexto geral de

depressão econômica dos poderosos capitalismos mercantis holandês e inglês, através do

Estado real, que a França estabeleceu as bases sólidas e modestas de um capitalismo

manufatureiro e colonial.

Colbert não percebendo que, ao querer pôr os franceses em condições de dispensarem

todos os outros povos, também os conduzia a pensarem, por seu lado, em fazer a mesma coisa.

Assim originaram-se as críticas de Boisguilbert 8 à miséria camponesa e à baixa renda nos campos;

6 John Locke (1632-1704) como filósofo concordou com a doutrina mercantilista, cujas idéias a este respeito foram expostas em Consequences of the Lowering of Interest and Raising the Value of Money, Londres, 1692. Em Of Civil Government, encontra-se a exposição e a defesa da teoria do valor do trabalho (Hugon, 1970, p. 75). 7 Jean B. Colbert (1619-1683), político francês, ministro de Luís XIV, fomentou o comércio e a indústria (Rossetti, 1970). 8 Boisguilbert, escritor francês que, em linguagem pitoresca, escreveu, cem anos antes da célebre obra de Adam Smith, Riqueza das Nações , em sua Dissertation sur la nature des richeses, de L’argent et des tributs : “Os

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questionaram-se os impostos e as barreiras alfandegárias; tomou-se consciência da

interdependência das atividades num sistema mercantil generalizado e, em 1712, no Testamentt

politique de M. , de Vauban, ele reclamou a liberdade de preços e a liberdade do comércio exterior.

Ao fim dessa longa marcha, o capital ainda não atingira a maturidade. O principal modo de

extorsão de sobretrabalho nas formações européias era de natureza “tributária”. A isso

acrescentava-se a pilhagem da América, o tráfico de escravos e o desenvolvimento das produções

mineiras e agrícolas nas Américas, fundamentadas no trabalho escravo.

O século XVIII, apresentado como o século das luzes, do espírito francês ou do despotismo

esclarecido, era o século da expansão dos intercâmbios culturais, do comércio mundial e do

progresso da produção mercantil, agrícola ou manufatureira, responsável pela multiplicação das

riquezas e o agravamento da pobreza. Era o século do fortalecimento do capitalismo inglês, mais

colonial mercantil e manufatureiro, e mais capaz de adaptar-se à independência das colônias

americanas e de criar com a nova onda de enclosures e com a proletarização das massas o

movimento de acumulação, os progressos técnicos e as condições da grande revolução industrial

do século XIX.

Neste contexto, acentuavam-se as contradições vinculadas ao desenvolvimento das

relações mercantis e do capitalismo, ou seja, a dominação colonial de um lado e as guerras entre a

França e a Inglaterra; a independência das colônias na América e a revolução francesa de 1789; o

desenvolvimento dos intercâmbios mercantis e os limites da produção manufatureira, de onde

surgiu o início da revolução industrial na Inglaterra.

Com o esgotamento da França pelas guerras travadas por Luís XIV, a Inglaterra saiu

ganhando nos tratados de 1703 e 1713 a abertura do mercado do Brasil e do império espanhol,

além de se beneficiar da supremacia marítima. Entre 1720 e 1780, intensificou-se a pilhagem e a

exploração das colônias. A América Latina dominada tem papel decisivo na acumulação das

riquezas, pela burguesia da Europa ocidental; a África negra representava a periferia da periferia,

reduzida à fornecedora de escravos para as fazendas. A utilização dessa mão-de-obra permitiu a

apropriação de mais-valia, sob a forma monetária na América Latina, na Europa e na América do

Norte, possibilitando o enriquecimento privado na Europa e o aumento das compras na Ásia.

Nesse movimento geral, atuavam as companhias de comércio, obtendo enormes lucros. Os

mercados franceses incomodavam os ingleses, mas voltam-se primeiro contra a Espanha, em 1739.

A guerra de Sucessão da Áustria, na qual Espanha e França se opõem à Inglaterra e à Áustria,

homens procuram enganar-se e iludir-se de manhã à noite; aspiraram sempre a fundar sua opulência na ruína de seus vizinhos e, todavia, cuidando dia e noite da riqueza – tendo em vista seus interesses particulares – afirmaram visar ao bem geral, embora fosse aquilo em que menos pensavam” (Hugon, 1970, p. 111).

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resultou numa paz que não solucionava questões principais. No curso da guerra dos Sete Anos

(1756/1763), os ingleses bem sucedidos tomaram várias colônias francesas e expandiram seu

império. Abria-se, então, para a Inglaterra um período de supremacia mundial, e foi sobre essa base

territorial expandida que o capitalismo inglês desenvolveu seus mercados, estendeu sua dominação

e organizou a acumulação.

As colônias da América do Norte, como todas as colônias inglesas, eram submetidas ao

regime de exclusividade com a metrópole tendo o monopólio de comprar e de vender. Em 1774, os

norte-americanos reuniram num congresso continental treze colônias; em 1775-76, realizaram um

segundo congresso e conseguiram o apoio dos canadenses e da França; e em julho de 1776

proclamaram a Declaração de Independência e de Entente. A guerra da independência durou seis

anos e os americanos beneficiaram-se da aliança com a França (1778), depois da entrada na guerra

da Espanha (1779) e da Holanda (1780), pois ajudar antigas colônias na América a conquistarem

sua independência significava enfraquecer a principal potência da Europa. A primeira colonização

inglesa, desembocando na primeira guerra de independência, abriu caminho para nova onda de

independências (Argentina, Colômbia, Peru, México, Venezuela).

Na França, quase 10% do povo estavam reduzidos à miséria, enquanto dez mil famílias

estavam em ótima situação financeira, ainda com predomínio do artesanato e da produção a

domicílio, organizado pelo mercador. Entre os operários disponíveis na cidade encontravam-se os

artesãos e os camponeses disponíveis para o trabalho esporádico e isto levantou o acirramento pela

concorrência. Nos campos, vagabundos, mendigos, homens e mulheres sem trabalho formavam a

massa instável de mão-de-obra disponível. Muitas vezes o descontentamento ganhou proporções e

explodiu em revolta, logo dominada. De um lado, uma nobreza reunida em torno do rei reservava

os cargos oficiais e disputava os privilégios e prerrogativas. De outro, a burguesia enriquecia-se e

fortalecia-se, mas ficava longe dos negócios do Estado. Nos salões germinavam as idéias dos

sábios e dos filósofos.

Era uma época de excepcional entusiasmo pela observação da matéria e da natureza. Era

também a época da pesquisa científica e de descobertas com Lavoiser, Berthollet e Lagrange.

Nesse contexto, desenvolveram-se as idéias dos filósofos em conformidade com a razão. A soma

desse fervilhar de idéias foi a Encyclopédie (1751-1764) destinada a substituir a Summa

Theologica de São Tomás de Aquino.

Entre as idéias enciclopédicas destacavam-se “democracia, liberdade e vontade geral”,

esclarecidas pelas revoluções inglesas e pelos escritos de Hobbes9 e de Locke, como também as

9 Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, autor de Leviatã, obra na qual desenvolveu sua tese materialista (Hugon, 1970).

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reflexões sobre o poder, os regimes políticos, as leis, os direitos, o interesse geral, o contrato social

e a vontade geral. Assim foram introduzidos os grandes temas da revolução burguesa: soberania do

povo, vontade geral e liberdade. Também estavam aí os grandes temas dos movimentos populares:

soberania do povo, democracia direta e liberdade. E desenvolveram-se outros debates, sobre a

riqueza, a igualdade e a propriedade com Jean Jacques Rousseau10 que em sua obra pôs a claro o

pacto que o rico propôs ao pobre. Os ricos eram considerados por Rousseau desumanos porque

engordavam com o suor dos miseráveis esgotados de fadiga e de necessidades. Rousseau, contudo,

não preconizava a abolição da propriedade privada, pois considerava “o direito de propriedade o

mais sagrado de todos os direitos dos cidadãos”, mas desejava limitá-lo através do direito de

sucessões e pelo imposto.

Outros autores como Diderot, o abade Raynal e Linguet se preocupavam com a felicidade

do ser humano e criticavam as desigualdades. Em Linguet, a denúncia era mais precisa, sociedade

e propriedade tinham a mesma base, a violência. Ele examinara a situação de todos os

trabalhadores braçais de seu tempo – sucessores dos escravos e dos servos – e a investigação

apontara que as condições de vida destes era infinitamente mais miserável que a vivida por seus

pais. Enquanto ele analisava e denunciava a situação proletária, Turgot 11 e os fisiocratas na França

e Adam Smith da Escola Clássica de economia da Inglaterra viam a necessidade de

“adiantamentos”, isto é, de uma parte do “produto líquido” ser utilizada para a acumulação do

capital, cada um focalizando, pois, uma face do capitalismo. Surgiram as idéias dos economistas e

François Marie Arouet Voltaire, escritor e polemista, francês questionou “como” obrigar todos os

ricos a fazerem todos os pobres trabalharem? Ele via o capitalismo como o sistema que obrigava os

ricos a fazerem os pobres trabalharem sempre mais. A esta lógica Rousseau opôs o direito dos

trabalhadores. Na segunda metade do século XVIII, debateu-se a questão da produção, como

produzir melhor? como obter maior lucratividade? o que é produtivo? O Dr. Quesnay, da Escola

Fisiocrática 12, no artigo “Fazendeiros”, da Encyclopédie (1757), mostrou a superioridade do

arrendamento sobre a parceria e no artigo “Grãos” ele estabeleceu o estado atual da pequena e da

10 Filósofo e escritor francês, autor de O Contrato Social, Emílio e outras. As idéias da Revolução Francesa encontravam-se em sua obra (1712-1788), (Soboul, 1974). 11 Robert Jacques Turgot (1727-1781). Estadista e filósofo francês, ministro de Luís XVI, colaborou na Enciclopaedie. Em 1776, obteve a supressão de todas as corporações de artes e ofícios. Este edito provocou viva oposição na Corte, no Parlamento e no seio das corporações. Com a queda de Turgot, outro édito as restabeleceu seis meses depois. Mas em 1791 dois decretos, um de 2 e outro de 17 de março, suprimiram definitivamente as corporações, estabelecendo a liberdade de trabalho (Hugon, 1970, p. 101). 12 A Escola Fisiocrática foi a primeira “escola” econômica. “Os fisiocratas, escreveu Léon Walras, foram não somente a primeira, mas a única escola de economistas que, na França, apresentou uma Economia Política pura e original”. O Dr. François Quesnay, médico da Corte e do Rei da França, era o chefe da Escola Fisiocrática, e por volta de 1758 escreveu a principal de suas obras, o Tableau Économique (Hugon, 1970, p. 92-104).

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grande cultura de grãos. O marquês de Mirabeau13 escreveu que a nação estava reduzida a três

classes de cidadãos: “a classe produtiva, a classe de proprietário e a classe estéril” (Beaud, 1981).

A classe estéril era formada por todos os cidadãos ocupados em outros serviços ou trabalhos que

não a agricultura. Quesnay analisou ainda a circulação das riquezas, análise vinculada das classes e

da produção-utilização dessas riquezas, exploração econômica de um produto líquido, isto é, de um

excedente líquido”, e o papel dos “adiantamentos”.

O fervilhamento de idéias do século XVIII na França constituiu um arsenal ideológico

diversificado, ou seja, armas para contestar a monarquia (contrato social, vontade geral,

democracia), para questionar os privilégios da nobreza (liberdade, igualdade), para unir os

camponeses e os artesãos das cidades (liberdade, igualdade, propriedade), para atender às

aspirações dos fabricantes e dos negociantes (liberdade de produzir e de comercializar). O longo

enfrentamento da nobreza com a burguesia teve como desfecho a crise do fim do século com a

burguesia apoiando-se no descontentamento do camponês e no movimento popular de tal forma

que no movimento da revolução de 1789 foram realizadas as principais aspirações da burguesia

ascendente: abolição dos privilégios, fim da ordem corporativa dos mestrados e ofícios

juramentados, supressão dos monopólios. Enquanto isso, fermento da transformação na Inglaterra

foi o comércio mundial, fundado na exploração colonial.

Através da Companhia das Índias e do Banco da Inglaterra (1694) que obteve em 1708 o

monopólio de emissão de notas para a Inglaterra e País de Gales, a expansão comercial tornou-se

poderosa. A Inglaterra inteira se transformava, pois, com o desenvolvimento das trocas

melhoraram os transportes e produziu-se mais para vender mais, e isso envolveu agricultura, minas

e atividades de transformação.

1.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO SINDICALISTA NA INGLATERRA

A partir de 1760, retomava-se na Inglaterra o movimento de enclosures que recebeu forma

de leis votadas no Parlamento (enclosure acts). A aristocracia fundiária e dos grandes proprietários

implantou métodos modernos de cultura e de criação, expulsando do campo numerosa mão-de-

obra que vai ser utilizada na produção mineira e manufatureira, e, aos poucos, desenvolveu-se na

cidade o sistema de fábricas. As melhorias e as invenções técnicas atenderam à preocupação de

aumentar a produção. Paralelamente ao aumento da produção e do consumo, foi inventada a

máquina a vapor, sendo utilizada na indústria por volta de 1775. Logo surgiram outras invenções: a

13 Victor Riqueti Mirabeau, economista francês (1715-1789), pai de Honoré G. de Riqueti Mirabeau, político e escritor francês, tribuno da revolução de 1789 (Hugon, 1970, p. 92).

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fiação, o tear mecânico, máquinas de bater lã, cardar, tingir. Na indústria surgiu a fábrica de papel,

serraria e trabalho em madeira. A nova forma de produção, a fábrica, repugnava aos antigos

artesãos por serem esses submetidos a um regulamento inflexível, entrar numa fábrica era como

entrar numa prisão, daí ser o proletariado expulso do campo a primeira mão-de-obra nos burgos,

nas cidades. No setor têxtil, mulheres e crianças formavam a mão-de-obra. A dominação colonial,

o comércio mundial e o capitalismo mercantil ocasionaram, com o desenvolvimento das trocas, o

crescimento do fornecimento de produtos básicos e o crescimento de mercados; as enclosures e a

primeira modernização da agricultura forneceram um proletariado desenraizado e disponível; o

espírito científico e técnico aplicado à produção originou novas invenções. A produção cresceu, o

assalariado se expandiu e as lutas operárias se multiplicaram.

As primeiras formas de reação dos trabalhadores contra a exploração brutal introduzida

pelo novo sistema foram violentas. Muitos trabalhadores quebravam as máquinas,

responsabilizando-as pe los baixos salários e as demissões. Essas manifestações de revolta não

traziam resultado prático para os trabalhadores e foram sendo substituídas pela luta revolucionária.

O Estado teve um papel importante ao adotar medidas protecionistas, os privilégios e os

monopólios da política mercantilista; a política militar a sustentar à expansão comercial e colonial;

a polícia controlando os pobres e a repressão das revoltas operárias; a instituição da pena de morte

aos culpados dos motins; e a proibição de coalizões operárias.

Os trabalhadores entenderam que individualmente eram frágeis para defenderem-se da

exploração capitalista. Era preciso se unir, se organizar. Mas as primeiras organizações de

trabalhadores foram muito combatidas pela burguesia e o Estado (Oliveira, 1989). Cresceu o

número dos que dispunham do direito de voto e seus interesses são refletidos pelo voto do

Parlamento (enclosures acts, leis sobre os pobres, leis antioperárias). Isso levou às associações

secretas de trabalhadores a realização de reuniões na escuridão da noite, fora das cidades, nos

bosques ou cemitérios, e os filiados jurarem fidelidade à causa proletária.

A economia política e o liberalismo progridiram. Na progressão das idéias liberais e na

tomada de consciência da nova realidade econômica, o banqueiro francês Richard Cantillon,

alargou a ruptura com o pensamento mercantilista e preparou a fisiocracia exaltando o papel

econômico dos proprietários fundiários. O filósofo David Hume, em Essais économiques (1752),

analisou em que residia “a vantagem do comércio com o estrangeiro, do ponto de vista do aumento

do poderio do Estado, bem como das riquezas e da felicidade dos súditos” (Beaud, 1981). Ele

enfatizava a lógica liberal, segundo a qual não era pela regulamentação e pelo controle, mas era

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pelo interesse que se deveria governar o homem. Adam Smith14 foi mais explícito em sua Théorie

des sentiments moraux (1759), pois se empenhou em justificar a ordem social fundamentada na

procura dos interesses individuais, salientando e aprofundando a noção de simpatia, justificando o

gozo da grandeza e das riquezas de alguns, expondo a tese da “mão invisível”. Em nome do

interesse dos consumidores, dez anos depois ele rejeitava o sistema mercantil e pregava o sistema

simples e fácil da liberdade natural em que “todo homem... permanece plenamente livre para seguir

a estrada apontada por seu interesse e para levar onde lhe aprouver sua indústria e seu capital,

juntamente com aqueles de qualquer outra classe de homens...” (Beaud, 1981).

Nesse sistema, o soberano só tinha três deveres a cumprir: defender a sociedade de

todo ato de violência ou de invasão; proteger todo membro da sociedade da injustiça ou

opressão; e erigir e manter certas obras públicas e certas instituições. Realizava ainda a

análise da realidade de seu tempo e descrevia a divisão do trabalho numa manufatura de

alfinetes. Seu mundo era o do capitalismo manufatureiro, suas “fábricas” reuniam operários

que tinham “habilidade”, as profissões continuavam artesanais, via os comerciantes, os

transportadores, os fazendeiros, os pastores e os lenhadores. Enfatizava a importância do

trabalho como “a medida real do valor em troca de toda mercadoria”, refletindo sobre o

trabalho produtivo e o improdutivo, associado à sua análise da acumulação do capital. Era o

capital que lhe interessava. Smith observou como funcionava o capital e ao mesmo tempo

percebeu que a lógica global desse capital era a da acumulação. Rejeitando o critério da

balança do comércio, salientou a importância do balanço entre o produto anual e o consumo e

classificou as atividades em função deste critério: depois da agricultura o capital seria

empregado em manufaturas. A maior parte do capital de uma sociedade nascente se dirigia

primeiro para a agricultura, depois para as manufaturas, e depois para o comércio exterior.

Na época em que terminava o capitalismo manufatureiro e se preparava com as fábricas o

capitalismo industrial, Smith analisou o capital cuja acumulação, com base no trabalho produtivo,

iria permitir “enriquecer ao mesmo tempo o povo e o soberano”. Opôs-se a tudo que poderia

restringir a “liberdade do trabalho”, mas entendeu que o trabalhador deveria aceitar a desigualdade

e defender, quando fosse preciso, a ordem social. A burguesia capitalista, sem prever o

perecimento do Estado, encontrou nestas idéias farto material ideológico.

14 Teórico da Escola Clássica. A Escola Clássica consistia na corrente científico-econômica iniciada em 1776, com Adam Smith, e continuada com Thomas Robert Malthus e David Ricardo, completada, em 1848, por Stuart Mill e seus Princípios de Economia Política . Smith nasceu na Escócia em 1723 e dedicou sua existência quase exclusivamente ao magistério. Escreveu o livro a Riqueza das Nações (1776), marco na história da Economia Política, criando uma ciência econômica que apresentava inúmeros pontos de semelhança com a dos fisiocratas. Tal como estes, buscava estabelecer as leis naturais explicativas dos fenômenos econômicos e das suas relações, e, como eles, acabava também no liberalismo (Hugon, 1970, p. 105-107).

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Em suma, o século XVIII com a fábrica viu o capitalismo se introduzir como modo de

produção. Mas ele se fez com base na acumulação de riquezas vindas da extorsão tradicional,

de sobretrabalho camponês e da sobreexploração colonial. O desenvolvimento dos mercados,

ampliado com as trocas, depois com novas técnicas, e na fábrica utilizando uma fonte de

energia, impulsionava o capitalismo industrial. O agente principal desse movimento foi a

burguesia. Na Inglaterra, ela estava associada aos negócios do Estado, tratava-se de liberdade

econômica, liberdade de comerciar, de produzir, de pagar mão-de-obra e de se defender das

coalizões e revoltas operárias. Na França, ela continuava afastada dos negócios do Estado, e a

tratar da liberdade política, supressão de privilégios, constituição, legalidade, estavam

também presentes aí as aspirações do liberalismo econômico (Beaud, 1981).

No século XIX, o liberalismo era a doutrina dominante e trazia na sua essência a defesa da

liberdade (do capital) e da propriedade privada (Mosna, apud Munakata, 1999). A regulamentação

do mercado se deu exclusivamente pela livre-concorrência, pela competição. Sendo assim, em

nome da liberdade, o sindicato (uma associação de trabalhadores) era uma anomalia. Para os

liberais, havia uma relação desigual entre patrão (uma pessoa) e o sindicato (associação de seus

empregados). Uma greve seria situação em que o Estado teria que intervir para evitar riscos à

liberdade. A “célebre” frase do presidente Washington Luís15, “a questão social é um caso de

polícia”, não foi uma heresia política, estava perfeitamente em sintonia com o pensamento liberal

(Mosna, 1999).

O monopólio e a concorrência, a ação do Estado e a iniciativa privada, o mercado mundial

e o interesse nacional, sob formas diferentes, estiveram presentes ao longo da formação do

capitalismo. Essa formação era promovida pelas burguesias nacionais, sustentada ou defendida

pelos Estados nacionais, e suportada pelos trabalhadores e povos submetidos ou dominados em

todo o mundo. Entre 1790 e 1815, o que todos observavam era a Revolução Francesa e as guerras

que afligiam a Europa. Mas outra revolução fora iniciada na Inglaterra e, através dela, foi

introduzida e ampliada a lógica capitalista de produção: exploração crescente de trabalhadores e

produção de massa, acumulação de riquezas de alguns e ampliação da miséria em geral. Essas

contradições foram traduzidas em críticas e confrontos ideológicos na virada do século.

Denunciava-se a desigualdade, a exploração do trabalho e os ricos que dela se

beneficiavam. A lógica social dessa exploração foi posta a descoberto. A desigualdade invadiu o

15 Washington Luís Pereira de Sousa (1870-1957), político e historiador, foi governador do Estado de São Paulo e Presidente da República do Brasil, no quatriênio 1926-30, sendo derrubado pelo movimento de 1930.

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campo das idéias e dos valores. Thomas R. Malthus 16 observou a opressão, a servilidade, a fraude a

beneficiar o sistema de propriedade, mas colocou os pobres no banco dos réus, partindo de dois

postulados: primeiro, a alimentação era necessária ao homem; segundo, a paixão entre os sexos era

necessária e se manteria, com poucas diferenças. Por causa dessa lei da natureza que faz com que a

alimentação seja indispensável à vida do homem, os efeitos desses dois poderes desiguais

deveriam ser considerados por iguais. Isto implicava que a penúria de substâncias atuava como um

freio potente e constante sobre a população.

Para Malthus, o filantropo ou o legislador nada poderiam fazer porque não estava no poder

dos ricos fornecer aos pobres ocupação e pão, e, conseqüentemente, os pobres, pela própria

natureza das coisas, nenhum direito tinham a lhes solicitar. A miséria era um problema de moral

individual. Cabia a cada um, para a sua felicidade, adiar seu estabelecimento até que, à força de

trabalho e economia, ele estivesse em condições de prover as necessidades de sua família. Por

conseguinte, o pobre era culpado de não ter respeitado a lei da natureza, por isso não tinha direito

algum.

Essas foram razões suficientes para deixar a classe operária e a popular da época na mais

terrível miséria. Para os espíritos mais racionais, os economistas mostraram sua “necessidade

científica”: ela não resulta da “lei implacável dos salários”? Foi nestes termos que J. B. Say 17

descreveu como se determinava o salário.

Duas visões utópicas do futuro haviam sido formuladas no início do século XIX. Ambas

garantiam a felicidade de todos: a visão liberal e a visão fundamentada na organização da

sociedade, mais tarde qualificada de “socialista”. Turgot e Smith haviam dito laissez-faire18 diante

da organização corporativista, da política mercantilista, dos monopólios das grandes companhias e

das manufaturas que se beneficiavam de privilégios. Laissez-faire também disseram os

economistas do século XIX.

Essas foram algumas das bases ideológicas do pensamento econômico dos séculos XIX e

XX assim sintetizadas: produzir é aumentar a utilidade, dos três “fatores da produção”, trabalho,

16 Thomas Robert Malthus tal como Adam Smith era um teórico. Sua contribuição à Escola Clássica foi considerável e os seus Principles of Political Economy, 1820, continham o essencial da doutrina inglesa (Hugon, 1970, p. 115). 17 Jean Baptiste Say (1768-1832), jornalista, industrial, parlamentar e professor, escreveu, em 1803, um Traité d’Économie Politique , em 1815, o Cathéchisme d’Économie Politique, Lettres à Malthus , em 1820, e em 1828, um Cours d’Économie Politique. Say conservava o traço liberal de Smith (Hugon, 1970, p. 143). 18 A filosofia do laissez -faire (liberdade de ação) defendida pelos fisiocratas e pelos clássicos consubstanciava o liberalismo e propunha a não -intervenção do Estado no sistema econômico. Foi severamente criticada pelas novas escolas do pensamento econômico desenvolvidas na segunda metade do século XIX (Rossetti, 1970, p. 70).

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capital e terra; e eles são remunerados em pro rata de sua contribuição. David Ricardo19 em

desacordo com J. B. Say sobre esses dois pontos explicava em Principles de l’économie politique

et de l’impôt que “o valor de uma mercadoria, ou a quantidade de toda mercadoria com a qual ela é

trocada, depende da quantidade relativa de trabalho necessário para produzi-la e não da

remuneração maior ou menor concedida ao operário” (Beaud, 1981). O valor das mercadorias se

achava modificado pelo trabalho aplicado à produção delas e pelo trabalho consagrado às

ferramentas utilizadas para criá -las. Definido, então, o valor, cujo preço é a expressão monetária, a

distribuição das riquezas produzidas vai atuar sobre o salário. Esses e outros debates se enraizavam

nas preocupações cotidianas e nas confrontações de interesses que acompanhavam o

desenvolvimento da indústria mecânica.

O movimento operário amadureceu em face à miséria, à fome, ao abaixamento do

salário, ao alargamento da jornada de trabalho, ao endurecimento do regulamento de trabalho.

Os artesãos-operários reagiram brutalmente e esforçaram-se para manter ou reanimar as

antigas estruturas das profissões, associações de companheiros, sociedades secretas e criaram

sociedades de auxílio, mutuais, cooperativas. As idéias de Owen20 foram retomadas por Stuart

Mill21 (que propôs o desenvolvimento de cooperativas de produção) e outros, deformadas,

mas aplicadas, dando espaço ao amadurecimento do pensamento socialista.

Não sendo as idé ias sociais monopólio dos “socialistas”, em 1830 todas as classes

estavam unidas contra a aristocracia, na França. A República foi proclamada, bem como o

sufrágio universal e o direito ao trabalho. Esse direito fora transformado em “liberdade do

trabalho”. Mas foi sob o império liberal que o direito de greve (1864) e que o sindicalismo

conheceram seu primeiro impulso.

Em 1864, sindicalistas ingleses, militares operários franceses e imigrantes alemães,

italianos, suíços e poloneses criaram em Londres a Associação Internacional dos Trabalhadores

19 David Ricardo (1772-1823), banqueiro dotado de rigorosa lógica, elaborou seus Principles of Political Economy and Taxation, 1817, a partir da crítica à Riqueza das Nações e construiu um sistema no qual as conclusões decorriam inexoravelmente dos axiomas, um conjunto coerente de instrumentos de análise para uso geral (Barre, 1964, p. 46). 20 Robert Owen (1772 -1858), inglês e grande industrial, oriundo de uma família de modestos artesãos, foi um dos mais originais representantes do socialismo associacionista. Começou a pôr em prática na própria indústria as suas concepções sociais e econômicas. Buscou criar um novo meio para a solução dos problemas sociais e econômicos, mas ante a inércia e má vontade dos patrões e do Estado dirigiu-se diretamente aos operários e, por intermédio da associação, sob a forma de colônias – sobretudo agrícolas –, lugar onde deveria reinar o igualitarismo absoluto. A palavra de ordem, em toda sua vida, seria: agir! (Hugon, 1970, p. 170). 21 Johan Stuart Mill (1806-1873), filho de o economista inglês James Mill (1773-1836), ocupou um lugar especial na história das doutrinas econômicas. Não se limitou em sua obra Princípios a expor com clareza as teorias e doutrinas da Escola Clássica inglesa; introduziu uma nova ordem de preocupações, qual seja a da busca de “justiça social”. A sua obra representou a transição da Escola Clássica ao socialismo e ao intervencionismo (Hugon, 1970, p. 137).

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que abriu e concretizou a nova dimensão do movimento operário: o internacionalismo (Beaud,

1981).

Assim, mal a burguesia britânica começava com base num capitalismo flamejante e

conquistador a se impor como classe dominante, as burguesias da França, da Alemanha e dos

Estados Unidos precisavam ainda afirmar-se, e as classes operárias, por sua vez, se impuseram e

foram reconhecidas como forças políticas e sociais. Essa relação de forças marcou profundamente

as transfor mações posteriores do capitalismo.

Marx22, observando as experiências socialistas tais como a de Owen, na Inglaterra, e tendo

contato com o socialismo francês, além de formação filosófica haurida em Hegel e Feuerbach,

realizou com Engels 23 a sua síntese na obra “O Capital” (1867). Sua importância estava em

sistematizar suas intuições profundas formadas no meio século. Na sua obra ele fez a representação

da luta das classes. Para ele, a história de toda sociedade até hoje era a história da luta de classes. A

luta de classes com o capitalismo atinge um paroxismo, toda sociedade se dividia em duas grandes

classes opostas: a burguesia e o proletariado. O aprofundamento das contradições para Marx

conduzia ao desabamento do capitalismo e ao fim das sociedades de classes.

Após analisar a mercadoria como forma elementar da riqueza das sociedades como valor

de uso e mais-valia, Marx deixou claro que não era o trabalho, mas a força de trabalho que o

proletário vendia ao capitalista. “O capitalismo é um sistema de mercantilização universal e de

produção de mais-valia. Ele mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas” (Marx, apud Ianni,

1984, p. 8). Da mais-valia era tirada a base da acumulação capitalista, da reprodução ampliada, da

tendência da taxa de lucro à baixa , das crises, da proletarização e do necessário desabamento do

capitalismo. Ianni (1984, p. 9) interpretando as idéias de Marx exprimiu que “a mais-valia e a

mercadoria são a condição e o produto das relações de dependência, alienação e antagonismo do

22 Karl Marx nasceu na Prússia, em 1818. Cursou a Universidade de Berlim, onde predominava a filosofia idealista hegeliana, mas ao fazer doutorado na Universidade de Viena, sofreu profunda influência da filosofia materialista de L. Feuerbach. Na França, conheceu Frederich Engels e juntos entregaram-se à produção científica e à atividade política revolucionária. Fundaram a União Alemã de Educação Operária. Aderiram à organização comunitária intitulada Associação dos Justos e transformaram-na dando o nome de Liga dos Comunistas . Em 1848, Marx expôs seu novo programa sob a designação de Manifesto Comunista. Sua vida se dividiu entre a ação e o estudo. Em 1864, fundou em Londres a Associação Internacional de Trabalhadores . Em suas obras, sobretudo no Manifesto Comunista (1848) e no Capital (1867), Marx e Engels construíram uma imponente doutrina, o marxismo, que se apresentou como formado de duas partes diferentes: uma sociológica e filosófica e outra econômica. A parte sócio -filosófica tinha por base a concepção do materialismo histórico (constituiu para Marx não só um método de interpretação dos fatos passados mas também um auxílio à deducação, um instrumento exato de previsão), à qual estava intimamente ligada a noção de luta de classes: nesta dupla filosofia econômica e social, o marxismo foi buscar o traço científico que o caracterizava. A parte econômica continha as teses da exploração e a da evolução (Hugon, 1970, p. 212-219). 23 Frederich Engels (1820-1895), filósofo alemão e colaborador de Karl Marx, fundou com este o materialismo dialético e o socialismo científico. Também foi fundador das sociedades operárias mais importantes à sua época (Hugon, 1970, p. 213-216).

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operário e do capitalista”. Para Marx, portanto, a verdadeira barreira da produção capitalista era o

próprio capital.

Segundo Oliveira (1989, p. 5), embora as contradições e a repressão, o exemplo de

luta vingou e a organização sindical espalhou-se por toda a Inglaterra, conquistando:

ã Em 1825 – a legislação dos sindicatos com a permissão dos trabalhadores agruparem-se

para a realização de contratos coletivos e para decidirem greves;

ã Em 1867 – a conquista do direito de voto pelo operariado;

ã Em 1868 – a constituição da Central Sindical Inglesa (Trade-Unions);

ã De 1885 a 1900 – a conquista da jornada diária de trabalho de 8 horas.

O exemplo inglês de organização sindical disseminou-se pela Europa e pelo mundo

inteiro, embora as datas do surgimento de organizações abrangentes apresente variações entre

os diferentes países europeus. Em países com industrialização mais tardia, a organização

sindical nasceu posteriormente, é o caso da Alemanha, Suíça, Áustria, França, Itália e Suécia.

Schutte, Castro e Jac obsen (2000, p. 15) apontam ainda outras variáveis importantes no

processo de surgimento do sindicalismo como a organização política partidária dos

trabalhadores, o papel da Igreja e a política do próprio Estado.

A organização política partidária dos trabalhadores atuava como uma força de apoio e,

conforme afirmam Pont e Rossetto (1984), a centralização no partido permitiu que os

trabalhadores enfrentassem um inimigo também altamente centralizado no aparelho estatal.

Quanto ao papel da Igreja e a política do Estado, atuavam esses no sentido de evitar o

surgimento de organizações sindicais articuladas em níveis nacionais e quando não havia

como evitá-las, buscavam absorvê-las, garantindo a reprodução do poder capitalista,

transformando o movimento sindical em sindicalismo de Estado, isto é, subordinando o

sindicato oficial à cúpula burocrática estatal (Boito Jr., 1991a).

As leis do Estado não conseguiram evitar a organização dos trabalhadores, apenas

retardá -las. Todavia só com a abolição dessas proibições foi possível as experiências

localizadas evoluírem para uma organização nacional. O exemplo estava na própria Inglaterra

onde por mais violentas que fosses as repressões houve o crescimento das associações

clandestinas, mas só com a lei votada em 1824 pelo Parlamento inglês começou o avanço dos

trabalhadores na conquista do direito de livre associação (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p.

16).

Conquistando o direito de livre associação, as trade-unions (uniões sindicais)

desenvolveram-se por todo o país, tornando-se uma força social importante na Inglaterra e nos

demais países europeus. Logo começou o processo de aglutinação das várias associações

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regionais em uma confederação e em 1868 criou-se a TUC (Trade Union Congress –

Congresso de Sindicatos), a primeira e ainda existente confederação sindical nacional.

Em 1830, constituiu-se uma associação geral de operários ingleses, a Associação Nacional para a Proteção do Trabalho, como embrião do que se tornaria a central sindical. Evidentemente o patronato não ficou passivamente assistindo ao avanço do movimento sindical. Utilizando a poderosa arma da demissão, as empresas começaram a pressionar e obrigar os trabalhadores a renunciar à participação sindical (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 16).

O que houve em 1868 foi um congresso reunindo representantes de várias associações

sindicais regionais e estruturais por profissão, as quais aprovaram uma moção expressando a

vontade de todos os presentes de se reunir a cada ano. Daí as características que marcaram até

hoje a TUC: congressos anuais como fóruns de debates e uma estrutura sindical

descentralizada, com peso nos sindicatos e nos locais de trabalho.

O predomínio quantitativo do mundo agrícola e rural continuou incontestável na França, na

Alemanha e nos EUA. Na Inglaterra, o mundo da indústria, da troca, dos serviços e dos escritórios,

representava mais de 4/5 deles em 1871. Durante esse período a população ativa empregada na

agricultura não decresceu, na Grã-Bretanha, enquanto na França a população agrícola ativa

aumentou.

A agricultura era uma fonte importante de mão-de-obra para a indústria, na Inglaterra. Com

o êxodo rural, o crescimento demográfico suscitou a formação de uma massa de mão-de-obra

miserável e disponível, indo alimentar ao mesmo tempo a constituição da classe operária britânica

e a emancipação britânica. Essa população disponível se acumulou nas cidades em que se

desenvolveram as atividades industriais e onde se amontoavam os trabalhadores da indústria. As

grandes cidades constituíram o foco do movimento operário; foi nelas que os operários começaram

a refletir na situação deles e na luta.

No início de 1840, Engels, estudando a situação da classe trabalhadora, já mostrava a

dureza das condições de trabalho e de vida e a pequenez dos salár ios, e salientava a escravidão que

a burguesia acorrentou o proletariado através do sistema industrial.

Em 1850, o sistema industrial britânico era heterogêneo. O antigo subsiste com o

artesanato, com o trabalho a domicílio, com a manufatura e as worhouses e com a fábrica.

Desenvolveu-se principalmente o factory sistem (sistema de manufaturas) com as fábricas e o

sweating system (sistema do suor), a nova forma de trabalho a domicílio. Com a união do capital e

da ciência, reduziu-se o trabalho dos operários ao simples exercício de vigilância e da destreza,

sendo por isso utilizadas em parte do trabalho crianças.

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Testemunhos atestaram a desumana exploração que foi o desenvolvimento industrial do

século XIX. O sweating system passou a se desenvolver como prolongamento do trabalho da

fábrica. A remuneração era por peça e permitia, mediante taxas muito baixas, forçar os

trabalhadores a longas jornadas de trabalho (Beaud, 1981).

Esse desenvolvimento incluiu a miséria operária, tanto na Inglaterra como na França.

Havia longas jornadas de trabalho, insalubridade, subalimentação, trabalho de crianças,

doenças, acidentes. A subordinação dos operários era assegurada pela interdição, caderneta

operária, o Código Civil dava o direito ao patrão de pagar o que queria sem contestação.

Viver, para o operário, era não morrer. Como pode ser visto, a indústria capitalista do século

XIX, na Inglaterra e na França, desenvolveu-se com base na dura exploração das massas

operárias, o mesmo acontecendo em todos os países da Europa e da América.

1.2 O AVANÇO DO MOVIMENTO SINDICAL NA EUROPA

À semelhança do que ocorreu na Inglaterra, os avanços do movimento sindical e da

legislação social nacional se repetiram em toda a Europa, obrigados por uma pressão direta,

ou por vontade de governos social-democratas. Em outros momentos, essa implementação

mostrou ser uma estratégia de governos conservadores para neutralizar o avanço do

movimento sindical.

No Quadro 1 (página seguinte), as datas de nascimento das principais centrais

sindicais na Europa mostram que os períodos de surgimento dessas organizações foram

descontínuos e servem para evidenciar as dificuldades vividas pelas associações de

trabalhadores, locais e regionais, e as tentativas dos governos autoritários, em alguns países,

de implementar políticas anti-sindicais.

Para enfrentar a burguesia encastelada em torno do Estado e da fábrica, os sindicatos

se organizaram refletindo a organização da força de trabalho imposta pelo capitalismo. O

movimento surgiu para tentar melhorar o relacionamento capital e trabalho. O poder dos

sindicatos era setorial e vinha do controle que possuía sobre a força de trabalho. Entretanto,

no caso da Alemanha, houve por parte do governo autoritário de Bismarck a tentativa de

implementar uma política anti-sindical e ao mesmo tempo introduzir uma legislação social,

tendo em vista evitar a radicalização dos trabalhadores. As leis anti-sindicais de Bismarck24

24 Príncipe Otto von Bismarck (1815 -1898), ministro do rei Guilherme I da Prússia, esforçou-se por fundar a unidade alemã sob o poder prussiano a partir da unificação de cerca de 40 pequenos Estados. Esteve em guerra com a França entre 1870-1871, conseguindo aumentar sua popularidade e ampliar a esfera de influência da

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vigoraram de 1878 até 1890, impossibilitando o funcionamento de qualquer organização

sindical em nível nacional. Com a queda do “Chanceler de Ferro” e a retirada das leis anti-

sindicais, foi criada a Central de Sindicatos Livres (Generalkomission der Freien

Gewerkschaften Deutschlands ).

Schutte, Castro e Jacobsen (2000, p. 18) observam que “a influência dos Partidos

Socialistas foi determinante em vários países”. O resultado dessa influência foi a reunião dos

Partidos Socialistas da Suécia, Dinamarca e Noruega, em 1898, na qual se decidiu trabalhar

para a formação de centrais sindicais nacionais (socialistas) , criadas efetivamente naquele ano

e que existem ainda hoje. Na Bélgica, a Comissão Sindical nasceu como uma estrutura do

Partido Socialista, também em 1898, e só se tornou independente em 1905 (presentemente

esta sindical atua sob a sigla FGTB – União Geral de Sindicatos Belgas).

A única exceção em que a central foi criada antes do surgimento do partido socialista

foi na Inglaterra, pois a partir da TUC (Trade Union Congress – Congresso dos Sindicatos),

se formou, em 1906, o Partido Trabalhista, com o objetivo de defender os sindicatos no

parlamento contra os esforços de (re)introduzir legislação anti-sindical.

Quadro 1 – Data de nascimento das principais centrais sindicais na Europa

País Nome da Central Data de fundação Inglaterra Trade Unions (TUC) –

Congresso dos Sindicatos 1868

Suíça SGB (Schweizerischer Gewerkschaftsbund) – União dos Sindicatos Suíços

1880

Alemanha Generalkomission der Freien Gewerkschaften Deutschlands – Central de Sindicatos Livres Deutscher Gewerkschaftsbund (DGB) – União de Sindicatos Alemães

1890

1949

Áustria Bund Freier Gewerkschaften – União de Sindicatos Livres Osterreichische Gewerkschaftsbund – União de Sindicatos Austríacos

1892

1945

França Confédération Général du Travail (CGT) – Confederação Geral do Trabalho

1895

Suécia Landsorganisationen i Sverige (LO) – Confederação Sueca de Sindicatos

1898

Itália Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CDdL) – Confederação Geral do Trabalho Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL) – Confederação Italiana do Trabalho

1906

1944

Fonte: Schutte, Castro e Jacobsen (2000, p. 16-17).

Prússia. Introduziu o sufrágio universal para os homens e fez muitas reformas sociais e econômicas na tentativa de organizar um socialismo estatal até que o kaiser o obrigou a renunciar, em 1890. A política inflexível e agressiva de Bismarck fez com que recebesse o cognome de “Chanceler de Ferro”, seus métodos resumiam-se numa frase: “sangue e ferro” (Reader’s Digest, 1998).

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A formação das centrais sindicais nacionais socialistas consolidou o fim da primeira

divisão no movimento dos trabalhadores: “aquela entre as tendências anarco-sindicalistas e as

socialistas” (Schutte, Castro e Jacobsen, idem). Os autores observam que na grande maioria

dos países as associações de orientação anarco-sindicalista25 desapareceram rapidamente do

cenário, com exceção da Espanha, onde tiveram hegemonia entre os trabalhadores até a sua

derrota diante do golpe militar de Franco, na segunda metade dos anos 30.

Antes do final do século XIX, houve ainda a segunda grande divisão do movimento

dos trabalhadores, marcada pela entrada das forças católicas e protestantes na disputa com os

sindicatos socialistas, pela adesão dos trabalhadores. Observa -se, então, que as centrais cristãs

foram criadas em reação às centrais socialistas. O ponto de partida era a Encíclica Rerum

Novarum de 1891, com a qual a Igreja Católica reconheceu a existência da “questão social” e

alertou para a necessidade de se defender os trabalhadores das influências do pensamento

socialista e liberal. Em seguida houve também a criação das centrais protestantes, entre as

quais a CNV holandesa que ainda sobrevive. Foram criadas centrais sindicais cristãs em todos

os países europeus, com exceção da Inglaterra e dos países escandinavos. Entretanto, frisa-se

que essas centrais sindicais não conseguiram desafiar a hegemonia dos sindicatos socialistas,

apesar da força que adquiriram os movimentos representativos em muitos países.

Em suma, o movimento sindical tomou sua forma básica em função dos seguintes

fatores: o grau e a fase de industrialização, o grau de concentração da economia, a força das

associações patronais, o processo democrático, a influência do partido socialista e a relação

partido-sindicato, a influência de forças políticas católicas ou protestantes, o tamanho da

economia, a orientação da classe dominante, autoritária ou aberta ao diálogo, o

reconhecimento do Estado e o grau de interferência do governo nas negociações coletivas.

Esses fatores eram, convém observar, bastante diferenciados entre um país e outro.

Ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, com o Tratado de Paz de Versalhes, a

classe trabalhadora surgiu fortalecida politicamente e viu a necessidade de uma organização

própria em torno de seus interesses, refletindo-se, também, no aumento expressivo de

trabalhadores organizados em sindicatos.

25 Havia variantes do anarco-sindicalismo, mas suas principais características foram a perspectiva de derrotar o capitalismo atravé s da radicalização sindical e da greve geral, sem intermediação de um partido de trabalhadores. Rejeitava-se a separação entre sindicato e partido, e enfatizava-se a participação da base e as formas alternativas de socialização e experiências de autogestão (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 18).

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1.2.1 As centrais sindicais e a evolução do movimento sindical – estrutura sindical e

relações sindicatos/partidos: os casos da França, Inglaterra, Bélgica, Espanha,

Suécia, Alemanha e Itália

a) Estrutura sindical - As centrais sindicais se estabeleceram como fóruns de

coordenação, muitas vezes fortemente ligados aos partidos socialistas. A forma de

organização desejada e escolhida foi a federativa, que mantém-se até hoje, apesar das várias

mudanças sofridas. Por seu lado, os sindicatos, na grande maioria dos casos, optaram por

estruturas orgânicas por setor em nível nacional, com exceção da Inglaterra e parcialmente da

Dinamarca, mas isso não aconteceu na central. A debilidade da central foi superada na

Dinamarca formando cartéis de negociação coletiva entre os sindicatos que operavam no

mesmo ramo. E na Inglaterra, mesmo persistindo a descentralização, os processos de

unificação reduziram o número de sindicatos. McIlroy (1997) fornece uma noção clara do

sindicalismo inglês ao explicar por que nos 75 anos do século XX ele era a imagem da força e

da estabilidade.

O nível de sindicalização era amplo e extensivo. Em 1920, 8 milhões de trabalhadores representando 45% da força de trabalho eram sindicalizados. O movimento caracterizava-se pela unidade institucional, relativa ausência de fragmentação política e partidária, e pela descentralização. A Central Sindical Nacional, o TUC (Trade Union Congress), foi fundada já em 1868 por entidades sindicais: elas estabeleceram limites rígidos sobre seus poderes de coordenação e regulação, concedendo de má vontade a autonomia. O TUC não encontrou nenhum rival importante e através do século a maioria dos sindicalistas tornou-se membros de suas entidades filiadas. A ausência de agitação interna garantiu padrões complexos de organização e um plurissindicalismo com variedades de sindicatos de ofícios, industriais, ocupacionais e gerais, competindo pela adesão. Na década de 1960, mais de 20 sindicatos representavam os trabalhadores em uma fábrica da Ford. Havia 651 sindicatos na Inglaterra, com 183 deles organ izando 80% de todos os membros afiliados ao TUC. Na década de 1970, um número crescente de fusões levou a uma tendência por um sindicalismo multiocupacional26 (McIlroy, 1997, p. 40-41).

Em outros países, as organizações afiliadas abriram mão de parte de sua autonomia,

mas continuaram como entidades autônomas, com estatuto e congressos próprios como

instância máxima de decisão. Em nenhum país da Europa, segundo Schutte, Castro e Jacobsen

(2000), as organizações afiliadas se transformaram em estruturas orgânicas da central, todavia

a OGB, na Áustria, é a que mais tem caminhado nesta direção. Desse modo, qualquer decisão

26 Cfr. em Coates, 1989; McIlroy, 1995; Middlemas, 1979; Savage and Miles, 1994 (McIlroy, 1997, p. 41).

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da central passa por mecanismos de aprovação dentro das estruturas dos afiliados. Mas, apesar

de todos terem forma federativa, há grandes diferenças na posição da central, sua capacidade

de garantir a unidade interna e sua capacidade de elaborar, defender e implementar políticas

comuns. Em geral, o poder de negociação está concentrado nas mãos dos sindicatos nacionais

por setor.

Para evitar os impulsos egoístas dos sindicatos, as centrais encontraram algumas

formas de garantir o respeito por parte dos seus afiliados e a proteção através da centralização

e controle dos fundos de greve total e a consolidação de uma liderança respeitada na central,

além da obtenção de um consenso que atribui às centrais quatro papéis principais:

representação frente ao governo em órgãos tripartites e frente aos partidos políticos; prestação

de serviços para as organizações afiliadas em áreas como educação (formação, pesquisa,

assistência jurídica e outras); garantia de boas relações entre os sindicatos afiliados; e

negociação de acordos guarda -chuvas. Por exemplo, há acordos nacionais por ramo, embora

sejam bastante genéricos. Há centrais fracas em relação aos seus afiliados, como a TUC, na

Inglaterra e a DGB, na Alemanha. Neste país, os sindicatos nacionais não deixam a central

estabelecer relações diretas com o governo.

O poder dentro da estrutura sindical se concentra junto com a negociação coletiva. Na

Alemanha, as negociações setoriais são estaduais, mas coordenadas e conduzidas por fortes

estruturas nacionais. Nos países escandinavos, as centrais participam ativamente do processo

de negociação coletiva em nível setorial e assinam acordos juntos com os sindicatos

envolvidos.

Schutte, Castro e Jacobsen (2000, p. 40) distinguem quatro situações distintas na

Europa referentes à questão da pluralidade de centrais:

1) Inglaterra, Irlanda e Áustria são países onde existe só uma central. Nos dois

primeiros, há sindicatos de trabalhadores organizados fora da central sem que estes tenham tentado formar uma central própria. Só no caso da Áustria todos os trabalhadores sindicalizados são organizados em sindicatos que estão de forma quase orgânica integrados à central OGB.

2) Os países escandinavos, além de manter altos índices de sindicalização, também se caracterizam pela existência de centrais nacionais de trabalhadores da área administrativa. As centrais principais, na realidade, não se propuseram a limitar -se à organização de trabalhadores manuais, mas mesmo assim não conseguiram evitar o surgimento de centrais específicas. Há também centrais sindicais específicas para trabalhadores do setor de administração em vários outros países europeus. Mas em geral a maior parte do pessoal administrativo sindicalizado ficou nas centrais gerais. Há inclusive uma tendência à reintegração através de fusões de sindicatos do pessoal de administração com outras entidades operando no mesmo ramo.

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3) Similar à situação nos países escandinavos é a da Alemanha. Lá há uma central (DGB) que domina a cena. (...).

4) Em todos os outros países, se mantém uma divisão em função de política e/ou religião, apesar de as circunstâncias políticas que justificaram a cisão terem deixado de existir. Além das heranças da segunda (religião x socialistas) e terceira divisão (socialistas x comunistas) no movimento sindical, há ainda, em alguns países, siglas de centrais que sobrevivem à primeira divisão (anarco-sindicalistas x socialistas), como é o caso, por exemplo, da Espanha (CGT e CNT), Suécia (SAC) e Holanda (OVB). Em nenhum caso, porém, essas centrais representam alguma coisa de fato, e também não são reconhecidas como interlocutoras em nível nacional. A divisão entre comunistas e socialistas deu origem a centrais separ adas na França, Itália, Portugal, Espanha e Finlândia.

A relação entre as centrais atravessou mudanças ao longo dos anos e possibilitou

agrupamentos através de pactos de unidade de ação (Itália e Espanha), fusão (Holanda),

relação de respeito (Bélgica) e também nos países onde as centrais minoritárias são muito

menores que a principal (Alemanha), mas ainda persiste forte conflito na França, Portugal e

Grécia. Em alguns países persiste a disputa política entre frações internas, como na CGIL

italiana, em centrais na França, na Áustria e na Espanha. Em outros países essas disputas não

existem ou elas são muito pequenas. Por exemplo, na OGB da Áustria há frações

reconhecidas dos socialistas, sempre majoritários, cristãos, liberais, comunistas e,

recentemente, dos verdes. Há ainda outro critério de agrupamento e classificação das centrais

que opera através do nível de sindicalização. Neste caso, são distinguidos três grupos: 1) alto

nível de sindicalização27, caso dos países escandinavos – Suécia, Dinamarca, Noruega e

Finlândia – , também Áustria, Irlanda, Bélgiga, Luxemburgo, e até meados da década de 80, a

Inglaterra; 2) níveis de sindicalização médios 28, encontrados na Itália, Alemanha e agora

também na Inglaterra; 3) níveis de sindicalização baixos29 – França, Portugal, Grécia,

Espanha e Holanda (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 41).

Ao longo dos anos, ocorreram poucas mudanças nessas posições, entretanto as

pesquisas de Schutte, Castro e Jacobsen (2000) indicam a existência de diferenciação a

respeito da orga nização no local de trabalho. Em quase todos os países, a partir das

mobilizações do final da década de 1960 e de 1970, houve uma ampliação dos direitos de

organização e representação no local de trabalho. Essas conquistas, analisadas no contexto do

avanço e aprofundamento da democracia nas respectivas sociedades, evidenciam um aumento

da participação direta da população nas gestões públicas ou nas escolas e universidades. A

27 Alto nível de sindicalização – em torno de 50% ou mais (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 41). 28 Níveis de sindicalização médios – entre 30 e 50% (Schutte, Castro e Jacobsen, idem ). 29 Níveis de sindicalização baixos – menos de 25% (ibidem ).

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utilização desses espaços de representação no local de trabalho depende, porém, da relação de

força, e um fator determinante é a capacidade de fortalecer e respaldar as lutas no local de

trabalho com negociações e mobilizações articuladas. O resultado é basicamente a existência

de dois tipos de organização no local de trabalho: a vinculada diretamente à estrutura sindical

e a que representa o conjunto dos trabalhadores de uma empresa, sem que estes tenham

vínculo com o sindicato.

“As fortes tradições de atividades no local de trabalho, a independência em relação aos

patrões e uma complexa mistura de cooperação e de oposição em relação à empresa datam do

século XIX” (McIlroy, 1997, p. 41). Conforme esse autor, a organização sindical, quase

autônoma no local de trabalho, surgiu na Inglaterra no início de 1900, floresceu antes de

1920, camba leou nos anos do entreguerras e se reafirmou a partir do fim da década de 1930.

No fim da década de 1950, o crescimento independente da organização no local de trabalho

acompanhou o aumento do poder de negociação, freqüentemente fragmentado e informal, e o

declínio do poder regulador dos acordos com os empregadores. Na década de 1970, outros

acontecimentos vieram influenciar a crescente hierarquização e a profissionalização da

organização sindical do local de trabalho.

Os sindicatos eram dirigidos sem recursos, pois a contribuição sindical era baixa

(0,4% da média de ganhos anuais, se comparada ao 1% da Alemanha e da França). Entretanto,

a organização no local de trabalho era a base para a expansão da democracia sindical. A partir

da segunda metade do século XIX, a classe trabalhadora inglesa desenvolvera uma cultura de

associação densa e voltada para si e uma consciência de classe aguçada mas defensiva que

buscava criar espaço dentro da sociedade capitalista em vez de transformá-la. Com o

sindicalismo enraizado numa economia forte e predatória, seus líderes se viram diante de um

Estado minimalista com o qual mantinham relações por meio de partidos estabelecidos. Os

sindicatos, tendo como maior inimigo um Judiciário inundado por concepções individualistas,

foram legalizados já nos anos 1870, tirando partido a partir daí de uma crescente “tendência

corporativista” do Estado inglês e de empregadores fracos e divididos. Isso fez com que as

ofensivas contra os sindicatos de 1890 em diante não fossem duradouras. Em grande parte do

século XX, encontra-se a empresa, os sindicatos e o Estado apoiando uma regulamentação

voluntária das relações de trabalho, caracterizada pela ausência de uma legislação detalhada e

a prioridade sendo dada à negociação coletiva autônoma.

Até a década de 1970 não existia nenhum direito legal de sindicalização ou de

reconhecimento do sindicato, nenhuma obrigação por parte dos patrões de negociar, nenhuma

garantia de cumprimento de acordos coletivos por parte das cortes de Justiça, nenhum direito

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à greve. Mas o arraigado reformismo do sindicalismo inglês ganhara um aspecto organizado

independente com a criação do Partido Trabalhista entre 1900 e 1918. Assim, novamente, de

forma diferente de outros países, a organização política operária cresceu a partir dos

sindicatos, em vez dos sindicatos serem promovidos pelo partido. Em 1979, o Partido

Trabalhista tinha estado no governo durante 11 dos 15 anos precedentes, garantindo uma

importante influência dos sindicatos nos assuntos de Estado. E por esse período o Reino

Unido havia conhecido duas décadas de atenção crescente à “questão dos sindicatos”. A

“tendência corporativa” do Estado foi intensificada, culminando no “contrato social” do

governo do Partido Trabalhista de 1974-1979, cujo objetivo era substituir o envolvimento dos

líderes sindicais nos processos estatais, a legislação favorável, as tentativas de proteger o

pleno emprego e os benefícios sociais pela aquiescência no controle dos salários.

Essas políticas, no entanto, tiveram sucesso limitado. O sindicalismo estava mais

difuso e enraizado do que em qualquer outro momento da história inglesa, mas fechado ao

Estado. E de certo modo o sindicalismo teve mais sucesso que nunca. O movimento lançava-

se além do “economicismo” com a ação sindical orga nizada contra as propostas do governo

por uma legislação sindical restritiva em 1969, com as greves contra a prisão dos portuários

que desafiaram a legislação conservadora de 1972 e com as greves dos mineiros em 1974.

Esses anos mostraram um crescimento significativo das ocupações do local de trabalho, dos

works-ins30 e dos piquetes. Com a eleição do Partido Trabalhista, em situação econômica

decadente em 1974, os problemas da direção do sindicalismo se intensificaram. Além disso, a

subseqüente quebra do “contrato social” trabalhista culminou na atualização do setor público.

As mudanças na economia mundial tiveram influência no seu fracasso, bem como na

fragilidade do Estado inglês e na fragmentação estrutural do capital e do trabalho. Assim, no

advento do pr imeiro governo Thatcher, o avanço da organização no local de trabalho, apesar

do setorialismo, chegou a um novo pico numérico e a novas áreas; a expansão do sindicalismo

diante de tendências contrárias e a rápida transcendência da economicismo mostrou um

progresso limitado, contingente e frágil. E a partir de 1979, os sindicatos enfrentaram

mudanças qualitativas no contexto em que se organizavam. O que se vê é que o controle do

Estado por parte de forças políticas antagônicas minou sua resposta aos desdobramentos

potencialmente corrosivos da economia e do mercado de trabalho, ao mesmo tempo

municiando a oposição dos patrões na negociação coletiva. A conseqüência foi o ambiente

menos receptivo ao sindicalismo desde 1945 (McIlroy, 1997, p. 43-44).

30 Forma de protesto na qual os trabalhadores de uma fábrica ou qualquer outra empresa que vai ser fechada ocupam o local de trabalho e assumem a direção dos negócios (N. T, apud McIlroy, 1997, p. 43).

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Na Suécia e Inglaterra há apenas uma representação sindical no local de trabalho. Na

França, Alemanha e Holanda há o sistema duplo: existe uma estrutura de representação eleita

por todos os trabalhadores (comitê de empresa) e também a representação direta do sindicato

através de delegados sindicais que também podem estar organizados em comitês 31. No caso

da Alemanha, “os sindicatos negociam a redução de horário de trabalho geral e os comitês de

empresa acordam com a empresa como introduzir naquela realidade específica essa redução

(se por dia, por semana ou utilizando a jornada anual). Mas os comitês não podem negociar

itens contrários às cláusulas do contrato coletivo” (Schutte, Castro e Jacobson, 2000, p. 42).

Já na Itália, encontra-se um sistema no qual a organização no lugar de trabalho é

parcialmente vinculada à estrutura sindical e está integrada ao sistema de negociação coletiva,

como na Suécia e Inglaterra.

O movimento sindical nos países nórdicos (Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca)

apresenta particularidades. Tomando-se como exemplo a Suécia, país que tem a maior

densidade de sindicalização do mundo, lá o movimento sindical é conhecido por sua

organização em torno das centrais sindicais. Há na Suécia três centrais sindicais

representativas 32:

• LO – a central ligada ao Partido Social-Democrata que esteve no poder

ininterruptamente de 1932 até 1976. Foi fundada no final do século XIX, como a primeira central sindical do país, tinha uma estrutura solta, com poucos poderes. Em 1941, seu estatuto foi mudado com o objetivo de se tornar uma central poderosa e participar do desenvolvimento do país. É conhecida como a Central dos trabalhadores manuais, apesar de organizar também trabalhadores da área administrativa.

• TCO – central sem vínculo partidário que organiza trabalhadores da área administrativa.

• SACO – Federação dos Sindicatos Profissionais. Essa Federação organiza os trabalhadores diplomados pela Universidade (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 51).

As centrais sindicais suecas têm como afiliados diretos os sindicatos nacionais por

ramo. O modelo sueco de negociação coletiva se caracteriza por sua centralização e o

envolvimento direto das centrais sindicais no processo de negociação. Desde 1952 há um

Acordo Salarial Nacional respeitado pelas organizações afiliadas, apesar de elas não serem

31 Os comitês de empresa sem vínculo com o sindicato normalmente não são integrados ao sistema de negociação coletiva, mas têm a competência de negociar a implementação ou fiscalização de acordos (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 42). 32 Há uma central anarco-sindicalista – SAC – com uns 30.000 afiliados, mas não tem reconhecimento como central (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 51).

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obrigadas legalmente a respeitá -lo. Isso levou ao desenvolvimento de um sistema de dois

níveis de negociação:

1) contratos interconfederativos33 entre centrais sindicais e as organizações patronais,

sem participação do governo.

2) Os sindicatos nacionais por ramo negociam, por sua vez, dentro desses parâmetros,

os acordos nacionais setoriais ou os acordos das grandes empresas, adaptando o

acordo geral às especificidades do setor.

A Lei da Co-Determinação de 1977 substituiu uma legislação datada do início do

século, segundo a qual era prerrogativa da Gerência da Empresa dirigir e distribuir o trabalho.

Essa alteração na legislação modificou as relações de poder no interior das empresas, no local

de trabalho. Todos os aspectos da vida empresarial passaram a ser objeto de negociação entre

direção e sindicato34.

Schutte, Castro e Jacobsen (2000, p. 53) identificam quatro aspectos da política

sindical de co-determinação: 1) a política de pessoal (tentar negociar nível de emprego,

formação dos trabalhadores, política de promoções); 2) organização de trabalho (negociar

novas formas de organização, sistemas de remuneração); 3) democracia no local de trabalho;

4) controle dos investimentos (sua localização, o tipo de investimento).

A política de co-determinação se amparou, de um lado, na legislação, e, de outro, na

ampla representação no local de trabalho. A Alemanha também adota o modelo de co-

determinação, a diferença é que na Suécia o órgão de representação no local de trabalho é

unificado e ligado organicamente ao sindicato enquanto na Alemanha o órgão de

representação, o comitê de empresa, não tem vinculação oficial com o sindicato, embora

represente o total dos trabalhadores. Na Suécia, em vez de comitês de empresa, há seções

sindicais no local de trabalho, e onde não há seção sindical há sempre delegados sindicais.

A Suécia é um dos países em que o sindicato está diretamente envolvido na

administração do Fundo de Desemprego, o que explica, em grande parte, que não tenha

sofrido queda de sindicalização frente ao aumento do desemprego.

Na Espanha, as duas principais centrais sindicais, CC.OO e UGT, têm um histórico

diferente. Enquanto as Comissões Obreiras (CC.OO) surgiram depois da queda do franquismo

na década de 1970, a UGT (Union General de los Trabalhadores), a maior central, representa

33 Este contrato estabelece o princípio da política de renda no país por três anos. Trata-se de acordo-quadro. Uma orientação muito forte da LO nessas negociações sempre foi chamada “política de solidariedade salarial” visando à redistribuição de renda (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 52). 34 Para a efetivação desse tipo de negociação, a empresa informa aos trabalhadores a respeito de temas como nível de emprego, salários, orçamento e métodos de trabalho (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 52).

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a continuidade da central fundada em 1888. Além dessas duas centrais, há também a CGT,

uma central pequena, com parte da sua composição oriunda do anarquismo, e a CNT

(Confederación Nacional del Trabajo), que tem a mesma origem e é organizada por

“nacionalidades” (equivalente aos estados brasileiros, mas com mais autonomia).

A UGT e CC.OO são hoje afiliadas à Confederação Européia (CES) e CIOSL. A

CC.OO é organizada por ramo de produção que vai desde a seção sindical no local de trabalho

até os sindicatos provinciais, as federações estaduais e 17 federações nacionais. Por outro

lado, organizam-se também em uniões, parecidas com a estrutura horizontal da CUT (Central

Única de Trabalhadores, no Brasil), as regionais, estaduais. Esses dois ramos da estrutura da

central confluem na Confederação Nacional, as comissões obreiras.

A filiação na Espanha se dá diretamente pela seção sindical – local de trabalho.

Quando o trabalhador se filia à seção ou aos comitês, ele se adequa às estruturas de cada

central sindical.

Quanto à estrutura e hierarquia, os sindicatos têm duas obrigações básicas: respeitar o

estatuto (Estatuto dos Trabalhadores, de 1980, revisado em 1984) e as orientações gerais das

instâncias superiores (congressos). A eleição dos sindicatos e das federações é realizada em

congressos. O comitê de empresa é unitário e garantido pela legislação, inclusive suas

atribuições, garantias sindicais, tempo para as atividades. Esses comitês são eleitos por todos

os trabalhadores da empresa. Quanto à disputa de diferentes concepções nas empresas, é feita

via eleição da qual participam todas as centrais e não há restrição para a participação de

sindicatos independentes. O comitê é composto proporcionalmente.

Um acordo entre a UGT e o governo, em 1986, garantiu a presença de representantes

de sindicatos nos conselhos de supervisão das empresas públicas.

Quanto às negociações, não há contrato nacional. Existem negociações nacionais feitas

pelas Centrais – CC.OO e UGT – com o governo. Essas negociações são de caráter geral,

envolvendo temas como Contrato de Trabalho, Jornada de Trabalho e Previdência Social. As

negociações não ocorrem em todas as empresas; o mais comum é que elas aconteçam nas

empresas grandes e de médio porte. Os sindicatos participam do processo de negociação, das

eleições do comitê de empresa unitário e atuam no processo da discussão da pauta de

negociação e, ainda, na definição da assinatura do acordo. As organizações que têm a

responsabilidade de encaminhar diretamente o processo de negociação elaboram propostas de

pauta e apresentam aos trabalhadores com o corpo de delegados para um processo de

discussão. Na base, no caso do acordo por empresa, fazem-se assembléias.

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A legislação trabalhista garante direitos mínimos: os acordos regionais e por empresa

só podem melhorar a legislação. A reforma na legislação trabalhista ocorrida em 1994

eliminou parte dos direitos num processo de desregulamentação visando à flexibilização das

relações de trabalho. A Justiça de Trabalho na Espanha, como em toda a Europa, não tem

poder normativo sobre o contrato; ela só pode determinar que se cumpra a lei. Em 1997, os

debates entre as centrais sindicais UGT, Comissões Obreiras e as Organizações Patronais,

estabeleceu que o processo de negociação coletiva nas empresas terá por base acordos

nacionais setoriais.

Na França, desde 1966, por lei, existem cinco centrais sindicais com poder de

representação: a CFDT (Confederação Francesa Democrática de Trabalho), a CGT

(Confederação Geral do Trabalho), a CGT-FO (Força Operária), CFTC (Confederação

Francesa de Trabalhadores Cristãos) e a CGC (Confederação Francesa de Quadros). Os

sindicatos afiliados a uma dessas cinco centrais têm, segundo Schutte, Castro e Jacobsen

(2000, p. 64) , estes privilégios:

- direito de representação na contratação coletiva; - direito de estabelecer dentro das empresas um local sindical, sem que

precise aprovar qualquer tipo de representação; - direito de apresentar candidatos nas eleições para vários conselhos

públicos, em nível municipal e nacional (tipo o Conselho de Administração da Seguridade Social);

- direito a um edifício concedido pelo Estado.

A CFDT é a maior Central Sindical da França e na sua estrutura de funcionamento

existem as Federações do ramo e as Uniões (o que equivaleria a nossa estrutura horizontal).

Entretanto só os sindicatos de base elegem delegados para os congressos da CFDT, as outras

duas instâncias (Federações e Uniões) não. Como nas CC.OO (Comissões Obreiras), também

há na CFDT uma Comissão de Garantia para resolver conflitos, a partir das decisões

administrativas ou disciplinares das instâncias maiores. A filiação é feita diretamente à

Central.

As instâncias – sindicatos ou seções sindicais – devem respeitar as decisões

hierarquicamente superiores. As estruturas de representação são formadas por Comitês de

Empresa (eleitos com a participação de todos os trabalhadores), Delegado de Pessoal (outra

forma de representação, e o número varia de 1 a 15 delegados, dependendo do tamanho da

empresa), Comissão de Higiene e Segurança (a “Cipa francesa”), Seção Sindical (formada por

indicação dos sindicatos, em uma empresa pode haver até cinco Seções Sindicais,

correspondendo às cinco Centrais).

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Em suma, numa empresa francesa é possível ter três estruturas: a “Seção Sindical”, o

“Comitê de Empresa” e o “Comitê de Higiene e Segurança no Trabalho”. A base do sistema

de negociação é a legislação de 1950, em 1971 foi inaugurada a legislação que regulamenta a

negociação por empresa. Existem três tipos de negociações na França: 1) negociações

interprofissionais – realizadas nacionalmente pelas centrais –, são negociações sobre pontos

genéricos: sistema previdenciário, horário de trabalho, modalidade de contratação e outros; 2)

negociações feitas pelas Federações dos Ramos, são nacionais, válidas só para empresas

filiadas às organizações patronais que participam das organizações; 3) negociações feitas nas

empresas – existem os direitos assegurados no Código do Trabalho (legislação). Há os

contratos nacionais que visam a melhorar esses direitos e os acordos feitos nas empresas que

servem para aplicar os itens acordados nacionalmente.

Na Alemanha existe uma unicidade sindical oriunda de um pacto político pós-guerra.

A divisão da classe trabalhadora nos anos 30 permitiu ao nazismo chegar ao poder e liquidar

as diferentes organizações de trabalhadores, por isso os trabalhadores decidiram, em 1949,

criar uma organização unitária com composição política pluralista. Criou-se a DGB (União

Sindical Alemã), com 16 sindicatos nacionais afiliados, cada um com sua autonomia

contratual.

Os sindicatos nacionais são estruturados em seções locais e regionais. O sistema

sindical alemão está voltado à co-gestão que se expressa nas atribuições dos comitês de

empresa e na participação dos trabalhadores nos conselhos de supervisão das empresas. Uma

característica do movimento sindical na Alemanha é a existência de uma legislação detalhada

para regulamentar as relações trabalhistas que teve origem no compromisso social firmado no

pós-guerra. A Lei sobre contratação coletiva de 1949, revisada em 1952, determinou o

processo de contratação coletiva em nível setorial por Estado e, no caso dos funcionários

públicos, em nível federal. Também definiu procedimentos de conciliação e arbitragem, sendo

que o direito de greve só poderá ser executado durante o período de negociação.

A taxa de sindicalização na Alemanha é de 38%. Diferentemente dos outros países, os

sindicatos na Alemanha se federaram e formaram a DGB, que é uma Confederação de

sindicatos nacionais (federação). As federações não são orgânicas à DGB, mas é impensável a

desfiliação. No entanto, já discute-se a necessidade de fusões entre os vários sindicatos

nacionais, chegando-se a uma organização sindical dividida em três blocos: indústria,

comunicação/serviço e setor público, o que resulta no enfraquecimento do papel da DGB.

Para racionalizar sua estrutura, nos últimos anos os sindicatos alemães realizaram

várias fusões. A representação sindical está estruturada em comitês de empresa, corpo de

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delegados sindicais e conselhos de supervisão. Os Comitês de Empresa não só têm poder de

decisão como também de co-determinação. A Lei que regula o funcionamento dos Comitês

editada em 1952 e revisada em 1972 estabeleceu uma série de regras, inclusive obrigando as

empresas a repassarem informações aos Comitês. Os comitês de empresa têm influência nas

políticas da empresa, nos próprios sindicatos e sobre a DGB. A greve é atribuição exclusiva

dos sindicatos. Na prática, são os sindicatos que indicam quem vai disputar os Comitês de

Empresa, mas o candidato é eleito pelo conjunto dos trabalhadores. Paralelamente à estrutura

dos Comitês, existe o Corpo de Delegados Sindicais, sessão sindical no local de trabalho, que

representa o braço do sindicato nacional dentro da empresa para organizar os trabalhadores e

vigiar o cumprimento do contrato coletivo. Uma característica do modelo alemão é a presença

de representantes dos trabalhadores nos Conselhos de Supervisão, indicados pelos sindicatos.

No que tange às negociações, o Estado regulamentou as relações trabalhistas através

de uma legislação complexa. A base do sistema de contratação coletiva são os contratos

estaduais setoriais. Quem negocia são os sindicatos nacionais por ramos através de Comissões

de Negociação de trabalhadores. Até o início da década de 1980, a contratação era feita

anualmente, daí em diante começaram a surgir os contratos de longa duração, e desde esse

período o movimento sindical privilegiou acordos para redução do horário de trabalho,

firmado em nível nacional por ramo e implementado no local de trabalho através de acordos

com o Comitê de Empresa.

Por fim, na Itália, existem três confederações nacionais cuja origem histórica está

ligada à guerra fria: CGIL (Confederação Geral Italiana do Trabalho), CISL (Confederação

Italiana de Sindicatos dos Trabalhadores) e UIL (União Italiana do Trabalho), hoje afiliadas à

CIOSL. O direito à livre organização e negociação, garantido pela Constituição, foi ampliado

pelo Estatuto dos Trabalhadores, em 1970, que estabeleceu inúmeros direitos para delegados

sindicais e identificou CGIL, CISL e UIL como centrais representativas, dando-lhes o direito

de representarem os trabalhadores nos locais de trabalho e organizarem comitês de fábrica.

Quanto à organização no local de trabalho, existem atualmente dois tipos: a

Representação Sindical Unitária (RSU) e a Representação Sindical Autônoma (RSA). Ambas

são estruturas de representação dos trabalhadores num determinado local de trabalho,

desenvolvem o mesmo trabalho, mas apresentam diferenças na forma de eleição e

regulamentação legal. A RSU é prevista no Estatuto dos Trabalhadores e é a representação

das centrais sindicais no local de trabalho. Na década de 1980 surgiram os Comitês Unitários

de Base (COBAS), particularmente no setor público, que desafiam a representatividade das

centrais.

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O sistema de negociação é feito por Contrato Nacional por ramo, contrato articulado

por empresa e Acordos Nacionais. Na modalidade, Contrato Nacional por ramo, há uma

contratação nacionalmente articulada e o sistema de negociação é feito em três níveis: o

contrato principal sobre salário e condições de trabalho é feito em nível nacional por ramo de

produção e negociado pelas federações nacionais. No caso do Contrato articulado por

empresa, os comitês conduzem o processo de negociação no local de trabalho; enquanto os

Acordos Nacionais são articulados entre centrais, organizações patronais e governo sobre

temas gerais (imposto, horário de trabalho, representação sindical).

Na Itália, existe um processo unitário muito forte entre as federações e suas

confederações, de modo que o movimento sindical italiano é caracterizado por um pluralismo,

mas também por uma grande unidade. Paralelamente, existe grande vontade de autonomia das

centrais frente aos partidos políticos, apesar das vinculações históricas, no caso da CGIL, com

o Partido Comunista (hoje o Partido Democrático da Esquerda e o Partido Refundação

Comunista) e o Partido Socialista (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000).

b) Relação Sindicato/Partido - Quanto às relações sindicais, na Inglaterra há uma

especificidade em comparação com os países da chamada Europa continental. Em primeiro

lugar, destaca-se a ausência de uma estrutura legal de negociações coletivas. Prevalece a

jurisprudência baseada no “costume e na prática”. Isso reflete a diferença no sistema jurídico

na Inglaterra, o “Common Law” 35, direito baseado no costume e na prática, que, em parte, se

contrapõe ao sistema de Direito desenvolvido na França revolucionária e em outros países

europeus, o “Roman Law”, direito desenvolvido a partir da produção legislativa e que dá

prevalência ao direito privado.

Os usos e costumes levaram as relações sindicais na Inglaterra a uma forte

predominância da negociação no local de trabalho. Em conseqüência, desenvolveu-se toda

35 É importante esclarecer a gênese desse sistema legal que, em parte, se contrapõe ao Roman Law (que tem origem no Direito Romano). Não obstante a grande influência deixada na legislação européia, o Direito Romano nunca obteve sucesso nos países anglo-saxônicos. René David em Les Grands Systéms de Droit Contemporains afirma que o direito romano não poderia exercer grande influência na Inglaterra visto que, nesse país, considera-se matéria pública aquelas submetidas aos tribunais ingleses. E inequívoca é a prevalência do direito privado no sistema legal romano. Não se nega a veracidade dessa declaração. Entretanto, a rejeição é devida, precipuamente, ao grande sentimento nacionalista que preponderou e prepondera naquele país. Há que se ressaltar a proibição, por volta do século XIV, do ensino do direito romano em Oxford. Hoje ainda se nota clara herança desse sentimento. Quando da formação do Mercado Comum Europeu, os ingleses demonstraram manter esses traços patrióticos. Assim sendo, o direito na Inglaterra se desenvolveu muito mais pelos usos e costumes e pela jurisprudência do que pela produção legislativa. A lei é fria e estática. Sua produção é extremamente formalista e burocrática. O costume é dinâmico. O escopo precípuo do direito, qual seja regular a convivência ordenada entre as pessoas, é alcançado mediante a observação do comportamento intuitivo dos cidadãos. De

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uma cultura de valorização ao sindicato de base. As atenções voltam-se para a defesa da

democracia formal dentro da organização sindical e a falta de negociações nacionais é uma

conseqüência lógica da estrutura e cultura de negociação. Como resultado disso, não houve

pressão para se criar estruturas fortes em nível nacional, nem sindicatos nacionais fortes por

setor e/ou uma central sindical. O que existe é uma estrutura sindical diversificada: grandes

sindicatos nacionais representam várias categorias, com sócios em diferentes ocupações e

setores, como o TGWU (Sindicato de Transportes e Trabalhadores Gerais).

A única central sindical existente na Inglaterra, a TUC (Confederação de Sindicatos),

tem pouca representatividade política perante os sindicatos singulares e o governo. Mas como

a TUC exige respeito pelas linhas de demarcação, não há disputas entre sindicatos. Na prática,

significa que existe uma certa unicidade sindical, não imposta pelas leis governamentais, e a

dinâmica política se dá dentro de cada sindicato.

Schutte, Castro e Jacobsen (2000) explicam que há sindicatos que estão mais à

esquerda e outros mais à “direita”, sempre dentro da lógica do Partido Trabalhista. Ao

contrário da realidade em vários países da Europa continental, não há expressão sindical do

Partido Conservador. Isto é, nunca foi montado um movimento sindical para concorrer com os

sindicatos ligados ao Partido Trabalhista. Outro exemplo de divisão política se dá por região.

Há aquelas onde prevalece uma tradição mais de esquerda, como é o caso do movimento

sindical de Liverpool, e outras com tradição moderada. Mas, ao contrário do que na Europa

continental seria considerada sintoma de um movimento fraco, na Inglaterra criou-se um

movimento sindical forte e combativo no local de trabalho, com estruturas de delegados

sindicais. É com base nessa forte tradição sindical que a TUC continua sendo uma das

maiores centrais sindicais do mundo e a Inglaterra até o final dos anos 80 era o país com

maior número de trabalhadores sindicalizados na Europa.

Para minimizar as novas pressões, os sindicatos ingleses deram uma série de respostas

à nova situação mundial. Realizaram fusões, para tornar a organização mais ágil, garantir a

posição financeira dos sindicatos, os serviços a seus membros e possibilitar que novas

organizações estendessem sua influência para aumentar a “competência da organização

sindical” (TUC, 1993; apud McIlroy, 1997, p. 56). As fusões e a resposta à legislação também

estimularam a centralização. As estratégias de recrutamento em resposta às perdas na

sindicalização também foram conduzidas a partir do alto. Uma delas foi tornar os sindicatos

mais atraentes para grupos particulares, tendo trabalhadores negros e mulheres como alvos.

modo que, o preceito “o juiz decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei” (oriundo do Roman Law) contrapõe-se, veementemente, ao princípio básico do Common Law: the equity” (Dias, 1996, p. 7).

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Os sindicatos montaram campanhas públicas em escolas, dirigidas para trabalhadores jovens;

também destinaram recursos para desempregados, mas sem sucesso. Compensaram a saída de

associados criando campanhas públicas dirigidas a trabalhadores temporários e mal

remunerados, mas os resultados ainda mostravam que a ação de recrutamento sindical

continuava inadequada. Em 1996 houve sinais de uma abordagem mais séria baseada em

designar localmente os diretores do sindicato. O TUC estabeleceu um projeto de “Novo

Sindicalismo” com uma escola para treinar os funcionários da organização. Essa empreitada

não teve o sucesso esperado. A partir da década de 1980, o TUC passava do coletivismo ao

individualismo e do produtivismo ao consumismo, e adotava como forma de atrair novos

membros o fornecimento de serviços financeiros e de aconselhamento de forma individual. Os

sindicatos conseguiram novos associados, oferecendo cartões de crédito, ajuda legal e

financeira, seguros a preço menor e esquemas de descontos. Estava claro, que os filiados em

potencial priorizavam a proteção ao trabalho, melhores salários e condições de trabalho.

Na colocação de McIlroy (1997, p. 59), “a abordagem individual geralmente caminhou

lado a lado com a opinião de que a melhor chance dos sindicatos para reverter seu declínio era

superar os patrões ao oferecer seus serviços como parceiros da empresa”. Este foi um tema

corrente nos anos de 1980, focalizando inicialmente “simples acordos sindicais”. Na metade

dos anos de 1990, o TUC estava clamando por apoio ativo para a parceria sindicatos -empresa.

Uma parceria entre patrões e sindicatos no local de trabalho era vista como central para a

abordagem social do mercado e seria auxiliada por uma reafirmação dos sindicatos sob um

governo trabalhista (McIlroy, 1995; apud McIlroy, 1997, p. 60). Entretanto, os patrões

demonstram uma crescente hostilidade ao sindicalismo. Para eles os sindicatos não são

importantes para aumentar sua vantagem competitiva e o atual equilíbrio de poder demonstra

a falta de recursos dos sindicatos para convencê-los do contrário (Dunn, 1993; apud McIlroy,

1997, p. 61).

Conforme McIlroy (1997), o declínio para um sindicalismo de resultados pode ser

impedido pelo apoio político ao sindicalismo. O papel do Estado é de vital importância para a

recuperação do sindicato. Entretanto, quando os patrões se distanciaram dos sindicatos da

década de 1990, o Partido Trabalhista fez o mesmo. Nos últimos anos, a mudança

programática e constitucional, antagônica ao sindicalismo forte, intensificou-se. Ocorreu uma

redução do poder de voto dos sindicatos no Partido Trabalhista, e, a partir de 1994, Tony Blair

começou a remodelação do trabalhismo em um Novo Trabalhismo (New Labour). O sistema

pelo qual os sindicatos apoiavam os parlamentares foi reformado, sendo vital para a

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construção do Novo Trabalhismo a extensão da democracia plebiscitária da eleição de

representantes para a conformação de políticas.

O Novo Trabalhismo se distingue da democracia de direita anterior na Inglaterra por

diminuir a intervenção do Estado por sua falta de compromisso com o igualitarismo, com a

redistribuição de renda e com o interesse social, por privilegiar o individualismo sobre o

coletivismo e por sua falta de respeito (e raízes) pelo movimento operário 36.

As conclusões de McIlroy (1997) sobre o sindicalismo na Inglaterra desde 1979

apontam que os anos de 1980 e 1990 demonstraram a natureza reativa, frágil e contingente do

poder sindical, tendo um refluxo em todos os níveis, do local de trabalho ao Estado-nação. O

declínio da taxa de sindicalização corrigiu o aumento ocorrido entre os anos de 1960 e 1970 e

trouxe os sindicatos de volta aos anos 1930. A organização no local de trabalho retrocedeu,

pois a regulamentação autônoma do trabalho, dos sindicatos livres, da livre negociação, do

pleno emprego e de um Estado que apóia os sindicatos foram dissolvidos. Schutte, Castro e

Jacobson (2000, p. 47) observam que “a forte organização no local de trabalho através dos

delegados por seção (os shop stewards) andou se perdendo. Pesquisa realizada em 1993

mostrou que só em 38% dos locais de trabalho se manteve essa estrutura”. A influência dos

sindicatos em seu partido foi diminuída, enquanto seu líder elogia Margareth Thatcher que

remodela o Novo Trabalhismo para ser um protótipo do Partido Democrata de Clinton.

Os sindicatos ainda organizam um terço da força de trabalho, mas os patrões não

transformaram o local de trabalho e geralmente dependem da cooperação dos sindicatos. Os

sindicatos mais fortes estão mais confiantes, mas há um potencial para conflito porque não

existe no Partido Trabalhista e nos sindicatos nenhuma esquerda importante ou oposição

organizada. A grande maioria dos líderes sindicais apóia Blair, mas terão de ouvir os

membros dos sindicatos que podem estar menos pacientes, já que as disputas sobre o salário

do setor público, a legislação do trabalho e o salário mínimo são os principais terrenos que o

governo pretende intervir através da legislação.

Na Suécia, o primeiro Estatuto da LO previa que os sindicatos teriam de se afiliar

como estrutura sindical ao Partido Social-Democrata. Em 1909 acabou esta obrigatoriedade,

mas continuou a prática da afiliação das estruturas locais sindicais como um bloco ao Partido,

da mesma forma que na Inglaterra. Nos anos de 1990, devido à forte pressão do governo de

direita e dos trabalhadores-sócios, este mecanismo foi abandonado. Ainda há contribuições

36 “Tony Blair questionou o desenvolvimento histórico do movimento operário no século XX lamentando a ‘divisão da política radical, no final do século passado e início deste, entre Partido Trabalhista e Partido Liberal’ (The Observer , 24 set. 1996)” ( apud McIlroy, 1997, p. 63).

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financeiras, permitidas por lei, ao Partido Social-Democrata por parte da LO durante as

campanhas eleitorais. O Estatuto do Partido também continua prevendo que o presidente da

LO seja membro do Comitê Central do Partido. O ex-partido comunista, hoje chamado de

Partido de Esquerda, não tem um programa próprio para o sindicato e está aproveitando as

divergências entre o discurso da LO e do Partido Social-Democrata, que se adaptou aos novos

tempos, na mesma linha do novo realismo no Partido Trabalhista inglês (Schutte, Castro e

Jacobsen, 2000).

Na França, a característica básica das organizações sindicais é a dependência de

intervenção proveniente do Estado em combinação com as fortes rivalidades entre elas e que

correspondem em parte a orientações políticas diferentes (a CGT atrelada ao Partido

Comunista Francês e a maioria da liderança da CFDT afiliada ao Partido Socialista Francês).

E, ao contrário do que aconteceu na Espanha e mesmo na Itália, a unidade de ação é uma

coisa ainda para se conquistar.

O que se pode concluir desta visão geral do sindicalismo é que o mesmo surgiu e

ganhou expressividade no mundo, sobretudo para fazer frente à exploração capitalista e

melhorar as relações entre capital e trabalho. Em cada região onde ele se desenvolveu, está

ligado às tradições nacionais do movimento operário do país e apresenta uma diferenciação

que mergulha nas raízes objetivas da sua realidade e história.

Isso faz com que, em todos os países, o movimento sindical apareça como uma soma

de correntes ideológicas diferentes (a corrente social-democrata, reformista clássica,

anarquista ou sindicalista revolucionária, marxisto-revolucionária, por exemplo), mesmo

porque a classe operária não é inteiramente homogênea do ponto de vista das suas condições

sociais de existência. À não homogeneidade da classe operária se acresce a diversidade da

experiência de luta (trabalhadores da grande ou pequena empresa, urbanizados ao longo de

várias gerações ou somente a partir de uma data recente) e a diversidade das capacidades

individuais dos trabalhadores (trabalhadores sem especialização ou sem trabalho durante

grande parte de sua vida, outros com ocupação altamente qualificada). A experiência de cada

grupo de operário (em movimentos e greves) determina em grande parte a consciência desse

grupo e, pode -se dizer, então, que o sindicalismo produz ou assimila, de modo consciente ou

inconsciente, representações, sistemáticas ou difusas, sobre o Estado, a sociedade, os

objetivos e os meios da luta sindical.

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1.3 O SINDICALISMO NA AMÉRICA

Os movimentos sociais na América deixaram um legado importante para os trabalhadores

do continente. A principiar pela análise do movimento sindical na América do Norte, depara-se

com semelhanças entre o sindicalismo dos Estados Unidos e o canadense, porém estes são distintos

do mexicano, mais assemelhado ao sindicalismo sul-americano, como o brasileiro e argentino,

principalmente no tocante à influência populista e corporativa (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000).

O sindicalismo nos Estados Unidos tem como marco histórico a mobilização operária em

Chicago, no final do século XIX, e um acidente industrial em Nova Iorque, no início do século

XX, acontecimentos que deram origem, respectivamente, ao Dia Internacional do Trabalho em 1º

de Maio e o Dia Internacional da Mulher em 8 de Março.

A Guerra Civil americana, terminada em 1865, estimulou a indústria de armamentos e o

pós-guerra deu continuidade ao surto expansionista das ferrovias e fortalecimento da mineração, da

indústria siderúrgica e de materiais de transporte. Como conseqüência, a classe trabalhadora se

avolumou, principalmente com a vinda de emigrantes europeus, em particular irlandeses, alemães,

escandinavos, eslavos e italianos, fundando-se diversos sindicatos de carpinteiros, marceneiros e

vidreiros, na Filadélfia e em Nova Iorque. O ano de 1868 registrou a existência de mais de 30

sindicatos nacionais e esses começaram a exercer pressão sobre os patrões e o governo, e já se

falava na necessidade de leis para garantir jornadas de trabalho adequadas. A organização mais

ampla dos trabalhadores foi fundada na Filadélfia, em 1869, a Noble and Holy of the Knights of

Labor (Nobre e Sagrada Ordem dos Cavalheiros do Trabalho), se fazendo presente também em

outros países de cultura anglo-saxônica, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, com o objetivo

de valorizar o trabalho produtivo. Em 1881, foi fundada a AFL (American Federation of Labor)

visando a construir um organismo central e nacional dos sindicatos já existentes e organizados a

partir das artes e ofícios (pedreiros, mestres cervejeiros, marceneiros, encanadores, alfaiates).

A qualificação profissional e o nível cultural mais elevado dos artesãos favoreceram a

disseminação de idéias libertárias e socialistas trazidas da Europa pelos imigrantes. Os anarquistas,

sendo fortes em Chicago, organizaram seu primeiro congresso nacional em 1883. No ano seguinte,

a AFL promoveu um congresso na mesma cidade e aprovou uma greve geral, a partir de 1º de

Maio de 1886, visando a conquistar a jornada de trabalho de 8 horas diárias, que era a bandeira da I

Internacional de Trabalhadores. Ao término de um comício dos trabalhadores em Haymarket

Square, uma violenta intervenção policial causa ferimentos e mortes entre os operários, enquanto a

explosão de uma bomba mata vários policiais, sendo por este episódio acusados sete dirigentes

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sindicais, cujo enforcamento torna o 1º de Maio um símbolo importante na luta dos trabalhadores

pela jornada de 8 horas.37

Os últimos anos do século XIX e primeiros do novo século representaram um período de

crescimento do número de sindicatos. Em 1890, foi fundado o poderoso sindicato dos mineiros

americanos, o UMWA – United Mine Workers of America. Este já não era de artesãos e sim o

primeiro sindicato nacional de trabalhadores industriais de expressão nos EUA.

O declínio dos trabalhadores de ofício levou os socialistas atuantes no meio sindical a

investir na organização dos trabalhadores por indústria. Assim a transição de sindicatos de artesãos

para sindicatos industriais, num processo de quase meio século, veio consolidar a maioria das

características que norteiam o sindicalismo norte-americano contemporâneo, como sua estrutura,

sua relação partidária e visão de mundo. Entretanto somente em 1935 foi aprovado o Wagner Act,

estabelecendo o NLRA (National Labor Relations Act), legislação regulamentando as relações de

trabalho, a criação de sindicatos e o estabelecimento das negociações coletivas. Esta legislação

passou a ser o instrumento governamental independente para intermediar conflitos no mercado de

trabalho americano através da intervenção direta de Comitês de Representantes do Departamento

de Trabalho americano, inclusive nos locais de trabalho. 38

Em função dessa legislação, começou na década de 1930 uma separação entre organized

labor (trabalho sindicalizado) – sindicatos criados pela aprovação da maioria dos trabalhadores

levando à sindicalização de todos eles e à assinatura de contratos coletivos – e non organized labor

(trabalho não sindicalizado) – empresas onde ainda não se organizara sindicatos e

conseqüentemente não havia nenhum trabalhador sindicalizado, nem contrato coletivo de trabalho.

Por volta de 1947, fruto da Guerra Fria, foi introduzido o “Atestado de Antecedentes Políticos”,

declaração que os dirigentes sindicais deveriam assinar afirmando que não tinham filiação ao

Partido Comunista Americano. A nova legislação teve repercussão no movimento sindical pelos

empecilhos que colocou às mobilizações e pelo seu componente anticomunista, levando ao

expurgo no movimento sindical. Em 1949, iniciou-se a cooperação internacional com recursos de

fundos públicos, por iniciativa dos dirigentes da CIO (Confederação Internacional das

37 Murray (apud Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 142) lembra que o “May Day”- o 1º de Maio – não é tão comemorado nos EUA e Canadá quanto no resto do mundo ocidental devido à menor participação destes países nas atividades da I Internacional Socialista que tornou o 1º de Maio um símbolo importante na luta dos trabalhadores pela jornada de 8 horas. Outro motivo está no fato de a AFL ter assumido a violência de Haymarket como um constrangimento devido à repercussão negativa na imprensa e na opinião pública. O sindicalismo norte-americano acabou dando preferência às comemorações do Labor Day que ocorrem sempre na primeira segunda-feira de setembro, conforme instituição do presidente Grover Cleveland, em 1894. 38 Não definia o conteúdo das negociações coletivas. Para isto se constituíram posteriormente outros mecanismos complexos de procedimentos e arbitragem, mas concorria para que os trabalhadores que assim o quisessem pudessem organizar seus sindicatos e estar cobertos por um contrato coletivo de trabalho negociado (Schutte, Castro e Jacobson, 2000, p. 146).

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Organizações Sindicais Livres). Também na década de 1940 o sindicalismo americano sofreu o

controle ou forte influência da Máfia sobre alguns sindicatos, como os da Construção, Pedreiros,

Portuários e outros.

A luta por melhores contratos de trabalho foi simbolizada principalmente pela greve dos

Teamsters na UPS – United Parcel Service. O grande desafio atual da AFL-CIO é consolidar o

novo sindicalismo americano.

Na estrutura sindical dos EUA, são encontradas quatro instâncias: a central nacional, os

conselhos estaduais/municipais, os sindicatos nacionais e os sindicatos locais (locals).

Os sindicatos locais – locals – englobam os trabalhadores da “unidade de negociação”,

cobertos pela negociação coletiva, conforme definido através de negociação com as empresas ou

determinado pelo NLRB. Uma vez certificado, o “local” recebe um número que o identifica. Todos

os “locais” de um determinado ramo industrial ou profissional se unem dentro de um sindicato

nacional. A Central Sindical AFL-CIO, mais conhecida como “a Federação”, reúne os sindicatos

nacionais filiados, presta-lhes serviços e resolve conflitos de representação surgidos entre os

sindicatos. Existem também conselhos municipais e estaduais com a responsabilidade de manejar

as relações políticas institucionais nesses níveis, os locals decidem se querem se filiar a ele ou não.

Em síntese, o que se vê na estrutura sindical americana é a organização vertical composta

pelos “locais” e sindicatos nacionais com mais força e importância que a organização horizontal

composta pela Federação (AFL-CIO) e pelos conselhos.

No Canadá, há registros de 1830 sobre os primeiros sindicatos de artesãos, como os dos

sapateiros de Montreal e gráficos de Toronto, estabelecidos como organizações locais de auxílio

mútuo. Entre 1850 e 1879 ocorreram inúmeras greves, e em 1871 ocorreu a fundação da

Assembléia de Sindicatos de Toronto, e o Conselho de Sindicatos de Ottawa, em 1872. A

Assembléia de Toronto convocou um encontro sindical nacional que levou à fundação da primeira

organização central do país, a CLU – Canadian Labor Union (União do Trabalho Canadense), que

realizaria encontros anuais até 1877.

Com a construção da Ferrovia Canadá-Pacífico, entre 1881 e 1885, a indústria canadense

começou a crescer e com ela o movime nto sindical. Em 1883, foi extinta a CLU e organizou-se o

TLC – Trades and Labor Congress of Canada (Congresso das Categorias e Trabalho do Canadá) e

em 1886, reunindo os sindicatos de artesãos. O TLC era a contraparte canadense da AFL dos

Estados Unidos. Evoluindo o sindicalismo canadense, entre 1901 e 1921, surge uma série de

pequenos sindicatos católicos. E, ao fim de longa luta pela consolidação do movimento sindical, na

década de 1920, iniciou-se a fase de construção dos sindicatos industriais.

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Na década de 1950, quase um terço dos trabalhadores do Canadá era sindicalizado,

cobrindo todos os setores econômicos. As duas centrais sindicais – CCL e TLC – começaram a

trabalhar pela sua unificação. Nos anos de 1970, uma forte onda de nacionalismo e a busca de

autodeterminação política envolveram o movimento sindical. Os sindicatos quebequenses, livres

da influência da Igreja (praticamente desde a década de 1940), passaram a ter importante papel na

representação dos trabalhadores frente aos governos provinciais, principalmente no confronto com

o governo repressor de Duplessis. O movimento sindical que estava dividido entre três

organizações centrais (CSN, CEQ e FTQ ou CLC) construiu uma frente pela autodeterminação da

província e também para articular lutas comuns. Juntas, conquistaram para os trabalhadores do

serviço público o direito de se organizarem livremente e negociarem coletivamente, e, em 1972,

convocaram uma greve geral por aumento salarial. O nacionalismo acabou se refletindo também

no conjunto do sindicalismo através de um movimento contra os sindicatos internacionais,

principalmente devido à absoluta hegemonia dos sindicalistas americanos na sua condução.

A partir da década de 1960, principalmente, começou a crescer a participação das mulheres

no mercado de trabalho. Essa realidade se ampliou na década seguinte, apesar de os empregos

ocupados continuarem sendo precários e em tempo parcial. O controle sobre os salários prosseguiu

durante os anos de 1980 e os empresários começaram a apresentar suas próprias demandas durante

as negociações com o intuito de rebaixar direitos assegurados nos contratos. Os anos de 1990

significaram ainda menor segurança no emprego, levando à preocupação dos sindicatos com os

setores mais vulneráveis da sociedade como os deficientes físicos, jovens, mulheres, idosos,

aborígenes, minorias visíveis e trabalhadores menos qualificados.

A CLC se destaca como a organização sindical hegemônica no país e é filiada à CIOSL e

ORIT. Os trabalhadores representados pela CLC se organizam em 80 sindicatos nacionais e

internacionais, em 12 Federações Provinciais ou Territoriais, em 130 Conselhos Trabalhistas de

Base Comunitária (municipais e intermunicipais) e realizam congressos nacionais a cada três anos

(Schutte, Castro e Jacobsen, 2000).

O México não possui um movimento sindical unitário. Ao longo do período

revolucionário (1910/1920), foi-se construindo o movimento sindical, sendo a primeira

organização criada, com caráter nacional, a Casa del Obrero Mundial (COM), em 1912, visando a

dirigir e dar um cunho ideológico de influência anarquista à luta dos trabalhadores mexicanos por

sua emancipação. Em 1916 surgiu o Sindicato Mexicano (SME). Em 1918, um grupo de

sindicalistas e lideranças trabalhistas criou a Confederación Regional Obrera Mexicana (CROM)

que se preocupou principalmente com a organização sindical dos trabalhadores e a ação sindical

dos mesmos para alcançar reivindicações econômicas. Posteriormente, entre eles Luis N. Morones,

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do SME, fundaram o partido Laboralista (PL), benefic iando os partidários do presidente Plutarco

Elías Calles (1924/1928), dando-lhes uma base mais sólida. Morones transformou-se no homem

forte do governo, mas vários de seus correligionários envolveram-se com corrupção e a CROM

entrou em decadência com a crise econômica de 1929 (ibidem).

Nesse período, surgiram alternativas de organização sindical e política, como o Partido

Socialista e o Partido Comunista Mexicano, fundado em 1919, e logo em seguida a

Confederación General de los Trabajadores (CGT), hegemonizada pelos anarquistas. Logo,

então, os comunistas fundaram a Confederación del Trabajo (CNTC). No final da década de

1920, a maior parte das organizações camponesas estava extinta. Ao longo desta década,

ocorreram também muitas greves de trabalhadores urbanos (têxteis, motorneiros, petroleiros).

Os petroleiros conquistaram o primeiro contrato coletivo de trabalho da história do México,

que foi a base para a organização sindical deste setor tão importante para a economia

mexicana.

O final da década de 1920 foi marcado pela fundação do Partido Nacional

Revolucionário (PNR), cujo mentor, o general Plutarco Elías Calles, queria dificultar a

intervenção dos militares nas deliberações governamentais. Foi o início da constituição da

poderosa máquina partidária que posteriormente (1946), se transformaria no Partido

Republicano Institucional (PRI). Os efeitos da crise de 1929, afetaram o novo Governo, mas

muito menos que nos demais países latino-americanos devido à acomodação das forças

sociais durante a revolução iniciada em 1910 (ibidem).

Em outubro de 1933, um congresso operário e camponês na cidade do México, visava

a unificar as organizações existentes e fundar uma nova central sindical, a Confederación

General de Obreros y Campesinos de México (CGOCM). Participaram as correntes político-

sindicais Lombardista, proveniente da CROM, a Velazquista, representada pela Federação

Sindical del Distrito Federal, uma fração da CGT e a corrente dos eletricistas. Seu programa

defendia a unidade dos trabalhadores, o fim do capitalismo, o sindicalismo revolucionário

(com greves, boicotes, manifestações), a ação direta, a educação sindical com perspectiva

socialista, a oposição a colaboração de classes, oposição ao PNR e a recusa em participar de

processos eleitorais. Também reivindicava aumento de salários, redução de jornada de

trabalho, condições de trabalho uniformes em todos o país, desapropriação de terras sem

indenização, entre outras. A CGOCM chegou ao ano de 1934 com mais de 300 Federações

Regionais de Operários e camponeses filiadas.

No final de 1934, foi indicado candidato pelo PNR, o general Lázaro Cárdenas, que obteve

2,2 milhões de votos contra 41 mil para seus três opositores juntos.

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Altmann (1990) examinando o movimento sindical e a ascensão de Cárdenas no México,

traz importante contribuição a esta parte do trabalho.

Segundo este autor, o cardenismo, constituiu-se de 1935 a 1940, como uma resposta

nacionalista com características populistas à depressão em andamento. Sendo o cardenismo uma

resposta nacionalista, determinado pela Revolução Mexicana, “...as conseqüências econômico-

sociais da crise, são mais suaves, no México, que nos países latino-americanos, como no Brasil e

na Argentina”, assevera Altmann (idem), esclarecendo que esta relação lembra um viés de

parâmetros comparativos voltados para as nações desenvolvidas.

Detendo-se nos aspectos e efeitos singulares da Revolução Mexicana, em contraposição às

demais nações latino-americanas, o mesmo autor, aponta que:

No caso, mexicano, o ‘avanço’ da reforma agrária vai, portanto, neutralizar ou diminuir a importância do setor agrário tradicional, já grandemente atingido na etapa armada da Revolução. O passado terá, então, uma superação direta e efetiva – às vezes até complementar – na reforma agrária cardenista. A ascensão do grupo que Cárdenas representa não se distingue, (...), da resposta que o México pós-revolucionário dá à crise iniciada em 1929. Ela é em essência a resposta que a vertente vitoriosa na Revolução tem condições de dar à crise.(...). O México se distingue (...) dos demais países latino-americanos quanto ao sistema político e à realidade a ele subjacente. A revolução realizou a liquidação da velha oligarquia como pólo social hegemônico, e a integração política das classes médias e a inclusão das classes subalternas no sistema político-social. (...) A Revolução havia cortado a via usual de transformação dos latifundiários em burguesia industrial, como havia acontecido na Argentina, Brasil e outros países da América Latina. Esta via seccionada tomou então um novo impulso na pequena burguesia capitalista que passou a utilizar o aparelho estatal como nova alavanca de acumulação de capital. Acumulação, como vimos, em nível nacional. E o cardenismo é a expressão política deste processo (Altmann, 1990, p. 102).

Cárdenas apareceu, em fins de 1935 e início de 1936, em condições de imprimir uma

política independente à frente do governo mexicano. Terminava a primeira fase do governo de

Cárdenas, com o desterro do general Calles, e começava a segunda fase, de 1936/1938, período

marcado por reformas sociais no campo agrário e da política de nacionalização das indústrias.

Posterior, de 1938/1940, a política cardenista dirigiu-se à consolidação política do regime. Neste

último período, Cárdenas pela via reformista, tornou possível a efetivação das reformas necessárias

para a estruturação definitiva do Estado mexicano. Se no início de seu governo, Cárdenas estava

cercado por seguidores de Calles, aos poucos grupos opostos de callistas e cardenistas começaram

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a se formar no Senado e na Câmara de Deputados, e em junho de 1935 a contradição entre estas

duas forças se tornaram antagônicas. Os callistas representavam a grande burguesia dependente e o

capital estrangeiro, e os cardenistas – Ala Esquerda – representavam os setores médios ansiosos de

ascensão e reformas (Altamnn, 1990, p. 106). Segundo o mencionado autor, Francie Chassen de

López39 descreve em sua obra que:

Cárdenas representava as novas forças progressistas que se compunham da mediana e pequena burguesia, ambas tendências nacionalistas, que lutavam pelo poder político e as reformas necessárias para prosseguir na modernização do país, o desenvolvimento do capitalismo mexicano e a melhoria de sua condição de dependência frente ao imperialismo (apud Altmann, 1990, p. 106).

Os setores médios cardenistas, necessitavam do apoio das classes trabalhadoras para levar

em frente as reformas e enfrentar a burguesia conservadora. Cárdenas que representava os

interesses destes novos burgueses, respondeu às necessidades de sua ascensão, ampliando a infra-

estrutura e modernizando o país. Por outro lado, seu governo atacou o capital estrangeiro e os

produtores atrasados, mas quando os novos interesses começaram a se consolidar, Cárdenas se

posicionou frente à nova realidade, freando seu próprio reformismo.

Cárdenas representante de grupos sociais novos em ascensão, implementava uma

política própria de acordo com a visão dos grupos que representava. Com a implementação da

política educacional socialista, os conflitos com Calles alcanç aram corpo. Muitos indivíduos,

enriquecidos nos altos postos alcançados, embora tenham se tornado inimigos dos princípios

da Revolução, continuaram sentindo-se “revolucionários”. São pois, duas ordens de conflitos,

a revelar os dois pólos antagônicos que o callismo e o cardenismo representavam: Calles,

radical, conservador; Cárdenas, reformista, não via necessidade de combater nenhum setor

social específico; reformas eram necessárias e seriam realizadas em profundidade e sem

desvios. A inquietação social que caracterizou o primeiro ano do governo de Cárdenas,

colocou em relevo a divergência entre os dois grupos quanto a forma de encará-la. Além

disso, o agravamento da luta social, colocou para o grupo de Cárdenas a visão de que a

Revolução Mexicana não havia completado seu ciclo no campo social, sendo necessária dar

um fecho à mesma.

Seguindo a análise empreendida por Altmann (1990) acerca do cardenismo, verifica-se

que, paralelamente ao aumento dos movimentos grevistas, a partir de 1933, cresceu o movimento

39 Francie R. Chassen de López. Lombardo Toledano y el Movimiento Obrero Mexicano (1917/1940). México: Ed. Extemporáneos, 1977, p. 176 (apud Altmann, 1990, p. 106).

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sindical. A Confederación Regional Obrera Mexicana (CROM), representava a corrente

ideológica majoritária, o sindicalismo reformista. Em 1921, formara-se a Confederación General

del Trabajo (CGT), representante do anarco-sindicalismo. Tanto a CROM como a CGT, surgiram

do núcleo constituído pela Casa del Obrero Mundial (COM), fundado em 1912 e força dominante

até 1915. Depois de 1914/15, a inflexão se modificou em direção de um sindicalismo sempre mais

reformista.

A CROM resultou diretamente da COM. Surgiu em 1918, suscitando desde o início,

acirrada polêmica entre as suas facções formadoras. Os anarco-sindicalistas e socialistas pediam a

palavra “regional” para poder ingressar em alguma internacional; e os reformistas exigiam a

palavra “mexicana” para mostrar o caráter nacional da organização.

A atuação da CROM se caracterizava pela “ação múltipla” (ação econômica e política),

mas a luta ideológica entre socialistas, anarco-sindicalistas e reformistas, no entanto, continuou

dentro da CROM, embora a hegemonia pendesse para os reformistas. Em 1923, durante a V

Convenção Anual, a CROM pronunciou-se por um reformismo nacionalista. Embora, a luta

ideológica e a questão da hegemonia interna da CROM já estivesse delineada desde 1920, houve

muitos protestos dentro e fora da CROM. Desde 1918, havia a intenção de formar uma central

operária radical opositora a CROM. Além disso, a partir de 1922, os anarco-sindicalistas passaram

a dominar a CGT. Mesmo assim, o movimento operário mexicano evoluiu. Um dos resultados

diretos dessa evolução, foi o apoio do governo a CROM e a perseguição a CGT, tanto pelo

governo como pela CROM.

Dessa forma, a CROM constituiu-se, desde sua fundação até a chegada de Cárdenas ao

poder, na principal organização operária mexicana. Até os fins de 1920, o controle hegemônico

definitivo da CROM ainda não estava assegurado para nenhum grupo, mas, à medida que o

“Grupo Acción” de Luís Napoleón Morones ia crescendo, seus opositores começaram a abandonar

a organização.

De acordo com Altmann (1990, p. 114), “o início da verdadeira consolidação do

reformismo e do oportunismo dos grupos dirigentes da CROM pode ser marcado a partir da

formação da CGT em 1921”, agregando anarco-sindicalistas, socialistas, comunistas e até

reformistas, que estavam à esquerda do “Grupo Acción” e que renunciavam a atuar dentro da

CROM. Dessa data em diante, a CROM representou o triunfo do reformismo no movimento

operário mexicano.

Em 1927, quando a CROM estava no auge de seu poder, Vicente Lombardo Toledano, um

dos seus principais líderes, caracterizou a liberdade sindical no México como “um novo caminho

criado pelo Estado para a emancipação integral do proletariado e um direito limitado à defesa de

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seus interesses materiais, tratando-se do capitalismo” (ibidem). A importância de uma aglutinação

em torno do nacionalismo econômico como freio ao imperialismo norte-americano, era a

justificativa para a aproximação da CROM com o Estado e também entre os operários e

capitalistas.

Em vista disso, Morones buscava harmonizar os interesses de trabalhadores e capitalistas,

deixando no passado, a luta da CROM por um socialismo resultante da luta de classes. A CROM

agora, identificava-se com um trabalhismo que deveria trazer harmonia às classes. Desta forma ela

ligou sua sorte a da “família revolucionária” e ao avanço do “cuadilhismo pós-revolucionário”.

Quando o “cuadilhismo pós-revolucionário” foi eliminado com a ascensão de Lázaro Cárdenas,

seu declínio já era evidente. Com a crise da CROM, a partir de 1928, Portes Gil, novo presidente

do México, e seus seguidores iniciaram uma cruzada para destruí-la, fomentando dissidências,

patrocinando convenções de agrupamentos separados da CROM, enquanto a CGT começava a

fortalecer-se. A meta de Gil era voltar a formar uma confederação operária nacional, controlada

pelo governo e o PNR (Partido Nacional Revolucionário). Este objetivo foi atingido no governo de

Cárdenas, com o desaparecimento da CGT e a assunção da Confederación de Trabajadores de

México (CTM), que constituiu a síntese da central oficial.

Portanto, a chegada de Cárdenas ao poder, ocorreu num quadro sindical e operário de

dinamismo e oscilações entre as diferentes forças representativas do operariado mexicano. A

dissolução da CROM e a decadência do “caudilhismo revolucionário” correspondeu, naquele

momento histórico, à crescente combatividade dos novos sindicatos e à ascensão dos novos setores

pequeno-burgueses que tiveram em Cárdenas seu principal porta-voz.

Altmann (1990, p. 129) apresenta o seguinte quadro, enfeixando os grandes eixos da

estruturação do Estado Nacional Cardenista:

O regime Cárdenas apresenta, (...), três grandes eixos de atuação, atuando primacialmente em três grandes esferas: 1) no relacionamento com os sindicatos e sua conduta frente aos conflitos trabalhistas; 2) na política de reforma agrária que conduziu a uma profunda transformação da estrutura agrária; 3) na política de nacionalização, cuja culminância foi a nacionalização das companhias petrolíferas estrangeiras.

Schutte, Castro e Jacobsen (2000), sintetizando o quadro sindical mexicano atual, colocam

que a base de organização dos sindicatos mexicanos, pode ser por empresa, ramo industrial,

categoria ou por região geográfica, podendo constituir federações em nível regional/estadual e

confederações ou centrais sindicais nacionais. Essas podem possuir seções regionais/estaduais

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como parte da estrutura horizontal e, conforme usos e costumes, ter maior ou menor autonomia. Na

verdade, representa um modelo corporativo clássico no tocante à sua estrutura de unicidade

sindical e à sua relação com o Estado.

O sindicalismo oficial mexicano que se desenvolveu nas décadas de 60, 70 e

posteriormente, deixou de ser uma expressão da ação trabalhista e passou a ser um agente político

de dominação, controle e mediacão. A partir de 1986, no entanto, com a queda dos preços do

petróleo no mercado internacional, o México começou a viver o início da reestruturação produtiva

e reorganização sindical.

No caso do México e da Bolívia, o setor agrário também integrava a base de apoio político-

sindical. Em outros países, como o Brasil, o movimento camponês pressionava pela divisão da

terra e ao longo da década de 1950 foi se transformando num foco de tensão para os “governos

desenvolvimentistas”, ameaçando o histórico pacto entre burguesia industrial e oligarquia agrária,

contrária à reforma agrária (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000). Nesse período, as lutas sindicais

eram basicamente trabalhistas (salário e legislação de proteção laboral). Nos países onde o

movimento sindical tinha maior vinculação político-partidária, adquiriu peso institucional na

gerência governamental, com perfil poli-classista. Países como o Chile e o Uruguai, durante o

período de ouro do desenvolvimentismo, ostentavam uma sociedade civil mais organizada e

tinham organizações sindicais sob a hegemonia dos partidos comunista e socialista.

No que se refere ao sindicalismo, os partidos comunistas, na década de 1950, seguindo

orientações da Internacional Comunista, orientavam os sindicatos a desenvolverem uma ação

política de colaboração com os governos desenvolvimentistas, visando ao aumento da influência

nas decisões e no próprio aparelho estatal. No Brasil, também as lideranças sindicais tinham acesso

aos gabinetes palacianos, pois o Partido Comunista Brasileiro, quando voltou à legalidade em

1946, se aliou com os “trabalhistas” para tentar influenciar a política do governo. Quando o

desenvolvimentismo entrou em colapso, com eles caiu esse modelo social e o sindicalismo não

teve condições de resistir à ofensiva conservadora e autoritária das décadas de 1960 e 1970. Nos

países onde desfrutava de maior poder político (Argentina, Uruguai e Chile), foi um dos segmentos

mais golpeados pelos regimes militares por ser foco de resistência ao novo modelo de acumulação

pretendido pelas classes dominantes.

Na Argentina, Uruguai e Chile, as ditaduras militares realizaram a política de abertura

comercial e a desindustrialização, sustentadas por forte repressão ao movimento sindical. A

exemplo, na Argentina o sindicalismo oficialista reconstruiu as estruturas da Confederación

General del Trabajo – CGT – e das grandes corporações nacionais, reconduzindo ao poder várias

das velhas lideranças peronistas. Porém, ao final do período dos regimes militares (início da década

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de 1980), começaram a surgir os primeiros contatos sindicais, alimentados pelo crescimento dos

movimentos de resistência democrática no Chile, Argentina, Uruguai e Brasil, rompendo pouco a

pouco o isolamento dos anos anteriores.

O fim dos regimes militares coincidiu com o avanço do novo modelo econômico nos

países do norte. Frente a essa nova situação, os sindicatos da América Latina, principalmente dos

países do sul do continente, viram-se confrontados com problemas idênticos (redução do aparelho

do Estado, privatização de empresas e serviços estatais, flexibilização do mercado de trabalho) e o

desafio de encontrar novas formas de superar a estreita visão nacional que haviam herdado.

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2 – O CASO BRASILEIRO: A ORGANIZAÇÃO DOS

TRABALHADORES

O sindicalismo no Brasil deve ser tratado como um caso a parte porque, devido à

escravidão e ao modelo de monocultura agro-exportador, o país teve um processo de formação do

proletariado distinto do da Europa e do restante da América. A primeira geração de proletários

brasileiros conviveu nas fábricas e nas cidades com trabalhadores escravos durante várias décadas

(Mosna, apud Maranhão, 1999). A incipiência da industrialização, no século passado, fez com que

a maior intensidade da atividade sindical acontecesse, principalmente, no setor de serviços –

ferroviários, portuários e gráficos.

Porém as primeiras organizações operárias surgidas ainda na primeira metade do século

XIX constituíram-se na forma de associações mutualistas e tinham por finalidade o socorro e

auxílio mútuo em casos de doenças, acidentes, enterros, velhice, entre outros.

Para fins deste estudo, a luta dos operários no Brasil em busca de organização e

equilíbrio na relação capital e trabalho foi estruturada em sete fases: antes de 1889; a partir da

Proclamação da Repúbli ca até 1930; de 1930 a 1945; de 1945 a 1964; de 1964 a 1978; de

1978 a 1990; e depois de 1990.

2.1 O MOVIMENTO OPERÁRIO NO BRASIL ATÉ 1889

Essa primeira fase foi marcada pela primeira greve de trabalhadores do Brasil, em 1858,

promovida pelos operários gráficos do Rio de Janeiro.

Nessa época, os operários brasileiros trabalhavam de 12 a 15 horas por dia; as fábricas

estavam repletas de meninos de 7 e 8 anos e as mulheres faziam trabalho noturno com salários

muito inferiores aos dos homens. Somavam-se a isso os acidentes, as péssimas condições de

trabalho e a inexistência de direitos (Oliveira, 1989, p. 6).

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Em decorrência do desemprego, doença e outras necessidades advindas da inexistência de

qualquer tipo de organização previdenciária, na segunda metade do século XIX, surgiram as

Sociedades de Socorro e Auxílio Mútuo. A partir dessa experiência, surgiram na década de 1970 as

primeiras organizações de tipo sindical no Brasil, qualitativamente superiores às associações

mutualistas – as Ligas de Resistência, os Círculos Operários – que passaram a organizar o

proletariado e a reivindicar direitos. A principal forma de luta era a greve. Esses dois tipos de

associações coexistiram até o final do século.

2.2 O MOVIMENTO OPERÁRIO A PARTIR DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

ATÉ 1930

Nesse período, foram identificadas algumas características importantes de se ressaltar tais

como: a organização autônoma e independente do movimento sindical em relação ao Estado, o

nítido caráter de classe da organização sindical, a lu ta do movimento sindical pela construção de

uma central sindical (COB – 1906; CGTB – 1928), a ação do Estado e dos patrões tentando

intervir no movimento, através dos sindicalistas amarelos (pelegos)40, o predomínio ideológico dos

anarquistas, a composição da classe operária, formada em sua maioria por imigrantes estrangeiros,

e a violenta ação repressiva do Estado sobre o movimento operário que considerava a chamada

“questão social” como “um caso de polícia”. Também constatou-se o peso reduzido da classe

operária na composição social; o papel secundário da produção industrial em uma economia

predominantemente agrário-exportadora e o controle do aparelho estatal pela oliguarquia rural,

quadro que sofreu profundas alterações a partir de 1930 (Azevedo, 1989, p. 5).

A cronologia histórica foi marcada, nessa fase, pela luta dos operários contra as condições

precárias de vida do trabalhador, falta de leis que regulamentassem o trabalho, exploração do

trabalho das mulheres e das crianças. Contra essa situação, em 1891, os operários paulistas

deflagraram a primeira greve generalizada, em Santos, envolvendo os operários das docas e

portuários em geral, ferroviários, construção civil, operários dos matadouros e, inclusive, os

coveiros da cidade.

No início do século XX, no momento em que a indústria crescia visivelmente, a classe

trabalhadora posicionava -se contra a dura realidade em que vivia: alto custo de vida, baixos

salários, longa jornada de trabalho (os horários dependiam apenas da vontade do patrão),

desemprego, falta de liberdade e acidentes de trabalho. Em 1905, foi criada a primeira

40 Sindicalistas comprometidos com as autoridades durante a Velha República (1889-1930).

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organização estadual de trabalhadores, a Federação Operária de São Paulo. Em 1906,

realizou-se o 1º Congresso Operário Brasileiro, um dos principais instrumentos de

organização e mobilização dos trabalhadores. Uma das suas deliberações foi a criação da

Confederação Operária Brasileira (COB), a primeira central sindical brasileira, com a

finalidade de coordenar a luta sindical.

Outros instrumentos de resistência foram criados. Visando a defender-se da situação de

usurpação incessante do capitalista e conquistar os direitos fundamentais do trabalho, a classe

trabalhadora fundou jornais, ligas operárias e sindicatos 41.

O ano de 1912 foi marcado pelo Congresso dos Pelegos, assim denominado pelos

sindicalistas combativos, porque foi realizado sob a égide do filho do então Presidente da

República, Marechal Hermes da Fonseca, e reunia os setores do movimento sindical

comprometidos com as autoridades. A tentativa dos pelegos era construir um sindicalismo atrelado

ao Estado com base no paternalismo. Entretanto, durante a República Velha (1889-1930), não era

esta a conduta das classes dominantes em relação aos trabalhadores, como expressa a célebre frase

do presidente Washington Luiz e que, por dizer tudo, vale repetir aqui: “a questão social é uma

questão de polícia”.

Os anarquistas e anarco-sindicalistas tiveram grande influência na COB e, em menor

escala, os socialistas, o que explica, segundo Antunes (1988), a predominância de uma pauta de

cunho economicista no seio da classe operária. O movimento operário anarquista no Brasil, tal

como nos países de origem, principalmente na Itália e Espanha, não lutava pela efetiva superação

do capitalismo ou pelo poder estatal. E não admitia na sua doutrina a criação da organização

político-partidária das classes subalternas, impossibilitando a formação de um bloco hegemônico

de classes subalternas, pois não buscava a política de aliança com os demais setores dominados,

especialmente o campesinato.

Durante as duas primeiras décadas do século XX a hegemonia foi dos anarquistas. Eles

lutavam por acordos coletivos e contra a ação parlamentar, não aceitando, portanto, a legislação

trabalhista. Repudiavam o assistencialismo, a burocracia – as decisões eram sempre de todo grupo.

Seus métodos eram a ação direta, a luta imediata e o trabalho militante. Desenvolveram um intenso

trabalho de politização classista não só dos trabalhadores mas também envolvendo as famílias

(Mosna, 1999).

41 Os sindicatos foram “associações criadas pelos operários para sua própria segurança, para a defesa contra a usurpação incessante do capitalista, para a manutenção de um salário digno, de uma jornada de trabalho menos extenuante...” (Antunes, apud Cattani, 1985, p. 11).

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Para os anarquistas, a principal arma dos operários deveria ser a greve, transformando-se-a

em revolta armada. Combatiam o capitalismo através de greves e sabotagens. Não aceitavam a

existência do Estado. Dele nada esperavam. A ação parlamentar era, também, desacreditada. No

entanto, embora ao movimento operário anarquista faltasse organização partidária, estratégia para a

ação e um sistema de alianças que criasse as bases para a sua influência política e social (Vianna,

apud Antunes, 1988, p. 65), sua luta puramente econômica não esteve distante na atuação concreta

do movimento sindical reformista (dos marítimos e ferroviários do Rio de Janeiro), o qual se

pautava por reivindicações também exclusivamente economicistas (Silva, apud Antunes, 1988, p.

64). Isso deu origem a uma intensa movimentação operária, sendo expressivo o número de greves

durante esse período, destacando-se, principalmente, as ocorridas em 1917 e 1919, que, inclusive,

se alastraram por todo o país. A greve de 1917 irrompeu em São Paulo e teve a duração de seis

dias, mas não alcançou as reivindicações principais (a principal era o aumento de salários,

conseguido um aumento de 20%, a greve acabou). Foi o marco inicial do declínio da liderança

anarquista no movimento sindical brasileiro.

A partir do início da década de 1920 desenvolveu-se a indústria, alterando a estrutura da

economia e da sociedade brasileira. Embora prevalecesse o caráter agrário-exportador da economia

e a hegemonia política e social das oligarquias rurais, o crescimento ocorrido durante o período da

1ª Guerra Mundial (1914-1918) duplicando a produção industrial do país, reforçou o processo de

concentração urbana e produziu novos atores sociais que começaram a lutar na busca de espaços

políticos para defesa de seus interesses (Azevedo, 1989). Assim, a classe operária cresceu

reforçada por novos contingentes de origem camponesa que, praticamente, diluíram a força de

trabalho anteriormente existente, ao mesmo tempo que impulsionavam o crescimento dos setores

médios e do empresariado industrial.

Essa nova configuração social pressionou o Estado oligárquico da República Velha

promovendo conflitos sociais que desaguaram na Revolução de 1930. A fundação do Partido

Comunista do Brasil (PCB), em 1922, deu lugar a uma nova concepção sindical que entendeu a

necessidade de associar a luta economicista à luta política institucional causando apreensão ao

Estado. A criação da Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros (CGTB), em 1929

(Oliveira, 1989), do bloco Operário e Camponês que concorreu às eleições de 1930, ilustrou as

principais ações políticas da classe operária na década de 1920. A organização dos trabalhadores

construída no período anterior não teve condições de incorporar ao sindicalismo combativo o novo

contingente despolitizado e sem experiência sindical, mais as divergências profundas de concepção

e métodos de luta entre anarquistas e comunistas promovendo intensas disputas entre eles,

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enfraqueceu o sindicalismo e contribuiu para a aniquilação dos anarquistas face à repressão policial

e às medidas governamentais após 1930.

Enquanto isso, os segmentos médios tiveram seus anseios políticos expressos em

acontecimentos como a Semana da Arte Moderna, em 1922, e no movimento Tenentista que

desencadeou a revolta dos militares. Entre as mais importantes estão a Revolta do Forte de

Copacabana (1922) e a Coluna Prestes (1927). A Aliança Liberal, liderada por Getúlio

Vargas, embora constituída por parcelas dissidentes da oligarquia rural, contemplou em seu

programa reivindicações dos segmentos médios, mas, sobretudo, representou uma visão

modernizante de setores da classe dominante brasileira (Azevedo, 1989, p. 5), caracterizada

pela intervenção do Estado na economia.

Em suma, até as duas primeiras décadas do século XX a intervenção do Estado era apenas

de caráter repressivo – a questão social era caso de polícia. As greves e outras manifestações

operárias eram violentamente reprimidas pela polícia, provocando prisões, feridos e mortes; os

sindicatos eram invadidos e fechados; as redações dos jornais operários eram empastela das; e

militantes estrangeiros eram expulsos do país (Mosna, apud Munakata, 1999).

2 3 O CONTROLE SINDICAL E A RESISTÊNCIA OPERÁRIA DE 1930 A 1945

O modelo de sindicalismo autônomo que vinha se desenvolvendo no Brasil teve um

corte a partir da Revolução de 30.

Getúlio Vargas, derrotado nas urnas, chegou ao poder pelas armas em 3 de outubro de

1930, realizando não só a intervenção econômica – pondo fim à política do café com leite da

oligarquia cafeeira de São Paulo e Minas e à oligarquia dos usineiros do Nordeste, criando o

Instituto Brasileiro do Café (IBC) e o Instituto do Álcool e do Açúcar (Azevedo, 1989, p. 5) – mas

também a do sindicalismo – interferindo na organização dos sindicatos com o objetivo de

subordiná-los ao Estado (Oliveira, 1989).

A Revolução de 30 rompeu com o modelo agroexportador e instituiu um novo modelo

– a substituição de importações. Com o objetivo de neutralizar a pressão operária, oferecendo

as condições para impulsionar a industrialização, o governo substituiu o liberalismo por uma

nova doutrina, o corporativismo, inspirada no fascismo italiano. Segundo essa doutrina, o

liberalismo gerava luta de classe e caos social devido à ausência de legislação trabalhista que

regulasse a vida econômica. O corporativismo entendeu que para haver desenvolvimento era

necessário eliminar conflito, criar laços de colaboração e harmonia. Substituiu a noção de

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classe por corporação, pois nessa os empregados e empregadores formavam um só grupo cujo

interesse era apenas um: o da defesa da profissão (Mosna, apud Munakata, 1999).

Estabeleceu-se após 1930 uma política bifronte assentada simultaneamente na tentativa de

integração/manipulação das massas trabalhadoras. Com a justificativa de resolver a questão social,

o Estado passou a tutelar o movimento sindical e a intervir nas suas questões. Os meios

privilegiados nesse processo foram a legislação trabalhista e a estrutura sindical corporativa. Não

foi à toa que uma das primeiras medidas do governo provisório de Getúlio Vargas foi a de criar o

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (novembro de 1930), para a aplicação da nova

política em relação ao sindicalismo (Oliveira, 1989) que imediatamente elaborasse um novo

projeto para reorganizar a atividade sindical no país. Com isso, a questão social deixava de ser

simplesmente uma questão de polícia, daí por diante as classes dominantes brasileiras para anular o

movimento sindical recorreram à repressão e à legislação trabalhista que amordaçou a classe

trabalhadora, além de exercerem uma brutal repressão aos sindicatos que ofereciam resistência a

sua implantação.

Como parte dessas medidas, em março de 1931, instituiu o Decreto-Lei 19.770 que

criava um sistema sindical corporativo, atrelado ao Estado, organizado verticalmente e por

categorias profissionais (Buonicore, 1998). Os sindicatos foram transformados em órgãos de

conciliação entre capital e trabalho, e regulamentados pela Lei de Sindicalização, eliminando-

se o princípio da liberdade e da autonomia sindical.

Os sindicatos passaram a ter seus recursos financeiros controlados pelo Estado e foram

definidos legalmente como órgãos de colaboração do Estado. As atividades políticas e

ideológicas foram proibidas, assim como a formação de organizações intersindicais ou

filiação a organizações sindicais internacionais (Azevedo, 1989).

A resistência do movimento sindical autonomista às normas estabelecidas pelo

Decreto-Lei 19.770/31, fortemente sentida no início do processo de implantação da Lei de

Sindicalização, foi esmorecendo. E enquanto o número de sindicatos reconhecidos pelo

Ministério do Trabalho aumentava em 73%, entre 1933 e 1934, os sindicatos operários

decresceram em 52% (Antunes, 1988, p. 85).

Em 1934, ante a pressão operária, o Decreto 24.694 recuava, fazendo voltar a

“pluralidade sindical e a completa autonomia dos sindicatos” (Antunes, 1988, p. 84), mas no

plano concreto as limitações à autonomia sindical persistiram, pois o sindicato continuou

definido como órgão “de colaboração com o Estado” (Rodrigues, apud Antunes, idem). Para

fechar esse ponto, em 4 de abril de 1935, a Lei de Segurança Nacional desencadeou uma onda

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repressiva que tornou impraticável aos trabalhadores operar nos quadros de um sindicalismo

autônomo.

É significativo lembrar como os operários lutavam para não se subordinar ao

sindicalismo de Estado, mostrando de que maneira alguns setores da massa assalariada

reagiram frente à política de controle sindical, analisando, a partir da reação dos sindicatos, as

condições impostas pela Lei de Sindicalização.

Segundo Antunes (1988), o Decreto-Lei 19.770/31 criou condições sobre as quais,

pouco a pouco, se consolidou a estrutura sindical brasileira. Entre os seus princípios básicos já

constava a subordinação dos sindicatos ao Estado através da intervenção do Ministério do

Trabalho junto às diretorias. O seu caráter desmobilizador também se expressava nas

restrições impostas à atuação dos estrangeiros que constituíam a parcela politicamente mais

avançada dentre os operários, além da proibição explícita ao sindicato de exercer qualquer

atividade política e ideológica.

O projeto determinava também a existência de apenas um sindicato oficial por

categoria, proibia a unificação horizontal dos sindicatos e estabelecia uma estrutura sindical

vertical assentada nas federações e confederações. A lei proibia que os novos sindicatos se

filiassem a organizações internacionais sem a prévia autorização do Ministério do Trabalho. A

nova lei sindical estabelecia penalidades para o não cumprimento de suas determinações.

Penalidades que iam da simples multa até o fechamento do sindicato, passando pelas

intervenções e substituições de diretorias eleitas (Buonicore, 1998). Orientado por essa

concepção, o Estado forja um movimento sindical sem movimento. Ao regulamentar

inúmeras conquistas dos/as trabalhadores/as, dando caráter de outorga, o Estado buscou

apagar da memória um passado de lutas e conquistas da classe trabalhadora.

O conjunto de leis trabalhistas começava pela obrigatoriedade da carteira profissional.

Se hoje ela é considerada um documento neutro e até como uma garantia e arma do

trabalhador, nasceu como um instrumento de controle e dominação. Além de ser documento

para efetivar a obrigatoriedade indireta de sindicalização, a carteira profissional, visava a

substituir as antigas carteiras emitidas pelos sindicatos que serviam para controlar as férias e

para identificar o seu portador como um trabalhador idôneo, garantido pelo sindicato. Ao

invalidar as carteiras sindicais, o novo documento retirava dos sindicatos mais um

instrumento através do qual esses buscavam o controle do mercado de trabalho (Mosna, apud

Munakata, 1999). A organização sindical passava a ser, obrigatoriamente, por categoria

profissional; era vedada toda atividade e propaganda política no interior do sindicato; proibida

a sindicalização do funcionalismo público e a existência de Centrais Sindicais. Entre as

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medidas editadas se destacavam normativas estabelecendo que o estatuto dos sindicatos

deveriam ser elaborados a partir de um estatuto padrão e submetido à aprovação do Ministério

do Trabalho Indústria e Comércio (MTIC), os sindicatos só poderiam funcionar depois de

atender uma série de exigências e de receberem a Carta de Reconhecimento Sindical, e

poderiam sofrer intervenção ou ter sua Carta de reconhecimento cassada.

Mas, os mecanismos mais perversos do modelo corporativo – o chamado tripé do

peleguismo, da colaboração de classes – foram: a unidade sindical , sindicato único no âmbito

do município (eliminando a competição entre as diversas concepções sindicais 42 –

anarquistas, comunistas, socialistas – a qual forçava a um intenso trabalho de base) e o

imposto sindical , contribuição compulsória de todos os trabalhadores, filiados ou não, com

destinação basicamente assistencialista. Apartando recursos consideráveis, dispensava o

trabalho de sindicalização, na prática significativa que quanto menos sócios tivesse o

sindicato tanto melhor, pois eram menos pessoas para oferecer-lhes atendimento médico,

odontológico e recreativo. Permitia a existência de sindicatos sem sindicalizados, além de

facilitar a permanência dos dirigentes no aparelho, e o Poder Normativo da Justiça do

Trabalho, mediador dos conflitos entre patrões e empregados.

Os sindicatos deixaram de ser órgão de luta para serem um órgão de cooperação com

as metas do governo Getúlio Vargas.

A atuação dos trabalhadores nesse período, ilustra de forma clara, a resistência

imposta ao controle sindical do Estado. As categorias mais importantes no início da década de

1930 são dos trabalhadores gráficos, da indústria hoteleira e similares, metalúrgicos,

trabalhadores da Light, ferroviários, têxteis, bancários e comerciários. Este estudo destaca

algumas dessas categorias, entre as quais se situam as dos trabalhadores da indústria hoteleira

e similares e a dos trabalhadores gráficos pela combatividade com que atuaram no período

analisado.

Os trabalhadores da indústria hoteleira e similares, conforme Antunes (1988, p. 87-

88), foi uma das categorias mais combativas da década de 1930. Em suas críticas à Lei de

Sindicalização, enfatizavam que “a sindicalização criada pelo outubrismo é a reprodução fiel

da “Carta Del Lavoro”43, imposta ao proletariado italiano. Colocaram-se também “contra

42 A luta operária neste período era dirigida por algumas tendências que influenciavam o movimento. Os anarquistas se agrupavam na Federação Operária de São Paulo (FOSP); os socialistas criaram a Coligação dos sindicatos Proletários em 1934; e os comunistas a partir de 1932 optaram em trabalhar por dentro dos sindicatos oficiais na tentativa de criar as “Frações Vermelhas” (Azevedo, 1989, p. 5). 43 A “Carta del Lavoro”, instituída em 1927, na Itália pelo regime fascista de Benito Mussolini foi a verdadeira inspiração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

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fascistização do movimento sindical”, apoiando o repúdio de 40 sindicatos do Rio Grande do

Sul à carta de sindicalização e declarando que “o Ministério do Trabalho foi criado para

exercer o controle dos sindicatos, com o único objetivo de, através de uma série de enganos e

manobras, facilitar aos patrões a realização de sua política de diminuição de salários, de

aumento de horas de trabalho, para não cumprir as leis que favorecem os trabalhadores”.

Também postulavam uma luta independente, fora do sindicalismo oficial, como a única forma

de defesa dos interesses operários. Outra categoria que mostrava uma prática combativa e

autonomista era a dos trabalhadores gráficos. Essa categoria organizou um comitê

intersindical de combate, patrocinado pela União dos Trabalhadores Gráficos (U.T.G.) e

destinado a realizar a frente única de todas as organizações existe ntes à época, em São Paulo.

A fim de conservar as conquistas realizadas no passado, a U.T.G. lutou em torno de

questões imediatas, denunciando as características da Lei de Sindicalização e reivindicando a

mais completa liberdade de organização.

Sobre a Lei de Sindicalização, a U.T.G. enfatiza: O traço característico do governo surgido da vitória do movimento de 1930 foi a tentativa de fazer frente às tendências espontâneas das corporações operárias a organizarem-se dentro de sindicatos de luta de classes. O controle desejado das organizações operárias pelo Estado está expresso na famigerada Lei de Sindicalização, a única lei na ‘república nova’ pode-se dizer, que não engana, que não nega os seus fins. O objetivo do Decreto 19.770 é limitar a ação direta do proletariado nas suas reivindicações, isto é, cercear a nossa defesa nas lutas quotidianas contra o patronato pela interposição do aparelho burocrático do Ministério do Trabalho. Ao mesmo tempo que amortece o espírito de luta da massa operária, a lei de sindicalização organiza o controle do Estado sobre a vida das organizações sindicais (O Trabalhador Graphico, n. 11; apud Antunes, 1988, p. 90).

Segundo Antunes (1988), a U.T.G. criticava violentamente a concepção oficialista da

União dos Trabalhadores em Livros e Jornais do Rio de Janeiro (U.T.L.J.), procurando

mostrar que a quebra de relações com o Ministério do Trabalho não jogaria este sindicato na

ilegalidade, pois ele continuaria com a sua personalidade jurídica garantida pelo Código Civil,

isto é, estava atrelado ao Estado, e o mesmo ocorreria com outros sindicatos que ou já

nasceram dentro das condições impostas pela Lei de Sindicalização ou não conseguiram

A doutrina fascista entendia o Estado como o árbitro do conflito de interesses entre a classe trabalhadora e a patronal. Este Estado postado acima das classes e em nome dos interesses nacionais deveria combater tanto os excessos do capitalismo quanto os das reivindicações trabalhistas, diluindo as diferenças entre patrão e empregado e anulando a luta de clas ses. Na prática, esta doutrina serviu aos interesses patronais. Tanto na Alemanha como na Itália, a organização sindical dos trabalhadores foi desmantelada pela repressão e a exploração do trabalho intensificou-se. A “Carta del Lavoro” foi revogada com a queda do regime fascista italiano em 1943, mas a sua memória é preservada na CLT brasileira, ainda em vigor (Oliveira, 1989, p. 9).

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manter-se autônomos com relação ao Estado, aceitando desde logo as condições impostas

pelo governo.

Depreende-se do estudo de Antunes (1988) que a maioria dos sindicatos existentes até

1930 que se pautavam pela prática autonomista e representativa não aceitaram passivamente o

seu enquadramento no sindicalismo oficial. Também na categoria dos gráficos, fortemente

influenciados pelos comunistas desde os fins da década de 1920, foi intensa a luta pela

preservação dos sindicatos autonômos e representativos. Essa influência foi sentida mais

fortemente depois de 1931 pela atuação da Liga Comunista, de te ndência trotskysta, que se

separou do P.C.B. Durante alguns anos desenvolveu-se uma atuação sindical autônoma e

independente do Estado. Entretanto, a partir de 1935, também os gráficos subordinaram-se às

determinações legais, pois uma nota veiculada no jornal O Trabalhador Graphico, de 7 de

fevereiro, anunciava que o sindicato procurava adaptar-se às novas condições da legislação do

país e para tanto requereu o seu reconhecimento junto ao Ministério do Trabalho (apud

Antunes, 1988, p. 91).

Entre 1930 e 1935 efetivou-se o confronto entre o sindicalismo independente e o

atrelado. Os sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho passaram a ser

subvencionados pelo Estado, fato que daria origem à burocracia sindical. O movimento

sindical do período anterior , caracterizado pela livre organização e sem ser reconhecido pelo

Estado, resistiu à tentativa de tutela pelo Governo Vargas e, em conseqüência, foi

intensificada a repressão policial de 1935 em diante contra o sindicalismo, destruindo-se por

completo a organização independente e estabelecendo-se a hegemonia dos sindicatos oficiais

e da burocracia sindical sobre os trabalhadores.

Em 1937, através de um golpe militar, Getúlio Vargas instalou uma ditadura e o

denominado Estado Novo passou a praticar uma política de intensa repressão às lideranças

combativas da classe trabalhadora, combinada com o prestigiamento dos “pelegos”44. O

sindicalismo imposto por Vargas procurou tirar dos sindicatos o seu caráter reivindicatório, de

instrumento de unificação e de encaminhamento das lutas operárias. Aos poucos, os

sindicatos foram assumindo um papel assistencialista e recreativo, passando a ser dirigidos

por lideranças que fizeram o jogo dos patrões. As lideranças autênticas foram reprimidas,

mortas ou exiladas. Os sindicalistas “pelegos” deixaram de mobilizar as categorias, passando

44 Lideranças sindicais que faziam “o jogo dos patrões” (Azevedo, 1989, p. 5).

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a utilizar os recursos do imposto sindical45 para enfraquecer o movimento operário autônomo.

Com um pequeno número de sócios, os “pelegos” 46 poderiam dar uma boa assistência médica

e odontológica, garantindo, assim, um colégio eleitoral fiel para a sua perpetuação na direção

do sindicato, retirando o seu papel de luta (Azevedo, 1989).

Em 1º de maio de 1943, o Decreto-Lei 5.452 instituiu a Consolidação das Leis

Trabalhistas (CLT) que procurava or ganizar e hierarquizar toda a legislação e normas criadas

pelo Estado desde 1930, reafirmar para os funcionários públicos a proibição de sindicalização

e para os sindicatos a interferência do Ministério do Trabalho. A CLT definiu e normatizou

um amplo conjunto de questões, entre as quais as que diziam respeito às condições de

trabalho e salários, à estabilidade, à organização dos trabalhadores em associações e aos

conflitos entre empregados e empregadores.

A Consolidação das Leis do Trabalho, reforçou a política de trazer para dentro dos

órgãos do governo as disputas levadas pelo movimento sindical. Conforme Lima (1998, p.

15), “a CLT é a estratificação de um processo deformado, de uma legislação arbitrária e

antioperária. Se ela tem caráter paternalista, de um lado, tem do outro caráter antioperário,

limitativo dos direitos mínimos dos trabalhadores e assegura a exploração de classe”.

Quando a CLT foi implantada e a resistência dos trabalhadores cresceu, Getúlio

Vargas, habilmente, criou a Justiça do Traba lho, que é uma justiça especializada, com o fim

de resolver questões entre o capital e o trabalho. A criação dessa justiça intensificou a

presença do Estado no condicionamento da relação capital e trabalho, mas a favor das classes

dominantes.

O regime do salário mínimo e outros direitos garantidos aos trabalhadores na CLT, como

exemplo, férias anuais remuneradas, jornada de oito horas de trabalho, proteção ao trabalho das

mulheres e de menores de 18, entre outros, eram reivindicações antigas do proletariado, mas

apareceram como dádivas de Getúlio. A legislação trabalhista formalizou, jurídica e politicamente,

as relações das classes assalariadas entre si, com os empresários e o poder público, consolidada na

Ditadura de Vargas, não impediu, contudo, que o salário mínimo continuasse abaixo dos índices do

custo de vida, tendo continuidade, então, o confisco salarial. A política de massas foi desenvolvida

para que determinadas etapas do desenvolvimento industrial se efetivassem, pois cuidou para que o

salário rea l e o custo de vida se adequassem ao progresso industrial. A essa conciliação de

45 O imposto sindical foi um dos elementos do peleguismo, sendo os dirigentes sindicais eleitos com a anuência e fiscalização do Ministério (Governo). Essa política reduziu os sindicatos e seus dirigentes em instrumentos de manobras políticas e implicou a delimitação e controle das condições de atuação política das classes assalariadas.

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interesses em benefício da industrialização e em nome do desenvolvimento nacionalista, chamou-

se democracia populista47.

A compreensão dessa questão impõe algumas considerações sobre a fenomenologia do

populismo 48. Depois da década de 1930, o populismo difundiu-se entre as classes populares,

incorporando, crescentemente, a classe operária e o campesinato. Ele aparecia na

incapacidade de auto-organização e como decorrência do esta tismo 49, mas, segundo Boito Jr.

(1991a, p. 87), não excluiu necessariamente a organização e as ações reivindicativas, entre as

quais a luta sindical, embora excluisse a luta partidária organizada pela representação no

Estado. Ou seja:

O populismo é uma assimilação-transformação pequeno-burguesa da ideologia política burguesa do Estado, como entidade acima das classes sociais. Nessa assimilação-transformação é atribuído ao Estado, entidade supostamente neutra e todo-poderosa, a função de agir em nome das classes populares, organizando uma política global que dê forma às aspirações difusas dos trabalhadores anestesiados pelo populismo. À burocracia civil e militar do Estado é atribuída a função de substituir a organização partidária dos trabalhadores (Boito Jr., 1991a, p. 87-88).

Em suma, a política de massas funcionou como uma técnica de organização, controle e

utilização da força política das classes assalariadas, particularmente o proletariado. O modelo

ditatorial de controle dos sindicatos foi uma conseqüência da estrutura sindical montada. O

Estado impôs um estatuto padrão, controlou o processo eleitoral, depôs uma diretoria sindical

eleita e controlou as finanças do sindicato na medida em que a representação sindical e os

próprios recursos financeiros foram uma outorga sua. Essa estrutura sindical, acompanhada

dos seus “efeitos jurídicos tutelares” mais ou menos rígidos ou flexíveis, foi o espaço onde se

desenvolveu o sindicalismo de Estado, cuja ideologia estatista 50 serviu como “cimento”

(Gramsci, apud Boito Jr., 1991, p. 54) da estrutura sindical.

46 Os “pelegos” deram lugar ao peleguismo - prática inerente à estrutura da legislação trabalhista que mantinha os sindicatos operários e dos setores médios dependentes, geralmente do Ministério do Trabalho, pelo controle dos seus recursos financeiros – que contribuiu para o intercâmbio entre as diversas classes sociais no país. 47 Populista porque o modelo ditatorial de Getúlio Vargas apresentou-se como um modelo “democrático” de controle do Estado sobre os sindicatos oficiais (Boito Jr., 1991, p. 54). 48 Boito Jr. (1991a, p. 87) entende o populismo como um “fenômeno político difuso e de aparência enganosa e fugidia”. Este autor coloca que na idéia formulada por Décio Saes “pode-se dizer, sinteticamente, que o populismo implica necessariamente a valorização do Estado; mas pode suscitar, em certas condições, a valorização do sindicato; e provoca obrigatoriamente a desvalorização do partido político” (Saes, apud Boito Jr., ibidem ). 49 A inércia político-partidária das massas penetradas pela ideologia populista é a contrapartida do estatismo (Boito Jr., 1991a, p. 87). 50 A ideologia estatista no plano sindical apresenta-se sob a forma de um legalismo sindical. O sindicato só é considerado como tal por ser um organismo oficial, isto é, por ser um organismo reconhecido em lei, pelo Estado, como um sindicato ( idem , 1991, p. 54).

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Nesse contexto é que se coloca o problema dos encadeamentos entre movimentos de

massa e partidos políticos no Brasil. Se antes de 1930 os partidos políticos eram estaduais ou

nominalmente nacionais, atendendo interesses de oligarquias e grupos regionais – o conjunto

de trabalhadores (da classe média, como bancários, comerciários, trabalhadores de escritório,

funcionários públicos), operários e setores médios populares eram excluídos do sistema

político da República Oligárquica (idem, p. 56). Depois de 1945 surgiram múltiplas

combinações, chegando a ser os partidos definidos como de direita ou esquerda,

independente de sua definição no plano federal, pois com a Constituição de 1946 criaram-se

os partidos nacionais, funcionando segundo os interesses locais e regionais.

A maioria dos sindicalistas e trabalhadores que aderiu, a partir de 1930, ao estatismo

sindical, associou esse estatismo ao reformismo. Esse é o estatismo do tipo populista (=

estatismo associado à aspiração por reformas sociais, reformas que visavam a melhorar as

condições de trabalho e de vida dos trabalhadores), disseminado pela ideologia do populismo

sindical. A tutela do Estado sobre os sindicatos aparece aos olhos do trabalhador ou

sindicalista penetrado pela ideologia populista como uma vantagem, e é assim que o

legalismo populista legitima a estrutura sindical. Nesse caso é um legalismo-estatismo

sindical “de esquerda”. Tal tipo de legalismo populista, embora as dificuldades encontradas

no fim do ciclo de governos populistas em 1964, está presente, de maneira desigual, na Força

Sindical, onde ele se encontra subordinado ao legalismo de direita 51, e na CUT, apesar das

fissuras que a ideologia da legalidade sindical sofreu no interior dessa central (Boito Jr., 1991,

p. 57).

2.4 DE 1945 A 1964 – A ASCENSÃO DAS LUTAS DOS TRABALHADORES

O ano de 1945 marcou o fim da ditadura de Getúlio Vargas e início do processo da

Assembléia Nacional Constituinte de 1946. Este período se estendeu até 1964 e caracterizou-

se pela ascensão das lutas dos trabalhadores, iniciado ainda durante a ditadura e detido em

1947 pela política repressiva do governo do presidente Eurico Gaspar Dutra. Em 1946 foi

criada a Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros (CGTB) como resposta à fragmentação

do movimento sindical e à proibição das classes dominantes dos sindicalistas terem uma

representação central forte (Lima, 1998), pois mesmo ante a pressão dos trabalhadores pela

autonomia sindical, a Constituinte negou-se a restabelecê-la, mantendo inalterada a CLT.

51 Legalismo-estatismo sindical que se consolidou a partir do golpe militar de 1964 (Boito Jr., 1991, p. 57).

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Muitos dos sindicalistas romperam com o trabalho de massas e foram para

organizações paralelas. Os pelegos se aproveitaram disso e se fortificaram. Os trabalhadores,

percebendo que estavam isolados, de 1949 em diante, começaram a voltar aos sindicatos. A

volta aos sindicatos causou muitos conflitos com os interventores. Nas assembléias havia

discussões, pancadaria e gente presa. Dessa forma, em 1950, os sindicatos foram libertados

dos interventores. Em 1951, houve uma das mais importantes greves dos bancários em São

Paulo, que durou 69 dias, projetando a figura de Jânio da Silva Quadros 52, vinculando-se aos

movimentos populares contra a Lei de Segurança Nacional. O exemplo dessa greve mostrou

aos trabalhadores que era possível a organização das comissões fora dos sindicatos, já que

dentro deles era praticamente impossível (Lima, 1998).

O ano de 1953 marcou novo momento de intensas lutas. Uma greve geral mobilizou

300.000 trabalhadores, particularmente em São Paulo. O Comando Intersindical de Greve

(CISG) representou uma boa experiência e foi transformada no Pacto de Unidade Intersindical

(PUI) uma tentativa de coordenar a luta das diversas categorias de trabalhadores (Oliveira,

1989). Em 1957 e 1959 as paralizações na fábrica de aut omóveis Ford, em São Bernardo,

fizeram parte de movimentos mais amplos e contaram com a participação de várias categorias

de São Paulo, ABC e interior (Rodrigues, 1999, p. 11). Em 1960, o Pacto de Unidade

Intersindical ajudou a constituir outra articulação intersindical, o Pacto de Unidade e Ação

(PUA). Também a greve de funcionários públicos civis reivindicava a equiparação salarial

com os militares. Em 1962, nova greve geral, mais abrangente que a de 1953, terminou

vitoriosa nas reivindicações salariais. Neste ano também foi fundado o Comando Geral dos

Trabalhadores (CGT). Conforme Lima (1998, p. 27), “o CGT teve como ponto de partida esse

processo de ascensão do movimento sindical, que se deu depois que os comunistas

abandonaram a idéia da União Geral de Trabalhadores (UGT)”.

Em síntese, nesse período o movimento dos trabalhadores reivindicava o direito de

greve, aumento salarial, tecia críticas ao alto custo de vida e queria reformas de base, entre

outras exigências de caráter eminentemente político.

Entre os anos de 1950 e 1962, principalmente, surgiram organizações paralelas (CISG,

PUI, PUA, CGT), visando a unir diferentes sindicatos nas suas lutas, o que não era permitido

pela legislação vigente. Proibiram-se as organizações sindicais de se estruturarem

horizontalmente.

52 Na época, vereador em São Paulo, mas em 1952, vencedor nas eleições para prefeito, virou o herói da União Democrática Nacional (UDN). Era a sua outra face (Lima, 1998, p. 24).

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Caracterizava-se essa fase pelo sindicalismo populista53 que se, por um lado,

dinamizou o movimento da classe trabalhadora através das citadas organizações paralelas, não

chegou, por outro, a contradizer, a denunciar a estrutura sindical existente. Entre seus

componentes havia um grande número de trabalhadores ligados ao serviço do Estado

(transportes coletivos, marítimos, ferroviários, serviços portuários, assim como de empresas

estatais, como as refinarias de petróleo). Essas categorias ligadas mais diretamente ao governo

eram, por isso mesmo, mais facilmente influenciadas por ele.

Outra característica desse período que convém destacar foi a valorização das cúpulas.

Excluindo de suas atividades a parcela imensa dos trabalhadores que, do seu sindicato,

manteve -se afastada, a luta política acabou sendo apanágio de poucos, como se democracia

pudesse ser conquista de uma vanguarda. Amplos segmentos da classe operária não foram

mobilizados, organizados e sequer representados. Provavelmente, tal quadro constituiu um

dos fatores que contribuíram para que não houvesse reação ao movimento militar de 31 de

março de 1964. A partir daquele movimento, pressionaram-se de modo incisivo, as

organizações dos trabalhadores e outros setores da sociedade brasileira.

2.5 DE 1964 A 1978 – O SINDICALISMO POPULISTA E BUROCRÁTICO

O movimento sindical foi um dos setores mais duramente atingido pela repressão

imposta pelo golpe militar de 1964, em virtude de sua integração na luta pelas reformas de

base então presentes na sociedade brasileira. As intervenções nos sindicatos proliferavam.

Não satisfeito com a legislação existente para o controle dos sindicatos, o governo promulgou

inúmeras leis: lei de greve, abolição efetiva da negociação salarial e outras, também foi

constante no período a repressão policial.

A articulação do Movimento Intersindical Anti-Arrocho (MIA), em 1967, embora de

curta duração, ilustra a resistência operária ao arrocho salarial da época. No ano de 1968,

ocorreram greves acompanhadas de ocupação de fábrica em Osasco (SP) e em Contagem

(MG), além de movimentos populares (estudantes e operários). Os governos militares ainda

não haviam conseguido silenciar o movimento sindical brasileiro, e quando o fizeram com a

decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), cercearam fortemente as manifestações contrárias

ou de questionamento ao Regime, mas por pouco tempo, de 1968 a 1972. Entretanto, nesse

53 O sindicalismo populista é peculiar porque é economicista, no sentido que representa uma forma de organização “inacabada” dos trabalhadores; é apartidário porque é estatista; quanto a sua forma de organização,

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curto período de tempo, a violenta repressão, desencadeada em 1968, após os movimentos de

Contagem e Osasco que tentaram reverter o quadro de imobilismo e acomodação do

movimento sindical, “foi o prenúncio do endurecimento que resultou na exclusão dos

sindicatos do cenário político brasileiro” (Schürmann, 1998, p. 27).

Instaurado o legalismo-estatismo sindical que vinha se consolidando, principalmente a

partir do golpe de 1964, um estatismo de direita, associado à aspiração por uma

regulamentação estatal do sindicalismo que favorecesse a manutenção da ordem capitalista

dependente tal qual ainda existe no Brasil. A partir de então, os sindicatos “participavam

anualmente da renovação dos acordos salariais coletivos, transformados em ritual de

homologação dos percentuais de reajuste ditados pelo governo, sobretudo se ocuparam da

questão de serviços assistencialistas que constituíam a destinação obrigatória dos recursos

vindos da contribuição sindical” (Almeida, apud Buonicore, 1998/99).

O sindicalismo populista que se instaurou não deixou de refletir o estatismo e a

fragilidade da vida associativa. A falta de organização nos locais de trabalho era uma

característica marcante e necessária desse sindicalismo populista e burocrático. Os

trabalhadores esperavam que o sindicato, organismo que identificavam com o Estado, tomasse

a iniciativa de defender os interesses dos assalariados.

Boito Jr. (1991a) ilustra a dimensão e profundidade da penetração da ideologia

populista nas classes trabalhadoras descrevendo duas modalidades de greves típicas desse

sindicalismo. A greve de adesão passiva, que se impunha de fora e se instaurava graças à

prática dos piquetes de massa, tendo como alvo de ação a massa de trabalhadores e não uma

minoria que se negava a aderir à greve. Nesse tipo de greve, os trabalhadores acatavam a

palavra de ordem vinda do sindicato oficial porque se identificavam com a plataforma de

reivindicações e viam o sindicato e sua diretoria como “autoridades legalmente capacitadas”

para tomar a iniciativa da greve.54 Nessa modalidade, o trabalhador não organizava a greve,

mas sim o sindicato oficial. Este, investido de um poder outorgado pelo Estado, decretava a

greve e o trabalhador aderia a ela. Outro tipo particular de greve do sindicalismo populista era

a greve demonstrativa à guisa de súplica, e, segundo os sindicalistas, visava a “chamar

atenção das autoridades para os problemas dos trabalhadores”. Saes (apud Boito Jr., 1991a, p.

91) referiu a essa modalidade de greve, não como greves de luta, ou de demonstração de

força, mas como uma espécie de queixa dirigida ao Estado-providência para chamar a atenção

se assenta sobre sindicatos de Estado, cuja representatividade e recursos materiais são outorgados pelo Estado e independem da ação voluntária e consciente dos trabalhadores (Boito Jr., 1991a, p. 89).

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aos problemas dos trabalhadores. A greve aspirava a provocar a ação protetora, pelo alto, do

Estado, isto é, uma ação que independesse da representação política organizada dos

trabalhadores no bloco do poder. As organizações sindicais, pode -se dizer, se limitavam a

fornecer assistência média, odontológica, jurídica e de lazer.

Por volta de 1973, o movimento sindical voltou a articular-se através de greves

localizadas. Entre esse ano e 1974, diversas fábricas de São Paulo e do ABC foram cenários

de inúmeros tipos de movimentos grevistas. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e

Diadema iniciou uma campanha para superar seu distanciamento da base, moldando uma

linha de resistência coletiva que acabou por alterar profundamente as relações de trabalho nas

empresas, tornando-se referência para o conjunto do país (Sader, apud Schürmann, 1998).

As alterações basearam-se: a) em um crescente envolvimento do sindicato na luta pela defesa econômica da categoria e melhores condições de trabalho, reivindicando nas campanhas salariais reajustes acima dos índices fixados pelo governo e melhores condições de trabalho; b) na adoção de uma estratégia pautada por um extremo legalismo, entendido como lutas que não ferissem a legislação trabalhista; c) na persistência em suas reivindicações num contexto em que as vitórias tinham de ser sempre reconquistadas; d) na capacidade de assumir a luta pelos direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que se difundia a idéia de que a diretoria do sindicato, sozinha, pouco poderia fazer (Schürmann, 1998, p. 35).

Em 1978 e 1979 as lutas dos trabalhadores, a partir das greves do ABC paulista, se

estenderam para todo o país. A organização sindical era revolucionada em toda a sua extensão

por uma intensa participação dos trabalhadores. Os sindicatos, até então travados pela

burocratização, passaram por um processo de transformação em suas estruturas que os

tornaram mais apropriados para encaminhar a organização e a luta. Muitos deles se

autonomizaram em relação ao Estado.

Os funcionários públicos e os professores também foram influenciados pela nova

conjuntura, construíram as suas entidades de classe ou transformaram as já existentes,

atribuindo-lhes um caráter sindical. Entre esses movimentos destacou-se o dos professores

gaúchos. O Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS), fundado em

1945, durante o período de 1972 a 1979, passou por profundas transformações na sua

estrutura, aparecendo um perfil sindical na entidade e a construção do conceito de professores

como trabalhadores.

54 Cfr. entrevista concedida por Durval Aparecido Carvalho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, em abril de 1988 (Boito Jr., 1991a, p. 90).

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2.6 DE 1978 A 1990 – O SINDICALISMO COMBATIVO OU “AUTÊNTICO”

(NOVO SINDICALISMO)

O início desse período foi marcado pelas greves do ABC paulista e que se estenderam

por todo o país nos anos seguintes. O dia 12 de maio de 1978 marcou a eclosão da onda

grevista quando os trabalhadores da Ford reforçaram a paralisação na Scania e ganharam a

adesão dos outros setores, descontinuando a produção. Seguiram-se as greves gerais dos

metalúrgicos do ABC em 1979, com cerca de 100 mil trabalhadores, e 1980 galvanizaram as

atenções sobre o ABC.

Em entrevista coletiva realizada com a Comissão de Fábrica da Ford55, os entrevistados

deixaram claro que a greve de 1978 não foi uma “coisa solta no ar”, um “fato novo” que irrompera

espontaneamente, mas “um trabalho que já existia dentro da fábrica”, apontando para um “trabalho

articulado”, desconhecido – porque anterior – dos ativistas que estavam “começando”. Essa

distinção “é fundamental para tratar a tradicional combatividade dos trabalhadores da Ford como

um fato histórico e não como mote 56 de um discurso político” (Rodrigues, 1999, p. 29).

Na trajetória do sindicalismo combativo, encontra-se que o ascenso das lutas operárias,

iniciado em 1978, abriu um novo período no desenvolvimento do movimento operário

brasile iro, considerado o mais importante de sua história, que recebeu a denominação de novo

sindicalismo brasileiro.

Os grandes passos dados pelas massas trabalhadoras brasileiras fundamentaram-se em

uma realidade social inquestionável: o crescimento industrial, a urbanização acelerada e a

mudança da política agrária trazida pela expansão capitalista no campo. O proletariado, em

1980, teve seu peso social fortalecido frente às demais classes sociais e se impôs na defesa de

seus interesses de classe vitais, rompendo barreiras que a burguesia construira, ao longo de

décadas, para manter a classe desorganizada, atomizada e marginalizada. Um dos fatos mais

importantes daquele ano foi o Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposição a Estrutura

Sindical (ENTOES) que discutiu a experiência dos trabalhadores na luta contra o sindicalismo

atrelado e a CLT.

A aproximação entre sindicalistas autênticos e os militantes das pastorais favoreceu

em fevereiro de 1980 o I Encontro de Monlevade, resultando na tomada de resoluções

relacionadas à democratização da estrutura sindical, que propunha a conquista de um novo

55 Entrevista com membro da Comissão de Fábrica da Ford publicada na Revista Ensaio , n. 15/16, p. 236, 1986 (Rodrigues, 1999, p. 29-31).

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Código de Trabalho. Foi proposta também a criação de mecanismos de consulta, reuniões e

trocas de experiências para incentivar a articulação entre o movimento sindical e os

movimentos populares na cidade e no campo. No II Encontro da categoria – Encontro de São

Bernardo –, estreitou-se a aproximação entre os sindicalistas autênticos e as organizações

ligadas à Igreja Católica, pastorais, Comunidades Eclesiais de Base e oposições sindicais. Os

participantes, influenciados pelo forte peso político dos movimentos sociais ligados à Igreja,

defenderam a unificação do sindicalismo com os movimentos sociais por intermédio da

criação da Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais, ANAMPOS (Doimo,

apud Schürmann, 1998).

Nos anos que se seguiram, foram realizados mais encontros, produzindo sempre novas

transformações no interior da organização sindical. Isso fez que a década de 1980 registrasse

um extraordinário crescimento do número de sindicatos e, a partir de 1988, o surgimento de

inúmeras entidades de funcionários públicos. O corporativismo fracionante, a multiplicação

de entidades e a sua não articulação nas centrais ou intersindicais apareceram como os

principa is fatores de fragilização do movimento (Cattani, 1991).

Um balanço desse período aponta que “o sindicalismo brasileiro viveu na década de

1980 um momento particularmente positivo” (Antunes, 1997, p. 80). Houve enorme

movimento grevista, expressiva expansão do sindicalismo dos assalariados médios e dos

setores de serviços, nascimento das centrais sindicais e avanços nas tentativas de organização

nos locais de trabalho e na luta pela autonomia e liberdade dos sindicatos em relação ao

Estado.

Duas correntes despontaram dentro do sindicalismo brasileiro no período. Uma delas,

surgida no início dos anos 70 entre os metalúrgicos do ABC paulista, reivindicou mudanças

na legislação trabalhista e na política salarial. Opunha-se ao cerceamento do direito de greve e

lutou por uma participação mais efetiva dos trabalhadores nos órgãos de classe e pela

organização sindical a partir da empresa. Essa corrente (novo sindicalismo ou sindicalismo

autêntico) deu origem à Central Única dos Trabalhadores – CUT – fundada em São Bernardo,

São Paulo, num grande encontro de trabalhadores, em 27 de agosto de 1983.

A outra corrente (Unidade Sindical) lutava também por mudanças na CLT, mas não

via a legislação vigente como um entrave para um sindicalismo forte e organizado. Esta

corrente liderada pela Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT –, foi

criada em 4 de novembro de 1983, por dirigentes sindicais, em Praia Grande, São Paulo.

56 Conceito em geral expresso numa quadra ou num dístico para ser glosado (servir de nota explicativa, ficar nas entrelinhas ou servir à crítica), (Ferreira, 1977, p. 364 e 257).

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2.7 DEPOIS DE 1990 – SINDICATOS EM CRISE

O ingresso na década de 1990 reservou sérias dificuldades para o movimento sindical.

O Brasil entrou em amplo processo de reforma econômica e de redefinição das funções e

estrutura do Estado. A liberalização do comércio exterior, as privatizações e a reforma da

administração pública, ao mesmo tempo em que se modificava o papel do Estado, foram

construindo seu aparato administrativo. O reformismo brasileiro foi moderado em

comparação com o dos vizinhos latino-americanos. Numerosos atores políticos, burocráticos e

sociais participaram das negociações e influenciaram nos seus resultados. Entre esses atores

estão os sindicatos (Almeida, 1998).

De acordo com o mesmo autor, o poder sindical pode ser resultado de atributos dos

grupos sociais e passou a depender sobretudo das características da organização corporativa.

Entretanto o corporativismo declinava, em razão das dramáticas mudanças nas próprias

condições institucionais e sistêmicas que lhe deram alento. O número e o poder relativo das

centrais sindicais variaram durante a década de 1980, destacando-se um número significativo

de sindicatos não filiados a nenhuma das centrais existentes (CUT, CGT1, CGT2, USI e

FS)57. A Constituição de 1988 confirmou as mudanças introduzidas nos anos anteriores e

acrescentou outras contribuindo para a criação de um corporativismo no plano dos sindicatos

combinado com o pluralismo no nível das centrais. Como resultado, aumentou a

desconcentração do sistema de intermediação de interesses, induzida, de modo especial, pela

ausência de controles burocráticos e pela multiplicação das contribuições compulsórias.

Embora a densidade sindical, o número de entidades aumentou de tal forma que, em 1998, o

corporativismo exibia uma estrutura dispersa e descentralizada. Faltava -lhe coesão política.

As diferentes centrais sindicais ou sindicatos específicos tendiam a agir basicamente como

grupos de pressões com estratégias diversas.

A situação que se apresentava mostrava a intensificação das adversidades no plano

político sem que os setores de esquerda conseguissem forjar uma alternativa real de poder; a

disposição para a realização de greves e mobilizações arrefeceu ainda mais das baixas taxas

de crescimento e do aumento do desemprego; a prática da negociação coletiva perdeu espaço

para a defesa do emprego por conta do cenário econômico e da ausência de política salarial; e

os problemas organizativos do movimento sindical desdobraram-se em uma crise interna que

chegou a paralisar a CUT, a mais importante organização sindical do país.

57 CUT – Central Única dos Trabalhadores; CGT1 – Central Geral dos Trabalhadores; CGT2 – Confederação Geral dos Trabalhadores; USI – União Sindical Independente: FS – Força Sindical.

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A participação mais intensa do movimento sindical em espaços de negociação

institucionais ocorreu no momento histórico da redução do poder de mobilização dos

trabalhadores, em função do processo de reestruturação produtiva que afetou o emprego

formal e as condições de trabalho. A conjugação da reestruturação produtiva com a

estabilização da economia reduziu o poder de mobilização dos trabalhadores e introduziu

novos temas na agenda sindical, inclusive os de ordem institucional. O espaço mais

representativo da atuação institucional do movimento sindical, pelas sua s características, foi o

CODEFAT. Tratava -se de um fórum tripartite, paritário, deliberativo, legal (constitucional),

permanente, de âmbito nacional, que estabelecia diretrizes para a aplicação dos recursos do

Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)58, através das Comissões Estaduais e Municipais de

Emprego.

Em suma, o sindicalismo dos anos de 1990 já não se caracterizava somente pela

mobilização em torno das negociações de data-base, dos reajustes salariais e das greves

massivas de categorias. O papel do sindicato foi sendo redefinido pelo surgimento de uma

nova agenda de questões, como desemprego, participação nos lucros e resultados,

remuneração variável, produtividade, flexibilização das normas reguladoras das relações

capital-trabalho, reestruturação das empresas e dos setores, reforma do Estado, privatização,

redução e flexibilização da jornada de trabalho, abertura da economia, integração regional,

questões de gênero, trabalho infantil, reforma agrária, entre outras. Evidenciava-se, também,

um avanço de ação, com maior participação no espaço das políticas públicas.

2.8 A ESTRUTURA SINDICAL BRASILEIRA

O relato efetuado pelo historiador Augusto Buonicore59, no final de 1998 e início de

1999, dá conta que a Revolução de 30 teve conseqüências profundas sobre o estruturamento

político-jurídico do Estado brasileiro e refletiu no movimento sindical. Ele evidencia também

as contradições dessa estrutura marcada por resistência e cisões entre correntes sindicais.

Segundo esse historiador, o sindicalismo brasileiro no pós-1930 não foi mais o mesmo que

fora nas décadas anteriores. As condições históricas particulares em que se deu a revolução

levaram ao surgimento de um Estado cuja composição política interligou as oligarquias

58 Criado pela Constituição de 1988, o FAT é o maior fundo público do país. Seus recurso s são oriundos do PIS/Pasep e destinam-se ao financiamento das políticas do sistema nacional de emprego: intermediação de mão-de-obra, seguro -desemprego, formação profissional, informações sobre o mercado de trabalho e programas de geração de emprego e renda (Pochmann, Barreto e Mendonça, 1998, p. 18).

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agrárias dissidentes à nascente burguesia industrial e à burocracia estatal (civil e militar). A

nova correlação de forças excluiu a possibilidade da hegemonia política de uma das forças

sociais integrantes do bloco no poder.

Nesse período, o equilíbrio instável de forças entre as diversas frações das classes

proprietárias possibilitou uma maior autonomia da burocracia estatal, permitindo-lhe aplicar

uma política de desenvolvimento (industrialização mais incorporação das massas populares)

que não coincidia inteiramente com os interesses imediatos de nenhuma das classes no poder.

A tentativa de incorporação, de maneira subordinada, das massas populares urbanas ao Estado

visava à constituição de uma base social (popular) de apoio ao projeto de desenvolvimento

engendrado pela burocracia estatal.

Estabeleceu-se após 1930 uma política bifronte assentada na tentativa de

integração/manipulação das massas trabalhadoras. Os meios privilegiados nesse processo

foram a legislação trabalhista e a estrutura sindical corporativa. Não foi sem propósito que

uma das primeiras medidas do governo provisório de Getúlio Vargas foi criar o Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio, e que este, imediatamente, tenha elaborado um novo projeto

para reorganizar a atividade sindical no país e, assim foi, conforme já mencionado, que, no

início de 1931, o governo baixou o Decreto 19.770, criando um sistema sindical corporativo,

atrelado ao Estado, que se organizava verticalmente e por categorias profissionais.

Escouto (1991) refere que falar sobre a estrutura sindical brasileira significa abordar a

forma como as entidades se inserem no contexto social, político e legislativo do país. Nessa

direção, argumenta, partindo do princípio de que o sindicato é um tipo de associação que

congrega trabalhadores com interesses comuns, que o normal seria tais associações haverem

surgido naturalmente em nossa sociedade. Mas, pelo contrário, a congregação dos

trabalhadores em sindicatos não decorreu de sua livre organização. A forma de organização

da classe trabalhadora foi ditada pelo Estado que, através de leis, não se limitou apenas a

traçar diretrizes, mas, indo muito além, definiu até mesmo os fins a que se destinam as

entidades sindicais.

Isso é evidenciado na velha estrutura sindical brasileira60 que tem como princípios

básicos:

59 Augusto Buonicore é doutorando em ciências sociais pela UNICAMP/SP e membro do Conselho de Redação da Debate Sindical. 60 In: CUT – Por uma Nova Estrutura Sindical. Subsídios para discussão sobre a questão sindical. São Paulo: Secretaria de Formação CUT Estadual, 1987.

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O corporativismo sindical (para dividir e enfraquecer os trabalhadores) – o interesse

governamental em utilizar as estruturas corporativas, seja para controlar, seja para cooptar

sindicatos e entidades patronais, contribuiu para sua perpetuação (Almeida, 1998) , além disso,

as organizações corporativas foram parte essencial de um modo específico de relacionamento

entre o Estado e a sociedade, denominada por alguns autores “matriz centrada no Estado”

(Cavarozzi, apud Almeida, 1998, p. 6); o verticalismo sindical (para manter o controle dentro

da própria organização sindical); a conciliação de classes (para harmonizar os conflitos entre

patrões e trabalhadores); a submissão ao Estado (para garantir qualquer tipo de intervenção);

o assistencialismo (para desviar a ação sindical); o imposto sindical (para resolver, como

forma paternalista, o problema da sustentação financeira); o controle financeiro por parte do

Estado (para evitar que os trabalhadores decidam investir nas lutas); e o controle político

(para o Estado decidir sobre quem pode dirigir um sindicato).

A partir desses princípios, foram montadas centenas de normas e regulamentos, de

casuísmos. Até mesmo um Estatuto padrão foi imposto aos sindicatos pelo Ministério do

Trabalho. Com todo esse aparato, os patrões e o governo, ajudados por dirigentes sindicais

pelegos e reformistas, garantiram o controle sindical do ponto de vista ideológico, político,

organizativo e financeiro. Esse cerco sobre os trabalhadores só foi sendo quebrado pela força

e organização dos trabalhadores através das mobilizações, das greves, das lutas e da

resistência às intervenções.

Em 1987, a CUT lutava para avançar na elaboração de uma proposta de uma nova

estrutura sindical de acordo com o avanço das lutas travadas, de acordo com os interesses do

conjunto dos trabalhadores da cidade e do campo, na tentativa de derrubar de vez com esta

estrutura sindical, propondo princípios voltados para a ampla democracia; um sindicato

classista e de luta ; o desenvolvimento de uma ação sindical de combate a todas as formas de

exploração, tanto na cidade como no campo; a mais ampla liberdade e autonomia sindical;

organização sindical por ramo de atividade produtiva, desde os locais de trabalho até a

Central Sindical, seu órgão máximo; eleições sindicais livres e diretas em qualquer instância;

criação pelos trabalhadores de formas de sustentação financeira que garantam o

desenvolvimento da luta; sindicalização, o novo sindicalismo buscará a sindicalização de

todos os trabalhadores visando ao fortalecimento da luta, da organização e da autonomia

financeira; e unidade sindical, sempre pela base.

Conforme Escouto (1991, p. 15), “atrelada ao Estado e limitadora da livre e autônoma

organização dos trabalhadores, a estrutura sindical brasileira, que vem desde o governo

Getúlio Vargas, mantém-se até hoje e é pouco conhecida pelo conjunto dos trabalhadores”.

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A legislação imposta por Getúlio Vargas organizou os sindicatos por categorias

profissionais, dividiu os trabalhadores no local de trabalho, manteve uma estrut ura vertical,

tendo no topo da pirâmide o Governo Federal e o Ministério do Trabalho, conforme mostra a

figura abaixo:

Esta estrutura sindical ainda é definida pela Consolidação das Leis Trabalhistas. A

Constituição de 1988 consagrou o princípio da liberdade e autonomia sindical, mas vedou ao

poder público a interferência e a intervenção na organização sindical, o que por si só deslocou

o Ministério do Trabalho da posição que ocupava na pirâmide. Por outro lado, a Constituição

faz referência ao sistema confederativo, legitimando-o. Ocorre que a par de tal princípio

existe todo um elenco de normas jurídicas, ainda vigentes, que estão muito distantes de deixar

transparecer uma forma livre de organização.

Assim, a organização dos trabalhadores em sindicatos é feita levando-se em conta a

identidade de funções exercidas por esses e tomando-se por critério o ramo de atividade do

empregador. De modo que só é permitida a organização em sindicatos a trabalhadores de

mesma atividade. A legislação brasileira previu, além da figura do sindicato, a federação e a

confederação, desde que “mantido o mesmo critério de organização, ou seja, mesma atividade

exercida pelos trabalhadores, e, tomando-se o ramo de atuação do empregador por parâmetro,

resulta uma estrutura sindical vertical” (Escouto, 1991, p. 15).

Explicando o porquê dessa montagem, Escouto (ibidem) escreveu:

SINDICATO

Exerce o controle sobre a estrutura sindical

Coordena as federações de uma cat egoria ou de categorias afins. Sua jurisdição é o território nacional, sendo a sua sede em Brasília. Não podem associar-se entre si.

Coordena os sindicatos de uma mesma categoria. Geralmente corresponde ao território de um Estado, sendo sua sede na capital.

Associa os trabalhadores de uma mesma categoria profissional. Geralmente corresponde ao território de um grupo de municípios.

FEDERAÇÃO

CONFEDERAÇÃO

GOV. FED. MIN.TRAB.

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Os trabalhadores do mesmo ofício (mesma profissão). Por exemplo, bancários, metalúrgicos, professores) agrupam-se em sindicatos; os sindicatos que congregam trabalhadores de mesmo ofício podem agrupar-se e criar uma federação. Esta, por sua vez, agrupando-se a outras, pode criar uma confederação. Tem-se uma verdadeira hierarquia sindical que mantém os trabalhadores circunscritos ao seu ramo de atuação, através de uma legislação que não contempla formas espontâneas de associação. O mesmo (sistema) aplica-se às entidades sindicais representativas de empregadores (patrões), correspondendo a cada entidade de trabalhadores uma entidade de empregadores.

Além desses aspectos relativos à organização da estrutura, o Estado determina a forma

de custeio do sistema. Ou seja, o governo disciplinou a contribuição financeira para a

manutenção do sistema vertical existente, estabelecendo o imposto sindical, equivalente ao

valor de um dia de trabalho, pago compulsoriamente por todos os trabalhadores. O valor

arrecadado é rateado de forma a contemplar todos os segmentos envolvidos na estrutura,

estabelecendo os seguintes percentuais: 5% para a confederação; 15% para a federação; 60%

para o sindicato; e 20% para o Ministério do Trabalho (conta especial, emprego e salário).

No que concerne à relação capital/trabalho, a simples demonstração da estrutura

sindical talvez não deixe claras as conseqüências que se fazem sentir. A estrutura sindical

brasileira, que tem um suporte totalmente legal, não se limita apenas a determinar a forma de

organização, mas estabelece também os limites para a atuação das entidades sindicais. Outro

fato relevante é a existência da Justiça do Trabalho especializada para julgar questões

trabalhistas.

Em conclusão, se constata na atual estrutura sindical brasileira que o Estado determina

as formas possíveis de organização da classe trabalhadora, ou pelo menos aquela que será

reconhecida dentro do ordenamento jurídico. O Estado estabelece os limites de atuação das

entidades sindicais e determina a forma de custeio do sistema. Caso as entidades sindicais

representantes de empregados e empregadores não equacionem os problemas trabalhistas de

comum acordo, o Estado chama para si o direito de compor o conflito através do Judiciário,

inclusive com o poder de decidir sobre a validade ou não do exercício do direito de greve. Tal

situação consiste na total organização da relação capital/trabalho.

2.9 O SINDICALISMO DE ESTADO

Por sindicalismo de Estado entende-se o modelo “democrático” de tutela (controle) do

Estado sobre os sindicatos oficiais (Boito Jr., 1991, p. 54). Esse sindicalismo, apresentando uma

forma organizativa, métodos de ação e objetivos característicos, possui também uma ideologia

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estatista. A maioria dos sindicalistas e trabalhadores que aderiram, a partir da década de 1930, ao

estatismo sindical, associou esse estatismo ao reformismo, buscando, na implementação de

reformas, melhores condições de trabalho e de vida.

Os trabalhos sobre sindicalismo no Brasil contemplam o tema do sindicato de Estado e

alguns deles fornecem elementos para se pensar o sindicalismo de Estado como um sistema dotado

de características e funções permanentes. No entanto, nenhum deles procura sistematizar os

elementos invariantes da estrutura do sindicato de Estado, as componentes fundamentais de sua

ideologia e os efeitos que essa estrutura e essa ideologia produzem, independentemente das

variações conjunturais, sobre a organização e a luta sindical dos trabalhadores. Inspirado nessa

problemática, Boito Jr. (1991a) desenvolveu cinco teses tentando demonstrar que 1) a estrutura do

sindicato de Estado fixa limites intransponíveis à prática sindical e o faz de tal modo que esse

aparelho acaba por desempenhar a 2) função exclusiva e permanente de desorganizar o movimento

sindical das classes trabalhadoras; nessa análise ele atribui uma função precisa à ideologia

sindical própria do sindicalismo de Estado: 3) é essa ideologia que permite a reprodução do

sindicato oficial e que torna eficiente os seus mecanismos desorganizadores na medida em que

induz todas as correntes sindicais nacionalmente representativas a aderirem ao sindicato oficial e 4)

a aspirarem, mesmo quando no plano do discurso afirmam o contrário, a tutela do Estado sobre a

organização sindical; tal aspiração é, conforme ele procura argumentar, a característica básica da

ideologia do sindicalismo de Estado e nada mais significa do que 5) uma manifestação localizada

da ideologia populista.

As variações possíveis da prática sindical são, no sindicato de Estado, limitadas, pois ele é

sempre, e ao contrário do que se passa com outros tipos de sindicalismo, uma instituição que

amortece o conflito de classes. A adesão ao sindicato de Estado não é ocasionada pela repressão

governamental, mas uma manifestação localizada da ideologia populista. É essa ideologia que

torna possível o controle da cúpula do Estado sobre os sindicatos. A debilidade organizativa do

movimento operário brasileiro, no período aberto pela Revolução de 1930 e que se estende até a

atualidade, coexiste com permanentes e massivas manifestações de insatisfação e de

inconformismo no meio operário e popular. Enquanto ramo subalterno do aparelho de Estado, o

sindicato oficial está subordinado à cúpula da burocracia estatal. O Estado concede a

representatividade e o poder de negociação ao sindicato oficial, através do seu reconhecimento

como organismo que representa um determinado segmento de trabalhadores. Trata -se da

investidura sindical, que se consuma na concessão, pelo Estado, da carta de reconhecimento ou

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carta sindical, característica fundamental do sindicato de Estado. 61 Todas as demais características

do sindicato de Estado são decorrências da investidura sindical.

No regime de sindicalismo de Estado, suprime-se a liberdade sindical na medida em que se

concedem privilégios – monopólio legal da representação, recursos financeiros – à atividade

sindical desenvolvida no interior do sindicato oficial e submetida às normas de funcionamento

desse aparelho sindical. A investidura sindical, a unicidade sindical e as contribuições sindicais

obrigatórias por força de lei geram um aparelho sindical integrado ao Estado e separado dos

trabalhadores. Tal situação estrutural do aparelho sindical oficial produz efeitos que, muitas vezes,

são tomados pela estrutura que os produz. A destituição das diretorias sindicais pelo Ministério do

Trabalho, a imposição de um estatuto padrão, o controle das finanças dos sindicatos, o peleguismo,

a ausência de organização sindical nos locais de trabalho, o assistencialismo e a organização

fragmentada por categorias profissionais não constituem a estrutura sindical. São efeitos

contingentes dessa estrutura, ou seja, são decorrências da existência de um aparelho sindical cuja

representatividade e recursos materiais são uma outorga do Estado.

O sindicalismo de Estado mantém os trabalhadores dispersos (não os organiza nos

locais de trabalho) e induz ao culto populista do Estado. E mesmo que chegasse a estimular o

sentimento de oposição ao patronato, o faria reforçando a expectativa de se recorrer à ação

protetora do Estado.

Desse modo, o sindicalismo de Estado mina a acumulação de forças que poderia ser propiciada pela atividade sindical. Afasta os trabalhadores das concepções revolucionárias: antagonismo de classes, caráter de classe do Estado, e debilita a sua luta reivindicatória (Boito Jr., 1991, p. 249).

Este autor também esclarece que esse é o efeito desorganizador do sindicalismo de

Estado no nível das concepções ideológicas e da estrutura organizativa do movimento

sindical. Ele funciona mais como uma estrutura de seleção de lideranças62. A estrutura de

seleção de lideranças própria do sindicalismo de Estado refle te, no nível da prática sindical, o

caráter burguês do Estado brasileiro.

Através do sindicalismo de Estado, a classe operária não pode viabilizar uma política de

alianças. Suas características estruturais – dispersão dos trabalhadores, seleção de lideranças

61 Azis Simão, na obra Sindicato e Estado , editada em 1996, denomina investidura sindical a outorga, pelo Estado, do poder de representação dos trabalhadores aos sindicatos oficiais, e não o ritual que cerca o ato dessa outorga, que é um aspecto secundário e dispensável dessa relação (apud Boito Jr., 1991a, p. 27). 62 Armando Boito Jr. e Décio Saes, “O peleguismo e o sindicato unitário”, jornal Movimento, 7 de julho de 1980 (Boito Jr., 1991a, p. 249).

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burguesas, desenvolvimento do culto populista do Estado – tornavam o sindicalismo de Estado um

movimento necessariamente dependente do bloco no poder.

Erickson, em rigoroso estudo histórico, “mostrou que toda ação sindical de envergadura sob o governo Goulart, inclusive as greves mais importantes como a greve geral de julho de 1962, dependeu, para ser bem sucedida, do apoio ou da neutralidade de um setor do governo e, principalmente, da cúpula das forças Armadas”.63 José Albertino Rodrigues sintetizou esse tipo de dependência avançando duas teses fundamentais: a) o sindicalismo de Estado colocou o movimento sindical na “dependência extrema e direta da correlação de forças no plano político”; b) esse sindicalismo não permitiu que o movimento sindical fosse um movimento “oposicionista ao grupo político dominante”64 (Boito Jr., 1991a, p.263).

Boito Jr. (ibidem) resume essa situação afirmando que “o sindicalismo de Estado é

governista ou reboquista e defensivo”. E avança, como tese mais geral, a idéia de que o

sindicalismo de Estado é um sistema funcionalmente integrado que mantém uma conexão objetiva

com o interesse político da burguesia. E polemiza com a tese segundo a qual a função do sindicato

de Estado varia, sem limite estrutural definido, de acordo com a conjuntura e a correlação política

das forças. Conclui que o sistema do sindicalismo de Estado articulava diversos elementos: um

aparelho sindical (o sindicato de Estado: sindicatos oficiais, burocracia do ministério do Trabalho e

burocracia da Justiça do Trabalho), uma ideologia (a ideologia da legalidade sindical, que é

manifestação da ideologia populista), modalidades próprias de ação reivindicativa (ação

reivindicativa tutelada pela Justiça do Trabalho) e uma base social específica (perfil de retaguarda

da massa de sindicalizados). Esses elementos se encontravam articulados numa totalidade

integrada, ou seja, no sistema do sindicalismo de Estado.

Após cerca de 15 anos de controle e repressão estatal às organizações de trabalhadores,

surgiu no Brasil o “novo sindicalismo”. Para Mangabeira (1993, p. 13), “a criação do movimento

refletiu a capacidade dos trabalhadores de aproveitar o recente processo de liberalização para exigir

um aprofundamento da democratização”. As greves de 1978, no ABC paulista, colocavam em

questão a própria base do acordo corporativo entre as classes e a legitimidade das lideranças

sindicais burocráticas que dominavam a maioria das organizações de trabalhadores no Brasil,

naquela época. Esse novo movimento sindical buscou romper simultaneamente com os

procedimentos burocráticos e clientelistas da liderança pós-1964 e com as práticas populistas que

prevaleciam antes do golpe militar.

63 Paul Kenneth Erickson. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979. p. 138-164 Boito Jr. (1991a, p. 263). 64 José Albertino Rodrigues. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Difel, 1971. p. 172-179 (Boito Jr., idem).

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Entretanto a estrutura sindical brasileira não entrou em crise com as greves de massa em

1978 porque não se constituiu nenhuma força social que agisse conscientemente no sentido de

suprimir aquela estrutura. O que esteve em crise no período aberto pelas greves foi o modelo

ditatorial de gestão do sindicalismo de Estado implantado pela ditadura militar. A relação

sindicato-trabalhador era “uma relação frouxa e distante, determinada tanto pelo aparelho do

sindicato de Estado como pela ideologia da legalidade sindical” (Boito Jr., 1991a, p. 238). A CUT

não tinha uma posição clara e consistente contra a estrutura sindical. As correntes sindicais mais

poderosas que integraram a CUT lutaram, fundamentalmente, contra esse modelo ditatorial de

gestão do aparelho sindical de Estado – controle policial dos sindicatos, monopólio do peleguismo

sobre o aparelho sindical, determinação dos reajustes salariais exclusivamente através de decretos

governamentais – mas não lutaram contra a estrutura sindical. Significa que as correntes sindicais

cutistas lutaram contra os efeitos jurídicos tutelares da estrutura sindical e não contra os elementos

essenciais da estrutura sindical. Complementando esse pensamento, o mesmo autor diz que nada

do que os petistas propunham e, ao contrário do que pensavam, poderia ser obtido sem a destruição

do sindicato de Estado. Isto é, sem a extinção da investidura sindical, da unicidade sindical, de

todos os impostos sindicais e da ação normativa e tutela da Justiça do Trabalho sobre a luta

sindical.

2.10 O MOVIMENTO SINDICAL E OS AVANÇOS DO NEOLIBERALISMO

O neoliberalismo é o liberalismo com roupagem nova. Nascido da Revolução Industrial do

século XVIII, no decorrer do tempo o liberalismo foi reelaborado enquanto sistema de idéias que

concebe o homem e a sociedade como sujeitos e produtos da construção da livre concorrência e da

ação dos mais competentes.

A crise do Estado liberal, nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, colocou

em dúvida a consistência das bases liberais capitalistas devido à acentuada crise política e

econômica decorrente dos conflitos internacionais que resultaram no desfecho dessa guerra. A

teoria política que, naquele momento histórico, sobressaiu-se como solução para os países

capitalistas, teve seu expoente maior na figura de J. M. Keynes, cientista político e filósofo que

construiu a teoria macroeconômica, Theory of Employment Interest and Money (1936), que tratava

da composição e da variação da renda global (Barre, 1964), que passou a se chamar Keynesiano,

baseado nos conceitos de Estado como provedor do bem estar social.

Nas décadas de 1950 e 1960, período de grande crescimento capitalista, alguns pontos do

neoliberalismo foram utilizados e ajustados conforme o interesse e as necessidades dos

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governantes que adotavam as políticas intervencionistas então hegemônicas. O esgotamento dos

modelos estatizantes e a crise mundial de 1973 recolocaram o neoliberalismo como a grande saída

para o progresso da humanidade, embora as teorias liberais tenham sido marcadas pela falta de

moderação e um poder destruidor das conquistas sociais chocante.

No Brasil, o liberalismo, em termos econômicos e sociais, não é uma coisa nova. Em 1888,

foi abolida oficialmente a escravidão negra, mas daquela data até 1930 vigorou um férreo

liberalismo econômico e um privatismo completo nas relações sociais. A propaganda “liberdade de

trabalho” encobria uma brutal exploração e o desrespeito a direitos humanos básicos, enquanto os

gastos públicos não chegavam a 10% do PIB e se destinavam à garantia da segurança interna

(Araújo, 1998).

O liberalismo econômico no Brasil, sob certos aspectos, significou a continuidade do

escravismo. A diferença entre o braço escravo e o livre representava apenas uma diferença na

forma de investimento em mão-de-obra. Por sua vez, o privatismo na ordem social tinha bases

constitucionais. A primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, vedava à União

legislar sobre o direito do trabalho, previdência social e saúde, sob a alegação das elites da

necessidade de garantir a autonomia dos Estados. Na verdade, a “política dos governadores” e as

teses autonomistas disfarçavam a resistência da burguesia brasileira em estabelecer normas

mínimas de proteção ao trabalho.

Portanto, no período de 1888 a 1930, o que prevaleceu no Brasil foi uma total

informalidade no mercado de trabalho. Inexistiam leis trabalhistas e contratos coletivos de trabalho

reconhecidos pelo patronato. Nem mesmo o contrato de locação de serviços, previsto no Código

Civil, era respeitado. A admissão, as condições de trabalho e a demissão eram acertadas oralmente,

não tendo o trabalhador garantia de empr ego, aviso prévio e nenhuma indenização, mesmo que já

tivesse muitos anos no emprego. Eram comuns os atrasos de salários e não havia nenhum

instrumento legal que obrigasse o patrão a efetuar o pagamento. A jornada de trabalho atingia até

15 horas diárias e as mulheres e crianças eram submetidas a condições de trabalho particularmente

duras. Praticamente em todos os ramos econômicos não havia direito de férias nem descanso

semanal remunerado. Os acidentes de trabalho eram comuns em função das péssimas condições de

trabalho a que eram submetidos os operários.

Como inexistiam saúde e previdência públicas, a situação dos trabalhadores nos momentos

mais delicados de suas vidas era desesperadora. Nos casos de doença, invalidez, velhice,

maternidade e morte, os trabalhadores não contavam com qualquer cobertura previdenciária e de

saúde nem do Estado nem das empresas. Nessas situações, ou eles tinham algumas economias

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pessoais ou passavam a depender do apoio de familiares, eram internados em asilos ou

simplesmente morriam por falta de atendimento.

O Estado, amplamente hegemonizado pela burguesia agrária, se omitiu na sua tarefa de

criar regulamentos básicos nas relações de trabalho que pudessem impor limites ao privatismo

reinante. Em toda a República Velha, foram aprovadas apenas quatro leis trabalhistas que

versavam sobre o trabalho dos menores, das mulheres, sobre acidentes de trabalho e outra,

sancionada em 1926, mandando conceder 15 dias de férias para uma parte dos trabalhadores.

Essas leis tinham alcance limitado e viraram letra morta na medida que eram descumpridas

amplamente pelos patrões. Em 1930, uma figura representativa do empresariado paulista, José

Ermírio de Morais, protestou junto ao Ministro do Trabalho contra a lei de férias de 15 dias.

Alegando dificuldades materiais de execução da Lei de Férias, via nela um mecanismo anti-social,

“(...) pois faz com que o trabalhador adquira hábitos de ociosidade que hoje ele não tem” (Pinheiro

e Hall, apud Araújo, 1998, p. 15).

Inexistindo organismo estatal para supervisionar a questão trabalhista, os conflitos

trabalhistas caíam na jurisdição do Código Penal, sendo tratados como simples casos de polícia. Na

ocorrência de conflitos trabalhistas, não se recorria ao Ministério do Trabalho, que só passou a

existir em 1930, e sim ao delegado de polícia, quase sempre articulado com os empresários. Assim,

“a agitação operária é uma questão que interessa mais à ordem pública do que à ordem social;

representa ela o estado de espírito de alguns operários, mas não o estado de uma sociedade”

(Rodrigues, apud Araújo, ibidem).

Entretanto, desde o final do século XIX, e particularmente no início do século XX, os

trabalhadores resistiram ao privatismo econômico e social e realizaram dezenas de mobilizações e

greves, como ocorreu em São Paulo, em 1917. Tudo acontecia numa conjuntura onde eram

negadas as mais elementares liberdades democráticas, em que os sindicatos eram constantemente

invadidos e fechados e os dirigentes presos e deportados.

Esses acontecimentos tinham como precedentes dois episódios do início do século XX,

ocorridos no mundo, mas que marcaram a vida social brasileira. 1) a Revolução Russa, de 1917,

que propugnava uma transformação radical na sociedade, de caráter socialistas; 2) o Tratado de

Versalhes, em 1919, patrocinado pelas principais nações capitalistas, que o Brasil foi levado a

subscrever, assumindo compromissos com uma maior regulamentação do trabalho e associando-se

à recém-criada OIT – Organização Internacional do Trabalho.

Foi nesse clima, pressionada por agitações internas e por uma conjuntura internacional

marcada por revoluções sociais, que a burguesia brasileira, se viu obrigada a realizar algumas

mudanças no liberalismo econômico então vigente.

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Em 1926, uma Emenda à Constituição de 1891, previu finalmente que ao Congresso

Nacional competia “legislar sobre o trabalho e sobre licenças e aposentadorias”. Encerrava-se, em

termos jurídico-legais, o longo período de liberalismo econômico puro, onde o trabalho, a saúde e a

previdência social eram tratados como fatores de mercado quaisquer.

Essa mudança na conjuntura nacional e internacional dando lugar a uma maior

regulamentação do trabalho no Brasil foi expressa com precisão pelo industrial paulista Jorge

Street, em 1919: “o velho mundo já passou pela fase de resistência e teve que ceder. Nós devemos

nos conformar com o inevitável e queimar etapas que os outros já venceram. Isto me parece de boa

e sã política para nós” (Morais Filho, apud Araújo, 1998, p. 16).

Portanto, no Brasil, como em todo o mundo, as reformas sociais foram resultado da

pressão dos trabalhadores, através de suas mobilizações e greves, e foram “aceitas” pelas

elites conservadoras, majoritárias no Parlamento e no Executivo, como forma de estabilizar a

ordem capitalista. Foi a típica política de ceder os anéis para não perder os dedos. Foi essa

tese que justificou a introdução no Brasil da legislação previdenciária e trabalhista.

Getúlio Vargas ao sancionar a legislação trabalhista e previdenciária, o fez com propósitos

anticomunistas. Em sua atitude, não há indício de hostilidade ao capital, e sim de garanti-lo, e o

melhor meio para isso está, “(...) justamente, em transformar o proletariado numa força orgânica de

cooperação com o Estado e não o deixar, pelo abandono da lei, entregue à ação dissolvente de

elementos perturbadores, destituídos dos sentimentos de Pátria e de Família” (Heloisa Martins,

apud Araújo, 1998, p. 17).

Isso pode ser visualizado no fato de que a legislação trabalhista e previdenciária foi

sancionada dentro do princípio que norteou a Revolução de 1930: “façamos a revolução antes

que o povo a faça” (Araújo, 1998, p. 17).

Na década de 1990, o chamado socialismo real entrou em colapso, isto é, não se realizaram

os prognósticos de grande parte das correntes socialistas de que no Leste europeu revoluções

políticas ou auto-reformas evitariam o retorno ao capitalismo. Depois de longas décadas de

isolamento e ostracismo, o liberalismo voltou à cena política, batizado de neoliberalismo,

inicialmente com Margareth Tatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e,

gradativamente, assumiu a hegemonia na maioria das nações do planeta.

Com a falência do socialismo real e com a esquerda desnorteada e dividida, a burguesia

reunificou-se em torno de teses profundamente conservadoras que advogavam o individualismo

nas relações sociais, a redução da carga tributária, o corte dos direitos sociais e trabalhistas, a

desregulamentação dos mercados financeiros e das economias, a privatização maciça das estatais e

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um Estado mínimo. Com isso, o Estado vem sendo crescentemente privatizado, com o corte de

direitos sociais e o remanejamento de recursos para o pagamento de encargos financeiros.

Sem um sistema social concorrente, os capitalistas abandonaram suas fantasias reformistas

e, além de não quererem ceder os dedos, passaram a exigir a devolução dos anéis. Os neoliberais

falam que estão reformando a ordem social e qualificam a esquerda de conservadora porque quer a

sua manutenção. Trata-se de um embuste político e publicitário. As reformas tais como se

entendem historicamente são mudanças progressistas e que ampliam os direitos da cidadania.

No Brasil ocorreu uma mudança extremamente rápida nos últimos anos. Em 1988, o

Partido dos Trabalhadores recomendou que seus deputados não assinassem a Constituição devido

aos seus limites políticos, como era o caso da reforma agrária. Hoje, luta-se para que não se mude o

texto constitucional. Uma Constituição que encerra inúmeros direitos sociais, ainda não

regulamentada, foi atropelada poucos anos depois de sua promulgação.

Peculiaridades do neoliberalismo no Brasil – Para se entender a consolidação do

neoliberalismo no Brasil, é preciso conhecer algumas particularidades políticas e econômicas deste

modelo econômico. O país ao longo das últimas décadas enfrentou um processo inflacionário

devastador, isto é, de 1.1 milhão por cento. No final da década de 1970 e no início da década de

1980, existiu, sobretudo em São Paulo, um movimento popular massivo contra a carestia, que

realizava atos públicos amplos, passava abaixo-assinados e enfrentava a ditadura militar.

Diante de uma inflação galopante, o governo implementou o Plano Real que conseguiu, de

fato, reduzir a inflação para patamares muito baixos. Foi possível, num primeiro momento, um

ganho para as camadas mais pobres da população que não contavam com contas remuneradas e

com mecanismos de indexação de seus parcos rendimentos.

Com o apoio popular que conseguiram num primeiro momento, os neoliberais criaram uma

âncora política para implementar as contra-reformas no Estado. Todas as medidas, afirmam, são

pré-condições para se garantir a estabilidade econômica e a inflação baixa. Esse é o álibi que a

burguesia utiliza para implementar as contra-reformas (econômica, administrativa, previdenciária,

trabalhista e outras) que estão mudando os rumos do Brasil.

Uma segunda peculiaridade do neoliberalismo no Brasil é que, além das estatais, está em

curso uma ampla privatização dos serviços públicos e, que representam uma das faces mais

visíveis da desintegração social. Por isso vem sendo aprofundada a privatização da saúde e

previdenciária sem que haja uma maior resistência da sociedade.

O processo de inserção na globalização do qual o Brasil vem participando (MERCOSUL e

ALCA) fortalece esse caminho privatista da seguridade social. A integração dos países em blocos

comerciais tem importantes implicações nas legislações trabalhista e previdenciária. Para que as

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empresas continuem competitivas, as legislações dos países do Mercosul precisam ser neutras, isto

é, equivalentes em termos de custos de produção. Uma das características básicas dos Mercados

Comuns tem sido a mobilização de mão-de-obra.

Mas em que base se propõe essa harmonização da legislação trabalhista e previdenciária?

Na adoção do modelo de política social dominante, na maioria dos países, em particular aquela

vigente nos Estados Unidos: corte generalizado dos direitos trabalhistas, privatização da

previdência e da saúde e enfraquecimento ainda maior da negociação e contratação coletivas do

trabalho.

A privatização da seguridade social na América Latina, inspirada no modelo chileno, é um

verdadeiro absurdo. Primeiro: mesmo privatizados, os planos de saúde e previdência permanecem

compulsórios, ou seja, o Estado conferiu capacidade tributária para as seguradoras, além do que o

Estado e o patronato se desobrigam do custeio, deixando-o a cargo unicamente dos trabalhadores.

Segundo: as receitas da Previdência foram privatizadas, mas o passivo vem sendo estatizado

(pagamento do estoque de aposentadorias e pensões e devolução das contribuições dos

trabalhadores em atividades efetuadas ao sistema público de previdência); além disso, como os

aposentados e pensionistas perderam a cobertura solidária dos trabalhadores em atividade, a

previdência para eles deixou de ser um pacto pela vida e virou um pacto de morte. Terceiro: como

o modelo privado de previdência é concentrador de renda, fica para o Estado a complementação de

um benefício mínimo. Quarto: todos os benefícios da assistência social, para os quais não existem

fontes contributivas, as aposentadorias e pensões dos militares ficam sob a responsabilidade do

Estado.

Uma terceira particularidade do neoliberalismo no Brasil é a existência de uma burocracia

sindical neoliberal – a Força Sindical – que vem apoiando as propostas governamentais e também

procura liderar a implementação de tais propostas. A Força Sindical apoiou a reforma

administrativa e o fim da estabilidade dos servidores: sua proposta inicial de Contrato Temporário

de Trabalho; apóia a privatização da Previdência e a flexibilização geral da legislação trabalhista,

sendo exemplo a redução de salários.

Finalmente, cabe ressaltar que a estrutura sócio-econômica brasileira é meio caminho

andado para as propostas neoliberais. O governo quer precarizar o mercado de trabalho, mas, tal

como no velho liberalismo, mais da metade dos trabalhadores brasileiros já é informal, e os que

têm carteira assinada não possuem qualquer garantia no emprego e suas condições de trabalho são

precárias. O governo quer restringir drasticamente a amplitude dos serviços públicos, mas no

Brasil, na prática, não existe a universalidade e a integralidade na cobertura dos serviços públicos, e

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o peso do setor privado já é muito expressivo. Assim, as propostas neoliberais vão concentrar ainda

mais a renda e a riqueza, o que já é uma realidade no país.

Muitos dos direitos sociais foram implantados através de um viés corporativista visando a

atender as demandas dos segmentos mais organizados dos trabalhadores e com maior capacidade

de pressão política e, portanto, não se tornaram universais.

Quando não conseguiram que o Estado atendesse às suas demandas, como no caso da

saúde, previdência e educação, diversos segmentos dos trabalhadores passaram a pleitear a

concessão de incentivos fiscais para que pudessem comprar serviços privados. Nessa perspectiva, a

crítica aos impostos é menor porque não existe uma contrapartida em termos de serviços públicos,

mas porque o Estado retira recursos que seriam necessários para a ampliação da compra de

serviços privados. Assim grande parte dos serviços públicos passou a ter como clientela somente as

camadas mais pobres da população.

Consolidou-se, então, uma cultura no Brasil de que os serviços públicos são para gente

pobre. Isso favorece a estratégia neoliberal que busca empurrar uma parte expressiva da população

para os serviços privados, tornando os serviços públicos cada vez mais seletivos e precários e

voltados somente para as parcelas mais miseráveis da população. Pode-se, então, dizer que a linha

de cortes estabelecida no Brasil para os serviços públicos – para os pobres – e serviços privados –

para as classes médias – é compatível com o neoliberalismo que trabalha pela radicalização dessa

política.

O mais grave é que essa cultura privatista encontra-se bastante arraigada nas bases sociais

da esquerda. Mesmo entre os servidores públicos é muito forte a reivindicação por serviços

privados. Se os servidores públicos detonam os serviços públicos, quem mais irá defendê-los?

Inúmeras lideranças de esquerda que defendem no discurso os serviços públicos, praticamente não

os conhecem do ponto de vista prático, pois são em tudo usuários dos serviços privados.

Esse afastamento dos serviços públicos é um fator desagregador da sociedade brasileira e

dificulta a consolidação de um projeto nacional para o Brasil. Os segmentos populares sentem-se

abandonados e esquecidos nos seus dilemas diários no sistema público de saúde, nos transportes

coletivos, na educação e na previdência social. Sem alternativas à esquerda, as camadas mais

pobres da população são hoje facilmente atraídas pelos políticos fisiológicos, populistas e de direita

que, de forma demagógica, se apresentam como reais representantes dos mais carentes.

Ao contrário do que afirmam os debates políticos e ideológicos, é nas administrações

públicas em muitos Municípios e em alguns Estados que a esquerda tem a face mais popular.

Muitas políticas implementadas – saúde, educação, transporte, renda mínima, crédito popular –

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transcendem em muito os segmentos mais organizados da sociedade e favorecem amplas camadas

mais pobres da população.

A consolidação dos serviços públicos de boa qualidade é um dos elementos-chave de um

projeto nacional e de um programa de esquerda para o Brasil. Mas, para se ter sucesso, há que se

atuar em duas frentes:

Em primeiro lugar, trata-se de implementar políticas econômicas e sociais que dêem

alguma perspectiva de vida para os desempregados; para as crianças de rua, para os idosos

carentes, para as populações rurais e das periferias das cidades, para os portadores de deficiência e

outros segmentos marginalizados. Tais segmentos constituem-se como os principais usuários dos

serviços públicos.

Em segundo lugar, precisa-se atrair o apoio político da classe média para a batalha da

melhoria dos serviços públic os. Só quando a classe média estiver dentro da rede pública, é que a

rede pública prestará, pois aí ela exigirá serviços de qualidade.

Um exemplo das possibilidades da luta pela melhoria dos serviços públicos com o apoio da

classe média é em relação à educação. Na educação, as famílias de classe média vêem a

possibilidade de cumprir uma função complementar na educação dos filhos, e parte do que se

gastava na escola privada é utilizada para ensino especializado (línguas, informática). Na questão

da saúde, a situação é mais complexa porque a família pouco pode fazer, e, mesmo com o arrocho

salarial, a tendência é o crescimento do setor privado, a não ser que os serviços públicos nessa área

se tornem confiáveis e de boa qualidade.

O fortalecimento dos serviços públicos passa pela sua preservação no texto constitucional,

pela sua melhor administração, pela ampliação das verbas públicas e pela implementação de um

efetivo controle social.

A implantação do neoliberalismo no Brasil e as reformas de Estado – O neoliberalismo

encontra-se numa fase avançada de implantação no Brasil. Com Fernando Collor e Fernando

Henrique Cardoso, ampliou as recomendações do Consenso de Washington: a) adotou uma ampla

abertura comercial, que teve efeitos desastrosos, sobretudo em função da sobrevalorização do real e

da alta taxa de juros; b) desregulamentou os fluxos financeiros, tornando-se presa fácil dos capitais

especulativos; c) privatizou uma grande parte do patrimônio público; d) realizou ampla reforma

administrativa, acabando com a estabilidade dos servidores públicos e abrindo ainda mais os

serviços públicos para a iniciativa privada; e e) iniciou a retirada dos direitos trabalhistas e

previdenciários.

Mesmo assim, o neoliberalismo no Brasil encontra-se no estágio mais atrasado de

implantação. Para as elites, muitas das reformas constitucionais – reformas da Previdência Social,

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da legislação trabalhista e administrativa – são uma “meia -sola” para ganhar tempo, a fim de mais

adiante implementá-las por inteiro. São consideradas “meia-sola” porque fundamentais para a

superação da crise fiscal do Estado Brasileiro.

Qual será então o conteúdo da segunda geração das reformas liberais? De acordo com

Araújo (1998), não há dúvidas de que a proposta central das elites para o próximo período será

uma profunda reforma da Previdência Social na direção da capitalização (previdência privada). O

modelo de previdência a ser implantado é uma adaptação do modelo chileno. Ao invés de

privatizar tudo como no Chile, seria privatizada a previdência nas faixas salariais acima de três ou

cinco mínimos. A escolha dessa estratégia seria motivada no fato de que:

a) É preciso evitar uma polarização ideológica: qualquer movimento radical de reforma do

sistema previdenciário tende a tornar ideológica a discussão, favorecendo a polarização das forças

políticas representadas no Congresso Nacional;

b) Pequenos poupadores não interessam às seguradoras;

c) Pobres não têm cultura para participarem de previdência privada.

Ganha força também o modelo adotado na Argentina. Lá, quem entrar agora para o

mercado de trabalho, passa a ser um sócio da previdência privada, e quem se encontra no mercado

de trabalho poderá “optar” entre a previdência pública ou privada. O que importa às elites nessa

proposta é o seu forte apelo político junto às classes médias e aos trabalhadores do setor formal da

economia que poderão “democraticamente” escolher o seu sistema de aposentadoria.

As conseqüências econômicas, sociais e éticas da privatização da previdência são

dramáticas. A privatização nos moldes chilenos deixaria um passivo a descoberto pelo Estado nos

próximos 30 a 40 anos de cerca de R$ 2 trilhões.

Uma segunda reforma fundamental que mobiliza as elites é a trabalhista para reduzir o

chamado “custo Brasil”. Não satisfeitas com o fato de os trabalhadores brasileiros estarem entre os

mais explorados dentre as grandes nações do planeta, as elites querem derrocar toda a legislação

trabalhista. O governo não quer assumir o ônus de colocar fim aos direitos trabalhistas, quer que

essa tarefa seja assumida pelos sindicatos. Por isso está estreitamente articulado com os pefelistas

da Força Sindical que se dispõem a fazer o serviço sujo.

O neoliberalismo não tem contradições com o sindicalismo fascista e atrelado ao Estado,

pois lhe é conveniente defender a sua manutenção, a exemplo do México e Argentina. Aqui os

liberais se opõem à estrutura sindical porque a CUT se apossou de boa parte dela. Aqui a

contratação coletiva do trabalho está sendo utilizada à maneira liberal como forma de forçar o

consenso (uma rendição, na verdade) dos trabalhadores diante das empresas.

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Uma terceira reforma que está na mira das elites é a da administração do Estado. Trata-se

de transferir grande parte dos serviços públicos para a iniciativa privada. Já foi aprovada lei criando

as Organizações Sociais e que lança as bases jurídico-legais para que sejam transferidos a Pessoas

Jurídicas de direito Privado grande parte dos serviços prestados pelo Estado nas áreas de educação,

saúde, cultura, esportes, etc. Essas organizações “publicas não estatais”, caso implementadas

amplamente, se transformarão em currais eleitorais dos políticos conservadores que poderão

indicar, sem concurso, funcionários, além de enquadrá-los a todos como celetistas, comprar sem

licitação, dentre outras coisas, práticas bastantes conhecidas em passado recente.

Um segundo aspecto também importante da reforma administrativa é a modificação radical

na previdência dos servidores públicos. Atualmente os Institutos de Previdência existentes só

pagam as despesas com pensões; as aposentadorias, em geral, são pagas pelo Tesouro nas três

esferas de governo. O que os governistas querem é a transferência também do pagamento das

aposentadorias para os Institutos de Previdência, só que repassando grande parte do passivo para os

servidores públicos.

Uma quarta reforma no plano das elites é a da legislação tributária. É recentralizar os

tributos na união em prejuízo dos Municípios e Estados e, principalmente, a reforma tributária das

contribuições sociais que financiam a Previdência, saúde, assistência social, seguro-desemprego e

outros programas sociais, com a supressão de contribuições e a desvinculação das políticas sociais.

Ou seja, é acabar com a contribuição previdenciária sobre a folha de salários, o repasse do segur o

de acidentes do trabalho para as empresas privadas, o fim do PIS-PASEP e o enfraquecimento do

Fundo de Amparo do Trabalhador, dentre outras medidas.

Finalmente, vem a reforma política, que às elites não passa de um arranjo casuístico para

estabilizar a dominação de direita no Brasil.

O neoliberalismo, o movimento sindical e as transformações no mundo do trabalho –

Diante dessa situação, não resta alternativa às esquerdas senão operarem a mais profunda

resistência. Se as elites conseguissem uma vitória esmagadora em 1998, estariam dadas as

condições para a consolidação plena do neoliberalismo no Brasil. O Estado mínimo cuidará da

coleta dos impostos, da diplomacia, de algumas agências de fomento e de regulamentação da

justiça E da segurança pública. A questão social é a última trincheira da esquerda e dos segmentos

progressistas da sociedade. Como já está comprovado em todo o mundo: é nas questões relativas

ao emprego, ao contrato de trabalho e aos direitos sociais que o neoliberalismo vem demonstrando

o seu significado mais repugnante e onde vem encontrando as maiores reações populares.

A década de 1990 marca o período dos governos neoliberais no Brasil – Fernando Collor

de Mello a Fernando Henrique Cardoso – passando pelo interregno de Itamar Franco. A opinião de

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autores que escreveram entre 1997 e 2001, entre eles, Antunes (1997 e 1999), Boito Jr. (1999) e

Costa (2000), entre outros, que, tomando em consideração fatos posteriores a 1997, procuram

explicar as principais características da política neoliberal, as transformações e tendências que ela

desencadeou ao longo da década de 1990, o avanço que ela obteve e também os recuos e limites

táticos que tal política foi obrigada a se impor, os interesses, os posicionamentos e as oscilações das

classes e frações de classe em luta frente à tal política, bem como as concepções e estratégias do

movimento sindical urbano nesse quadro, enquanto força social ativa que é do processo político

brasileiro.

De acordo com Antunes (1997), a partir do final da década de 1970 e, particularmente, na

década de 1980, presenciou-se, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no

mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de

representação sindical e política. Sob o forte impacto de uma crise estrutural, novas respostas

foram buscadas como alternativas do capital para a sua crise. O fordismo e o taylorismo já não são

únicos e mesclam-se com outros processos produtivos (neofordismo e neotaylorismo, sendo em

alguns casos substituídos por novos processos de trabalho) nos quais o cronômetro e a produção

em série são substituídos pela flexibilização da produção, novos padrões de busca de produtividade

por novas formas de adequação da produção lógica do mercado. Ensaiam-se modalidades de

desconcentração industrial, buscam-se novos padrões de gestão da força de trabalho dos quais os

CCQs (círculos de controle da qualidade) são expressão visível não só do mundo japonês mas

também em vários países de capitalismo avançado e do Terceiro Mundo industrializado. O

toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui, em várias partes do mundo, o padrão taylorismo-

fordismo. Vivem-se formas transitórias de produção cujos desdobramentos são também agudos no

que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, flexibilizados, de modo a

dotar o capital do instrumento necessário para adequar-se à sua nova fase.

Estas transformações, dependendo de inúmeras condições econômicas, sociais, políticas e

culturais dos diversos países onde são vivenciadas, penetram fundo no operariado industrial

tradicional, acarretando metamorfoses na forma de ser do trabalho. Os sindicatos estão aturdidos e

exercitando uma prática que raramente foi defensiva. Abandonam o sindicalismo de classe das

décadas de 1960/1970, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que em

geral aceita a ordem do capital e do mercado, só questionando aspectos fenomênicos desta mesma

ordem. Abandonam as perspectivas emancipatórias, da luta pelo socialismo e pela emancipação do

gênero humano, operando uma aceitação também acrítica da “social-democratização”, ou, o que é

ainda mais perverso, debatendo no universo da agenda e do ideário neoliberal. A postura

marcadamente defensiva dos sindicatos diante da onda privatista é a expressão disso. A derrocada

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do Leste europeu, do stalinismo e da esquerda tradicional, que a mídia chamou de “fim do

socialismo”, ainda não foi suficientemente assimilada e enfrentada pela esquerda que também se vê

na defensiva. Incapaz até o presente de mostrar que o fim do Leste europeu não é o fim do

socialismo, mas o fim de uma tentativa inglória de construção de uma sociedade que não

conseguiu ir além do capital.

Esta contextualidade repercute no mundo do trabalho e no universo operário. Alguns como

Gorz (1982), citado por Antunes (1997, p. 73), interroga: Quais foram as conseqüências mais

evidentes e que merecem maior reflexão? A classe que vive do trabalho estaria desaparecendo?

As respostas para estas questões são mais complexas. Antunes (1997) indica algumas

tendências presentes na contemporaneidade do mundo do trabalho. De um lado, a

desproletarização do trabalho manual, industrial e fabril; paralelamente, uma terceirização,

homogeneização e subproletarização do trabalho; podendo-se presenc iar também a diminuição do

operariado industrial tradicional e aumento da classe-que-vive-do-seu-trabalho.

Há, entretanto, outras conseqüências importantes que advêm da introdução da automação,

da rabótica, da flexibilização e deste complexo de mudanças no processo de produção e de

trabalho: paralelamente à redução quantitativa do operariado tradicional, dá-se uma alteração

qualitativa da forma de ser do trabalho.

As mutações no processo produtivo e na reestruturação das empresas, desenvolvidas dentro

de um quadro muitas vezes recessivo, resultavam um processo de desproletarização de importantes

contingentes operários. As propostas de desregulamentação, de flexibilização, de privatização

acelerada, de desindustrialização, tiveram nos últimos anos forte impulso. Paralelamente à retração

da força de trabalho industrial, ampliou-se, também, o subproletariado do mercado informal.

O processo de reestruturação produtiva no Brasil repete outras experiências do mundo

industrializado no que diz respeito aos modos de intensificação e exploração do trabalho e à

redução de direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo do século.

De acordo com Ramalho (1997, p. 86), “a implantação de novas estratégias de gestão no

processo de reestruturação produtiva dos últimos anos tem mostrado a necessidade de entender o

caso brasileiro a partir de suas especificidades na articulação com a economia internacional”.

O movimento sindical brasileiro apresenta uma certa especificidade se comparado com

outras experiências de enfrentament o da reestruturação industrial. A força acumulada nas décadas

de 1970 e 1980 proporcionou, na década de 1990, o reconhecimento do seu papel de ator político

importante. Essa legitimidade foi construída nas lutas sindicais contra o governo militar pós-1964,

nas greves regionais e nacionais, e serviu de base para diversos processos de negociação

estabelecidos com o empresariado em anos recentes. “A luta agora é pelo novo”, sugere o

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presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva. “As transformações ocorridas no sindicalismo nos

anos 80 podem também ser identificadas com a retomada das ações grevistas, a explosão do

sindicalismo dos assalariados médios e do setor de serviços, o avanço do sindicalismo rural, o

nascimento das centrais sindicais e o aumento dos índices de sindicalização” (Antunes, 1995; apud

Ramalho, 1997, p. 98).

No processo de resistência aos efeitos da reestruturação industrial sobre os

trabalhadores, um dos pontos principais de ação sindical dos setores modernos e

internacionalizados da indústria brasileira tem sido a luta pela manutenção dos postos de

trabalho, contra o desemprego, com foco na indústria automobilística do ABC paulista, que

reconhecem que a “reestruturação negociada” em curso em 1997 dá forma a uma estratégia de

resistência ao desemprego, sendo prova disto a ampliação da pauta de negociações.

As dificuldades da ação sindical diante das estratégias da reestruturação industrial se

manifestam no interior das grandes empresas, mas também com relação a outras formas de

trabalho que, tradicionalmente, não têm sido alvo das preocupação dos sindicatos, como as

diversas formas do trabalho precarizado (autônomo, part-time , informal), incluindo o trabalho em

domicílio.

Em suma, a força acumulada pelo movimento sindical brasileiro o coloca numa situação

sui generis e que pode significar uma base para a criação de novas situações de intervenção no

processo de reestruturação e uma alternativa diferente dentro do mundo industrializado.

Os sindicatos dos setores mais internacionalizados e modernos da indústria demonstraram

que têm poder de negociação com o empresariado na atual conjuntura econômica e política e

também confirmaram a necessidade de sua presença na discussão de quaisquer alternativas de

novas políticas de crescimento econômico e de aumento de emprego e meio de sobrevivência.

Problemas, no entanto, permanecem quando se leva em consideração o conjunto total das

categorias e dos setores representados por sindicatos. Nesse caso, embora tenha ocorrido avanços,

percebe-se que muitos sindicatos se defrontam com as dificuldades impostas pela reestruturação

despreparados, sem apoio de suas bases e com pouco poder de arregimentação. As dificuldades

com relação ao tratamento da categoria de trabalhadores terceirizados, precarizados ou informais,

afetam todo o sindicalismo brasileiro e se assemelham nesse sentido ao que já ocorre em países da

Europa e da América do Norte. Resta saber se essa força acumulada pela luta sindical vai ser capaz

de proporcionar condições para um repensar da própria atividade sindical diante das mudanças do

mundo do trabalho e um esforço de integrar na organização coletiva os trabalhadores que têm sido

despojados dos seus direitos, excluídos do mercado formal de trabalho.

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Os avanços da política neoliberal - De acordo com Boito Jr. (1999), o neoliberalismo

brasileiro é tardio em relação aos demais países da América Latina, embora o primeiro governo de

FHC tenha acelerado sua implantação. Mas esta política está longe de ter esgotado suas

possibilidades no Brasil. E é um erro supor que a frente conservadora que tem sustentado os

governos neoliberais da década de 1990 esteja satisfeita com o que obteve até aqui. A despeito de

todos os avanços, a privatização, a abertura da economia e a desregulamentação do mercado de

trabalho ainda têm muito terreno a ser conquistado no Brasil. Restam muitas empresas importantes

e lucrativas para serem leiloadas. A Petrobrás, a Eletrobrás. Inúmeras empresas estatais de energia

elétrica, os sistemas de água e esgoto, serviços de correio, a maioria dos bancos estaduais, o Banco

do Brasil, inúmeras rodovias e ferrovias, os aeroportos, tudo ainda se encontra, no todo ou em

parte, nas mãos do Estado.

A abertura comercial é outra área em que o grande avanço realizado não deve acultar que é

possível ir ainda mais longe. O governo Clinton apenas iniciou a pressão para a formação da Área

de Livre Comércio das Américas (ALCA).

Na área dos direitos sociais, a Reforma da Previdência é uma reforma muito tímida para as

pretensões do capital financeiro que quer ampliar o mercado da previdência privada no Brasil. O

projeto de reforma administrativa é mais ousado que o da previdência, mas ainda depende de

regulamentação.

A figura jurídica das organizações sociais, imposta por medida provisória em outubro de

1997, que possibilita a “privatização branca” de instalações, equipamentos, verba e pessoal do

serviço público nas áreas científica, educacional e médico-hospitalar, apenas começou a sair do

papel.

A frente neoliberal conservadora, acossada e estimulada pela crise cambial do segundo

semestre de 1998 e pelas obrigações assumidas no acordo assinado como decorrência da própria

crise com o FMI, deseja uma segunda geração de reformas. Essa é a tarefa atribuída ao segundo

mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Se o programa neoliberal ainda se encontra em processo de implantação, isso significa que

a política brasileira está marcada pelas incertezas e instabilidades dos períodos de mudanças. As

alterações ocorridas até aqui nas forças sociais em presença e na política neoliberal foram

limitadas. Nenhuma fração organizada das classes dominantes rompeu com o neoliberalismo. A

esquerda, os partidos, sindicatos e organizações populares não aderiram à política neliberal,

embora a tendência seja conciliar com o neoliberalismo. A política neoliberal tem avançado sem se

descaracterizar. As alterações ocorridas indicam o caráter desse processo cujo momento mais

crítico até aqui tenha sido a crise e a deposição do governo Collor.

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No campo das classes dominantes, a política neoliberal tem acarretado o fortalecimento

econômico e político de sua base de sustentação. De um lado, o processo de sua implantação vai

minando as forças de seus eventuais adversários. Ela tem reduzido a participação do capital

nacional no parque industrial e começa a fazer o mesmo no setor bancário, e, além do mais,

enfraquece os setores burgueses internos. A burocracia civil e militar que controlava as grandes

empresas estatais, caracterizada como burguesia nacional de Estado, foi reduzida com o processo

de privatização. O nacionalismo militar, que poderia chocar-se com o neoliberalismo, desapareceu.

Esse processo fortalece os setores das classes dominantes mais interessados no neoliberalismo. Um

setor que tem aumentado seu poderio econômico e fortalecido sua organização política é o da nova

burguesia de serviços composta por indivíduos, instituições ou grupos proprietários de escolas, de

universidades, de hospitais e de empresas de convênio médico. Algumas dezenas de grandes

empresas monopolistas aumentaram quase gratuitamente seu patrimônio no processo de

privatização, converteram-se num grupo de entusiastas da política neoliberal. O avanço do

neoliberalismo altera a situação das diferentes frações da burguesia e o faz de modo a fortalecer as

suas próprias bases de sustentação política.

Não há, contudo, uma relação positiva entre o avanço do neoliberalismo e o fortalecimento

de suas bases de sustentação. A burguesia nacional tem incitado o governo a procurar contornar as

pressões dos Estados unidos pela implantação da ALCA e tem protestado contra a elevação da taxa

de juros que é, por outro lado, o item da política econômica que mais interessa ao aliado da grande

indústria, o grande capital bancário e financeiro.

Desde 1996, quando a Fiesp mobilizou-se contra a política do governo federal, até o

agravamento da crise cambial do segundo semestre de 1997, a Fiesp converteu-se em poderoso

aliado do governo na luta para que o Congresso Nacional apressasse a aprovação das reformas

neoliberais – desregulamentação do mercado de trabalho e reformas da previdência e

administrativa. No final de 1998, a Fiesp, sob o efeito das crises cambiais de 1997 e 1998 e dos

pacotes econômicos, voltou a organizar atos e manifestações públicas contra a política econômica

do governo federal e de novo buscou e obteve apoio de sindicalistas. Uma ala minoritária do

PMDB, liderada por Itamar Franco, está verbalizando as insatisfações da burguesia industrial

interna e, agora, Itamar está na chefia do governo de Minas Gerais.

Na eleição presidencial de 1998, a burguesia repetiu o que fizera na eleição de 1994:

unificou-se em torno da candidatura de Fernando Henrique Cardoso para derrotar Lula e exorcizar

o perigo de um governo reformista apoiado pela esquerda. Em 1994, a unidade burguesa em torno

da plataforma neoliberal prolongou-se após a eleição, permitindo um grande avanço do

neoliberalismo no Brasil – foram feitas importantes reformas constitucionais já em 1995, o

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processo de privatização foi ampliado e acelerado, ampliou-se a abertura comercial e foi iniciado o

processo de desregulamentação formal do mercado de trabalho. Em 1998, multiplicaram-se os

indícios de que as contradições no interior da burguesia estão se aguçando e poderão impor

dificuldades para o governo aplicar sua política.

O processo de implantação da política neoliberal tem produzido alterações no campo das

classes dominantes. O neoliberalismo obteve um impacto popular. Todos os governos neoliberais

chegaram ao poder pelo voto. A Força Sindical aderiu, à sua maneira, ao neoliberalismo. Contudo

as diversas tentativas de consagrar o apoio ou a conciliação com a política neoliberal foram

frustradas pela rigidez do programa e dos interesses da frente conservadora. Os trabalhadores,

pauperizados pela política neoliberal, não apresentam um posicionamento estático. A reação dos

mais variados setores sociais à privatização da Companhia do Vale do Rio Doce indica o que

poderá acontecer se o governo decidir privatizar uma empresa como a Petrobrás.

As expectativas que o neoliberalismo gerou, no seu início, junto aos setores populares,

começam a se frustrar. A CUT, que desmobilizou o movimento sindical, viu-se obrigada a

abandonar as negociações e dois anos depois passou a organizar manifestações contra tal reforma.

O crescimento do desemprego e da economia informal, provocado pela abertura econômica, pela

política deflacionista e pela desregulamentação, também atiça o descontentamento e a luta popular

contra o neoliberalismo. A taxa de desemprego, passando da casa dos 5 para 9%. Até a Força

Sindical, que aderiu à parte da plataforma neoliberal, chegou a participar de uma greve geral em

junho de 1996, em decorrência do crescimento do desemprego. A luta dos trabalhadores da

economia informal foi, definitivamente, incorporada ao cenário dos movimentos sociais no Brasil.

Mudou a conjuntura internacional. A social-democracia é governo nos quatro grandes

países da Europa Ocidental. Ela implantou uma política de ruptura com o neoliberalismo, também

é certo que a derrota eleitoral dos partidos de direita na Inglaterra, França, Alemanha e Itália indica

um desgaste das políticas neoliberais junto à população desses países. O movimento do capital

financeiro na cena internacional está indicando uma reversão do fluxo de capitais para os países

subdesenvolvidos.

Considerando, de um lado, a vitória de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, mas, de

outro, o impacto da terceira crise cambial, do conseqüente acordo com o FMI, o aguçamento das

contradições no interior da burguesia e os sintomas de descontentamento popular, pode-se afirmar

que, embora no geral o programa neoliberal continue forte, Fernando Henrique Cardoso iniciou seu

segundo mandato em condições menos favoráveis.

Portanto, apesar das dificuldades, a política neoliberal avançou ao longo da década de

1990, criando cenários novos e alterado os dados do problema.

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Neoliberalismo e burguesia – A análise da política neoliberal requer preliminarmente

uma caracterização da ideologia neoliberal.

Sintetizando os estudos de Boito Jr. (1999, p. 23-76), a ideologia neoliberal contemporânea

é um liberalismo econômico, que exalta o mercado, a concorrência e a liberdade de iniciativa

empresarial, rejeitando a intervenção do Estado na economia. Esse liberalismo econômico é

distinto do liberalismo político, interessado nos direitos individuais do cidadão (Direitos Humanos)

e num regime representativo e adequado ao exercício daqueles direitos.

A ideologia neoliberal retoma o antigo discurso econômico burguês, gestado na aurora

do capitalismo, e opera em condições históricas novas. Esse deslocamento histórico introduz

uma cisão na ideologia neoliberal, instaurando uma contradição entre os princípios

doutrinários gerais, centrados na apologia do mercado e suas propostas de ação prática, que

não dispensam a intervenção do Estado e preservam os monopólios. No discurso neoliberal,

articulam-se, de modo contraditório, uma ideologia teórica, transplantada da época do

capitalismo concorrencial, e uma ideologia prática, que corresponde à fase do capitalismo dos

monopólios, da especulação financeira e do imperialismo.

O liberalismo político evoluiu, no século XX, para um pensamento do tipo democrático-

burguês. No seu nascimento, o liberalismo político não era democrático, não aceitava o sufrágio

universal. A corrente ideológica burguesa no século XX foi obrigada a propor ou aceitar a

universalização do sufrágio e a liberdade de organização, originando o pensamento político

democrático de tipo burguês.

O ponto que nos interessa é que o neoliberalismo contemporâneo, enquanto liberalismo

econômico, não tem como objetivo a defesa da democracia. As três grandes vertentes do

neoliberalismo atual mantêm uma relação problemática com o regime democrático. Hayek,

ideólogo maior do neoliberalismo, da escola austríaca, separa, de modo radical, o “liberalismo”

(neoliberalismo atual ou liberalismo econômico) do pensamento político democrático burguês.

Afirma, que cada um trata de problemas diferentes: o liberalismo econômico, da liberdade

econômica no mercado; o pensamento democrático, da constituição de um governo com base na

regra de maioria.

Essa ideologia neoliberal de exaltação do mercado se expressa através de um discurso

polêmico: assume a forma de uma crítica agressiva à intervenção do Estado na economia. O

discurso neoliberal procura mostrar a superioridade do mercado frente à ação estatal. A

liberdade que teria o cidadão de escolher, de modo soberano, o quê e onde comprar ocupa, no

liberalismo econômico moderno, um lugar semelhante àquele que ocupava, no liberalismo

político de John Stuart Mill, a liberdade de pensamento e o direito de voto. Concorrência,

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sistema de preços e soberania do consumidor seriam aspectos indissociáveis de um

mecanismo único, o mercado, que estaria na base da riqueza, da liberdade e do

desenvolvimento humano.

No plano político, a ação econômica do Estado criaria privilégios para alguns e

dependência para muitos. Os cidadãos habituar-se-iam ao paternalismo do Estado e, assim,

deixariam de desenvolver sua capacidade de iniciativa para resolver seus problemas.

Atendo-se à superfície do discurso neoliberal, a primeira impressão que se pode ter é a de

que os neoliberais seriam sempre favoráveis à substituição da produção, da regulamentação e da

intervenção estatal na economia pela livre ação dos agentes econômicos no mercado.

O liberalismo econômico já estava marcado por uma defasagem original no surgimento do

capitalismo. A concorrência perfeita nunca existiu. Ao contrário do que afirmam os neoliberais é

preciso desenvolver a capacidade de iniciativa para conquistar e manter os serviços públicos e os

direitos sociais. Mas o liberalismo do tempo do capitalismo concorrencial ficou defasado. Os

governos neoliberais a despeito do discurso doutrinário que os inspira, irão, então, selecionar os

setores e as atividades aos quais aplicarão os princípios doutrinários do neoliberalismo. Em alguns

países, por exemplo, na esfera da produção de bens e no âmbito do mercado da força de trabalho,

pode-se falar, em consonância com o que afirmam os neoliberais, que ocorre, um recuo do papel

do Estado. Em outras áreas, como na administração do câmbio, da dívida externa e dos juros,

pode-se constatar, especialmente nos países latino-americanos, que os governos neoliberais

promoveram uma intervenção de novo tipo do Estado na economia. Enquanto, os salários dos

trabalhadores foram desindexados, passando a “flutuar livremente no mercado”, a dívida externa

foi estatizados; o câmbio e os juros são mantidos em níveis elevados por intervenção

governamental, e os grandes bancos não reclamam contra essa intervenção do Estado.

O mecanismo que governa esse processo seletivo de redução/reformulação da

intervenção do Estado na economia são, como indicam as ilustrações acima, os interesses de

classe representados pelo neoliberalismo. A ideologia neoliberal, numa definição ampla, deve

ser considerada, uma apologia abstrata do mercado que se aplica, de um modo geral, sempre e

quando tal aplicação interessar ao capital financeiro, ao imperialismo e à grande burguesia

monopolista, ficando prejudicada todo aplicação que for incompatível com tais interesses.

Para onde a ideologia prática do neoliberalismo tem dirigido o discurso doutrinário de

defesa do mercado? A resposta é: os neoliberais são mais ou menos conseqüentes à atividade

econômica do Estado, ao comércio exterior e ao mercado de força de trabalho. Defendem a

privatização, a abertura comercial e a desregulamentação financeira e do mercado de força de

trabalho. Esse é o tripé que caracteriza a política neoliberal.

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O discurso catastrofista e uniformizador é, uma versão da ideologia da globalização, e

esconde um pessimismo conservador. A ideologia da globalização deve ser questionada no terreno

dos fatos e dos números. A visão que ela apresenta no espaço econômico internacional não reflete

corretamente nem a história, nem a realida de atual da economia mundial. Pesquisas têm mostrado

que não existe nenhum processo inaudito de internacionalização da economia. O comércio

internacional cresceu muito nas décadas de 1980 e 1990, mas, em diversos aspectos, tal

crescimento ainda não permitiu sequer que o peso relativo do comércio externo, do movimento

internacional de capitais e da produção internacionalizada atingisse o nível que possuía no período

clássico do imperialismo, entre o final do século XIX e a 1ª Guerra Mundial.

As empresas globais representam uma parte insignificante das grandes empresas que

operam em escala internacional. O que domina amplamente são empresas multinacionais. A

internacionalização da produção capitalista é seletiva e não elimina a desigualdade econômica

entre países centrais e países periféricos.

Cada Estado imperialista toma os interesses das suas empresas multinacionais como

referência básica para a definição de sua política internacional. A política neoliberal de redução das

tarifas aduaneiras, preconizada pela ideologia neoliberal da globalização e coordenada pela OMC,

longe de criar um mercado homogêneo global, é uma política que favorece a expansão e as vendas

das empresas européias, japonesas e estadunidenses. Entre as duzentas maiores multinacionais,

apontadas pela revista Fortune em 1995, 96,5% pertenciam apenas a oito países. O Japão possuía

62, Estados Unidos 53 e o conjunto dos países europeus, liderados pela Alemanha e França 74.

No plano dos direitos sociais, também é notável a diferença entre o centro e a periferia. O

neoliberalismo avançou na Europa e o movimento operário continua na defensiva. O contrato de

trabalho foi flexibilizado – proliferam o contrato por tempo determinado, em tempo parcial e a

subcontratação, além de formas disfarçadas de trabalho precário, como os contratos de

aprendizagem e de formação. Porém, as instituições do Estado do bem-estar europeu ocidental

continuam assegurando uma cobertura social ampla. A saúde, a educação e a aposentadoria

privadas são marginais. No continente europeu, foram atingidos o emprego e o salário. Mas a

prestação do seguro-desemprego continua elevada e prolongada comparativamente ao padrão dos

países periféricos e o salário mínimo dos principais países europeus é dez vezes maior que o dos

países latino-americanos.

O imperialismo norte-americano, durante o mandato de Bill Clinton, pressionou a social-

democracia. O FMI está insistindo na necessidade e urgência de uma “segunda onda de reformas”

nos países da Europa Ocidental (Boito Jr., 1999, p. 37). Enquanto, nos países periféricos, em

primeiro lugar, o neoliberalismo tem servido para restringir ou suprimir direitos dos trabalhadores.

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A diferença é que, na periferia a política neoliberal encontrou pela frente um sistema de proteção

social menos desenvolvido e pôde avançar mais do que no centro do sistema. Até o início de 1996,

a aposentadoria pública já tinha sido substituída pelo sistema de aposentadoria privada por

capitalização, em sete países. Em outros oito países latino-americanos, projetos semelhantes

estavam sendo examinados pelos respectivos parlamentos. A economia informal, imbricada com

práticas ilícitas expandiu-se por todo o continente. A OIT avalia que 56% da população

economicamente ativa da América Latina sobrevive com empregos ou atividades informais.

Em segundo lugar, nos países periféricos, o neoliberalismo desempenha uma função

suplementar específica: ele serve para enquadrar as economias nacionais subdesenvolvidas às

novas exigências do imperialismo. Na América Latina, o objetivo do neoliberalismo é, ampliar a

exploração financeira da região, sendo a economia chamada a se readaptar. A desregulamentação

financeira neoliberal, com a ampliação da convertibilidade das moedas nacionais latino-americanas

e a abertura das bolsas de valores, visa atender essa nova demanda especulativa do capital

imperialista e submete, ao mesmo tempo, a política econômica das nações latino-americanas –

juros, câmbio, crescimento, salários – às exigências do capital financeiro internacional.

A maioria das economias de grande e médio porte da América Latina, como o México, o

Chile, a Argentina, a Bolívia e o Uruguai, já se encontravam sob o impacto da política neoliberal

desde a década de 1980. O Brasil ingressou na era da política neoliberal na década de 1990. Em

todos esses países nota-se tendências, pois a política neoliberal tem agravado a concentração da

riqueza e da propriedade. Como resultado, verifica-se, uma acentuação da transferência de renda e

de propriedade das pequenas e médias empresas para as grandes empresas e da empresa nacional

para os grupos estrangeiros. O que é novo é a transferência da renda e da propriedade do setor

público para o setor privado.

A indústria latino-americana tem sido afetada pelos processos de desindustrialização e de

desnacionalização. Parte dessa desindustrialização é pouco visível. Ela ocorre ao longo da cadeia

produtiva, através do aumento do índice de importação dos componentes em setores como o

eletrônico, automobilístico, de eletrodomésticos e outros. A recente expansão, no Brasil, de

indústrias de material de informática, de produtos eletrônicos de consumo e de montadoras de

automóveis segue um modelo semelhante. A Zona Franca de Manaus é o carro-chefe desse

processo, transformando-se num parque de montagem de componentes importados, devido ao fato

de as tarifas de importação, que foram reduzidas para todo o país serem menores ainda para a Zona

Franca.

A desindustrialização não exclui, portanto, o crescimento do setor industrial voltado para o

processamento de recursos naturais exportáveis. Hoje, as indústrias que mais cresceu foram as

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processadoras de matéria -prima, como papel, celulose, petroquímica, ferro e aço, azeites vegetais,

farinhas de pescado, conservas, sucos, etc.

No Brasil, a política de desindustrialização começou, em 1990, com a abertura comercial

promovida pelo governo Collor, através da extinção de barreiras não-tarifárias e da redução das

alíquotas de importação. O governo FHC promoveu uma redução das tarifas aduaneiras, o que

combinado com a sobrevalorização do câmbio introduzida pelo Plano Real, fez crescer muito as

importações, e inclusive a importação de produtos manufaturados, enquanto o coeficiente de

exportação cresceu mais nas indústria de madeiras, sucos e condimentados, conservas de frutos e

legumes. Como se vê, a economia brasileira segue, depois da implantação do Plano Real, segue a

mesma tendência à regressão agromercantil que afeta toda economia latino-americana.

Também o processo de desnacionalização que afeta a economia latino-americana está

presente no Brasil. Em 1997, o Sindipeças estimou que, das 3.200 indústrias de autopeças que

existiam em 1991, restavam apenas 930. A Iochpe vendeu sua fábrica de tratores Maxion. A DB

Brinquedos associou-se ao banco norte-americano JP Morgan. A Gradiente associou-se à japonesa

JVC. No ramo de alimentação, a Lacta, da família de Adhemar de Barros, a maior produtora de

chocolate, foi vendida à Philip Morris; a Arisco associou-se ao banco americano Goldman Sachs; a

Companhia Pilar, maior indústria de alimentação do nordeste, foi vendida para a Nabisco (EUA) e

para o grupo argentino Bunge & Born.

Considerada do ângulo de sua relação com o imperialismo, a burguesia dos países

periféricos pode ser dividida, seguindo a tradição dos dirigentes da Internacional Comunista, em

burguesia compradora e burguesia nacional. A primeira fração compreende os setores burgueses

que, numa determinada fase do imperialismo, encontram-se integrados aos interesses do capital

estrangeiro. A burguesia compradora funciona como uma espécie de prolongamento dos interesses

imperialistas. A burguesia nacional, tendo seus interesses tolhidos pelo capital imperialista, é a

fração que pode se converter em força social integrante da frente antiimperialista. A burguesia

interna é a fração que mantém uma relação de unidade básica com o capital imperialista, sem

deixar de atritar -se, no plano tático, com esse capital.

O imperialismo e todas as frações da burguesia brasileira têm ganhado com a política

neoliberal. Mas, esse ganho é desigual, e há frações que têm algo a perder com o aprofundamento

dessa política. Não existe no Brasil, contudo, uma fração da burguesia que esteja desempenhando o

papel de uma burguesia nacional.

Pensando os pilares da política neoliberal como uma série de três círculos concêntricos:

a) o círculo externo, representado pela política de desregulamentação do mercado de

trabalho e supressão dos direitos sociais, abarca os interesses do imperialismo e de toda a

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burguesia, sendo praticado pelas grandes empresas, de várias maneiras – redução de custos

salariais e dos direitos sociais, terceirização.

b) o círculo intermediário é representado pela política de privatização. A política de

privatização favorece o imperialismo e uma fração da burguesia brasileira, o capital monopolista, e

marginaliza o pequeno e o médio capital. A política de privatização está fazendo desaparecer um

setor importante da burguesia brasileira, que é a burguesia de Estado (agentes da burocracia de

Estado que controlam empresas públicas dos setores de mineração, industrial, bancário, de serviços

urbanos, etc. Tudo parece ter sido preparado pelos governos neoliberais de modo a cooptar a

burguesia de Estado para o processo de privatização.

Se o segundo círculo é mais restrito que o primeiro, pois o médio capital está excluído do

processo de privatizações, o terceiro círculo é mais exclusivista ainda.

c) o círculo menor e central é representado pela abertura comercial e a desregulamentação

financeira, que estão associadas. Divide o próprio grande capital, que é a fração hegemônica no

bloco do poder. A abertura comercial, a desregulamentação financeira e o elevado montante pago

ao longo da década de 1990 como serviços da dívida externa, integram a política econômica

neoliberal, pois fazem crescer o déficit externo, obrigam os sucessivos governos a jogaram para um

patamar elevado as taxas de juros, para compensar esse déficit, através da obtenção de

investimentos financeiros internacionais. Configura-se assim, uma nova forma de dependência que

remunera o capital financeiro internacional com taxas de juros das mais elevadas do planeta e

coloca os bancos brasileiros em situação vantajoso frente às demais frações da burguesia e aos

demais setores do capital monopolista. A política neoliberal de elevação das taxas de juros aparece

ao conjunto da classe burguesa como inevitável para evitar o pior, por isso o capital financeiro

internacional e o capital bancário brasileiro tem interesse em manter essa nova forma de

dependência financeira no qual os governos neoliberais colocaram a economia nacional.

A abertura comercial e a política de juros são a razão de protestos e pressões. O

sindicalismo brasileiro, na década de 1990 viu-se às voltas com tais contradições e preocupado em

saber se é possível uma aliança ou uma frente do movimento operário e popular com a burguesia

industrial nacional?

Em síntese, verifica-se que a distribuição dos benefícios da política neoliberal entre as

frações burguesas e o imperialismo é uma distribuição desigual, o que permite falar em fração

hegemônic a e frações subordinadas no interior do bloco do poder. Sequer o capital imperialista é

homogêneo: os interesses do capital estrangeiro investido na produção industrial não são idênticos

aos do capital financeiro internacional que especula na bolsa de valores. Tal heterogeneidade cria

situações complexas: um grande grupo industrial é favorecido como grande grupo, integrante do

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grande capital, e pode ser diretamente prejudicado, como grupo industrial, pela política de abertura

e de juros – o grande capital industrial aliou-se ao médio capital no protesto de maio de 1996 em

Brasília.

A desigualdade diante da política neoliberal torna muito complexa as relações das

diferentes frações burguesas entre si e com o neoliberalismo. É possível, contudo, fixar-se algumas

características básicas do bloco no poder que sustenta os governos neoliberais.

O setor bancário do grande capital e o capital financeiro internacional são os dois únicos

setores que ganham com todas as políticas neoliberais - a) desregulamentação do mercado de

trabalho e supressão dos direitos sociais, b) privatizações, e c) abertura comercial e

desregulamentação financeira.

Se o imperialismo norte -americano, a desregulamentação financeira e a abertura da

economia avançarem ainda mais, pode-se, então, acrescentar um quarto círculo na figura.

Menor e ainda mais restrito, que contemplaria apenas os interesses do capital financeiro

internacional. O seu horizonte é um colonialismo de novo tipo.

Neoliberalismo e trabalhadores – O neoliberalismo brasileiro tem encontrado mais

dificuldade para avançar do que em outros países do continente latino-americano. Foi no governo

de FHC que, na segunda metade da década de 1990, radicalizou-se a política neoliberal e

recuperou, em parte, o atraso. Esse governo deu novo impulso às políticas de abertura comercial,

de desindustrialização, de desregulamentação e de privatizações, como também reduziu os gastos

sociais.

O resultado da política de desregulamentação ilegal aparece claramente nas estatísticas. Em

termos relativos , o total da ocupação informal cresceu de 53% da população ocupada em 1990,

para 58% em 1995. O emprego informal, que é uma prática ilegal, na totalidade dos casos, subiu de

34% para 38% do total de empregados. Enquanto, o número de empregados com carteira assinada

caiu no mesmo período de 23,5 para 20,6 milhões. A análise destes e de outros dados

sistematizados pelo Dieese, levou Boito Jr. (1999) à conclusão que a política neoliberal, além de

reduzir e degradar o emprego, arrochou os salários dos trabalhadores. O salário mínimo real caiu a

menos da metade entre 1989 e 1996. O salário médio real também caiu na década do

neoliberalismo. A pesquisa Dieese/Seade, tomando o salário médio real pago em 1985 como índice

100, constata, para a Grande São Paulo, uma queda muito acentuada ao longo da década de 1990.

Em 1985, o índice encontrava-se em 81,9 e em 1995 ele já tinha caído para 51,5. A pesquisa do

Dieese/Seade constatou que a queda no salário médio real da Grande São Paulo tinha se acentuado

a partir da desindexação dos salários, aspecto importante da política neoliberal do governo FHC. O

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relaxamento da fiscalização tem estimulado os empregadores a forçar a prática de horas extras; o

desemprego e a degradação dos salários tem levado os trabalhadores a ceder.

O governo FHC, apesar de ser o mais sólido dos três governos neoliberais brasileiros, trava

uma batalha para aprovar as reformas neoliberais da previdência e da administração pública, além

de ter aberto mão de uma reforma mais ambiciosa na saúde e na educação, devido à ação de

resistência do sindicalismo dos funcionários públicos. Em vista disso, a privatização dos serviços

urbanos de eletricidade, de fornecimento de água e de telefonia, já plenamente realizada em

inúmeros países da América Latina, apenas começou no Brasil.

Quanto à descentralização dos encargos, em 1999, apenas havia se iniciado. Dois casos são

interessantes para se evidenciar o real conteúdo político do processo de descentralização de

encargos: os casos da habitação e da assistência social. Na habitação o processo de

descentralização praticamente se consumou e a forma como se deu ajuda a elucidar o objetivo real

desse processo. A descentralização se configurou como uma descentralização por abandono,

quando o governo federal deixou de investir em habitação, obrigando os governos estaduais e

municipais a ocupar o espaço abandonado pelo Executivo federal. Na assistência social, não houve

nenhuma descentralização. Tal fato não é uma exceção à regra, se se tem em mente os objetivos do

processo de descentralização das políticas sociais. Na assistência social gasta-se pouco e quando se

quer, já que a institucionalização dos programas é mínima, e o governo funciona como doador.

De modo sintético, o resultado que se obteve até 1999 com a aplicação inacabada da

política social neoliberal, e a despeito do avanço obtido sob o governo FHC, a política social

neoliberal ainda tem um longo caminho a percorrer no Brasil.

Condições históricas da implantação do neoliberalismo – A vitória da plataforma

neoliberal no Brasil deve-se a uma conjuntura histórica complexa que articula a situação

internacional à história brasileira. Nessa conjuntura interferem fatores de ordem econômica

(alternância de recessões com períodos de crescimento moderado, desemprego), de política

internacional (reunificação do campo imperialista, desagregação da união Soviética), de política

interna, fatores ideológicos (crise do movimento socialista) e outros. Alguns desses fatores são de

longa duração, outros circunstanciais – como as peculiaridades da eleição presidencial brasileira de

1989. Não é possível explicar a vitória do neoliberalismo recorrendo a uma exposição estritamente

econômica, como fazem os autores que se contentam em falar no “esgotamento do modelo de

substituição de importações”. Tampouco, parece a Boito Jr. (1999) correto o determinismo que

decorre desse economicismo. É certo que a situação do início da década de 1990 impelia o Estado

brasileiro para a política neoliberal. Mas para o neoliberalismo chegar ao poder foi preciso vencer a

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eleição de 1989 e, menos de três anos depois, reerguer-se na conjuntura difícil da crise do

impeachment.

A partir daí a aplicação da política neoliberal encontra ambiente favorável nos governos

Itamar e FHC. Com base na teoria da concorrência perfeita, afirma-se a concepção do Estado

Mínimo, cabendo ao Estado exclusivamente a função de manter a estabilidade monetária. A

desregulamentação, as privatizações, a quebra de monopólios estatais e o enxugamento da máquina

público-estatal são algumas conseqüências desse processo desse estabilização econômica.

A globalização da economia, no bojo dessa política, é muito mais do que a quebra de

barreiras comerciais ou a facilidade e a rapidez com que a produção e o consumo percorrem os

Continentes. Trata-se de uma série de mudanças na própria estrutura organizativa da sociedade

humana que atinge todas as dimensões sociais, desde a economia até a cultura e a organização

política. De tal modo, mexe com a vida das pessoas, que vive-se hoje “em plena transição para uma

sociedade onde a produção está basicamente determinada pela Revolução Tecnológica” (Dalló,

2001, p. 12). E mesmo que o neoliberalismo se encontre desgastado, apesar de suas características

fundamentalistas, que suas vozes estejam perdendo a capacidade de trazer esperança ao povo e a

inspirar projetos construtivos do futuro, é bom ter claro, e a própria história mostra, ele tem sabido

mudar a embalagem para acondicionar o mesmo produto, ora aparece como novo caminho,

“terceira via” (de Schroeder, na Ale manha, Blair, na Inglaterra), ora como arranjos eleitorais

envolvendo segmentos da esquerda do terceiro mundo, ora como nova ordem econômica mundial

(formação de blocos econômicos, unificação mercados, de pessoas e moedas), mas o propósito é

sempre assumir o governo e manter implementando as mesmas políticas postuladas pelas forças do

capital financeiro.

Mas, como diz González (2001), o mais doloroso, é verificar que a implantação do

processo neoliberal na América Latina, e, conseqüentemente, no Brasil, transcorreu quase sem

enfrentar a luta das organizações sindicais, as quais em muitos casos ficaram atrás de outros setores

populares mais combativos, porem igualmente carentes de uma estratégia de luta.

Porém, a grave situação de pobreza e exclusão social que hoje prevalece em muitas partes

do mundo, deve conduzir a que as organizações sindicais entendam e tomem consciência de que se

não há solução aos problemas do desenvolvimento e da dívida externa que asfixia os países do

terceiro mundo, da especulação financeira e da injusta e insustentável ordem econômica e

comercial que hoje impera; se não se põe fim aos enormes gastos militares e se destinam vultosos

fundos para o desenvolvimento das nações pobres, pouco ou nada se poderá fazer pelos direitos

dos trabalhadores que vivem nestes países.

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3 – NOVO SINDICALISMO

Focaliza a trajetória do “novo sindicalismo”, desde os antecedentes e estratégias que

foram sendo montadas para se afirmar, consolidar e impor perante o velho sindicalismo, até a

reestruturação produtiva, as conquistas e as retrações do movimento sindical, e procura

analisar os impasses, avanços, limites e desafios do sindicalismo brasileiro nas duas últimas

décadas do século passado e início do século XXI.

3.1 ANTECEDENTES E ESTRATÉGIAS

O movimento grevista iniciado em 1978, em São Paulo, deixou traços profundos no

cenário político brasileiro. A retomada da iniciativa dos trabalhadores no final da década de 1970,

depois de 14 anos sufocados pelo autoritarismo militar, significou a entrada na cena pública de

amplas camadas das classes trabalhadoras que desde 1964 não conseguiam se fazer ouvir na

sociedade brasileira.

Esse foi, sem dúvida, o segundo momento importante no processo de transição política por

que passava o país. O primeiro protesto de massas ocorreu em 1974 com as eleições parlamentares

de novembro quando o único partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB),

obteve uma vitória esmagadora nos grandes centros urbanos, principalmente na região Centro-Sul.

A avalanche de votos oposicionistas nas eleições de 1974 foi o primeiro grande protesto

vivo, de amplitude até então desconhecida, contra o autoritarismo no pós-1964. E o grande centro

dessa contestação eleitoral contra o regime militar foi São Paulo, em particular a capital e a grande

São Paulo. De certo modo, as camadas médias e pobres reagiram, enfim, contra o regime

autoritário e sua política econômica por meio do voto plebiscitário. Aparentemente, o povo

brasileiro se posicionou contra um modelo que, naquele momento, excluía a grande massa da

população de seus benefícios.

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Em alguma medida, os acontecimentos de 1974 funcionaram como um bumerengue, ao

mesmo tempo que atingiram o centro do poder por sua extensão e profundidade, trouxe à tona

formas variadas de organização da sociedade civil. Foi um impulso importante, com um efeito

multiplicador considerável nos anos seguintes, para a definição dos destinos da incipiente abertura

política que se iniciava (Rodrigues, 1999, p. 75). Com a crise política, o governo anunciou um

projeto de liberação que resultou em um certo afrouxamento em relação aos sindicatos. A crise

econômica decorrente do término do milagre brasileiro aumentou o descontentamento da classe

trabalhadora e atingiu também alguns setores empresariais que, somados com outros segmentos da

sociedade, reforçaram a necessidade de uma liberalização política (Schürmann, 1998, p. 45).

Os acontecimentos de novembro de 1974, no entanto, estão relacionados a vários eventos.

No plano estritamente econômico, destaca-se a crise do petróleo em 1973 e seu impacto no país.

No plano político, foram relevantes a luta dos parlamentares brasileiros do MDB, notadamente a

sua ala mais progressista e democrática – o chamado grupo autêntico – e a “anticandidatura” de

Ulisses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho à presidência e à vice-presidência da República em

1973, que serviu de pretexto para uma pregação cívico-democrática por todo o país, em que se

denunciava o regime militar -autoritário e se conclamava a sociedade civil à luta pela democracia.

Finalmente, no plano sindical, vale lembrar as mudanças ocorridas desde a primeira metade dos

anos 70, que se manifestaram mais claramente a partir de 1978 (Rodrigues, ibidem).

Em setembro daquele ano, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo realizaram seu

primeiro congresso. Nesse evento, foram definidos os principais pontos programáticos de

atividade sindical: o contrato coletivo de trabalho, liberdade sindical e uma lei básica do

trabalho que completasse seus direitos fundamentais (Ant unes, 1988, p. 17). Embora esse

movimento possa ter significado qualitativamente diferente da vitória da oposição emedebista

de quatro anos antes, ambos os fenômenos estão relacionados. Os trabalhadores, enquanto

expressão de uma certa organização da socie dade civil, procuravam se afirmar na crítica à

política econômica do governo, na luta contra os baixos salários e pelo direito de greve, na

defesa da negociação direta com o patronato e pela autonomia e liberdade sindical, trazendo

para a esfera da política amplos contingentes que até então pareciam adormecidos e

expressando um forte sentimento oposicionista ante o regime militar (Rodrigues, 1999, p. 76).

Não é sem razão que as pesquisas sobre as origens históricas dos acontecimentos que

marcaram o movimento grevista na Ford e direcionaram os sindicalistas à busca de um

sindicalismo autêntico e que posteriormente passou a ser conhecido como “novo sindicalismo”

deram conta da presença do sindicato nas empresas antes das greves de 1º de maio de 1978. Além

disso, Laís Abramo (apud Rodrigues, 1999, p. 27) escreveu que “na Ford, o nível de organização

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interna era maior. Em 1976, a partir da luta por equiparação salarial, realizada pelos ferramenteiros

da empresa, surgiu uma comissão que conseguiu se manter organizada e atuante durante anos”.

Também citada por Rodrigues (ibidem) é a versão apresentada por Silvia Gerschman, em 1985, de

que “desde 1976, funcionava uma comissão de fábrica clandestina na Ford; essa comissão se

reunia por setores, assumindo cada setor as reivindicações do conjunto”. O ano de 1976 parece

constituir um ponto marcante no processo de organização fabril dos trabalhadores da Ford e,

seguramente – acrescenta Rodrigues (1999) – dado o seu êxito como categoria, a campanha

sindical por 34,1% de reposição salarial de 1977 estimulou e reforçou a militância dentro da

fábrica. Mas há quem trace uma linha de continuidade entre a história dos trabalhadores da Willys

e da Ford. É o caso de Luís Venâncio da Luz (diretor sindical de base na Ford em 1978) que

afirmou: “ela tem raízes de tempos anteriores, do tempo da Willys”. 65

O período iniciado em 1978, franqueou “durante dois anos, uma vaga quase ininterrupta de lutas e mobilizações sindicais massivas (que) varreu o país, atingindo as principais categorias do proletariado em quase todos os Estados. Foi o primeiro ascenso de lutas verdadeiramente nacional do proletariado, com um milhão de trabalhadores em greve em 1978, 2,5 milhões em 1979 e 750 mil em 1980. Foi a partir dessas lutas e do processo de auto-organização que as acompanhou, que o proletariado brasileiro iniciou a conquista de sua independência de classe, através de um amplo movimento de rebelião contra a estrutura sindical corporativa (que levaria à fundação, em agosto de 1983, da CUT) e do processo de formação de seu partido de classe, o Partido dos Trabalhadores (Caderno Debate Sindical, 1987).

O proletariado, no final da década de 1970 e início dos anos de 1980, integrado por

28,6 milhões de assalariados, numa população economicamente ativa de 42,8 milhões de

pessoas, teve seu peso social fortalecido frente às demais classes sociais. O operariado das

montadoras da indústria automobilística em São Bernardo do Campo constituiu o caso

emblemático dessa nova situação, embora a contradição entre esse novo operariado e a

estrutura sindical seja expresso de modos distintos.

Se por um lado, se fortaleceu a tendência à superação do populismo sindical no meio

operário e a ação sindical em São Bernardo, desdobrou-se, por outro, na formação de um

Partido político, o Partido dos Trabalhadores. Concebido como uma espécie de braço político

e parlamentar do sindicalismo, nos moldes do reformismo operário clássico, a criação desse

partido representou um início da ruptura com a inércia partidária própria do estatismo

65 Cfe. matéria publicada em A greve na voz dos trabalhadores. Coleção História imediata, n. 2, p. 19-21, 1979 (apud Rodrigues, 1999, p. 30).

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populista 66 (Boito Jr., 1991). Tem sido também destacada a maior capacidade de organização

desse novo operariado, sua força para implantar e manter organizações estáveis no local de

trabalho. Esse novo operariado não introduziu as comissões de fábrica na história do

movimento operário brasileiro, mas representou o agente social que conseguiu, talvez pela

primeira vez, tornar esses organismos estáveis e consolidados.

3.2 AS COMISSÕES DE FÁBRICA

No movimento sindical, a discussão sobre as comissões de empresa já vinha sendo

realimentada desde meados da década de 1970, primeiro pelas Oposições Sindicais, e

posteriormente pelo sindicalismo de São Bernardo. Em todos os congressos da CUT, por

exemplo, a defesa das comissões de empresa e da necessidade de sua implantação nos locais

de trabalho esteve presente. Mas foi o Partido dos Trabalhadores que em outubro de 1983

apresentou o projeto de lei67 que dispunha sobre a criação de comissão de fábrica. A discussão

da representação trabalhista no interior da empresa foi um tema marcante no correr dos anos

80, nos cenários sindical, político e empresarial. Em 1986, essa questão voltou à cena,

inserida no anteprojeto de Constituição e na nova Carta Constitucional, no artigo 11, do

capítulo II, e foi aprovada a figura do representante dos empregados em estabelecimentos com

mais de duzentos trabalhadores (Rodrigues, 1991, p. 143).

A discussão sobre a organização dos trabalhadores no local de trabalho sempre teve

como pano de fundo o movimento grevista que, iniciado em 1978, se manteve durante toda a

década de 80. A emergência das comissões de empresa, no entanto, não representou um

fenômeno novo na história do movimento operário no Brasil. Segundo Rodrigues (idem, p.

144), há registros de organizações nas unidades produtivas nos anos de 1910, 1920 e 1930, no

imediato pós-guerra, bem como nos anos de 1950 e 1960. Em alguns casos, esses intentos de

organização dos trabalhadores nos locais de trabalho estão associados à maior liberdade no

plano político, como a redemocratização de 1945 e a abertura política do final da década de

1970. O que significa que o ressurgimento das comissões de fábrica com o movimento

grevista de 1978 não foi um fato inusitado; ao contrário, fazia parte da experiência do

operariado brasileiro que de vez em quando emergia com maior ou menor impulso. As

66 “O populismo articula o ativismo reivindicatório (plano econômico/sindical) à inércia político-partidária, esta se constituindo na expressão mais visível e aguda do seu caráter estatista” (Saes, apud Boito Jr., 1991, p. 62). 67 O Partido dos Trabalhadores, por intermédio do deputado Djalma Bom, apresentou o projeto de lei nº 2.825 que dispunha sobre a criação de comissão de fábrica (Rodrigues, 1991, p. 142).

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comissões que surgiram na capital paulista no período de maio a agosto de 1978 funcionaram,

principalmente, como organismos de negociação da greve em suas respectivas empresas.

Um ponto a destacar é que as comissões de empresa assumiram um papel de

relevância como organização de vanguarda do verdadeiro sindicalismo, pois transformaram a

força potencial da classe trabalhadora em força real, já que representaram a superação de um

velho problema da organização dos trabalhadores: a indispensável incorporação de um

número cada vez maior de trabalhadores à frente das lutas do conjunto de classe. E as

perseguições, demissões e ameaças, longe de negarem a necessidade das comissões,

mostraram seu acerto na medida em que os patrões reconheceram nelas, através de suas

represálias, uma poderosa forma de organização a serviço da classe trabalhadora.

As greves de São Bernardo foram, pelo menos em algumas grandes empresas,

organizadas no interior da fábrica, com a participação ativa dos operários. As comissões de

fábrica das grandes montadoras tiveram e têm um papel decisivo nas greves. As diversas

formas de ação grevista dos metalúrgicos de São Bernardo ao longo da década de 1980

evidenciam esse enraizamento no interior das fábricas.

A greve “ao pé da máquina”, as “operações tartaruga”, a greve “vaca brava”, a greve geral prolongada realizada com os trabalhadores dentro das fábricas, em 1989, a greve chamada “abelha”, de 1990, são, todas, formas de ação que destoam do padrão de ação sindical tipicamente populista, uma vez que exigem muita organização, disciplina e autoconfiança dos operários (Boito Jr., 1991, p. 63).

Isso ficou evidenciado na operação “vaca brava”, de 1985, que parou todas as

empresas metalúrgicas de São Bernardo, ou na paralização de toda uma empresa com a greve

declarada de apenas uma pequena parcela estratégica de seus trabalhadores, como na greve

dos 900 operários da ferramentaria e da manutenção que parou toda a Ford de São Bernardo,

em 1990, na chamada greve “abelha”, na qual alguns faziam greve enquanto a maioria “fazia

cera”, foram formas de luta de um operariado que estava, na prática, afastando-se da idéia de

que o sindicalismo não era nada sem a ação tutelar do Estado. 68

A política sindical e a militância no interior da fábrica encontram-se articuladas na

própria natureza do “novo sindicalismo”. Uma das mais importantes propostas desse

movimento foi a mudança da definição da política sindical que, inversamente à concepção de

uma atividade exclusivamente institucional e regulada no âmbito do Estado corporativista,

68 Tais características inovadoras da ação sindical desse novo operariado aparecem em importantes trabalhos produzidos pelos próprios sindicatos. Ver História da Greve de 89 , obra coletiva do sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, São Bernardo, Editora Fundo de Greve, 1989, entre outras (Boito Jr., 1991, p. 63).

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passou a incluir práticas até então proibidas pela legislação trabalhista, tais como a

representação interna, as negociações diretas com a administração e o recurso à greve. Assim,

o novo movimento sindical buscou romper simultaneamente com os procedimentos

burocráticos e clientelistas da liderança pós-1964 e com as práticas populistas que

prevaleciam antes do golpe militar (Mangabeira, 1993, p. 13-14).

Segundo Mangabeira (ibidem), contrariamente à liderança populista da década de

1960, a “liderança autêntica”, formada pelos novos líderes, procurou assentar sua legitimidade

na ampliação da representação da base operária no sindicato, bem como na acentuação das

questões internas enquanto força motriz da mobilização operária. Esses líderes buscavam sua

legitimidade política numa combinação entre a expansão da filiação sindical, a organização e

mobilização diretas nos locais de trabalho, de tal forma que o espaço da fábrica e a

organização do trabalho assumiram um relevo crescente como sede da emergência de uma

política de base operária.

3.3 FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A ESTRUTURAÇÃO DO

NOVO SINDICALISMO

A representação sindical nos locais de trabalho e a responsabilidade da liderança

perante as bases foram objetivos intensamente perseguidos pelos novos líderes. Rompendo

com o padrão regulado de organização vertical, o novo movimento criou representações

horizontais alternativas e uma nova confederação de trabalhadores controlada diretamente

pelos sindicatos. As iniciativas da nova liderança, no geral, contrastavam com as posições que

os líderes populistas do passado defendiam. Os líderes populistas separavam as reivindicações

sociais e políticas das demandas econômicas, colocando em segundo plano problemas fabris

tais como o grau de exploração do trabalho, o despostismo gerencial69 e as relações

69 Focalizando o espaço interno da fábrica, Mangabeira (1993, p. 71) observa que uma das fontes de conflitos fabris no período era o “despotismo” da gerência e analisa o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), sendo este resultante do poder “despótico” dos gerentes e encarregados. No nível das seções havia, após 1979, dois tipos de supervisores: o encarregado e o mestre. O encarregado executava funções administrativas e gerenciais, o mestre tinha autoridade sobre questões disciplinares, embora o encarregado tivesse a última palavra nos assuntos de disciplina, promoção e transferência. O sistema disciplinar formal consistia de quatro tipos de penalidades aplicadas de acordo com a gravidade da infração: advertência, repreensão, suspensão temporária e demissão “por justa causa”. De acordo com o Manual de Pessoal, as penalidades somente podiam ser aplicadas pelo próprio chefe da seção e deveriam ser registradas na ficha funcional do empregado. Uma anotação negativa na ficha funcional podia prejudicar o acesso do funcionário à promoção na empresa e progressão no cargo. Apesar de constar especificamente do Manual que advertências verbais feitas por chefias de status inferior não eram consideradas como punição formal, na prática a natureza do trabalho nas seções implicava que o encarregado e o mestre eram os que, de fato, indicavam ao chefe da seção que um operário devia ser punido. Essa era uma das bases do poder dos mestres e encarregados. Esses procedimentos disciplinares eram chamados

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discriminatórias e antidemocráticas entre gerentes e trabalhadores. O novo sindicalismo, por

seu turno, foi buscar a integração das demandas econômicas, sociais e políticas, voltando-se

para os problemas criados dentro do sistema produtivo – as condições de trabalho, a

democratização das relações entre a gerência e os trabalhadores e o controle do trabalho –, ao

mesmo tempo em que contestava o conteúdo da legislação trabalhista corporativa e as

políticas salariais impostas pelo governo (Mangabeira, 1993).

O descontentamento na sociedade civil, evidenciado através do movimento de

oposição democrática e da volta dos estudantes às ruas depois de anos de silêncio, bem como

a crise política iniciada em 1974, que resultou em um certo afrouxamento em relação aos

sindicatos, e a crise econômica decorrente do término do Milagre Brasileiro, influenciaram o

movimento operário de São Bernardo, apesar de este movimento não ter ligação direta com a

mobilização da sociedade civil por liberdades democráticas e pela volta do Estado de direito.

O clima de contestação que se gerou, à época, penetrou nas fábricas, constituindo-se em

elemento importante para o surgimento das greves e para o significado que viriam a ter.

Abramo (apud Schürmann, 1998, p. 46) assinala que essas greves contribuíram para

aprofundar a crise global de legitimidade do regime.

O dinamismo e a rapidez com que esse movimento se estruturou no Brasil, de acordo

com Schürmann (ibidem), deve-se também a dois outros fatores: primeiro, ao fato de o regime

militar brasileiro não ter destruído as organizações sindicais, nem proibido o seu

funcionamento, contentando-se em controlá-las, o que permitiu aos “sindicalistas autênticos”

encontrar à sua disposição um aparelho intacto, dotado de recursos financeiros e de infra-

estrutura administrativa, tornando-se, assim, possível a realização de greves, de conferências,

o financiamento de boletins, publicações e outras atividades políticas e sindicais, segundo, a

importância do papel revitalizante da Igreja Católica que transformou radicalmente seu

discurso e sua prática, baseada em quatro séculos de aliança com as classes dominantes, em

uma opção pelos pobres. A Pastoral Operária, no início dos anos 1970, foi importante fator de

articulação operária por intermédio de missas, debates, palestras e discussões.

A aproximação entre os sindicalistas autênticos e os militantes das pastorais que,

posteriormente, conduziu os militantes católicos para o Partido dos Trabalhadores não foi um

de “ganchos” pelos operários e muitos faziam questão de acentuar que o “gancho” aplicado neles tinha resultado de medidas injustas da gerência. A relação entre operários manuais e encarregados deu origem a muitos conflitos no interior da usina. Outro fato decorrente da gestão autoritária eram as horas extras serem usuais na usina; elas faziam parte da “cultura local”. Segundo vários depoimentos, o direito de pedir hora extra era visto pela gerência como prerrogativa de seu poder e autoridade. Os operários tinham hora para entrar, mas não tinham hora certa para acabar o trabalho. Os trabalhadores eram coagidos a fazer hora extra (Mangabeira, ibidem).

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fato comum na história do sindicalismo, mas o resultado de esforços significativos

desenvolvidos em vários encontros entre representantes do movimento sindical e dos

movimentos populares, revelando uma forma de organização influenciada pela estratégia de

nucleação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), organizadas pela Igreja Católica, e

com grande difusão nas práticas dos movimentos sociais da época que valorizavam,

fundamentalmente, a autonomia e a independência desses movimentos diante do Estado e dos

partidos políticos.

Esses encontros reuniam representantes dos sindicalistas autênticos, dos dirigentes

sindicais ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e dos movimentos sociais

relacionados com a Igreja Católica com o objetivo de discutir e formalizar uma articulação

entre os movimentos populares e o sindical: o I Encontro de Monlevade, realizado em

fevereiro de 1980, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, dessa cidade, discutiu medidas

relacionadas à democratização da estrutura sindical com a conquista de um novo Código de

Trabalho, que incluiria o Contrato Coletivo de Trabalho; o II Encontro da categoria –

Encontro de São Bernardo –, em junho de 1980, contou com a participação de organizações

ligadas à Igreja Católica, pastorais, Comunidades Eclesiais de Base, oposições sindicais, entre

outras, que defenderam a unificação do sindicalismo com os movimentos sociais; o III

Encontro Nacional de Articulação de Movimentos Populares (ENAMP), também realizado

em junho de 1980, em Vitória -ES, com a presença das Comunidades Eclesiais de Base

(CEBs), pastorais operárias, associações de bairro e outras organizações católicas reafirmou a

posição pela união entre movimento sindical e movimento popular; o IV Encontro Nacional

de Movimentos Populares, realizado em Goiânia, em junho de 1982, decidiu pela união do

movimento sindical com os movimentos populares, cabendo ao primeiro o papel de

vanguarda, e aos segundos, o de retaguarda do movimento sindical (Rodrigues, apud

Schürmann, 1998, p. 47-48).

Vale lembrar também que no início de suas campanhas salariais nos anos anteriores o

sindicato encaminhava a pauta de reivindicações à Justiça por intermédio da sua assessoria

jurídica. Em 1978, sem interromper a legalidade costumeira – os advogados continuaram a

encaminhar as propostas pela via jurídica –, os dirigentes sindicais discutiram e submeteram

todas as suas decisões aos trabalhadores, em assembléias. Entretanto a constante

intransigência patronal levou o sindicato à descrença quanto a resolver seus problemas por

vias legais e à constatação da inutilidade do ritual que se repetia a cada ano, passando este a

encarar o enfrentamento como a única saída. Esgotadas todas as tentativas de negociação, os

dirigentes sindicais abandonaram a estratégia legalista e optaram pelo confronto. Assim, o

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movimento de São Bernardo, perdendo as esperanças de obter ajuda do Estado, ressurgiu

organizado e mobilizando todas as forças para uma disputa direta com a classe pa tronal, sem

respeitar as restrições ao direito de greve, legitimando, na prática, este direito, pôs fim as

barreiras mais importantes para o desenvolvimento de práticas de negociação coletiva (Silva,

apud Schürmann, 1998, p. 49). Com a nova estratégia partiram para a negociação direta com

o empresariado.

3.4 A EMERGÊNCIA DOS TRABALHADORES

As grandes greves, precedidas de assembléias plebiscitárias dos operários no Estádio

de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, mostraram a existência de um outro ator até

aquele momento excluído do cenário político, mas que queria participar. Esse foi, sem dúvida,

o sentido mais geral da emergência dos trabalhadores, a partir de 1978, no Brasil. Esse fato

desempenhou um papel importante na transição política naquele momento: as classes

trabalhadoras queriam ter uma presença mais significativa nas novas regras do jogo que

estavam sendo geradas no Brasil. Oriundos dos setores industriais mais modernos da

economia nacional, esse movimento social que, em seu desenvolvimento se transformou em

movimento político, representou, naquele momento, uma novidade na cena política brasileira.

Do ponto de vista dos setores trabalhistas, e até de uma parcela significativa do

empresariado, o que se buscava das demandas colocadas para o conjunto da sociedade era

uma redefinição de suas identidades coletivas. E essa questão era bastante pertinente para as

classes trabalhadoras: eram atores à procura de sua identidade coletiva como forma de

obterem um espaço de intervenção na esfera pública. Foi nesse sentido que ganhou

importância os contornos do nascimento do novo sindicalismo brasileiro, base posterior da

atividade de um amplo segmento sindical no Brasil e que deu nascimento tanto à Central

Única dos Trabalhadores (CUT), sem dúvida a mais importante central sindical no Brasil,

como ao Partido dos Trabalhadores (PT).

3.5 A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES – CUT

3.5.1 O processo de fundação e construção da CUT

A 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), realizada em 1981, a

partir do chamamento unitário das lideranças sindicais do país, deliberou por uma nova

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Conferência para 1982 quando seria constituída a Central Única dos Trabalhadores, naquele

momento uma proposta consensual. Para a organização da nova Conferência, foi criada a

Comissão Nacional Pró-Central Única dos Trabalhadores. A perspectiva da constituição da

CUT estava na ordem do dia para o movimento sindical brasileiro que acumulara muita

experiência organizativa durante os anos de luta contra o arrocho salarial da ditadura militar.

A Conferência de 1982 não se realizou, pois a maioria da Comissão Nacional Pró-CUT

entendeu que o ano que era eleitoral não era o melhor momento para realizar a CONCLAT.

Segundo Oliveira (1989, p. 15), a decisão de adiar essa Conferência para agosto de

1983 foi polêmica e, um pouco antes de agosto, o movimento sindical dividiu-se em virtude

de divergências internas, provocando a realização de dois congressos: o de 27 de agosto de

1983, em São Bernardo do Campo (SP), no qual foi constituída a Central Única dos

Trabalhadores (CUT), e o de 4 de novembro de 1983, em Praia Grande (SP), que constituiu a

Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), posteriormente (1986)

transformada em Central Geral dos Trabalhadores (CGT).

A criação da CUT dava-se num quadro em que a sua força dirigente já caminhava para

a opção de integrar-se ao sindicato oficial. O congresso de fundação derrotou as propostas que

previam alguns tipos de filiação à CUT por fora da estrutura sindical oficial aos trabalhadores

cujos sindicatos oficiais estivessem controlados por pelegos. Representativa, em alguma

medida, das aspirações trabalhistas por direitos sociais, políticos e econômicos, a CUT nasceu

defendendo um lugar para os trabalhadores na sociedade brasile ira. Com forte presença na

sociedade civil, essa corrente sindical vem tendo um importante papel na condução das

demandas de amplos setores assalariados e trazendo para a esfera pública temas que antes não

tinham espaço na agenda política. O III Congresso da CUT, em 1988, reforçou essa

integração ao diminuir a representatividade das oposições sindicais nos congressos da central.

A CUT foi fundada com uma perspectiva politizada (de luta contra a ditadura militar),

classista (defendendo a independência de classe), plural (criando mecanismos para

democracia sindical) e pela base (rejeitando a estrutura sindical oficial e todas suas mazelas

da unicidade sindical, assistencialismo, imposto sindical, defendendo a liberdade e autonomia

sindical). Em sua fundação, e nos dois primeiros congressos, a CUT firmou ainda dois pilares

fundamentais: a aliança orgânica dos trabalhadores do campo e da cidade, e a perspectiva

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estratégica cutista de vincular a ação sindical à luta pelo socialismo (Martins, Rocha, Batista

et al. , 1996) 70.

Conforme os membros da Executiva Nacional da CUT71, em 1996, o processo de

fundação e construção da CUT fez parte de um período político marcado pelo triunfo da

Revolução Sandinista na Nicarágua e o surgimento do Sindicato Solidariedade na Polônia que

se constituíram nesse momento em duas referências políticas alternativas ao estalinismo e à

social-democracia. A CUT embora considerada “ideologicamente difusa” (Antunes, 1984, p.

82), por não apresentar “a predominância de uma proposta socialista re volucionária”, aponta

para uma nova concepção sindical, pela construção do Partido dos Trabalhadores, como

expressão da independência de classe dos trabalhadores no terreno político-partidário, a partir

de um leque de forças políticas e sociais que iriam convergir na fundação da Central; pela

crise do regime militar; pelo modelo de desenvolvimento capitalista em vigor no país e que

remonta a década de 1930; ou pelo avanço político das forças democráticas e populares, em

organização (sindical, partidária, popular), em níveis de consciência de massa ou em

resultados eleitorais (1988 e 1989) e ao mesmo tempo de uma crise de alternativas políticas

burguesas (que irá levar à “aventura” de Collor em 1989).

A CUT, ou pelo menos suas correntes majoritárias, estava sob o impacto da ideologia

do legalismo sindical, em virtude do peso do passado populista. Entretanto, a partir mesmo de

1983, conforme Boito Jr. (1991), a CUT, ao nível do seu discurso, começou a promover

sucessivas fissuras na ideologia da legalidade sindical. No congresso de fundação, aprovaram-

se resoluções que apresentavam apenas declarações genéricas de defesa da liberdade e da

autonomia sindical. No I CONCUT, de 1984, dava -se um passo à frente, pois a plataforma de

lutas aprovada apresentava como objetivo a revogação do Título V da CLT – que era onde se

encontravam, na época, as normas que impunham a unicidade sindical e as contribuições

sindicais compulsórias. E no documento “Por Uma Nova Estrutura Sindical”, também saído

do congresso, a central denunciava o imposto sindical e o assistencialismo.

O grande avanço, ao nível do discurso cutista, vinha, no entanto, nas resoluções sobre

a estrutura sindical aprovadas no II CONCUT, em 1986, quando a CUT se declarou, pela

primeira vez, ser contrária à unicidade sindical, colocando em evidência como sendo o

sindicato único imposto por lei. O III CONCUT, em 1988, dava mais um passo ao aprovar

70 Jorge L. Martins, M. Consolação da Rocha, Pedro Ivo Batista, Rafael Freire, Rita Lima e Sebastião Neto, da Executiva Nacional da CUT, escreveram “O projeto cutista, a luta pela liberdade de organização sindical e o combate ao projeto neolibera l”, por ocasião do 13º aniversário da CUT, em agosto de 1996. 71 Referência nota de rodapé acima.

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resolução a favor da implantação do Contrato Coletivo de Trabalho que deveria substituir a

tutela da Justiça do Trabalho sobre a ação sindical.

A estratégia defendida nos primeiros congressos de conquistar os sindicatos “por dentro”, para depois destruir a estrutura sindical oficial, só avançou, e muito, na sua primeira parte. (...) a concepção e prática do sindicalismo oficial contra o qual se insurgiu a CUT em sua fundação, acabou penetrando no cotidiano da Central. Por conta disso, a concepção e prática sindical cutista realmente existente começou a incorporar elementos dos desvios e da degeneração burocrática que identificamos desde o início na estrutura sindical oficial. (...) a busca da consolidação da CUT enquanto “central sindical” (no III CONCUT, 1988) foi feita em detrimento de: (a) da representação dos trabalhadores que estão à margem da relação formal capital/trabalho (ao se colocar como eixo exclusivo da ação sindical o Contrato Coletivo de Trabalho) e (b) da vocação da Central de se construir na base dos sindicatos oficiais sob direção pelega (ao se aprovar uma medida estatutária que enfraqueceu as oposições dentro da Central). Este segundo aspecto só começaria a ser discutido com a resolução do V CONCUT (1994) sobre Associações Cutistas (Martins, Rocha, Batista et al., 1996, p. 3).

A CUT muito significou acerca de avanços em relação à participação – através de

assembléias de base, de congressos e de práticas – e de democracia – através da instituição da

proporcionalidade nas suas instâncias. No entanto, a democratização não se estendeu, como

regra, a seus sindicatos – pouco modificou os sindicatos de base herdados do corporativismo,

onde continuou a vigorar o monolitismo – nem conseguiu avançar para além da

proporcionalidade (de 20 e 10%).

Boito Jr. (1991) assinala que a CUT não tem lutado de modo consistente pela

liberdade e pela autonomia sindical. Um exemplo ilustrativo desse argumento é o fato de,

quando o Congresso votou e aprovou a unicidade sindical, não haverem comparecido,

segundo depoimentos colhidos à época, sequer vinte sindicalistas da CUT no Congresso

Nacional. E, aprovada a Constituição de 1988, a CUT ter aceitado sem luta a unicidade

sindical. E isso a despeito de essa norma constitucional carecer de regulamentação legal e

contrariar a letra do inciso primeiro do artigo 8º da Constituição, que proíbe a intervenção do

Estado nos sindicatos.

Assim, se por um lado as formulações do discurso cutista sugerem uma evolução em

direção à superação da ideologia da legalidade sindical, por outro diversas propostas

específicas da CUT estão em contradição com a prática efetiva do sindicalismo cutista,

quando, por exemplo, a CUT defende a oficialização dos sindicatos livres dos funcionários

públicos e a manutenção da contribuição assistencial compulsória. A contribuição sindical

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compulsória pressupõe a outorga da representação sindical pelo Estado, ou seja, a existência

do atrelamento sindical.

A contradição entre a prática efetiva e o discurso cutista reside no fato de o discurso

cutista possuir duas camadas sobrepostas, duas camadas de ideologia (teórica e prática). Uma

mais visível é a que proclama abertame nte a defesa da liberdade sindical, a oposição à

unicidade, ao imposto, à tutela da Justiça do Trabalho, que são formulações mais gerais e de

pouca conseqüência prática. A outra camada do discurso cutista está mais ligada às propostas

de ação correta, nega e contradiz o que as declarações genéricas afirmam. É essa ideologia

prática, envolta e ocultada pela ideologia teórica, que reflete de modo mais adequado a ação

prática da CUT frente à estrutura sindical.

3.5.2 A CUT e a nova concepção sindical

A retomada das ações grevistas, no final da década de 1970, nos setores estratégicos

da economia, o avanço do sindicalismo rural, o nascimento das centrais sindicais, as tentativas

de organização por local de trabalho, o aumento do índice de sindicalização, são elementos

demonstrativos que, se houvesse o propósito firme de romper o modelo e o controle sindical

pelo Estado, isso seria possível. E, embora o capital também tenha alterado suas formas de

controle da produção, criado novas formas de gestação da força de trabalho, flexibilizado os

processos de produção e atacado brutalmente os direitos sociais adquiridos pelos

trabalhadores, a criação da CUT mostrou uma nova concepção sindical e uma estratégia que

dava conta de uma transformação profunda na estrutura sindical e no mundo do trabalho a tal

ponto que permitiu uma nova cultura política, contrapondo-se à herança da velha estrutura,

autoritária e imposta. O novo sindicalismo surgiu como uma concepção que afirmava um tipo

de socialismo como melhor opção de vida para todos, que permitiu aos trabalhadores

almejarem não só melhores salários e condições de trabalho, como também se reafirmarem

como sujeitos de sua própria história e a possibilidade da construção real de novos espaços de

liberdade (Nogueira, 1993).

A trajetória do novo sindicalismo e, por extensão, da CUT, não pode ser dissociada da

demanda mais geral das classes populares por direitos democráticos. Surgindo no período de

declínio do autoritarismo militar, esse movimento se consolidou enfrentando o regime de

exceção e defendendo a democratização no Brasil, mudanças sociais e econômicas benéficas

aos trabalhadores e associando essas reivindicações mais gerais com a defesa de melhores

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condições de vida e trabalho para os assalariados e aos temas mais diretamente ligados ao

cotidiano do trabalho.

Assim, além do sentimento de parte dos trabalhadores contra a exclusão social, a

miséria, o despotismo das chefias e os baixos salários, e até por essas questões, a entrada em

cena dos trabalhadores na política brasileira, no final da década de 1970, representou a

demanda mais ampla por direito – em muitos aspectos elementares – de moradia, de

melhorias salariais e de justiça social, e, principalmente, por se fazer presente na sociedade,

interferindo com alguma eficácia no processo de transição política do país, ao mesmo tempo

que foi fundamental para a ampliação das conquistas democráticas.

Em outras palavras, se, de um lado, havia a reivindicação mais ampla por direitos

democráticos, de outro, também, havia uma preocupação mais específica pelas questões

suscitadas no interior das empresas como, por exemplo, aquelas pequenas lutas consideradas,

muitas vezes, “sem importância” no cotidiano da produção e que, em certo sentido,

possibilitaram o surgimento do movimento grevista de 1978. Simultaneamente, criaram parte

das condições que levariam ao surgimento de um sindicalismo diferenciado daquele que se

conhecia no pré-1964: um padrão de ação sindical mais preocupado com os trabalhadores em

seus locais de trabalho e com sua organização a partir das empresas.

Além disso, foi a partir da experiência derrotada de 1964 que ocorreu a reaglutinação

do movimento operário e sindical. Essa reorganização desembocou na estruturação – durante

um largo período de gestação – de dois pólos distintos, mas complementares, no interior do

movimento operário e do sindicalismo brasileiro: a Oposição Sindical Metalúrgica, de São

Paulo, na capital paulista, e o Sindicato dos Metalúrgicos, de São Bernardo do Campo e

Diadema, na Grande São Paulo.

Começava a surgir uma nova camada de ativistas no interior das empresas,

principalmente entre os trabalhadores metalúrgicos. A atuação desse grupo consistia em parte

nesses pequenos embates que caracterizaram as lutas operárias no período 1969/1977, bem

como na crítica à prática do sindicalismo pré-1964. Esses ativistas, que se forjaram na luta

contra o regime autoritário e que estão presentes no cotidiano das empresas naquelas

pequenas lutas, durante esse período, aparentemente tinham mais sensibilidade para o que

estava acontecendo no interior das empresas, pois eram parte dessa reorganização do

movimento operário. Pelo menos em parte, significava vanguarda, pois estava sendo feita a

crítica à prática sindical do período pré-1964, bem como à ação de pequenos grupos que, com

seu voluntarismo, procuravam substituir a ação de massas, como ocorreu com a experiência

de um setor da esquerda que defendia a luta armada. Isso levou a que militantes de partidos

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políticos de esquerda – na época clandestinos –, na tentativa de conseguirem uma maior

ligação com o movimento de massas, chegassem às fábricas e aos bairros da periferia das

grandes cidades, principalmente na Grande São Paulo.

Foi esse processo que trouxe para o sindicalismo – quando dos acontecimentos de

1978 – duas vertentes distintas que no caminho se encontraram: o padrão de ação dos

sindicalistas de São Bernardo e a prática de organização pela base dos militantes da Oposição

Sindical Metalúrgica de São Paulo. Esses aspectos explicam a sensibilidade que esses

segmentos operários tiveram diante da criatividade dos trabalhadores no momento da eclosão

das greves.

As concepções desses dois movimentos e suas práticas criaram as condições para o

aparecimento de um novo tipo de ação sindical, conhecido inicialmente como novo

sindicalismo , que se caracterizou por denunciar o controle do governo sobre os sindicatos e

sobre a fixação dos reajustes salariais, por defender a organização livre e autônoma dos

sindicatos, por advogar a livre negociação entre patrão e empregados, assim como o direito

irrestrito à greve, em contraposição àquele vigente no período anterior a 1964. Com já

mencionado, foi essa nova praxis sindical que, em larga medida, mostrou sua eficácia na ação

dos trabalhadores pós-1978 e que esteve na origem do surgimento da CUT.

3.5.3 A prática discursiva do sindicalismo cutista

A passagem de uma luta extremamente defensiva e localizada, em que sua expressão

maior foi o período de resistência (onde conflitos surdos ocorriam e pequenas demandas eram

levadas adiante pelos ativistas do movimento operário e do sindicalismo), para o final da

década de 1970 e início da de 1980, quando os conflitos começaram a eclodir, com grandes

greves por categorias, por fábricas, e mesmo greves gerais, constituiu um ava nço significativo

na experiência trabalhista no Brasil.

Vários fatores concorreram para a rápida reorganização do movimento sindical. Em

primeiro lugar, uma esquerda que se mantinha atuante nos pequenos embates cotidianos, seja

em fábricas nos principais centros industriais do país, seja em certas regiões rurais como

Norte e Nordeste. Em segundo lugar, o padrão de ação sindical que começava a se expandir

no início da década de 1970, tinha como principal referência o sindicato de São Bernardo. Em

terceiro lugar, foi importante o papel desempenhado pelos setores da Igreja Católica mais

ligados às lutas dos trabalhadores.

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Fruto da reorganização sindical do final da década de 1970 e início da de 1980, a

formação da CUT representou a concretização de uma inspiração há muito defendida por

setores do sindicalismo brasileiro. Esses setores formaram uma frente para combater a cúpula

da Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTI) e redigiram uma Carta de Princípios

que reivindicava “a democratização do país (eleição direta para presidente, governadores e

senadores), convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte e revogação das leis de

exceção” (Rodrigues, 1997, p. 91). No início da década de 1980, multiplicaram-se os

encontros que davam conta da tentativa de organização dos setores mais “combativos” do

movimento sindical. As Oposições Sindicais realizaram o Encontro Nacional das Oposições

Sindicais (ENOS), em maio de 1980, e logo em setembro do mesmo ano, o Encontro

Nacional dos Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (ENTOES), em nova Iguaçu,

Rio de Janeiro. Vale dizer que estavam lançadas as bases de reorganização dos setores mais

críticos à estrutura sindical na cidade e no campo, que, na CONCLAT, formaram o bloco dos

“combativos” e foram os principais articuladores da criação da CUT (Rodrigues, 1997).

O discurso da CUT nos anos seguintes à sua fundação caracterizaram o período de

ascensão do novo sindicalismo, combinado à crise do populismo econômico e ao início do

ajuste neoliberal em nível internacional, retardado no Brasil pelas condições políticas

impostas pela lenta e turbulenta transição conservadora. O recrudecimento da atividade

grevista e o recurso ao expediente da greve geral marcaram a prática discursiva do

sindicalismo cutista. Por outro la do, as resoluções das plenárias nacionais e congressos da

Central (I, II e III CONCUT)72 demonstravam o sentimento de luta e combatividade que

marcou a atuação dos sindicatos da CUT na década de 1980. As resoluções tomadas no I

CONCUT versavam, de modo gera l, sobre análise de conjuntura – com delimitações precisas

a respeito das “tarefas centrais de cada período” – “campanha nacional de lutas”, “luta dos

trabalhadores no campo” e “estrutura sindical”. A 1ª Plenária Nacional, de 1985, por exemplo,

abriu com um “Manifesto da CUT aos trabalhadores brasileiros”, encerrando os elementos do

discurso fundador do novo sindicalismo. Esse discurso, sem ambigüidades, com um sujeito

claramente construído em relação a adversários plenamente identificados, procurou articular a

totalidade das relações sociais presentes.

72 O I Congresso da CUT (I CONCUT) definiu estatutariamente que os congressos se realizariam a cada dois anos, sendo que nos anos sem congresso, a direção Nacional convocaria “Plenárias Nacionais”, com a participação de dirigentes dos sindicatos e das instâncias horizontais da Central (regionais e estaduais). Com a formação dos departamentos, a partir de 1987, também estas instâncias verticais passaram a ser representadas nas plenárias. Finalmente, a partir do III CONCUT (1988), os congressos passaram a ser trienais, com plenárias nos anos intercalados aos congressos (Cruz, 2000, p. 148).

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Na interlocução da mídia, o discurso foi significado como “radical”. Mas, segundo

Cruz (2000, p. 150), o elemento mais marcante parece ter sido a negação da CUT em abdicar

de enfrentar as lutas mais gerais, construídas discursivamente enquanto “centro da luta

política para o próximo período”. Entre 1983 e 1984, fora o movimento das Diretas -Já,

derrotada a Emenda Dante de Oliveira, a CUT lutava por uma Constituinte Livre, Soberana e

Democrática; derrotada esta proposta, a Central lançou um movimento pela pressão popular

sobre o Congresso Constituinte, buscando sempre “unir as lutas específicas com as lutas mais

gerais”.

A 1ª Plenária sustentava os mesmos significados produzidos sobre o problema do

campo. A CUT, nas suas várias instâncias, deveria colocar como sua prioridade a luta pela

reforma agrária e contra a violência no campo. A questão da estrutura sindical, como sempre,

também ocupava papel de destaque. A organização de base ou por local de trabalho fora

destacada na proposta de estatuto padrão da CUT e a idéia dos sindicatos de base constituídos

por ramos de produção levou a uma “revolução de significados” na questão da estrutura

sindical: uma proposta de reordenamento completo dos sindicatos de base, a partir de uma

ampliação de suas bases territoriais e da fusão de muitos sindicatos em sete “ramos” de

trabalhadores: agropecuários, industriais, de serviços, de serviços públicos, de autônomos

urbanos (não assalariados), de profissionais liberais e de inativos. Tudo isso, acompanhado do

fim do imposto sindical e da permissividade de intervenção estatal nos sindicatos, era garantia

da estabilidade dos dirigentes e dava ênfase na organização horizontal da central (Cruz, 2000,

p. 150-151).

As Resoluções do II CONCUT sinalizavam um deslizamento em direção a uma

ressignificação em torno da luta política da classe trabalhadora. O compromisso histórico da

CUT era impulsionar a luta sindical dos trabalhadores na perspectiva de construir uma

sociedade socialista. Tais resoluções foram aprovadas em agosto de 1986, em plena vigência

do Plano Cruzado, e quase um terço delas dizia respeito à luta pela reforma agrária. As

Resoluções da 2ª Plenária Nacional da CUT, realizada em junho de 1987, não chegaram a ser

publicadas, sendo que a discussão dos documentos em plenário fora prejudicada ante a

emergência de nova greve geral para enfrentar as perdas salariais impostas pelo “Plano

Bresser”, avaliada pelas Resoluções do III CONCUT, em setembro de 1988, como uma

mobilização inferior à do ano anterior.

Conforme Cruz (2000, p. 153-155), as Resoluções do III CONCUT acusavam as

primeiras rachaduras do novo sindicalismo em seu discurso da totalidade, isto é,

evidenciavam um primeiro deslocamento dos significados do discurso fundador que passava

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de um posicionamento de denúncia/confronto/superação, nas resoluções anteriores, para um

discurso marcado pelo tom de análise/cautela/negociação, face à conjuntura internacional

(novas tecnologias, dívida externa e desemprego).

3.5.4 Os impasses do sindicalismo cutista nos anos 80 e 90

Do texto de debate preparativo do Ativo Sindical Nacional de DS, de dezembro de

1999, colhem-se alguns desafios e impasses ao sindicalismo cutista.

a) A relação da CUT com o Estado – A confrontação com o Estado foi uma marca

muito forte no processo de fundação da CUT. A questão da independência em relação ao

Estado foi um tema chave na construção da CUT, em oposição ao sindicalismo atrelado,

herdado da estrutura sindical corporativa de Getúlio Vargas, praticado pelo sindicalismo

pelego e com o qual as correntes comunistas conviveram até a década de 1980. No entanto, no

período de 1978-83 em que se gestou e se fundou a CUT, postura política antiditatorial e

independência em relação ao Estado combinavam-se em uma só cultura política e

alimentavam uma estratégia de ruptura democrática.

A situação complicou-se quando se instalou o processo constituinte tutelado (o

Congresso Constituinte, 1986-1988). Mesmo que com uma legitimidade colocada em questão,

esse processo mudou a institucionalidade burguesa. Como resultado disso, já em 1989 ocorria

a primeira eleição “democrática” para presidente da República desde o golpe militar de 1964.

A passagem de um regime político ditatorial para outro de democracia burguesa alterou o

cenário e colocou em questão a estratégia anterior. O novo regime político abriu espaços de

participação da sociedade civil, em especial do movimento sindical, em resposta às demandas

por democracia, mas também como uma forma de diluir as pressões populares.

A Constituição de 1988, sem romper o sistema sindical corporativista, no entanto,

reconheceu, pelo menos em parte, um novo cenário de direitos sindicais já conquistado pelo

sindicalismo cutista nos seus anos de fundação e crescimento.

Na década de 1990, foram apontadas “práticas” cutistas em relação ao Estado, mas

dificilmente se pode concluir que a CUT tinha uma estratégia nesse terreno. Essas práticas em

muitos casos foram “acomodatícias”. Dada uma determinada institucionalidade, buscava -se

tirar o máximo proveito político-organizativo dela. Isso era considerado muito pouco para

uma central sindical que nascera questionando a ordem e que colocava entre seus princípios a

superação da sociedade burguesa.

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b) A relação da CUT com os patrões – No V CONCUT, realizado em 1994, foi

aprovada uma resolução que rejeitava a “parceria capital/trabalho”. Foi uma resposta à

ofensiva empresarial dos novos métodos de gestão (pós-fordista, toyotista). A resolução dizia

o que estava firmado no princípio estatutário de “independência” em relação ao patronato.

Mas o discurso da “parceria”, “competitividade” e outros, buscava se impor pelo peso dos

fatos. Assim, “salvar a empresa” e “enfrentar a concorrência” foram apelos que os

trabalhadores atenderam com facilidade.

Uma resposta cutista teria como pré-requisito uma visão alternativa sobre a gestão da

empresa e sobre a organização da economia. Não existia em relação à primeira e estava pouco

desenvolvida em relação à segunda. A ofensiva patronal, no entanto, não conseguiu ser

avassaladora porque estava cercada de inúmeras contradições sociais. Foi isso que deixou

aberto o espaço para a disputa política com as estratégias empresariais.

c) A CUT como organização de todos/as os/as trabalhadores/trabalhadoras – No

processo de fundação, a CUT conseguiu unificar setores da classe trabalhadora socialmente

muito diferenciados entre si. Esse foi um traço característico e diferenciador em relação a

outras experiências sindicais internacionais. Pois, nesse processo, os trabalhadores de setores

de ponta da economia (multinacionais, estatais e o grande capital nacional) tiveram grande

responsabilidade. E, contrariamente a certas predições, não optaram por construir uma central

de “aristocracia operária”73. Ao contrário, buscaram ativamente a incorporação de todos os

segmentos da classe trabalhadora.

Isso se refletiu no Estatuto da CUT: admitia a filiação de entidades de trabalhadores,

fossem eles assalariados ou não. E na sua prática: forte presença e políticas ativas em relação

aos trabalhadores rurais (pequenos produtores e assalariados).

No entanto, na década de 1990 agudizaram as contradições no seio da classe

trabalhadora. Exacerbaram as tensões corporativas. E os trabalhadores dos setores dinâmicos

estavam no foco das políticas empresariais de “parceria” e “competitividade” que visavam ao

seu afastamento de qualquer noção de “classe trabalhadora”. Frente à pauta neoliberal de

reformas, recorrentemente a CUT foi pressionada por essa “particularização” de interesses,

colocando-se, então, em questão, aquela vocação unificadora da classe trabalhadora.

73 Para formuladores sindicais do PCB, por exemplo, a CUT era expressão da “aristocracia operária” que fazia o jogo do grande capital internacional e o PT o partido (“social-democrata”) dessa fração do proletariado.

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d) A relação da CUT com os excluídos – No início da década de 1980, havia uma

intensa relação entre movimento sindical cutista e outros movimentos sociais. Essa

característica teve grande influência sobre o rumo que a luta sindical tomou nessa década. Por

exemplo, em 1982-1984, quando da crise do desemprego, houve explosões populares e o

surgimento de um movimento (embrionário) de desempregados auxiliados pelos sindicatos da

CUT em São Paulo. No seu esforço por se firmar como central sindical, houve uma mudança

de postura nos finais dessa década. Reflexo disso é que no III CONCUT (1988) foi realizado

um debate opondo um projeto de “central de trabalhadores” (defendido pela corrente CUT

Pela Base) e outro de “central de sindicatos” (Articulação Sindical), optando-se pelo segundo,

cujo eixo era o Contrato Coletivo Nacional.

A década de 1990 teve como traços característicos a elevação da taxa de desemprego e

o crescimento acelerado do mercado informal de trabalho, fazendo com que os trabalhadores

do setor formal já fossem minoria, considerando-se o total da classe trabalhadora. Ao longo

desses anos, os excluídos estiveram presentes nos discursos e resoluções da CUT. No entanto,

são praticame nte inexistentes as iniciativas políticas e organizativas gerais e sistemáticas em

relação a esses trabalhadores.

Há que se considerar, porém, que o desemprego é um elemento-chave da

desintegração do movimento unitário da classe trabalhadora. O grau de competitividade e de

individualismo a que os trabalhadores foram levados na década de 1990 encontra parâmetros

de comparação no processo idêntico na década de 1980, nos países centrais do capitalismo

(Cruz, 2000, p. 124).

Em 1992, a CUT Nacional aprovou um eixo estratégico para a organização dos

trabalhadores do setor informal. Os “autônomos urbanos” foram definidos como um dos

“ramos” da CUT. Apesar desses avanços, não se conseguiu generalizar a política nem dar

continuidade a essas experiências.

Em relação aos desempregados, o quadro era ainda pior. O desemprego crônico e em

elevação não levou a iniciativas organizadas junto a esses trabalhadores. Destaca-se, porém,

que o sindicalismo cutista, em anos mais recentes, entrou em contato com esse segmento

através dos programas de formação profissional e intermediação de mão-de-obra finaciados

pelo FAT. É um passo positivo. Mas fica a questão: o que significa o sindicalismo cutista dar

“assistência” aos desempregados e trabalhadores precários sem buscar organizá -los?

e) A CUT, unitária, plural, democrática – A CUT foi fundada num turbilhão político

no qual se unificaram setores de origens, tradições e concepções diversas. No seu momento de

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fundação e no seu processo de construção, houve uma decantação que a definiu como uma

central sindical “de esquerda”, sem que isso significasse uma determinada esquerda

(partidária, ideológica).

O crescimento da CUT atraiu novos setores, novas tradições e novas práticas, o que

em um período como a década de 1990, com questões em aberto como as colocadas acima,

significou um enorme desafio político-organizativo.

Pela sua trajetória, a CUT assumiu um caráter marcadamente “federativo”. No entanto,

para responder as estratégias neoliberais e empresariais que visam a dispersar e fragmentar a

contratação é necessário um alto grau de unificação no ramo. A questão que persiste: qual

deve ser o método para unificar visões diferentes de como enfrentar a pauta empresarial?

Aqui reside a polêmica com a proposta de “sindicato nacional” da Articulação Sindical.

3.6 O PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT

O Partido dos Trabalhadores foi fundado em janeiro de 1979, mas só obteve o registro

definitivo em fevereiro de 1982. No II Encontro Estadual de Sindicalistas do PT-PE, em 8 de

agosto de 1987, Luís Inácio da Silva,74 um dos criadores e presidente de honra do partido,

realizou uma avaliação do PT desde seu surgimento e crescimento, detendo-se no processo de

construção do PT como um partido de massas, conforme delineado a seguir.

3.6.1 Criação e crescimento do PT na visão de Lula (Luiz Inácio da Silva)

O partido surgiu depois que um grupo de sindicalistas tomou consciência de que o

movimento sindical brasileiro, ou o movimento sindical por si só, não dava resposta a todos

os problemas da classe tr abalhadora. Foi a partir de uma experiência rica de várias greves, de

várias categorias, que se descobriu que o espaço do sindicato era um tanto limitado e de que

era preciso abrir as fronteiras de compreensão da classe trabalhadora para que ela não ficasse

e não continuasse estimulada apenas a reivindicar, mas que fosse despertada nos trabalhadores

a idéia de que eles teriam como fim a chegada ao poder.

Segundo Lula, não foi fácil o início. Ele lembrou das reuniões, no final de 1979,

quando vários companheiros sindicalistas se colocavam contra a criação de um partido

político. Alguns diziam que a classe trabalhadora não tinha que se meter em política, que a

74 In: O PT e o Movimento Sindical. Porto Alegre: Secretaria Sindical, RS, ago./1988.

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classe trabalhadora deveria apenas ficar na luta sindical. Outros diziam que não era o

momento de a classe trabalhadora criar o partido político. E outros ainda diziam que criar o

partido era, na verdade, praticar o divisionismo. Alguns sindicalistas queriam que os

participantes das reuniões ficassem no PMDB. Foram necessárias inúmeras reuniões com

vários sindicalistas para se descobrir por que algumas pessoas não queriam a criação do PT. E

ele, Lula, veio a descobrir, seis meses depois da idéia de criar o PT, porque seu companheiro,

Arnaldo Gonçalves de Santos, por exemplo, não queria que se criasse o PT. Ele não queria

criar o PT porque era do PC e achava que este partido era o partido da classe trabalhadora.

Lula descobriu também por que outros companheiros, que tinham uma militância

constante junto com ele, não queriam criar o PT, e cada vez que se começava a discutir, eles

se levantavam da mesa e iam embora em forma de protesto. Era porque eles participavam do

MR-8 e achavam que o 8 era o partido da classe trabalhadora. Da mesma forma, Lula

descobriu que alguns outros companheiros também não queriam criar o PT porque achavam

que o PC do B era o partido da classe trabalhadora. Descobertos os motivos por que muitos

sindicalistas não queriam criar o partido, isto é, por que eles já tinham o partido deles e

queriam evitar que a classe trabalhadora criasse o seu próprio instrumento de luta. Chegou-se

à conclusão que urgia criar um partido político para que começasse a despertar no trabalhador

a idéia de que as reivindicações econômicas, por si só, não resolviam os problemas da classe

trabalhadora, que a luta econômica não questionava o sistema, e que era preciso questionar o

sistema. De que a luta econômica não colocava para a classe trabalhadora com objetividade, a

necessidade da classe chegar ao poder. E era preciso despertar na classe trabalhadora uma

consciência de que ela deveria governar o país, o Estado e o município.

Criado o PT, sua história registra que em sete anos o Partido dos Trabalhadores

cresceu muito, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, mais que o PTB (sendo o partido

de Getúlio Vargas) em quinze anos. Isso, no entanto, não significava que não ocorressem

falhas nos procedimentos e que não se necessite aprofundar uma discussão ideológica dentro

do PT, discutir que tipo de partido se quer, sua organização, a partir de objetivos definidos

desde o início; que era a criação de um partido subordinado à existência de núcleos de base e

de categorias, de movimentos sociais e núcleos por local de estudo.

Lula exortou os companheiros, enquanto sindicalistas, a perceberem as falhas que

poderiam existir no PT, pois na criação deste instrumento se deveria acreditar que era um dos

caminhos que a classe trabalhadora tinha para conseguir a sua independência e sua liberdade.

Colocando em questão, por que era mais fácil um companheiro sindicalista se

internizar dentro do sindicato do que se dedicar ao partido, Lula também fez ver que no

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sindicato, às vezes, a luta acontecia até independente da atuação dele, que, às vezes, no

sindicato a luta acontecia porque a categoria dentro de uma fábrica ia para a luta independente

do sindicato. A luta era mais imediata, mais diária. Era luta por equipamentos e segurança no

trabalho e por alimentação, por aumento de salário. E em um partido político a luta não

poderia ser assim ou ter essa finalidade. Num partido político a luta não acontece

simplesmente; seus membros têm de produzi-la.

“O movimento sindical não é, como querem dizer, uma entidade revolucionária”

(Lula, 1988). O movimento sindical é uma entidade que existe para tentar minimizar, ou

melhorar o relacionamento capital e trabalho. Mas quem vai fazer a grande luta revolucionária

é o partido político. Se é o PT, diz Lula, cabe a cada sindicalista perguntar a sua consciência.

O importante é ter claro que o movimento sindicalista é fundamental como instrument o de

conscientização, pois possibilita o avanço da classe trabalhadora.

A classe trabalhadora, porém, precisa sonhar com algo mais, com algo muito mais

importante que a luta sindical, segundo Lula, que é a participação decisiva de uma concepção

sindical, que resultou na criação da CUT. Ele confessou que poderia estar muito orgulhoso

porque participou de forma decisiva na construção do PT. Por essas idéias, em 1981, a

diretoria do sindicato de São Bernardo do Campo concluiu que Lula precisava afastar-se do

sindicato porque ele estava sendo um prejuízo para o mesmo (ibidem).

Lula procurou esclarecer que o caminho do sindicato era tão pequeno que com o

tempo se perceberia que não levava a lugar nenhum. A saída contra a política econômica do

governo era política. Luiz Antônio Magri asseverava que a política não tinha que se meter

com sindicato. Que sindicato era para conquistar melhores condições de vida, que estabilidade

não era para discutir na lei, que 40 horas não era para discutir na lei, que era relação patrão-

empregado. Enquanto isso, o PT e a CUT não faziam nada para responder a isso porque, “nós

perdemos metade do nosso tempo brigando contra nós mesmos; quando deveríamos brigar

com os nossos inimigos lá fora” (ibidem). O discurso de Magri não atendia a categoria

metalúrgica, estava sendo transmitido em nível nacional. Somente em nível de partido poder-

se-ia responder a um discurso dessa natureza. Daí Lula falar da importância de se assumirem

compromissos com a construção do PT.

Certo ou errado, o PT seria aquilo para que fora criado. Seria o partido que tentaria dar

conta da questão para a qual era preciso ainda, encontrar uma forma de adequar a militância

sindical à militância política porque, enquanto os sindicalistas tentavam fazer política nas

horas vagas, a burguesia fazia política 24 horas por dia.

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Ao final desse Encontro, foram lançadas as bases para a construção do partido nos

locais de trabalho, a partir da construção de núcleos por categoria e local de trabalho.

3.6.2 A proposta de construção do PT – construir núcleos por categoria ou local de

trabalho

I) Apresentação da proposta

A construção do PT como um partido de massas consistia num processo amplo e

complexo. O aprofundamento das discussões sobre o socialismo, a intervenção na conjuntura

e o aperfeiçoamento da democracia interna situavam-se como desafios a serem superados.

Além desses, existiam ainda outras tarefas que não poderiam ser adiadas, sobretudo a

construção de um partido organicamente integrado com a sua base social, como todos os que

criaram o PT querem que ele seja. Foi nesse sentido que se inscreveu o passo decisivo na

construção de núcleos por categoria ou local de trabalho.

Uma das metas do trabalho da Secretaria Sindical era que os sindicalistas que atuavam

na área sindical passassem a intervir de maneira orgânica na vida do Partido e

simultaneamente começassem a implementar a construção do Partido nos locais de trabalho.

Se o PT estava estruturado fundamentalmente a partir dos locais de moradia, o

investimento na construção do PT nas fábricas e nas empresas era fundamental, pois era nos

locais de trabalho que as principais contradições entre o capital e o trabalho se mostravam de

maneira mais clara. Conseqüentemente, nos locais de trabalho o PT possuia todas as

possibilidades de crescer e influenciar decididamente nos rumos das lutas da classe

trabalhadora e contribuir para um salto no nível de consciência da classe rumo à construção

do socialismo.

II) Organização da base social do Partido: os trabalhadores

Construir um Partido com força para mobilizar as massas na direção do socialismo, fez

parte de todas as resoluções básicas do PT. Vivia-se há vários anos um período de maior

quantidade e densidade das lutas sociais no Brasil. Mas, na prática, o PT não fizera o

suficiente neste sentido. A falta de nucleação dos petistas dentro dos organismos de massa era

uma lacuna a ser superada.

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Um Partido dos trabalhadores e socialista, para ser capaz de articular as lutas sociais,

deveria relacionar-se organicamente com sua base social: os trabalhadores. Não só os

trabalhadores nos centros cruciais de produção industrial e agrícola, mas também os

assalariados em geral.

A base social do PT era formada por toda a classe que era obrigada a vender sua força

de trabalho (em 1988, setenta por cento da população). Era essa classe que formava a base

para a conquista do poder e uma sociedade socialista amanhã. Dessa perspectiva, a nucleação

por categoria ou local de trabalho, do ponto de vista orgânico, era prioritária.

Uma constatação comum no PT era de que vários petistas com posição de destaque no

movimento sindical e popular não mantinham uma militância propriamente partidária, estando

afastados da estrutura orgânica do Partido. Para avançar neste sentido, indispensável se fazia

ganhar a adesão dos militantes sindicais para, juntamente com o conjunto do Partido, construir

os núcleos por categoria ou local de trabalho e não apenas para uma filiação sem

compromisso.

III) As propostas e as tarefas

1. Concepção do núcleo por categoria ou local de trabalho

O núcleo por categoria ou local de trabalho era um organismo do Partido como um

outro qualquer, com a peculiaridade da sua base, isto é, o núcleo não pode estava voltado

apenas para a atividade sindical, mas sim para o conjunto da ação partidária. Assim, o núcleo

deveria combinar duas tarefas: dirigir politicamente a sua categoria, integrando-a a todas as

atividades do Partido, e, além disso, desempenhar um papel na definição do conjunto da

política do PT.

Todas as lideranças petistas deveriam participar dos núcleos. Todos os

encaminhamentos entre a direção do PT e as lideranças das categorias deveriam passar pelos

núcleos do Partido.

Os núcleos por categoria poderiam ser gerais ou, quando necessário, por sub-regiões, e

por local de trabalho. No caso de haver vários núcleos na mesma categoria, deveria haver

alguma forma de coordenação entre eles de modo que fosse garantida a atuação unitária dos

petistas da categoria. Nesse caso, a coordenação deveria ser formada por represe ntantes dos

núcleos. Esta coordenação deveria ser subordinada naturalmente à linha geral do Partido e às

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suas instâncias de direção. Para discussões de maior importância da categoria, deveriam ser

convocadas plenárias gerais de todos os seus núcleos.

As coordenações deveriam ser acompanhadas pela Secretaria Sindical e pela

Secretaria de Organização, de forma a garantir o seu vínculo com a política geral do Partido.

Além disso, para garantir uma atuação unitária em campanhas unificadas, na CUT, por

exemplo, a Secretaria Sindical poderia promover reuniões intercategorias.

2. Regimento Interno (Síntese do Capítulo I – dos núcleos)

a) As funções dos núcleos:

- organizar a ação política dos filiados, segundo a orientação dos órgãos de deliberação

e direção partidária, estreitando a ligação do Partido com os movimentos sociais;

- apreender e assimilar, transmitindo ao Partido e ao conjunto da sociedade, a realidade

existente, as condições de vida, do trabalho e de estudo, bem como os problemas e aspirações

dos trabalhadores em suas áreas de atividade;

- participar no âmbito do programa e das resoluções das convenções e demais órgãos

de direção de nível superior da elaboração, da orientação e das políticas setoriais do Partido,

buscando caminhos próprios para transmiti-las aos trabalhadores e respeitando as condições

concretas e específicas de sua área de atividades, entre outras das que constam no artigo 3º do

Regimento do PT.

Conforme definido nos Estatutos, os núcleos poderiam ser de quatro tipos: a) por local

de moradia; b) por categoria profissional; c) por local de trabalho e de estudo; e d) por

movimentos sociais (art. 4º). A definição dos limites territoriais dos núcleos por local de

moradia, categoria e de estudo ficaria a cargo do diretório municipal ou distrital

correspondente (art. 5º). Era proibida a participação do filiado em mais de um núcleo do

mesmo tipo (§ único).

3. Plano de prioridades de construção de núcleos por categoria ou local de trabalho

A construção dos núcleos por categoria ou local de trabalho, na amplitude necessária,

seria um processo que iria necessitar da vontade política, recursos e um certo tempo para

alcançar uma dinâmica estável e auto-sustentada. Há época em que foi elaborada a proposta, o

principal era superar a inércia. Nesse sentido, a concentração de esforços estava na criação de

alguns exemplos de categorias importantes – metalúrgicos, bancários, professores,

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funcionários públicos, metroviários, sapateiros, vestuários, comerciários, rodoviários,

ferroviários, telefônicos, aeroviários, eletricitários, trabalhadores rurais, petroquímicos,

químicos, petroleiros.

Portanto a prioridade era: a) um trabalho de contato e discussão com as lideranças

petistas dessas categorias; b) elaborar em cada categoria um cronograma de reuniões e

atividades para a construção do núcleo, organizando recursos, local, data fixa de reunião

mensal e debates.

Em conclusão: o PT apoiava e defendia a total liberdade e autonomia dos sindicatos,

um salário mínimo condigno e unificado, as reivindicações dos assalariados e uma política

externa independente. A base eleitoral do partido se localizava principalmente nos estados de

São Paulo (com concentração no ABC paulista), Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande

do Sul. Nas três últimas eleições pres idenciais (1989, 1994 e 1998), seu candidato, Luís

Inácio Lula da Silva, o LULA, foi o segundo mais votado.

3.7 A CONFERÊNCIA NACIONAL DA CLASSE TRABALHADORA - CONCLAT

A 1ª CONCLAT foi realizada entre 21 e 23 de agosto de 1981, na Praia Grande, litoral

paulista, região onde estavam instaladas muitas colônias de férias de sindicatos. Organizado

por um conjunto mais abrangente do movimento sindical, o evento teve grande impacto diante

da situação política nacional, representando um forte impulso para a luta dos trabalhadores do

campo e cidade pelo fato de ter sido a “primeira (e última) grande conferência em que

participaram todas as frações militantes do meio sindical”, asseverava Leôncio Martins

Rodrigues (apud Rodrigues, 1997, p. 95), em 1981, e evidenciado por Menezes e Sarti

(ibidem) ao referirem:

Participaram dessa conferência 5.427 delegados que representavam 1.126 entidades sindicais. Além disso, estiveram presentes 480 sindicatos urbanos com 3.108 participantes, 384 sindicatos rurais 75 representados por 969 trabalhadores, 49 delegados em nome de 32 associações de funcionários públicos (incluindo aí uma delegação do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul – CPERS) 76, 176 associações pré-sindicais com 875

75 Segundo Novaes (1991, p. 173), o campo participou da I CONCLAT com 348 sindicatos, 17 federações e com sua Confederação, a CONTAG, totalizando 1.200 delegados. Essa expressiva delegação chamou a atenção de todos ali presentes e dos estudiosos do sindicalismo no Brasil, pois para muitos as lutas no campo se resumiam à história das Ligas Camponesas, reprimidas e desbaratadas após o golpe militar de 1964. Enquanto Martins, citado por Novaes, afirma que a CONTAG foi o maior legado das lutais sociais que ocorreram no campo brasileiro nos anos 60, através dela se colocava a possibilidade de superação da fragmentação e do isolamento que comprometiam a eficácia e repercussão política dessas mesmas lutas. 76 Oliveira (1989, p. 11).

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delegados, 134 representantes de 17 federações rurais e 22 delegados representando 4 confederações: trabalhadores em comunicação, agricultura, servidores públicos e professores.

A organização da CONCLAT foi precedida de reuniões nos estados, os encontros

Estaduais da Classe Trabalhadora (ENCLATS), em dezesseis estados da federação e mais o

Distrito Federal. Houve uma ampla preparação que levou à conferência da Praia Grande. Esse

fato mostrava a capacidade de organização dos ativistas sindicais que vinham se acumulando

desde a década de 1970. Além do plano de lutas, a CONCLAT discutiu a constituição de uma

central sindical, proposta que amadurecia antes no movimento sindical brasileiro.

A I CONCLAT foi um sucesso. As diversas correntes e perspectivas do movimento

sindical brasileiro tiveram, depois de vários anos de repressão, um espaço legítimo para

divergir, discutir, tentar acordos, medir forças e fazer crescer a consciência política dos

delegados rurais e urbanos e representantes de entidades presentes. E se a reorganização

sindical ocorreu rapidamente, conforme observaram alguns, essa atividade já vinha se

desenvolvendo de forma mais acentuada desde 1978, possibilitando que os trabalhadores

pudessem ter um lugar na nova ordem democrática que, nesse momento, começava a ser

vislumbrada. Aliada a essa forma organizativa que o movimento sindical mostrou na I

CONCLAT, evidenciava -se, também, a expressão da capacidade política e decisão dos

trabalhadores de influir no processo político.

As resoluções no tocante aos problemas sociais nessa reunião explicitaram essas

demandas do movimento sindical.

Entre as propostas mais gerais discutidas, sobressaem a defesa da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, precedida das seguintes condições: 1) liberdade de manifestação, reunião e organização para todos os setores da sociedade; 2) efetiva liberdade de expressão de todos os partidos e correntes políticas; 3) anistia ampla e irrestrita, que extinga todas as punições políticas e sindicais; 4) livre e igual acesso aos meios de comunicação de massa, rádio, jornal e televisão, para todos os partidos políticos e entidades sindicais de trabalhadores da cidade e do campo; 5) fim de toda legislação de exceção e arbítrio e desmantelamento de todos os organismos de repressão; 6) que o governo que a convoque seja o resultado da expressão da luta dos trabalhadores da cidade e do campo (Rodrigues, 1997, p. 96).

O movimento sindical, desenvolvendo um programa onde prevaleceu um conteúdo

profundamente democrático, dizia um contundente não ao regime autoritário instaurado em

1964. Entretanto isso só foi possível porque o período mais difícil do ponto de vista político

do modelo autoritário implantado já havia passado. O simples fato da realização da I

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CONCLAT significava que o regime militar estava em crise, isto é, saindo de cena. Daí que,

para Rodrigues (1997, p. 96-97), o importante era ressaltar que de parte do movimento

sindical havia um discurso antiautoritário e democrático voltado para os problemas políticos

enfrentados pelo país naquele momento. Nessa perspectiva, as resoluções da I CONCLAT

focalizaram também os temas: direito ao trabalho, sindicalismo, saúde e previdência social,

política salarial, política econômica, reforma agrária e o plano de lutas.

Ao movimento sindical para se fazer presente na esfera pública e, ao mesmo tempo, se

confrontar com o regime militar, era necessária a apresentação de um plano alternativo para o

país que representasse, em seus vários contornos, por vezes contraditórios, os anseios de

amplas camadas das classes traba lhadoras e que estivesse em sintonia com demandas mais

gerais da sociedade civil. Desse modo, o plano de lutas, mais que um simples programa para o

movimento sindical, era um conjunto programático extremamente detalhado e abrangente,

mais parecendo um plano de governo.

O resultado foi que as conclusões dessa conferência, representando a afirmação do

poder dos trabalhadores ante o Estado e à sociedade, demarcaram um campo mais geral que

setores ponderáveis dos assalariados deveriam, a partir daí, levar em conta. Embora isso tudo,

a composição do encontro levou a plenária a uma profunda divisão entre dois principais

blocos: de um lado, o bloco dos sindicalistas combativos, de outro, os alinhados com o bloco

da reforma, ou da unidade sindical, que se mostrará crucial para a eleição da Comissão Pró -

CUT, cujo principal objetivo era levar adiante as resoluções tiradas e preparar, em agosto de

1982, o Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras que criaria a CUT.

O confronto entre as duas principais correntes do movimento sindical, mostrado com

nitidez na I CONCLAT, passou para o interior da Comissão Nacional Pró-CUT, e em 7 de

agosto de 1983, na reunião dessa comissão, para a organização do I Congresso Nacional da

Classe Trabalhadora (I CONCLAT), houve a divisão entre as duas principais tendências do

movimento sindical brasileiro: de um lado, o bloco combativo, e, de outro, os membros da

Unidade Sindical. O bloco combativo realiza entre 26 e 28 de agosto o seu Congresso

Nacional e ao final cria a Central Única dos Trabalhadores.

O I CONCLAT definiu um plano de lutas e deu relevo a dois temas: a criação da CUT

e a greve geral. Entre suas resoluções delinearam-se algumas das características da futura

Central Única de Trabalhadores: a) autonomia dos sindicatos diante do Ministério do

Trabalho; b) reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); d) direito de greve e de

sindicalização dos funcionários públicos; d) articulação das reivindicações sindicais com as

questões políticas nacionais: política econômica; e) fim do regime militar, destruição de todos

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os aparelhos de repressão; f) convocação de uma Assembléia Nacional constituinte, anistia,

liberdade de reunião, manifestação e organização de todos os setores sociais, liberdade de

organização dos partidos e correntes políticas; reforma agrária e da previdência social

(Schürmann, 1998, p. 66).

Decidida a criação da CUT, em agosto de 1983, já no ano seguinte realizou-se o I

Congresso Nacional da CUT (I CONCUT), em São Bernardo do Campo, com o objetivo de

fazer uma avaliação do primeiro ano de vida da CUT, discutir a situação política e econômica

e consolidar definitivamente a CUT. Na sistematização dos aspectos relevantes dos CONCUT

que se seguiram a esse primeiro CONCUT, encontrava -se o II CONCUT realizado em julho/

agosto de 1986, no Rio de Janeiro, tendo como um dos pontos altos a proclamação de que a

CUT lutava por uma sociedade socialista.

Em setembro de 1988, se realizava o terceiro congresso em Belo Horizonte e o tema

predominante foi a modificação dos estatutos, o qual modificou a estrutura dos congressos da

CUT, estabelecendo uma relação entre os congressos regionais, estaduais e nacionais. A

trajetória da CUT desde sua fundação até o seu terceiro congresso nacional representou o

período de sua construção e afirmação, cuja fase mais movimentista, libertária, socialista e

conflitiva, embora heróica, encerrava-se com o III CONCUT (Rodrigues, 1997, p. 100-118).

O IV CONCUT ocorreu em setembro de 1991 na capital paulista e significou avanços

em relação à democratização, através da instituição da “proporcionalidade qualificada” na

composição das direções, com votos de delegados do setor majoritário que se opunha a essa

medida, entretanto usou-se de expedientes antidemocráticos para impedir sua incorporação

nos Esta tutos da Central (Martins, Rocha, Batista et al., 1996, p. 3). Conforme Rodrigues

(1997, p. 182), a eclosão de profundas divergências dividiram este CONCUT em dois blocos

fundamentais:

...de um lado, a tendência Articulação, em aliança com a Nova Esquerda, a Vertente Socialista e a Unidade Sindical e, do outro lado, todas as outras tendências, capitaneadas pela CUT pela Base, Corrente Sindical Classista, Convergência Socialista, Força Socialista e outros pequenos grupos que se estruturaram no que os sindicalistas denominavam de “Antártica”, significando antiArticulação.

Vale lembrar que a realização desse congresso ocorreu em uma conjuntura

extremamente difícil para o movimento sindical. Em dezembro de 1989, a vitória de Fernando

Collor para a presidência da República funcionou como uma ducha de água fria para amplos

setores do PT, da esquerda, e, principalmente, do movimento sindical. A eleição de Collor

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representou a vitória de um projeto neoliberal, claramente delineado, colocando o

sindicalismo em uma posição ainda mais defensiva. Esse fato, aliado às transformações

propiciadas pela reestruturação produtiva, à crise dos sindicatos no âmbito internacional e ao

desmoronamento do chamado “socialismo real”, criaram um estado de perplexidade e

paralisia no sindicalismo-CUT, situação que já vinha desde o III CONCUT, em 1988

(Rodrigues, 1997, p. 182).

Nas resoluções da 5ª Plenária Nacional (1992) e sobretudo do V CONCUT, realizado

em maio de 1994, os referidos autores lembram que os sindicatos filiados foram-se

acomodando cada vez mais à herança da estrutura sindical getulista, enquanto a Central

incorporava como parte de seu orçamento as receitas vindas do repasse dos sindicatos filiados

em conceito de “imposto sindical”. Enquanto no VI CONCUT esperava-se a apr ovação de

resolução no sentido de que as entidades para continuar filiadas à Central (CUT)

renunciassem à cobrança do imposto sindical (a partir de 1988).

Retornando a novembro de 1983, verifica-se que em Praia Grande (SP) foi constituída

a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), transformada em 1986, em

Central Geral dos Trabalhadores (CGT), conforme assinala Rodrigues (1997, p. 242):

A CGT é fundada em março de 1986, por ocasião do II Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, no município de Praia Grande, litoral de São Paulo. Esta central sindical substituía a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), que manteve este nome no congresso realizado em novembro de 1983, alguns meses após um bloco de sindicalistas combativos , tendo à frente o Sindicato de São Bernardo, ter fundado a CUT. A CONCLAT representava, principalmente, aqueles sindicatos que se congregavam em torno da Unidade Sindical. Além de setores independentes, participavam da Central Geral dos Trabalhadores militantes sindicais do PMDB, PCB, MR-8 e PcdoB. No congresso de 1986, que contou com a participação de 5.546 delegados, foram aprovadas, entre outras, as seguintes resoluções: suspensão do pagamento da dívida externa, “defendida pelo Partido Comunista do Bras il (PcdoB) numa renhida disputa em plenário com o MR-8, cujos militantes se posicionaram pela moratória”; apoio ao Plano Cruzado, com restrições aos aspectos salariais; no campo estritamente sindical, oposição à ratificação da Convenção 8777 de Genebra, que defende

77 A Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre “Liberdade sindical e proteção do direito sindical” foi aprovada em 1948, na 31ª sessão da Conferência Geral da OIT, realizada em São Francisco (EUA). No Brasil, se a Convenção fosse ratificada, teria que ser praticamente eliminado o título 5º da CLT, que vai do art. 511 até o art. 610. Isto significava uma completa reviravolta na estrutura e organização sindical brasileira, atendendo-se, pelo menos no plano legal, a antiga reivindicação dos trabalhadores de liberdade e autonomia sindical . De fato, pela Convenção 87, o governo não pode mais interferir na vida dos sindicatos; não pode cassar as diretorias eleitas pelos trabalhadores; não pode impor o Estado padrão, nem o enquadramento sindical; não pode impedir os funcionários públicos de se organizarem em Sindicatos; não pode interferir nas contas e destinação do orçamento dos sindicatos (como, por exemplo, para o Fundo de Greve). Encaminhado ao Congresso Nacional em maio de 1949 pelo então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, o projeto ficou nas gavetas porque nenhum dos governos que vieram depois tinham interesse em aprovar o texto da Convenção porque implicaria a revogação da essência da legislação brasileira nessa área, derrubando de cima abaixo a

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a liberdade e o pluralismo sindical, ou seja, a unicidade sindical. No mesmo congresso foi eleito como presidente Joaquim dos Santos Andrade, do sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Em abril de 1989, Antônio Rogério Magri foi eleito presidente da CGT em um congresso extremamente tumultuado, ocorrido também na Praia Grande.

Em suma, a importância da CONCLAT, conforme referido anteriormente, e

reafirmado por Schürmann (1998, p. 66), foi a de ter sido a primeira e a última vez em que

todas as tendências sindicais se uniram em torno de uma conferência e encontraram espaço

para discutir e divergir. A presença de mais de 5.000 delegados em um sindicalismo sob forte

controle estatal significou a utilização da infra -estrutura sindical permitida pelo governo em

uma direção não prevista por este.

3.8 CENTRO DE PROFESSORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – CPERS

No interior das greves de classe média, predominava amplamente a ação grevista do

funcionalismo público federal, estadual e municipal. Em 1986, esses funcionários foram

responsáveis por 75% das jornadas não trabalhadas por motivo de greve em todo o país. Em

1987, essa participação cresceu para 79%, conforme Noronha e Almeida, citados por Boito Jr.

(1991, p. 65). O perfil diferenciado das greves do funcionalismo público teve uma de suas

razões de ser no fato desse movimento não se encontrar, ainda, integrado à estrutura sindical.

O movimento era mais maciço e unificado, pois não se encontrava legalmente segmentado e

dividido por categorias, por municípios e pelo sistema de datas base, como ocorria com os

trabalhadores do setor privado. O movimento não realizava, tampouco, greves demonstrativas

para suscitar a intervenção tutelar da Justiça do Trabalho, que eram greves curtas, mas, sim,

greves de luta, e, portanto, mais prolongadas (Boito Jr., ibidem). Esse perfil contrastava

também com o padrão de ação sindical próprio do sindicalismo populista como mostrava o

caso do CPERS78.

O Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS), fundado em 21 de

abril de 1945, como Centro dos Professores Primários Estaduais (CPPE) 79, durante o período

estrutura sindical atrelada ao Estado. (CUT – Por uma nova estrutura sindical. Subsídios para discussão. São Paulo: Secretaria de formação CUT Estadual, 1984, p. 6-8). Cabe observar que se depreende desses subsídios que a CUT apoiava a ratificação da Convenção 87. Na CONCLAT-CGT, havia uma tendência contrária à ratificação, segundo avaliação de que a eliminação da imposição legal da unicidade sindical e a eliminação do imposto sindical provocariam a divisão dos sindicatos e o aprofundamento das suas dificuldades financeiras. 78 Estudo de caso feito pelo pesquisador que analisa a contribuição do CPERS/Sindicato para eleger o projeto popular contra o projeto neoliberal apresentado ao final desta dissertação. 79 O Centro dos Professores Primários Estaduais (CPPE) foi fundado “dentro de uma conjuntura política de abertura democrát ica estabelecida em nível nacional e estadual com a participação do Brasil na II Guerra ao lado

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de 1972 a 1979, passou por profundas transformações na sua estrutura, aparecendo um perfil

sindical na entidade e o começo da construção do conceito de professores como trabalhadores.

... tanto a nível de reivindicações quanto de sua organização; seja no que diz respeito a seus associados, com a quebra da visão da atuação do professor como “sacerdócio”, visão até então largamente difundida entre o magistério gaúcho, que consistia basicamente da negação do exercício do magistério como profissão, não considerando o professor como trabalhador. A partir da quebra da visão do magistério vai sendo constituído o conceito de professores como trabalhadores e nota-se a formação de um perfil sindical na categoria. Uma categoria, até então pouco envolvida em questões reivindicatórias, na vanguarda da luta dos trabalhadores por melhores condições salariais e de trabalho no fim dos anos 70 (Duque, 1998, p. 11).

O crescimento considerável na mobilização dos professores públicos estaduais

gaúchos nesse período foi acentuado a partir de 1976 com o aumento das filiações ao CPERS

(que passa de 16.371 sócios para 42.775, significando um salto dos associados no magistério

estadual de 30%, em 1974, para um percentual de 49%, em 1979) 80 e a liderança da entidade

no comando da categoria.

O nascimento do CPERS, que se transformou num dos maiores sindicatos da América

Latina, apresenta uma trajetória marcada pela luta em defesa dos direitos de seus associados e

da liberdade e organização da sociedade.

A iniciativa pioneira de cinco professores se transformou, ao longo de cinco décadas,

em uma poderosa entidade com ampla sede própria em Porto Alegre e 42 núcleos espalhados

por todo o Estado do Rio Grande do Sul. Reúne, atualmente, cerca de 83 mil associados, entre

professores e funcionários de escola.

O CPERS começou modesto, em pequenas salas alugadas, cresceu aos poucos, fruto

de muitos sacrifícios e esforços de uma categoria unida e determinada. A mobilização

impulsionou a entidade ao longo dos anos. As conquistas trouxeram novos sócios e as

derrotas se transformaram em combustível para novos avanços e muita luta.

Os anos trouxeram também o reconhecimento de toda uma categoria e o respeito em

todo o Estado, ganhou o cenário nacional e internacional, transformando-se em referência

para o movimento sindical e a sociedade civil organizada.

dos Aliados” (Pacheco, 1993, apud Duque, 1998, p. 10). Segundo este autor, as restrições à autonomia profissional dos professores eram marcantes, se fazendo necessária a criação de uma entidade que defendesse o interesse dos professores primários. Em 1972, a partir da Reforma de Ensino realizada com a Lei 5691/71, o CPERS alterou seu estatuto, passando a associar também professores de nível médio (Duque, idem ). 80 Cfe. Luís Guilherme Ritta Duque (1998, p. 19).

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Em 1980, o governador do Estado virou as costas à educação pública e não cumpriu

promessas, a categoria pressionou com mais paralisações. O Acordo/80 que pretendia garantir

as reivindicações voltadas para uma educação democrática e com estabilidade salarial,

firmado entre as partes, não foi cumprido pelo governo estadual. Tal situação provocou uma

das maiores assembléias da classe, reunindo 24 mil professores. Em 1982, a categoria buscou,

novamente, através da greve, a aplicação do Acordo/80.

Entre 1982 e 1987, houve poucos avanços nas reivindicações salariais e discussões

sobre a escola pública, embora o CPERS assumisse uma postura combativa e evidenciasse um

exemplo de ação concreta, realizando greves prolongadas, sendo que “a partir de 1985, a

sineta passou a ser o símbolo do magistério gaúcho, embora a entidade tenha sua bandeira e

um hino oficial” (CPERS 50 anos, 1995, p. 29). Mesmo assim, em 1987, o espaço

democrático para as discussões com o governo peemedebista não existia. A resposta da

categoria, no entanto, se fazia sentir com intensidade. O governo de Pedro Simon amargou 96

dias de greve, a maior da história do professorado gaúcho, e uma das maiores em termos de

Brasil e de América do Sul, com sinetaços durante os quatro anos, pois novas paralisações

sucederam-se em 1988, 1989 e 1990.

Não bastasse as arbitrariedades dos governos do Estado no período, o novo

governador, Alceu Collares, que entrou no Palácio do Piratini em 1991, acabou com as

eleições para diretores de escola, suspendeu a cedência dos diretores de núcleo, implantou o

Calendário Rotativo e promoveu o maior achatamento salarial da história dos trabalhadores

em educação.

Encontra-se, portanto, no CPERS, o mesmo clima de insatisfação dos trabalhadores

gerado pela política salarial do governo militar, aliado ao processo de abertura política, que

vai gerar rearticulação do movimento sindical, impulsionado pela emergência do “novo

sindicalismo”, nascido no ABC paulista. A soma desses fatores teve como resultado a

explosão de greves ocorridas no Brasil a partir de 1978. A característica principal do CPERS,

na conjuntura de abertura política e de emergência do novo sindicalismo, encontrou terreno na

transformação ocorrida na sua estrutura, formas de reivindicações, relação com o governo

estadual e o surgimento de um perfil profissional para o professor, constituindo-se, assim, o

perfil sindical da entidade, o de ação concreta. Mesmo sem ser sindicato oficializado, o

movimento dos professores gaúchos tem atuado como um sindicato combativo.

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3.8.1 Estrutura sindical do CPERS

O CPERS, filiado à Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE) e

à CUT, dentro de sua evolução, coloca-se contra o Sindicato Orgânico, pois entende que este

amplia o burocratismo e o cupulismo das entidades sindicais cutistas, além de excluir os

trabalhadores não cutistas que são afiliados nas entidades.

O CPERS/Sindicato comemora uma estrutura típica de sindicato unitário, onde várias

categorias convergem (professores, funcionários, especialistas) e que tem uma relação

democrática onde a base tem instâncias de participação.

Atento às transformações estruturais por que passa o mundo e consciente de sua

importância política nos marcos regionais, o CPERS entende que é de extrema importância

promover o debate – internamente e com entidades congêneres – sobre a problemática da

classe trabalhadora, haja vista que em seu programa de campanha, sua diretoria contemplou,

num período mais recente, a proposta de sindicato cidadão. Nessa medida, discutir

urgentemente o papel do novo sindicalismo na sociedade brasileira é tarefa que o Centro de

Professores do Estado do Rio Grande do Sul tem pela frente e para tanto aponta -se

estrategicamente a proposta do sindicato cidadão. Proposta esta do sindicalismo

comprometido que deseja ver a classe trabalhadora no exercício pleno da cidadania definindo

os rumos do país.

Na prática, existem experiências muito significativas, mas a discussão mais elaborada

é ainda recente, ou seja, o sindicato cidadão emergiu das lutas de redemocratização da

sociedade e das novas demandas sócio-político-econômicas mundiais. Busca sua legitimidade

e sua estrutura no embate das lutas da classe trabalhadora. Lutas essas que transcendem a

conquista de direitos civis – voto e prática política – que se fixam também na conquista de

direitos sociais, alimentação, habitação, saúde e educação, condições prévias de melhoria da

existência humana.

Embora isso, entende-se que o CPERS ainda tem muito que avançar. Defende uma

reforma estatutária que aprove alguns pontos muito importantes na vida do sindicato, sendo

eles: a proporcionalidade direta e qualificada em todas as instâncias da entidade e o colegiado

na Diretoria Central e núcleos.

A proporcionalidade vem no sentido de democratizar a entidade. As eleições no

CPERS acontecem de 3 em 3 anos e é somente aí que se pode referendar uma direção. O

modelo defendido é a “proporcionalidade qualificada”, onde é reservado o direito da chapa

vencedora escolher seus cargos, segundo sua porcentagem, tendo o mesmo direito as chapas

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minoritárias, conforme seu coeficiente, pondo-se um fim ao coeficiente mínimo (Marcelino

Filho, Rodrigues, Marques et al., 2000, p. 12).

No que respeita ao colegiado na diretoria Central e núcleos, através de sua instituição,

prevê-se o fim da figura presidencialista. A origem dos sindicatos foi na luta por melhores

condições de vida, salários dignos, alimentação. Nem sempre na história recente os sindicatos

foram livres do Estado. A forma hoje no Brasil, presidencialista e limitada, ainda responde a

uma época de imposições da CLT que criam contradições que devem ser combatidas. Há

muitos exemplos pelo país de organizações que ampliaram sua participação nas instâncias da

entidade onde especialmente foi abolida a figura do “presidente” do sindicato.

O presidente incorpora um poder maior que poderia, na ampla maioria das vezes

burocratizando a entidade, centralizando todas as decisões. Em direções colegiadas, todos os

diretores têm o mesmo peso de decisão e voto, dividindo tarefas e responsabilidades.

Enfim, no colegiado, são eliminados os cargos presidencialistas e organiza-se a

diretoria em torno de secretarias ou processos (como se chamam as comissões hoje) de

Organização, Imprensa, Finanças, Sindical, Cultura e Educação, entre outras.

3.8.2 As lutas da categoria

As lutas envolvendo as categorias que integram o CPERS a partir de 1978 e que se

adentram na década de 90 foram relevantes, seja pelas reivindicações encimadas, pela

freqüência das mesmas, como pelo número de dias de greve.

Uma breve análise dessas lutas81 aponta para:

– 1979 Û 13 dias de greve. A categoria pedia a nomeação de 20 mil professores

aprovados nos concursos das áreas dois e três e 70% de aumento salarial parcelado. O

governo rompeu o diálogo alegando a radicalização dos professores. Reestabelecido o mesmo,

contando com a mediação do cardeal Dom Vicente Scherer, quinze mil professores reunidos

em assembléia geral, no Gigantinho, aceitaram a sugestão do governo.

– 1980 Û 21 dias de greve. O governo Amaral de Souza descumpriu o estabelecido,

mostrando-se intransigente e a categoria respondeu com a paralisação e reivindicações em

torno de percentuais de reajuste salariais; abono de regência estendido à categoria; 2,5 salários

mínimos, a partir de janeiro de 1982; 25% do orçamento do Estado para a educação; e

participação no Conselho Estadual de Educação.

81 Cfr. CPERS-Sindicato 50 anos: Compromisso com a Cidadania Plena . Porto Alegre: Tchê, 1995.

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– 1982 Û 3 dias de greve. O governador do Estado, Amaral de Souza, tentou intervir

no CPERS, mas a categoria resistiu e a entidade permaneceu intocável; a greve foi pelo

cumprimento do Acordo/80.

– 1985 Û 60 dias de greve. A luta foi por 2,5 salários mínimos escalonados; 13º

salário; 35% da receita dos impostos para a educação, com pelo menos 10% para o plano

trimestral de conservação e construção das escolas, e eleição de diretores de escolas. Na

tentativa de desaquecer o movimento e manipular a opinião pública, o governo Jair Soares

demorou a receber o magistério. Pela primeira vez, o professorado foi massivamente às ruas,

promovendo grandes atos públicos na capital e interior, inclusive em conjunto com outras

categorias. Os professores retornaram às aulas sem atingir plenamente suas reivindicações,

mas deixaram junto à sociedade as marcas de um novo tempo – o ensino da democracia.

– 1987 Û 96 dias de greve. O movimento era pela garantia do plano de carreira; não

discriminação dos aposentados; garantia de emprego aos contratados até a promulgação da

Constituição Federal de 1988 que previa a estabilidade a esses professores. Criatividade e

bom humor por parte dos professores não faltaram nos três meses de paralisação. Logo

surgiram as figuras do movimento – os marajás, os fantasmas, os palhaços e as viúvas da

democracia que, de forma satírica, ironizavam a atuação de um governo que se dizia

democrático. Além de não cumprir a lei, Pedro Simon dificultou os canais de diálogo

protelando as soluções que todos clamavam. A surpresa do movimento foi o descaso com que

os professores foram tratados. A face sisuda do governador pautou-se pela intransigência,

força e ameaças. Foi preciso a intervenção da Frente Ampla de Apoio ao Magistério, da Igreja

e dos deputados para reabrir o diálogo, mas o governo do PMDB manteve-se no pedestal.

Para demonstrar o quanto estavam coesos e firmes na sua luta e registrar sua

inconformidade com o descumprimento da lei, os educadores grevistas ocuparam o prédio da

Secretaria Estadual da Educação. Estrategicamente estudada pelo comando geral de greve, a

ocupação do prédio da SEC iniciou às 8 horas da manhã do dia 28 de abril, quando grupos de

professores entraram no edifício espalhando-se pelos 11 andares. As oito horas e vinte e seis

minutos que o comando geral de greve permaneceu dentro do Palácio Piratini foi outro

acontecimento marcante e parte de uma operação de auto-agenda82.

– 1988 Û 9 dias de greve. Esta greve girava em torno da unidocência; 95% de reajuste,

sendo 70% em outubro e 26% em dezembro; aceleração da regularização do pagamento do

82 Cuidadosamente planejado.

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difícil acesso; cronograma de regularização das promoções; redução do período de reajustes

da trimestralidade para a bimestralidade.

– 1989 Û 42 dias de greve. A paralisação feita era por 54% de reajuste salarial, sendo

25% em maio, 15% em julho, não cumulativos, e 10% em setembro. Para garantir as

conquistas e exigir aumento salarial, o magistério, recorrendo mais uma vez à greve, realizou

seis assembléias gerais; duas grandes passeatas do Ginásio Gigantinho ao Palácio Piratini,

cobrindo um percurso de oito quilômetros cada uma, além da caminhada luminosa e dos

diversos sinetaços e panfletagens em frente das Delegacias de Educação, da Secretaria de

Educação e do Palácio Piratini.

– 1990 Û 58 dias de greve. Essa parada foi por 105,42% de aumento salarial, garantia

da reposição da inflação de maio, junho e julho, e revisão salarial em agosto. O comando

geral foi levado a recorrer a auto-agendas, notas oficiais e denúncias para pressionar o

governo Simon que, desde a greve de 1987, dificultou as negociações com a categoria. O

movimento paredista foi decidido no dia 8 de maio quando os educadores rejeitaram os

41,28% apresentados pelo executivo quatro dias antes da assembléia geral da categoria. Não

houve nenhum progresso nas rodadas de conversações, mas o magistério fincou pé, resultando

daí a proposta aceita pela categoria, como parte da dívida do estado para com a classe dos

professores: 105,42% parcelados como recomposição do piso, garantia da inflação de maio,

junho e julho, além da revisão salarial em agosto.

– 1991 Û 74 dias de greve. O tempo de parada foi por 191,61% de aumento salarial,

retirada da proposta de abono, ano letivo não começado conforme calendário do governo;

mobilização da comunidade em defesa do ensino. Esta foi a nona greve geral da categoria e

teve início em 8 de março. O CPERS-Sindicato ajuizou, a 30 de abril, a pauta de

reivindicações junto ao Tribunal Regional do Trabalho. Embora o governador tivesse

suspendido o ano letivo, a categoria decidiu na assembléia geral de 2 de maio continuar a

greve e teve 19 dias de faltas não justificadas. A categoria recusou a oferta do governador por

não incluir a definição de uma política salarial, o compromisso de pagar o resíduo da inflação

e a extensão do reajuste aos funcionários de escolas. Sucederam-se novas negociações e a 20

de maio foram aceitos pelos professores os 191,61% como parte emergencial das perdas

salariais.

Outras greves de professores e outras lutas de trabalhadores foram travadas na década

de 1990 e o CPERS como parte importante da CUT esteve junto em todas elas.

Por fim, no Estado do Rio Grande do Sul, o CPERS é pela volta às origens da CUT e

diz não ao sindicato orgânico, uma proposta que fragmenta e apartidariza os sindicatos, e que

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pode dividir o CPERS, pois concentra poder na cúpula, afasta a base das decisões e

burocratiza o movimento sindical.

Entre os desafios que se colocam ao CPERS/Sindicato cabe também manter a sua

autonomia em relação ao governo e partidos políticos, aprimorar a democracia interna,

respeitar as instâncias de deliberação e, principalmente, fortalecer a organização na base da

categoria. Por ser um sindicato que possui na base um grande número de aposentados, de

funcionários de escola e de especialistas, deve ter polític as que contemplem as

especificidades. Seu objetivo maior deve ser a unificação de todos para que participem

conjuntamente através de seus núcleos, nas discussões e mobilizações, pois somente unidos,

trabalhadores em educação e outros trabalhadores, com perfil combativo e democrático,

continuarão fortes.

3.9 O RECRUDESCIMENTO DAS GREVES E O NOVO SINDICALISMO

3.9.1 A onda de greves e as novas táticas de luta

...haveremos de dar novo rumo à campanha salarial, com mobilização e iniciativa capazes de conduzir à solução que fuja à vulgar. Notadamente devemos insistir para que os empregados se disponham a um entendimento conosco com livre negociação, sem interferência da Justiça do Trabalho” (MT, n. 45, 1978; apud Schürmann, 1998, p. 49).

Esta declaração, dada por Luís Inácio da Silva (Lula), na época presidente do

sindicato, apontou para a nova tática: a pressão direta. O conflito, iniciado com as greves de

maio de 1978 em São Bernardo, atingiu primeiro as grandes empresas para depois se espalhar

para as peque nas e médias. Com exceção da Volkswagen, onde o movimento não se

generalizou, a onda de greves das indústrias automobilísticas espalhou-se por outras fábricas

da região, atingindo as indústrias de autopeças de Santo André e totalizando 32 mil

trabalhadores no oitavo dia de paralisação.

Nessas greves, o aumento do nível de mobilização e o grau de disposição de luta dos

trabalhadores extrapolaram o espaço do sindicato. As grandes empresas, que no início

responderam ao movimento com represálias e coações, logo aceitaram negociar e a atender a

maioria das reivindicações. Com o acordo celebrado entre o Sindicato dos Metalúrgicos de

São Bernardo e Diadema e o patronal, Sindicato Nacional dos Fabricantes de Veículos

Automotores (Sinfavea), o movimento grevista conseguiu um aumento que atingiu trinta

empresas automobilísticas do ABC paulista, constituindo-se na primeira negociação direta

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entre trabalhadores e empresários. Os acordos continuaram em mais dez fábricas entre São

Bernardo e Santo André. Essas negociações não aconteceram de forma homogênea nas

diversas empresas. Atitudes isoladas foram tomadas por alguns empresários que optaram por

chamar a polícia e demitir grevistas e diretores sindicais. No entanto, a mudança causada pela

abertura política influiu na nova posição do governo em relação às greves, que se limitou a

emitir nota reafirmando que os aumentos salariais concedidos pelo setor privado deveriam ser

absorvidos (isto é, recair sobre os preços dos produtos) pelas empresas.

As greves atingiram também outras categorias e outros estados brasileiros, revelando-

se uma mistura de demandas trabalhistas (reprimidas durante o período autoritário),

descontentamento social e político e consolidação de novas lideranças sindicais. Schürmann

(1998, p. 51) assinala que essas paralisações apresentaram táticas de luta diferentes em

relação à tradição do movimento sindical brasileiro: “greves por empresa e sem piquete,

realizadas pelos trabalhadores dentro das fábricas, por meio da tática de braços cruzados e

máquinas pa radas”. Além disso, iniciado com reivindicações econômicas, o movimento

acabou por emergir como uma crítica ao modelo excludente brasileiro, e provou a ineficiência

da lei antigreve e sua modificação.

Por outro lado, as negociações coletivas que antes se apresentavam como um ritual

formal transformaram-se em debate real entre sindicato e patronato. Os trabalhadores também

se fortaleceram no interior das fábricas, provocando mudanças importantes, por exemplo, a

modificação das práticas autoritárias dos chefes e supervisores e a definição de um novo estilo

de relações de trabalho (Abramo, apud Schürmann, 1998).

A diferença dessas greves das paralisações anteriores residiu na sua dimensão e

divulgação em todos os órgãos de comunicação, ganhando visibilidade pública e favorecendo

os acontecimentos do movimento sindical. Isso granjeou ao movimento de São Bernardo o

apoio de organizações sindicais, nacionais e internacionais, e fez com que os conflitos

iniciados nesse período concretizasse a tendência de um novo sindicalismo em oposição ao

existente no período anterior.

Esse novo sindicalismo formado pelo núcleo dos sindicalistas autênticos ensejou ao

movimento lutar por um sindicalismo mais autônomo – com direito à greve, com negociações

coletivas entre patrões e trabalhadores sem a ingerência do Estado – e democrático, com

estímulo à participação da base e à criação de organizações no local de trabalho.

As greves continuaram em 1979 e 1980, espalhando-se por diferentes regiões do país e

para fora do setor industrial. Tornaram-se freqüentes as greves de trabalhadores na construção

civil, de vigilantes, de motoristas, bem como de assalariados de classe média. Em 1980,

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apesar do agravamento da repressão, o ABC paulista preparou uma das greves mais longas de

sua história, antecipando a campanha salarial demandando 15% como índice de produtividade

e as mesmas reivindicações das outras campanhas. Durante as negociações foram

intensificadas assembléias-relâmpagos nas portas das fábricas onde Lula denunciava a

presença ostensiva de policiais à paisana nas portas de sua casa e do sindicato e afirmava que

os operários mereciam mais respeito. Lula e outros dirigentes sindicais foram presos sem

mandado judicial e encaminhados ao Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS). Com

quase um mês, houve ameaça por parte do patronato de demissões em massa e, para fechar o

cerco, o DOPS proibiu qualquer manifestação de trabalhadores, em assembléias ou comícios,

para impedir grandes concentrações. Mas isso não impediu que milhares de trabalhadores,

enfrentando a polícia e desobedecendo às ordens do governo, tomassem, pacificamente, as

ruas de São Bernardo e de Diadema e realizassem uma grande passeata que culminou no

comício realizado no Estádio Vila Euclides.

Esse confronto direto e radical com os empresários e com o governo fez com que

todos os mecanismos de pressão fossem acionados contra os trabalhadores, desde ameaças de

intervenção à repressão policial ostensiva e direta. Depois dessas greves, houve em São

Bernardo um refluxo nas mobilizações que inviabilizou a ocorrência de greves em 1981.

3.9.2 A construção do novo sindicalismo e os fatores que conduziram à intensificação

das greves

Apesar do novo sindicalismo ter emergido na greve dos metalúrgicos de São

Bernardo, em 1978, ele já vinha sendo construído desde o período do chamado “milagre

brasileiro”, entre os trabalhadores das montadoras do ABC paulista,83 e caracterizou-se por

denunciar o controle do governo sobre os sindicatos e sobre a fixação dos reajustes salariais,

por defender a organização livre e autônoma dos sindicatos, por advogar a livre negociação

entre patrão e empregado, assim como o direito irrestrito à greve (Cattani, 1985).

O surto de greves do final da década de 1970, conforme Cattani (idem), pode ser

explicado por dois fatores fundamentais: primeiro, o país começava a enfrentar uma crise

econômica insuportável – inflação elevada, deterioração dos salários e crescimento do

desemprego –, predispondo os trabalhadores a movimentos contestatórios e reivindicatórios;

segundo, o governo militar que perderia significativo potencial de legimitidade junto à

83 Esses trabalhadores haviam desempenhado importante papel de acumulação de capital que possibilitou o “milagre” e, conseqüentemente, dispunham de significativo poder de pressão (Cattani, 1985, p. 13).

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sociedade civil por não ter solucionado a crise econômica via-se forçado a adotar como saída

política a “abertura”. Portanto as greves de 1978 e 1979 tiveram como objetivo principal

combater a política econômica do governo e seus reflexos negativos sobre os trabalhadores,

sendo nesse sentido eficazes, pois levaram o governo a alterar a política salarial através da lei

6.708, de novembro de 1979, que instituiu reajustes semestrais com base no INPC. Essa

política salarial constituiu-se em uma estratégia do governo para conter a luta reivindicatória e

alcançou seu objetivo, visto que reduziu o número de greves em 1980.

Cattani (1985, p. 13) ressalta, no entanto, que não só a lei salarial de 1979 explicava o

refluxo, no movimento sindical de 1980, mas também o governo militar, colhido de surpresa

pelas greves de 1978 e 1979, em 1980 já se refizera e estava disposto a impedir que a

movimentação aumentasse, usando a legislação repressiva. Os setores mais atingidos pela

repressão foram justamente os mais organizados e mobilizados: o Sindicato dos Bancários de

Porto Alegre e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.

Vale destacar, porém, que o ano de 1981 marcou o reaquecimento da movimentação

grevista entre os assalariados da classe média, atingindo 34,4% das greves ocorridas no país.

No Rio Grande do Sul, a concentração de greves entre trabalhadores desse grupo foi ainda

mais elevada, atingindo 52% da movimentação.

A crescente movimentação dos assalariados de classe média constituiu-se em

importante indicador do influxo da crise econômica sobre tais trabalhadores. Na verdade, a

classe média brasileira que tivera seu poder aquisitivo ampliado no período do mila gre

brasileiro começava a sentir, fortemente, os reflexos da crise econômica que achatou seus

salários e diminuiu seu poder aquisitivo. Dentre os assalariados de classe média que fizeram

greve em 1981, destacaram-se os ligados ao setor público, a exemplo do CPERS, o que se

explicava pelo fato desses não haverem sido atingidos pela lei salarial 6.708/79 e, portanto,

não terem obtido reajustes semestrais, o que, naturalmente, tornava seu problema ainda mais

grave do que o dos trabalhadores do setor privado. 84

84 No interior das greves de classe média, predominava amplamente a ação grevista do funcionalismo público federal, estadual e municipal. Em 1986, esses funcionários foram responsáveis por 75% das jornadas não trabalhadas por motivo de greve em todo o país. Em 1987, essa participação cresceu para 79%, asseveram Noronha e Almeida (apud Boito Jr., 1991, p. 65). O perfil diferenciado das greves do funcionalismo público teve uma de suas razões de ser no fato desse movimento não se encontrar, ainda, integrado à estrutura sindical. O movimento era mais maciço e unificado, já que não se encontrava legalmente segmentado e dividido por categorias, por municípios e pelo sistema de datas base, como ocorria com os trabalhadores do setor privado. O movimento não realizava, tampouco, greves demonstrativas para suscitar a intervenção tutelar da Justiça do Trabalho, que eram greves curtas, mas, sim, greves de lut a e, portanto, mais prolongadas (Boito Jr., ibidem ). Esse perfil contrasta também com o padrão de ação sindical próprio do sindicalismo populista.

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Em 1983, quando a crise econômica, social e política voltou a assumir proporções

elevadas, em função da ida do Brasil ao Fundo Monetário Internacional (FMI),85 a

movimentação grevista intensificou-se e modificou a natureza de suas reivindicações. A

estabilidade no emprego, a redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais e o

pagamento de salários atrasados passaram a figurar na pauta reivindicatória das greves.

Em 1984, novas expectativas foram criadas em torno da superação do regime

implantado em 1964. Nesse período, a sociedade civil mobilizou-se na campanha pelas diretas

e, derrotadas essas, na tentativa de substituir o governo militar por um governo civil, de

oposição. Entretanto, apesar do potencial de mobilização do povo brasileiro ter se voltado

para a possibilidade de uma mudança política, isso não impediu que ocorressem significativos

movimentos grevistas, como o dos professores universitários e dos previdenciários. A

substituição do governo militar por um governo civil em 1985 não diminuiu a mobilização

grevista, indicando a urgência de transformações concretas nas áreas econômica e social.

Em 1987, houve cerca de 132 milhões de jornadas não trabalhadas (Noronha, 1991, p.

117). Ao mesmo tempo, esta luta correspondeu ao que Marx uma vez chamou de “luta de

guerrilhas”: no momento imediatamente posterior à greve, a dilapidação salarial ocorria

novamente. O processo inflacionário continuou, a luta sindical se mostrou inglória.

3.10 O NOVO SINDICALISMO: AS ORIENTAÇÕES TEÓRICAS E AS

PRÁTICAS SINDICAIS

3.10.1 As características do movimento

A análise do novo sindicalismo evidencia que ele se caracterizou também por três

proposições, sintetizadas por Mangabeira (1993, p. 14-15), que tomou por base Moisés

(1982), Moreira Alves (1988) e outros:

1) O sindicato do tipo “novo sindicalismo” é mais combativo:

a) por sua tendência a recorrer a greves;

b) pelas formas de luta escolhidas;

c) pelo uso político dos canais legais existentes;

d) por introduzir temas que contestavam a organização da produção.

85 O acordo com o FMI levou o governo a editar vários decretos salariais objetivando arrochar os salários, diminuir o poder aquisitivo da população e exportar mais (Cattani, 1985, p. 13).

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2) Os sindicatos do tipo “novo sindicalismo” são mais representativos da base que

representam porque :

a) admitiram novos protagonistas como líderes;

Embora o movimento do “novo sindicalismo” fosse em grande parte constituído por líderes “autênticos”, ele também reuniu antigas lideranças burocráticas que, tendo percebido a extensão das mudanças em curso, alteraram suas práticas e retóricas. Entretanto, com o tempo, à medida que surgiam alternativas ao regime militar e a democratização se ampliava, foram-se aprofundando as divergências e as disputas políticas entre os dois tipos de lideranças. Essas divergências formalizaram-se nos fins da década de 80 com a criação de três confederações de trabalhadores: a Central Única dos Trabalhadores – CUT, sob a influência de Lula e do Partido dos Trabalhadores; a central Geral dos Trabalhadores – CGT, liderada por Joaquim dos Santos Andrade e Luiz Antonio Medeiros e a Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT, sobre a liderança de Antonio Magri (Mangabeira, 1993, p. 204-205).

b) admitiram e estimularam a representação nos locais de trabalho;

c) procuraram expandir as bases de participação por meio da organização de

campanhas de sindicalização;

d) admitiram eleições sindicais sistemáticas realizadas em condições de maior

liberdade e competição.

3) O “novo sindicalismo”não era apenas uma tendência sindical, mas:

a) representava uma arena de lutas em defesa de direitos sociais e políticos;

b) questionava os próprios limites do Estado corporativista, criando oportunidades de

expansão da cidadania operária.

3.10.2 O novo sindicalismo enquanto idéia e proposta

Na análise da literatura sociológica e da historiografia do novo sindicalismo, atribui-

se-lhe um conjunto de experiências de luta bastante diversificado que emergiu, na sociedade

brasileira, com as jornadas heróicas dos metalúrgicos paulistas no final da década de 1970.

Para Blass (1999, p. 34), o novo sindicalismo, enquanto idéia e proposta, fazia parte de um

fenômeno que era construído e reconstruído coletivamente por vários atores sociais e a partir

de diferentes lugares. Os sindicalistas, trabalhadores e trabalhadoras, pesquisadores, governo,

empresários e os meios de comunicação de massa participavam, cada um a seu modo, desse

processo de formação das classes trabalhadoras e da história do movimento operário e sindical

brasileiro.

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Enquanto idéia, o novo sindicalismo foi elaborado em oposição às práticas

desenvolvidas pelo “velho sindicalismo”, que se orientavam pela lei de sindicalização de 1931

que estabeleceu o sindicato único por ramo produtivo e por região, e garantiam a intervenção

direta do Estado no funcionamento interno dos sindicatos e na regulação das relações entre

capital e trabalho (Araújo, apud Blass, ibidem). Os sindicatos alinhados com essa concepção

concentravam-se, basicamente, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, no período

compreendido entre 1943 e o golpe militar de 31 de março de 1964, e suas atividades

ligavam-se organicamente com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e com o Partido

Comunista Brasile iro (PCB).

Já a proposta de um novo sindicalismo foi produzida e reproduzida no acontecer

efetivo dos inúmeros protestos sociais e manifestações operárias que eclodiram nas várias

cidades brasileiras e nos vários setores produtivos, a partir do final da década de 1970 e

durante a década de 1980. Partindo de um conjunto de estratégias sindicais, que incluia a

politização do cotidiano de vida e de trabalho e a organização dos trabalhadores nas empresas

no confronto direto e na discussão política com os representantes patronais e/ou

governamentais para a conquista de reivindicações econômicas e sociais, buscava estabelecer

as regras mínimas de controle e fiscalização dos acordos assinados com o objetivo de

viabilizar a sua aplicação nas empresas.

Esses discursos eram emitidos pelos próprios sindicatos que integravam a

“institucionalidade estatal”. Nesse sentido, Sader (apud Blass, 1999, p. 34-35) destaca a

reapropriação da estrutura sindical brasileira instituída nos anos 30 pelos trabalhadores e suas

lideranças, da década de 1970, e afirma:

... se essa obrigatória cumplicidade impunha sérias limitações às falas e movimentos dos sindicalistas, a verdade é que, em contrapartida, eles assumiam o papel – intencionalmente definido – de agenciadores dos conflitos trabalhistas. Eram reconhecidos publicamente nessa função, sendo considerado legítimo que defendessem os interesses específicos dos trabalhadores.

É compreensível que nesse momento os sindicatos cumpriram um papel político

importante ao explorar as “brechas legais, objetivos e formas de ação considerados

legítimos... (Sader, apud Blass, ibidem). Era desse modo que os trabalhadores e trabalhadoras

em geral e seus representantes sindicais confrontavam-se com as autoridades patronais, no

interior das empresas, e com os representantes do Estado na sociedade, gerando “discursos

capazes de interpretar as mentalidades formadas pelos discursos dominantes” (Sader, ibidem).

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174

Essa era a dimensão pedagógica da ação sindical que se expressara como movimento

extrapolando a própria instituição (sindicato) que lhe dava sustentação.

3.10.3 A persistência de certas práticas sindicais associadas ao novo sindicalismo

O lugar condicionava a prática dos dirigentes e militantes operários e sindicais,

tornando visível as ambigüidades, paradoxos e possíveis cisões que marcaram o novo

sindicalismo. Para Mangabeira (1993), citado por Blass (1999, p. 35), “os problemas gerados

na política de chão de fábrica” trouxeram os sindicatos para mais próximo dos trabalhadores e

fizeram transparecer uma das características mais inovadoras e democráticas deste

movimento, enquanto promovia a democracia sindical, que era o conhecimento das questões

importantes para a base e a descoberta de formas de “incorporá-las e encaminhá-las como

demandas coerentes dos trabalhadores”, sem, contudo, alterar “a estrutura burocrática que

herdaram” (Mangabeira, ibidem).

A maior presença dos sindicatos, enquanto instituição, no cotidiano de trabalho e de

vida dos trabalhadores/trabalhadoras dentro e fora da empresa operava, pouco a pouco, o

distanciamento da sua face institucional. E passava a configurar como um movimento, apesar

das fronteiras legalmente instituídas para a ação sindical no Brasil, quando as demandas

reivindicatórias expressavam o que estava, realmente, afetando a vida dos trabalhadores e dos

cidadãos em geral. Esses momentos, conforme Blass (1999), traziam a marca da

excepcionalidade, pois as manifestações operárias e/ou sindicais ganharam visibilidade

pública ao sair dos muros das empresas e ao extrapolar os locais de trabalho. Na evolução

desse processo, os sindicatos, como instituição, transformaram-se em referência política para

os trabalhadores/trabalhadoras e seus representantes passaram a ser reconhecidos como porta-

vozes políticos aceitos pe lo patronato e Estado.

Entretanto, passados alguns anos, as ambigüidades saltavam aos olhos, pondo a

descoberto os paradoxos – promessas, mistificações e contrariedades – das práticas do novo

sindicalismo. O novo que era evocado para descrever um conjunto de práticas políticas

próximas da ação direta, do confronto aberto com o patronato e o Estado, mais tarde assumiu

um caráter auto-explicativo da prática sindical porque expressava, na visão de alguns autores,

o processo de modernização por que passavam os sindicatos brasileiros. Estudos e pesquisas,

ao insistirem nesses aspectos, apresentaram um outro modelo de sindicalismo no Brasil, onde

a CUT seria sua expressão mais acabada.

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175

Segundo Blass (1999), os dirigentes e militantes sindicais, de um lado, e

pesquisadores, de outro, iluminaram de tal modo as práticas sindicais que se instauraram no

país, nas últimas décadas, que acabaram ofuscando as tradições políticas e culturais, além de

colaborarem para o ocultamento de experiências significativas de luta que faziam parte da

memória histórica do processo de formação das classes trabalhadoras no Brasil. Por exemplo:

O direito de greve, a ação direta combinada às negociações, a regulamentação de direitos sociais, melhoria nas condições salariais e de trabalho, entre outros aspectos, consistem em velhas temáticas em torno das quais se debatem, há anos, as lideranças e os trabalhadores(as) brasileiros. O fato do movimento operário e sindical apresentar maior visibilidade pública, em determinados momentos, não significa que seja portador de práticas inovadoras, pois o novo pode recriar o velho, sob outras condições históricas (ibidem, p. 36).86

O que se viu, portanto, no novo sindicalismo, predominando sobre as rupturas, foi a

persistência de certas práticas sindicais, apesar das descontinuidades que pontuavam a

trajetória de lutas operárias e sindicais na sociedade brasileira. Seus principais protagonistas,

os dirigentes, militantes sindicais e trabalhadores/trabalhadoras, reinventaram e recriaram

formas de organização e de mobilização operária e sindical, sem destruir as que lhes

antecederam.

Blass (1999, p. 37), valendo-se de experiências que ocorreram na Grande São Paulo,

em diferentes períodos históricos – a luta pela regulamentação dos 15 dias de férias anuais

pagas e o seu cumprimento, lideradas pelos gráficos no final dos anos 20, o movimento dos

bancários em 1985 e a incorporação salarial dos 25% de antecipação fixados nas negociações

com os representantes patronais em nível nacional e os acordos em torno da regulamentação

da jornada semanal de trabalho firmada pelos metalúrgicos da região do ABC paulista em

1995 e 1996 – argumenta que esses acordos combinavam a redução, flexibilização e a

instituição de um banco de horas, sem a redução dos salários. Mas evidencia que nessas lutas

expressavam-se “vivências privadas e coletivas” (Souza -Lobo, apud Rodrigues, 1999, p. 37),

e seus protagonistas eram movidos por preceitos morais como as “idéias de justiça e

86 Cfr. Blass (1999, p. 36), “os exemplos nesse sentido, não faltam”. Nesse veio, cita Ramalho (1989) que ressalta a atuação sindical marcante dos operários comunistas. Estes dirigiam o sindicato, apesar das “limitações dessa estrutura”, em conjunto com os trabalhadores dentro da fábrica, promovendo sistematicamente uma consulta aos seus delegados sindicais. Os delegados sindicais na Fábrica Nacional de Motores (FNM) – criada na década de 40 pelo Estado Novo –, eram eleitos por voto direto dos trabalhadores e atuavam como verdadeiros fiscais nas várias seções da fábrica, “causando enormes embaraços à administração, pois essa nova postura, oriunda da atividade sindical, revertia toda uma prática de dominação construída durante anos”. Essa estratégia sindical, ao questionar os parâmetros legais instituídos em 1931, tentava criar outra estrutura sindical na sociedade brasileira.

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dignidade” (Thompson, apud Rodrigues, ibidem) e sobre o valor do trabalho assalariado na

formação das sociabilidades contemporâneas.

Um exemplo estava na paralisação nacional dos bancários em 1985, pelo menos em

São Paulo, a qual resultou de uma trajetória de lutas e de confrontos pontuais com os patrões e

o governo fundados em diferentes formas de contestação das relações de poder e do

autoritarismo das chefias no interior dos bancos, além de protesto pela melhoria das condições

de trabalho nas agências e contra o ritmo estafante que caracterizava a organização do

trabalho nos bancos. O trabalho sindical visava a politizar as questões postas no cotidiano,

inserindo-se nos locais de trabalho por meio das denúncias publicadas no jornal diário Folha

Bancária , da presença diária dos diretores e militantes sindicais nas portas dos bancos e das

agências bancárias, e das negociações e acordos estabelecidos com o patronato em diferentes

ocasiões.

Analisadas desse ponto, as práticas sindicais implementadas pelos bancários paulistas

alinhavam-se com a proposta do novo sindicalismo, preservando as suas marcas de distinção,

tais como fazer passeatas, ocupação das principais ruas onde se concentravam as agências

bancárias, usar “bandinha de música” para anunciar as convocações do sindicato, tornar o

sindicato um espaço de sociabilidade promovendo inúmeras atividades lúdicas foram algumas

das práticas sindicais desses trabalhadores (Blass, 1999, p. 39).

Outros exemplos eram fornecidos pelos metalúrgicos do ABC paulista. Apesar da

longa trajetória de lutas, os trabalhadores/trabalhadoras para fugir das demandas salariais,

reintroduziram o tema da redução da jornada de trabalho em suas reivindicações. Na

Ford/Taboão, a jornada semanal variava entre 38 a 44 horas, sem redução de salários, apenas

na unidade sediada em São Bernardo do Campo. O banco de horas era negociado, sem que as

regras de seu funcionamento fossem definidas. Na sua unidade de São Paulo, a redução e

flexibilização da jornada de trabalho eram acompanhadas pela diminuição dos salários. Na

Volkswagen/Anchieta, a jor nada variava entre 36 e 44 horas semanais, sendo a média de 42

horas, conforme acordo firmado nas montadoras em 1995. Se os horistas ou os mensalistas

trabalhassem menos de 36 horas, a diferença seria debitada; se ambos excedessem as 44 horas

regulamentares e se essas ocorressem em sábados, domingos ou feriados, seriam creditadas no

banco de horas e pagas como adicionais salariais (idem, p. 41).

Os exemplos mostram que a redução e a flexibilização da jornada de trabalho estavam

vinculadas ao banco de horas. Os acordos evidenciavam a reapropriação sindical e operária

das fissuras presentes no sistema vigente de relações industriais que se regia por uma certa

desregulamentação das relações de trabalho. A empresa aparecia como o locus gerador desses

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acordos, mas, ao contrário dos países capitalistas centrais, as negociações entre patrões e

trabalhadores estavam respaldadas no sindicato.

Os acordos sobre a jornada de trabalho apontavam a vitalidade do movimento operário

e sindical na região do ABC paulista, comparativamente ao sindicalismo brasileiro em outras

localidades e às tendências internacionais, sendo que o banco de horas, na Volkswagen,

incidia nos princípios da política salarial fordista, instituída no início do século XX, e nas

relações de poder estabelecidas no interior da fábrica.87 Quanto à prática sindical dos

metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Blass (1999, p. 43), apoiando-se na

análise de Beynon (1995) sobre a classe operária inglesa, refere que a mesma passava por um

processo de reformulação. Entre os trabalhadores nas montadoras no ABC paulista

permaneceram ainda as suas referências institucionais e os valores de união e solidariedade

que davam respaldo político à atuação das comissões de fábrica nas empresas e do sindicato,

na sociedade.

Os exemplos acima mostram a persistência de certas práticas sindicais, apesar da

descontinuidade que caracterizava a presença política dos trabalhadores/trabalhadoras e dos

sindicatos no cenário social. Os dirigentes e militantes sindicais, à medida que se

distanciavam do cotidiano de trabalho e de vida dos trabalhadores/trabalhadoras em geral,

corriam o risco de esvaziar os sindicatos, enquanto instituição, e não o reforçasse como

movimento. Conforme Boito Jr. (1991) e Rodrigues (1990), citados por Blass (idem, p. 45), as

práticas sindicais persistiamm porque se adaptavam conforme as condições históricas. Desse

modo, as continuidades pareciam prevalecer sobre as rupturas. Isso ocorria porque os atores

sociais – trabalhadores/trabalhadoras e seus representantes sindicais – faziam e refaziam a sua

história, recriando valores, instituições, idéias e ideais e recuperando os fragmentos perdidos

das suas ações coletivas.

Galvão (2001) sintetiza essas idéias e aponta as “faces do novo sindicalismo”, a partir

das análises feitas por Rodrigues (1999), em O novo sindicalismo: vinte anos depois. Nesta

obra, Iram Jácome Rodrigues, buscando compreender as práticas do novo sindicalismo, seu

significado político-organizativo e refletir sobre as principais questões que desafiam na

atualidade as organizações dos trabalhadores, analisa vários aspectos gerais da sua trajetória –

origens, desenvolvimento, impasses –, mas sem fazer um balanço de conjunto dessa

experiência ou desconsiderar a importância do universo industrial e metalúrgico da região do

87 Conforme a política salarial fordista, se um funcionário faltasse durante a semana ou se alterasse o seu horário diário de trabalho, deixava de receber o descanso semanal remunerado, que correspondia aos domingos. Isso levou um entrevistado a considerar “o domingo um instrumento de controle das pessoas” (Blass, 1999, p. 46).

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ABC na constituição do novo sindicalismo, chamava a atenção para outros espaços também

constitutivos do novo sindicalismo, valorizando: a contribuição de experiências que ocorriam,

simultaneamente, em outras regiões, como as experiências sindicais em Minas Gerais e no

Espírito Santo; as características de seu desenvolvimento em outras áreas, como o setor

público; sua implantação em novas regiões (caso do sul fluminenses); e, o enfrentamento de

novos temas que se projetavam para além do novo sindicalismo, como a crise do

“assalariamento” e as experiências com “trabalho assalariado”.

As faces do novo sindicalismo, delineadas por Galvão (2001), a partir da obra de

Rodrigues (1999), seriam ruptura e continuidade e a evolução do ABC. No primeiro caso, um

dos aspectos mais interessantes, trazidos à discussão, se referia à construção da própria

identidade do novo sindicalismo.

Rodrigues (1999), cita Leila Blass, que problematiza a ênfase excessiva no “novo” que

qualificava as práticas sindicais que marcaram a retomada da luta sindical. Elas poderiam, por

um lado, “levar a um menosprezo da persistência de tradições políticas e culturais na

formação das classes trabalhadoras no Brasil”, expressa pelas ações de seus protagonistas que

“reinventam e recriam formas de organização e de mobilização, sem destruir as que lhes

antecederam”, apesar da descontinuidade na trajetória das lutas operárias e sindicais. Por

outro lado, poderiam “desconsiderar as ambigüidades e paradoxos que perpassam a proposta

do novo sindicalismo” (sindicatos mais combativos, organizações nos locais de trabalho,

obstacularizar a valorização mundial e destrutiva do capital, etc.). E refere, também, a Marco

Aurélio Satana, que observa, que na conjuntura do surgimento do novo sindicalismo houve

uma “luta pela hegemonia político-sindical”, que veio acompanhada de uma disputa pela

história. O que implicou, na construção da sua identidade, um certo “reducionismo do

passado”, que valorizava a idéia de uma ruptura. Esse exagero no corte entre o novo e o

velho, “acabou por obscurecer as continuidades e pontos de contato existentes na prática

organizativa dos trabalhadores, bem como os limites a ela impostos”. O novo sindicalismo

para Santana “trouxe em seus marcos, tanto nas li mitações quanto nas possibilidades, uma

atualização de práticas já experimentadas na história do sindicalismo por setores, que a seu

tempo, se identificaram com posições progressistas” (apud Galvão, 2001, p. 2).

A busca de uma “continuidade histórica” também está presente em Antônio Luigi

Negro88, que ao analisar a combatividade dos trabalhadores da Ford, contrapõe a uma visão

“do novo que irrompe espontaneamente”, um “trabalho articulado”, que “desagua toda uma

88 Texto “Nas Origens do ‘Novo Sindicalismo’: O Maio de 59, 68 e 78 na Indústria Automobilística”, citado por Galvão (2001, p. 2).

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série de iniciativas de luta e de organização”, um processo cumulativo de experiências desses

trabalhadores, que remontava à greve de 1959.

No segundo caso, ou seja, a evolução do ABC, a atuação do sindicato dos

Metalúrgicos do ABC era objeto, a partir de diferentes enfoques: 1) Andréia Galvão (em Do

Coletivo ao Setor, do Setor à empresa: a Trajetória do ‘Novo Sindicalismo’ Metalúrgico nos

Anos 90 ) analisa a atuação dos metalúrgicos do ABC nas campanhas salariais como expressão

de mudanças na prática do novo sindicalismo. Ela explica as razões que levaram, no período

atual, ao predomínio das negociações descentralizadas, que seriam condicionadas pela

correlação de forças desfavoráveis ao sindicato, refletindo “a perda de influência política... e

(de) sua capacidade de negociadora e menos confrontacionista”; 2) Para Iram Rodrigues (em

A Trajetória do Novo Sindicalismo), essas mudanças são expressão de uma nova estratégia

sindical, passando de uma “que se apoiava no conflito para outra que privilegia a negociação,

mais apropriada às transformações no mundo do trabalho. Esse padrão sindical, “que se

poderia chamar de realismo defensivo”, gestado pelos metalúrgicos do ABC, constituiu -se em

um “paradigma para a relação capital-trabalho no Brasil” “uma saída possível”, combinando

uma “forte dose de realismo nas negociações e uma acentuada diminuição da ideologização e

politização da prática sindical anterior” (Galvão, 2001, p. 2).

Percebe-se que esses e outros pontos de vista (ver Jornal em tempo, n. 310) resultaram

em importantes contribuições para um necessário esforço coletivo de análise da experiência

cutista que tratou com rigor e profundidade os impasses políticos e ideológicos que marcaram

a crise do sindicalismo.

3.10.4 A reestruturação produtiva e as relações de trabalho

Após um longo período de acumulação de capitais, a partir do final dos anos 70, e

particularmente na década de 1980, os países de capitalismo avançado começaram a

apresentar um quadro crítico – queda da taxa de lucro, esgotamento do padrão de acumulação

taylorista/fordista de produção, dada pela incapacidade de responder à retração do consumo

que se acentuava, hipertrofia da esfera financeira e expressão da própria crise estrutural, crise

do welfare state ou do “Estado do bem-estar social” e de seus mecanismos de funcionamento,

incremento das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização

do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho – com profundas transformações

no mundo do trabalho, nas formas de inserção da estrutura produtiva, nas formas de

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representação sindical e política. Assim, sob o impacto de uma crise estrutural, novas

respostas foram buscadas, como alternativas do capital em crise (Antunes, 1997 e 2000).

A exposição de Ricardo Antunes oferece uma boa visão das intensas modificações que

se sucederam no processo de trabalho e de produção capitalistas. O referido autor afirma que

a classe trabalhadora presenciou a mais aguda crise deste século que atingiu não somente sua

materialidade mas também sua subjetividade e, no inter-relacionamento desses níveis, afetou

a sua forma de ser.

A crise do fordismo e do keynesianismo era expressão de uma crise mais ampla, a

crise estrutural do capital, onde se destacava a tendência decrescente da taxa de lucro e

manifestação tanto do sentido destrutivo da lógica do capital, presente na intensificação da lei

de tendência decrescente do valor de uso das mercadorias, quanto da incontrolabilidade do

sistema social do capital. Com o desencadeamento dessa crise estrutural, começava também a

desmoronar o mecanismo de “regulamentação” em vigor no pós-guerra, em vários países

capitalistas avançados, especialmente da Europa. Como resposta a sua própria crise, esses

países deram início a um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e

político de dominação, cujos sinais mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a

privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do

setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi a expressão mais marcante. A isso

se seguiu um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, visando a dotar

o capital do instrumental necessário para repor os patamares de expansão perdidos (Antunes,

2000, p. 31).

Na análise sobre a reestruturação produtiva e os desdobramentos em nível

internacional e nacional, nos aspectos relativos à escala global, ao conteúdo dos elementos

básicos da reestruturação e às mudanças no perfil do mercado de trabalho, verifica-se o

crescimento das discussões sobre as estratégias para enfrentar os desafios da reestruturação

produtiva e as mudanças no mundo do trabalho.

No aprofundamento das investigações sobre estas questões, encontra-se a orientação

básica da CUT, extraída da 7ª Plenária Nacional de 1995, que resume o conjunto de temas

envolvidos na reestruturação produtiva, identificando pontos para reflexão e algumas

polêmicas pendentes:

A orientação básica da CUT – Define algumas balizas de como a CUT aborda o

tema:

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a) O debate sobre a reestruturação deve articular tanto questões da política industrial, agrícola e de comércio exterior, com as mudanças das empresas e do trabalho.

b) A reestruturação produtiva é parte do debate sobre “modelos de desenvolvimento”. Para a CUT, esse modelo “deve ter como objetivo central a incorporação plena dos trabalhadores e dos marginalizados à vida econômica e social”.

c) A CUT buscará “disputar as idéias de ‘qualidade e produtividade’ partindo de uma perspectiva da qualidade de vida e trabalho para as maiorias e da distribuição dos frutos do aumento da eficiência do trabalho para o conjunto dos assalariados e da massa dos excluídos”.

d) Considera que “nesse processo se afirma o caráter conflitivo das relações capital-trabalho negando a ideologia empresarial de parceria” (Informacut 259).

Essas balizas colocam para debate questões como: a organização do trabalho nas

empresas; a interferência dos trabalhadores no processo de organização do trabalho,

buscando preservar e conquistar direitos para as maiorias, orientando-se por um modelo de

desenvolvimento alternativo ao implementado pelos conservadores; a luta pelo pleno emprego

e a luta pela democracia no interior das empresas, que deve começar pelo direito à

organização no local de trabalho; as organizações sindicais devem se capacitar para enfrentar

essas tarefas, para além das tradicionais questões trabalhistas nas campanhas salariais.

A reestruturação em escala global – A reestruturação industrial e econômica em

curso na economia mundial tomou impulso a partir da crise nos principais países

desenvolvidos no final da década de 1960 e início da década de 1970.

Esse processo tem sido apontado como a terceira revolução tecnológica, pois tem

como alicerces básicos profundas mudanças na estrutura produtiva, a emergência de novas

fontes de riqueza, de novos padrões de concorrência e mudanças radicais no perfil e

composição do mercado de trabalho.

A geração e a rápida difusão de inovações tecnológicas, organizacionais e gerenciais

são as características mais marcantes desse processo de transformações produtiva s.

A utilização crescente de componentes de base microeletrônica e dos recursos da

informática em produtos e processo industrial tem levado a mudanças na base técnica de um

conjunto de indústrias, à expansão de seus mercados associada à criação de novos produtos e

setores e converteu-se na base de transmissão de inovações, não só para o conjunto do setor

produtivo, como também para o setor de serviços.

Nos países centrais, o rejuvenescimento dos chamados setores dinâmicos foi

acompanhado por fortes movimentos de desindustrialização seletiva com a transferência para

os países em desenvolvimento de fases ou ciclos da cadeia produtiva menos nobres (por

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exemplo no caso de automóveis, a montagem de carcaças), mas predadores do meio ambiente,

grandes consumidores de energia, intensivos em mão-de-obra e dependentes de baixos

salários. Envolve igualmente uma nova forma de produzir.89

A liderança no processo de modernização tecnológica e a capacidade de mobilizar

recursos financeiros em escala mundial fizeram das empresas multinacionais os setores

privilegiados da globalização econômica. As multinacionais adquiriram maior capacidade de

gerenciamento e controle sobre a pesquisa, a produção e a comercialização. Capacitaram-se,

assim, a explorar de modo mais objetivo as vantagens comparativas em escala global,

privilegiando baixos salários, progressivos benefícios fiscais e mercados de trabalho

desregulados e capazes de ofertar elevada produtividade.

Os Estados perdem relativa autonomia política e decisória com a globalização e são

levados a reduzir impostos, atacar conquistas sociais e sindicais e submeter suas políticas e

legislações à lógica da “Nova Ordem” para reduzir o risco de serem excluídos do circuito

internacional de capitais financeiros e produtivos.

Embora os impactos sociais e sindicais da reestruturação econômica sejam

semelhantes em escala global, é nos países de terceiro mundo que os programas de

ajustamento econômicos neoliberais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco

Mundial – Consenso de Washingtton – tem promovido acelerado e agudo empobrecimento e

desafios enormes para o movimento sindical.

A tendência objetiva desta reestruturação é produzir o desemprego em massa, além da

precarização das relações de trabalho.

Na América Latina, os processos de desmonte dos serviços públicos, privatização das

estatais, cortes dos salários, redução dos gastos sociais, abertura indiscriminada das

economias e desregulamentação do mercado de trabalho, tem provocado movimentos de

desindustrialização e aumento da concentração de renda e da miséria e indigência social.

Nos países em desenvolvimento, existem enormes semelhanças nos processos de

ajustes estruturais, em especial, nos seus impactos desorganizadores no mundo do trabalho.

No Japão e algumas regiões da Europa, as opções de enfrentamento dos processos de

globalização econômica e de atuação e regulação do estado tem sido diferentes – nesses casos

se trata de opções distintas de ajustes conservadores já que não visam a conciliar melhoria da

produtividade com aumento do bem-estar social.

89 Ver mais adiante, em “elementos da reestruturação produtiva”.

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Os estados nesses países continuam adotando políticas ativas nas áreas industrial,

tecnológica, de financiamento à atividade produtiva, de educação e formação profissional

capazes de incidir e influenciar os rumos e perfil da reestruturação e de setores prioritários

num projeto de desenvolvimento econômico.

Com exceção de alguns núcleos centrais, particularmente nos países capitalistas

avançados – composto pela tríade Estados Unidos e o NAFTA, a Alemanha à frente da União

Européia e o Japão liderando os países asiáticos –, esse processo de reorganização do capital

também não comportava a incorporação daqueles países que não se encontravam no centro da

economia capitalista, como a maioria dos países de industrialização intermediária e os mais

débeis dentre os países do Terceiro Mundo. A crise teve dimensões tão fortes que também

eliminou os países pós-capitalistas do Leste Europeu e afetou o centro do sistema global de

produção do capital, os EUA, que então perdia a batalha da competitividade tecnológica para

o Japão (Kurz, apud Antunes, 2000, p. 32). A partir da década de 1990, com a recuperação

dos patamares produtivos e a expansão dos EUA, essa crise, dado o caráter de mundialização

do capital, também passou a atingir o Japão e os países asiáticos.

Essa lógica destrutiva, ao reconfigurar e recompor a divisão internacional do sistema de capital, traz como resultado a desmontagem de regiões inteiras que estão, pouco a pouco, sendo eliminadas do cenário industrial e produtivo, derrotadas pela desigual concorrência mundial. A crise experimentada pelos países asiáticos como Hong Kong, Taiwan, Cingapura, Indonésia, Filipinas, Malásia, entre tantos outros, quase sempre decorrente de sua condição, de países pequenos, carentes de mercado interno e totalmente dependentes do Ocidente para se desenvolverem. Num patamar mais complexificado e diferenciado, também encontramos o Japão e a Coréia do Sul, que, depois de um grande salto industrial e tecnológico, estão vivenciando esse quadro crítico, estendido também àqueles países (...) chamados de “tigres asiáticos”90 (Antunes, 2000, p. 33).

No Brasil, que desde o período do ex-presidente Collor, defrontava-se com mudanças

profundas nas regras de política industrial e tecnológica. Esta nova política, que manteve seus

preceitos básicos no governo de Fernando Henrique Cardoso, se articula em torno a diversos

programas estruturais. As principais diretrizes desses programas são:

a) políticas de liberação comercial, através da redução indiscriminada dos impostos

sobre as importações;

90 Esses países asiáticos, pequenos em sua grande maioria, não podem, portanto, se constituir como modelos alternativos a ser seguidos ou transplantados para países continentais, como Índia, Rússia, Brasil, México. A recente crise financeira asiática é expressão da sua maior fragilidade estrutural, dada a ausência de suporte interno para grande parte dos países asiáticos (Kurz, apud Antunes, 2000, p. 33).

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b) políticas de atração ao capital estrangeiro, por meio da redefinição das condições

de operação dessas empresas no país. No governo de Fernando Henrique Cardoso,

essa orientação se aprofundou com a tentativa de eliminar as restrições

constitucionais à participação do capital externo em todos os setores de atividade

econômica;

c) política de privatização das Estatais, de serviços públicos e a quebra dos

monopólios no setor de energia e telecomunicações;

d) redução dos custos de exportação (através do PROEX e do Projeto de

Modernização dos Portos);

e) Reestruturação do modelo empresarial brasileiro, através da promoção às fusões e

à desverticalização para as novas formas de organização e gestão do trabalho.

As principais características da política industrial que vem sendo aplicadas no Brasil

são: a ausência de política para os setores de ponta e para a capacitação tecnológica; a

ausência de prioridades setoriais; redução e desmonte das estruturas de Pesquisa e

Desenvolvimento (P&D); redução da linha de produtos fabricados por empresa e na cadeia

produtiva; reduzido estímulo a novos investimentos e indução à modernização conservadora

nas empresas; criação de ilhas de excelência frente a manutenção do atraso tecnológico em

diversos setores industriais.

Elementos da reestruturação produtiva – O processo de inovação tecnológica e

organizacional se desenvolve, a partir da década de 1980 no Brasil, de forma combinada à

crescente integração aos mercados externos, bem como à necessidade de maior

competitividade frente a produtos importados. Como objetivos básicos, as empresas, seja no

setor industrial, na área de serviços e na atividade agropecuária, têm buscado a diversificação

e especialização da produção/serviços, redução do tempo de lançamento de produtos/serviços,

redução dos tempos de projeto e fabricação, dos estoques e dos custos de produção e

gerenciamento; retomada do controle gerencial e a constituição de processos mais integrados

e com adequada flexibilidade.

Por detrás de tais medidas, existe uma grande corrida empresarial em busca de

melhoria de desempenho geralmente traduzidas pelos conceitos e indicadores de

“produtividade” e “qualidade” dos processos. Em relação à produtividade, especialmente no

setor industrial, são diversos os estudos demonstrando seu grande crescimento a partir de

1992/1993, ou seja, após a forte recessão iniciada no governo Collor. Vale ressaltar que parte

do crescimento da produtividade se deve ao processo de terceirização, que resultou na

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transferência de trabalhadores para o setor terciário, ou à condição de trabalhador autônomo

(além do aumento do desemprego estrutural).

Em termos de conteúdo, a reestruturação produtiva abrange cinco elementos básicos:

a) Informática, automação e robótica, com introdução seletiva de computadores,

máquinas CNC (comando numérico computadorizado), controladores programáveis (CP ou

controlador lógico programável, CLP), robôs, sistemas de transporte de materiais, sistemas

CAD/CAM, sistemas SDCD (sistema digital de controle distribuído), terminais ponto-de-

venda, terminais bancários, serviços home banking.

O uso da internet também deve ser mencionado. Sabe-se que embora restrito a apenas

5% da população mundial, estando a maioria dos usuários localizados nos países do Primeiro

Mundo, há um crescimento do uso de computadores no Brasil e na América Latina (Mauro,

2001). Para alguns estudiosos, a preocupação com as máquinas levou à subestimação do papel

de outros fatores na promoção do crescimento industrial, como a qualidade dos traba lhadores,

o estoque de diferentes técnicas, a eficiência da organização industrial, entre outros (ibidem).

O impacto das novas tecnologia de informação na cultura e na comunicação

contemporâneas tem levado muitos estudiosos, como pesquisadores da Universidade de

Stanford, nos Estados Unidos, a criarem o conceito de indústria da informação, caracterizando

a informação como matéria prima fundamental, “atribuindo à chamada sociedade informativa

o status de uma nova etapa que ultrapassa a sociedade industrial e conforma novas estruturas

sociais, suplantando, segundo eles, a etapa do capitalismo industrial” (Momesso, apud Barros

e Carneiro, 2001, p. 35).

O Brasil presenciou uma onda de modernização técnica no âmbito das tecnologias de

massa a partir da década de 1960, intensificando-se na década de 1970, principalmente

durante o período chamado milagre brasileiro. Na parceria do poder econômico com o militar,

os instrumentos de comunicação de massa serviram às disputas entre potências e dominação

dos povos. No Brasil, estes instrumentos serviram à aplicação do controle social e não

diferem do grau de importância que têm para divulgação ou sonegação de informações, ou na

imposição do pensamento e das concepções de vida da classe dominante. Santos (apud Barros

e Carneiro, idem, p. 36) afirmava em1996, que as novas tecnologias trazem implícito

...toda uma tendência de dominação que ao longo da história vem marcada pelas trocas entre grupos, porém de maneira desigual, onde um grupo acabava por impor a certos grupos as técnicas de outros grupos, “mudando-lhes os antigos equilíbrios e acrescentando elementos externos às histórias até então autônomas”.

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O uso que se faz da informação e os meios de comunicá-la englobam novas técnicas

que conduzem não só a uma nova percepção do tempo, mas a uma nova coordenação e rigor.

Neste sentido, Santos (ibidem), faz uma citação de M. Traber apontando para aquilo que

muitos autores contemporâneos têm chamado a atenção, o fato de que hoje, muito mais do

que há três decênios, a informação, inigualitária e concentradora, é a base do poder em uma

sociedade cada vez mais globalizada.

O processo de automação bancária, por exemplo, é um problema que se agrava em

larga escala. A máquina, na figura dos caixas eletrônicos e dos computadores em rede, além

de substituir o bancário, enfraquece uma das principais armas sindicais, a greve. Se há alguns

anos atrás a greve conseguia paralisar o funcionamento dos bancos, hoje não consegue parar

além de alguns serviços. Quem sai contudo mais prejudicado sã o as pessoas que não se

adaptaram às máquinas e aquelas que não têm acesso às suas contas bancárias via telefone,

fax ou internet.

Na agricultura e na pecuária, além da informatização de atividades administrativas, há

uma crescente introdução de máquinas, equipamentos e insumos destinados à agilização da

produção e à obtenção de maior produtividade.

b) Mudanças nas relações entre empresas, com destaque ao processo de terceirização

de serviços de apoio (alimentação, transporte, vigilância, etc.), domínios industriais,

consórcios modulares – o fornecimento externo de componentes ou insumos (outsourcing), e

a sua compra em qualquer parte do mundo (global sourcing).

O objetivo empresarial seria o de “focalizar” suas operações, em função de

características estratégicas. Esse processo não é novo, o que é novo é a aceleração das

transferências de atividades. Seus maiores indutores no caso brasileiro foram a recessão da

década de 1990, e a abertura às importações. Nesse sentido, a terceirização recente se

caracterizou como uma estratégia de “redução de custos” por parte de inúmeras empresas,

especialmente através de inúmeras fraudes trabalhistas e da degradação das condições de

trabalho.

De modo geral, o processo de terceirização é abrangente. Em geral, combinam-se na

terceirização as fraudes trabalhistas e a degradação das condições de trabalho com a falta de

capacitação tecnológica das empresas de médio e pequeno porte – aspecto este que acaba se

constituindo em empecilho à própria difusão dessa estratégia empresarial.

No que concerne ao âmbito político, a terceirização tem afetado diretamente os planos

de ação coletiva, na medida em que tem sido o meio pelo qual o capital consegue cada vez

mais fragilizar as representações e as práticas sindicais, reforçando assim as identidades

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corporativas em prejuízo das identidades de classe. Enfraquece, conseqüentemente, os laços

de solidariedade entre os trabalhadores que já vivem sob a ameaça do desemprego e provoca,

por fim, a desunião.

A luta dos sindicatos contra a terceirização não é nova. Mas nos últimos anos, os

acordos coletivos, em várias categorias de trabalhadores, revelam que as cláusulas associadas

à terceirização destacam o problema da mão-de-obra temporária e a desregulamentação dos

contratos de trabalho (Barros e Carneiro, 2001).

Outras mudanças ocorreram em termos de relação das empresas, especialmente em

termos de parceria “produtor final-fornecedor”: é o caso do desenvolvimento conjunto de

componentes ou serviços, do fornecimento de subconjuntos complexos , do suprimento “just-

in-time”, do fornecimento de insumos com “qualidade assegurada”, de estruturas

compartilhadas, da ligação telemática e do apoio à capacitação tecnológica.

c) Mudança na organização dos processos de produção/serviços. O ideal da “produção

enxuta” nos modelos toyotistas, e a possibilidade de implementar técnicas deste modelo sem

elevados investimentos, move boa parte destas transformações. Os principais destaques são a

introdução da lógica “just-in-time/kanban” (tudo chega na hora exata ), interna e externamente

às unidades empresariais, a formação de células de produção e a constituição de minifábricas

ou a segmentação das unidades de processamento.

d) Transformações na organização dos processos de trabalho também vão tomando

forma nas empresas brasileiras. Isso não significa que tradicionais elementos e formas da

produção taylorista/fordista, que implicavam em determinadas características da organização

do trabalho, foram completamente abandonadas, como o estudo de tempos e movimentos, a

padronização de processos, as clássicas linhas de montagem e seus métodos de gestão. Há

portanto uma coexistência da nova fábrica com a antiga fábrica: a da empresa reestruturada

com a velha empresa. Mais que isso, novos rótulos como o toyotismo e a “qua lidade total” se

utilizam de alguns desses elementos também para sua sustentação, em especial o estudo de

tempos e a padronização.

Como inexistem grandes impedimentos ao uso flexível do trabalho no Brasil, isso

facilita imensamente a implementação de esquemas de “trabalho polivalente”, com

características qualificantes (novas tarefas de conteúdo técnico mais complexo), ou não, e

portanto, associado ou não a novos conceitos de gestão.

Outra inovação com grande potencial de difusão é o “trabalho em equipe”, na lógica

“vários homens para uma área de trabalho e um conjunto de tarefas”. Trata -se de um grupo

que detém responsabilidades operatórias para cumprir parâmetros anteriormente negociados,

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tácita ou explicitamente, junto à gerência. Determinada autonomia decisória, especialmente na

distribuição interna de funções e determinação do método de trabalho, pode ser atribuída à

própria equipe, bem como a escolha do líder, a gestão do processo e aspectos correlatos,

quando sua concepção obedece à chamada “Escola Sócio-Técnica” e ao conceito de “co-

determinação” com certa difusão nos países escandinavos e outras regiões européias sendo a

qualificação profissional um elemento básico. Em outros casos, permanecem a supervisão

externa e o tempo imposto, bem como o dever da equipe de apresentar sugestões de

melhorias.

e) Mudanças na gestão das empresas – novas formas de gestão do trabalho e de gestão

empresarial: com relação à gestão do trabalho, as mudanças em curso não se difundiram de

forma homogênea, sendo muito presentes os estilos gerenciais autoritários. Entretanto, além

do corte de níveis hierárquicos, tem havido grande esforço no treinamento comportamental de

gerentes, mestres, supervisores, etc., visando a motivação e capacitação dos trabalhadores

comandados e a aquisição de competência gerencial como papéis fundamentais.

A lógica da nova organização embute mecanismos de controle que permitem tal

redução: é o caso do just-in-time, dos conceitos de cliente interno e do binômio cliente-

fornecedores em todo o processo produtivo, que levam a esquemas de fiscalização entre os

próprios trabalhadores, além do controle autônomo de defeitos, da inspeção de qualidade feita

pelos próprios operadores.

Os programas de “qualidade total” (TQC ou CQT) são, na realidade, conjuntos de

diretrizes de gestão que contam com instrumentos que apóiam o controle gerencial e tomada

de decisão sobre os processos produtivos: são métodos e técnicas (MASP, PDCA “espinha de

peixe”, cartas de processos, gráficos de controle, histogramas etc.), cujo grande sentido é a

racionalização incremental, com algum grau de abertura visando o levantamento de

informações e soluções a partir dos trabalhadores. Da mesma forma, são aplicados em

atividades industriais, agrícolas e na área de serviços.

Por outro lado, sob o rótulo de reengenharia, pode -se encontrar os mais variados casos

de reestruturação empresarial, até uma completa revolução na fábrica, em termos de sua

estratégia de negócios, de gerenciamento e de sua organização produtiva.

A adoção de diversos dos elementos da chamada reestruturação produtiva leva a uma

nova fragilidade das empresas, já que reduz a quantidade de recursos, inclusive estoques, que

possam recuperar eventuais imprevistos na produção; também a maior interdependência entre

as empresas pode levar à interrupções no processo produtivo nacional, forçando a entrada de

mercadorias e de capitais estrangeiros.

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Com isso, intensificou-se a “guerra comercial” e a palavra de ordem é a

“competitividade internacional”, que deve ser alcançada a qualquer custo. E os primeiros

“custos” a serem cortado são os direitos sociais e trabalhistas.

Nesse contexto a competitividade da empresa é tudo, enquanto os direitos dos

trabalhadores são subordinados a esse objetivo.

A reestruturação produtiva e os trabalhadores – A nível internacional, essas

mudanças tem promovido alterações profundas no perfil e composição do mercado de

trabalho. Elas tem acelerado a diferenciação entre os trabalhadores com a criação de um

núcleo mais estável de trabalhadores multiqualificados, responsáveis pela condução da

produção nas novas empresas e a desqualificação profissional de um contingente expressivo

de trabalhadores.

Essa diferenciação é fruto dessas mudanças mas também da ofensiva patronal sobre o

papel dos sindicatos na representação dos trabalhadores e o ataque sobre os sistemas de

contratação nacionais – horizontais e verticais – responsáveis por estabelecer garantias

básicas e fundamentais para o conjunto dos trabalhadores. Os empresários procuram abalar

esses siste mas através das negociações isoladas por empresa, com a criação e fortalecimento

de vínculos individuais em detrimento da negociação coletiva e da informalização das

relações de trabalho (tempo parcial, regimes especiais de contrato de trabalho), em partic ular

para o conjunto dos trabalhadores que ocupam posições secundárias no processo produtivo.

Além disso, uma das características mais nítidas dos impactos da reestruturação

industrial sobre o mundo do trabalho é o desemprego estrutural e crônico. A manut enção de

um nível elevado de desemprego, além de se tornar num dos maiores problemas sociais no

mundo contemporâneo, atinge duplamente o poder sindical. De um lado, transforma-se em

um poderoso instrumento de pressão empresarial para forçar a informalizaçã o e redução dos

direitos e garantias sociais e econômicas ou mesmo pressionar os trabalhadores para isolar os

sindicatos e os seus diversos níveis de organização das negociações relativas ao engajamento

dos trabalhadores nos programas das empresas. De outro, reduz a base de representação dos

sindicatos com o desemprego e dificulta as iniciativas dessas entidades em procurar envolvê-

los, pois o desemprego não é somente elevado mas também crônico, e, portanto, capaz de

criar uma massa de trabalhadores margina lizados na sociedade, com grandes dificuldades de

encontrar a reinserção no mercado formal de trabalho, com aspirações e expectativas muito

diferenciadas frente ao próprio trabalho.

Essa diferenciação tem dificultado o papel de representação coletiva dos sindicatos,

pois é cada vez mais difícil organizar uma agenda sindical onde o conjunto dos trabalhadores

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possam se sentir identificados e representados e capazes de manter os princípios de

sociabilidade, identidade e solidariedade – como os principais vetores da organização coletiva

dos trabalhadores.

Esses impactos da reestruturação industrial sobre o mercado de trabalho, a organização

sindical e os sistemas de negociações coletivas não foram iguais nos diversos países

desenvolvidos. Em relação ao desafio que tem significado ao papel dos sindicatos, há diversos

casos onde as organizações sindicais foram capazes de manter-se como os principais

interlocutores dos trabalhadores nas negociações coletivas. Igualmente, há experiências onde

se manteve os sistemas de negociações nacionais – verticais e horizontais – junto aos quais as

negociações por empresa ou estabelecimentos não anulavam os parâmetros gerais neles

estabelecidos. No entanto, isso não quer dizer que essas organizações sindicais tenham

conseguido responder à ofensiva patronal em seu conjunto.

Por outro lado, é importante considerar que nos países desenvolvidos a reestruturação

industrial se dá num ambiente onde o mercado de trabalho é relativamente homogêneo, os

sistemas de contratação eram naciona is e a representação sindical possuía raízes históricas e

contratuais consolidadas. Esses elementos são considerados vitais para o movimento sindical

buscar influenciar os rumos da reestruturação industrial e são exatamente os mais fáceis no

movimento sindical brasileiro.

No Brasil, do ponto de vista dos trabalhadores, as mudanças tecnológicas e

organizacionais, especialmente nos momentos de mais aguda crise econômica, resultam em

conseqüências prejudiciais, em particular o crescimento da parcela de trabalhadores excluídos

do mercado de trabalho, urbano e rural. No caso dos trabalhadores do campo,

...deu-se continuidade à “defesa” de um trabalhador rural genérico, abstrato, ignorando o novo quadro emergente com as alterações na base produtiva da agricultura, com sérios desdobramentos para os trabalhadores, atingindo a todos a um só tempo: a perda do acesso à terra por segmentos de pequenos proprietários, parceiros, arrendatários, tendo em vista a política agrícola seletiva e discriminatória do governo e de projetos como o Proálcool que intensificaram, ainda mais, o processo concentracionista da propriedade da terra (Thomas Júnior, 1999, p. 6).

Tudo isso está fortemente associado a uma série de características do processo de

reestruturação, no qual convive m empresas em transformação, novos negócios com alto

conteúdo tecnológico, firmas com produtos, serviços ou processos obsoletos e uma série de

iniciativas informais com baixa qualificação técnica. Dessa convivência resultam como

efeitos, vivenciados conjunta ou isoladamente em dimensão local, regional ou nacional:

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eliminação de postos de trabalho, e no campo êxodo rural; precarização das condições e

vínculos de trabalho; manutenção de parcela de trabalhadores semiqualificados e não-

qualificados; recorrentes perdas salariais; no campo perdas também na remuneração do

trabalho familiar agrícola; manutenção de políticas de cargos/salários incompatíveis; perda de

autonomia e/ou prerrogativas profissionais (no campo, com características diferenciadas entre

os agricultores familiares); e aumento do desgaste mental.

Em contrapartida, há casos localizados em que se constata a melhoria das condições

ambientais e ergonômicas, redução das taxas de rotatividade em alguns setores, novo padrão

comportamental das chefias (com redução de conflitos com os operários), aumento da

autonomia decisória no processo produtivo, maior qualificação profissional para determinados

grupos operários, baseada em maior volume de treinamento e capacitação.

Verifica-se também a coexistência dos padrões tradicionais de organização e requisitos

profissionais, com a constituição de um novo perfil do trabalhador que passa a ser solicitado

ou formado para compor os núcleos principais das empresas reestruturadas. De uma forma

geral, esse novo perfil privilegia: exigência de produzir não apenas quantidade, mas também

qualidade; multifuncionalidade e capacidade de atuar em grupos, com capacidade de gestão

dos processos, e mobilidade intra-empresas e inter-operações; incentivo à permanente solução

de problemas, uso de criatividade e iniciativa; níveis mais elevados de escolaridade;

classificação de cargo abrangente e redução do leque salarial; desempenho avaliado em

função de metas; visão mais abrangente sobre a unidade produtiva e a empresa; maior

envolvimento com a política empresarial; e no campo, a especialização dos agricultores

familiares em determinadas atividades e produtos.

Esse processo de reestruturação produtiva vem sendo vivido com maior intensidade no

Brasil desde 1990, quando se combinou com a implantação do projeto neoliberal e recessões

recorrentes. Mas, conforme já mencionado, as mudanças tecnológicas e organizacionais,

difundidas por esse novo modelo de desenvolvimento, não têm se difundido para o conjunto

da economia. Está concentrado em “ilhas” que conseguem se inserir no mercado mundial, e

avançam também no serviço público. De acordo com Batista e Codo (2000):

Na medida em que os funcionários públicos se encontravam à margem dos direitos sindicais, na procura de alternativas para a prática sindical, estava explícito o afastamento das estruturas sindicais tradicionais. ...durante a década de 1980, estes trabalhadores crescem em nível de organização, embora este processo haja sido mais importante para o caso dos trabalhadores do ensino. “...durante os anos 80, freqüentes mudanças na política salarial, a recessão e quase todos os planos econômicos tiveram efeito depressivo sobre os níveis

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salariais, tendência mais acentuada para os salários do serviço público, em função da crise das finanças públicas e da elevação dos níveis de inflação. Foi nesse marco que o salário do funcionalismo tornou-se uma variável de ajuste na política econômica” (Guedes, 1994). Já durante os anos 90, no contexto da aplicação de políticas de orientação neoliberal, que exigem cortes nas despesas públicas... Os direitos conquistados pelos trabalhadores foram paulatinamente sendo desmantelados em maior ou menor medida, num clima generalizado de terror psicológico no marco das ameaças, de racionalizações, proliferação de emprego temporário etc. ... não obstante, ...a perda do emprego não ameaça diretamente aos professores, estes são afetados pela racionalização orçamentária, que leva cada vez mais à deterioração de seus instrumentos e das condições de trabalho. Os trabalhadores que participam hoje do sindicato são aqueles que experimentam na pele, no dia-a-dia, a crise que atinge a organização sindical, os impasses que ela enfrenta, tanto como vivienciam a necessidade de transmudar diversos aspectos dessa organização.

Dar respostas a essa diversidade de situações, é um grande desafio para o movimento

sindical, em particular à ação sindical cutista. A CUT entende que, conjuntamente com a luta

em defesa do emprego e dos direitos dos trabalhadores, deve -se intensificar a propaganda por

uma nova sociedade, uma sociedade socialista. Pois, é a própria incapacidade do capitalismo

de resolver os problemas básicos da humanidade que realça esta necessidade, que deve ser

refletida nas atividades da Central.

Em meio a tanta destruição de forças produtivas, da natureza e do meio ambiente, há

também, em escala mundial, uma ação destrutiva contra a força humana de trabalho que tem

enormes contingentes precarizados e à margem do processo produtivo, elevando a intensidade

dos níveis de desemprego estrutural. Embora a crise estrutural do capital tivesse

determinações mais profundas, a resposta capitalista a essa crise foi enfrentá-la na sua

superfície, isto é, reestruturá-la sem transformar os pilares essenciais do modo de produção

capitali sta. Tratava-se de reestruturar o padrão produtivo estruturado sobre o binômio

taylorismo e fordismo , procurando repor os patamares de acumulação existentes nas décadas

anteriores (Antunes, 2000).

As mudanças e transformações ocorridas na década de 1980, uma década, segundo

Antunes (1995), citado por Antunes (2000), de grande salto tecnológico, da invasão da

automação e da robótica no universo fabril, penetrando nas relações de trabalho e de produção

do capital, são reflexionadas aqui a partir de alguns pr ocessos tais como o

taylorismo/fordismo , o toyotismo e a flexibilização.

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3.10.5 Negociação Coletiva do Trabalho, do fordismo ao toyotismo

Os diversos fenômenos contidos na Negociação Coletiva de Trabalho (NCT) ou nos

sistemas de contratação coletiva, assim como outros aspectos das relações de trabalho,

passaram por momentos de redefinições e ajustamentos dentro das mudanças operadas, a

partir das duas últimas décadas, no curso das economias em que estão inseridos.

De acordo com Garcia (1998, p. 85), as práticas de NCT, corriqueiras e

institucionalizadas nos países industrializados e com economia de mercado e consolidação

democrática – mas caricatura das mesmas no Brasil pelas condições impostas pelo

corporativismo de Estado –, desenvolveram-se dentro e no marco regulador do modelo

fordista de desenvolvimento.

Ao longo da história dos trabalhadores no capitalismo, apareceram várias formas de

regulação das relações de trabalho. Dentre essas destacam-se a negociação individual, que

predominou nas primeiras fases da industrialização, a determinação unilateral por parte dos

empresários do conteúdo das relações de trabalho que ocorre em contexto de sindicatos

particularmente fracos ou em situações de fortes crises econômicas,91 a imposição de

condições de emprego por um sindicato que correspondeu ao sistema organizacional dos

sindicatos de ofício, hoje inexistentes, que controlava a oferta de trabalhadores especializados

no mercado de trabalho, a regulamentação das relações de trabalho pela imposição dos

governos, típica do corporativismo de Estado, que consiste em subordinar a força de trabalho

às necessidades de acumulação do capital, mediante o controle institucional e político do

movimento operário pelo Estado, a negociação coletiva que consiste numa regulação conjunta

(entre os empresários e os trabalhadores) dos termos e condições do emprego. Essa última

forma de regulação das relações do trabalho se desenvolveu no meio do modo de

desenvolvimento fordista.

A lógica do fordismo, enquanto modo de desenvolvimento, parte da barganha estabelecida, que permitiu o crescimento real dos salários, verdadeiro motor econômico do sistema. A sua virtuosidade é representada num “círculo vicioso” que se auto-alimenta: o aumento da produtividade

91 Tradicionalmente, crise econômica era sinal da retração econômica e o principal sintoma o desemprego: “As crises econômicas são caracterizadas pelo fato de gerarem desemprego e subemprego como fenômenos de massa” (Ver Offe, 1985, p. 19). Com o aparecimento da reestruturação produtiva, o desemprego não é mais, necessariamente, sinal de crise econômica (“a economia vai bem, obrigado”), uma vez que crescimento econômico e investimento são fenômenos acompanhados de desemprego. Essa re-caracterização da crise como apenas social e não como econômica indica a desarmonia entre esse dois âmbitos da realidade, o paradoxo diante do qual a “produção flexível” nos coloca, o que trará conseqüências importantes para a natureza da negação coletiva (Garcia, 1998, nota 3, p. 94).

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obtido pela nova tecnologia de produção (linha de montagem mais taylorismo) permite, quando se constituem sindicatos fortes, aumentos reais dos salários. Estes induzirão ao dinamismo dos bens de consumo, que demandarão crescimento dos bens de capital, que gerarão lucratividade elevada e acumulação, que injetará investimentos na produção, que fará, novamente, aumentar a produtividade e permitirá aumentos reais dos salários (Garcia, 1998, p. 87).

É um tipo de desenvolvimento puxado pelos salários, cuja dinâmica radica na

demanda gerada pela possibilidade do aumento do padrão de vida das populações dos países

centrais. A perspicaz estratégia de Ford evidenciou-se quando se propôs a fabricar carros que

pudessem ser comprados por seus operários. No que concerne ao NCT no interior do

fordismo, apresenta uma diversidade de formas concretas. No entanto, uma característica

essencial da negociação coletiva é aquela que define a sua lógica. “Esse processo se denomina

negociação porque cada uma das partes pode pressionar a outra” (Garcia, 1998, p. 87). Uma

das formas de pressão mais conhecidas é a greve, mas existem muitas mais.

A razão da consideração da lógica da pressão como essencial ao sistema de

contratação coletiva deriva do entendimento de que a força de trabalho deve ser tratada, pelo

menos, como qualquer outra mercadoria que se compra e vende no mercado. Para que a

negociação coletiva seja possível, é essencial que a força de trabalho, de forma coletiva, por

meio das instituições representativas dos trabalhadores, possa ser tratada como uma

mercadoria no mercado de trabalho. Significa que os sistemas de contratação coletiva são

inviáveis sem o reconhecimento prévio das organizações dos trabalhadores, em particular, dos

sindicatos. Isso envolve todo o processo histórico do surgimento da convicção da existência

de alguns “direitos” dos trabalhadores ou de uma especial “cidadania” ou democracia

industrial e remete à questão das pré-condições da NCT: a liberdade e autonomia sindicais e o

direito de greve.

Esse arranjo social, econômico e político encetado pelo fordismo começou a ter

problemas de harmonia nos três níveis de análise e de esgotamento ou crise no advento da

Terceira Revolução Industrial. Uma série de mudanças contribuiram para converter a

“virtuosidade” originária do fordismo em fonte de deficiências que levariam a perder a

funcionalidade interna do sistema (Ferreira, apud Garcia, 1998). Por exemplo, no campo da

tecnologia de produção, passou-se a observar um estancamento da capacidade produtiva,

desse modo a norma salarial fordist a e a barganha capital-trabalho que regulava o sistema

perdiam a base de sustentação técnico-produtiva, sofrendo pontos de atrito, o que era

evidenciado pela intensidade do conflito trabalhista social, no final da década de 1960, que

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tinha como pano de fundo a crise fordista. No âmbito do mercado, as mudanças levaram a

uma situação inversa. Este começava a ser regido pela oferta, sendo que a variedade e

qualidade dos produtos era o fator decisivo para a maioria dos consumidores, em momento

em que os mercados davam sinais de saturação. Esta mudança de foco era indicativo de que o

mais importante deixava de ser a produção padronizada, mas a diversidade de produtos, a

qualidade e a adequação aos diferentes gostos ou necessidades dos consumidores. Foi aí que

começou a surgir uma nova tecnologia de produção e de organização do trabalho, o

toyotismo, ou produção enxuta (ou flexível) que começou a se reger por uma lógica contrária

ao fordismo, permitindo uma adequação mais ágil ao novo mercado. 92

Junto com essa mudança estrutural no âmbito da produção começou o processo de

globalização. A abertura dos mercados, a importância do capital financeiro, a interprenetração

patrimonial, a desregulamentação da economia e a criação dos blocos econômicos regionais

de governo começaram a desenhar uma profunda reestruturação capitalista que se intensificou

e se generalizou a partir dos anos 80.

Com a entrada do toyotismo em cena, recolocou-se a questão do conflito capital-

trabalho. No modelo fordista, nos países de capitalismo avançado, a experiência de situação

homogênea dos trabalhadores era favorecida pelas grandes e verticalizadas fábricas, onde o

trabalho repetitivo e parcelado, quase inconsciente, era partilhado por uma grande massa de

trabalhadores que se via e sentia na mesma condição de emprego, enquanto o caráter de

conflituosidade com os operários era percebido como “natural”. Na lógica toyotista, o

aparecimento de maior heterogeneidade das situações de trabalho, a redução do tamanho das

empresas, o “envolvimento” dos tr abalhadores com os objetivos das empresas, a concorrência

entre grupos de trabalhadores no interior das cadeias produtivas e até dentro da mesma

empresa, dentre outros fenômenos, fragmentizaram a percepção de igualdade de situação no

trabalho, de construção de identidades coletivas, de representatividade de interesses

homogêneos entre diferentes grupos de trabalhadores e os colocaram como rivais ou

concorrentes entre si, deslocando o conflito para dentro do recinto assalariado.

Nesse contexto, Garcia (1998, p. 90) argumenta que para se posicionar a favor da

desregulamentação costuma-se argumentar que as flexibilidades produtivas e do trabalho

exigem necessariamente flexibilidade e desregulação das relações de trabalho. Mas é difícil

imaginar uma forma de regulação das relações de trabalho mais flexível do que a negociação

92 A tecnologia de base microelétrica, unida a uma linha de montagem flexível (just-in-time, Kanban), a uma nova intensificação do trabalho multifuncional, participativo, em equipe e a novos arranjos na relação entre as

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coletiva. Garcia (idem, p. 91) também diz que as formas predominantes de negociação

coletiva na Europa sofreram algumas modificações em conseqüência da entrada em cena de

fenômenos ligados à reestruturação industrial: tendência predominante à descentralização da

negociação coletiva; derivando-se do menor poder de barganha dos sindicatos com o novo

cenário, surgiram as “negociações de concessões”, pelas quais os representantes dos

trabalhadores se viram na necessidade de conceder a redução salarial e de abrir mão de

cláusulas, direitos e conquistas já estabelecidas e consolidadas; a jornada de trabalho, símbolo

de conquista progressiva operária, sofreu também alterações devido à pressão empresarial,

sendo que diversas formas de flexibilidade apareceram; e no âmbito dos contratos de trabalho,

expuseram-se várias modalidades de contratos “especiais”: contratos temporários, parciais,

atípicos, de menor custo para as empresas e de menor densidade de direitos. Em resumo, as

relações de trabalho no contorno toyotista tendem a aumentar a heterogeneidade das relações

de trabalho, apresentando, juntas e combinadas, diferentes formas de regulação das relações

de trabalho, desde a implantação unilateral autoritária até a introdução negociada, passando

por diversas formas de “envolvimento” individual e coletivo e pela negociação de concessões

(Garcia, 1998).

3.10.6 Repercussões sobre o sindicalismo brasileiro

No caso brasileiro, segundo Antunes (1997), o fordismo e o taylorismo já não são

únicos e mesclam-se com outros processos (neofordismo e neotaylorismo) sendo em alguns

casos até substituídos. Novos processos de trabalho emergem, nos quais o cronômetro e a

produção em série são substituídos pela flexibilização da produção, por novos padrões de

busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado.

Novas modalidades de desconcentração são ensaiadas, buscam-se novos padrões de gestão da

força de trabalho, dos quais os CCQs (círculos de controle de qualidade) são expressão visível

não só no mundo japonês mas em vários países de capitalismo avançado e do Terceiro Mundo

industrializado. O “toyotismo” penetra, mescla -se ou mesmo substitui em várias partes o

padrão taylorismo-for dismo.

Há uma significativa heterogeneização e complexificação da classe que vive do

trabalho, dada pela subproletarização do trabalho, presente nas formas de trabalho precário,

parcial (contrato temporário). Do incremento da força de trabalho que se subproletariza, um

empresas, seria reconhecida como a inflexão que marcaria o início da Terceira Revolução Industrial (Garcia, 1998, p. 88).

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segmento expressivo é composto de mulheres. Do mesmo modo, tem-se um intenso processo

de terceirização do trabalho a partir da expansão do setor de serviços. Paralelamente à redução

quantitativa do operariado tradicional, dá -se uma alteração qualitativa da forma de ser do

trabalho. Desse modo, o intercâmbio de trabalho vivo por trabalho objetivado, ou seja, o

convertimento o trabalho social sob a forma da antítese entre capital e trabalho, é o último

desenvolvimento da relação de valor da produção fundada no valor. O suposto dessa

produção, diz Antunes (1997, p. 75), “é, e segue sendo, a magnitude de tempo imediato de

trabalho, a quantidade de trabalho empregado como fator decisivo na produção da riqueza”.

Num quadro abrangente e complexo de tantas mudanças, o sindicalismo não poderia

permanecer imune a essas tendências. Dentre as suas principais mudanças, destacam-se a

diminuição das taxas de sindicalização, em países como EUA, França, Itália, Alemanha,

Japão, entre outros. Com o aumento da disparidade entre operários estáveis e precários,

parciais, “reduz-se fortemente o poder dos sindicatos, historicamente vinculados aos

primeiros e incapazes, até o presente, de incorporar os segmentos não estáveis da força de

trabalho” (ibidem, p. 79). Houve, na década de 1980, em vários países do centro, aumento de

casos de corporativismo, xenofobia e racismo, no seio da classe trabalhadora. Tudo isso

permite constatar que o movimento sindical também se encontra dentro de uma crise

acentuada que atingiu com intensidade, nos anos de 1980, o sindicalismo nos países

avançados e que, no final desta década e início da década de 1990, atingiu diretamente os

países subordinados, do Terceiro Mundo, especialmente aqueles dotados de um parque

produtivo relevante, como é o caso do Brasil (Antunes, ibidem).

3.10.7 Toyotismo e reestruturação produtiva

Ao surgir como o “momento predominante” do complexo da reestruturação sob a

mundialização do capital, o toyotismo passou a incorporar uma “nova significação” para além

das particularidades de sua origem sócio-histórico (e cultural), vinculado com o capitalismo

japonês. Devido a isso, Alves (2000, p. 30) ao utilizar o conceito de toyotismo lhe dá uma

significação particular, delimitando alguns de seus aspectos essenciais (protocolos

organizacionais [e institucionais]), voltados para realizar uma nova captura da subjetividade

operária pela lógica do capital – capazes de esclarecer seu verdadeiro significado nas novas

condições da mundialização do capital. Para o referido autor, o potencial heurístico do

conceito de toyotismo é limitado à compreensão do surgimento de uma nova lógica de

produção de mercadorias, novos princípios de administração da produção capitalista, de

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gestão da força de trabalho, cujo valor universal é const ituir uma nova hegemonia do capital

na produção, por meio da captura da subjetividade operária pela lógica do capital. O

toyotismo é visto como um estágio superior de racionalização do trabalho que não rompe, a

rigor, com a lógica taylorismo-fordismo, é por isso que em alguns setores é chamado de

“neofordismo” ou “neotaylorismo”. Entretanto, no campo da gestão da força de trabalho, ele é

visto como um salto qualitativo na captura da subjetividade operária pela lógica do capital, o

que o distingue, pelo menos no plano da consciência de classe, do taylorismo-fordismo.

O toyotismo é considerado por Alves (2000) como a mais radical experiência de

organização social da produção de mercadorias, sob a era da mundialização do capital. Era

adequado às necessidades da acumulação do capital na época da crise de superprodução e

ajustava -se à nova base técnica da produção capitalista, sendo capaz de desenvolver suas

plenas potencialidades de flexibilidade e de manipulação da subjetividade operária.

Os princípios organizacionais do toyotismo, no decorrer dos anos de 1980, foram

adotados por várias corporações transnacionais, nos EUA, Europa, Ásia e América Latina,

principalmente no setor industrial, mas até nos serviços encontraram aplicação. O aspecto

original do toyotismo era articular a continuidade da racionalização do trabalho, intrínseca ao

taylorismo e fordismo, com as novas necessidades de acumulação capitalista. Mas, por traz da

intensificação do ritmo de trabalho que existe no toyotismo, em virtude da “maximização da

taxa de ocupação das ferramentas e dos homens” (Coriat, apud Alves, 2000, p. 35), persiste

uma nova receptividade do trabalho. Realiza uma ampliação do ciclo do trabalho em virtude

da “desespecialização”. Só que ampliar o ciclo do trabalho não significa desenvolver o

processo de “requalificação” do trabalho. A “desespecialização” - ou polivalência operária –

não significa que eles tenham se convertido em operários qualificados, mas representa “o

extremo da desqualificação, ou seja, seus trabalhos foram despojados de qualquer conteúdo

concreto” (Aglietta, apud Alves, ibidem). Tal como o taylorismo e o fordismo, o objetivo

supremo do toyotismo – ou da “produção enxuta”- continua sendo incrementar a acumulação

do capital por meio do incremento da produtividade do trabalho.

A constituição do toyotismo tornou-se adequada à nova base técnica da produção

capitalista porque é ele que irá propiciar com maior poder ideológico, no campo

organizacional, os apelos à administração participativa, salientando o sindicalismo de

participação e os CCQs; reconstituindo, para isso, a linha de montagem e instaurando uma

nova forma de gestão da força de trabalho. Silva (1997), citado por Coriat (apud Alves, 2000,

p. 37), observa que a perfeição da gerência toyotista dos recursos humanos, quanto ao

controle da força de trabalho, é tamanha que a campanha reivindicativa dos operários da

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Toyota, no Japão, em 1954, teve como palavra de ordem: “proteger nossa empresa para

defender a vida”. Desse modo, uma característica central do toyotismo é a vigência da

“manipulação” do consentimento operário, objetivada em um conjunto de inovações

organizacionais, institucionais e relacionais no complexo de produção de mercadorias, que

permitem superar os limites postos pelo taylorismo-fordismo.

Nessa perspectiva, o valor universal do toyotismo como “momento predominante” do

complexo de reestruturação produtiva – e como ofensiva do capital na produção – é instaurar

uma nova hegemonia do capital, no plano da produção de mercadorias, articulando, de modo

original, coerção capitalista e consentimento operário.

O toyotismo não possui a pretensão de instaurar uma sociedade “racionalizada”, mas

apenas uma “fábrica racionalizada”. Os protocolos organizacionais do toyotismo, que

inscrevem a nova via de racionalização do trabalho, são a autonomia/auto-avaliação, just-in-

time/kanban e a polivalência operária. Eles compõem os nexos contingentes do toyotismo ,93

que instauram uma “flexibilidade interna”, constituída no coletivo de trabalho, no espaço (e

na cadeia) de produção, capazes de contribuir para os ganhos de produtividade buscados pela

nova gestão da produção. Alves (2000, p. 41), citando Mészáros (1995), diz que a sociologia

do trabalho tende, no entanto, a desprezar os nexos essenciais do toyotismo (a nova captura da

subjetividade operária, o novo estranhamento, indispensável para o desenvolvimento da

“produção destrutiva” do capital nas condições da mundialização).

De acordo com Coriat (apud Alves, 2000, p. 42), “a flexibilidade 94 (...) é pensada e

cons truída como alavanca e fator-chave determinante da produtividade”. É por isso que o

toyotismo surge como a expressão maior da acumulação flexível no complexo de

reestruturação produtiva.

93 Objetos de análises concretas da sociologia do trabalho, como as realizadas por Coriat, refere Alves (2000, p. 41), único sociólogo que conseguiu apreender a fenomenologia do toyotismo, apesar de existir uma série de análises sociológicas fragmentárias sob os vários aspectos do denominado “modelo japonês”, feitas por Wood, Humphrey, Zarifian, Hirata, Freyssenet, Kaplinsky, e outros. 94 O termo flexibilidade, freqüentemente usado numa acepção genérica, pode indicar diferentes características tanto das máquinas quanto da utilização da mão-de-obra. Tem sido usado também para fazer referência a um paradigma que continha uma alternativa macroeconômica à produção em massa, conforme sugeriram Piero e Sabel (1984). O debate sobre a flexibilidade insere-se na teoria do processo de trabalho, referindo-se a diferentes aspect os da atividade econômica (Wood, 1989, e Humphrey, 1989). Entre as diversas formas de flexibilidade incluem-se: flexibilidade da produção, flexibilidade das práticas de emprego, flexibilidade dos postos e relações entre empresas. O balanço crítico a que foi submetido esse debate durante a década de 1980 levou à ênfase atual

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3.10.8 Flexibilização e terceirização

A flexibilização das formas de contratação constitui um segundo elemento do processo

dissociativo atual entre os trabalhadores (o primeiro elemento seria a rotatividade no

emprego). Segundo Cruz (2000, p. 124), não foi apenas o desemprego o responsável pela

crise do discurso do novo sindicalismo, tampouco as condições da materialidade econômica,

embora seja forçoso admitir que a perda de capacidade de ação política dos trabalhadores

apresentou um componente psicossocial elevado, e que a possibilidade da perda do posto de

trabalho, numa economia altamente instável como a do início da década de 1990, com

elevação progressiva das taxas de desemprego, foi um elemento importante no momento do

trabalhador decidir se se filia ou não ao sindicato. Entretanto a rotatividade no emprego

exerce o mesmo papel dissociador do movimento dos trabalhadores que tem se caracterizado

como regra entre os trabalhadores brasileiros.

Os pesquisadores da sociologia do trabalho, conforme Cruz (2000, p. 133), aos poucos

foram percebendo o complexo que unia (1) pressões de mercado, (2) necessidade de

flexibilidade da produção, (3) flexibilização da maquinaria, (4) flexibilização das formas de

contratação e (5) flexibilização do trabalho abstrato.

Na colocação de Cruz (2000, p. 134), o caso da Toyota japonesa e do tratamento de

problemas administrativos dado por seu engenheiro-chefe Taiichi Ohno na década de 1950

ainda serve como paradigma, ou seja, tudo deriva do fato de Ohno, longe de se contentar em

imitar e aplicar Taylor e as recomendações da escola americana , preferiu cedo o

enfrentamento de uma nova questão: “o que fazer para aumentar a produtividade, quando as

quantidades (relação ao tamanho dos lotes produzidos para o mercado e a capacidade das

máquinas, por exemplo) não aumentam?” Ohno tirou-a da “flexibilidade interna” construída

no interior dos coletivos de trabalho (des-especialização), bem como nos espaços de produção

(liberalização), assim, “a produtividade será buscada e obtida pela mobilização dos recursos

da própria flexibilidade”. Permitindo (pela aplicação do impulso do método just-in-time) a

adaptação quase instantânea a demandas variadas e diferenciadas, bem como o ajuste rápido

dos efetivos às variações de quantidade, a “flexibilidade, em vez de ‘se opor’ à coerção da

produtividade, é ao contrário pensada e construída como alavanca e fator determinante chave

da produtividade” (Coriat in Hirata, 1993). 95

na necessidade de definir com mais rigor esses conceitos e de superar uma concepção que opõe flexibilidade, de um lado, e o fordismo, de outro (Mangabeira, 1993, p. 24 -25). 95 Apud Cruz (2000, p. 134).

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Para ilustrar como a flexibilização (das formas de contratação) atua no processo

dissociativo atual entre os trabalhadores, é apresentado o seguinte exemplo:

...quando um trabalhador é demitido, mas contratado para prestação de serviços pela mesma empresa que o demitiu, para realizar as mesmas tarefas e funções – qualitativamente – que exercia na firma, mas agora na condição jurídica de “autônomo” ou “micro-empresário”, com um contrato por empreitada que objetivamente lhe exigirá para o cumprimento da tarefa uma jornada maior que aquela que realizava na empresa, tendo que arcar com todos os custos e riscos sociais (contratação de seguro para riscos de trabalho, pagamento de encargos sociais próprios, etc.), e algumas vezes, inclusive, recebendo uma remuneração menor que seu antigo salário, ele deixa de ser um “trabalhador”? Ora, a alteração da relação jurídica entre trabalhadores/produtores e empresas deságua, mais uma vez, na hiper -competição pela sobrevivência na base dos extratos sociais. Originalmente, a terceirização surgiu como uma “saída “inteligente” (do ponto de vista administrativo) do modelo toyotista de fabricação de automóveis, cujo idealizador – Taiichi Ohno – reinterpretou o velho modelo norte-americano de aguçamento da concorrência na base dos fornecedores. O modelo toyotista funcionou a partir de uma parceria verticalizada entre a montadora e seus fornecerores, através de um esquema de trocas de idéias e sugestões para a melhoria da produção (Cruz, 2000, p. 126).

O referido autor permite compreender o porquê da ampla divulgação da terceirização

de produtos e/ou serviços. Não há nesse processo qualquer “economia de trocas”, como

querem fazer valer os ideólogos da flexibilização do trabalho, ou seja, os clientes dos

trabalhadores -firmas terceirizados não compram produtos produzidos por seus

“fornecedores”, mas sim encomendam tarefas, cuja realização depende, na maioria das vezes,

do fornecimento de componentes, especificações, ferramentas e até mesmo de financiamento

das empresas-mães. Daí o esclarecimento de Faria (1994, citado por Cruz (2000, p. 129):

A terceirização é a primeira fase de um estágio hiperavançado do novo modo de produção capitalista. Nele o fabricante tradicional abandona suas linhas industriais próprias em benefício de fornecedores mais preparados em termos de custos. No Brasil há duas modalidades de terceirização. Uma vem dos países industrializados e integra uma estratégia relacional. Objetiva alcançar tanto elementos de produtividade quanto condições novas de competitividade. É a imposição das tecnologias gerenciais de qualidade”. (...). Uma outra modalidade mais geral e bem mais ao gosto do atraso empresarial brasileiro tem embutida uma estratégia de confronto, de enfrentamento e consiste em apenas reduzir custos (...). Impera a desconfiança generalizada – desconfia-se dos empregados, dos fornecedores, do mercado (...). Objetiva-se obter lucros no curto prazo – a redução de custos faz-se com a redução da mão-de-obra.

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Em síntese, a terceirização é apenas uma das variadas modalidades de

redimensionamento dos valores absolutos de extração da mais -valia, enquanto a

subcontratação é uma espécie de variante da terceir ização, pois dela deriva, também, um

processo de redução de custos através de um emprego mais intensivo da mão-de-obra

contratada.

A flexibilidade do gerenciamento da mão-de-obra permite às grandes empresas um

aumento fantástico da produtividade, principalmente pela ampliação objetiva de extração da

mais -valia absoluta (garantida pela redução de custos sociais e aumento da jornada informal),

bem como por via do subsídio tecnológico indispensável ao funcionamento do serviço de

“fornecimento”, do aumento de extração da mais-valia relativa. E isso passa desde a limpeza

do local de trabalho, pelas mais diversas assessorias (contábil, financeira, marketing,

administração de recursos humanos, de compras, de distribuição), até pela compensação de

cheques no caso dos bancos, de manutenção de máquinas em empresas de informática,

fabricação de componentes para indústria eletrônica, produção do vestuário para empresas de

“marcas” reconhecidas no mercado, produzindo o enxugamento da força-de-trabalho nas

grandes empresas, particularmente, e maior ganho para o capital.

A forma mais comum de subcontratação é o emprego temporário. De modo geral, a

sobrevivência dos empregados temporários está associada à realização de formas variadas de

“trabalho informal”, relacionadas basicamente ao desenvolvimento de atividades produtivas

aparentemente desvinculadas do mercado formalmente regulado, mas que constituem

igualmente a terceirização e a subcontratação, formas alternativas de acumulação de capital,

pelas grandes firmas, às custas da apropriação de sobrevalia produzida na base da pirâmide

produtiva. No Brasil da década de 1990, o crescimento econômico não significou crescimento

do mercado de trabalho formal; significou, isso sim, uma ampliação do trabalho informal,

representado pelo aumento dos trabalhadores “sem carteira” e “por conta própria”.

A esses elementos dissociadores/fragmentadores do mundo do trabalho, junta-se a

introdução crescente do uso de máquinas-ferramentas automatizadas na indústria que

permitem a utilização de formas de controle informacional no trabalho. A utilização de

controladores numéricos na produção industrial, aperfeiçoada e ampliada com a introdução de

softwares específicos para cada tipo de produção, adaptados a máquinas-ferramentas agora de

“controle alfa-numérico”, permitem hoje adaptar rapidamente o ritmo, o tipo e a forma de

produção por simples comandos computadorizados. O efeito de conjunto de tudo isso é a

fragmentação da classe trabalhadora – tanto pela diferença e distanciamento entre os

trabalhadores “qualificados” e os “desqualificados”, sendo que estes últimos, a qualquer

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momento, podem vir a fazer parte da larga faixa dos desempregados ou subcontratados,

quanto pelo aumento sem parâmetro histórico na competitividade entre os próprios

trabalhadores, o que constitui um dos princípios da nova gestão de mão-de-obra.

O resultado de todo esse processo é o aprofundamento da pobreza diante de um

modelo socialmente excludente. O discurso sindical refletiu e refratou essas novas condições

de desenvolvimento do capitalismo tanto que, orientado por uma visão de totalidade do social,

o discurso fundador do novo sindicalismo inflexionou-se largamente diante das

transformações sociais que se operaram na vida nas décadas de 1980 e de 1990.

Na análise da fragmentação do trabalho, surgem questões tais como se os salários não

se deterioraram com a introdução da automação, do toyotismo e da terceirização, como, então,

a desigualdade aumenta? Como vencer o desemprego, se o trabalho informal não aumenta e

as pequenas empresas não resistem à oligopolização, se não estiverem a ela associada?

Algumas conclusões, nesse sentido, são orientadoras de que os arranjos de empregos flexíveis

pode, às vezes, ser benéfica para a empresa e o empregado. Porém os efeitos agregados ,

quando se consideram a cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis salariais e a

segurança no emprego, de modo algum são positivos do ponto de vista da população

trabalhadora como um todo (Harvey, apud Cruz, 2000, p. 146). Mas em um país

subdesenvolvido em termos de industrialização, como o Brasil, os efeitos combinados dessa

malha de exclusão social são muito mais perversos que no chamado Primeiro Mundo. E por

isso a incapacidade de um agente social, como o sindicalismo, que, ao longo de mais de uma

década, representou um sopro de contrariedade à estrutura histórica da dominação, agora se

encontrar diante de impasses e desafios.

3.10.9 Impasses, avanços, limites e desafios do sindicalismo

Ricardo Antunes (1991) e Armando Boito Jr. (1991), ana lisando o recente percurso do

sindicalismo brasileiro, revelam a dimensão dos impasses acumulados pelo movimento

sindical.

Impasses do movimento sindical – Para Antunes (1991), a partir de meados dos anos

oitenta, se colocou para o movimento sindical a necessidade de uma mudança qualitativa. Ele

entende que o caráter de resistência da luta sindical sempre continuará exitindo porque a

super-exploração do trabalho é um traço do capitalismo. A partir de 1987 ou 1988, o

movimento sindical brasileiro viu-se diante de impasses decisivos. Daí em diante, não foi

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mais possível para a CUT, enquanto uma central formada no movimento sindical de esquerda,

atuar somente no âmbito de uma luta defensiva.

Nesse período, começou a se gestar um sindicalismo de resultados, o qual depois veio

a constituir a força sindical que começou a acentuar uma dimensão política e ideológica no

âmbito da luta sindical. Uma nova direita no movimento sindical aderia pela primeira vez de

forma consistente à defesa ideológica do capitalismo.

Por essa época, ganhava força dentro da CUT a noção de que a saída desse impasse

seria alcançada à medida em que ela abraçasse uma concepção sindical que hoje predomina

no capitalismo avançado, especialmente na Europa Ocidental. Um sindicalismo voltado para a

participação, para a negociação com a ordem dominante, procurando conquistar melhorias

para os trabalhadores no limite dessa ordem. Antunes (1991) questiona, no entanto, se é

possível dar o salto de qualidade necessário a partir de uma concepção que pr ioriza a

negociação com a ordem, ou se é possível e necessário este movimento sindical atuar na

direção de uma negociação contra a ordem? O impasse do sindicalismo brasileiro está no fato

de que ele não conseguiu enfrentar esta questão decisiva. A luta reivindicativa deve se ligar a

um projeto econômico para o Brasil, tendo como eixo as classes trabalhadoras. E é inevitável

que este projeto econômico alternativo, embora voltado para pensar o aqui e agora, tenha

nítidos elementos de confronto a valores, a pa drões capitalistas que dominam no Brasil.

Entende este autor que, ao contrário do que se apregoa no mundo capitalista avançado,

que se vive o fim das ideologias, o impasse do movimento operário e sindical brasileiro é um

impasse no plano político e ideoló gico. Ele está aquém do que um movimento sindical de

esquerda deveria ser. Quem ganha nesse quadro é a direita sindical que nesse vazio aberto tem

negociado dentro da ordem.

Há um impasse que faz com que a luta sindical seja centralmente defensiva. Uma

característica que fica mais reforçada se se acrescentar a este quadro uma taxa de crescimento

brutal do desemprego, como vem ocorrendo nos últimos anos.

Para Boito Jr. (1991a), a realização de um balanço dos anos oitenta requer: de um

lado, destacar o fortalecimento do movimento sindical ao longo desses anos e, de outro,

enfatizar as suas potencialidades. Isso reafirma o cuidado que o sindicalismo deve hoje ter, ou

seja, o de, ao mesmo tempo, não cair na avaliação baluartista que consistiria em não ver as

suas fraquezas.

Houve, em primeiro lugar, uma grande expansão do movimento sindical: expandiu-se

geograficamente pelo país e incorporou novos setores sociais. Os níveis de atividades

grevistas também contrastam fortemente com o período anterior a 1964. Mas, ao longo dos

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anos oitenta, prevaleceu duas características muito marcantes. Em primeiro lugar, entre os

países mais populosos do globo, o Brasil estaria entre aqueles dois ou três de maior incidência

de greves. Em segundo lugar, surgiram com relativa freqüência greves de confronto, seja com

o Poder Judiciário ou seja com o patronato, através de manifestações massivas, ocupações de

fábricas e grandes confrontos como ocorreu em São Bernardo, Volta Redonda e Itaipu. Outra

observação é de que, se no pré-1964 o movimento sindical contava com uma certa

complacência do governo populista, que tinha uma política reformista superficial,

contemporaneamente este movimento sindical mantém um nível altíssimo de atividade

grevista, confrontando-se, permanentemente, com o poder organizado dos monopólios,

inclusive no período ditatorial.

Destacado este fortalecimento, expansão e potencialidade do movimento sindical,

Boito Jr. (1991a) indica alguns problemas. O movimento sindical teve força suficiente para

tornar irreversível a crise da ditadura militar. Porém, ele não serviu para se organizar

politicamente e acumular forças o quanto poderia ter sido acumulado. É verdade que nasceu a

CUT, e o movimento sindical teve muito a ver com o nascimento do PT. No entanto, algumas

debilidades de fundo persistem, como o baixo índice de sindicalização que ainda se registra

hoje no Brasil.

Quando foi iniciado o ciclo grevista de 1978, segundo pesquisa do IBGE, havia 23%

da força de trabalho sindicalizada no país. Depois de dez anos, mais de 500 milhões de

jornadas de trabalho não trabalhadas por motivo de greve, em 1988, este índice de

sindicalização havia permanecido estável. Tinha passado, também de acordo com as

indicações do IBGE, para 24%. Esses índices nos dois casos são irreais. Na verdade, pode-se

dividi-los por dois como mostram pesquisas e outras fontes. Baixo índice de sindicalização e

dificuldades de massificação da organização de base sindical. Todos se recordam das

expectativas que se criaram em torno das comissões de fábrica, da organização nos locais de

trabalho na conjuntura de 1978/1980, e não eram expectativas infundadas. Havia condições

objetivas e um mínimo de condições subjetivas para o sindicalismo brasileiro desenvolver-se

num ponto em que ele sempre foi muito frágil : o enraizamento no local de trabalho. No

entanto, passada uma década, o balanço era negativo em relação a essas expectativas.

Organizaram-se comissões de fábrica importantes, mas essa organização não se difundiu e

não se tornou uma regra (ibidem).

A idéia de Antunes (1991) sobre os impasses do sindicalismo brasileiro no limiar da

década de 1990 é que o sindicalismo no Brasil caminhou na década de 1980, na

contracorrente do que aconteceu no sindicalismo europeu. Naqueles países houve, em geral,

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queda nas taxas de sindicalização, política sindical defensiva, desestruturação aguda dos

partidos da esquerda tradicional. E lembra que na Europa houve uma metamorfose do mundo

do trabalho, as políticas de flexibilização da produção, tentativas de alteração do fordismo e

do taylorismo, a desconcentração das unidades produtivas, de desregulamentação do trabalho,

tudo isso desnorteou o sindicalismo europeu que abandonou aquela sua política de

sindicalismo de classe das décadas de 1950, 1960 e 1970, e aderiu ao sindicalismo de

participação. No caso brasileiro, na década de 1980, essa tendência não se deu: houve um

intenso movimento grevista, uma enorme explosão dos assalariados médios, o renascimento

das centrais sindicais e o nascimento da CUT.

A aceitação de negociar dentro da ordem – sindicalismo de participação – foi visto, à

época, como uma das possibilidades do sindicalismo brasileiro na década de 1990 (Antunes,

1991). Entretanto, foi percebida como trágica para o caso brasileiro, já que era problemática

na Europa , onde havia um melhor padrão de vida da classe trabalhadora, e, em conseqüência,

em países como o Brasil, onde dominavam políticas econômicas recessivas, os resultados se

apresentavam como terríveis.

No início da década de 1990, o movimento sindical brasileiro já começava a enfrentar

uma relativa perda de dinamismo depois de haver atravessado um período de crescimento sem

precedente nas lutas sociais do país. Os sinais de cansaço do novo sindicalismo eram

evidentes desde os finais da década de 1980, que até então vinha demonstrando uma enorme

capacidade de mobilização e um grande sucesso em forjar um novo projeto político e

organizativo da classe trabalhadora, traduzido no surgimento da CUT (Oliveira, 1998).

O novo sindicalismo emergiu e cresceu em meio a uma crise prolongada e aguda, que

estimulou a ação sindical e restringiu os seus resultados. Todavia, se o novo sindicalismo se

diferenciava das práticas sindicais do passado, pela juventude de seus quadros, presença

marcante nos setores mais modernos da economia e grande disposição de luta, ele também

não deixava de ser uma manifestação tardia. Sua existência só foi possível graças às

transformações econômicas e sociais que tiveram lugar a partir da segunda metade do século

XX e que foram responsáveis pelo aparecimento de uma classe trabalhadora, numerosa e

diversificada, cuja trajetória política fora refreada pelo golpe de 1964.

O contexto de crise e transição, no entanto, não só criou as condições para o

ressurgimento dos trabalhadores na cena política, como também propiciou que estes

passassem a desempenhar um papel central no processo de redemocratização. A mobilização

sindical favorecida pela conjuntura da década de 1980, período que conjugou altas taxas de

inflação e níveis relativos baixos de desemprego, levou a sobrevalorização das novas práticas

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sindicais e ao obscurecimento da expansão do ciclo da atividade sindical, cujos limites

tornaram-se mais evidentes depois do esgotamento do modelo de substituição das

importações.

Assim como era forte a tendência de rompimento com o modelo sindical

corporativista, a reorganização dos trabalhadores ocorreu por dentro da estrutura sindical

oficial, porque era o único instrumento legal disponível num contexto de exceção e pela

importância da máquina sindical na arregimentação dos trabalhadores e, ainda, pelo fato de o

sindicato ser o espaço efetivo de representação dos interesses dos trabalhadores. E ainda que

tenha ocorrido uma ruptura parcial com o corporativismo, também aí havia uma linha clara de

continuidade com as práticas sindicais do passado. Esses problemas, de certa forma presentes

desde a origem do novo sindicalismo, começaram a se tornar visíveis no final da década de

1980, evidenciando os avanços e os limites do novo sindicalismo e os impasses políticos e

organizativo que tenderiam a prevalecer durante a década de 1990.

Avanços e limites do movimento sindical – Os avanços e os limites do movimento

sindical evidenciados ao final da década de 1980 revelaram quatro aspectos: O primeiro foi a

mudança no cenário político. Com a vitória de Fernando Collor, nas eleições presidenciais de

1989, o processo de transição teve um desfecho conservador. O fim da transição coincidiu

também com o agravamento da crise econômica e social que se arrastava por mais de uma

década e que começaria a ser equacionada com base em uma agenda neoliberal. Portanto, se

no passado os sindicatos sustentavam suas demandas numa agenda negativa, que se confundia

com o programa da frente de oposição ao regime militar, a partir de então alterava-se o

contexto das lutas sociais e começava a se impor a necessidade de uma agenda positiva. Nesse

sentido, Oliveira (1998, p. 25) anota:

A urgência de um projeto alternativo para combater a ofensiva

neoliberal era porém contratada por uma série de problemas, tais como a crise dos paradigmas clássicos que historicamente tinham pautado a atuação dos setores progressistas, as dificuldades dos partidos de esquerda para formular respostas globais à crise que servissem de referência à ação sindical e os primeiros sinais de fragilidade política e organizativa do movimento sindical. A conjugação de fatores tão adversos, numa conjuntura mais adversa ainda, fez com que os observadores mais atentos vislumbrassem um cenário de grandes dificuldades para os sindicatos, no qual tenderiam a prevalecer as estratégias defensivas.

O segundo aspecto dizia respeito ao papel das greves e mobilizações sindicais. Até

aquele momento, elas tinham sido muito mais do que um instrumento de pressão no âmbito

das relações de tra balho, representando a principal forma de luta dos trabalhadores e se

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confundindo com o esforço de mobilização social pela redemocratização do país. A greve

também tinha desempenhado um papel estratégico na reorganização sindical e integrava o

imaginário social como um símbolo de coragem e disposição de luta dos trabalhadores.

Porém, no início da década de 1990, já se evidenciavam os sinais de declínio do movimento

grevista.

Não só começou a cair o número de greves e grevistas, como também

a “explosão grevista” passou a ser confrontada com os seus resultados materiais. As próprias bases sindicais já não demonstravam a mesma sensibilidade aos apelos de suas lideranças em favor das paralisações e a população já começava a se cansar com a interferência das greves no seu dia-a-dia. Ainda que tivessem perdido o seu “caráter de excepcionalidade”, parecia difícil imaginar que as greves tornar-se-iam um “instrumento normal dos conflitos do trabalho” (Noronha, 1994) e o que se podia prever, no novo cenário político que se desenhava, era uma queda ainda mais expressiva nos indicadores de greve sem que isso representasse o fim da exacerbação dos conflitos trabalhistas (Oliveira, 1998, p. 25).

O terceiro aspecto importante dizia respeito aos problemas organizativos do novo

sindicalismo, expressos, sobretudo, na trajetória da CUT. A revitalização da estrutura sindical

oficial pesou decisivamente na reorganização do movimento sindical.

A Força Sindical, criada no início de 1991, surge como um projeto

político e ideológico claro, bem definido, de consolidar entre a classe operária e os trabalhadores em geral o Sindicalismo de Resultados, enquanto expressão sindical do neoliberalismo. Diferenciando-se em sua prática do peleguismo tradicional, defende ideológica e politicamente o capitalismo e politiza o movimento, reforçando a ótica burguesa de que, ao trabalhador, cabe reivindicar apenas vantagens de caráter econômico – melhores salários e condições de vida.

(...) Como expressão do sindicalismo de conciliação de classes, dentro da

ordem burguesa, a Força Sindical, em decorrência de suas posições, entra em contradição frontal com os interesses das classes exploradas, o que é acentuado pelo fato de que a burguesia, (...), não demonstra nenhum interesse em atender mínimas reivindicações dos trabalhadores. Essa é uma característica própria do capitalismo dependente, concentrador de riquezas e que não permite nenhum resultado aos trabalhadores (Costa, 1995, p. 240).

Essa revitalização, traduzida no reencontro dos sindicatos com suas bases e no resgate

de seu papel como instrumento de representação coletiva, foi acompanhada pelo surgimento

de novos sindicatos, pelo aumento na taxa de sindicalização, pela livre organização dos

servidores públicos, pelo aparecimento de um sindicalismo de alcance nacional e pela criação

das centrais sindicais.

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Esse avanço do movimento sindical no plano organizativo não escondia alguns

problemas que prometiam se intensificar depois dos arranjos institucionais promovidos pela

Constituição de 1988: a tendência à fragmentação e pulverização sindical, com o surgimento

de sindicatos frágeis e pouco representativos; a debilidade da organização nos locais de

trabalho, com o predomínio de sindicatos de “porta de fábrica”; o predomínio de formas

plebiscitária s de controle dos organismos de cúpula pelas bases; e a dualidade refletida na

existência de estruturas horizontais de cúpula regidas pelos princípios da autonomia, mas

alicerçadas em sindicatos oficias de bases. Problemas dessa ordem evidenciavam o grau de

acomodação do novo sindicalismo ao modelo sindical corporativo.

O quarto aspecto a merecer destaque foi a tendência geral das negociações coletivas.

Ao longo de mais de uma década, a prática de todo o movimento sindical teve um caráter

reativo. Sob o tom mais ou menos inflamado das lutas sindicais, prevaleceu uma ação de

cunho defensivo, voltada à reposição das perdas salariais, à garantia do emprego nas

conjunturas recessivas, ou à ampliação de direitos políticos e sociais. Essa ação foi

comandada pelos sindicatos mais fortes, que muitas vezes conseguiram irradiar suas

conquistas para os setores mais frágeis, como no caso da redução da jornada de trabalho para

44 horas, obtida pelos trabalhadores metalúrgicos e que acabou consagrada pela nova Carta

Magna.

Embora isso, a grande capacidade de pressão e negociação não trouxe mudanças

substanciais quanto à participação dos salários na renda nacional, ainda que tenha impedido

que perdas maiores se evidenciassem. Apesar também do restabelecimento da negociaçã o

coletiva, não houve a institucionalização das novas práticas por meio da adoção de novos

instrumentos de negociação coletiva, predominando a “cultura do dissídio”. Também a

influência dos trabalhadores nas reformas políticas e sociais e sua presença no cenário

nacional, foi mais modesta do que se poderia esperar. De qualquer forma, as conquistas

sociais inscritas na Constituição e os avanços da negociação coletiva, logo seriam

confrontados com as metas de desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho.

Na década de 1990, as mudanças que se efetuaram na economia afetaram ainda mais o

mercado de trabalho, “provocando a perda de mais de 1 milhão de empregos na indústria, com

impacto direto sobre quase todas as categorias profissionais mais bem organizadas” (Oliveira,

1998, p. 26). O problema do emprego passou, assim, a ocupar o lugar até então reservado à

questão salarial. E o que se observa no final da década é uma inflexão na agenda sindical, com

a questão salarial cedendo lugar à questão de emprego, cuja importância vem crescendo na

mesma medida do aumento dos índices de desemprego. Ao lado disso, ganharam mais espaço

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temas como a participação nos lucros e resultados da empresa, a flexibilização da jornada de

trabalho, a redução de benefícios s ociais, a formação profissional, atingindo as mudanças, em

princípio, as categorias mais importantes, como metalúrgicos, bancários, químicos, entre

outros.

A área de incidência desses temas é a empresa, em que a organização sindical sempre

foi débil. Embora isso, constata-se que as negociações continuam a depender da configuração

de cada setor, do grau prévio de organização dos trabalhadores e das práticas de negociação

preexistentes.

A reforma da legislação trabalhista é outro tema de relevância. Se até o final da década

de 1990 pouco se avançou nesse sentido, a primeira década do século XXI promete muitas

negociações. Mesmo assim, houve uma mudança no debate sobre a reforma do sistema

corporativo de relações de trabalho em proveito da desregulamentação dos direitos sociais e

da flexibilização das relações de trabalho. Essas teses são favorecidas por iniciativas pontuais,

como o projeto de lei sobre Contrato Temporário, com um claro sentido desregulamentador.

Neste âmbito, o que está em pauta é alterar a legislação sobre direitos individuais ou

reduzir a proteção social ao que seja politicamente possível, mantendo ou ampliando a

legislação trabalhista coletiva para restringir a ação sindical, a negociação coletiva e o direito

de greve. Assim, enquanto cresce a pressão no sentido de que sejam eliminadas as formas de

intervenção do Estado no âmbito do direito individual do trabalho, aumenta também, mas em

sentido contrário, a pressão pela restrição do poder sindical.

Dedecca (2000) adverte sobre o crescimento no Brasil da pressão por mudanças no

sistema nacional de relações de trabalho, seguindo tendências internacionais. Ele entende que

isso significa perda ainda maior de direitos para os trabalhadores, pois o que é chamado de

socialização das relações de trabalho, trata -se de um processo que reduziu o caráter privativo

das relações de trabalho, ou seja, que minimizou o espaço de construção destas relações no

interior das empresas. Cada vez mais as relações de trabalho foram sendo determinadas no

espaço socia l pelas negociações coletivas e pelo Estado.

Os contratos e acordos de trabalho estão se moldando às características específicas de

cada uma das empresas. Essa é a tendência das relações de trabalho no cenário internacional.

Na grande maioria dos países, amplia-se a importância dos contratos e acordos coletivos

realizados nas empresas. O maior poder da empresa sobre os sindicatos e sobre o mercado de

trabalho ocorre graças ao baixo crescimento econômico e ao aumento do desemprego.

Atualmente, “o trabalhador que consegue manter o posto está, de maneira permanente,

com o revólver do desemprego na cabeça” (Dedecca, idem, p. 5). Observa também o referido

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autor que as empresas, face à ameaça constante do desemprego, têm um poder imenso de

pressão sobre os traba lhadores. E estes pressionam também os sindicatos para que, cada vez

mais, firmem acordos no âmbito das empresas, rompendo com o padrão de organização

setorial e nacional que prevalecia anteriormente.

A experiência brasileira consiste em um sistema de relações de trabalho frágil porque

no momento em que se poderia ter montado um controle sindical mais efetivo sobre o uso do

trabalho, essa ação política foi coibida (década de 1960), além disso, as relações de trabalho

no Brasil foram definidas por uma legis lação que remonta à década de 1940. Nos anos de

1980, viveu-se uma situação de impasse:

Ao mesmo tempo em que se avança na questão política, há pouco avanço na regulação formal das relações de trabalho. As reformas estruturais que ocorrem no mundo do trabalho estão inscritas na Constituição de 88, que amarra questões novas a questões antigas, não resolvidas. E, mais do que isso, um ano depois de promulgada a Constituição, tivemos a primeira eleição presidencial do País, após um período militar. Nesse momento, definimos os acúmulos da reorganização da sociedade brasileira nos anos 90. É uma eleição que definiu o rumo de enquadramento do Brasil às tendências internacionais. É um enquadramento a uma economia mais aberta, mais financeirizada e que não prioriza o emprego e as questões sociais. O emprego industrial no Brasil, em 1998, era de 50% do emprego industrial de 1989. Os salários, em 1998, eram 30% menores do que os salários de 1989. A participação da massa salarial no produto industrial estava 23% abaixo do que era em 1989. Isso é, em dez anos, existe um claro empobrecimento dos trabalhadores em termos de emprego, de salário, de participação dos salários no produto nacional. (...) É nessa conjuntura que devemos discutir a mudança do padrão de relações de trabalho no Brasil. (Dedecca, ibidem).

Em um cenário adverso como esse, não são poucas as dificuldades enfrentadas pelo

movimento sindical, que tem buscado promover negociações por empresas que

complementem as convenções coletivas. Entretanto, conforme já asseverava Mendonça, em

1997, “a base material da economia e do mercado de trabalho (...) pressiona em outra direção:

enfraquecimento do movimento sindical, fragmentação da estrutura, pulverização das

negociações” ( apud Oliveira, 1998, p. 27).

Como se não bastasse isso, há também o risco de uma multiplicidade de situações,

refletindo a heterogeneidade e a segmentação do próprio mercado de trabalho, e do aumento

da distância entre os setores organizados e mais dinâmicos, situados nos núcleos modernos da

indústria e aqueles mais fragilizados, com baixa capacidade de representação e pouca ou

nenhuma presença nos locais de trabalho.

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Abre-se aqui um parêntese para ressaltar a importância da representação trabalhadora

nos locais de trabalho, como um componente da democratização das relações de trabalho.

Rodrigues (1990) e Cardoso (1995a e 1995b), citados por Cardoso (1999), apontam três

momentos que evidenciam a relevância desse concepção: 1º) por servir de anteparo à

autoridade dos chefes imediatos (líderes, feitores e supervisores nas fábricas, supervisores e

gerentes em outros setores produtivos), uma vez que aquela representação disputa palmo a

palmo poder com eles; 2º) por servir como instrumento real, para o trabalhador, de ampliação

de seu controle sobre o processo de trabalho; e 3º) porque a consolidação da representação de

base obriga capital e trabalho a negociarem passo a passo as formas de uso cotidiano do

trabalho.

Em 1995, Vicentinho (Vicente Paulo da Silva, presidente da CUT) foi enfático ao

afirmar que o sindicato dos metalúrgicos do ABC teve sua dinâmica inteiramente reformulada

em função das pressões das 37 comissões de fábrica instaladas em São Bernardo do Campo e

Diadema (Cardoso, 1999). O referido autor salientou que essas comissões só sobreviveram e

prosperaram na medida em que se instituiram em reais intermediadores da construção e

aplicação das regras e normas de uso do trabalho, negociadas dia a dia com as empresas.

Aprofundando sobre este tema, o referido autor discorreu sobre os poderes, atribuições

e espaços específicos de atuação da representação por local de trabalho. Nesse sentido, diz:

A representação por local de trabalho abre pois uma oportunidade

efetiva de modernização nas relações de trabalho no Brasil, ali onde ela signifique a ampliação do controle dos trabalhadores sobre o seu labor, a negociação cotidiana das formas de uso do trabalho, a redução do despotismo fabril, a construção de mecanismos negociados de elaboração de normas de uso do trabalho. Mas o que realmente importa é que esse tipo de representação pode assumir parte importante das tarefas hoje de atribuição da Justiça do Trabalho, como a fiscalização da aplicação das normas de uso do trabalho inscritas no direito do trabalho e nos contratos coletivos, sejam eles por empresa, por ramo, por categoria, por estado, região ou país (Cardoso, 1999, p. 111).

Refere ainda o autor que na experiência internacional encontra-se dois tipos básicos de

representação por locais de trabalho. E baseando-se em Romita (1993), afirma aquele tipo

resultante da iniciativa contratual de capital e trabalho (ou de empregador e empregado, pois a

legislação aplica-se ao serviço público na maioria dos países), comumente se denomina

representação bilateral, devido à natureza de sua constituição; o outro tipo é possibilitado pela

legislação que, além de permiti-lo, normatiza seu funcionamento.

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Esses dois tipos raramente são encontrados em estado puro, sendo o mais comum uma

combinação de ambos. Na Inglaterra, Escócia, Canadá e países escandinavos, as negociações

coletivas na empresa se dão entre o sindicato local e o empregador. Os conselhos de empresa

(ou comissões de fábrica) existentes foram criados por convênios e negociações coletivas

nacionais ou regionais. A figura do delegado sindical (shop steward) é quem geralmente

representa os interesses dos trabalhadores. O regime prevalecente é o do sindicato único e a

negociação coletiva ocorre em nível de empresa.

Nos demais países europeus, em especial na Alemanha, é mais comum a representação

de base regulada por lei; enquanto na França coexistem representantes sindicais e

representantes de trabalhadores, pois a Lei Auroux, de 1982, faculta a expressão direta e

coletiva dos trabalhadores na empresa.

O Brasil (e vários outros países latino-americanos) é um dos poucos países ocidentais

que não possuem uma legislação específica sobre esse tipo de representação. A CLT prevê

apenas a proteção no emprego e algumas categorias de representantes, mas não de forma

sistemática. De maneira que estão protegidos contra demissão: os ocupantes de cargos de

direção sindical; os titulares de representação de trabalhadores nas Cipas; os representantes

dos trabalhadores nas comissões mistas de consulta e colaboração instituídas por convenção

coletiva; o representante eleito nas empresas com mais de 200 funcionários (garantidos pela

Constituição de 1988). Os membros da Cipa estão garantidos desde 1977, e os demais pelo

menos desde 1943 (CLT).

A atual legislação prevê apenas proteção no emprego a esses trabalhadores, mas não

especifica facilidades para a execução de suas tarefas. Cada um desses representantes tem

muito bem demarcadas suas funções, com exceção do representante permitido pela

Constituição de 1988, cuja função deverá ser regulamentada em estatuto. De acordo com

Romita, 1993, p. 170):

A distinção entre os dois tipos de representação reside na origem da legitimidade: os primeiros são designados ou eleitos pelo sindicato, enquanto os outros só podem ser eleitos pelo pessoal. Há, também, diferenças quanto à atuação dos dois tipos de representantes: os sindicais representam os interesses do órgão de classe, enquanto os representantes dos trabalhadores, sem atentar necessariamente para tais interesses, são porta-vozes do pessoal ou de cada trabalhador junto à direção da empresa.

A Convenção 135 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) cuida, no caso de

ocorrerem as duas representações, de circunscrever a ação dos representantes internos, de

sorte que eles não ajam em prejuízo dos representantes sindicais, bem como sugere o

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incentivo à cooperação entre as duas formas de representação. O Brasil ratificou essa

convenção em 1991, através do Decreto nº 131, de 22 de maio de 1991, de modo que a

convenção ratificada constitui fonte formal de direito e, para boa parte dos juristas, tem valor

de lei (Romita, apud Cardoso, 1999). A convenção da OIT permite a constituição de

representantes de base, sugere formas de fazê -lo e enuncia garantias96 aos representantes, mas

não há qualquer legislação no Brasil referente às garantias ou facilidades de ação desses

representantes. Isso requer ou legislação específica ou negociação coletiva. As

recomendações da OIT são bastante específicas, explicitando o diferencial de poder entre o

capital e trabalho e criando condições para que os representantes dos trabalhadores possam

desempenhar suas funções. Mas esse tipo de legislação, parece jamais ter sido objeto de

discussão a sério no Brasil, e o anteprojeto do MTb (Ministério do Trabalho) é uma amostra

de que a “gestão do negócio” sempre foi pensada como prerrogativa do empregador.

Nesse anteprojeto, a representação de base ganhou nova roupagem, mas conservou o

mesmo espírito do anteprojeto anterior, que previa que o sindicato seria instituído em parte na

constituição dos conselhos, que o número de membros do conselho poderia ser alvo de

negociação coletiva e previa garantias à ação dos representantes de base: não-demissão, não-

discriminação funcional, etc.

O anteprojeto do MTb, além de assegurar a representação de trabalhadores na

empresa, com o objetivo de promover o entendimento direto e permanente com o empregador

sobre as condições individuais de trabalho que lhes são peculiares, é bastante específico no

96 A Recomendação 143, que acompanha a Convenção 135 da OIT, como medidas de proteção à ação dos representantes de base, recomenda: definição pormenorizada dos motivos que possam justificar o término da relação de trabalho dos representantes dos trabalhadores; exigência de consulta ou anuência de um organismo independente, público ou privado, ou de organismo paritário antes de se efetivar o desligamento de um representante dos trabalhadores; procedimento especial de recurso, acessível aos representantes que considerem não justificada a dispensa, ou que suas condições de trabalho foram alteradas desfavoravelmente, ou que foram objeto de tratamento injusto; no que se refere ao término injustificado da relação de emprego, a previsão de uma reparação eficaz que compreenda, a menos que incompatível com os princípios fundamentais do país, a reintegração do representante dos trabalhadores em seu emprego, com o pagamento dos salários vencidos e o restabelecimento de seus direitos adquiridos; impor ao empregador o ônus da prova da alegação de motivo justificado para a dispensa ou qualquer outra alteração desfavorável nas condições de trabalho do representante; reconhecer a prioridade a ser concedida aos representantes dos trabalhadores para assegurar-lhes a permanência no emprego em caso de redução de pessoal. E no campo da facilitação da atividade representativa trabalhadora, recomenda: concessão de tempo livre necessário ao desempenho das tarefas de representação na empresa, sem perda de salário ou qualq uer outra vantagem; tempo livre para assistência a reuniões, cursos de formação, conferências, seminários e congressos sindicais, sem perda de salário ou outra vantagem social; os representantes devem ser autorizados a entrar em todas as dependências da empresa, no desempenho de suas funções de representação; devem ter acesso à direção da empresa, no exercício de sua função; devem ter permissão para colocar avisos sindicais em lugares da empresa de fácil aceso dos empregados, além de poder distribuir material de divulgação da ação sindical ou representativa; a empresa deve proporcionar aos representantes as facilidades materiais e as informações necessárias ao exercício de suas funções. E os representantes sindicais que não trabalharem na empresa, mas cujo sindicato tenha associados empregados ali, devem ser autorizados a entrar na empresa (Cardoso, 1999, p. 121-122).

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que respeita às funções da representação de base, chamando a atenção, explicitamente para

seu papel na reestruturação produtiva, tanto que: estimula a composição de controvérsias

trabalhistas individuais no âmbito da empresa, antes da propositura da ação cabível, e assistir

ao trabalhador no acordo; propor forma de implementação da participação dos empregados na

gestão da empresa e nos seus lucros e resultados; conhecer as inovações tecnológicas e

projetos de automação e participar da implementação do processo respectivo; acompanhar a

elaboração de planos e respectiva execução na área de recursos humanos; implementar

quaisquer outras ações que visem à integração do empregado na empresa. Assim como

assegura aos representantes realizar, nos locais de trabalho, reuniões, assembléias e demais

atividades que se fizerem necessárias ao exercício de suas funções, desde que não interfiram

na atividade normal da empresa.

Em suma, esse distanciamento entre os setores organizados e mais dinâmicos, e

aqueles mais fragilizados, com baixa capacidade de representação, pouca ou nenhuma

presença nos locais de trabalho, reforça a tendência já presente de enfraquecimento dos

sindicatos na regulação do mercado de trabalho. Considera-se que para a liberdade e

autonomia sindical – princípios defendidos pela CUT desde sua fundação em 1983 – é

fundamental que se conquiste, previamente, o direito à organização dos trabalhadores nos

locais de trabalho. Esse foi um dos principais temas de debate e deliberações na 7ª Plenária

Nacional da CUT, realizada em setembro de 1995, mas salvo raras exceções, não saiu do

papel. A luta pela conquista do direito dos sindicatos e trabalhadores poderem se organizar a

partir dos locais de trabalho deve tomar corpo, principalmente no atual estágio de

desenvolvimento capitalista, marcado pelos avanços tecnológicos e pela globalização da

economia, que vem acelerando os processos de reestruturação produtiva.

A própria CUT reconhece o tímido avanço na organização por locais de trabalho,

mantendo sua ação mais no nível do discurso. A idéia de elaborar projetos de lei e pressionar

parlamentares por sua aprovação ainda não foi além dos documentos doutrinários da central.

Entretanto, a organização no local de trabalho (OLP) é o principal pressuposto para a

constituição de um sistema democrático de relações de trabalho, ao qual aspira todo

trabalhador filiado a CUT.

Do quadro até aqui apresentado, se pode deduzir que as tendências de enfraquecimento

do movimento sindical, de fragmentação das formas de representação e de pulverização das

negociações coletivas, entrevistas no final da década de 1990, se agravaram com os processos

de reestruturação produtiva e de estabilização econômica, mas de alguma forma já se

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encontravam na origem do novo sindicalismo e se conformaram às escolhas estratégicas dos

sindicatos brasileiros nos últimos 20 anos.

A crise em que os sindicatos se encontram não decorre, apenas do processo de

reestruturação produtiva ao qual os trabalhadores devem se ajustar. A reestruturação é um

problema real e deve ser equacionado, mas a crise vivida pelos sindicatos revela os impa sses

acumulados no esforço de reorganização do movimento sindical em meio a um cenário

político e econômico de crise e cujo desfecho está se desenhando no atual ciclo de

modernização conservadora que parece repetir os problemas de origem do novo sindicalismo.

Paralelo a isso, há uma crise interna no movimento sindical, relacionada com a tendência

progressista de acomodação de todas as correntes sindicais ao sistema corporativo. Essa

acomodação foi acompanhada por uma rivalidade crescente entre várias correntes ideológicas.

Pois, para além das disputas entre as centrais, na década de 1990, evidenciaram-se crescentes

antagonismos e contradições internas, em cada central, envolvendo o controle dos sindicatos

de categorias.

No caso da CUT, essa disputa foi encoberta pelos repetidos apelos em favor da maior

ou menor radicalização dos trabalhadores. Porém os sindicatos de categorias continuaram

sendo a sua principal fonte de poder. Mas, isso não impediu que muitas vezes, derrotados seus

rivais das CGTs e da Força Sindical, crescessem as disputas entre os próprios membros da

CUT pelo controle da máquina sindical: de um lado, a corrente Articulação Sindical,

defendendo um “sindicalismo propositivo” – achava que podia fazer concessões ao capital; de

outro, a corrente hegemônica da CUT, pregando um “sindicalismo combativo” – assumia a

luta contra a política neoliberal.

Diante do pequeno número de organizações nos locais de trabalho e da limitação da

participação direta das bases às campanhas salariais e às eleições sindicais, o domínio dos

sindicatos por essa ou aquela corrente levou ao surgimento de uma nova burocracia, mais

preocupada com os pequenos privilégios e a perpetuação no poder.

Outro problema decorrente evidenciado no final da década de 1990 foi a rapidez com

que muitos quadros sindicais com expressão nos locais de trabalho foram alçados às diretorias

sindicais e, logo depois, à vida partidária, um traço comum na relação entre a CUT e o PT.

Isso provocou um hiato entre a primeira geração de dirigentes que fizeram da luta pela

liberdade e autonomia sindical uma questão estratégica, e as novas gerações beneficiadas pela

democratização parcial dos sindicatos e já não consideram o sistema corporativo um sério

obstáculo à prática sindical.

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Essas e outras distorções exigem mudanças e uma repactuação de poder entre os

próprios sindicatos e as suas lideranças. Ainda que as situações da CGT -Central, da CGT-

Confederação e da Força Sindical pareçam tão distintas da CUT, uma vez que nunca se

caracterizaram pela defesa de um projeto alternativo ao sistema corporativo de relações de

trabalho, esses problemas também são notados em suas fileiras, embora sem as disputas

ideológicas. Para a CUT, no entanto, eles assumem uma dimensão singular, pois o seu projeto

político sempre esteve ancorado na idéia de um novo modelo sindical que dotasse os

sindicatos de instrumentos capazes de ampliar a sua autonomia política e organizativa e as

conquistas sociais.

O sindicalismo brasileiro no seu conjunto continua a pagar o tributo à tradição

corporativa. A situação torna-se ainda mais grave quando se considera que no centro do

debate sobre a reforma do sistema corporativo estão as iniciativas de desregulamentação dos

direitos sociais e de flexibilização das relações de trabalho – disseminadas no meio

empresarial e promovidas pelo poder público – diante das quais os sindicatos serão cada vez

mais desafiados a rever a sua agenda e a transcender o âmbito exclusivo das relações de

trabalho para encontrar as saídas que permitam manter e ampliar sua base de sustentação, seu

poder de representação e suas conquistas sociais, sem o que a democratização das relações de

trabalho continuará a ser pura ficção (Oliveira, 1998).

Desafios do sindicalismo brasileiro - O sindicalismo passa por um forte momento de

crise. Um grande número de evidências tem sido expresso em todas as instâncias e ramos do

conjunto do sindicalismo e, particularmente, na CUT. Diversas mudanças na prática sindical

já foram forçadas pelas transformações no mercado e na gestão da força de trabalho, mas

vários são ainda os desafios trazidos pela economia globalizada aos sindicatos e a CUT.

O processo de globalização, configurado na virada do século e caracterizado pela

formação de um mercado único e global, onde as relações econômicas, tanto produtivas

quanto financeiras, ultrapassam as fronteiras nacionais, desregulamentando, desregrando os

mercados nacionais, constroem macro-economias constituindo os “mercados emergentes” nas

regiões periféricas do capitalismo, articulados com a formação dos chamados mercados

regionais. É a globalização do trabalho, do dinheiro e do mercado. Tudo pode ser comprado,

produzido ou vendido em qualquer parte do mundo. A racionalização dos processos

produtivos extingue postos de trabalho, promove o desemprego, desvaloriza a força de

trabalho e estrangula a capacidade de compra dos mercados locais, provocando a expansão

dos mercados para os quatro cantos do mundo. “Todos os componentes do sistema produtivo

e do sistema financeiro perambulam pelo mundo” (Kurz, apud Azevedo, 1995, p. 29).

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O fluxo de investimentos percorre o mundo em busca de rentabilidade, facilidades

fiscais, custos baixos, ampliação de vendas. Kurz (ibidem) refere ainda que, segundo a revista

alemã “Wirtschaftswoche”, a trajetória dos capitais persegue as condições para “produzir onde

os salários são baixos, pesquisar onde as leis são generosas e auferir lucro onde os impostos

são menores”.

A mobilidade dos capitais, a difusão universal dos padrões de produção e consumo, a

pressão pela integração direta nos mercados mundiais, desconstituem o saldo das economias

nacionais, marginalizam grandes contingentes populacionais, horizontalizando o processo de

produção em todas as partes do mundo. O avanço da privatização diminui o papel do Estado

que, por sua vez, perde o controle sobre o estoque monetário internacional, diminuindo as

receitas públicas, desassistindo parcelas crescentes da população que gradativamente perdem

os direitos e o acesso à cidadania.

Populações inteiras são remetidas para além da desigualdade, ou seja, para a exclusão

pura e simples dos direitos elementares ao trabalho, à moradia, à saúde e à educação. O

problema central não é mais o salário baixo, mas a destruição do emprego. O problema parece

não ser a globalização, mas o monopólio dos avanços científicos, das novas tecnologias, pelos

grandes oligopólios que controlam a economia internacional. Contudo, a construção de uma

sociedade alternativa, democrática e solidária, não pode prescindir dos avanços científicos e

tecnológicos da chamada Terceira Revolução Industrial. O aprofundamento das relações

internacionais, os avanços da ciência e da tecnologia são um patrimônio da humanidade. A

questão central é a democratização destes processos para que seus efeitos positivos possam

ser potencializados, transformados em fatores de inclusão e em instrumento de melhoria da

qualidade de vida para todos.

Sampaio Jr. (2000, p. 7), referindo aos desafios da luta de classes na economia

globalizada, diz que “o impacto desestruturante da globalização foi devastador. Sem

condições de enfrentar os desafios da concorrência internacional, o Brasil tornou-se presa

fácil de processos políticos e econômicos que conduzem à reversão neocolonial”.

Este autor assinala que as mudanças decisivas que criaram as bases subjetivas e

objetivas para a estabilização da inflação e para a liberalização da economia, abrindo caminho

para a emergência da nova rodada de modernização dos padrões de consumo, têm como

referência básica a derrota da candidatura popular à presidência da República em 1989 e a

reintegração do Brasil nos fluxos de capitais internacionais, em 1992.

A adesão aos estilos de vida do capitalismo exacerbou um dos mais perversos traços

do subdesenvolvimento brasileiro: a extravagante discrepância entre o fausto que reina no

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mundo dos negócios e a precariedade das condições de vida da grande maioria da população.

Como a renda média gerada pela economia brasileira é cerca de 1/5 daquela produzida nas

economias centrais, a opção pelo estilo de vida que prevalece nos países desenvolvidos

implica, necessariamente, a intensificação da distância entre os ricos e pobres, aprofundando o

abismo entre os brasileiros que têm acesso ao progresso técnico de última geração e a grande

massa da população excluída dos confrontos mais elementares da vida moderna.

Duas transformações fundamentais nas relações de produção caracterizam a

transnacionalização do capitalismo: os processos de concentração e de centralização de

capitais aumentam extraordinariamente as forças produtivas em todo mundo; e a nova

tecnologia de produção diminui a demanda de trabalho-vivo no processo produtivo. Em

conseqüência, desarticulam-se as bases materiais e sociais que haviam sustentado o elevado

dinamismo e a relativa estabilidade do ciclo de crescimento econômico do pós-guerra: alta

capacidade de gerar empregos relativamente estáveis, os aumentos sistemáticos do salário

real e a progressiva elevação dos gastos públicos.

Os deslocamentos de poder econômico e político gerados pela globalização dos

negócios mina as bases do Estado nacional burguês. Ao enfraquecer o controle da sociedade

sobre as forças do mercado, o capitalismo solapou as bases econômicas e políticas que haviam

possibilitado o funcionamento de sistemas econômicos nacionais relativamente autônomos.

No plano econômico, o problema evidencia -se na dificuldade de harmonizar o caráter

predatório da concorrência com a capacidade de a sociedade nacional preservar a integridade

de seus sistemas produtivos, comprometendo a reprodução de mecanismos de solidariedade

orgânica entre as classes sociais. No plano político, a dificuldade encontra-se no fato de que a

disputa pelo monopólio das novas tecnologias, pelo acesso às matérias -primas estratégicas e

pelo controle dos mercados mundiais, acirra as rivalidades entre os Estados nacionais e mina

as bases da ordem econômica internacional.

Submetidos aos imperativos da concorrência em escala global, os Estados nacionais

ficam sujeitos a pressões para ajustar sua economia e sua sociedade aos novos imperativos do

capital internacional. É dentro desse contexto que se devem entender: as políticas de

remodelação do mundo do trabalho. Nas sociedades periféricas, as tendências que estão

provocando o estilhaçamento da nação manifestam-se com força redobrada.

O mundo está assistindo a uma brutal ampliação da distância entre os países

desenvolvidos e os subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como vem ocorrendo na

Argentina. O colapso da Argentina é o exemplo mais acabado na América Latina da proposta

neoliberal imposta pelo FMI. As iniciativas de ajuste estrutural do estado, a eliminação de

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direitos sociais e proteções trabalhistas, a convertibilidade e paridade dólar/peso, o pagamento

da dívida externa segundo o receituário do FMI e o esvaziamento do poder político-

institucional levaram à maior crise social-econômico-política de sua história. Mais do que

nunca, a efetiva solidariedade com o povo argentino e suas lutas por direito, soberania e

dignidade é imperiosa, como demonstrou o ato do Conselho Nacional de Entidades, em

21/12/2001.

Nesse contexto, a principal dificuldade reside no fato de que, com a perda de controle

sobre os movimentos de capitais, os vínculos das empresas transnacionais com as economias

dependentes ficaram particularmente fluidos e voláteis. Por isso, a instabilidade econômica

tende a ser levada a proporções de difícil retorno, comprometendo os processos cumulativos

que são fundamentais para sedimentar o processo de construção da nação.

Em 2001, no entanto, no Seminário Internacional dos PCs realizado na Grécia, já se

apontava para a possibilidade de um novo ascenso da luta operária e os principais desafios

para o próximo período da luta de classe (Borges, 2001). Nessa ocasião, Aleka Paparigha,

secretária -geral do PC da Grécia, afirmou ser visível

o “esforço da burguesia para manipular o movimento sindical. Os governos recrudescem na repressão à luta operária, como em nosso país, com a falsa ‘lei contra o terrorismo’. Já os sindicatos não possuem estratégia na luta contra o ajuste capitalista. Vingam as opiniões oportunistas de conciliação das classes, de flerte com a burguesia. A lógica que prevalece é a de não perder muito e a de não demandar muito” (ibidem, p. 42).

Entretanto, segundo os oradores de vários partidos presentes no referido seminário (do

Leste Europeu – Rússia, Bulgária, Hungria, Romênia, Iugoslavia, Checoslováquia, entre

outros; da Europa Ocidental – Portugal, Espanha, Itália, Grã-Bretanha, Bélgica, Holanda,

entre outros; do Oriente Médio – Líbano, Síria, Israel; do continente amer icano – Colômbia

[dirigentes da Farc e do PC]; dos partidos comunistas no poder – Cuba, Vietnã e Coréia do

Norte), este cenário adverso já dava os primeiros sinais de mudança e colocava muitos

desafios futuros. Todos se referiram aos constantes protestos c ontra a “globalização neoliberal

– defendendo a necessidade dos PCs reforçarem estas manifestações, como a de Gênova

contra o G-8 – e ao crescente descontentamento popular em seus países contra as políticas

neoliberais. Diante das possibilidades da luta operária, os comunistas apontaram as

prioridades de sua ação, tendo como perspectiva o socialismo.

Nesse discurso, o consenso fixou-se sobre a urgência da elaboração de plataformas

alternativas contra a ofensiva neoliberal e a regressão capitalista. Diante da reestruturação

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produtiva, foi enfatizado a importância “estratégica” da bandeira da redução da jornada de

trabalho; a necessidade da internacionalização das lutas sindicais diante da “globalização

neoliberal”; a reafirmação das campanhas por aumentos reais de salários e contra a

flexibilização trabalhista. No tocante à ação sindical, houve consenso na defesa da

participação ativa dos militantes comunistas nos sindicatos existentes, cuja atuação deveria

estar centrada na construção de forças classistas, visando a denunciar as políticas de

conciliação de classes; o combate ideológico, através da organização de jornadas de luta e

priorização da organização e formação dos comunistas.

A barbárie, no entanto, continua, pois com o colapso da União Soviética e a crise do

movimento socialista diminuiu o poder de barganha das economias periféricas, na ordem

internacional. “Sem o ‘fantasma comunista’ para intimidá-las, as nações hegemônicas

passaram a exigir que os países dependentes se adaptassem incondicionalmente às suas

exigências” (Sampaio Jr., 2000, p. 8). Na lógica da ordem internacional hoje emergente, o

desenvolvimento nacional ficou excluído do horizonte de possibilidades dos países periféricos

(ibidem).

O grande desafio, portanto, “é transformar o sentido meramente econômico da

internacionalização. Trata-se de criar a possibilidade e as condições políticas para a

globalização dos direitos, da cidadania, da integração cultural e da democratização do

acesso a todas as conquistas da humanidade ” (Azevedo, 1995, p. 29). A iniciar, romper

com as forças de sustentação do sistema capitalista.

Nessa direção, para quem pensa o futuro do Brasil, o principal desafio consiste em

definir o raio de manobra de que se dispõe para enfrentar a adversidade do contexto históric o

pela globalização. De acordo com Sampaio Jr. (2000), a questão polariza-se em torno de duas

alternativas: 1ª, a sociedade deve aceitar passivamente as tendências que vêm de fora para

dentro, discutindo o ritmo e a forma de ajuste aos novos ditames do capital internacional e das

nações hegemônicas ou: 2ª, a sociedade deve reagir a essas tendências, rompendo com as

forças internas e extremas que sustentam o processo de globalização dos negócios.

Sampaio Jr. (idem, p. 8) assinala que “a década de 1990 marcou uma radical

degradação do estatuto do trabalho na sociedade brasileira”. Aponta também que “cálculos

moderados permitem estimar que aproximadamente 40% dos brasileiros em idade de trabalho

encontram-se subempregados, vivendo em atividades que concedem baixíssima remuneração,

ou simplesmente desempregados”( ibidem).

Dentro desse contexto, encontra-se o discurso da reestruturação produtiva, enfatizando

a necessidade de um novo tipo de trabalhador, mais qualificado, com nível maior de

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escolaridade, assumindo mais responsabilidade, mais participante e comprometido com os

objetivos da empresa. Zibas (1997, p. 123) já apontava que os empresários exigem um

trabalhador que tenha iniciativa “seja criativo e responsável, saiba resolver problemas,

trabalhar em equipe, lidar bem com constantes inovações tecnológicas e que seja portador de

uma alta capacidade de abstração que o predisponha a constante aprendizagem”. O perfil

assim delineado atende mais aos princípios educacionais humanistas que aos requisitos de

uma formação estritamente técnica e especializada da mão-de-obra.

Para explicar a mudança na concepção do trabalho, é preciso considerar a situação do

mercado de trabalho na década de 1990. Contrastando com um quadro, no passado, em que o

jovem, uma vez alcançado o posto de trabalho, o via como permanente e nele buscava

realizar -se e melhorar sua posição, a conjuntura atual é de insegurança e de grande mobilidade

ocupacional. Diante da quase inexistência de trabalho em tempo integral, os jovens tendem a

inserir-se no mercado com contratos de trabalho atípicos ou mais flexíveis, em tempo parcial,

por tempo determinado, temporários e como subcontratação. De acordo com Chiesi e

Martinelli (1997, p. 112), diante dessas condições, muitos jovens ainda conseguem

desenvolver atitudes positivas diante do trabalho, chegando até a encarar favoravelmente a

flexibilidade da relação de trabalho, aí encontrando possibilidades de aquisição de

capacidades profissionais e de experiência, mas “os jovens trabalhadores de Osasco não

conseguiram exorcizar, ainda, a preocupação pelo posto de trabalho”, para eles, o mais

importante é estar empregado.

O contraste entre a gravidade da crise social e a apatia da população brasileira revelam

que o sentimento de rebeldia contra a ordem apenas engatinha no país. Ao invés de converter

a insatisfação contra a situação do Brasil em uma crítica ao capitalismo dependente, com raras

exceções, entre as quais se destaca a luta do movimento dos Sem-Terra, os brasileiros têm

preferido canalizar energias para a disputa das parcas oportunidades de emprego.

Para romper com o círculo de ferro que marginaliza o povo da história, Sampaio Jr.

(2000) diz que os trabalhadores precisam quebrar a lógica política que restringe as

possibilidades do Brasil aos marcos do status quo e articular uma estratégia de acúmulo de

forças, baseada na luta intransigente do povo pela soberania do país e pelo enraizamento da

democracia. Para tanto, diz ainda, é vital ter clareza de objetivos e força política para

implementá-los. Nesse caso, é preciso fundamentalmente:

• Romper com o padrão de modernização do consumo e definir

prioridades para o desenvolvimento econômico que sejam compatíveis com as possibilidades da economia nacional – mudanças que supõem

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superar o consumismo desbragado e organizar a sociedade com base em uma ética de solidariedade e de cooperação entre as classes sociais.

• Modificar os parâmetros sociais e institucionais que regem a organização do mundo do trabalho, de forma que assegure a integração do conjunto da população economicamente ativa no processo de trabalho – processo que envolve uma combinação da reforma agrária, forte intervenção do Estado na vida econômica, reforma urbana e diminuição da jornada de trabalho.

• Graduar a intensidade do processo de introdução e difusão de progresso técnico, tendo em vista a necessidade de preservar o acesso do conjunto da população economicamente ativa ao mercado de trabalho – decisão que exige uma desconexão do país com o processo de mercantilização liderado pelo capital internacional (Sampaio Jr., idem, p. 8-9).

O autor acima conclui que “a radicalidade do corte com o status quo , dentro e fora do

país, revela que as reformas capazes de evitar a barbárie só podem ser concebidas dentro de

uma organização socialista da sociedade”. Dessa forma, “denunciar a falta de horizonte do

movimento de globalização e construir um amplo arco de alianças, capaz de impulsionar as

transformações sociais indispensáveis para a superação da modernização perversa”, são vistas

como tarefas fundamentais das forças políticas que atuam por um Brasil democrático e

soberano (ibidem).

Portanto o enfrentamento desses desafios requer que se vença outros desafios, entre os

quais estão os que devem ser enfrentados pelos aos sindicatos e à CUT, tais como:

1) O sindicato deve se capacitar a representar, organizar e mobilizar os mais

amplos setores da classe trabalhadora.

Não há transformação socialista de um país se as propostas da esquerda não

conquistam a hegemonia na classe trabalhadora e na maioria da popula ção. O sindicato e a

central sindical são ferramentas-chave para essa luta pela hegemonia. A conquista do apoio

ativo da maioria na luta contra a exploração capitalista não acontece espontaneamente, deve

ser organizada. A formação da consciência de amplos setores da sociedade, no entanto,

requer compreender a eclosão dos novos movimentos sociais a partir de uma perspectiva de

classe. Trata -se de procurar elementos comuns na luta de segmentos aparentemente distintos,

dispersos e desarticulados. A compreensã o até aqui alcançada é que não se pode explicar a

emergência de movimentos sociais sem considerar, de um lado, os efeitos da exploração e da

dominação capitalista e, de outro, o impacto da manipulação feita pela mídia, o papel do

pensamento e da política neoliberal sobre a atual correlação de forças.

De acordo com Galvão (2001), buscar os vínculos acima enunciados não é tarefa fácil.

Pois, ao contrário do sindicalismo, considerado parte da “normalidade” de uma formação

social capitalista, ainda que uma nor malidade incômoda e indesejável aos olhos das classes

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dominantes, os movimentos indígenas, de camponeses e de negros, não representariam um

elemento “fora de lugar” nesse contexto? Como o neoliberalismo pode afetar movimentos

que parecem tão distantes de sociedades capitalistas e “globalizadas”? Em que medida

questões de ordem étnica e racial estão relacionadas a fatores de ordem político-ideológica ou

à posição dos indivíduos na estrutura econômica? A resposta a essas questões requer a

consideração das causas objetivas e subjetivas dessas lutas, a compreensão de suas

motivações conjunturais e seus determinantes estruturais, a análise de seus antecedentes, de

suas reivindicações imediatas, de seus impactos e desdobramentos.

Por exemplo, índios, negros e camponeses, cada um a sua maneira e em tempos

diferentes, foram atingidos pelo processo de penetração das relações de produção capitalista

no campo: os primeiros com a invasão de suas terras por fazendeiros, colonos, garimpeiros; os

segundos, com um processo de abolição que os liberou do trabalho escravo sem os incorporar

ao regime de assalariamento, seja no campo ou nas cidades; os últimos, com a

industrialização do campo, principalmente a partir de 1950, que expulsou os trabalhadores

agrícolas e concentrou a propriedade rural nas mãos de grandes latifundiários.

Se esses fatores seculares são fruto da acumulação de contradições, como explicar a

recém-adquirida visibilidade desses movimentos? A explicação para a intensificação dessas

lutas, que longe de ser inédita, pode ser encontrada no movimento histórico e na dinâmica da

luta de classe: é preciso considerar as vitórias e as derrotas das classes dominadas e as contra-

ofensivas das classes dominantes, desencadeadas através da força física e/ou da dominação

ideológica. Portanto não se pode desprezar que fatos novos se sobrepõem aos antigos,

reforçando a situação defensiva das classes dominadas.

O fato novo, que explica tanto a paralisia sindical da última década do século XX,

quanto a efervescência recente dos movimentos sociais, é o neoliberalismo. A ideologia

neoliberal afetou o movimento dos assalariados urbanos ao estimular a corrida pela

competitividade e produtividade, legitimando a redução dos custos do trabalho e favorecendo

as parcerias capital/trabalho. Convertido em programa político, mediante a adoção de políticas

de privatização, abertura dos mercados e estabilização monetária, o neoliberalismo contribuiu

para o enfraquecimento do sindicalismo, aumentando a precarização das condições de

trabalho e o desemprego.

Mas, se o neoliberalismo é um dos responsáveis pelo refluxo do movimento sindical –

ele não se limita ao Brasil – isso não significa que este esteja passando por uma crise

estrutural e definitiva. Apesar da difusão de teses ligadas ao adve nto da sociedade “pós-

industrial”, que proclamam o fim do trabalho, o fim dos sindicatos, dentre outras afirmações

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dessa natureza, o sindicalismo vem dando sinais de recuperação desde 1995, quando da greve

dos funcionários públicos franceses. A ela se seguiram as eurogreves contra o fechamento da

fábrica da Renault em Vilvorde, as marchas européias contra o desemprego, em 1997, e as

grandes polêmicas envolvendo sindicatos e organizações patronais em torno da lei Aubry I97,

de 13 de junho de 1998, prevendo a redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais na

França, apenas para citar alguns exemplos.

Por outro lado, ao impor constrangimentos econômicos sobre o orçamento destinado à

“questão social”, como a seguridade, a demarcação de terras indígenas, os créditos agrícolas,

a educação pública, a moradia popular, o neoliberalismo repercute sobre as condições de vida

e de trabalho de camponeses, assalariados rurais, sem-teto, sem-terra, independentemente de

sua cor ou origem étnica. Deste modo, afeta um dos mais antigos problemas sociais

brasileiros, a luta pela terra, posto que bloqueia as possibilidades de acomodar os ex-

camponeses e assalariados rurais nas cidades. Impossibilitados de encontrar um emprego,

mesmo que no setor informal, estes se juntam ao Movimento dos Sem-Terra (MST).

O mesmo acontece com os desempregados urbanos ao verem negadas as

oportunidades de se reintegrar à empresa ou de serem “ requalificados” e transferidos a uma

outra ocupação. Nesse sentido, as conseqüências das políticas neoliberais acabam fornecendo

uma base social para a expansão do MST.

As comemorações em torno dos 500 anos do Brasil foram um momento propício para

a retomada das lutas sociais. Ao mesmo tempo, o MST realizou a ocupação de propriedades

rurais, estradas e prédios públicos, na esperança de que o governo mudasse o rumo de sua

política macroeconômica, intensificasse o processo de desapropriação de terras e o

assentamento de famílias. O governo reagiu através da censura e da violência. Além disso,

tentou aterroriz ar a sociedade brasileira, apresentando os integrantes do MST como bandidos,

uma ameaça à lei e ao direito da propriedade. Acusados de fascistas, os membros do

movimento foram ameaçados com a reedição da Lei de Segurança Nacional (LSN), sob o

pretexto de que as ações por eles realizadas constituíam crimes contra a autoridade do Estado.

97 A Lei Aubry I, promulgada em 13 de junho de 1998, pelo governo de esquerda de Lionel Jospin, prevendo a redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais na França, gerou polêmicas quanto aos efeitos práticos da redução da jornada de trabalho, ou seja, ela aumenta o número de empregos ou apenas evita que o desemprego cresça. Os sindicatos criticam o estímulo à flexibilização e à precarização do trabalho. Trabalhar menos é uma reivindicação justa, que pode reverter em resultados socialmente positivos. No entanto, a redução da jornada não é uma panacéia capaz de resolver todos os males que atingem o mercado de trabalho, nem no Brasil nem em qualquer outro lugar do mundo. Além dos interesses diferenciados de patrões e empregados, inúmeras outras questões estão envolvidas nesse debate, tais como: Quais são seus impactos sobre o ritmo e as condições de vida do trabalhador? Ela permite que o trabal hador usufrua plenamente o seu tempo livre ou impõe outros constrangimentos (buscar outras atividades para complementar o salário mensal), que impedem o usufruto do tempo livre? (Galvão, 2001a, p. 50-51).

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Para completar o quadro, a mídia lançou campanha questionando o caráter democrático do

movimento e levantando suspeitas de corrupção.

Enquanto isso, no final do mês de abril de 2000, surgiram novas greves de várias

categorias de assalariados: servidores públicos federais (da saúde, da justiça, previdência,

professores universitários, de escolas técnicas), caminhoneiros, servidores públicos estaduais.

Além do aumento salarial, as categorias em greve reivindicavam condições para melhorar a

qualidade dos serviços oferecidos à população, denunciando cortes no orçamento social, em

proveito do pagamento de juros e encargos financeiros relativos às dívidas interna e externa.

Muitas ve zes a repressão foi a tônica, aumentando o desgaste do governo. As análises do

presidente FHC foram reducionistas: “As greves não são o fim do mundo. Elas fazem parte da

democracia, como na França” (Galvão, 2001, p. 50). O presidente considerou que a

acumulação de movimentos resultou de uma expressão política e não de uma tensão social,

referindo-se ao ano eleitoral. Esta “percepção sociológica” superficial tem como finalidade o

estabelecimento de uma ruptura entre o social e o político e serve para deslegitimar as

diversas formas que as reações populares assumem, como se elas fossem mera questão de

rivalidade entre partidos políticos.

Essa análise reducionista restringe a luta política ao jogo eleitoral e a concepção da

política à dimensão institucional. Mas o caráter político das greves mencionadas acima não se

deve às ligações com um partido ou outro, mas ao que elas exprimem: a recusa da política

econômica do governo; e recolocam na ordem do dia a questão da dominação e da exploração

de classe.

Os conflitos sociais são conseqüência da luta de classes e é essa dimensão que os

unifica a despeito das diferentes aparências que eles possam assumir e das categorias distintas

que eles mobilizam. As diferenças raciais, étnicas e de posições na estrutura econômica

podem tornar a ação coletiva mais difícil, introduzindo divisões, confrontações, provocando

recuos e fracassos. Mas a percepção, embora difusa, da natureza de classe da sociedade

capitalista que funda e atravessa os antagonismos sociais, superpondo-se às demais

diferenças, é o elemento que permite às classes dominadas se articular, construir uma ação

comum. Além da condição de classe, essas diferentes categorias partilham uma ideologia

antineoliberal, o que permite pensar os movimentos por elas iniciados como o início da

ruptura da hegemonia neoliberal no Brasil.

Quase ninguém se aventura numa avaliação profunda dessas reações populares, pois

cada um está convencido de estar fazendo a sua parte. Muitas vezes as reflexões param por

aqui, pois acredita-se estar no caminho certo ao apontar no adversário a causas dos estragos

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provocados na cabeça do povo simples. Não há uma reflexão de como as pessoas interpretam

o quotidiano através das idéias, valores e critérios de análise, que de forma bizarra mesclam

convites à resignação e à resistência diante da realidade em que vivem. O mundo do senso

comum é justamente isto: uma mistura de expressões da classe dominante, traduzidas e

mastigadas na forma de crenças e regras de vida que são transmitidas através das relações do

dia-a-dia (em cartazes, jornais, boletins e informativos de todos os tipos) e breve reflexões

críticas que nascem dos momentos de resistência individual e coletiva diante do peso da

exploração.

Apesar de contraditória e inconseqüente, é justamente esta visão de mundo que faz as

pessoas se sentirem seguras, se comunicarem umas com as outras e interpretarem os

acontecimentos ora como obra do acaso ou como algo “natural”, ora como um estímulo à

revolta e à reflexão. Na maioria das vezes, as breves expressões de resistência são permeadas

pela saudade, pelo medo do novo, pelo receio de que uma situação de desordem possa vir

ameaçar o pouco que se tem e por uma vaga esperança num futuro melhor a ser construído

por uma liderança iluminada ou pela ação milagrosa de alguma entidade sobrenatural.

Esta visão de mundo é moldada e consolidada não só através de palavras, mas de fatos

e relações que fazem o quotidiano das pessoas. Não é por acaso que, além de usar a mídia, a

elite se preocupa em fazer com que a vida familiar reproduza seus valores, em organizar

momentos de participação que reafirmem as idéias dominantes e consolidem no povo a sua

compreensão da realidade.

“A situação da ação é o centro do mundo da vida” (Habermas, apud Antunes, 2000, p.

148). O mundo da vida tem como constitutivos básicos a linguagem e a cultura (ibidem).

Segundo Antunes (2000, p. 149):

O poder e o dinheiro, como meios de controle que se desenvolvem no interior do sistema, acabam por se sobrepor ao sistema interativo, à esfera comunic acional. Opera-se uma instrumentalização do mundo da vida, sua tecnificação. Com o aumento e complexificação dos subsistemas, o fetichismo, descrito por Marx, acaba por invadir e instrumentalizar o mundo da vida. Dá-se, então, o que Habermas caracteriza como o processo de colonização do mundo da vida.

O mundo da vida é o locus do espaço intersubjetivo, da organização dos seres em

função da sua identidade e dos valores que nascem da esfera da comunicação. A cultura, a

sociedade e a subjetividade encontram seu universo no mundo da vida, o qual cristaliza

várias relações sociais: “as relações entre empregado e o consumidor, por um lado, e a relação

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entre o cliente e o cidadão do Estado, por outro” (Habermas, apud Antunes, 2000, p. 150),

efetivando-se um processo de monetarização e burocratização do poder do trabalho.

A instrumentalização do mundo da vida, por constrangimentos oriundos do universo sistêmico, leva a uma redução e ao ajustamento da prática comunicativa às orientações de ação cognitivo-instrumental. “Na prática comunicativa da vida quotidiana, as interpretações cognitivas, as expectativas morais, as expressões e valores, têm que formar um todo racional, interpenetrar-se e interconectar -se por meio da transferência de validade, que é possibilitada pela atitude realizada...”.

É assim com os projetos de trabalho voluntário, as campanhas contra a fome, os

eventos culturais que sublinham a importância da iniciativa privada e a longa lista de

momentos nos quais as classes dominantes convidam o povo simples a pagar do seu bolso

pela miséria e o desemprego alimentados pelo funcionamento dos mecanismos de exploração

que garantem seus lucros.

Neste cenário, o próprio sentimento de solidariedade se torna um meio para ocultar as

contradições do sistema e mostrar que, juntos, trabalhadores e patrões podem enfrentar os

problemas que, “fatalmente”, a história põe em nosso caminho.

O sindicato deve se inserir no quotidiano do povo simples e promover um processo de

conscientização através de palavras e fatos, capacitando-os para ver e ouvir a realidade, e

dialogar sobre suas angústias. Trata-se de dar uma resposta concreta aos “dirigentes”, pois

estes envolvem as pessoas levando-as a experimentar que há saídas possíveis e a vivenciar

uma compreensão da realidade que atende às necessidades das elites. Trata-se de fazer ver

que, às vezes, a posição de “dirigente” faz com que se pareça como portador da verdade

absoluta.

Se as elites procuram, por qualquer meio e principalmente através da mídia, fazer com

que a vida familiar reproduza seus valores, o povo simples deve ser orientado para a análise

das idéias que lhes são incompreensíveis; para perceber, incorporar e tornar coerentes as

expressões que manifestam seus fragmentos de dignidade, resistência e rebeldia, construindo

a dúvida no coração do senso comum e começar um processo pelo qual se torne possível

questionar os elementos que levam à resignação e ao conformismo diante do quotidiano da

exploração.

Não é possível construir uma sociedade justa sem superar a divisão entre dirigentes e

dirigidos. Não é possível construir uma ordem social que acabe com toda forma de exploração

e discriminação sem superar esta divisão, sem criar os meios para que as pessoas tenham ao

seu alcance as ferramentas que lhes permitam interpretar a realidade a agir para mudá-la.

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O autoritarismo que caracteriza a história do trabalhador e do povo simples marca a

ausência de um debate democrático nas organizações, o trabalho de organização de base

(supõe a construção de uma nova maneira de fazer política a partir de baixo, do envolvimento

e uma inserção no quotidiano do povo capaz de educá-lo e fazê-lo avançar com fatos e

palavras que criam novas realidades e constituem marcos visíveis ao redor dos quais é

possível dialogar com o senso comum) tem se tornado “coisa do passado”, algo sobre o qual

todos falam, mas que ninguém faz. E isso não é por acaso.

Trata-se de realizar um trabalho lento de inserção numa realidade cujas respostas virão

a longo prazo, que não garante aplausos e reconhecimentos pú blicos e para cuja realização se

faz necessária uma boa dose de paciência, capacidade de envolver as pessoas no

planejamento, na execução e avaliação das ações a serem realizadas, firmeza de princípios,

coerência, diálogo, despreendimento, paixão e uma fundamentação teórica que permite

debater aberta e democraticamente cada passo em direção ao futuro que se pretende construir.

O dia -a-dia do partido e do sindicato pode elevar a consciência do povo e unir os demais

movimentos populares.

2) Tornar o sindicato um órgão de frente única dos trabalhadores e do povo

simples.

O sindicato necessário para a estratégia socialista deve ser uma organização para

todos/as os/as trabalhadores/as e o povo que luta contra o desemprego e o agravamento da

exclusão social (desempregados, trabalhadores informais, sem-terra, sem-teto, negros, índios,

camponeses, mulheres, estudantes, etc.). Ou seja, não interessa construir sindicatos

“vermelhos” que organizem apenas aqueles trabalhadores que já apóiam as propostas da

esquerda.

O desafio do sindicato é dialogar com os/as trabalhadores/as e todos os populares que

vivem dificuldades sentem-se ameaçados e/ou prejudicados pela economia global, são

discriminados por sua condição econômica, social e cultural, mas que estão ainda sob a

hegemonia das idéias e propostas burguesas, para fazer um trabalho político e pedagógico,

mostrando que elas buscam legitimar e perpetuar a exploração e a miséria da classe

trabalhadora e excluir da sociedade cada vez mais os diversos segmentos sociais.

Segundo Fígaro (2001, p. 33), “pesquisa em montadora do ABC paulista revela a

importância das relações interpessoais como mediadoras da comunicação entre os

trabalhadores”. Resgatar o sujeito social , o receptor dos meios de comunicação, no

emaranhado mundo capitalista neoliberal e globalizado, é um esforço teórico necessário para

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que se possa enxergar a dinâmica social da comunicação como um processo dialético, no qual

os indivíduos partilham códigos, mensagens e sentidos.

A pesquisa realizada entre os metalúrgicos de uma grande montadora do ABC paulista

para compreender a recepção dos meios de comunicação a partir do quotidiano do mundo do

trabalho, para demonstrar como as mediações que essa realidade apresenta compõem o

universo dos trabalhadores, atuando sobre os sentidos e as maneiras de ver e entender o

processo comunicacional do qual eles fazem parte, demonstrou que “os colegas de trabalho

representam para esses trabalhadores um meio de informação importante. Mais destacado

inclusive do que os jornais e revistas da grande imprensa e, principalmente, comunicação

interpessoal privilegiada em relação à comissão de fábrica, aos diretores do sindicato, aos

vizinhos e ao próprio chefe na empresa” (Fígaro, idem, p. 34).

A experiência pessoal, para a maioria dos trabalhadores que fizeram parte da referida

pesquisa no ABC paulista, vivida inicialmente no trabalho no campo e, depois, como

operários metalúrgicos, foi intermediada pelas relações que se dão no trabalho. No discurso

desses trabalhadores encontrou-se a marca de uma ética do trabalho que passa e circula entre

eles, faz parte de um modo de ser que fica, permanece, manifesta -se na duração de uma vida

de trabalho e passa para outros, outras vidas, num percurso mais longo. É a ética do bom

trabalhador, que tem sua dignidade e honradez de profissional que produz, que as

transformações na regulamentação do trabalho, com a flexibilização da mão-de-obra, a

redução de direitos sociais, a terceirização, a precarização do trabalho, está quebrando.

O que se está destruindo é um modo inteiro de viver, é o mundo de vida do trabalho. O

empobrecimento cultural na prática comunicativa quotidiana resulta da penetração das formas

de racionalidade econômica e administrativa no interior das áreas de ação, que resistem a ser

convert idas pelo poder e o dinheiro, uma vez que são especializadas em transmissões

culturais, integração social e educação infantil, que permanecem dependentes do

entendimento mútuo como mecanismos para a coordenação de suas ações (Habermas, apud

Antunes, 2000).

O sindicato deve se organizar pela base, pois no local de trabalho a comunicação se dá

entre os trabalhadores. É da experiência acumulada no quotidiano que o trabalhador constrói

seu aprendizado, constitui seu ponto de vista, formula sua ideologia. É a partir desse viés que

vão se constituindo os temas salário, saúde, condições de trabalho e direitos trabalhistas, bem

como as chaves de leitura pelas quais os trabalhadores entram no “texto”, nas mensagens dos

meios de comunicação (o jornal sindical, o jorna l da empresa e o telejornal, principalmente,

recobrem-se de significados no embate com estes pontos de vista que foram sendo construídos

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no quotidiano). O mundo da fábrica é, além de espaço de trabalho, lugar de relacionamento

com os colegas, de inúmeras relações de camaradagem e solidariedade, além de ser o espaço

onde o trabalhador se realiza enquanto ser profissional.

A intimidade com o ambiente de trabalho faz com que o trabalhador se aproprie desse

espaço como um espaço de reconhecimentos, de aproximações, de emoções, de

envolvimentos afetivos, onde ele se realiza como sujeito e como profissional. No espaço da

fábrica, se constrói boa parte das representações e se processa a identidade de ser trabalhador,

cidadão político-social.

A leitura coletiva dos jornais do sindicato e da empresa e as discussões e comentários

sobre as notícias veiculadas pelos telejornais são as pautas prediletas do dia -a-dia no local de

trabalho, no bar, no ônibus para casa. Os sentidos compartilhados tornam-se alimento para a

ação e manifestação em defesa dos direitos e dos interesses dos trabalhadores. Cabe aqui as

inferências alcançadas por Antunes (2000, p. 155) que em seu esboço da crítica habermasiana

diz que

...sua a teoria da ação comunicativa, “não se constitui como uma metateoria, mas no marco inicial de uma teoria da sociedade”, tendo nos “paradigmas do mundo da vida e do sistema” seus núcleos categoriais básicos ” (Habermas, 1991). O mundo da vida, é reservado à esfera da razão comunicativa, espaço por excelência da intersubjetividade, da interação. O sistema, é movido pela razão instrumental, onde se estruturam as esferas do trabalho, da economia e do poder. A disjunção operada entre esses níveis, que se efetivou com a complexificação das formas societais, levou Habermas a concluir que a “utopia da idéia baseada no trabalho perdeu seu poder persuasivo (...) Perdeu seu ponto de referência na realidade”. Isso porque as condições capazes de possibilitar uma vida emancipada “não mais emergem diretamente de uma revolucionarização das condições de trabalho, isto é, da transformação do trabalho alienado em uma atividade autodirigida” (Habermas, 1989). Ou seja, para Habermas a centralidade transferiu -se da esfera do trabalho para a esfera da ação comunicativa, onde se encontra o novo núcleo da utopia (ibidem).

Em suma, a conquista da democracia e da cidadania passa pelo sindicato e sua

organização, pela luta contra o corporativismo – em cujo centro estão as iniciativas de

desregulamentação dos direitos sociais e de flexibilização das relações de trabalho, diante das

quais os sindicatos serão cada vez mais desafiados a rever sua agenda e a transcender o

âmbito exclusivo das relações de trabalho para encontrar saídas que permitam manter e

ampliar sua base de sustentação, seu poder de representação e suas conquistas sociais – , pela

solidariedade, pela ação comunicativa e os discursos diferenciados, pela consciência de

amplas massas e pela ação reivindicativa.

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A imprensa sindical e as relações interpessoais com os colegas deve alçar ao mundo da

vida, transferir a centralidade da esfera do trabalho para a esfera da ação comunicativa. O

acesso aos discursos que circulam no mundo do trabalho, que se apresentam como

constituidores de um ponto de vista diferenciado, é fundamental na formação de um ponto de

vista crítico, de um receptor mais exigente, capaz de questionar e saber escolher.

Para tanto, o sindicato deve partir das reivindicações imediatas dos trabalhadores,

somar sua luta aos dos movimentos sociais e mostrar como elas levam a outras esferas de

disputa. A luta pelo salário, por exemplo, por emprego, por terra para viver e trabalhar, por

moradia, etc., deve se articular com a luta política, com o questionamento da forma como se

exerce o poder político e como se faz a distribuição da riqueza e da renda na nossa sociedade.

Igualmente, a luta por melhores condições de trabalho, por saúde e segurança nos locais de

trabalho e de moradia, deve se combinar com o questionamento às formas como o capital

organiza o trabalho e a produção na sociedade, como são elaboradas e votadas as leis, quais os

interesses e as armadilhas que as mesmas escondem.

Nesse sentido, o sindicato deve ser uma escola de socialismo para que todos saibam do

mau uso que é feito de boas idéias. Um exemplo é a redução da jornada de trabalho. A luta

pela redução da jornada de trabalho é uma tradicional bandeira sindical. No Brasil, a última

redução legal foi consagrada pela Constituição de 1988 que fixou a duração da jornada em 44

horas semanais. O assunto foi relançado em 2000 quando a CUT, Força Sindical e CGT se

uniram em torno da proposta de redução da jornada para 40 horas semanais através de uma

emenda popular à Constituição. O projeto de lei número 8, de 2000, de autoria do senador

Geraldo Cândido (PT/RJ), já havia proposto a redução da jornada para 35 horas semanais

(Galvão, 2001a).

A instituição das 35 horas semanais na França, instituída pela Lei Aubry, de junho

de1998, foi uma conquista importante para o trabalhador, mas não estava livre de armadilhas.

Seus efeitos dependiam da forma pela qual ela seria realizada e da reação sindical e patronal

frente a ela. Nesse caso,

A redução dos encargos patronais e os ganhos de produtividade proporcionados pela adoção das 35 horas fizeram mais do que compensar a alta do custo horário do trabalho provocado pela redução da jornada. Para Thomas Coutrot, “as margens de manobra oferecidas pela ‘moderação salarial’, a flexibilidade do tempo de trabalho e as reorganizações financeiras financiam amplamente o custo das 35 horas pagas 39, mesmo na ausência da exoneração de cotizações para os acordos ‘não ajustados’” (Galvão, 2001a, p. 53).

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Pois, enquanto o patronato francês mantém-se em torno de um projeto de ‘refundação

social’ com o objetivo de flexibilizar as relações de trabalho, a divisão dos sindicatos impediu

a adoção de uma estratégia coerente face à lei: enquanto a CFDT aceitou a flexibilização

como contrapartida a uma menor duração do trabalho, a FO considerou a redução da jornada

como uma maneira de aumentar o salário por meio das horas extras e a CGT insistiu na

criação de empregos. Por si só, a redução da jornada não é suficiente para que a duração

efetiva do trabalho diminua ou para assegurar que seus resultados sejam positivos para os

trabalhadores. A individualização da duração do trabalho pela qual a experiência francesa

vem sendo acompanhada desagrega as identidades coletivas, destrói solidariedades e desarma

os sindicatos para enfrentar as estratégias patronais de flexibilização e intensificação do

trabalho. Trata -se, portanto, do mau uso de uma boa idéia.

O movimento sindical brasileiro, à semelhança do que ocorre em outros países, está

perante um desafio global, em diversos níveis: o desafio da solidariedade, o desafio da lógica

organizativa, o desafio da lógica reivindicativa, entre outros.

No caso da ação reivindicativa, ela não pode deixar de fora nada que afete a vida dos

trabalhadores. Não se trata apenas do desenvolvimento regional, da formação profissional, da

reestruturação dos setores. Trata -se dos transportes, da educação, da saúde, da qualidade do

meio ambiente e do consumo. Para além de pragmáticas e de autênticas, as formas de luta tem

de ser inovadoras e criativas.

A luta política e a econômica devem vir articuladas. Uma categoria enfraquecida e

desorganizada sindicalmente (com baixa sindicalização, com falta de organização nos locais

de trabalho, com pouca ou nenhuma mobilização por reivindicações imediatas), terá maiores

dificuldades para avançar na sua consciência política.

Mas para que o sindicato cumpra sua função estratégico-socialista deve ser construído

sobre alguns princípios básicos, dentre esses:

1) O sindicato deve ser uma organização democrática que garanta que as diversas

posições políticas existentes na categoria tenham canais para disputar a adesão do conjunto

dos trabalhadores representados e articular-se com outros movimentos sociais progressistas,

movimentos de sem-terra, de consumidores, de índios, negros, feministas, trabalhadores

informais, desempregados, estudantis, entre outros, deve ser no debate político e através da

adesão ativa dos trabalhadores e do povo simples que a esquerda deve exercer sua maioria na

categoria e não pela via do aparelhamento da entidade.

Nesse sentido, um mecanismo fundamental para o funcionamento do sindicato (no que

diz respeito à composição da direção e na escolha de representação, delegados e outros) é a

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proporcionalidade, isto é, que cada posição política tenha uma participação de acordo com seu

peso na categoria. Isso permite garantir o caráter efetivamente plural da entidade sindical ou

de inibir as tentações aparelhistas que surgem na prática sindical.

2) O sindicato deve se organizar pela base. A categoria organizada a partir dos locais

de trabalho é um antídoto fundamental contra a burocratização das entidades. A história da

burocratização dos sindicatos tem estado associada à concentração de poder nas cúpulas (nas

executivas e, em especial, nos cargos de presidente e tesoureiro).

Enquanto o capital se globalizou, o operariado localizou-se e segmentou-se. Na fase

atual, o movimento sindical terá de se reestruturar e apropriar-se da escala local e da escala

transnacional pelo menos com a mesma eficácia com que no passado se apropriou da escala

nacional. Da lógica do controle do aparelho à lógica da participação e da ação comunicativa, o

movimento sindical deve reorganizar-se de modo a estar simultaneamente mais próximo do

quotidiano dos trabalhadores, dentro e fora do espaço da produção, articular-se com outros

movimentos sociais, promovendo a mais ampla integração, de modo a atender os

trabalhadores enquanto trabalhadores e as aspirações e direitos legítimos destes e de todos os

excluídos do sistema, criando a possibilidade e as condições políticas para a globalização dos

direitos, da cidadania e da democratização do acesso a todas as conquistas da humanidade.

3) O sindicato deve ter independência de classe. O sindicato deve ser uma

organização dos trabalhadores sem atrelamento ao Estado e aos patrões. Sua sustentação

financeira deve se basear na contribuição voluntária dos trabalhadores. Por outro lado, se

trabalhadores e patrões têm projetos antagônicos (socialismo X capitalismo), entre eles não

pode haver parceria nenhuma. Não interessa dar estabilidade ao capital nem a seu sistema – o

capita lismo. Não se pode identificar os interesses dos trabalhadores com os da empresa na

qual trabalham. Deve -se construir a identidade da classe trabalhadora e uma diferenciação

clara em relação à política burguesa.

Estes são três princípios que devem ser respeitados para que o sindicato seja uma

autêntica organização de frente única da classe trabalhadora e, a partir dessa experiência,

articule-se com outros movimentos sociais progressistas para que, no aprofundamento das

relações e da realização da cidadania , caminhem em direção a uma sociedade

verdadeiramente democrática e solidária.

Se não tiver democracia, haverá burocratização, qualquer iniciativa da base será

abafada pela direção e a disputa da hegemonia estará bloqueada pelo aparelhismo. Se não

forem organizados pela base, os mecanismos de democracia serão pura formalidade já que os

trabalhadores e o povo comum não terão ferramentas para uma participação efetiva. Se não

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tiver independência de classe, a organização sindical estará atrelada ao campo político-

burguês.

Os socialistas têm como tarefa, a partir dos sindicatos, estimular a classe trabalhadora

a questionar o poder do capital sobre o processo de produção e de trabalho. Ao sindicato e à

central sindical, deve interessar não somente em que condições a força de trabalho está sendo

contratada (que é o que em geral se discute em campanha salarial) mas também de que forma

está organizada a produção e o trabalho em uma empresa, no ramo de atividade e no país.

O capitalismo se viabilizou historicamente através de um processo político

(constituição do Estado burguês) e social (de expropriação do poder que os trabalhadores

tinham sobre o processo de trabalho). O trabalhador passou a ser substituído no processo de

trabalho por normas disciplinares pelo medo ao desemprego, pelo ritmo imposto pelas

máquinas e pelas linhas de montagem, pelas formas de gestão de mão-de-obra que vão desde

o “taylorismo” até o “toiotismo” e permitem diversas combinações de estratégias

empresariais, sempre com o objetivo de aumentar a produtividade do trabalho e assim garantir

lucros maiores para o capital.

A tarefa do sindicato é unificar os tralhadores de uma categoria. A tarefa central é

unificar a classe trabalhadora de um país. Mas isso é cada dia menos suficiente para enfrentar

as estratégias das empresas que estão cada vez mais internacionalizadas – e para conseguir

desafiar o poder da principal potência imperialista, os Estados Unidos da América.

O capital tenta fazer com que a concorrência entre empresa se manifeste também como

disputa entre os trabalhadores de uma empresa contra os de outra concorrente.

Contemporaneamente, e em paralelo com a “guerra fiscal”, as empresas tentam colocar em

disputa trabalhadores de uma região do Brasil com os de outras regiões. Com essa mesma

lógica, os capitais operam em relação aos países: prometem investimentos nos países em que

os trabalhadores reivindiquem menores salários e menos direitos.

Seja na relação entre trabalhadores de duas empresas concorrentes no mesmo ramo, de

duas regiões do mesmo país, ou de dois países, a questão é: ou cada um defende “sua

empresa” na disputa pela competitividade, ou unem-se todos para defender de todos os

capitais.

4) Uma organização sindical dos excluídos. Mudanças recentes do capitalismo estão

provocando alterações no perfil da classe trabalhadora. Há hoje mais trabalhadores

desempregados, precarizados, terceirizados, do setor informal, que há dez anos. Essa mudança

do perfil da classe trabalhadora implica discutir quais são as melhores formas organizativas

que se deve desenvolver para conseguir aglutinar esses segmentos que têm tido um

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crescimento explosivo nos últimos anos. Caso contrário, o sindicalismo será cada vez mais a

organização de uma minoria com carteira assinada e maior estabilidade no emprego, deixando

o grosso dos trabalhadores alijados.

Por outro lado, os trabalhadores que ainda têm contratos que garantem direitos estão

sofrendo de forma direta e sistemática ataques em seus direitos através da “flexibilização

trabalhista” que visa a eliminar os direitos sociais conquistados.

5) Contra todas as opressões. Importantes setores da classe trabalhadora sofrem

formas específicas de opressão que cumprem importantes papéis econômicos (aumentar a

exploração) e políticos (reforçar a dominação burguesa). Mulheres, negros, imigrantes,

homossexuais, idosos e indígenas são vítimas prioritárias do neoliberalismo. Defende-se um

sindicalismo que organize os trabalhadores contra todas as formas de opressão e que seja

capaz de abrigar espaços no seu interior para a auto-organização dos coletivos específicos que

assim o reivindicarem.

6) Construindo uma nova direção. A crise econômica é grande e suas conseqüências

sociais dramáticas (desemprego, destruição de serviços públicos, empobrecimento da

população). Esse terreno pode levar a uma radicalização política, desde que o movimento

sindical combativo assuma claramente e organize o enfrentamento com as políticas e os

governos que provocam essas mazelas. Mas dessa mesma conjuntura pode derivar também

uma postura sindical defensiva que em nome dos interesses de uma categoria busque acordos

ou a aprovação de medidas governamentais que prejudiquem direitos de outros setores ou do

conjunto da classe trabalhadora.

De acordo com o Projeto Cutista a Luta pela Liberdade de Organização Sindical e o

Combate ao Projeto Neoliberal (São Paulo, 1996), para o cenário da liberdade e autonomia

sindical, é fundamental que se conquiste, previamente, o direito à organização dos

trabalhadores nos locais de trabalho. Esse direito é uma das principais salvaguardas que a

organização sindical deve ter para propor a retirada dos atuais mecanismos que funcionam (de

forma deturpada e até degenerada) como “salvaguardas”.

Considerando inclusive a estratégia de expulsar (quando não consegue domesticar) o

sindicato de dentro das empresas, o principal desafio do período, neste terreno, é “colocar o

sindicato dentro do local de trabalho”.

Para alcançar esse objetivo, precisa-se construir um movimento social de resistência

que articule os setores democráticos e populares, também para defender a organização

sindical (contra os ataques acima expostos e pelo direito de organização no local de trabalho).

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Elizário Toledo, do Departamento de Desenvolvimento Rural – FETAG/RS, na

inquirição sobre o mesmo assunto, sugere estratégias que os sindicatos deverão adotar para

fazer frente aos desafios enfrentados pelo sindicalismo. Nesse sentido, são relacionadas:

Ofertas de novos serviços, como prestação social complementar, consultas em

assuntos profissionais, formação especializada sobre programas de comunicação.

Captação de novos membros, em especial mulheres e jovens, desempregados, todos os

que estiverem em situação de exclusão social.

A situação da mulher nos sindicatos deve ser revista de forma prioritária por ser um

contingente significativo, possuir peso e representação importante, e pelo fato de que elas

podem ser um elo da integração da família no ativismo e militância sindical, como já ocorre

nos Estados Unidos, na Inglaterra, Canadá e Itália, onde foram criados departamentos

específicos para tratar da participação das mulheres e sua inserção no movimento sindical.

Será preciso descentralizar a ação sindical levando os sindicatos até onde estão os

associados, quer seja nos bairros, quer seja nas comunidades mais distantes.

Intensificação da cooperação sindical internacional que, via de regra, é difícil de

implementar devido às diferentes culturas e línguas, barreiras de ordem jurídica, contudo essa

cooperação é fundamental para globalizar ações sindicais exitosas e, também, para afirmar

que há alternativas fora do pragmatismo dogmático da globalização e das políticas

neoliberais, ora propaladas como único e irreversível caminho para o desenvolvimento das

nações.

Estabelecimento de novas alianças. Os trabalhadores não se identificam somente em

função de sua atividade mas também com suas origens, nacionais e sociais, opções filosóficas,

religiosas, políticas, idade, sexo, que compartilham dos mesmos objetivos dos sindicatos,

enfim esses devem trabalhar para agregar forças desses parceiros potenciais para a construção

de um novo modelo de desenvolvimento harmônico e que propicie abertura de oportunidades

para todos.

Os sindicatos devem trabalhar para viabilização e concretização do Estado

democrático, democratizando suas próprias relações, contribuindo para uma distribuição mais

harmoniosa dos frutos do crescimento, promovendo a estabilidade social, impedindo a

exclusão, a violência e os distúrbios sociais e colaborando para a erradicação da pobreza. Ser

um veículo vital na construção da consciência coletiva, evidenciando o exercício da cidadania

como pressuposto básico de uma sociedade mais justa e igualitária, banindo dela odiosos

privilégios que acentuam e denunciam a ostentação de uns poucos milhares, em detrimento da

miséria de milhões.

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É necessário uma profunda reflexão sobre o tipo de sindicatos que se está buscando

para enfrentar os desafios ora propostos, uma revisão criteriosa da inserção e da participação

dos jovens, destinando espaços para sua atuação na construção de propostas objetivando o

ativismo militante e na procura de alternativas que assegurem a permanência dos jovens no

meio rural.

Elaboração de canais que viabilizem a construção de um modelo de desenvolvimento

sustentável para o campo e para a cidade, tendo, também, os jovens como eixo central na

concepção de um novo modelo de sindicato que busque a sua inclusão, garantindo a

continuidade combativa e atuante, vislumbrando a sustentabilidade de uma sociedade que

proporcione igualdade de condições e de oportunidades para esta geração, sem comprometer

as possibilidades das gerações futuras.

Os destinos dos movimentos populares devem estar intimamente ligados às questões

de gênero que, ao contrário do que se acredita, não trata única e exclusivamente dos assuntos

ligados à mulher, mas de todo o contexto no qual está inserida, em especial das relações de

homens e mulheres, comprometidos na busca do ponto de equilíbrio que possibilite a ambos o

exercício da ocupação dos espaços a que têm direito.

Os sindicatos devem incluir em suas agendas de discussão o papel que as questões de

gênero representam para o conjunto dos movimentos sindicais. É urgente propiciar canais de

participação, através de comissões temáticas específicas, que dêem amplitude da importâ ncia

daquilo que representam.

As dificuldades porque passam os movimentos sociais dizem respeito a todo o

povo simples. Todos fazem parte do problema e da sua solução. Portanto, os sindicatos

precisam tornar-se um instrumento a serviço do processo de apropriação da cidadania e de

politização da sociedade. Hoje é visível que, no estágio de evolução sócio-político-econômico

em que se encontra a sociedade, é fundamental que o povo exerça sua cidadania na plenitude

e se jogue à busca coletiva de melhores condições de vida para os sindicatos voltarem a ter o

respaldo social indispensável para suas reivindicações específicas, sem o qual a correlação de

forças lhe será desfavorável.

Assim sendo, é imperioso que os sindicatos contribuam no processo de alteração do

comportamento social. A sociedade precisa abandonar a cultura de passividade, de apatia, de

acomodação, de priorização da esfera privada e passe a ter uma cultura de participação, de

mobilização de priorização da esfera pública. Não é tarefa fácil, mas é o desafio do

movimento sindical.

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A tarefa do sindicato que se propõe a resgatar a cidadania é trabalhar no sentido de

romper com essa cultura e formar novas bases de solidariedade social, construindo alianças

políticas estratégicas com outros segmentos sociais com vista a desprivatizar e democratizar o

Estado.

O sindicato deve inserir-se nas decisões mais gerais do conjunto da sociedade através

da cultura, das ciências, da política em todas as suas formas, da pesquisa, objetivando

construir um novo projeto de sociedade, contrapondo-se à sociedade capitalista com seu

discurso neoliberal.

O sindicato tem que oportunizar à comunidade e não apenas à categoria espaço de

cultura, de apropriação e discussão sobre temas fundamentais da atualidade como o papel do

Estado, a democracia, o socialismo, o neoliberalismo, a reestruturação produtiva e seu

corolário de desemprego estrutural, a flexibilização dos direitos trabalhistas, a terceirização, a

nova ordem econômica com a formação de blocos econômicos e em especial o Mercosul.

Também sobre questões organizativas do movimento sindical como o pluralismo sindical e o

contrato coletivo de trabalho.

É necessário que a sociedade veja que há sindicatos comprometidos com os interesses

da população, com um projeto de desenvolvimento nacional. Esse projeto necessariamente

passa pelo resgate de valores éticos, pela conquista de políticas sociais, saúde, educação,

habitação, segurança, cultura e lazer. Passa pela radicalização da democracia e pela busca da

modernidade, ainda que tardia. Modernidade essa que não significa melhores condições de

reprodução e acumulação capitalista, mas, sim, e, fundamentalmente, condições de dignidade

humana para todos.

Na síntese dessas análises, vai-se encontrar que o problema não deve ser colocado em

termos de atuar dentro ou fora da estrutura sindical. A prática do sindicalismo deve ocorrer

dentro e fora. A CUT está colocada diante de vários desafios. Entre estes, se ela é, de fato,

contra a estrutura sindical e o peleguismo, e se não tem, de fato, compromisso com a

unicidade sindical, deve, então, começar a discutir a criação de sindicatos cutistas nas bases

dos sindicatos e sindicalistas pelegos.

3.10.10 Posicionamentos do movimento sindical frente à política neoliberal

O sindicalismo desempenhou, na história recente do Brasil, um papel importante. Depois

de um longo período em que a quase totalidade dos sindicatos oficiais esteve a serviço da ditadura

militar, a crise econômica e política do final da década de 1970 criou a oportunidade para a

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afirmação de um novo sindicalismo a partir da luta dos metalúrgicos do ABC. Desde então, a luta

sindical de massa reconstituiu-se, e parte do sindicalismo brasileiro afirmou-se como movimento

reivindicatório e político.

A década de 1990, no entanto, foi um período difícil para o sindicalismo no Brasil. Ele

deixou de ser um movimento social importante, pois sua capacidade de intervenção na luta política

e social diminuiu. A CUT era uma referência central das lutas populares e o inimigo público

número um dos governos. Hoje, a seu modo, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra,

o MST, que ocupa esse posto. O MST é o movimento popular que mais cresce. Além do MST,

surgem lutas novas, como a dos trabalhadores do setor informal da economia, que també m têm se

desenvolvido fora do movimento sindical.

A situação brasileira não é uma exceção. Em escala internacional, as dificuldades do

movimento sindical vêm se manifestando desde a década de 1980. Verificaram-se o declínio

da atividade grevista, a diminuição do número de afiliados e a afirmação, entre as direções

sindicais, da tendência à moderação da luta. Na segunda metade da década de 1990,

começaram a surgir sinais de uma provável recuperação do movimento sindical. A classe

operária e o sindicalismo apenas agora começaram a se desenvolver em inúmeros países (do

Leste da Ásia, na China, na Rússia). O que ocorre é que a situação econômica, política e

ideológica atual, principalmente na América e na Europa, é desfavorável para todos os

movimentos populares e, principalmente, para o sindicalismo, particularmente afetado pelo

desemprego, pela abertura comercial e pela desregulamentação do mercado de trabalho.

Do sindicalismo de oposição ao sindicalismo de participação: uma transição

inacabada – A linha sindical implementada pela CUT, antes da virada imposta pela ofensiva do

neoliberalismo e a posse de Fernando Collor de Mello, apresentava as seguintes características: A

CUT, durante a década de 1980, lutou para implementar uma estratégia sindical de combate à

política de desenvolvimento pró-monopolista, pró-imperialista e pró-latifundiária do Estado

Brasileiro. Ela foi gradativamente consolidando uma plataforma de transformações econômicas e

sociais antagônicas à política de desenvolvimento do Estado brasileiro, além de intervir de modo

ativo na luta pela democracia. Em segundo lugar, embora essa plataforma não tenha sido levada na

inteireza para a ação prática, nem por isso ela permaneceu como letra morta. A CUT organizou

campanhas, no âmbito nacional e internacional, pelo não pagamento da dívida externa e interveio a

favor da reforma agrária na elaboração da Constituição de 1988.

Ao todo ocorreram quatro greves gerais. A primeira delas, realizada em julho de 1983, foi

um protesto contra o decreto que alterava a política salarial. A segunda greve, realizada em

dezembro de 1986, foi um protesto contra o Plano Cruzado II, particularmente contra o fim do

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congelamento de preços, reivindicava uma política de recuperação salarial e também agitava a

bandeira do não-pagamento da dívida externa. A terceira greve, de agosto de 1987, foi em protesto

à implantação do Plano Bresser. Novamente um protesto contra alterações na política salarial do

governo federal. Esta greve manteve o mesmo nível de mobilização da greve de 1986: contou com

a paralisação de dez milhões de grevistas. A quarta greve geral nacional de protesto foi realizada

em 1989, sendo uma greve contra o plano de estabilização, o Plano Verão, que alterava a política

de indexação dos salários.

Os setores mais ativos nessas greves foram: metalúrgicos e trabalhadores da indústria

automobilística, trabalhadores da indústria química e petroleira, trabalhadores da construção civil,

funcionários públicos estaduais e federais, professores da rede pública, trabalhadores dos

transportes urbanos, médicos e funcionários da saúde e bancários.

Outro momento importante e característico da ação da CUT nesse período foi a sua

intervenção no processo constituinte de 1986-1988. Essa intervenção teve como objetivos

principais constituc ionalizar os direitos trabalhistas e sociais já existentes, criar direitos novos de

proteção aos trabalhadores e influir na produção de normas constitucionais favoráveis à reforma

agrária.

A Assembléia Nacional Constituinte teve o condão de politizar o movimento sindical.

Colocou o conflito de interesses entre as classes sociais no plano geral da política. Trouxe para o

debate público questões básicas da estrutura econômica, social e política do país. A CUT interveio

nesse processo orientada por uma visão (de repúdio dos trabalhadores à retirada do projeto – de

Constituição – de pontos que asseguram seus direitos) segundo a qual a sociedade estava dividida

por um conflito básico: num lado, encontravam-se os banqueiros, latifundiários e grandes

empresários. A CUT via como sua tarefa formar uma grande frente para fazer valer os interesses

do campo popular na elaboração da Constituição. Em 12 de agosto de 1987, as entidades

populares, e entre elas a CUT, entregaram ao Congresso Nacional 122 propostas de emendas

populares à Constituição, versando sobre a reforma agrária e sobre direitos dos trabalhadores.

Ressalta-se que a direção da CUT concebia o sindicato como parte de um conflito maior,

que opunha diferentes classes sociais. A CUT pensava o Estado como um aparelho que organiza a

dominação de classe e nem via a luta sindical como parte da luta pelo socialismo. Apenas o

governo, considerado como defensor dos interesses capitalistas, era visto como parte integrante do

conflito de classes. E mesmo frente ao governo a corrente dirigente da CUT apresentava uma

posição oscilante. Em alguns momentos, pareceu acreditar, a despeito da crítica que lhe faziam as

correntes da esquerda da central, na possibilidade de induzir o governo Sarney a mudar sua política

de modo a atender os interesses dos trabalhadores. Mas, de um modo geral, a direção da CUT

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caracterizava a política de Sarney como um instrumento dos interesses das classes ou “grupos”

dominantes – banqueiros, latifundiários, capital estrangeiro.

A concepção sindical e a estratégia de ação a ela vinculada corporificavam uma orientação

de oposição à política de desenvolvimento pró-monopolista, pró-imperialista e pró-latifundiária do

Estado brasileiro. Essa concepção baseava-se no entendimento de que a ação sindical não se

esgotava na luta reivindicativa em defesa dos salários e das condições de trabalho nas condições

dadas pelo bloco no poder. Apontava para a necessidade de uma alteração no bloco de poder para

que se pudesse contemplar os interesses dos trabalhadores. Essa estratégia da CUT não logrou

reverter a tendência à deterioração dos salários, mas obteve importantes vitórias, ao contrário do

que viriam a dizer os seus críticos, os defensores do “sindicalismo propositivo”. Contribuiu, de

modo decisivo, para a constitucionalização de inúmeros direitos políticos, sociais e trabalhistas,

como o direito de greve, a aposentadoria por tempo de serviço e sem idade mínima, a jornada

semanal de 44 horas, a extensão da legislação trabalhista aos empregados domésticos e muitos

outros. Em suma, contribuiu para um conjunto de vitórias que se revelou um obstáculo de monta à

política neoliberal da década de 1990 – a implantação do programa neoliberal no Brasil poderia

estar muito mais avançada não fosse a permanente necessidade de os governos obterem maioria

qualificada para aprovar reformas constitucionais. Essa estratégia contribuiu, também, para

unificar, política e ideologicamente, um campo democrático-popular; foi um fator importante para

a acumulação de forças revelada, no plano eleitoral, pela força da candidatura de Lula, da Frente

Brasil Popular, na eleição presidencial de 1989.

A maioria dos analistas, observadores e dirigentes do movimento sindical apresentava

como traço distintivo da CUT na década de 1980 aquilo que seria o caráter socialista da central e

insistem no que diz respeito à forma de organização, naquilo que seria o seu enraizamento na base,

isto é, nos locais de trabalho e o seu perfil de central sindical de massa. Boito Jr. (1999), entre

outros autores, considera tais caracterizações excessivas.

A CUT, como também o Partido dos Trabalhadores, apresentava apenas um discurso

genérico de simpatia pelo socialismo e a intenção de vincular-se à tradição do movimento

operário internacional. O conteúdo desse socialismo, bem como os meios para se chegar a ele,

nunca foram definidos, pois, segundo a CUT e o PT, o socialismo no Brasil deveria ser

(re)inventado. As lutas práticas assumidas pela central naquela década – democracia, salários,

reforma agrária, não-pagamento da dívida externa – e as bandeiras que ela propagou –

estatização do sistema financeiro, da saúde, do transporte coletivo –, configuravam um

programa de transformações democrático-popular e não um programa socialista. Mas foi,

justamente, por defender um programa adequado que a CUT cresceu.

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A CUT cresceu, mas a recessão e a reestruturação produtiva e seus impactos no

mercado de trabalho provocaram fortes reflexos no movimento sindical, colocando-o numa

condição de impasse e desafios. Particularmente na CUT, evidencia-se:

A criação de sindicatos “cutistas” nas bases dos sindicatos e sindicalistas “pelegos” – No

que respeita à organização de base, a proposta de organização de comissões de empresa não foi

levada à prática. A CUT optou por se organizar dentro da estrutura sindical corporativa de Estado.

Ela cresceu agregando os sindicatos oficiais e procurando, exitosamente, obter reformas

liberalizantes dessa estrutura – o modelo autoritário e policialesco de gestão da estrutura sindical

pelo Executivo federal foi substituído, ao longo da década de 1980, por um modelo mais liberal de

gestão da estrutura sindical pelo Judiciário, preservando-se, contudo, os pilares da estrutura

sindical: a unicidade sindical e as taxas de contribuição obrigatórias.

O projeto original da CUT consistia numa profunda inserção nas bases das categorias, por

ramos de atividade econômica. Esta íntima inserção dar-se-á através das Comissões de Fábricas

e/ou Núcleos de Base, tanto no meio urbano como no rural. Inegavelmente, está em curso um

processo de burocratização e distanciamento das direções/sindicatos cutistas das bases. Mas

existem algumas exceções.

No setor público, os sindicatos cutistas organizaram-se fora da estrutura sindical. Até 1988,

os funcionários públicos estavam impedidos de organizar sindicatos oficiais integrados à estrutura

sindical corporativa, embora não estivessem impedidos de organizar, e eles de fato organizaram,

sindicatos autônomos frente ao Estado.

Os sindicalistas “pelegos”, leia-se, principalmente, “Força sindical”, que adota claramente

o projeto e a perspectiva neoliberal, nunca primou por uma inserção nas bases. Os seus métodos

consistem em mecanismos de manipulação, golpes e populismos assistencialistas.

Em suma, a CUT ficou composta no setor privado por sindicatos oficiais pertencentes a

uma estrutura sindical de Estado reformada e, no setor público, por sindicatos autônomos, que

procuram assimilar, em alguns aspectos, as características da estrutura oficial. Tal fato

comprometeu a organização das bases que era propagandeada pelo discurso oficial da central. No

setor privado, com exceção de algumas poucas empresas, como as montadoras de veículos do

ABC e do interior paulista, os sindicatos cutistas seguiram sendo “sindicatos de porta-de-fábrica”,

tendo como preocupação central o controle da comissão pelo sindicato, inibindo a ação das bases

na criação de comissões de empresa. No setor público, a organização nos locais de trabalho

difundiu-se mais, e isso devido ao fato de a estrutura sindical de Estado não ter sido implantada

nesse setor e devido à maior liberdade de organização que o funcionalismo usufrui no local de

trabalho.

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A estratégia da CUT na década de 1980 compreendia, portanto, ações de massa e

centralizadas, como as greves nacionais de protesto e a intervenção no processo constituinte,

mas a central não organizava as massas nos locais de trabalho e sua ação estava limitada pela

estrutura sindical corporativa de Estado. A CUT, no plano nacional, tinha força para fazer

greves de protesto, greves demonstrativas, mas não para organizar greves de luta. O tipo de

ação que mais envolvia os trabalhadores era a luta dos diferentes setores das classes

trabalhadoras por proposições e aumentos salariais. E essa luta também esteve marcada pelo

fato de a CUT ter optado por permanecer dentro da estrutura sindical.

O sindicalismo propositivo na década de 1990 - A plataforma de transformações

econômicas e sociais que a CUT esboçou na década de 1980 era um programa de ataque às

posições conquistadas pelo grande capital monopolista – nacional e imperialista – e pela grande

propriedade fundiária no período da ditadura militar. A eleição de Fernando Collor de Mello

mudou toda a situação. Ele se elegeu com o voto popular, consagrou nas urnas o programa

neoliberal que defendera na campanha, e demonstrava força e disposição para implantar o

neoliberalismo. Instaurou-se, então, uma defasagem entre a plataforma e a linha ofensiva da CUT e

a nova conjuntura. A corrente Articulação Sindical percebeu a mudança de situação, o mesmo não

ocorreu com parte das correntes de esquerda da central. Mas, se a mudança na conjuntura impunha

um recuo do sindicalismo, com a adoção de uma linha de ação defensiva, ela não impunha a

adoção do “sindicalismo propositivo, que a Articulação Sindical acabou por implantar. Essa

estratégia levou a central a uma prática hesitante, às vezes contraditória, configurando, no geral,

uma estratégia de conciliação com a política neoliberal que acabava de chegar ao poder.

A corrente hegemônica da CUT passou a apregoar a necessidade de abandonar o

sindicalismo da década de 1980, que teria sido defensivo e reivindicativo, para apresentar

“alternativas concretas” para todos os problemas importantes da política nacional. O IV Concut,

realizado em 1991, embora tivesse mantido, no geral, as palavras de ordem já consagradas nos

anos 80 – não pagamento da dívida externa, reforma agrária, luta contra as privatizações –

introduziu nas suas resoluções uma novidade importante: a decisão segundo a qual a CUT deveria,

a partir de então, passar a apresentar “propostas para as políticas de abrangência nacional” (política

econômica, industrial, habitacional, de saúde, previdência, agrícola, energética, educacional, etc.).

Essa decisão indicou, a despeito da manutenção do discurso contra o modelo econômico, a

mudança da concepção e da estratégia da CUT.

A CUT abandonou a luta prática e a agitação de idéias contra o modelo de

desenvolvimento econômico brasileiro e não assumiu a luta e a denúncia sistemática contra a

política neoliberal no seu conjunto. Exemplo maior foi a conjuntura da crise do governo Collor, na

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qual a direção da CUT, em vez de colocar como centro do seu discurso a crítica à política

neoliberal, satisfez-se em denunciar a política recessiva do governo e enredou-se, inclusive, no

discurso moralista de defesa da “ética na política”.

Abandonada a perspectiva de confronto com o modelo econômico e com o conjunto da

política neoliberal, firmou-se a proposta de participação do sindicalismo cutista na definição da

política governamental. Esse participacionismo é ativo. A CUT não o concebe como uma presença

consultiva ou defensiva de seus delegados nos fóruns tripartites que reúnem empresários,

sindicalistas e representantes governamentais em âmbito nacional ou setorial. Ela pretende

apresentar propostas próprias para os temas discutidos em tais fóruns e fazer aprovar essas

propostas, daí a expressão “sindicalismo propositivo”. O sindicalismo propositivo é um

sindicalismo que pretende elaborar propostas que interessariam tanto aos governos neoliberais e às

empresas quanto aos trabalhadores. Acredita ser possível conciliar a burguesia com os

trabalhadores e os trabalhadores com o neoliberalismo.

Essa nova estratégia da CUT, ao contrário da anterior, desestimula e desvaloriza a

mobilização e a luta de massa. Assim, em 1999, a hesitação frente ao neoliberalismo dissemina,

nos sindicatos, a idéia de que não há caminho alternativo à situação econômica do país, o que

desestimula a luta reivindicatória nos sindicatos. O sindicalismo propositivo contrapõe a alteração

de propostas engenhosas e tecnicamente sofisticadas, que seriam um meio eficiente para a

afirmação do movimento sindical, à luta grevista, que seria um instrumento desgastado. A luta

grevista é desvalorizada, e até estigmatizada. A corrente Articulação Sindical cunhou a expressão

“grevilha” para nomear, pejorativamente, a linha sindical combativa da década de 1980. A luta

grevista daquele período teria representado um contrabando, realizado pelos ex-militantes da

esquerda armada que atuavam na CUT, da prática guerrilheira da década de 1970 para a prática

social da década de 1980.

No plano nacional, as greves gerais de protesto e as campanhas contra a política econômica

do governo cederam lugar às diversas tentativas de acordo com os governos Collor, Itamar e FHC.

As greves gerais não desapareceram por completo na década de 1990; chegaram a ser realizadas

duas, mas ambas limitadas pela conjuntura e pela nova estratégia da central. Essas greves,

realizadas em maio de 1991 e junho de 1996, t iveram participação menor dos trabalhadores, foram

prejudicadas pela defecção de direções de sindicatos importantes, como as direções dos sindicatos

do ABC na greve de 1991, e sua repercussão política foi menor que a das greves da década de

1980.

A Articulação Sindical, apesar da oposição das correntes de esquerda da central, apostou

nas negociações com os governos neoliberais. A despeito das expectativas que tais negociações

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geraram na corrente Articulação Sindical, nenhuma delas trouxe o resultado que a direção da CUT

esperava; todas fracassaram. Os próprios encontros com o governo eram utilizados para divulgar e

agitar a plataforma da CUT. Jair Meneguelli protocolou, nas duas oportunidades, a plataforma em

torno da qual ele afirmava que a central queria negociar: reajuste automático de acordo com a

inflação, redução da jornada de trabalho, salário-desemprego, congelamento dos preços dos

gêneros de primeira necessidade, salário mínimo do Dieese, reforma agrária e não-pagamento da

dívida externa. A intervenção da CUT funcionava mais como denúncia da política econômica do

que como a busca efetiva de um acordo (Boito Jr., 1999).

A última negociação importante, no período até 1999, deu-se entre Fernando Henrique

Cardoso e as centrais sindicais em torno da reforma da previdência social. Em 1996, chegou a ser

assinado um acordo entre o governo e a direção da CUT, este acordo só retirava direitos dos

trabalhadores e contrariava pontos básicos da plataforma cutista sobre a matéria, a começar pela

substituição do tempo de serviço pelo tempo de contribuição na contagem do tempo para

aposentadoria. Esse ponto é particularmente grave, pois atingiu mais os trabalhadores de baixa

renda. Todos os partidos de esquerda e de centro-esquerda, manifestaram que votariam contra a

proposta oriunda do acordo. O presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, renegou o acordo

menos de 24 horas antes da sessão de votação do projeto de reforma pela Câmara dos Deputados.

O governo não logrou maioria qualificada para aprovar o projeto.

A direção da CUT queria importar a tática do sindicalismo social-democrata europeu, mas

num ambiente político muito diferente e sem dispor da força necessária. Segundo Boito Jr. (1999),

a CUT revelara ter estrutura e força suficientes para implementar uma estratégia sindical de

protesto na década de 1980, mas não para comprometer os governos e os empresários com uma

estratégia de negociação no plano nacional. Por isso, os governos puderam se desembaraçar da

negociação sempre que julgaram conveniente. A estratégia de sindicalismo propositivo tem uma

componente irrealista muito acentuada.

A estratégia participacionista estimulou o insulamento corporativo dos diferentes setores do

movimento sindical e o desinteresse pela defesa dos direitos sociais ameaçados pela política

neoliberal. A concepção que valorizava a luta unificada de massa por direitos sociais e trabalhistas

foi substituída por uma visão contratualista e fragmentada da ação sindical que valoriza a “livre

negociação” entre as partes tomadas isoladamente. Com o passar do tempo, o insulamento

corporativo passou a se verificar no nível das empresas. Tendo a CUT abandonado a estratégia da

luta unificada no topo, o crescimento desse novo corporativismo foi o caminho “natural” nas

condições de crise econômica e de ofensiva política e ideológica do neoliberalismo.

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A proposta de “contrato coletivo de trabalho” elaborado pelo Sindicato dos Metalúrgicos

da corrente Articulação Sindical estimulou essa nova tendência corporativa e foi precedida pela

Articulação Sindical, no início da década de 1990, como um corpo de idéias que, se assumido pela

central, poderia contribuir para liberar a CUT da ação sindical massiva e politizada da década de

1980. O que a Articulação Sindical, corrente hegemônica da CUT, queria era uma proposta de

contrato de trabalho adequada à nova estratégia sindical.

Antônio Augusto de Oliveira Campos, presidente da Federação dos Trabalhadores

Bancários da CUT e membro da corrente Articulação, ao defender o contrato coletivo, queria que a

CUT passasse por um processo de despolitização e não tomasse a ofensiva neoliberal do governo

como referência central de sua estratégia. A proposta de contrato coletivo era pensada como parte

de uma nova concepção e de uma nova linha de ação sindical que deveria orientar a CUT.

Fato é que a CUT não possuia unidade, centralização e força para produzir um processo

de negociação no nível nacional com autoridade frente ao patronato e sua própria base. A

CUT não fez uma revisão de sua concepção que repousava na oposição entre direitos

protetivos do trabalho e contratação coletiva. A proposta na fase transitória esclarecia que a

longo prazo a CUT poderia abrir mão dos direitos sociais e também da existência de política

salarial que impusesse, por via legal, aos empregadores, a reposição de perdas ou a

recuperação de salários. Ao mesmo tempo, a CUT ia alertando seus sindicatos para a

necessidade de ampliar a pauta de negociação. Saúde, aposentadoria complementar, pensões

previdenciárias, transporte e outros temas poderiam ser negociados setor a setor. O essencial

poderia ser contratado direta e livremente entre sindicatos e patronato, de acordo com a

capacidade de pressão de cada setor.

Concepções como essas, que opunham a contratação coletiva aos direitos protetivos e à

política salarial, facilitaram a iniciativa de Fernando Collor de Mello, em maio de 1990, e de FHC,

em julho 1995, de desindexar os salários. A tática governamental consistia em implantar a “livre-

negociação” (sem liberdade e autonomia sindical), substituindo a política salarial pela contratação

direta, um instrumento importante para os governos neoliberais, pois permitia promover a

compressão dos salários pela via do “livre jogo das forças de mercado” (Boito Jr., 1999, p. 156).

A proposta cutista de contrato coletivo de trabalho parecia atender aos interesses de setores

sindicalmente mais organizados da classe média e da classe operária em detrimento dos interesses

do restante das classes trabalhadoras. O contrato coletivo de trabalho não pode ser identificado com

o neoliberalismo. O neoliberalismo e o sindicalismo, no limite e doutrinariamente, são duas formas

contraditórias. Mas, dependendo da ação sindical, essa contradição não é, necessariamente,

antagônica. A prática sindical contratualista, que informa a propos ta de contrato coletivo,

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representa a modalidade de ação sindical mais próxima, ideológica e politicamente, do

neoliberalismo.

Como ideologia e como política de Estado, o neoliberalismo aponta para a restrição e

eliminação de direitos sociais e para a restrição à organização e à luta sindical. O neoliberalismo

opera com a velha concepção liberal da sociedade como um agregado de indivíduos livres e iguais,

e faz a apologia da liberdade de mercado, inclusive do mercado de trabalho. Já o sindicalismo, que

possui como ideologia básica e comum a idéia de que os trabalhadores formam um tipo de coletivo

– de classe, de corporação, de empresa ou setor – unificado em torno de um mesmo interesse, e

que, ao nível de remuneração e as condições de trabalhos dependem da organização e da luta

coletiva desses trabalhadores. O sindicalismo se assenta na crítica, doutrinária ou prática, dos

mecanismos de mercado, objetiva tolher a ação de tais mecanismos.

O sindicalismo que busca a unificação da luta reivindicativa dos trabalhadores assalariados

em torno dos direitos sociais e trabalhistas é um princípio antagônico à ideologia e à política

neoliberal. A luta pelos direitos sociais unifica nacionalmente os trabalhadores num coletivo de

classe e pleiteia a intervenção do Estado para impor limites (jurídicos) à exploração praticada pelos

capitalistas. Já a livre contratação coletiva é a forma de ação sindical mais propensa a se adaptar ao

neoliberalismo, pois faz apelo à ideologia do contra entre partes supostamente livres e iguais,

fragmenta o coletivo de classe em setores, é refratária à regulamentação salarial e permite a

desregulamentação das relações de trabalho nos setores sindicalmente pouco organizados. O

contratualismo sindical é uma espécie de adaptação do liberalismo pelo e para o sindicalismo.

A real dimensão dos efeitos destrutivos dessa proposta sobre os trabalhadores pode ser

avaliada quando se considera a importância da legislação, na regulamentação do mercado de

trabalho no Brasil, os desequilíbrios e instabilidades do capitalismo periférico, a burocratização e o

governismo, entre outras situações.

A concepção e a linguagem da CUT também mudaram, evidenciando o impacto da

ideologia neoliberal no interior da central. A concepção da década de 1980 centrava-se na oposição

entre “classe trabalhadora” e o bloco formado pelo “governo” e “empresários”. Na década de 1990,

passou a se centrar numa suposta oposição entre a “sociedade civil” e o “governo”, e não mais

entre os capitalistas e os trabalhadores.

Várias propostas da CUT aceitaram alguns dos pressupostos neoliberais. O sindicalismo

propositivo é, no sentido estrito da expressão, um método de ação sindical: elaborar propostas

próprias para negociá -las com os empresários e os governos (neoliberais). Esse método propositivo

condiciona uma postura conciliatória com o neoliberalismo, como é dado ver nos casos dos

conteúdos das propostas de política industrial e da política educacional.

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A introdução de novas tecnologias, a reformulação dos processos de trabalho, a abertura do

comércio exterior e a especialização produtiva, que vêm sendo apresentadas como algo inexorável

pela política neoliberal, são aceitas pela CUT.

O crescimento e a reestruturação seriam obtidos mediante alguns recursos como o aumento

dos investimentos estrangeiros na economia brasileira e os incentivos fiscais e creditícios às

empresas provadas, eufemisticamente denominados “políticas públicas”, a abertura do comércio

exterior, que são as condições no interior das quais pretende intervir o sindicalismo propositivo da

CUT, não são compatíveis com a política de distribuição de renda. O capital estrangeiro vem para

o Brasil para usufruir, dentre outras coisas, do baixo custo da mão-de-obra e da inexistência de

legislação de proteção ambiental. Se o governo alterar drasticamente esses pontos, ficará em

desvantagem na concorrência com os demais países periféricos. Essas considerações da executiva

da CUT podem ser identificadas com a nova vertente cepalina denominada neodesenvolvimentista

ou neoestruturalista.

Tal corrente pretende constituir uma terceira via. Nem dirigismo estatal, nem liberalismo

absoluto. Aceita o papel da empresa privada e do mercado como o motor do desenvolvimento

econômico nos países latino-americanos e atribui também aos monopólios nacionais e estrangeiros

um papel importante nesse desenvolvimento. Acredita na necessidade da abertura comercial e da

privatização. Diferencia -se do neoliberalismo puro porque advoga a manutenção de um mínimo de

intervenção reguladora do Estado. Essa concepção neodesenvolvimentista foi introduzida na CUT

pelo antigo Desep, o departamento de estudos e assessoria da central que reunia teóricos e

pesquisadores influenciados pela teoria econômica.

Já a proposta de política educacional, lançada pela Executiva Nacional da CUT em 1995,

não defende o ensino público e gratuito como solução para a educação brasileira. Estabelece que a

rede privada de ensino integra, e deve continuar integrando, o “sistema nacional de educação”

(Boito Jr., 1999, p. 162). Ou seja, aceita por omissão os objetivos da política neoliberal para o

ensino. O sindicalismo não está impedido, por causa disso, de denunciar a rede privada e propor

objetivos intermediários na luta pela universalização do ensino público. Mas não é isso o que faz o

documento da CUT. Ele não denuncia as práticas mercantilistas da rede privada e sua natureza

elitista. Portanto é uma proposta de política educacional conivente com a nova burguesia de

serviços do setor educacional. Mas os governos neoliberais no Brasil não se interessaram por essas

e outras propostas. O sindicalismo propositivo e participativo só obteve alguma efetividade prática

na câmara do setor automotivo e, mesmo assim, por um período muito breve.

Com as câmaras setoriais, a CUT pretendeu explorar a contradição existente no interior do

bloco no poder para fortalecer a luta contra o desemprego. Mas o caminho escolhido, um

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organismo tripartite – reunindo governo, empresários e sindicatos de trabalhadores de um setor

econômico ameaçado pela abertura comercial, com a finalidade de assumir a responsabilidade

pelas medidas de políticas econômicas destinadas ao setor –, demonstrou ser ineficaz para barrar o

crescimento do desemprego e a desindustrialização e colocou a CUT a reboque dos interesses das

montadoras de veículos . As câmaras não são a mesma coisa que uma frente contra o desemprego.

No caso da câmara tripartite, o operariado se associou à burguesia industrial para obter regalias

fiscais e creditícias para o setor automotivo, desviando-se da defesa dos seus interesses específicos

e desinteressando-se pela sorte dos demais setores da indústria. Assim, após terem obtido redução

do IPI, facilidades creditícias para a venda de veículos e aumentado seu faturamento, as

montadoras não viram nenhum mal no fim da câmara setor ial. Valeram-se de sua desativação para

começar a demitir trabalhadores, como ocorreu na Ford e na Mercedez-Benz.

Num plano mais geral, instaurou-se no Brasil uma luta entre os sindicatos, de diferentes

categorias, por verbas públicas para sua empresa ou setor, e por investimentos privados. Além do

compromisso da parceria, as câmaras alimentam um exclusivismo ou egoísmo de fração,

insulando os diferentes setores das classes trabalhadoras (Boito Jr., idem). Em suma, as câmaras,

comparadas à estratégia sindical da década de 1980, representam um retrocesso político ou um

movimento de despolitização do sindicalismo. Esse novo sindicalismo, distinto do corporativismo

de Estado populista, é uma estrutura de dominação e não uma estrutura de representação de

interesses. Essa estrutura envolve, divide, despolitiza o movimento sindical. Ela realiza, na base da

central, a concepção e a estratégia do sindicalismo propositivo que orienta a Executiva Nacional da

CUT.

Através do sindicalismo neocorporativo, o neoliberalismo logra manter a ação

reivindicatória dos trabalhadores dentro de limites compatíveis com a hegemonia neoliberal. Esse

novo corporativismo está vinculado à desvalorização da mobilização e da luta. Outra atitude, típica

do sindicalismo propositivo, consistiu em apresentar às empresas a proposta do banco de horas .

Esta proposta, aceita pelas montadoras do ABC, flexibiliza a jornada semanal de trabalho, cuja

extensão passa a variar de acordo com as necessidades da empresa. O banco de horas anualiza a

jornada de trabalho, prejudica a vida pessoal e familiar do trabalhador e inviabiliza a fiscalização

da duração da jornada pelos inspetores do trabalho. A flexibilização/anualização da jornada de

trabalho, como inúmeras outras propostas, embora cause danos aos traba lhadores, foi encampada

pela direção nacional da CUT como solução para todo o país. Em abril de 1996, a CUT distribuiu

um documento oficial intitulado “Propostas para a geração de empregos”, no qual a flexibilização

da jornada de trabalho, acompanhada da redução da jornada semanal para 40 horas, é defendida

pela CUT como um instrumento de combate ao desemprego (Boito Jr., 1999, p. 170-171).

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A ideologia neocorporativa setorial materializava-se em uma linha de ação sindical que

desviava o sindicalismo tanto da luta por transformações estruturais da sociedade brasileira quanto

da luta por reformas estruturais da sociedade brasileira quanto da luta por reformas tendentes a

erigir, no Brasil, um Estado de bem-estar social. Se de um lado o movimento sindical era levado a

buscar soluções setorizadas, através da livre-negociação e da elevação do consumo individual no

mercado, para necessidades, que num Estado de bem-estar seriam atendidas pela manutenção e

ampliação dos serviços e equipamentos públicos, a proposta de contrato coletivo de trabalho e a

prática da câmara setorial valorizavam a negociação de convênios de saúde com grupos privados,

aposentadoria privada complementar, auxílio educação, etc. De outro, o apoio aos esforços dos

capitalistas pela redução da carga tributária e por crédito subsidiado minava a base financeira sobre

a qual se assentavam os direitos sociais. Isso levou o movimento sindical a legitimar um dos

principais objetivos políticos da política neoliberal, em relação às classes trabalhadoras, que é a

restrição dos direitos sociais.

O resultado desse irrealismo que informa também a ação do Sindicato dos Metalúrgicos do

ABC foi que os trabalhadores se colocaram a reboque dos interesses das montadoras. Ignoraram os

interesses pragmáticos e a força das montadoras, seu peso político junto ao governo e os limites da

divergência das montadoras com a política econômica governamental. Assim que lhes interessou, o

governo e as montadoras desfizeram a câmara e, graças à redução de tributos e créditos

subsidiados, a política de desindustrialização foi deslocada das montadoras, que pareciam

ameaçadas sob o governo Collor, para o setor de autopeças, onde está o médio capital nacional.

Quanto à democratização da política econômica, autores como Francisco de Oliveira

cometem o equívoco de deslocar a análise do terreno dos interesses de classe e de fração e da

correlação política de forças para o terreno idealizado dos valores democráticos. Bastou uma

intervenção pontual do governo para que a expectativa democrática se frustrasse.

No que tange à privatização e resistência sindical, o mesmo autor observa que a CUT não

aderiu ao neoliberalismo. No movimento sindical, quem aderiu à política neoliberal foi a central

rival da CUT, a Força Sindical. A Articulação Sindical não logrou estabelecer nenhum acordo com

os sucessivos governos neoliberais porque as tentativas de acordo não frutificaram, pois a

Articulação se opunha a desindexação dos salários. Importante é salientar que a corrente

majoritária da CUT assumiu posições abertamente contrárias à política neoliberal ao longo da

década de 1990. No movimento sindical dos funcionários públicos, a Articulação Sindical assumiu

a luta contra a reforma administrativa e da previdência. Ressalta-se ainda que todas as correntes

internas da CUT mantiveram-se unidas contra as privatizações no início da década de 1990, porém

as ações e movimentos contra as privatizações, dos quais a CUT participou, foram efêmeros e

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pouco representativos. Os atos públicos que a central organizou por ocasião de cada leilão de

privatização de empresa estatal, fosse para impedir a realização do leilão, ou simplesmente para

protestar, mobilizaram poucos trabalhadores.

Entretanto já no governo Fernando Henrique Cardoso a CUT alterou sua posição frente ao

governo federal e deixou de lutar contra as privatizações. As derrotas que a CUT acumulou contra

as privatizações nos governos Collor e Itamar, o impacto da vitória de FHC em 1994 e a ascensão

de Vicente Paulo da Silva (Vicentinho) à presidência da central foram os fatores, externos e

internos à CUT, que parecem ter concorrido para essa mudança de orientação. Jair Meneguelli fora

presidente da CUT na década de 1980, quando a central aplicava uma linha de ação de massa e de

oposição à política de desenvolvimento. Vicentinho destacou-se como o dirigente que revogou essa

linha no principal sindicato operário da CUT, o sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, e se

mostrava, mais do que Meneguelli, interessado em aprofundar a linha sindical propositiva.

Desde 1991, por ter colocado o sindicato que dirigia fora da greve geral, Vicentinho passou

a receber elogios da imprensa e de lideranças patronais, interessadas em pressionar a CUT para

uma atuação mais moderada. Logo após o IV Concut, Vicentinho ameaçou publicamente rachar a

central se as correntes de esquerda insistissem em contestar a fraude ocorrida naquele congresso,

quando da apuração da votação sobre os critérios de composição da executiva nacional da central.

Eleito presidente da central, Vicentinho pareceu preocupado em remover o foco de tensão entre a

CUT e o governo, gerado pela luta da central contra as privatizações.

Em abril de 1995, a CUT/SP reunia 15 mil manifestantes na Praça da República, no Dia

Nacional de Luta contra as reformas Constitucionais. No dia 3 de maio, sindicatos cutistas do setor

público federal organizaram uma greve geral contra as privatizações. Dois dias depois, a direção

nacional da central decidiu por iniciativa da corrente Articulação Sindical abrir as negociações com

o governo em torno das reformas constitucionais. Dos 90 sindicalistas presentes à reunião, 55 deles

defenderam a tese vencedora, pela qual a CUT não deveria apenas contestar as reformas

neoliberais, mas, sim, apresentar suas propostas de reformas ao governo FHC. E apenas 28

sindicalistas defenderam o combate às reformas. Essa decisão representou um aprofundamento da

estratégia sindical propositiva.

As contradições da linha sindical propositiva, como vem sendo aplicada pela CUT,

permitem falar de uma política hesitante e contraditória, que leva à conciliação com o

neoliberalismo. A CUT abandonou a estratégia da luta unificada contra a política econômica do

governo e substituiu a prática das greves gerais de protesto pelas sucessivas tentativas de acordos

com os governos neoliberais; desarmou ideologicamente os trabalhadores frente à

desregulamentação, devido à sua proposta de contrato coletivo de trabalho; não assumiu uma luta

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conseqüente com a desindustrialização e o desemprego, por ter aceito a idéia da inevitabilidade de

uma certa abertura e uma certa “modernização” da economia; no que a CUT mais resistiu ao

neoliberalismo foi na política de privatização. A transição de um sindicalismo de oposição para um

sindicalismo de participação não foi completada. Na gestão de Vicentinho, a luta contra as

privatizações foi, durante 1995 e 1996, relegada a segundo plano, só recobrando vigor na luta

contra a privatização da Companhia do Vale do Rio Doce em 1997.

A direção da CUT nutriu ilusões na fase inicial do governo FHC, à semelhança do que

ocorrera no início do governo Itamar. As montadoras radicalizaram a política de demissões, a

insatisfação operária cresceu, e o resultado foi que a Articulação Sindical teve dificuldade para

vencer a esquerda da CUT no processo de escolha dos delegados para o VI Congresso da central

em 1997.

Fora do movimento sindical, o movimento popular entrou numa fase de reativação, a partir

do MST. A Marcha Pela Terra, em abril de 1997, foi um marco nessa nova fase.

Em 1999, a Articulação Sindical não cogit ou mais realizar nenhum desses acordos e

recomeçou a agir contra a Reforma da Previdência e contra as privatizações. Até esse

momento, o que vinha caracterizando a ação da CUT sob o comando da Articulação Sindical

era a oscilação. Os movimentos para a esquerda e para o centro dependiam das circunstâncias

– situação econômica, atitude governamental diante do movimento sindical, situação dos

demais movimentos populares.

A adesão do peleguismo ao neoliberalismo – O peleguismo é a corrente dirigente da

central Força Sindical. A Força Sindical foi criada congregando “sindicatos de carimbo”:

sindicatos pequenos, com menos de 500 associados, alocados em setores de pouca capacidade de

pressão, dispersos pelas pequenas e médias cidades, e cuja maioria dos dirigentes jamais tinha

participado, até o congresso de fundação da Força sindical, de qualquer congresso sindical. De

acordo com Leôncio Martins Rodrigues e Adalberto Moreira Cardoso, citados por Boito Jr. (1999,

p. 183), “era de se esperar que a central mais ‘adaptada’ ao ambiente que os autores chamam ‘pós-

socialista’ apresentasse um grande crescimento e se consolidasse. Não foi o que ocorreu. (...) a

‘adaptada’ força Sindical’ já sofreu um ‘racha’ importante e não conseguiu reduzir a enorme

distância que a separa da capacidade de organização e de luta ostentada pela sua rival, a

‘inadaptada’ CUT”.

Nos sindicatos sob seu controle, a Força Sindical defendeu ativamente a privatização. Esse

apoio à privatização se desenvolveu em dois planos: a) propaganda e agitação contra a linha da

CUT, taxando-a em sintonia com o discurso neoliberal, de ‘estatista e retrógrada’; b) negociavam

com as direções das empresas estatais o montante de ações que seria reservado para os

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funcionários da empresa a ser privatizada, o preço dessas ações e o financiamento a juros

subsidiados para a sua compra. A atuação da liderança da Força Sindical obteve, portanto, adesão

de parte importante dos trabalhadores à política de privatização.

A comparação entre o que se passou nos setores siderúrgico, petroquímico e de

fertilizantes, e mais tarde no setor de mineração e da energia elétrica, permite algumas conclusões:

1ª) na maioria dos casos, tem havido uma aceitação passiva do processo de privatização; 2ª) a

reação dos funcionários diretamente envolvidos e dos demais setores sociais varia de acordo com o

setor ou empresa a ser privatizado; 3ª) os dirigentes da Força Sindical são vistos como pelegos:

dependem dos sucessivos governos e, por causa disso, agem em consonância com a política

governamental.

A desregulamentação do mercado de trabalho é outro eixo da ideologia e da política

neoliberal que tem sido defendido pela Força Sindical. Defendendo a privatização e a

desregulamentação, a Força Sindical tem podido contar com o apoio passivo de parte dos

trabalhadores.

No que tange ao neoliberalismo e estrutura sindical, o silêncio dos governos neoliberais

frente ao aparelho sindical brasileiro é significativo, e Boito Jr. (1999) entende que esse governo

não tem o objetivo de desmontar a estrutura sindical. No caso brasileiro, houve apenas um ensaio

passageiro do governo Collor para modificar, não extinguir a estrutura sindical, através do projeto

de lei encaminhado ao Congresso Nacional em 1991. O governo FHC tem reforçado a unicidade

sindical e, desse modo, todo o corporativismo de Estado.

O projeto de lei sobre o contrato de trabalho por tempo determinado prevê a anuência do

sindicato para que uma empresa possa contratar trabalhadores dentro das novas normas contratuais.

Tal medida aumenta o poder do sindicato oficial e pressupõe a manutenção da unicidade sindical.

Outra medida governamental relativa ao aparelho sindical é o convênio assinado entre o Ministério

do Trabalho e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, transferindo para esse pilar da Força

Sindical a verba e a tarefa de requalificação dos desempregados de sua base. Tal convênio insere-

se na orientação da política social neoliberal de desconcentrar a prestação de serviços sociais,

incorporando associações de diversos tipos em atividades que até então eram obrigação do Estado.

Em resumo, o peleguismo tem apoiado a política neoliberal e o governo tem mantido

fortalecido tanto a estrutura sindical quanto a corrente de dirigentes pelegos que essa estrutura

produz. Mas uma parcela do movimento sindical procura transformar esta realidade. As lutas de

massa em defesa dos direitos econômicos básicos foi articulada a uma forte crítica a esse

sindicalismo pelego, burocratizado e legalista.

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Condições históricas da mudança do sindicalismo brasileiro – Há duas variantes

explicativas para essa mudança. Uma variante considera a ideologia e as decisões da corrente

majoritária da CUT, a Articulação Sindical, como fator explicativo da estratégia propositiva

implantada pela central na década de 1990; a segunda variante considera as condições objetivas

como o fator explicativo das decisões estratégicas que a corrente Articulação Sindical implantou na

central.

Boito Jr. (1999) entende que as dificuldades do movimento sindical e sua tendência à

moderação são fenômenos de amplitude internacional. A dimensão internacional do fenômeno

mostra que a explicação para a mudança da CUT extrapola as fronteiras nacionais. Alguns autores

firmaram a idéia de que a fragmentação da classe operária seria o elemento básico para explicar as

dificuldades do sindicalismo. Essa tese contém equívocos. A classe operária sempre foi

fragmentada pelo grau de qualificação, nível salarial, condições de trabalho, tamanho e poder

econômico das empresas, acesso diferenciado a direitos e garantias socia is, língua materna dos

trabalhadores, nacionalidade. De resto, uma segmentação básica e decisiva que tem dividido as

classes trabalhadoras frente à política neoliberal é a segmentação entre trabalhadores do setor

privado e trabalhadores do setor público. Mas a heterogeneidade e a fragmentação são

características constitutivas das classes trabalhadoras, e por isso não podem explicar o fato novo

que são as dificuldades e o refluxo do sindicalismo no final da década de 1990.

O sindicalismo deve ser inserido no conjunto dos conflitos de classe. O movimento sindical

é parte de um todo – o conjunto das relações de classes – e é desse todo que se deve partir, caso se

queira conhecê-lo. Assim, o fato mais importante para entender o refluxo e a moderação do

movimento sindical é a ofensiva neoliberal. Essa ofensiva é um fenômeno internacional e está

vinculada a fatores econômicos e políticos que se processam também em escala internacional. Não

se nega a existência de particularidades nacionais. O fato inicial para se analisar a mudança de

estratégia da CUT é a eleição de Fernando Collor, realizada em dezembro de 1989. No final da

década de 1980, o sindicalismo do setor público era o movimento em ascensão no cenário sindical.

Esse pilar do sindicalismo também foi vitimado pela ofensiva neoliberal. Entrou-se na década de

1990, numa fase de conflitos de baixa intensidade no seio da burguesia brasileira. A reunificação

burguesa em torno da plataforma neoliberal na década de 1990 deixou a CUT e os movimentos

populares com menos de um quarto de votos no Congresso Nacional, o que tem permitido as

vitórias de FHC nas reformas liberais da Constituição, e a mobilização do conjunto da imprensa

burguesa contra a luta popular – greves, protestos, ocupações, tudo era condenado unanimemente

na imprensa e na mídia.

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Os trabalhadores têm, devido ao desemprego, menos disposição para a luta sindical, e os

organismos de cúpula do movimento popular, como no caso da CUT, encontraram-se isolados

politicamente. Numa situação em que o movimento sindical era jogado para a defensiva e

encontrava-se debilitado, a direção do movimento adquiria novas funções.

As concepções e as vinculações políticas da Articulação Sindical também contribuíram

para a mudança de estratégia da CUT.

No início do novo sindicalismo, a influência católica foi, fundamentalmente, a influência

ideológica dos teólogos da libertação.

A intransigência patronal diante dos grevistas do ABC, a repressão desencadeada pela

ditadura contra as greves e a solidariedade, política e financeira, que os movimentos populares

prestaram à luta grevista – experiência prática vivida –, contribuiu para que a liderança sindical

abandonasse sua postura até certo ponto isolacionista e procurasse inserir a luta sindical do ABC

nos conflitos econômicos e políticos mais amplos que dividiam o Brasil de então.

A apologia do ser humano feita por Frei Betto e o teólogo Leonardo Boff deslocou para um

segundo plano a defesa da luta dos pobres e oprimidos contra os ricos e opressores. Mudou a Igreja

Católica Romana e mudaram também as centrais sindicais européias e latino-americanas mais

próximas da Articulação Sindical.

Na elaboração de sua nova estratégia, a Articulação não apenas inspirou-se no sindicalismo

católico e social-democrata europeu, mas contou com a assessoria direta de tais sindicalistas. Boito

Jr. (1999) admite a hipótese de que as relações políticas, ideológicas e financeiras da corrente

Articulação Sindical com a social-democracia européia e com a igreja católica pesaram na guinada

para o centro empreendida pelo sindicalismo cutista. No plano interno, a mudança no cenário

sindical, com a criação da Força Sindical, uma central que ostentava suas boas relações com o

governo federal contribuiu para aproximar a CUT do sindicalismo propositivo, gestado pela social-

democracia européia.

O declínio e a desagregação do bloco soviético também repercutiram na luta interna da

CUT, abalando ideologicamente a maior parte das correntes que se colocavam à esquerda da

Articulação.

Tudo isso levou o movimento socialista e as correntes à esquerda da CUT a entrarem em

crise ideológica e perderem a iniciativa.

Outro fator que dificultou a resistência dos trabalhadores à política neoliberal foi o impacto

popular que a ideologia neoliberal obteve no Brasil. A ideologia neoliberal penetrou, no

movimento popular, e talvez esteja a assistir a um processo de constituição de uma nova

hegemonia ideológica burguesa no Brasil. A apologia do mercado e da empresa privada, como

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espaços da eficiência e da iniciativa inovadora e progressista, e a correspondente condenação do

Estado, das empresas públicas e do intervencionismo estatal, como fontes de desperdício, de

burocratismo e de privilégios, foram idéias e valores que ganharam condição de “senso comum”

difundindo-se e penetrando, de modo desigual e contraditório, no conjunto da sociedade brasileira,

inclusive nas classes populares.

Dialogando com as aparentes divergências – As diferenças político-ideológicas que

marcam as trajetórias das correntes sindicais no Brasil se manifestaram também na década de 1990

e no limiar do novo século que se inicia, principalmente quando crescem as discussões sobre as

estratégias para enfrentar os desafios da reestruturação produtiva e as mudanças no mundo do

trabalho e por conseqüência no mundo da vida. Se , por um lado, constata-se que diante das

dificuldades impostas pela realidade da década de 1990, a CUT, a CGT e a Força Sindical

identificaram-se na questão educacional, com ênfase na educação profissional, aspecto importante

é ter presente que estas entidades sindicais tiveram que se adaptar à nova situação gerada pela

globalização da economia e a abertura do mercado para os produtos estrangeiros.

Uma análise cuidadosa dos documentos e manifestações das Centrais demonstra, contudo,

que há diferenças quanto à concepção e o alcance da ação educativa, que se manifestaram através

das propostas políticas e das perspectivas de transformação social assumidas por cada Central

(Souza, Santana e Deluiz, 2001).

Tendo em vista a realidade atual, o posicionamento das Centrais, no que diz respeito à

questão educacional, cinge-se aos princípios teórico-pedagógicos que norteiam as análises críticas

sobre educação e reestruturação produtiva; problemas decorrentes da vinculação da educação com

o mercado de trabalho, em um contexto de políticas neoliberais e globalistas; implicações da

educação profissional com respeito às questões da cidadania e a formação de formadores; e

discussão acerca da flexibilização dos processos educacionais do ensino profissionalizante, com

destaque para o sistema modular e a educação à distância.

No entanto, a justificativa para o envolvimento das Centrais na área da educação geral e

específica não só reflete as diferentes vertentes político-ideológicas, mas também apresenta as

tensões entre o plano discurso e o plano das proposições práticas. A CUT refuta o ajuste da

educação somente segundo os interesses dos empresários que estariam atuando estrategicamente

no sentido de controlar a educação e a qualificação profissional do trabalhador. As outras Centrais,

mesmo sem uma proposta contestadora, também assumem compromissos com a tarefa

educacional, reconhecendo nela elemento estratégico da nova conjuntura.

Quanto às mudanças no mundo do trabalho em geral, as diferenças são também visíveis. A

CUT alerta de forma mais abrangente sobre os sérios riscos porque passam os trabalhadores nesse

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contexto, denunciando uma lógica de desenvolvimento econômico pouco preocupada com o fator

trabalho e empenha-se na busca de eficiência para integrar os trabalhadores nos princípios do

sistema econômico vigente. A Força Sindical e a CGT, por outro lado, não demonstram nenhuma

preocupação com os aspectos de contestação ao sistema. De um modo mais pragmático, se

dedicam a discutir de forma objetiva as possibilidades abertas pelas transformações, para que os

trabalhadores possam conseguir melhores condições de vida. Enfatizam a necessidade do

trabalhador “se potencializar” para poder participar do novo sistema, daí uma preocupação

constante com a questão da “empregabilidade”. Todas as Centrais, no entanto, defendem uma

ampla mobilização contra o desemprego, identificando na necessidade da qualificação do

trabalhador a alternativa para escapar da exclusão do trabalho.

Sobre a noção de empregabilidade, as divergências se acentuam pelo lado ideológico. As

formulações da CUT consideram o desemprego como possível de ser combatido nos seus aspectos

estruturais e não unicamente reduzindo o ensino profissional ao adestramento da mão-de-obra,

segundo requisitos do mercado de trabalho. E pregam uma educação voltada para a transformação

da realidade. A CGT e a Força Sindical simplesmente reconhecem a situação precária do

trabalhador diante dos requisitos da reestruturação, mas estariam mais preocupadas com a

adequação às novas exigências do que com o questionamento da noção de empregabilidade.

É importante que se ressalte que os cutistas discutem a incorporação dos desempregados na

classe trabalhadora. Mas no interior da CUT também há divergências, muitas vezes aparentes, com

respeito à me lhor forma de agregar os desempregados nas lutas da classe trabalhadora. Todos os

cutistas parecem querer uma CUT revigorada e “para toda a classe trabalhadora”, contudo alguns

entendem ser mais adequada a criação de associações de desempregados, e estas associações

filiarem-se à CUT, estabelecendo aí o debate unificador sobre os desafios que

contemporaneamente se apresentam. Outros, particularmente aqueles que fazem parte do

movimento sindical combativo, partem do pressuposto de que as lutas dos desempregados são, em

grande parte, as mesmas dos empregados e, portanto, os “sem emprego” devem estar reunidos nos

próprios sindicatos daqueles que ainda têm emprego.

A idéia de integrar os desempregados nos sindicatos tem como marco inicial a seguinte

visão de organização de base das entidades: nos locais de trabalho, as OLTs (Organização por

Locais de Trabalho) tratariam essencialmente dos temas ligados às condições específicas de

trabalho. Nos Locais de Moradia, os trabalhadores (e os integrantes dos novos movimentos

sociais), seriam organizados em Núcleos de Base dos Sindicatos Cutistas (unificados), e estes

“fóruns” tratariam das demandas gerais da classe trabalhadora (vinculadas ao mundo do trabalho e

ao mundo da vida), em especial àquelas relacionadas com a redução da jornada de trabalho, etc.

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Plenamente favoráveis a que a CUT represente e, portanto, aceite e estimule filiações de

organizações da economia informal e da chamada economia popular e solidária, entende-se que a

cidadania desempregada deve ser o “sangue novo” que está faltando aos sindicatos para animá-los

a empreitadas mais ousadas.

Três razões justificam esta forma de integrar os desempregados às lutas gerais da classe

trabalhadora:

1ª) O desemprego (especialmente o desemprego crônico) integra um setor social que já não

tem mais nada a perder, portanto é potencialmente revolucionário. Este agente político será

essencial para revitalizar a ação sindical. Vide exemplo dos Sem Terra, dos Sem Teto, dos

indígenas.

2ª) Na situação atual (que parece não ser meramente conjuntural), o emprego é o bem mais

valioso que cada trabalhador possui. Portanto o empregado “virará as costas” ao sindicalista e ao

sindicato se ele perceber que qualquer atitude sua, de apoio, possa significar a perda da sua

condição de empregado. Neste caso, a presença dos desempregados, na mesma luta, cumpriria um

papel de estímulo e resgate de princípios comuns de toda a classe trabalhadora.

3ª) Grande parte das demandas dos trabalhadores empregados é também dos

desempregados. Alguns exemplos: luta pela redução da jornada de trabalho; luta pelo fim das

horas-extras e “bancos de horas”; luta pela valorização das horas-extras; debate sobre o significado

e luta contra o contrato temporário; luta pela ampliação do Seguro Desemprego; luta por

investimentos públicos para a geração de empregos; debates e lutas contra as estratégias patronais,

eliminação de direitos e muitas outras lutas comuns.

Por último impõe-se uma reflexão acerca da histórica visão anticorporativa da organização

sindical, princ ipalmente da ala combativa. Assim, enquanto a proposta de criação de Núcleos de

Base de Sindicatos Cutistas (que contemplaria os desempregados) rompe frontalmente com a

lógica corporativa, já que todos os sindicatos estariam juntos no mesmo fórum local (à semelhança

do que vem ocorrendo nos Fórum Social Mundial), a proposta de criação de Associações de

Desempregados significaria o surgimento de uma nova corporação, a dos desempregados.

Em síntese, na disputa da CUT com as outras centrais sindicais e em especial com a Força

Sindical, o que está em jogo são diferentes projetos para a sociedade, a possibilidade de defender

de forma independente os interesses da classe trabalhadora ou subordiná-los aos interesses do

capital e da classe dominante.

Mais do que nunca, faz-se necessária uma política clara da Central no sentido de disputar a

base dessas centrais com propostas claras capazes de mostrar aos trabalhadores as diferenças entre

os projetos e os compromissos de cada uma das centrais.

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A disputa pela representação dos trabalhadores que ainda não estão na base da CUT, o

enfrentamento quotidiano em cada setor, em cada Estado com a Força Sindical exige uma trégua

nas disputas internas. A unidade da Central Única dos Trabalhadores é condição para que isso se

transforme em uma tarefa prioritária.

Só assim se poderá lutar contra as mazelas do capitalismo, pela conservação dos direitos

sociais e pela aplicação da Declaração dos Princípios sobre os Direitos Fundamentais dos

Trabalhadores, aprovada em 1998 pela OIT. Nesse sentido, parafrasea-se González (2001),

dizendo que uma vez que se apóia e defende-se a aplicação sistemática desses princípios chama-se

a atenção sobre a necessidade desses direitos não ficarem à margem de uma conceituação justa e

integral dos direitos humanos que tenha em conta o direito à vida, ao emprego, à saúde, à

educação, à igualdade social ao direito de todas as nações ao desenvolvimento e à livre

autodeterminação e soberania.

3.10.11 Como o CPERS se coloca diante dessa conjuntura

O CPERS-Sindicato, historicamente, significa um grande avanço na implantação de

uma estrutura sindical democrática e profundamente inserida nas bases, através da

organização dos representantes municipais, por escolas: funcionários e professores.

O CPERS é o maior sindicato de trabalhadores do Rio Grande do Sul e representa

uma categoria com algumas especificidades que interferem na condução e direção desta

entidade. Não se pode deixar de assinalar que

...o CPERS representa uma categoria majoritariamente feminina. Essas trabalhadoras carregam consigo uma história de opressão da mulher e a imagem de que a função de professora, na sua origem, era exercida por membros da elite dominante como um hobby, com um caráter até mesmo sacerdotal, ou porque proporcionava um certo status para quem a exercia (Oliveira, 2001, p. 2).

As trabalhadoras e os trabalhadores da educação por muito tempo não foram

considerados como integrantes da classe trabalhadora e ficaram de fora dos espaços de

participação política. Por outro lado, os governos de direita não tiveram a vontade política

para estabelecer uma política salarial para essas trabalhadoras e trabalhadores que resgatasse a

dignidade dessa categoria.

Apesar disso, o CPERS-Sindicato conseguiu superar algumas das dificuldades e hoje é

reconhecido como um sindicato que organiza e representa uma categoria de luta.

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Por muitos anos, o CPERS ocupou-se de forma corporativa das questões específicas

das(os) trabalhadoras(es) da educação, sem fazer o debate mais geral e a disputa de projetos

na sociedade.

Nos últimos anos, mais precisamente na disputa de projetos na campanha ao governo

do Estado, o CPERS-Sindicato, mais uma vez, conseguiu superar as dificuldades, colocar o

debate de projetos na categoria e desempenhar um papel fundamental na vitória do projeto

dos trabalhadores.

Com a vitória da candidatura de Olívio Dutra, o CPERS-Sindicato, que tem uma

história de enfrentamento com os governos do Estado, historicamente de direita, passou a

viver um período de duras contradições. Diante de um governo de esquerda, o Sindicato vive

a tensão entre a preservação de sua independência e autonomia em relação ao governo

estadual e o reconhecimento de que integra o mesmo campo estratégico e compartilha um

projeto comum de transformação da sociedade. De forma equivocada, o sindicato faz da

opção para provar sua independência o objetivo político central, colocando isso acima de

tudo. Essa opção política equivocada não elimina o problema e leva a uma postura sectária

que impede o Sindicato de compreender a amplitude das questões em disputa no Estado do

Rio Grande do Sul. Isso levou a categoria a um retrocesso no seu acúmulo político. O giro

esquerdista da direção do CPERS-Sindicato despolitiza a relação com a categoria, produz

momentos de confusão que favorecem o crescimento da direita, que com seu discurso

imediatista e oportunista consegue aproveitar essa nova situação. Dessa forma, a direção do

CPERS não consegue se diferenciar da política da direita na categoria, pois não enfrenta as

contradições de manter o compromisso com os interesses das/os trabalhadoras/es da educação

e ao mesmo tempo assumir a defesa do projeto democrático popular expresso pelo novo

governo do Rio Grande do Sul.

Em suma, no contexto da burocratização da CUT e Sindicatos Cutistas, o próprio

CPERS-Sindicato sofre recuos importantes na organização de base, mas o projeto continua na

ordem do dia.

Os grandes desafios que estão colocados para o CPERS-Sindicato retomar uma

prática classista que se integram na disputa mais ampla de projetos e de poder instalada no

Rio Grande do Sul são:

1) Assumir sua condição de sindicato de esquerda, de lutas, sem que seja

necessário a cada momento provar sua autonomia perante o governo.

A história do CPERS constitui uma referência muito forte para que a entidade

mantenha e preserve seus princípios e por isso a atual direção não pode seguir sendo pautada

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pela pressão da mídia burguesa e pelo setor de direita da categoria. Esses sabem muito bem o

que querem, sabem reconhecer qual é a disputa central colocada no Estado e sabem como

aproveitar a reconquista de um espaço na categoria que há muito haviam perdido. Esses não

se confundem e como não têm compromisso com a emancipação98 dos trabalhadores atuam

reforçando valores conservadores e despolitizando os desafios colocados para recuperar a

dignidade e melhorar as condições de trabalho e de vida da categoria. Uma posição de

esquerda precisa se colocar na contracorrente do senso comum, buscar construir um novo

horizonte para a luta dos trabalhadores, que incorpora as suas reivindicações específicas, mas

que vai mais além, construindo uma perspectiva de classe, de transformação social.

Para tanto, o CPERS precisa assumir um discurso e uma prática política que enfrentem

as contradições colocadas pela existência de um governo democrático-popular no Estado que

tem compromisso com as reivindicações e os interesses das trabalhadoras da educação, mas

também com as desempregadas, com as agricultoras, as mulheres sem terra, sem casa, com os

diversos setores que compõem a classe trabalhadora gaúcha. Nessa luta, O CPERS deve situar

a solidariedade e a abertura para conhecer e compreender as demandas sociais reprimidas por

décadas de governos conservadores.

Uma política de formação sindical que enfrente os desafios, que abra o debate com o

conjunto da categoria sobre esses desafios e sobre questões gerais da classe trabalhadora, que

fazem parte do quotidiano da categoria, através de mecanismos de opressão e discriminação,

mas que não são abordados pelo Sindicato, como é o caso da questão de gênero, raça,

orientação sexual.

O CPERS-Sindicato representa mais de 80.000 trabalhadoras e trabalhadores da

educação com um imenso peso na formação de opinião em cada localidade e com grande

responsabilidade na transformação da sociedade.

98 Uma das premissas do Sindicato-cidadão que “ao reconhecer a degenerescência da participação popular na esfera pública como fenômeno moderno, e ao entender que este fato contradiz qualquer projeto de ação coletiva, tensionará permanentemente pela mobilização, se constituindo enquanto espaço público para manifestação da cidadania” (Vieira, 1991, p. 2). Cidadania entendida, “não a declaração de direitos políticos formais do cidadão abstrato, mas os direitos concretos do homem real, o que pressupõe, no caso brasileiro, a radicalização da democracia com o resgate à vida digna e a emancipação da maioria da população” ( ibidem). Ferreira (1991, p. 15) esclarece que “a realização do sindicato-cidadão significa um duro combate ao corporativismo, pois esta concepção sindical (sindicato-cidadão) tem por base o envolvimento de cada trabalhador, enquanto cidadão, nas lutas e nos processos de organização que lhes dizem respeito direta e indiretamente. Entende-se que, mesmo as lutas mais específicas, como salário de determinada categoria, por exemplo, trazem em si elementos de rebeldia, portanto trazem elementos educativos, libertários. (...) o sindicato-cidadão entende que cada luta diz respeito a todos, significando que todos estarão envolvidos desde a sua organização até o desfecho e o pós -desfecho”.

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263

Se como educadores e educadoras concebe -se a educação como um processo de

humanização, de construção da autonomia de mulheres e homens, esse também deve ser o

compromisso da categoria na luta sindical.

Na sala de aula, na comunidade ou no sindicato valorizam-se as reivindicações

imediatas do povo. Mas o papel político como militantes, que se coloca como educadores,

leva também à mudança na visão de mundo, na consciência da categoria e da população,

buscando sua adesão ativa a um projeto de transformação social, de construção de uma

sociedade justa, solidária e igualitária.

2) Manter-se na diretriz de seu sindicato comprometido com o projeto histórico

da classe trabalhadora: fim da opressão e exploração capitalista e construção de um

projeto social socialista.

Na conjuntura atual do Estado diante da vigência do governo democrático-popular,

liderado por Olívio Dutra, o CPERS-Sindicato vive forte tensão provocada pelo setor da

direção que adota linha esquerdista e pragmática, que não consegue distinguir o caráter

profundamente diferenciado do atual governo em relação aos governos burgueses do período

anterior.

Entre as lutas centrais que o CPERS-Sindicato deve executar, destacam-se:

a) Denúncia do caráter perverso e excludente do projeto neoliberal liderado por FHC

e seus aliados;

b) Defesa de um projeto econômico-social alternativo para o país;

c) Defesa do governo democrático-popular do Estado, mesmo mantendo sua

autonomia;

d) Defesa dos interesses imediatos por melhores condições de vida e de trabalho da

categoria.

Mas, então, qual deve ser o trabalho de base no CPERS-Sindicato? O trabalho de

base que deve ser feito no próprio CPERS-Sindicato é retomar com determinação o trabalho

de organização e inserção de base, principalmente de formação de uma nova camada de

lutadores sociais numa perspectiva anti-capitalista.

A ligação do CPERS com os demais sindicatos operários e as possibilidades de

lutas em conjunto ou separadamente apontam o CPERS-Sindicato como uma das maiores

categorias organizadas do sul do país e da América Latina, e, por natureza, como uma

categoria bastante corporativa. Porém, parafraseando Corazza (2001), “historicamente existiu

uma vanguarda consciente, que buscou articular-se e implementar lutas e mobilizações

conjuntas e em especial com os sindicatos operários, e, também, com os trabalhadores rurais”.

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Como já mencionado, o CPERS/Sindicato é por natureza muito corporativo. A maioria

da categoria move-se por questões econômicas e imediatas, por isso é óbvio a tendência por

lutas específicas e isoladas. Mas a intervenção consciente dos setores de base e da direção

com maior politização e visão classista sempre foi e será decisiva para a implementação das

lutas unitárias.

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4 – CRISE E PERSPECTIVAS

O sindicalismo está vivendo um período extremamente difícil, e de tudo o que foi

referido anteriormente é possível dizer que, do ponto de vista internacional, as décadas

derradeiras do século XX podem ser consideradas de crise para as organizações sindicais. Em

grande parte, este impasse histórico do sindicalismo está associado às grandes mudanças

advindas do mundo do trabalho, no contexto da reestruturação capitalista. Com a crise do

Estado Liberal nos anos que se seguiram a Primeira Guerra Mundial e a adoção da teoria

Keynesiana, os países capitalistas vive ram um período de grande crescimento econômico-

industrial.

Ainda hoje a Alemanha e o Japão são exemplos bem sucedidos de implementação das

idéias Keynesianas. O Estado atuando como protetor, regulador e controlador das relações

sociais, não permitindo um “laissez-faire”, deu nascimento ao Estado Propulsor, que passou a

garantir a estabilidade econômica mediante a regulamentação e a intervenção no mercado, e a

promover o bem-estar social, desenvolvendo políticas compensatórias e integrando todos os

setores da sociedade na perseguição deste ideal.

Mas com a crise da década de 1970, marcada principalmente pela crise do petróleo de

1973, foi estagnando e gerando problemas – altas taxas de desemprego, altos índices de

inflação, estagnação nos índices de crescimento da economia – que pareciam colocar um

termo na organização sócio-política nos princípios liberais do capitalismo. Os teóricos

tiveram que encontrar novas saídas para a crise instalada no capitalismo. Neste contexto

surgiram os pensadores classificados como neoliberais, oriundos de três fontes ideológicas: 1)

a visão microeconômica neoclássica da Escola Austríaca, cujo principal representante é

Friedrich von Hayek; 2) a visão macroeconômica monetarista de Milton Friedman, norte-

americano, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1976; 3) a crítica econômica e política

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do Estado, produzida pela Escola de Chicago, tendo como maiores expoentes Buchaman e

Olson (Dalló, 2001).

Para o neoliberalismo, ao contrário do pensamento de Keynes, a intervenção estatal na

economia é prejudicial para as relações mercadológicas. Nessa direção, Friedman (apud

Dalló, 2001, p. 11) afirma que o mercado é autorregulável, e que “a crise econômica é

resultado da excessiva presença e intervenção do Estado na economia e do excessivo poder do

movimento operário que corrói as bases da acumulação capitalista com suas pressões

reivindicatórias”. A prática dessa formulação, baseada na teoria da concorrência perfeita e no

papel do Estado como garantidor da estabilidade monetária, trouxe sérias conseqüências.

Tanto nos países mais industrializados como nos menos, no contexto da reestruturação

do sistema capitalista, as transformações no mundo do trabalho atingiram brutalmente as

organizações dos trabalhadores, minando suas bases sociais e restringindo seu poder de

barganha na sociedade.

O balanço das últimas décadas permite dizer que o sindicalismo passa por um forte

momento de crise e cujas evidências são vistas em todas as instâncias e ramos do conjunto do

sindicalismo, particularmente na CUT. Esta crise parece apresentar duas faces. Uma com

origem nas heranças do sindicalismo corporativo e que ainda não foi superado, apesar do

fortalecimento das bases políticas e ideológicas do novo sindicalismo. Outra que, a partir da

década de 1980, uma parcela do movimento sindical se propôs a transformar esta realidade,

desenvolvendo uma forte crítica ao sindicalismo pelego e a burocratização.

Com a enorme expansão do neoliberalismo a partir do final da década de 1970, e a

conseqüente crise do Welfare State, ocorreu um processo de regressão da social-democracia,

passando esta a atuar muito próximo da agenda neoliberal. O projeto neoliberal passou a ditar

o ideário e o programa a serem implementados pelos países capitalistas e subordinados,

contemplando a reestruturação produtiva, o aceleramento das privatizações, o enxugamento

da máquina público-estatal através de reformas políticas fiscais e monetárias sintonizadas com

os organismos mundiais de hegemonia do capital como FMI e BIRD, a desmontagem dos

direitos sociais dos trabalhadores, o combate ao sindicalismo classista, propagação de um

subjetivismo e de um individualismo exacerbado da cultura “pós-moderna” contra qualquer

proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital, entre outras particularidades.

A análise dessa processualidade complexa indica quatro pontos: 1) que há uma crise

estrutural do capital cujo efeito depressivo acentua seus traços destrutivos; 2) deu-se no Leste

europeu, onde parcelas importantes da esquerda se social-democratizaram; 3) esse processo

efetivou-se num momento em que a própria social-democracia sofria uma forte crise; 4) forte

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expansão do projeto econômico, social e político neoliberal. Tudo isso acabou por afetar

fortemente o mundo do trabalho, em várias dimensões (Antunes, 2001).

Como resposta do capital à crise estrutural, várias transformações fundamentais vêm

ocorrendo nesta viragem do século XX para o século XXI, caso se queira analisar suas

diferentes formas de desenvolvimento, particularmente nas últimas décadas, deve-se analisar

a crise do sindicalismo, mesmo que em suas dimensões mais gerais.

4.1 DIMENSÕES DA CRISE SINDICAL

O sindicalismo brasileiro vivencia nestes últimos 25 anos um processo de expansão e

crise. Neste sentido, observa -se que, em contraposição ao avanço do movimento sindical a

partir de 1978, a situação se inverteu no final da década de 1980 e início da década de 1990. A

partir daí, intensificaram-se as transformações no processo produtivo, gerando o que se

convencionou chamar de “crise do sindicalismo”. Crise que, em suas dimensões mais gerais, é

marcada por lutas defensivas, perda progressiva de articulação dos sindicatos com suas bases

e das organizações sindicais entre si, dificuldades para preservar antigas conquistas e obter

novas, dificuldades igualmente para mobilizar os trabalhadores no setor privado e público,

lutas neocorporativas e centradas na força-de-trabalho empregada, ficando à sua própria sorte

os trabalhadores temporários, terceirizados, da economia informal ou desempregados.

Essas transformações, decorrentes da própria concorrência intercapitalista e dada pela

necessidade de controlar o movimento operário e a luta de classes, acabaram por afetar

profundamente a classe trabalhadora e o seu movimento sindical.

A crise do sindicalismo se consolidou no Brasil com a implementação das políticas

neoliberais do governo Fernando Collor de Mello, cujas ações estimularam a reestruturação

produtiva no país, com base no incremento das novas tecnologias poupadoras de mão-de-

obra. A isto se acrescenta a abertura comercial e o aumento do desemprego, as investidas

contra a legislação trabalhista para flexibilizar a força de trabalho, acentuando sua

precarização.

Essas iniciativas repercutiram decisivamente sobre o movimento sindical de

trabalhadores, resultando na queda relativa e absoluta do número de trabalhadores

sindicalizados; dificuldades de representação, por parte das organizações sindicais, de

camadas de assalariados cada vez mais heterogêneas e refratárias à padronização dos salários

e demais benefícios; baixa disposição, por parte dos trabalhadores, de participar das

mobilizações determinadas pelas lideranças sindicais; queda das taxas de greves; diminuição

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do operariado manual, fabril, concentrado, típico do fordismo e da fase de expansão daquilo

que se chamou de regulação social-democrática; diminuição do número de trabalhadores

cobertos por acordos coletivos de trabalho; aumento acentuado das inúmeras formas de

subproletarização do trabalho parcial, temporário, subcontratado e terceirizado; aumento

expressivo do trabalho feminino e do trabalho infantil no interior da classe trabalhadora,

aumento este que tem suprido principalmente o espaço do trabalho precarizado,

subcontratado, terceirizado, part-time, etc.; enorme expansão dos assalariados médios,

especialmente no setor de serviços, que inicialmente aumentaram em ampla escala, mas que

vem presenciando também níveis de desemprego tecnológico; exclusão dos trabalhadores

jovens e dos trabalhadores “velhos”; e, conseqüentemente, no enfraquecimento do poder

sindical.

Observadores e analistas do movimento sindical comumente associam uma série de

fatores econômicos, sociais, ideológicos, culturais, políticos e sindicais capazes de explicar a

crise do sindicalismo em nossos dias. Assim, segundo Rodrigues (1992), ter-se-ia:

No plano econômico: dispersão industrial e aumento da proporção das pequenas e

médias empresas, pondo fim à tendência às grandes concentrações de trabalhadores numa área

limitada; as novas tecnologias poupadoras de mão-de-obra; o acirramento da competição

internacional; as novas modalidades de gestão empresarial e políticas de relações humanas

destinadas a melhorar a relação das empresas com os empregados, e evitar que suas queixas

cheguem ao sindicato; fle xibilização do emprego e dos procedimentos produtivos;

terceirização do emprego; individualização dos salários, promoções, benefícios, etc.; melhoria

nas condições de trabalho; elevação do padrão de consumo das classes assalariadas; altos

índices de desemprego; e baixos índices de inflação.

No plano da estrutura social e do mercado de trabalho: redução relativa e absoluta

dos trabalhadores industriais e manuais que compunham, classicamente, a classe operária;

aumento da proporção de técnicos e de trabalhadores em tempo parcial e por período

determinado; ampliação do mercado informal de trabalho; aumento da proporção de mulheres

na força de trabalho; maior heterogeneidade das camadas assalariadas.

No plano político-institucional: ascensão de governos conservadores; declínio dos

partidos de ideologia socialista; crise das políticas sociais e dos Estados de Bem-Estar; fim

dos regimes socialistas do Leste europeu.

No plano ideológico e valorativo: avanço das ideologias individualistas e das

concepções ditas neoliberais; declínio de valores igualitários e coletivistas; revalorização dos

direitos individuais e dos direitos do cidadão diante do Estado e da coletividade; rejeição da

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crença de que o bem-estar e a felicidade individual são alcançáveis por meio do bem-estar

coletivo; valorização da competição e do mérito; rejeição do estatismo e do dirigismo

econômico; maior hostilidade de opinião com relação ao poder das lideranças sindicais;

desconfiança com relação aos partidos e à classe política; descrença e desinteresse,

especialmente da juventude, com relação às modalidades de atuação política tradicional

destinadas a mudar os partidos no poder; valorização dos movimentos sociais e de outras

formas de atuação política apartidária com objetivos precisos (movimentos ecológicos,

feministas, etc.).

No plano sindical: dificuldade de o sindicato representar grupos assalariados mais

qualificados, internamente mais heterogêneos e desejosos de que sua capacitação profissional

seja avaliada individualmente; burocratização das organizações sindicais e distanciamento das

lideranças sindicais da massa de trabalhadores; dificuldade de sindicalizar os jovens, as

mulheres e os trabalhadores em tempo parcial das pequenas empresas ou das atividades

terceirizadas.

No entanto, a determinante central da crise do sindicalismo moderno no limiar do

século XXI é a instauração do novo complexo de reestruturação produtiva capaz de precarizar

o mundo do trabalho.

Dentre os complexos da nova crise do sindicalismo, é importante considerar que a

crise do sindicalismo moderno possui duas dimensões históricas: 1) a dimensão

socioinstitucional, caracterizada pelo declínio da representação sindical, que significa a crise

do sindicalismo como crise de representação de classe, e constitui um dos aspectos mais

realçados pelos sociólogos para comprovar a crise do sindicalismo; 2) a dimensão político-

ideológica, caracterizada pela integração plena dos sindicatos à lógica mercantil, com a práxis

de luta sindical, em maior ou menor proporção, limitada ao horizonte da mercadoria, procura

garantir tão-somente o melhor preço da força de trabalho. É a crise do sindicalismo como

predomínio de estratégias sindicais (e políticas) de feição neocorporativo. O ponto central da

crise do sindicalismo é a sua incapacidade ou limitação estrutural de preservar o seu poder de

resistência de classe contra a fúria da valorização diante da nova ofensiva do capital na

produção e do novo e precário mundo do trabalho (Alves, 2000).

A profundidade das transformações que se operaram no mundo do trabalho se

mostrou, no caso brasileiro, mais evidente no setor automobilístico do ABC paulista. A crise

do sindicalismo no setor automobilístico do ABC, articulada ao processo de reestruturação

produtiva, serve como referencial analítico para Alves (2000), citado por Santos (2001), o

qual salienta que o novo e precário mundo do trabalho apresenta três grandes hipóteses:

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A primeira destas hipóteses é que, a partir do governo Collor de Mello, se instaura

uma crise do sindicalismo no Brasil, sendo o principal sintoma a crise das estratégias

políticas do novo sindicalismo. Esta crise se expressa pelo desenvolvimento de práticas

sindicais neocorporativistas de cunho propositivo e em debilidades estratégicas de cunho

obreirista das práticas sindicais de contestação à lógica do capital na produção.

A segunda hipótese é que esta crise, no Brasil, foi determinada pelo

desenvolvimento de um novo complexo de reestruturação produtiva marcado pela

passagem de um “toyotismo restrito” para um “toyotismo sistêmico”.

O toyotismo restrito marcou a reestruturação produtiva na década de 1980, cuja

palavra-chave do discurso empresarial era qualidade e as alterações nos padrões tecnológicos

e padrões de gestão da força de trabalho na indústria brasileira, principalmente no complexo

automotivo, ainda eram de caráter restrito (e seletivo). Quanto ao padrão tecnológico,

observa-se a introdução de inovações de produto e de processo (utilização dos sistemas

CAD/CAM/CAE, MFCNC, robôs, introdução de just-in-time , celularização de produção,

tecnologia de grupo, sistemas de qualidade total) relacionadas com o processo de difusão da

microeletrônica, que se acelera durante a crise, enquanto a mudança do padrão de gestão se dá

de forma mais lenta, por meio da introdução de métodos gerenciais mais participativos,

revisão das estruturas de cargos e salários, políticas de estabilização da mão-de-obra,

valorização dos setores de recursos humanos.

Quanto às principais determinações do processo de reestruturação produtiva nesta

década, é possível relacionar:

a) A crise do capitalismo industrial, cuja maior expressão é a crise da dívida externa.

A recessão e seu ajuste exportador conduziram o país a um verdadeiro choque de

competitividade nas principais indústrias do país.

b) O processo de luta de classes no país, caracterizado pela ascensão do “novo

sindicalismo”, voltado para maior intervenção nos locais de trabalho, pondo em

questão o controle do trabalho.

c) As novas estratégias das corporações transnacionais, que implicariam a adoção,

ainda que em caráter restrito e seletivo, por parte das subsidiárias no Brasil,

principalmente no caso da indústria automobilística, de novos padrões

organizacionais -tecnológicos, inspirados no toyotismo, o “momento

predominante” do complexo de reestruturação pr odutiva sob a mundialização do

capital (Carvalho e Schmitz, apud Alves, 2000).

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Com o novo sindicalismo, ressurgiu o movimento operário e a necessidade de

reapropriação, pelo capital, do controle da força de trabalho sob novas bases técnicas,

impostas pelas novas condições da concorrência capitalista no mercado mundial.

O novo sindicalismo da década de 1980, com suas comissões de fábrica, surgiu como

um desafio à dominação do capital nos locais de trabalho, nas condições do capitalismo

retardatário no Brasil. O caráter classista e de combatividade do novo sindicalismo, vinculado

à CUT, apresentava obstáculos a qualquer tipo de cooptação ideológica ou política das novas

lideranças operárias e sindicais. Por isso, o complexo de reestruturação produtiva,

impulsionado a partir desta década, possuiu um sentido de nova ofensiva do capital na

produção, devido às inovações organizacionais e tecnológicas que surgiram no campo da

produção industrial no Brasil permitiram dar, para o capital, uma resposta estratégica às novas

determinações da economia política mundial – o incremento da competitividade e

produtividade –, bem como às novas determinações da política de classe, apresentando a

necessidade de uma nova hegemonia do capital na produção, adequada às novas condições da

Terceira Revolução Industrial (Revolução Tecnológica).

Nas condições do capitalismo brasileiro desta década, a ofensiva do capital possuía um

caráter restrito e seletivo, tendo em vista que o toyotismo (“momento predominante” do

complexo de reestruturação produtiva que ocorria nos países centrais) surgia articulado com

um aprofundamento do fordismo, o que debilitava a nova hegemonia do capital na produção.

Era isso considerado um “toyotismo restrito”.

O movimento dos CCQs (Círculos de Controle de Qualidade), pequenos grupos de

operários voluntários que se reuniam, com certa periodicidade, para analisar e propor idéias

para a melhoria do processo de trabalho, é o que se pode chamar de toyotismo restrito. Os

CCQs surgiram e se desenvolveram no período do novo sindicalismo no Brasil. A difusão dos

círculos no Brasil ocorreu após o vigoroso processo de mobilização operária que marcou o

final da década de 1970, coincidindo a mesma com o fortalecimento da organização dos

trabalhadores nos locais de trabalho, por meio da constituição das comissões de fábrica.

Nessa época, a luta de classes na produção, no Brasil, assumiu papel preponderante

no plano do processo de trabalho, pois estava em jogo o controle do trabalho pelo capital.

Assim, a combatividade sindical, leia-se CUT, procurava denunciar o objetivo manipulatório

do capital, impedindo desse modo uma apropriação plena dos CCQs e esvaziando muitas das

iniciativas empresariais.

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Outra estratégia do toyotismo na década de 1980 foi o sistema just-in-time/kanban.99

Ele parecia mais abrangente que o CCQ em seus impactos sobre o complexo de produção de

mercadorias, tendo em vista que envolvia a produção como um todo: trabalhadores, gerência e

até clientes e fornecedores. O desenvolvimento desta estratégia ocorreu sob uma dimensão

perversa, pois caracterizou-se como uma “nova rotinização do trabalho”, simplificando e

padronizando as tarefas, além de intensificar o trabalho pela eliminação do tempo ocioso. Isso

instaurou novas relações de trabalho, advindas do maior controle do trabalho, que era uma

necessidade do capital diante da contestação operária à lógica do despotismo tradicional.

A adoção do just-in-time/kanban, em meio à crise do capitalismo brasileiro da década

de 1980, permitiu que o novo salto de racionalização da produção ocorresse sem que houvesse

o incremento de novas tecnologias microeletrônicas na produção, o que era compatível com a

situação de crise do balanço de pagamentos do país. Desse modo, alteraram-se apenas a

organização do processo de produção e a organização do trabalho, se bem que de modo

restrito. O novo padrão de organização industrial, centrado nos CCQs e just-in-time/kanban,

surgiu, então, como o momento predominante do complexo de reestruturação produtiva na

época da mundialização do capital.

Com o toyotismo restrito, não se conseguia articular, de modo sistêmico, o que era

essencial no espírito do toyotismo, era o controle do trabalho e comprometimento operário, a

subsunção real da subjetividade operária à lógica do capital. 100

Seria apenas a partir da captura da subjetividade operária no interior do novo espaço

de controle do trabalho que se poderia constituir uma nova hegemonia do capital na produção.

O toyotismo restrito não conseguiu captar na plenitude essa nova subjetividade operária, pois

predominava nos pólos industriais mais desenvolvidos do Brasil, por essa época, a indiferença

operária às novas técnicas de administração da produção e a oposição sindical conduzida pelo

novo sindicalismo, de modo que o toyotismo restrito apenas contribuiu para reproduzir a

superexploração do trabalho.

A intensificação e enrijecimento do fordismo não impedem que o toyotismo se

desenvolva como uma das características do novo complexo de reestruturação produtiva no

99 O just-in-time/kanban é aplicável principalmente na produção em série, ocorre na indústria automobilística e na indústria metal-mecânica. 100 O sistema JIT/CQT envolvia tanto consentimento e aquiescência quanto engajamento e controle. Não funcionaria se os trabalhadores se re cusassem a participar das atividades de grupo ou a assumir a responsabilidade pelo seu próprio trabalho. No entanto, ao mesmo tempo, o sistema requeria um conformismo e um direcionamento de todos os esforços no sentido do cumprimento das metas empresariais . As gerências não toleravam qualquer oposição ou mesmo uma postura indiferente da parte de seus operários. A maior estabilidade no emprego e a perspectiva de promoção permaneceram fortemente vinculadas à dedicação total e à subordinação às metas da empres a (Humphrey, apud Alves, 2000, p. 133).

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Brasil na década de 1980. Portanto o novo complexo de reestruturação produtiva que ocorria

no país nesta década não pode ser desvinculado da nova lógica da reestrutiração produtiva que

ocorria no centro capitalista, cujo “momento determinante” era o toyotismo. Assim, foi a

preservação e intensificação de padrões fordistas-tayloristas, determinados pela

particularidade concreta do capitalismo brasileiro da década de 1980, que contribuiu para o

caráter restrito dos novos métodos de gerenciamento da produção capitalista no país. Na

década de 1990, seriam as novas condições de inserção na mundialização do capital, na era

neoliberal, que iriam propiciar maior desenvolvimento das novas estratégias capitalistas de

produção toyotista no Brasil, surgindo o “toyotismo sistêmico”, vinculado à mundializaçã o do

capital, com avanço na automação microeletrônica.

Em resumo, verifica-se que o novo complexo de reestruturação produtiva na década de

1980 atingiu uma pequena parcela do mundo do trabalho no Brasil: os pólos operários das

principais indústrias modernas do país, tais como a indústria automobilística no ABC

paulista, berço do novo sindicalismo, da CUT e do PT. A resistência operária caracterizou-se

pela luta contra as novas condições de superexploração do trabalho e contra a subordinação

operária às intervenções estratégicas do capital na produção.

A superexploração do trabalho era caracterizada, primeiro, pelo arrocho salarial, que

impulsionou os movimentos de contestação operária nesta década, e, depois, pela rotinização

do trabalho. A luta sindical contra o arrocho sindical possuía o potencial para articular as

várias frações da classe trabalhadora contra a acumulação capitalista. Ela conseguiu agregar

as diversas categorias da classe trabalhadora, o que não ocorria com a luta operária pela

organização por local de trabalho (Antunes, 1990). Entretanto era no plano das relações de

trabalho que o antagonismo de classes permeava a relação entre capital e trabalho assalariado.

As novas metas de produção passaram a exigir maior comprometimento dos operários

de manutenção e de produção. Esta exigência implicava para o capital garantir uma força de

trabalho cooperativa, responsável e habilidosa para manejar as novas tecnologias. Essa nova

abordagem das relações industriais no setor automobilístico representa va um aspecto da luta

de classes na produção, uma vez que o capital procura diminuir a hegemonia do sindicato e

constituir, a partir daí, um novo consentimento operário ativo e propositivo. Mas isso só foi

ocorrer no final da década de 1980, com o desenvolvimento do toyotismo sistêmico.

Na década de 1980, no entanto, já podiam ser constatados indícios de outro aspecto da

crise do mundo do trabalho, imposto pela terceirização, um tipo de descentralização produtiva

e componente da flexibilização produtiva voltada para a racionalização de custos, que

irrompeu na década de 1990. Foi o impulso à descentralização produtiva desta década que

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promoveu com maior amplitude e intensidade a desconstrução do mundo do trabalho no

Brasil, constituindo um dos principais traços do novo complexo de reestruturação produtiva

sob a era neoliberal.

A utilização da flexibilidade estrutural, baseada na rotatividade do trabalho e na

variação do salário nominal como estratégia de racionalização de custo, tendeu ao

esgotamento, exigindo do capital a criação de novas estratégias de flexibilização do trabalho

baseadas na racionalização de custos, desverticalização produtiva, especialização das

atividades econômicas, subcontratação, uso de força de trabalho temporária, jornada de

trabalho parcial e jornada de trabalho modulada, muitas vezes negociada com os sindicatos

operários.

A ofensiva neoliberal na década de 1990, voltada para a desregulamentação do direito

do trabalho, cujo maior exemplo foi a Lei do Contrato Temporário, aprovada em 1997, no

governo de Fernando Henrique Cardoso, imprimiu as características necessárias à

flexibilização estrutural do trabalho no Brasil. A flexibilização da força de trabalho surgiu

como a nova lógica capitalista no Brasil, procurando criar as condições de flexibilidade

estrutural adequados à nova revolução científica e tecnológica. Ela implicava a redução de

custos sem prejudicar a qualidade e atingiu os mais diversos aspectos da prática operária.

Com a competitividade imposta pelas transformações neoliberais no início da década

de 1990, o novo complexo de reestruturação produtiva no Brasil adquiriu um novo impulso.

As grandes empresas passaram a incorporar um conjunto de novas estratégias produtivas que

atingiram com maior intensidade e amplitude o mundo do trabalho. Passou a ser constituído

um toyotismo sistêmico, caracterizado pelo avanço quantitativo e um salto qualitativo de

inovações tecnológico-organizacionais. Tal complexo, constituindo-se em um esforço de

reestruturação mais integrado da adoção de estratégias mais sistêmicas 101, atingiu os

principais núcleos do sindicalismo de classe no país, caracterizando-se como grande ofensiva

do capital na produção, com resultados devastadores sobre o trabalho organizado no Brasil.

A indústria automobilística é um dos principais setores industriais do capitalismo

mundial a evidenciar, com maior visibilidade, a natureza da crise da acumulação do capital na

mundialização. A crise de superprodução de mercadorias, seguindo a lógica da produção

101 Diferentemente dos momentos anteriores, em que inovar significava, para muitas empresas, comprar equipamentos e/ou introduzir pacotes e programas organizacionais ou de motivação, que eram implantados em setores das empresas, muitas vezes por iniciativa deste ou daquele departamento, com resultados heterogêneos, a partir do final da década de 1980, passa-se a encontrar um conjunto cada vez maior de empresas em processo de profunda reestruturação a partir de uma decis ão da direção, introduzindo todo um conjunto de inovações articuladas entre si. Esses esforços de reestruturação mais integrados se manifestaram a partir da introdução de algum tipo de Programa de Qualidade Total (Gitahy, Leite e Rabelo, apud Alves, 1993, p. 180).

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destrutiva, tendia a experimentar um processo de aceleração. Mesmo a capacidade produtiva

sendo bem maior que a necessidade do mercado, continuava crescendo, principalmente nos

países capitalistas emergentes, como o Brasil. A tendência mundial era a instalação de novas

linhas de montagem da indústria automobilística nos países emergentes, tais como o Brasil e a

China, particularmente em virtude da estagnação da demanda nos países capitalistas centrais.

Além disso, as subsidiárias das montadoras nos países capitalistas emergentes tendiam a

assumir, cada vez mais, parcelas crescentes dos mercados desenvolvidos. Por exemplo, a meta

da Mercedez-Benz do Brasil, para o ano de 2000, era exportar 50% da produção – já

exportava, em 1997, 25% para os mercados da Ásia, África do Sul ou Austrália (Betting,

1997).

A adoção da automação microeletrônica na produção e a utilização de novas

estratégias organizacionais articularam nova flexibilidade da produção no processo de

trabalho intra-empresa – criando um novo perfil operário – e na relação entre empresas, na

qual se desenvolveram novas estratégias de subcontratação ou descentralização produtiva,

surgindo a terceirização, que permitiu às corporações transnacionais do setor automobilístico

desenvolverem laços de subcontratação. As montadoras instaladas no país apresentaram, no

aspecto da organização da produção, novos tipos de flexibilidade, de estratégias de

racionalização de custos, como o “consórcio modular”, utilizado pela Volkswagen, em

Resende, RJ, e o “condomínio industrial”, da General Motors, em Porto Alegre, RS.

Entretanto o impacto sobre o mundo do trabalho surgiu a partir de 1993, ao lado dos

recordes de produção da indústria automobilística no Brasil, destacando-se o declínio dos

postos de trabalho nas montadoras e nas indústrias de autopeças, que viveram um intenso

processo de centralização e concentração do capital, devido as aquisições, fusões e novas

estratégias das corporações transnacionais do setor automobilístico mundial. Essas e outras

ocorrências possibilitaram, parafraseando Alves (2000), relacionar as principais

determinações sócio-históricas do novo complexo de reestruturação produtiva no Brasil da

década de 1990, capazes de impulsionar nova ofensiva do capital na produção e instaurar

nova crise do sindicalismo brasileiro, tal como ocorre nos países capitalistas centrais:

1) a reestruturação produtiva era decorrente da nova etapa do capitalismo mundial,

caracterizada pela mundialização do capital, que projetou nas subsidiárias das empresas

transnacionais, desde a déca da de 1980, novas estratégias de produção, exigências da

acumulação flexível. Essa determinação atingiu a produção do capital monopolista em cada

país capitalista, em maior ou menor graus, conforme seu nível de integração à mundialização

do capital.

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2) as políticas neoliberais tenderam a impulsionar, a partir da década de 1990, a

modernização industrial no Brasil, então adotou-se uma liberalização comercial abrupta e

desregulada, e formulou-se a política industrial de não proteger a indústria nacional, todavia

apoiou-se a indústria estrangeira localizada no país com isenções fiscais ou abertura de canais

de crédito.

3) a crise das estratégias políticas e sindicais de matiz socialista no Brasil, decorrentes

da derrota política do PT e da CUT nas eleições presidenciais de 1989 e em 1994, atingiu

importantes parcelas do movimento sindical vinculado à perspectiva socialista na década de

1990. A nova ofensiva do capital na produção aproveitou-se da situação de recuo político e

ideológico da classe trabalhadora para promover uma nova hegemonia do capital na produção,

de cunho neocorporativo.

As determinações estruturais como a integração do país à mundialização do capital

pela abertura da economia atingiram a subjetividade da classe trabalhadora e impulsionara m

mais ainda a crise das estratégias sindicais e políticas de matiz classista, contribuindo para o

aprofundamento da crise do socialismo no Brasil, caracterizado pelo predomínio defensivo de

novo tipo, de cunho neocorporativo.

A crise política e ideológica das estratégias de classe criou as condições para a nova

hegemonia do capital na produção, pois procurou-se constituir com o novo complexo de

reestruturação produtiva, caracterizado pelo toyotismo sistêmico, uma captura da

subjetividade operária pela lógica do capital, um novo consentimento ativo e propositivo. Por

conta das alterações na natureza do capital e do trabalho, impuseram-se novas formas de

contratação e gerenciamento da força de trabalho para que as empresas enfrentessem as

transformações do mercado.

Com o surgimento do defensivismo de influência propositiva, operou-se, em vez do

avanço nas relações de capital e trabalho, um recuo político-ideológico do trabalho diante da

crise do mundo do trabalho no Brasil.

Mas não são só os avanços do desemprego e da precarização do trabalho que

quebraram a resistência sindical, nem a linha política de “concertação social” – incorporada

até mesmo por partidos da esquerda social-democrata – adotada pela parcela hegemônica da

CUT e do PT, mas a derrocada do socialismo real e a crise da ideologia socialista, que já

ocorriam no cenário internacional.

A partir da década de 1990, as transformações neoliberais tenderam a debilitar a luta

de classes na produção, considerando-se que, ao constituírem um novo e precário mundo do

trabalho, atingiram o sindicalismo de classe. Este cenário propiciou à investida do capital na

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captura da subjetividade operária, embora a passagem do toyotismo restrito para o toyotismo

sistêmico fosse complexa, descontinua e contraditória, pois era determinada pelo cenário

macroeconômico do Brasil.

A partir daí, distinguiram-se dois períodos na era neoliberal no Brasil: o governo

Collor (1990-1993), período caracterizado pelo sentido inercial na valorização do capital; e o

período do governo FHC, a partir do Plano Real, em 1994, quando se estabeleceram com

maior eficácia as novas bases da hegemonia do capital no país, criando um clima

macroeconômico capaz de impulsionar a constituição do novo complexo de reestruturação

produtiva nas principais indústrias do país.

O cenário da economia, sob o governo Collor, caracterizado pela recessão, crescente

desemprego na indústria e o predomínio da racionalização predatória de custos nas empresas,

preparou o capital para a adoção de novas estratégias de negócios, ou seja, criou as condições

macroecômicas para o sucesso da estabilização monetária, ocorrida com o Plano Real no

governo FHC, e, em especial, as condições políticas e ideológicas para o desenvolvimento do

toyotismo sistêmico, cuja característica central é a parceria entre capital e trabalho no campo

da produção.

Sob o governo de FHC, o novo cenário macroecômico impulsiona os investimentos

produtivos em capital fixo, acelerando-se, assim, a automação microeletrônica na produção

que propicia, junto com o consentimento operário, novos padrões de qualidade e

produtividade, atributos indispensáveis para a inserção do país no mercado mundial.

O processo político-ideológico de construção do consentimento operário no interior de

um complexo coercitivo posto pelo capital tem como característica principal a precariedade

do mercado de trabalho – crescente desemprego estrutural e a precarização de emprego e

salário. O medo da exclusão social contribui para debilitar a solidariedade de classe, além de

gerar uma crise dos sindicatos e partidos.

O objetivo do novo complexo de reestruturação produtiva é instaurar, de modo

sistêmico, a acumulação flexível no Brasil. Um dos seus principais aspectos é a

descentralização produtiva, caracterizada pelo processo de terceirização. O que se observa é

que a terceirização ao atingir tarefas menos estratégicas e especializadas (atinge os serviços de

apoio à produção, tais como alimentação, transporte, vigilância, assistência médica), passa

também a atingir atividades diretamente vinculadas à esfera da produção, o trabalho mais

qualificado, oferecendo uma divisão especializada do processo produtivo aliada à manutenção

do nível tecnológico – de atividades de manutenção, ferramentaria, estamparia, fornecimento

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de peças e subconjuntos, anteriormente realizados pelos operários da montadora das

atividades.

A terceirização opera a externalização das atividades produtivas (trabalho doméstico

ou domiciliar, com a subcontratação de trabalhadores autônomos, em geral, sem contrato

formal, é a prática mais recorrente; empresas fornecedoras de componentes/peças;

subcontratação para serviços de apoio; subcontratação de empresas e/ou trabalhadores

autônomos nas áreas produtivas; quarteirização – terceirização da terceirização –, empresas

contratadas com a única função de gerir os contratos com as terceiras e pela deslocalização

industrial) – descentralização produtiva em seus múltiplos aspectos. Os processos tipicamente

produtivos passam a ser executados nas instalações da empresa subcontratada pela montadora,

ou nas próprias instalações da montadora, que cede espaço e equipamento para que o

fornecedor opere internamente em sua própria fábrica, como é o caso do consórcio modular

ou do condomínio industrial. É uma nova e radical terceirização, que se caracteriza pela

desverticalização total da empresa, criando uma rede de subcontratação com as empresas das

quais passam a comprar o produto que antes produziam. Por isso, a grande divulgação na

mídia de incentivo à criação de novos, pequenos e médios negócios surge como uma das

saídas do desemprego estrutural, resultado da própria “produção enxuta”. Os apologistas da

terceirização não querem saber se o mercado não é para todos, enquanto o pequeno

empresário, sob pressão do mercado, se obriga, dia -a-dia, a aumentar a intensidade do

trabalho e o prolongamento da jornada de trabalho, de si e de seus trabalhadores assalariados,

sob pena de ir à ruína, quando isto não ocorre por falta de conhecimentos administrativos e

gerenciais.

Diante da competitividade do capitalismo mundial, a estratégia da terceirização traz

uma série de vantagens para o capital, tais como níveis ótimos de escala, redução dos custos

administrativos, possibilidade de determinação ótima de custos e preços, maior concentração

em atividades estratégicas – logística da produção, planejamento, marketing, vendas, etc. – e

maior controle da gestão da produção. Entretanto os problemas de custos e qualidades têm

contribuído nos últimos anos para que algumas grandes indústrias recuem, pelo menos

temporariamente, da terceirização, praticando a desterceirização.

Na perspectiva da luta de classe, a terceirização é um processo que tende a debilitar a

solidariedade do mundo do trabalho, tornando precária a constituição de estratégias de classe

e contribuindo para a captura da subjetividade operária pela lógica do capital.

É claro que, em alguns casos, dependendo do grau do poder sindical, pode prevalecer,

em maior ou menor proporção, a precariedade de emprego ou de salários. Mas são

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reconhecíveis as dificuldades de organização sindical nas pequenas e médias empresas, nas

quais o controle capitalista é maior. Por isso, o crescimento da estratégia de terceirização,

destinado a “enxugar” a montadora e a incentivar a proliferação das empresas subcontratada s,

tende a debilitar o poder de barganha sindical da classe. A estrutura de organização sindical

no Brasil constituiu-se, em termos históricos, no sentido verticalizado; incapaz, portanto, de

organizar uma categoria assalariada cada vez mais horizontalizada pela nova terceirização e

de contribuir para a resistência da classe contra a sanha destruidora do capital.

A adoção sistêmica dos nexos contingentes do toyotismo foi impulsionada a partir da

década de 1990 e caracteriza-se principalmente pelos Programas de Qualidade Total; just-in-

time (JIT), interno e externo; do Controle Estatístico de Processo (CEP), do sistema de

Estoque Mínimo (SEM), além das formas de gestão participativa do trabalho como o Skokai

(sistemática de reuniões matinais) e dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), além dos

novos sistemas de pagamento como os programas de participação em lucros e resultados

(PLP).

O caráter mais amplo da modernização, no entanto, se observa no vasto complexo de

reestruturação produtiva o qual inclui a instituição de células de produção, a reorganização

espacial de fábricas, a divisão de instalações industriais em minifábricas e seu desdobramento

radical no consórcio modular e condomínios industriais, o desenvolvimento de relações de

clientes entre setores da fábrica, o kanban, a flexibilização das funções e dos direitos

trabalhistas, e a polivalência.

Todas as novas técnicas de organização da produção capitalista incorporam o espírito

do toyotismo – a captura da subjetividade operária pela lógica do capital diante da

constituição de um novo e precário mundo do trabalho. Esta, portanto, é a terceira grande

hipótese da crise sindical, o toyotismo, enquanto “momento predominante do novo

complexo de reestruturação produtiva (...) tende a instaurar, pelo obscurecimento da

perspectiva de classe, uma nova subjetividade operária pela lógica do capital”.

A principal peculiaridade da busca do toyotismo sistêmico sob o governo Collor era

porque ele ocorreria e se propagaria nas condições de crise do capitalismo brasileiro, com seu

cenário recessivo, impedindo que as empresas adotassem, com eficácia, novas estratégias de

envolvimento dos operários, tais como bônus de salários vinculados à lucratividade e à

obtenção de metas de qualidade e produtividade. Os sindicatos passaram a reivindicar o

repasse para os operários metalúrgicos dos resultados do aumento da produtividade e

lucratividade. A prioridade dos capitalistas era instaurar um processo de racionalização da

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produção pela adoção da “produção enxuta” (lean production), pré-condição para a adoção do

toyotismo sistêmico.

Por meio do downsizing , algumas empresas adotaram as demissões em massa,

transformando a força de trabalho em descartável, de modo que a tendência à diminuição das

taxas de rotatividade vem convivendo muitas vezes com processos de demissões em massa.

Assim, a destruição de velhos coletivos assalariados e a constituição de um novo e precário

mundo do trabalho tornaram-se pressupostos necessários para o desenvolvimento do

toyotismo sistêmico.

Sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, a busca do toyotismo sistêmico

instaura uma nova era do capital no Brasil. Surgem novos horizontes de valorização e

recuperação da economia brasileira, cuja principal característica é o crescimento dos

investimentos externos diretos. A partir do Plano Real de 1994, os capitalistas encontraram

melhores condições para promover o envolvimento estimulado do operário à lógica da

produção capitalista, através das condições macroeconômicas, tais como redução brusca da

inflação, mas também através das condições sociais e políticas, como o surgimento de um

novo e precário mundo do trabalho e um sindicalismo debilitado em seus aspectos estruturais

e político-ideológicos.

Ocorreu, assim, o crescimento do desemprego estrutural na indústria, debilitando o

poder de barganha sindical. Desenvolveu-se, então, nova cisão no pólo moderno do mercado

de trabalho: por um lado, os operários sobreviventes da nova ordem do capital, os mais

qualificados e os mais organizados, tornaram-se alvos prioritários dos vários mecanismos de

consentimento à nova lógica da parceria com o capital; por outro, os demais, a massa de

operários menos qualificados, instáveis, temporários e subcontratados na borda da cadeia

produtiva, são excluídos da produção enxuta e compõem uma nova exclusão social no Brasil.

Esse novo – e precário – mundo de trabalho passa a exercer um efeito sociopsicológico

perverso sobre a nova classe operária que, sob o signo do medo, vê instigados seus

sentimentos corporativos, debilitando-se a solidariedade de classes e contribuindo para o

desenvolvimento de uma crise do sindicalismo no Brasil em sua dimensão político-ideológica.

A introdução de novas tecnologias e formas de organizar o trabalho no setor produtivo

e nos serviços desmantelaram a tradicional estrutura ocupacional, racionalizando mão-de-obra

e elevando as taxas de desemprego existentes em níveis antes impensáveis. A

desregulamentação do trabalho, a precarização do emprego – flexibilização, terceirização –, o

desemprego, etc., são todos elementos que permitem compreender o enfraquecimento das

organizações sindicais e a crise do sindicalismo

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Na opinião dos observadores e analistas do movimento sindical, a crise do

sindicalismo seria ainda mais forte se não fosse o fenômeno da sindicalização dos grupos

chamados de classe média, notadamente do setor público.

De modo geral, a grande expansão do sindicalismo dos trabalhadores não-manuais, do

setor público e privado, teve início a partir da Segunda Guerra Mundial e se acelerou durante

as décadas de 1960 e 1970. Com isso, a composição da massa de sindicalizados tornou-se

mais heterogênea internamente, enquanto as organizações sindicais tornavam-se mais

diferenciadas do que na época em que os sindicatos representavam quase exclusivamente os

trabalhadores manuais e tinham a sua espinha dorsal no proletariado das grandes indústrias.

Indicadores da crise para as organizações sindicais foram os fracassos relativos ou os

parcos êxitos, conseguidos com muito esforço de luta, na defesa dos interesses dos

trabalhadores, tanto como as dificuldades para transformar em bandeira de luta a alternativa

de uma sociedade diferente no futuro, num marco histórico caracterizado pela derrota das

realidades e utopias do socialismo real. Um outro elemento crítico foi que os professores, em

termos de formas de luta perante os descasos governamentais, chegaram praticamente a uma

situação insustentável. A greve no serviço público tem sido muito criticada pela sociedade,

mas até esta data ninguém inventou nada melhor para protestar e pressionar as autoridades a

atender às reivindicações.

As greves do funcionalismo aprofundaram a visão de desvalorização incentivada pela

mídia pró-governamental. Na verdade, houve deterioração salarial e das condições do

trabalho, e esses tipos de reivindicações deveriam ser colocadas no plano da reivindicação de

direitos cidadãos e bem menos como demandas simplesmente corporativas. Mas é certo que a

política governamental assentada na desvalorização do servidor levou a uma postura reativa e

de acirramento do corporativismo em alguns setores do funcionalismo público.

Assim, num contexto como o atual, caracterizado pela aplicação em maior ou menor

grau de políticas de orientação neoliberal, que restringem o investimento nas políticas

públicas (educação, saúde, habitação), apenas reivindicar por aumentos salariais ou melhorias

nas condições do trabalho leva, em geral, ao desgaste dos trabalhadores que participam das

lutas sindicais ou daqueles mais atuantes que colocam maiores expectativas no poder do

sindicato.

O problema fundamental é a conjuntura histórica atual que parece colocar num

terreno de ambigüidade os propósitos históricos dos sindicatos; conjuntura praticamente

fechada para a atenção das reivindicações dos trabalhadores.

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As reivindicações, sejam elas salariais, sejam de condições do trabalho do professor,

estão sendo pouco ou nada atendidas na atualidade. Por isso, colocar a categoria numa luta em

torno desses aspectos é, para o sindicato, muito complicado, levando-se em conta que as

possibilidades de sucesso são bastante difíceis. Isso leva ao desgaste e geralmente ao

esvaziamento do movimento. Mas, por outro lado, o sindicato tem que agir de algum modo,

tem que levantar e se fazer ouvido das demandas de seus representados e, por isso, opta por

conduzir suas lutas estabelecendo elo entre reivindicação e estratégias de pressão, como as

greves, por exemplo.

Os trabalhadores da educação que preferem que o sindicato leve adiante suas

reivindicações e participam ativamente ou nas decisões do sindicato vivem menos a exaustão

emocional. Mas, nem por isso, estão livres da exaustão, pois a participação no sindicato num

momento como o atual faz maior estrago entre os trabalhadores atuantes na organização.

Qualquer participante, que segue a orientação corporativa pura, ou seja, o que acredita que o

sindicato tem fundamentalmente que reivindicar aqueles aspectos que só interessam à

categoria, sofrerá através desta prática implicações nas relações com seus amigos, família,

colegas da escola, alunos e pais desses alunos.

Dupla jornada, crises ou rupturas dos laços de sustentação emocional, discriminação

no local do trabalho, são situações que acontecem em tempos “normais”, mas o que acontece

quando os conflitos com o Estado se fazem visíveis e começa um período de luta, isto é, um

contexto de greve, o que pode levar ao desgaste emocional na medida em que essa

participação pode criar um campo de tensão psicológica para os trabalhadores. No trabalho,

há um incremento das agressões de parte dos colegas; na família, crises familiares, porque o

trabalhador está dedicado completamente à luta; no sindicato, num contexto de luta sindical,

de paralisação, o sindicato ferve de atividades, notícias, a mídia se transforma em inimigo

contra o qual há que se lutar. Sem dúvida, a participação pode levar ao maior ou menor

desgaste emocional devido à tensão que se cria entre a disposição maior ou menor para lutar

pelos direitos e interesses individuais e coletivos, num contexto de adversidade generalizada.

Mas, num contexto de crise sindical, bem como de desvalorização dos funcionários e

ataque às suas conquistas sociais, tudo isto se torna dramático. Ele quer fazer algo e não ficar

apenas criticando ou lamentando pela situação. Mas ele sabe dos obstáculos, das crises, da

caída do muro, da situação sindical internacional, dos planos do governo para racionalizar o

serviço público, dos embates pela perda da estabilidade, do enfraquecimento das organizações

políticas, enfim ele também participa da luta contra o descaso do projeto neoliberal e busca

integrar-se nas lutas dos trabalhadores, produzindo formas de pressão diversas sobre as

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autoridades em defesa da escola pública e de qualidade para todos e pela utopia de que “um

mundo novo é possível”.

O Fórum Social Mundial (FSM) realizado em janeiro de 2001, em Porto Alegre,

constituiu-se em um momento-chave para o debate e articulação entre movimentos e

organização antiglobalização neoliberal no mundo todo, assim como o Fórum Mundial de

Educação, em outubro de 2001.

Chegado ao fim do ano de 2001, a classe trabalhadora não teve muito que comemorar.

Um balanço sucinto mostra o sofrimento de pesadas derrotas. Capitulou-se em várias

negociações de contratos coletivos: redução da jornada, com redução salarial; perdas

significativas de postos de trabalho em várias categorias profissionais, particularmente na área

das montadoras; eliminação de 97% das vagas abertas no setor industrial, no ano 2000, o que

implicou um aumento do desemprego; os trabalhadores de baixa renda tiveram redução

salarial em torno de 25%, com reajustes abaixo da inflação; a rotatividade da mão-de-obra

implicou salários rebaixados e 8 em cada 10 trabalhadores que perderam seus empregos

tinham salários inferiores a 3 salários mínimos. O governo conseguiu avançar na política do

desmanche nacional. A aprovação pela Câmara Federal do projeto de lei da flexibilização das

leis trabalhistas é negativa para os trabalhadores: perda de vários direitos adquiridos, como é o

caso da estabilidade para os acidentados de trabalho ou dos que contraíram doença

profissional; a divisão das férias conforme os interesses das empresas, entre outros.

Entretanto o 2º FSM, realizado em janeiro de 2002, está servindo de apoio para a

mobilização e um novo espaço de lutas, pois abriu novas perspec tivas para o sindicalismo, na

medida que trouxe para discussão novos elementos de luta contra a ofensiva neoliberal. Entre

estes elementos, destacam-se o reconhecimento de que os movimentos que aconteceram e

acontecem dão aberturas e possibilidades para o sindicalismo internacional, dizer não ao

neoliberalismo e à guerra.

Hoje não é possível fazer movimento sindical sem ser internacional. Os sindicatos

precisam fazer alianças entre trabalhadores do campo e da cidade, tornar os jovens

conscientes das lutas sindicais.

Vinte anos de neoliberalismo produziu para o sindicalismo uma classe trabalhadora

precarizada, baixa da sindicalização, terceirização...; os que estão dentro das fábricas não

conhecem os direitos sociais.

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4.2 PERSPECTIVAS DO SINDICALISMO

A recomposição do capitalismo para sair da crise cíclica, iniciada no final da década

de 1960, enseja um novo modelo de acumulação. O projeto neoliberal coloca o movimento

sindical numa situação de resistência. Mas, mesmo estando ciente que a primeira cois a a fazer

é resistir, há que se ter bem claro que não é possível mais agir com os mesmos métodos, pois

a organização do trabalho está totalmente alterada. É preciso inventar novas formas de

proteção do trabalho que não passe apenas pela luta economicista e corporativa.

Contemporaneamente, o desgaste do projeto neoliberal e a crise de legitimidade de

seus protagonistas não significam que esteja sendo desmontada a arquitetura do poder

mundial.

Na conjuntura internacional, a globalização tem representado desemprego,

instabilidade e insegurança, permitindo o acúmulo de riquezas e o desenvolvimento

tecnológico das grandes empresas, que não se traduz no bem-estar das pessoas. Esta é a

principal contradição que se está vivendo. À exceção dos Estados Unidos, que mantêm

índices decrescentes de desemprego ancorados na oferta de trabalho precário e baixos

salários, o desemprego permanece como principal problema na Europa ocidental, nos países

em desenvolvimento e nas economias em transição.

A crise financeira global e seus impactos sobre a economia real bem demonstram as

tendências negativas da globalização. A produção hoje é especulação, especulação não do

bem-estar. Na América Latina, a ofensiva do grande capital passa pela tentativa de formação

da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA, e pela retomada da intervenção direta do

imperialismo norte -americano, como é o caso do Plano Colômbia.

O que está por trás da ALCA não é integrar o continente para construir seu

desenvolvimento. A propaganda alardeada pelos órgãos de comunicação da elite colonizada é

a de que a integração visa à prosperidade dos países e que o Brasil terá enormes vantagens

com a eliminação progressiva de todas as barreiras impostas à livre circulação de mercadorias

e investimentos entre as nações do continente. O que interessa realmente aos EUA é o

mercado consumidor brasileiro, as grandes estatais que não foram privatizadas e a

biodiversidade amazônica. Caso haja a integração, o Brasil será mais prejudicado que outros

países da América, devido a o porte de sua economia e grau de industrialização.

Os impactos do livre comércio sobre o emprego, a democracia, o meio ambiente, as

mulheres, as populações indígenas, os direitos humanos e tantos outros grupos e dimensões

sociais vêm sendo motivo de mobilizações em nível nacional e internacional. A CUT confere

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prioridade ao tema e vem intervindo nos fóruns nacionais e internacionais, contrapondo à

lógica do livre comércio a exigência do comércio regulado e conjugado com a definição de

políticas nacionais de desenvolvimento sustentável. O movimento sindical internacional

também tem atuado sobre o problema, mas, embora importantes tais iniciativas, ainda são

insuficientes para sensibilizar e conscientizar amplos setores sociais para os efeitos negativos

dos acordos predominantemente comerciais. A iniciativa da CUT de participar da criação de

uma rede de organizações sociais frente ao livre comércio visa a somar esforços com outras

organizações democráticas e representativas da sociedade civil para combater a abertura

irresponsável dos mercados. A aprovação da Declaração Sócio Laboral do Mercosul, em

1999, revela que é possível intervir no curso dos processos de integração.

Se não ocorrer um freamento nas intenções norte-americanas com respeito à América

Latina, os países periféricos da região, com a implantação da ALCA, serão palco da

recolonização sofisticada dos EUA, uma vez que leva os países da América à perda do que

ainda existe de soberania.

O projeto neoliberal desorganiza e empobrece as economias nacionais. A Argentina é

um exemplo. Esse país foi precoce no neoliberalismo e esteve na primeira fileira neoliberal na

década de 1990, tendo aplicado o receituário prescrito. O resultado foi o saqueamento do

patrimônio nacional argentino através das privatizaçõ es, de volumosos recursos terem sido

consumidos com a dívida externa e dos lucros das multinacionais ali instaladas, de terem

imposto ao país a desestruturação de seu mercado de trabalho e de seu sistema de seguridade

social. A exigência que hoje fazem, através do FMI e o governo dos EUA é que a Argentina

cumpra seus compromissos com o capital internacional, e única forma de o governo conseguir

garantir esses recursos é reduzindo os salários de seus trabalhadores e das aposentadorias.

A esse cenário desfavorável, o sindicalismo internacional e os movimentos sociais de

diversas partes do mundo vêm impondo crescente resistência. Entretanto as organizações

sindicais vêm enfrentando grandes dificuldades para se contrapor à globalização dos capitais.

Essas organizações ainda não são capazes de impulsionar campanhas mundiais em favor do

emprego e dos direitos sociais.

Apesar de importantes movimentos sociais nacionais de resistência ao desmanche do

Estado de Bem-Estar ocorrido nos últimos anos, estes não têm sido capazes de constituir um

pólo de articulação e maior irradiação de resistência ao neoliberalismo. A CUT em sua

atuação, no entanto, coloca como uma de suas prioridades o desenvolvimento de ações que

visem ao fortalecimento do sindicalismo internacional.

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Cada vez mais coloca-se como indispensável lutar unificadamente, o que não é fácil,

ante problemas de várias ordens: o referencial é de um trabalho fragmentado; há preconceito

de algumas categorias em relação a outras; o desemprego estrutural obstaculariza uma ação

mais ofensiva; grande parte das lideranças sindicais de todos os níveis está se burocratizando,

tornando-se profissionais do sindicalismo e isto traz acomodação e limita o movimento. É

preciso renovação, mas é fundamental muita formação – vive-se na era do conhecimento –

para que os novos dirigentes consigam responder a contento os desafios.

Um outro aspecto que deve ser abordado quando se fala em rumos do sindicalismo é

sobre a atuação sindical nos governos democráticos e populares. As lideranças têm que fazer

uma profunda reflexão para entender o mundo atual, independente de qualquer governo. Mas

quando se trata de um governo que comunga com um mesmo projeto de sociedade, esta

reflexão tem de ser mais acurada. Um sindicalismo autônomo, independente de partidos

políticos e de governos, é um valor inquestionável, porém, quando governo e categoria

defendem um mesmo projeto de sociedade, o papel e a ação do sindicato não podem ser

idênticas àquela levada a efeito num governo neoliberal.

De qualquer forma, já são visíveis as conseqüências nefastas do projeto neoliberal.

Muito mais cedo do que se esperava, ele está mostrando o seu esgotamento, apesar de sua

hegemonia. No entanto, a partir dos Fórum Social Mundial, o movimento antiglobalização

toma corpo. Um vigoroso movimento de resistência, em nível mundial, está se consolidando e

isto é muito promissor. Começa um novo tempo que ainda não é possível visualizar bem os

seus contornos, o movimento sindical precisa estar muito atento.

O surgimento de blocos comerciais (ALCA, União Européia, Mercosul, etc.) é uma

tentativa de melhorar as condições de barganha no comércio internacional e passa a ser

determinante para que os setores e/ou empresas sobrevivam ou deixem de existir. E se no

meio da ofensiva imperialista formou-se dentro do movimento sindical, em nível mundial,

toda uma corrente que defendia a conciliação e a parceria com setores da patronal com o

objetivo de amenizar a crise dos setores mais carentes da população e se baseava em pactos

sociais e acordos entre as classes sociais. No entanto a violência da ofensiva neolibral e a

ganância dos grandes empresários têm levado esta corrente a uma crise. Crise que leva a

rupturas e reorganizações no movimento operário e conseqüentemente à sua recomposição.

Esta recomposição caracteriza-se pelo declínio de setores burocráticos, atrelados à

conciliação de classes, que buscavam ampliar a competitividade, diminuindo e flexibilizando

direitos dos trabalhadores. No mundo todo surgem novos ativistas e militantes do movimento

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sindical e popular que resistem a esta política e ganham espaço nas organizações de base e

sindicais.

Nessa perspectiva, a CUT deve aproveitar a possibilidade de realizar ações unificadas

entre trabalhadores de vários países e deve buscar a aglutinação de um setor dentro do

movimento sindical internacional que paute a sua intervenção pelo internacionalismo da

classe trabalhadora, a independência de classe e defenda uma ruptura com a ordem atual, se

negando a gerir a crise deste modo de produção.

Enfim, contra a ofensiva neoliberal, a 9ª Plenária Nacional da CUT, realizada em

agosto de 1999, em São Paulo, já indicava que a política internacional da CUT deve fortalecer

as ações que conduzam a solidariedade a todas as lutas de trabalhadores que ocorram,

buscando contatos e estimulando a organização autônoma e independente dos trabalhadores

em nível internacional, seja geral ou de um mesmo setor econômico, ou ainda da empresa

multinacional; propor uma campanha mundial contra o modelo neoliberal, tendo como eixo a

luta pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários e contra a precarização das

condições de trabalho; e priorizar as relações com organizações de outros países que estejam

dispostas a assumir uma perspectiva de luta de independência de classe que negue a parceria

com os patrões e os pactos sociais, combata as privatizações e a flexibilização dos direitos

dos trabalhadores.

Na conjuntura nacional, depara-se com a América Latina e o Brasil que passaram

nos últimos anos por um gigantesco processo de fusões e aquisições de grandes empresas

estatais e de capital nacional pelas empresas multinacionais que atuam nos setores mais

dinâmicos da economia – eletroeletrônica, sistema financeiro, informática, autopeças,

siderurgia, telecomunicações, papel e celulose, comércio varejista, etc. Processo que,

associado à abertura indiscriminada às importações, promoveu a desorganização das cadeias

produtivas mais representativas da economia.

A fuga de capitais e a redução das reservas internacionais criaram forte descrença na

política econômica. Frente à desconfiança da comunidade financeira internacional, a

declaração de moratória da dívida do Estado de Minas Gerais resultou no estopim de nova

crise cambial. Além disso, os resultados das eleições do ano de 1998 não confirmaram todas

as expectativas governamentais com a oposição ganhando no Rio Grande do Sul, Rio de

Janeiro e Minas Gerais.

O governo FHC reagiu à crise alterando a política cambial, desvalorizando a moeda

em relação ao dólar em 40%, mas já alcançou 79,34%. Esse processo de desvalorização

reflete a inconsistência do modelo de ajuste das economias na América Latina e Ásia,

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comandada pelos princípios do “Consenso de Washington”, resultando na submissão dessas

economias a políticas de estabilização ancoradas no dólar, no aprofundamento das

privatizações das empresas estatais e do modelo de eliminação das barreiras à livre circulação

das mercadorias e capitais, principalmente do capital financeiro especulativo.

Para reverter o descontrole da situação, o governo elevou a taxa de juros, editou novo

pacote fiscal com cortes em investimentos nas áreas sociais (educação, saúde, educação

profissional e segurança na geração de emprego e renda), reduziu o Imposto sobre Operações

Financeiras (IOF) e elevou o compulsório sobre os bancos, visando a reduzir a

disponibilidade de recursos para empréstimos dos bancos privados. Somou-se a essas

iniciativas a resposta da base governista no Congresso Nacional, fazendo aprovar todas as

medidas de ajuste fiscal anunciado no final de 1998.

Os compromissos assumidos pelo governo FHC junto ao FMI para garantir

antecipações do programa de socorro da comunidade financeira internacional tiveram a

direção do ajuste neoliberal para enfrentar a crise do capitalismo com novos cortes no

orçamento de 1999 e a ampliação do programa de privatizações. Em 1999, o FMI ainda exigiu

a colocação na agenda do Congresso Nacional da segunda fase do ajuste estrutural,

direcionada a eliminar mais direitos sociais históricos (criando novas e variadas modalidades

de contratação, retirando o preceito semanal da jornada de trabalho, entre outras coisas) com o

objetivo de precarizar ainda mais as condições e relações de trabalho. Nesse quadro, se

inscreve a discussão do artigo 7º da Constituição e a partição da Emenda Constitucional

623/98 em três, com o congelamento do debate sobre organização sindical. Como na

Argentina, os neoliberais preferem flexibilizar os direitos dos trabalhadores sem mexer na

estrutura corporativa.

A conjuntura brasileira evidencia um aprofundamento da crise do modelo político-

econômico implantado na década de 1990 e da legitimidade do governo FHC. A corrupção é a

parte mais visível deste desgaste e faz parte do método de exercício do poder pelas classes

dominantes, de usurpação do Estado pelas elites.

A principal causa da crise econômica nacional é o modelo econômico que subordinou

a economia nacional ao capital financeiro internacional e transformou o país em mero

apêndice das decisões dos especuladores internacionais e do governo norte-americano. Essa

perda de soberania expressa-se, também, no acordo com o governo dos EUA visando à

instalação de uma base militar em Alcântara (MA) ou do SIVAM, o projeto de vigilância

aérea da Amazônia. Quem tem ganho mais com essa política são os setores econômicos e os

grandes bancos, pois o enxugamento de suas carteiras de créditos e a especulação com títulos

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públicos mostram, claramente, que as instituições financeiras foram beneficiadas pela política

de juros altos e pela desvalorização do real.

A crise energética, que revela o descaso do projeto neoliberal com a produção de

condições para uma retomada do desenvolvimento, agrava o problema do desemprego e

repercute para o aprofundamento da recessão.

Nesse quadro de crise, os empresários demitem, pressionam pela flexibilização de

direitos, por mais arrocho salarial e pelo rebaixamento das conquistas nas negociações

coletivas.

Prevê-se, ainda, a busca de novas fontes de receita como é o caso, já anunciado, da

contribuição previdenciária dos aposentados do funcionalismo federal. Outro compromisso

com o FMI, cuja definição pelos senadores, no ano de 2002, foi a apresentação de medidas de

flexibilização de direitos fundamentais inscritos na CLT e na Constituição Federal, trazendo a

ameaça do estabelecimento da supremacia do negociado sobre o legislado.

A reforma trabalhista e sindical de caráter neoliberal, na prática, já está acontecendo,

desde que, de forma unilateral, o governo federal promove, através de medidas

administrativas , legislativas e judiciais, uma redefinição do papel do Estado nas relações de

trabalho, a desregulamentação, a flexibilização de direitos, realizando um verdadeiro cerco à

organização sindical, com demissões de militantes e dirigentes sindicais, multas exorbitantes

aplicadas aos sindicatos e à criminalização do direito de greve.

Novos ataques foram feitos quando o Tribunal Superior do Trabalho, passando por

cima dos estatutos das entidades sindicais, colocou em questão o número de dirigentes

sindicais e de sua estabilidade. Outra medida foi a Portaria nº 1, de 3 de maio de 2001, do

Ministério do Trabalho e Emprego, que estabeleceu um novo modelo de certidão de registro

sindical, válida por 2 anos, para as entidades sindicais organizadas depois de outubro de 1988,

de modo que o Ministério retoma a carta sindical, agora, com prazo determinado (10ª Plenária

Estatutária da CUT/RS, 2001).

Nesse quadro de crise e transformações no campo da economia, da tecnologia, da

organização das empresas, o sindicalismo deve rá aprender a viver nesta sociedade em

processo de rápida transformação derivada de iniciativas que partem das grandes organizações

empresariais e sobre as quais tem escassa capacidade de controle. Se a idéia neoliberal é a

globalização da economia, a idéia dos trabalhadores deve ser globalizar também os

movimentos sociais, constituir um sindicato sócio-político, um sindicalismo transformativo,

que propugne pelo social, político e participativo, justiça social globalizada, base comum para

campanhas, globali zação dos direitos humanos dos trabalhadores, luta pela renda básica,

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desenvolvimento de um programa para construção da cidadania global, justiça social concreta,

mobilização e alternativas globais.

À medida que o mundo neoliberal coloca em perigo a democracia e somente unidos os

trabalhadores e todas as parcelas da população prejudicadas ou excluídas da sociedade devem

juntos lutar contra com um projeto alternativo, só assim um outro mundo será possível.

Mais do que nunca, o futuro da instituição sindical dependerá das opções estratégicas

que as suas lideranças fizerem hoje. Para isso, o sindicato deve continuar sendo combativo e

ter capacidade para interpretar os fenômenos, analisar e, em cima disso, fazer a mobilização.

Buscar alianças, aumentar a participação, promover a unidade do movimento sindical,

organizando os não organizados (trabalhadores informais), para que os direitos sociais

superem as contradições e passem a ser usufruídos por todos.

Um tema que o sindicato deveria encampar com principialidade é a questão ecológica,

pois ele está intrinsecamente ligado ao resgate da humanização que, em última instância, é o

que se busca. A destruição do planeta pelo capital numa busca irrefreada do lucro está no

cerne dos problemas sindicais. Outro tema é a superação da democracia formal e a defesa da

democracia participativa. Só esta permite uma cidadania de fato, ou seja, que vá além do

salário e do emprego. O sindicalismo através da ação cidadã é chamado a tomar seu lugar de

ator para que a democracia se afirme.

Se a mundialização neoliberal descarta o bem comum, requer-se do sindicalismo que

reconheça a necessidade da união das frentes comuns e o funcionamento democrático das

organizações sindicais e dos novos movimentos sociais, com democracia interna e

canalização de objetivos comuns.

O sindicalismo deve cada vez mais ser um sindicalismo cidadão, entendendo a defesa

da cidadania como a defesa dos interesses do conjunto da classe trabalhadora, tanto nos

setores formais da economia, como dos trabalhadores superexplorados do setor informal.

A Força Sindical avançou em sua tarefa de traição aos interesses dos operários.

Deixou explícita sua ligação com vários setores patronais. Além da organização do megashow

do 1º de maio, contando com a colaboração, em dinheiro e prêmios, de grandes empresas

nacionais e estrangeiras, uniu-se aos setores empresariais para combater o IPTU progressivo,

em São Paulo, e deu ampla cobertura aos projetos governamentais, recebendo dinheiro vivo

em troca (Rossi, 2001).

A perspectiva do sindicalismo classista é continuar sendo combativo e avançar na

luta assumindo as contradições. O diálogo estará alicerçado no respeito à liberdade e

autonomia sindical, que é um princípio cutista.

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A CUT, apesar das dificuldades, deu passos significativos no sentido de superar seu

isolamento. Quer participando ativamente de lutas, quer se organizando e participando das

mobilizações para fazer valer os direitos dos trabalhadores. Neste esforço, conta com apoios

importantes no cenário nacional, como a UNE, o MST, a OAB, setores da Igreja e outros.

Como parte integrante de um campo político do qual fazem parte partidos políticos de

esquerda, organizações populares e progressistas, a CUT deve explorar a contradição

crescente entre a estratégia do governo para enfrentar a crise e a perda cada vez maior de

legitimidade do paradigma neoliberal no país.

A CUT assume, em sua plataforma de ação, a formação de um sujeito coletivo, ativo,

pautado na idéia de um sindicalismo de massas, o que supõe o envolvimento dos

trabalhadores nas decisões e em grandes mobilizações.

É fundamental o papel da CUT na ampliação da capacidade de ação do Fórum

Nacional de Lutas (FNL), no aprofundamento das relações e da identidade das entidades que

o compõem. O FNL e Fórum Social Mundial (FSM) poderão se transformar em instrumento

organizativo que contribua para a unidade de ação na base desses movimentos. O papel a ser

exercido pela CUT nessa conjuntura é o de liderar a oposição ao projeto neoliberal

articulando essas várias iniciativas (movimento popular e sindical, de trabalhadoras rurais e

urbanas, dos Sem Terra, etc.). A bandeira do Fora FHC e FMI sintetiza essa visão da

conjuntura e a compreensão de que não há alternativa para os trabalhadores dentro do atual

modelo e que a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras só tem a

ganhar com o fim desse governo (10ª Plenária Estatutária da CUT/RS, 2001).

Todo o movimento sindical de luta está preocupado com a flexibilização dos direitos e

deve se preocupar da mesma forma com a Reforma do Judiciário, que volta à pauta, no

Senado federal.

A flexibilização será definida pelos senadores neste ano de 2002. O Projeto de Lei

5483/01 visa a alterar o artigo 618 da CLT, fazendo com que as negociações coletivas

prevaleçam sobre a legislação (Fraga, 2001). A CUT, a OAB, juízes do Trabalho, CNBB,

políticos e a sociedade devem permanecer mobilizados em torno da votação do projeto no

Senado. Pois, se na Câmara ganharam os banqueiros e os empresários, a sociedade, no

entanto, é contra a defesa da empresa pautada na retirada de direitos dos trabalhadores.

“Temendo não ter forças para mexer na Constituição em final de mandato, FHC

pretende adulterar o que está determinado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”

(Borges, 2001, p. 4). No dizer do ministro Francisco Dornelles esta mudança permitirá que “o

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negociado prevaleça sobre o legislado” (ibidem). Isso não passa de argumentos para esconder

os caminhos destrutivos dos direitos sociais que o governo alcançar.

Pelo artigo 7º da Constituição, o trabalhador tem direito a “gozo de férias anuais

remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”. Mas é a CLT que

define as regras sobre a duração e forma de pagamento. O texto constitucional também

garante a “irredutibilidade do salário, salvo em convenção ou acordo coletivo”. Prevalecendo

o negociado, os salários poderiam ser cortados. No caso do adicional noturno, a sua proporção

é fixada pela legislação infraconstitucional e também poderá sofrer retrocesso. O mesmo

perigo correm a hora extra, o descanso semanal, a licença paternidade, os adicionais por

insalubridade, penosidade e periculosidade, entre outros direitos.

Se o Projeto de Lei 5483/01 for aprovado no Senado, não poderá contrariar a

Constituição e as le gislações previdenciária, tributária e do FGTS, além das regras de saúde e

segurança do trabalhador, mas os direitos regulamentados na CLT, como férias, 13º, adicional

noturno e até os salários poderão ser negociados e até reduzidos. “O governo não sabe

explicar o porquê de apresentar um projeto extremamente pesado e cruel como esse sem abrir

uma discussão junto à sociedade. É uma ofensa aos trabalhadores. Isso me cheira a um grande

negócio”, diz o deputado federal Pedro Celso, do PT/DF (Fraga, 2001, p. 7). O mercado

internacional, leia -se o FMI e o Banco Mundial, credores do Brasil, conforme diz o sociólogo

Giovanni Alves: “...exige uma consolidação legal de uma precarização efetiva que se

caracteriza pelo desmonte paulatino da legislação trabalhista” (ibidem). Essa precarização do

mundo do trabalho parece ser irreversível. O que resta então fazer? Na opinião de Alves,

poder-se-ia procurar outro projeto social que faça com que a economia seja regulada pelos

interesses da classe trabalhadora e, à semelhança da Lei de Responsabilidade Fiscal, que se

apóia no congelamento dos gastos sociais e pune os gestores públicos que gastarem além dos

limites orçamentários, os trabalhadores deveriam lutar pela instituição de uma Lei de

Responsabilidade Social que puna os governos que provoquem o desemprego e façam

aumentar a pobreza e a exclusão social.

“Por que não punir governos que permitam que o nível de vida da classe trabalhadora

caia e que suas condições sociais e de vida se precarizem?” (ibidem). Essa é no momento uma

grande utopia. Mas poderá ser sonho realizável, desde que a CUT consiga a unidade do

movimento sindical e implemente o sindicalismo-cidadão, utilize a mundialização como um

meio para amplificar a solidariedade no Brasil e no mundo. Para isso, é necessário a inserção

no quotidiano dos trabalhadores, de suas famílias, e maior aproximação dos novos

movimentos sociais. Essa é uma outra face do movimento sindical que deve ser assumida pela

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CUT, não importa que a entidade fique “com cara de ONGs”, crítica do sociólogo da USP,

José Pastore (apud Debate Sindical, n. 39, p. 31, 2001), ao projeto cutista para a economia

solidária.

Vicentinho (Vicente Paulo da Silva) aborda essa “outra face do movimento sindical”,

referindo que o crescente desemprego, as transformações no mercado de trabalho e na própria

organização econômica no Brasil e no mundo estão desencadeando um forte processo de

expansão de novas formas de organização do trabalho e da produção. Fala sobre o grande

número de experiências coletivas de trabalho e produção que está se disseminando em todo o

país, sendo exemplos as diversas formas de cooperativas de produção, de serviços, de crédito

e de consumo, associações de produtores, empresas em regime de autogestão, bancos

comunitários e organizações populares, no campo (a luta pela reforma agrária, a corajosa luta

do MST contra o latifúndio e a política agrária e agrícola do governo FHC; e dos pequenos e

médios agricultores prejudicados pela política agrícola) e na cidade (movimento dos sem teto,

dos traba lhadores informais, dos professores, dos estudantes, etc.), que compõem a chamada “

economia solidária”.

Reconhece-se, conforme assinala Vicentinho (ibidem), que o crescente desemprego e a

insuficiência das políticas de geração de emprego levaram trabalha dores a buscar formas

alternativas de trabalho e renda, seja na economia informal (em 1997 já existiam, segundo o

IBGE, mais de 12 milhões de trabalhadores no mercado informal) ou em cooperativas de

diferentes tipos. Para a viabilização desses novos empreendimento, formaram-se organizações

que prestam serviços de assessoria, sendo exemplos as Organizações Não Governamentais

(ONGs) e as Incubadoras de Cooperativas Populares.

Outro exemplo é o Projeto Integrar criado pela Confederação Nacional dos

Metalúrgios da CUT, no ABC paulista, que vem desenvolvendo um trabalho de organização

dos trabalhadores desempregados para a constituição de cooperativas. O Projeto Integrar

apóia os grupos por meio de atividades de formação e discussões sobre o trabalho, tendo

como referência o trabalho coletivo e a economia solidária.

A economia solidária é um setor crescente da economia e da sociedade brasileira e

com grandes possibilidades de expansão. O movimento sindical, as universidades e outras

organizações da sociedade estã o construindo um intenso processo de incentivo e articulação

de um grande número de empreendimentos solidários no país. A própria CUT caminha nessa

direção, realizando intercâmbios nacionais e internacionais para o fortalecimento do projeto.

Bem disse o canadense Caro, ao pronunciar-se no 2º Fórum Social Mundial, “para

avançar na luta precisamos assumir as contradições” e “lutar pelas alternativas”. Na mesma

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ocasião, o francês Christophe Aguitton observou que “é preciso fortalecer os movimentos” e

“batalha r contra o FMI”. Há várias lutas, mas mal organizadas, há barreira física entre os

sindicatos e o Estado, falta representação e democracia.

Os trabalhadores estão reagindo contra a luta de FHC para mudar os rumos do país. A

resistência cresceu com a maior greve do funcionalismo e a campanha salarial unificada,

levada a efeito em 2001. A CUT deve aprofundar sua reação à ofensiva neoliberal e à

globalização, desencadeando uma campanha de denúncia e de condenação, em âmbito

nacional e internacional do governo Fernando Henrique Cardoso, do empresariado e do

Tribunal Superior do Trabalho pelas suas práticas anti-sindicais.

Para que os trabalhadores possam enfrentar de forma geral os patrões e se contrapor à

política implementada pelo governo, é preciso construir uma central que em nível nacional

expresse esta necessidade. Rafaela Bolini, participante da Itália no 2º FSM, trouxe

experiências do Fórum Social de Gênova e observa que “os grandes sindicatos têm

capacidade de falar com os governos e empresários, mas, às vezes, não têm capacidade de

comunicar com a sociedade. Em Gênova, no G8, conseguimos mostrar 300 mil nas ruas e

propriamente não tinha a presença dos sindicatos”. As comunicações é um dos desafios do

sindicalismo brasileiro e mundial, e assim como derrubam fronteira entre os países, e são

desencadeadoras do processo globalizante que beneficia o capitalismo, devem ser utilizadas

pelo sindicato para aproximar os trabalhadores e os populares que lutam isolados nos novos

movimentos sindicais. Segundo Habe rmas (apud Antunes, 2000, p. 161), “caberá à esfera da

linguagem e da razão comunicacional um sentido emancipatório”.

Se as idéias neoliberais estão tirando os direitos sociais, é necessário que os sindicatos

entendam que é preciso se juntar para defender os direitos de todos. Os trabalhadores e os

excluídos socialmente precisam tomar consciência de que os direitos para os quais estão

lutando são globais. Os sindicatos e os movimentos sociais tem que se juntar e pensar um

mundo diferente juntos. “Unificados e organizados (trabalhadores urbanos e rurais,

empregados e desempregados, estudantes, mulheres, índios, negros, sem terra e sem teto,

enfim trabalhadores precarizados e excluídos da sociedade), farão de sua debilidade força

transformadora, com que poderão recriar o mundo, tornando-o mais humano” (Freire, 1982, p.

171). Essa força transformadora é encontrada na união e no diálogo. Uma revolução pode ser

um meio de dominação ou um caminho de libertação.

Freire (idem, p. 149) considera a necessidade da dialogicidade entre uma liderança

revolucionária e as massas oprimidas para que, no processo de busca de sua libertação, tomem

consciência da contradição em que se encontram, como um dos pólos da situação concreta de

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opressão. O diálogo com as massas populares é uma exigência radical de toda revolução

autêntica. Diz ainda o autor:

A verdadeira revolução, cedo ou tarde, tem de inaugurar o diálogo corajoso com as massas. Sua legitimidade está no diálogo com elas, não no engodo, na mentira. Não pode temer as massas, a sua expressividade, a sua participação efetiva no poder. Não pode negá-las. Não pode deixar de prestar-lhes conta. De falar de seus acertos, de seus erros, de seus equívocos, de suas dificuldades. A nossa convicção é a de que, quanto mais cedo comece o diálogo, mais será revolução (ibidem).

Este diálogo, como exigência radical da revolução, ou seja, da mudança de rumo que

se impõe à política neoliberal, das transformações que se quer na sociedade, responde à outra

exigência radical, à dos homens como seres que não podem ser fora da comunicação, pois que

comunicação são práxis, fazer, ação.

A DS entende que a CUT representa a construção dessa central sindical capaz de

contrapor -se à política implementada pelo governo, pois é resultado dos avanços que os

trabalhadores tiveram nos últimos anos, em termos de lutas, mobilização e consciência, de

organização sindical. Igualmente, a DS defende a unidade orgânica do movimento sindical,

uma vez que entende que esta unidade é fundamental para que os sindicatos possam

organizar o conjunto dos trabalhadores que representam na luta por suas reivindicações.

A Alternativa Sindical Socialista (ASS), que surgiu de um acordo político entre

correntes, setores e militantes da esquerda sindical cutista, num período de descenso das lutas

e de impasses no movimento sindical classista, num período de embates com o projeto

neoliberal, e que pretendia ser uma frente de alianças estratégicas entre os setores que a

compunham, não produziu uma identidade política nem um acordo suficiente para aprofundar

a sua construção como corrente orgânica102, sem pique para avançar, teve reconhecido pelos

militantes sindicais da DS o seu esgotamento e a discussão de seus desdobramentos, bem

como a importância de se fortalecer a intervenção sindical em diferentes frentes.

Na concepção deste pesquisador, como cutista e membro atuante do CPERS, o

trabalho sindical de uma corrente da esquerda revolucionária visa ao diálogo político com a

vanguarda ampla dos movimentos da classe trabalhadora e dos novos movimentos sociais.

Trata-se de estabelecer vínculos com militantes para além da própria esfera orgânica dessa

corrente. Disso decorre que a construção de uma central sindical que una todos os

trabalhadores e os vários segmentos excluídos da socie dade deve combinar duas dimensões, o

102 Frente às polêmicas, decidir pelo voto; ter representações definidas coletivamente, etc.

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da identidade restrita (da corrente político-partidária a que se pertence) e o da identidade

ampla (de uma corrente sindical).

Essa compreensão significa que o esgotamento do projeto da ASS deixa de ser para a

ala combativa da CUT e, também, para todos os setores que trabalham com perspectiva

similar, a identidade ampla. Coerente com essa visão constituiu-se uma nova corrente

sindical, CUT Socialista e Democrática, sendo através dessa corrente que os militantes que

se referenciam na DS e aqueles que compartilham uma concepção e uma prática político-

sindical irão atuar no movimento sindical cutista.

Quanto às perspectivas do CPERS, o IV Congresso Estadual da entidade realizado

em dezembro de 2001 sintonizou o debate organizativo com uma análise do período de luta de

classes, ou seja, integrar à agenda organizativa a tarefa de impulsionar as lutas sociais contra o

governo FHC, a globalização e as aspirações de retorno da burguesia neoliberal ao comando

do Rio Grande do Sul. Com isso, abre -se, concretamente, uma perspectiva de vitória do

projeto democrático e popular no país e as tarefas que estão colocadas para a classe

trabalhadora são grandes, acrescida ainda a de imprimir mais uma derrota ao projeto burguês

no Estado e o CPERS deverá ter um papel de protagonista nestes desafios.

Com esta concepção, reafirma-se a disposição de combate ao neoliberalismo, de

defesa do socialismo como alternativa à barbárie neoliberal, de defesa da democracia e da

independência e solidarie dade de classe. Também reafirma o seu compromisso com o

fortalecimento do CPERS, pois entende-se imprescindível para a luta da classe trabalhadora

por uma nação soberana, democrática e com justiça social.

Assim como no plano internacional, no âmbito nacional observa-se uma retomada e

uma ampliação das resistências políticas à globalização neoliberal. As mobilizações dos

servidores públicos federais na luta contra o desmonte do Estado e pela recuperação de suas

perdas salariais, ao se combinarem com as campanhas das demais categorias em luta, podem

estabelecer um novo patamar para a luta dos trabalhadores contra o governo neoliberal de

Fernando Cardoso.

O Rio Grande do Sul, embora tenha conquistado a condição de Estado com melhor

qualidade de vida do país, não escapa das conseqüências do modelo neoliberal. O fato de mais

de dois milhões de gaúchas e gaúchos viverem em situação de indigência comprovam a

incapacidade do neoliberalismo em cumprir as falsas promessas de um mundo de riqueza para

todos. Isto porque o neoliberalismo está associado ao desmonte do Estado, a transferência de

responsabilidades estatais para a esfera de mercado e por planos econômicos que geram o

desemprego e a exclusão social.

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Este foi o quadro vivido aqui no Rio Grande do Sul com o governo Britto: com o

baixo investimento nas áreas sociais; com acordos privilegiados com a FORD e GM, com a

concessão de pedágios, com o Plano de Demissão Voluntária e o abandono de setores

produtivos tradicionais, como o coureiro-calçadista.

Neste cenário, o projeto democrático e popular vence as eleições em 1998. Na

contramaré da vida política e nacional e contra os interesses da classe dominante, de imediato

instala-se o conflito político institucional. São as ações da Assembléia para bloquear projetos

como a Lei de Gestão, a Matriz Tributária e a UERGS, as decisões impeditivas na Justiça na

tentativa de inviabilizar o Orçamento Participativo e o Piso Salarial. É o ataque quotidiano do

monopólio das comunicações à CUT e ao MST. Estes elementos dão conta de que a direita

conservadora, a despeito da derrota sofrida em 1998, preserva muitos e importantes espaços

de poder do Rio Grande do Sul.

Enquanto isso, na base social dos movimentos populares, existem atritos, frutos das

tensões decorrentes de uma aguda e prolongada crise financeira do Estado, como aconteceu

quando da discussão do primeiro projeto de alteração da matriz tributária. A CUT/RS assume

a sua defesa, mas no CPERS escassas foram as discussões nesse sentido, o que acabou sendo

uma vitória para a direita conservadora que, além de ter interesse na manutenção das

distorções tributárias, explorou a falta de unidade no campo adversário. Esta unidade, no

entanto, é condição indispensável para avançar na construção do projeto democrático e

popular, cria as condições para que, mesmo num quadro de crise do Estado, as reivindicações

populares sejam atendidas.

O balanço das últimas décadas mostra uma intensa luta política contra as reformas de

caráter neoliberal e o CPERS foi sujeito desta história. Neste período, a luta dos trabalhadores

em educação transpôs o limite do corporativismo e, através do debate político constante, o

CPERS buscou influenciar a construção de uma sociedade mais justa. Foi assim na luta contra

a ditadura militar, no debate da Constituição de 1998, no impeachment do presente Color de

Mello, nas discussões da LDB e na disputa pelo PNE. Nas resoluções dos seus Congressos, o

Sindicato colocou-se como aliado e sujeito do bloco histórico que luta contra o

neoliberalismo.

As experiências de combinar a luta reivindicativa e a luta geral de transformação da

sociedade marcaram profundamente o CPERS. A garra e a perseverança da militância dos

professores aliada a esta postura garantiram, embora as contínuas conquistas e perdas das

décadas de 1980 e 1990, o fortalecimento do CPERS e sua grande aceitação pela sociedade

gaúcha. Simbolizam bem estas conquistas e perdas: a suspensão dos 2,5 salários mínimos, a

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superposição de níveis que achatou e descaracterizou o Plano de Carreira dos professores e a

aprovação, pela Assembléia Legislativa, do novo Plano do Governo Britto que, praticamente,

extinguia a carreira do magistério. Estas foram marcas dos governos e deputados do PPB,

PMDB, PTB/PFL, PSDB e PDT.

A investida pela retirada de conquistas dos trabalhadores foi orquestrada no país

inteiro e se acentuou nos governos neoliberais. Num grande número de Estados, os

trabalhadores em educação sequer têm um plano de carreira, e a política neoliberal de

demissões, municipalização, mecanismo de privatização de escolas e de institutos de

previdência foram largamente efetivadas.

As discussões na entidade, fortalecidas e legitimadas pelas instâncias da categoria,

construíram uma sólida democracia interna e um acúmulo político, que permitiram enfrentar

com dignidade os governos neoliberais no Rio Grande do Sul e contribuíram, inclusive, para

sua derrota. Isso possibilitou pôr fim a um ciclo crescente de perdas e iniciar um processo de

recuperação e conquistas.

A história de lutas do CPERS, no entanto, exige um olhar rigoroso sobre o atual

momento vivido pela entidade, pois a tradição democrática construída ao longo de décadas

tem sido arranhada. Alguns fatos ocorridos não podem deixar de ser analisados, pois

marcaram o início da degeneração de uma tradição de ma is de 50 anos. O setor majoritário da

direção do CPERS – MES/CST – não se empenhou em negociar com o governo antes e

durante a greve de 2000 e rejeitou propostas no comando de greves sem consulta às bases,

ignorando, literalmente uma proposta salarial que continha avanços em relação à anterior.

Em âmbito geral, a direção do CPERS, não tem capitalizado os avanços obtidos pela

categoria, vacilando diante das pressões e tornando-se cúmplices da retirada de conquistas e

direitos históricos e do esquerdismo. A derrubada do Plano de Carreira do Governo Britto, o

início da recuperação do Plano de Carreira, Plano de Carreira dos Funcionários de Escola,

concursos públicos para professores, contratação de funcionários de escola, o fim da

municipalização da educação e o início da incorporação do abono são conquistas que não

podem passar despercebidas. Para continuar no caminho de conquistas, é necessário resgatar o

método de discussão política, com respeito às diferentes correntes de opinião, em todas as

instâncias da categoria, e, a partir das questões imediatas, contextualizar e ampliar a visão do

sindicato sobre a conjuntura como sujeitos transformadores da sociedade.

Por falta desta visão, os setores majoritários do sindicato não possibilitaram a

participação da categoria em importantes discussões como a da “matriz tributária” que

possibilitaria mudar a estrutura desequilibrada e injusta dos tributos, a qual privilegia os

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setores rentáveis da economia e os grandes empresários. Esta omissão favoreceu a direita no

Estado e na Assembléia Legislativa. Além disso, impediu a abertura do debate da matriz

salarial que buscava a correção nas distorções entre os altos salários, pagos a poucos, e os

baixos salários pagos à maioria do funcionalismo público.

O FSM testemunhou a nova e rica experiência que se está vivendo no Rio Grande do

Sul. Por isso, para garantir uma vida digna aos trabalhadores em educação e, solidariamente, a

todos os trabalhadores, é fundamental retomar as lutas. A força e a mobilização da categoria

sempre estiveram alicerçadas na discussão democrática, com a participação de todos nas

instâncias do CPERS-Sindicato. Também é importante, por outro lado, assegurar uma direção

com esta visão e estes compromissos, demonstrando a responsabilidade profissional e o

compromisso da categoria com os grandes desafios a toda a classe trabalhadora.

Neste período, o CPERS-Sindicato não privilegiou a discussão educacional e a

elaboração de políticas pedagógicas que contribuíssem para repensar a escola atual,

limitando-se a compilar propostas antigas de eixos de um projeto político-pedagógico, sem

aprofundar e incorporar novas discussões, principalmente no que respeita às questões

curriculares, centrais na perspectiva de romper com a exclusão escolar. A escola, na

contemporaneida de, ainda é uma instituição que reproduz a desigualdade e a exclusão que

caracterizam a sociedade. A categoria tem consciência disso e, por essa razão, tem sede de

discussão, já que está comprometida com a construção de uma escola que garanta a

aprendizagem e seja uma instituição multicultural, construtura e reprodutora do conhecimento

científico, haja vista a sua participação em Seminários, nos CONEDs, no Fórum Mundial de

Educação.

Todavia a postura do Sindicato, não possibilitando aos profissionais aprofundar

questões fundamentais num momento de perspectivas importantes para a educação no Rio

Grande do Sul, fez com que parcela da categoria, à revelia das decisões, participasse da

Constituinte Escolar (CE). Era de se esperar que, a partir da decisão de não participar da CE,

uma entidade do porte do CPERS tivesse proposto um fórum de discussão das questões

educacionais. O fato de não oferecer opção à categoria caracteriza bem esta despreocupação

com a definição das políticas educacionais, sem avaliar as mudanças de conjuntura.

A não participação do CPERS nessa discussão, se não inviabilizou a CE, reduziu e

ofuscou os debates que poderiam ter tido uma repercussão e eficácia muito maior e ter, de

fato, produzido uma proposta pedagógica com uma aglutinação e cons istência fundamentais

para dar um salto de qualidade na educação no Estado.

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A trajetória do CPERS-Sindicato, no entanto, é uma caminhada rumo a uma sociedade

mais justa e humana. A partir da defesa de condições de trabalho, escola pública democrática

e de qualidade para todos a entidade construiu mais do que uma pauta de reivindicações;

construiu um referencial de luta para os movimentos que lutam por um outro mundo. Esta

história de protagonismo nos grandes embates políticos no Estado do Rio Grande do Sul e no

país foi rica: debates internos, avanços e recuos, mas, sobretudo, respeito pelas decisões

tomadas nas instâncias de base do sindicato. Foi o que tornou possível a resistência da

entidade mesmo nos períodos mais duros do autoritarismo e do desmando ne stas últimas seis

décadas no Brasil. Olhar para estes fatos e refletir sobre a necessidade de preservar e

aprofundar os processos democráticos no CPERS-Sindicato, é tarefa de todas as correntes

políticas que querem um sindicato forte e combativo.

Uma das questões cruciais para evitar a hesitação do CPERS-Sindicato em momentos

fundamentais é a questão da autonomia sindical e da independência de classe. O sindicato

deve primar por sua autonomia em relação a qualquer iniciativa do seu enquadramento em

amarras institucionais que tentam impor obrigações à entidade. A independência de classe

deve orientar a ação sindical em relação ao Estado e aos outros agentes e instrumentos da

burguesia. Em relação aos agentes do bloco histórico onde se situam os trabalhadores e as

trabalhadoras e suas organizações, o sindicato deve ter uma postura de autonomia e

independência intra -classe, preservando uma ação política e uma programática, que, sem

atrelamentos e adesismos, saiba fazer a defesa de pontos -chave para o acúmulo de forças e o

aumento da consciência social para o atendimento dos interesses imediatos e históricos da

classe trabalhadora.

O CPERS-Sindicato precisa retomar o seu protagonismo político, sem abrir mão das

reivindicações da categoria e dos métodos de pressão legítimos para alcançar os objetivos

salariais, funcionais e educacionais. A entidade precisa estar à frente dos movimentos em

defesa de um programa para a classe trabalhadora e que desenvolva o Estado com inclusão

social. Para , é necessária a unidade no campo da CUT. Defende-se a convenção cutista para

definir o programa, a composição e o plano de lutas para a direção da entidade, só assim serão

construídas as condições necessárias para um período de avanço nas conquistas do CPERS-

Sindicato e do conjunto da classe trabalhadora.

Não é diferente o balanço e as conclusões alcançadas na Confederação Nacional de

Trabalhadores da Educação (CNTE) durante o XXVIII Congresso Nacional dos

Trabalhadores em Educação, realizado em janeiro de 2002, em Blumenau-SC. Reconheceu-se

que o momento é de consolidação dos movimentos iniciados desde meados dos anos de 1990:

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o levante zapatista no México de 1994; as greves na França, em dezembro de 1995; e a

Marcha Européia contra o Desemprego em 1996.

Na conjuntura internacional, vive-se uma transição contraditória. Vale repetir, o

desgaste do modelo neoliberal e a crise de legitimidade de seus protagonistas não significam

que esteja sendo desmontada a arquitetura do poder mundial. O cenário internacional tem dois

elementos dominantes na atualidade: as Forças Armadas dos EUA e o dólar. Estes fazem da

maior potência industrial do pós-guerra a maior potência rentista do planeta, a partir da

década de 1990.

O governo americano impõe sua política através de acordos e convênios de

cooperação intermediados pelo FMI e pelo BIRD. Na América Latina, a ofensiva do grande

capital passa pela tentativa de formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)

que representa a redução das já precárias formas de regulação comercial nos países latino-

americanos e a conseqüente recolonização econômica; e pela retomada da intervenção direta

do imperialismo norte -americano, como é o caso do Plano Colômbia, que tem sido um dos

caminhos para a intervenção física dos Estados Unidos no território latino-americano, no

intuito de dominar as bacias hidrográficas, florestas tropicais e jazidas minerais da Amazônia.

Nesse processo de crescimento contraditório de hegemonia financeira e militar norte-

americana sobre os destinos das nações alinhadas, se contrapõ em focos de resistências

regionais. De um lado, reforçam-se as críticas européias à regulação dos EUA baseada na

supremacia do dólar, no rentismo especulativo e na força militar. De outro, se estabeleceram

os ativistas do Islã médio -oriental. Ao elegerem os EUA como seu principal inimigo, algumas

lideranças religiosas do oriente Médio souberam aproveitar dos treinamentos e dos recursos

reciclados na ciranda financeira internacional, bem como dos financiamentos a fundo perdido

para a guerra contra a extinta União Soviética e outras nações vizinhas, preparando-se para o

ataque terrorista que culminou na derrubada das duas torres do World Trade Center e sobre o

Pentágono, no dia 11 de setembro de 2001.

De lá para cá, o mundo vive sob expectativas quanto ao des tino da regulação norte-

americana sobre os mercados internacionais. Entretanto, no âmbito político, acirram-se as

tensões internacionais à medida que os EUA começam a pressionar nações alinhadas para

guerra e, internamente, iniciam uma série de ataques sobre os direitos civis dos cidadãos

norte-americanos e estrangeiros. O controle estatal retoma sua histórica trajetória,

contrariando todas as ideologias das últimas décadas de reinado do neoliberalismo pelo

mundo.

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No âmbito nacional, vive-se crise e resistência. O governo FHC passa por um de seus

piores momentos. Os escândalos de Brasília e a crise energética colocam ainda mais lenha na

fogueira da crise econômica num momento em que acirram as disputas pré-eleitorais para

2002. Os confrontos entre Antônio Carlos Magalhões (PFL/BA) e Jader Barbalho

(PMDB/PA) desnudaram os esquemas de corrupção na base de sustentação política do

governo Fernando Cardoso, demonstrando a conivência do presidente com a roubalheira de

recursos públicos de norte a sul do país.

Enquanto isso, a política econômica no Brasil continua subordinada aos interesses

externos controlados pelo governo norte-americano e agenciados pelo FMI e pelo BIRD. A

armadilha financeira, intensificada com o Plano Real, agora mostra sua face mais rude.

Mesmo com a desvalorização do real, as exportações brasileiras são insuficientes para

produzir grande superavit na Balança Comercial, continuando este insuficiente para cobrir os

rombos causados pelo pagamento de juros da dívida externa e pela crescente remessa de

lucros e dividendos para o exterior e as empresas brasileiras vão sendo vendidas para

empresas multinacionais estrangeiras.

Enquanto o país fica sem as empresas privatizadas, a população brasileira é forçada a

pagar mais impostos para bancar a especulação internacional. Este círculo vicioso, que se

retro-alimenta na ciranda financeira, traz como conseqüência o sucateamento do parque

industrial, pois, enquanto as empresas preferem emprestar seus lucros ao Banco Central, em

vez de investirem na ampliação de suas unidades ou na criação de novas plantas industriais,

milhões de pessoas ficam desempregadas, sem comer e sem onde morar, as cidades

continuam inchando num país que paga uma grande soma de impostos aos banqueiros

internacionais, mas não promove uma política agrária que permita a manutenção da vida no

campo, com dignidade.

Com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), exigência dos acordos com o FMI,

aprofundam-se as pressões no serviço público, com demissões, arrocho salarial, instabilidade

e quebra da proteção social.

Nesse quadro de crise, os empresários demitem, pressionam pela flexibilização de

direitos, por mais arrocho salarial e pelo rebaixamento de conquistas.

O ataque aos direitos sociais vem através de uma combinação perversa entre restrições

dos investimentos federais nas políticas públicas e do sufoco provocado pela LRF aos Estados

e Municípios, cujo principal objetivo é garantir o pagamento do serviço da dívida. A retomada

das privatizações já está em marcha (Correios, setor elétrico). Mas, assim como no âmbito

internacional, no âmbito nacional observa-se a retomada das resistências políticas à

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globalização neoliberal. O resultado das eleições municipais revelaram a insatisfação popular

com o projeto neoliberal e o governo FHC e revelam um cenário mais favorável para a

disputa de projetos na sociedade brasileira.

Na luta pela reforma agrária, a luta do MST contra o latifúndio e a política agrária e

agrícola do governo FHC vêm acompanhada da construção de experiências de auto-

organização da produção e trazem elementos importantes para um debate estratégico. O Grito

da Terra, coordenado pela CONTAG e com a participação de diferentes organizações e

entidades, expressa a indignação e as propostas alternativas dos trabalhadores para o campo.

O sucesso da Marcha Mundial de mulheres representa uma possibilidade de

fortalecimento da ação feminista e anticapitalista na luta pela igualdade, justiça, distribuição

de renda e poder. Os eixos de luta contra a pobreza e a violência sexista revelaram seu

potenc ial para juntar o movimento de mulheres, o movimento popular e sindical.

As mobilizações de greves nas redes estaduais e municipais de ensino básico e as dos

servidores públicos federais na luta contra o desmonte do Estado e pela recuperação de suas

perdas salariais combinadas com as campanhas das demais categorias que estiveram em luta

no segundo semestre de 2001 podem estabelecer um novo patamar para a luta dos

trabalhadores contra o governo neoliberal de FHC.

Nesse contexto, fica claro que a disputa de rumos do país está aberta e que as

condições para a vitória de um projeto democrático e popular estão muito favoráveis. Uma

das evidências é a busca de alternativas com vistas às eleições de 2002 dentro do próprio

bloco governante; pré-candidatos buscam se apresentar em oposição ao que seria o “núcleo

duro” do governo FHC (Pedro Malan e José Serra). A Força Sindical, central sindical

neoliberal, transita entre um governismo servil e o apoio a um dos candidatos alternativos de

bloco dominante.

Os ataques que a classe trabalhadora vem sofrendo devido à implementação do

receituário neoliberal colocam os sindicatos, de forma geral, num momento de grandes

dificuldades. Para reduzir os impactos deste processo, em alguns municípios os trabalhadores

municipais se organizaram nos sindicatos estaduais. Onde isto não aconteceu, a organização

sindical é extremamente precária e até mesmo inexistente.

No entanto, as alterações estruturais ocorridas na educação, especialmente a partir da

promulgação da LDB e da lei do Fundef tendem a generalizar a fragmentação da educação e,

por conseguinte, da organização sindical. Por isso, impõem-se o desafio de buscar a

unificação de todos os trabalhadores em educação – estaduais e municipais.

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Esta consolidação, entretanto, depende da priorização das ações unificadas ou

articuladas e de uma aproximação maior entre os próprios sindicatos, por isso, onde for

possível, é importante que se busque a unificação a partir da construção do sindicato único.

Nestes três últimos anos de atuação da CNTE, a Alternativa Sindical Socialista se fez

presente contribuindo de forma propositiva e participativa, possível e permitida, na construção

deste período de vida da CNTE. Mas, para fazer a CNTE cada vez mais forte e democrática

na defesa da educação e na representação dos trabalhadores em educação, é preciso criar

instrumentos que permitam dividir o grau de responsabilidade entre as forças eleitas para

dirigir a CNTE, radicalizando a democracia através da proporcionalidade qualificada.

Por fim, coloca-se que, do ponto de vista do plano de lutas, tanto a CUT como CNTE

e o CPERS defendem ações para o avanço nas suas conquistas e de um projeto histórico para

o conjunto da classe trabalhadora.

Enquanto as lutas cutistas nacionais definem-se em torno do avanço para a formação

de instâncias nacionais (sindicatos nacionais, confederações ou federações nacionais que

unifiquem nacionalmente a luta das categorias; instâncias intermediárias para superar a

fragmentação, formação de sindicatos por ramos de atividades de abrangência territorial

maior que um município – podendo chegar a estadual ou nacional de acordo com a decisão

dos trabalhadores; organização do sindicato da CUT por local de trabalho (para complementar

a organização autônoma e unitária dos trabalhadores e servir para que os cutistas disputem a

hegemonia dentro das empresas); aprofundar a democracia das assembléias, adotando

instrumentos como plebiscitos, e combater a ausência do debate político; contra o pacto

neoliberal de FHC/FMI, realizando encontros em defesa do movimento sindical e das

conquistas sociais; construção de um amplo movimento em defesa do movimento sindical e

dos direitos trabalhistas com as demais centrais, entidades independentes, confederações,

parlamentares no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas; realizar uma ampla

denúncia das medidas do pacote trabalhista sindical (imprensa, jornal, cartilhas, boletins, etc.)

desmascarando seu caráter anti-social e antidemocrático; desenvolver atos políticos unitários,

envolvendo amplos setores da sociedade, manifestações de rua, denunciando o desemprego e

a recessão, criando condições para a construção de uma greve geral contra a política de FHC e

do FMI; construir na prática uma nova organização sindical, uma central sindical em nível

nacional, e, a partir da unidade, organizar o conjunto dos trabalhadores, mobilizar e

conscientizar para a luta por suas reivindicações, o fortalecimento da CUT, da solidariedade

classista, da democracia nas entidades e das eleições sindicais.

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No plano estadual, é fundamental para a CUT/RS, articulada com os demais Estados

e/ou países, intensificar cada vez mais a luta contra o projeto neoliberal do governo FHC e do

FMI e, ao mesmo tempo, buscando alternativas para o fortalecimento da classe trabalhadora

como um todo. Nesse sentido, defende -se a participação nos Fórum Social Mundial,

entendendo estes como um grande momento de articular o combate à ALCA; luta contra as

privatizações e defesa do serviço público; disputa com a Força Sindical; agricultura fa miliar;

campanha salarial unificada; campanha de sindicalização articulada; busca de alternativas de

emprego e renda; eleições 2002; inserção no quotidiano do povo, conscientizando-o com

palavras e fatos sobre a falsa realidade neoliberal, e criar novas realidades, humanizadas, e um

sujeito social livre capaz de superar os engodos do capital e interessado na construção do

socialismo.

Quanto à CNTE, propõe lutas gerais: pela anulação das dívidas interna e externa e das

reparações das dívidas históricas, sociais e ecológicas; pela cessão da interferência do FMI e

BIRD nas políticas públicas internas de cada Estado-Nação; pela ampliação da reforma

agrária e pela retomada da política de redistribuição de riquezas nos países da América Latina

e outras regiões equivalentes do globo; contra a ALCA por esta representar a redução das

precárias formas de regulação comercial nos países latino-americanos; contra as cláusulas dos

acordos da OMC que impedem a formação de barreiras alfandegárias; contra o Plano

Colômbia por ser um caminho para a intervenção dos EUA sobre o território latino-

americano; contra o embargo econômico a Cuba, defendendo a soberania nacional e a

solidariedade internacionalista.

A CNTE luta também em defesa da escola pública, contra os vetos do PNE e em

defesa do PNE construído democraticamente a partir do II CONED; pela ampla discussão na

categoria e na sociedade sobre reformulação curricular a fim de construir uma escola

includente e sintonizada com as demandas globais; reedição anual da Semana e da Marcha em

Defesa e Promoção da Educação Pública; trabalho de conscientização na comunidade escolar

sobre o significado da Campanha “Amigos da Escola”, mostrando que a mesma faz parte do

processo de desmonte da escola pública.

No Rio Grande do Sul, as lutas gerais do CPERS-Sindicato são pela participação

massiva e organização nos Fórum Social Mundial; pelo engajamento na construção do

Tribunal da Dívida Externa durante o FSM; organização de um grande plebiscito continental

contra a ALCA em setembro de 2002; contra a intervenção imperialista dos Estados Unidos

na parte mais ao sul do continente através do Plano Colômbia e da ALCA; contra o arrocho

salarial, o desemprego, a precarização e a flexibilização das relações de trabalho; a defesa e a

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prática da ple na liberdade e autonomia sindical e da democracia interna nos sindicatos e na

CUT; e contra a subtração de direitos sociais e trabalhistas.

Para finalizar, como perspectivas sindical e políticas permanentes, para a construção

da CNTE solidária com independência de classe e pela base, a Confederação propõe às

entidades a reedição da Marcha dos “Sem” em defesa do emprego, salário, terra e moradia;

defesa da liberdade irrestrita para organização de base (grêmio de alunos, de professores,

associação de pais); pluralismo na organização das atividades de formação política com a

representação das diversas correntes de opinião existentes na base; organização com suas

afiliadas de seminários nacional, regional, estadual e municipal para tratar de temas sobre

aposentados/as; lutar por políticas afirmativas de gênero e raça; ampliar e consolidar a

organização das mulheres na organização de base e em nível nacional; lutar pela inclusão dos

funcionários de escola como profissionais de educação em todos os textos legais que

embasam a organização do sistema educacional; transformar o Departamento Nacional de

Funcionários da CNTE em Secretaria de Funcionários; Implementar a proporcionalidade

qualificada como forma de radicalizar a democracia interna na CNTE; e eleições gerais 2002.

Portanto o movimento sindical brasileiro está chamado a desempenhar um papel

bastante diferente daquele que teve a partir de 1978 e no início da década de 1980.

Naquela época, foi o momento de rompimento com o velho sindicalismo

pelego/conciliador. Foi a época de desafiar e enfrentar a ditadura militar. Foi o lançamento

das bases do sindicalismo que se expressa hoje na CUT.

Hoje o movimento sindical logicamente precisa manter o tom reivindicatório e

oposicionista. Afinal isso representa a própria natureza da organização sindical. Mas precisa-

se ter claro que isso, isoladamente, não responde mais às questões e aos dilemas que a classe

trabalhadora tem diante de si.

O sindicalismo precisa existir como sujeito social que luta, mas luta pensando que é

capaz de conversar e sempre que reúne senta às mesas de negociação com os mais

surpreendentes adversários, sem medo de ser tragado ou perder a identidade pelo simples fato

de conversar.

Um sindicato que, mesmo sendo expressão de uma categoria, não deve e não pode

limitar-se às estreitas fronteiras da própria categoria.

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CONCLUSÃO

A história do sindicalismo iniciou-se no século XVIII, e, foi marcada pelo surgimento do

capitalismo e da sociedade industrial. Os estudos empreendidos, evidenciam que as primeiras

experiências dos camponeses urbanos foram desenvolvidas na Europa no século XII, quando no

âmbito do senhorio efetua-se a organização da produção e a extorsão do sobretabalho, do qual se

beneficia o detentor das prerrogativas políticas e jurisdicionais.

A primeira etapa da marcha do capitalismo caracterizou-se pela pilhagem colonial levada a

efeito na América. Paralelo ao surgimento do capitalismo, a classe dos comerciantes realizava o

lucro do sobretrabalho. Firmam-se, então, as duas formas principais de acumulação: a estatal e a

burguesa. Os populares descontentes fazem reivindicações, dando surgimento às primeiras

aspirações modernas, resumidas nas palavras democracia parlamentar, liberdade e propriedade.

Em meados do século XVII, ante a miséria camponesa, toma-se consciência da

interdependência das atividades num sistema mercantil generalizado. Reclama-se a liberdade de

preços e a liberdade do comércio exterior. O principal modo de extorsão de sobretrabalho nas

formações européias é de natureza “tributária”.

O século XVIII, o século das luzes, era também o século da produção mercantil, agrícola

ou manufatureira, multiplicam-se as riquezas e agrava-se a pobreza. Fortalece-se o capitalismo

inglês e a proletarização das massas. Acentuam-se as contradições vinculadas ao capitalismo e a

burguesia na França faz a revolução de 1789 apoiando-se no descontentamento do camponês e no

movimento popular, enquanto na Inglaterra os intercâmbios mercantis e os limites da produção

manufatureira dão início à revolução industrial.

A economia política e o liberalismo progridem. Surgem os fisiocratas e a exaltação do

papel econômico dos proprietários fundiários. David Hume enfatiza a lógica liberal e Adam Smith

expõe a tese da “mão invisível” em defesa do capital.

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O século XVIII com a fábrica vê o capitalismo se introduzir como modo de produção e

feito com base na acumulação de riquezas vindas do sobretrabalho camponês e da sobreexploração

colonial. Expande-se o trabalho assalariado e as lutas operárias se multiplicam. Os trabalhadores

descobrem a luta revolucionária, unem-se e organizam-se, para defenderem-se da exploração

capitalista. Assim surgem as primeiras organizações de trabalhadores, combatidas pela burguesia e

o Estado.

No século XIX o liberalismo é a doutrina dominante, traz na sua essência a defesa da

liberdade (do capital) e da propriedade privada. O sindicato era uma anomalia e a greve trazia

riscos à liberdade. Estão formadas as condições para todas as lutas operárias que se seguiram e para

a afirmação do sindicalismo nacional e internacional.

A Revolução Industrial, introduz e amplia a lógica capitalista de produção: exploração

crescente de trabalhadores e produção de massa, acumulação de riquezas de alguns e ampliação da

miséria em geral. Essas contradições são traduzidas em críticas e confrontos ideológicos.

Denuncia-se a desigualdade, a exploração do trabalho e os ricos que dela se beneficiam. A lógica

social dessa exploração é posta a descoberto. A visão liberal e a visão fundamentada na

organização da sociedade garantem a felicidade de todos: estas são as bases ideológicas do

pensamento econômico dos séculos XIX e XX e sintetizam que produzir é aumentar a utilidade,

dos “fatores da produção”: trabalho, capital e terra.

O movimento operário amadurece em face à miséria, à fome, ao abaixamento do salário, ao

alargamento da jornada de trabalho e ao endurecimento do regulamento de trabalho. Os artesãos-

operários reagem e criam sociedades de auxílio, mutuais, cooperativas. A República na França,

reconhece o direito ao trabalho, mas é com o reconhecimento do direito de greve, em 1864, que o

sindicalismo conhece seu primeiro impulso. Sindicalistas de várias nacionalidades criam em

Londres a Associação Internacional dos Trabalhadores que abre e concretiza a nova dimensão do

movimento operário: o internacionalismo. A luta e a organização sindical espalhou-se por toda a

Inglaterra e disseminou-se pela Europa e pelo mundo inteiro. A organização política-partidária dos

trabalhadores atuava como uma força de apoio e, a centralização no partido permitia que os

trabalhadores enfrentassem o aparelho estatal. As leis do Estado, não conseguiam evitar a

organização dos trabalhadores.

A Trade Union Congress (criada na Inglaterra, em 1868) é a primeira confederação

sindical nacional. Aglutina várias associações regionais e apresenta como característica congressos

anuais, fóruns de debates e uma estrutura sindical descentralizada, com peso nos sindicatos e nos

locais de trabalho. Logo as uniões sindicais disseminaram-se nos demais países, tendo em vista que

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a indústria capitalista do século XIX, desenvolvia-se com base na dura exploração das massas

operárias, em todos os países da Europa e da América.

A desumana exploração mediante a remuneração por peça, joga as massas trabalhadoras na

miséria e traz como resposta os avanços do movimento sindical e da legislação social nacional.

Portanto, o sindicalismo surgiu e ganhou expressividade no mundo, sobretudo, para fazer frente à

exploração capitalista e melhorar as relações entre capital e trabalho.

Na América, os movimentos sociais deixaram um legado importante para os trabalhadores

do continente. O sindicalismo mexicano, mais assemelhado ao sindicalismo sul-americano, como o

brasileiro, foi construído ao longo do período revoluc ionário (1910/1920) e ganha impulso com

Cárdenas (1934-1940). O cardenismo, configurou uma resposta política nacionalista com

características populistas e determinado pela Revolução Mexicana. A partir de 1986, no entanto,

com a queda dos preços do petróleo no mercado internacional, o México começou a viver o início

da reestruturação produtiva e reorganização sindical.

Os sindicatos da América Latina, principalmente dos países do sul do continente, se viram

confrontados com problemas idênticos e o desafio de encontrar novas formas de superar a estreita

visão nacional que haviam herdado. No caso brasileiro, a organização dos trabalhadores é distinta

da Europa e do restante da América, constituiu-se como associação mutualista.

A luta dos operários no Brasil em busca de organização e equilíbrio na relação capital e

trabalho, de 1889 à década de 1990, passou por várias fases. O Decreto-Lei 19.770/31 criou

condições para que, pouco a pouco, se consolidasse a estrutura sindical brasileira, subordinada ao

Estado, a dos sindicalistas “pelegos”. O Estado forja um movimento sindical sem movimento,

buscando as lutas e conquistas da classe trabalhadora. Os trabalhadores resistem ao controle

sindical do Estado, e entre 1930 e 1935 efetiva-se o confronto entre o sindicalismo independente e

o atrelado. Os sindicatos que resistiram à tentativa de tutela do governo, sofreram a intensa

repressão policial levada a efeito contra o sindicalismo, e viram destruida por completo a

organização independente e estabelecida a hegemonia dos sindicatos oficiais e da burocracia

sindical sobre os trabalhadores.

Logo, a Consolidação das Leis Trabalhistas proibiu a sindicalização dos funcionários

públicos, mas a resistência dos trabalhadores cresceu com a criação da Justiça do Trabalho, embora

ela intensificasse a presença do Estado no condicionamento da relação capital e trabalho, a favor

das classes dominantes. O controle dos sindicatos foi uma conseqüência da estrutura sindical

montada. O Estado impôs um estatuto padrão, controlou o processo eleitoral, as finanças do

sindicato e os próprios recursos financeiros. Essa estrutura sindical, tem sido o espaço do

sindicalismo de Estado.

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O período de 1945 até 1964 caracterizou-se pela ascensão das lutas dos trabalhadores. Em

1946 foi criada a CGTB, como resposta à fragmentação do movimento sindical e à proibição dos

sindicalistas terem uma representação central forte. Muitos dos sindicalistas romperam com o

trabalho de massas e foram para organizações paralelas (CISG, PUI, PUA, CGT). Os pelegos se

aproveitaram disso e se fortificaram. Essa fase se caracteriza pelo sindicalismo populista, uma

forma de organização inacabada porque estatista.

De 1964 a 1978 surgiu o sindicalismo populista e burocrático, que lutava pelas reformas de

base, mas foi atingido pela repressão dos militares e abolição da lei de greve. A partir de então, os

sindicatos passaram a participar da renovação dos acordos salariais coletivos, mas faltava

organização nos locais de trabalho. A dimensão e profundidade da penetração da ideologia

populista nas classes trabalhadoras é entrevista nas duas modalidades de greves típicas desse

sindicalismo: a greve de adesão passiva e a greve demonstrativa à guisa de súplica. O movimento

sindical voltou a articular-se através de greves localizadas e os Sindicatos dos Metalúrgicos de São

Bernardo e Diadema procuraram superar seu distanciamento da base, moldando uma linha de

resistência coletiva alterando as relações de trabalho nas empresas, tornando-se referência para o

conjunto do país.

As lutas dos trabalhadores, a partir das greves do ABC paulista, em 1978 e 1979, se

estenderam para todo o país. A organização sindical foi revolucionada e tem intensa participação

dos trabalhadores. Os funcionários públicos e os professores também são influenciados pela nova

conjuntura, constroem as suas entidades de classe, estando o CPERS entre esses movimentos.

De 1978 a 1990, o sindicalismo combativo abriu um novo período no desenvolvimento do

movimento operário brasileiro, considerado o mais importante de sua história, recebeu a

denominação de novo sindicalismo brasileiro. Na década de 1980, esse sindicalismo viveu sua

expansão em meio aos assalariados médios e aos setores de serviços, nasceram as centrais sindicais

e os avanços nas tentativas de organização nos locais de trabalho e na luta pela autonomia e

liberdade dos sindicatos em relação ao Estado. Dentro do sindicalismo brasileiro, neste período,

despontaram duas correntes: uma delas, surgida entre os metalúrgicos do ABC paulista,

reivindicou mudanças na legislação trabalhista e na política salarial. Essa corrente, a do novo

sindicalismo ou sindicalismo autêntico deu origem à CUT. A outra corrente, a Unidade Sindical,

lutava também por mudanças na CLT, mas não via na legislação vigente um entrave para um

sindicalismo forte e organizado.

Na década de 1990, com a entrada do Brasil em processo de reforma econômica e de

redefinição das funções e estrutura do Estado, o sindicalismo entra em crise, já não se caracteriza

somente pela mobilização em torno das negociações de data-base, dos reajustes salariais e das

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greves massivas de categorias. O papel do sindicato foi sendo redefinido pelo surgimento de uma

nova agenda de questões, como desemprego, participação nos lucros e resultados, remuneração

variável, produtividade, flexibilização das normas reguladoras das relações capital-trabalho,

reestruturação das empresas e dos setores, reforma do Estado, privatização, redução e

flexibilização da jornada de trabalho, abertura da economia, integração regional, questões de

gênero, trabalho infantil, reforma agrária, entre outras. Evidencia -se, também, um avanço de ação,

com maior participação no espaço das políticas públicas.

A CUT luta para avançar na elaboração de uma proposta de uma nova estrutura sindical,

voltada para a ampla democracia; um sindicato classista e de luta; a mais ampla liberdade e

autonomia sindical; organização sindical por ramo de atividade produtiva, desde os locais de

trabalho até a Central Sindical, seu órgão máximo; sindicalização de todos os trabalhadores

visando ao fortalecimento da luta, da organização e da autonomia financeira; e unidade sindical,

pela base. Entretanto a legislação imposta à época de Getúlio Vargas, que organizou os sindicatos

por categorias profissionais, manteve uma estrutura vert ical, dificulta a organização dos

trabalhadores no local de trabalho, pois a estrutura sindical ainda é definida pela CLT, embora a

Constituição de 1988 consagre o princípio da liberdade e autonomia sindical, não permitindo a

organização entre sindicatos de diversas categorias. O sindicalismo de Estado apresentado, é a

forma organizativa oficial, sendo que a maioria dos sindicalistas e trabalhadores associou esse

estatismo ao reformismo, buscando na implementação de reformas, melhores condições de

trabalho e de vida.

Esse regime suprime a liberdade sindical, na medida em que, concede privilégios à

atividade sindical desenvolvida no interior do sindicato oficial, gera um aparelho sindical separado

dos trabalhadores, porque dependente do poder do Estado, e por isso considerado governista e

defensivo.

A CUT não tem uma posição clara e consistente contra a estrutura sindical. As correntes

sindicais mais poderosas que integram a CUT lutaram, fundamentalmente, contra esse modelo

ditatorial de gestão do aparelho sindical de Estado. Nada do que os petistas propõem, pode ser

obtido sem a destruição do sindicato de Estado.

O esgotamento dos modelos estatizantes e a crise mundial de 1973 recolocaram o

neoliberalismo como a grande saída para o progresso da humanidade, embora destruidor das

conquistas sociais. No Brasil, na década de 1980, com o colapso do socialismo real no Leste

Europeu, o liberalismo embalado de neoliberalismo voltou à cena política, e, procura, assumir a

hegemonia à custa da destruição dos direitos do trabalhador, pressionando por mudanças no texto

constitucional. Contra essas mudanças orientam-se hoje, as grandes lutas do PT e da CUT, já que

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fazem o corte generalizado dos direitos trabalhistas, privatização da previdência e da saúde e maior

enfraquecimento da negociação e contratação coletivas do trabalho.

O neoliberalismo no Brasil tem ganho espaço, também, devido a existência de uma

burocracia sindical neoliberal – a Força Sindical – que vem apoiando as propostas governamentais,

como a reforma administrativa e o fim da estabilidade dos servidores. A implantação do

neoliberalismo no Brasil se encontra numa fase avançada. Os governos Fernando Collor e

Fernando Henrique Cardoso, adotaram uma ampla abertura comercial; desregulamentação dos

fluxos financeiros; privatização do patrimônio público; reforma administrativa e ameaça com a

retirada dos direitos trabalhistas e previdenciários. E mais que isso, uma segunda geração das

reformas liberais já está sendo preparada, focalizando reforma da previdência, da administração do

Estado e tributária. Diante dessa situação, não resta alternativa às forças de esquerda senão a da

resistência. É nas questões relativas ao emprego, ao contrato de trabalho e aos direitos sociais que o

neoliberalismo vem demonstrando o seu significado mais perverso e onde vem encontrando as

maiores reações populares.

Os governos neoliberais no Brasil da década de 1990, ensaiam modalidades de

desconcentração industrial e buscam novos padrões de gestão da força de trabalho. O toyotismo

penetra, se mescla ou substitui o padrão taylorismo-fordismo. Os sindicatos abandonam o

sindicalismo de classe das décadas de 1960/1970, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação

e de negociação, que no geral aceita a ordem do capital e do mercado. Abandonam as perspectivas

emancipatórias, da luta pelo socialismo e pela emancipação do gênero humano e operando uma

aceitação também acrítica da “social-democratização”, assumem uma postura marcadamente

defensiva diante da onda privatista.

As propostas de desregulamentação, de flexibilização, de privatização acelerada, de

desindustrialização, tiveram nos últimos anos, forte impulso. Operou-se a retração da força de

trabalho industrial, ampliou-se o subproletariado do mercado informal.

Na resistência à reestruturação industrial, um dos pontos principais de ação sindical dos

setores modernos e internacionalizados da indústria brasileira, tem sido a luta pela manutenção dos

postos de trabalho, contra o desemprego, com foco na indústria automobilística do ABC paulista.

Entretanto, as dificuldades da ação sindical diante das estratégias da reestruturação industrial se

manifestam no interior das grandes empresas, e, nas diversas formas do trabalho precarizado

(autônomo, part-time, informal), incluindo o trabalho em domicílio. A força acumulada pelo

movimento sindical brasileiro, coloca-o numa situação sui generis, que pode significar uma base

para a criação de novas situações de intervenção no processo de reestruturação e uma alternativa

diferente dentro do mundo industrializado.

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A esquerda, os partidos, sindicatos e organizações populares não aderiram à política

neoliberal, embora a tendência seja conciliar com o neoliberalismo, enquanto a política neoliberal

tem avançado sem se descaracterizar. Entretanto, as expectativas de estabilidade econômica e

inflação baixa geradas no seu início, junto ao povo, começam a se frustrar. Mas, embora o

aguçamento das contradições no interior da burguesia e os sintomas de descontentamento popular,

o programa neoliberal continua forte e avançou na década de 1990.

O neoliberalismo contemporâneo enquanto liberalismo econômico, não tem como objetivo

a defesa da democracia, mas a exaltação do mercado. A concorrência perfeita nunca existiu. Ao

contrário do que afirmam os neoliberais, é prec iso desenvolver a capacidade de iniciativa para

conquistar e manter os serviços públicos e os direitos sociais. O mecanismo que governa o

processo seletivo de redução/reformulação da intervenção do Estado na economia são os interesses

de classe representados pelo neoliberalismo, cuja política está assentada no tripé, privatização,

abertura comercial e desregulamentação financeira e do mercado de força de trabalho.

Na América Latina o objetivo do neoliberalismo é ampliar a exploração financeira da

região, sendo a economia chamada a se readaptar. A desregulamentação financeira neoliberal, visa

atender essa nova demanda especulativa do capital imperialista e submete, ao mesmo tempo, a

política econômica das nações latino-americanas – juros, câmbio, crescimento, salários – às

exigências do capital financeiro internacional.

O Brasil ingressou na era da política neoliberal na década de 1990. A Zona Franca de

Manaus é o carro-chefe do processo de expansão da indústria de material de informática, produtos

eletrônicos e montadoras de automóveis processo, transformando-se num parque de montagem de

componentes importados. A desindustrialização não exclui o crescimento do setor industrial

voltado para o processamento de recursos naturais exportáveis – papel, celulose, petroquímica,

ferro e aço, etc. Mas, o ganho é desigual, não existe no Brasil uma fração da burguesia que esteja

desempenhando o papel de uma burguesia nacional.

A abertura comercial, a desregulamentação financeira e o elevado montante pago como

serviços da dívida externa, integram a política econômica neoliberal, e obrigam os sucessivos

governos a elevarem as taxas de juros, para compensar esse deficit, através da obtenção de

investimentos financeiros internacionais e elevadas taxas de juros, configurando nova forma de

dependência pela remuneração do capital financeiro internacional. Essa política vem gerando

protestos e pressões. O sindicalismo brasileiro, na década de 1990 viu-se às voltas com tais

contradições. A desigualdade diante da política neoliberal torna muito complexa as relações das

diferentes frações burguesas entre si e com o neoliberalismo. O setor bancário do grande capital e o

capital financeiro internacional são os dois únicos setores que ganham com todas as políticas

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neoliberais – desregula mentação do mercado de trabalho e supressão dos direitos sociais,

privatizações, e abertura comercial e desregulamentação financeira. O seu horizonte é um

colonialismo de novo tipo.

O neoliberalismo brasileiro, no entanto, tem encontrado mais dificuldade para avançar. O

governo FHC trava uma batalha para efetivar a reforma da administração e da previdência, devido

a resistência do sindicalismo dos funcionários públicos. A política social neoliberal, a despeito do

avanço obtido sob o governo FHC, está inacabada. Entretanto, é doloroso constatar, que a

implantação do neoliberalismo na América Latina, e, no Brasil, transcorreu quase sem luta, dando

esse lugar para os novos movimentos sociais, como é o caso do MST.

O acontecimento que direcionou os sindicalistas à busca de um sindicalismo autêntico, foi

a mudança da definição da política sindical que, inversamente à concepção de uma atividade

exclusivamente institucional e regulada no âmbito do Estado corporativista, passou a incluir

práticas até então proibidas pela legislação trabalhista, tais como a representação interna, as

negociações diretas com a administração e o recurso à greve. Rompendo com o padrão regulado de

organização vertical, o novo sindicalismo criou representações horizontais alternativas e uma nova

confederação de trabalhadores controlada diretamente pelos sindicatos.

Esses atores à procura de sua identidade coletiva como forma de obterem um espaço de

intervenção na esfera pública, dão contornos ao novo sindicalismo brasileiro, ao nascimento da

CUT e do PT. Representativa das aspirações trabalhistas por direitos sociais, políticos e

econômicos, a CUT defende um lugar para os trabalhadores na sociedade brasileira, mas não tem

lutado de modo consistente pela liberdade e pela autonomia sindical. Entretanto, a trajetória do

novo sindicalismo e, por extensão, da CUT, não pode ser dissociada da demanda geral das classes

populares por direitos democráticos. Esse movimento se consolidou enfrentando o regime de

exceção e defendendo a democratização no Brasil, mudanças sociais e econômicas benéficas aos

trabalhadores e associando essas reivindicações gerais com a defesa de melhores condições de vida

e trabalho para os assalariados.

Simultaneamente, criaram as condições para o surgimento de um sindicalismo

diferenciado, mais preocupado com os trabalhadores em seus locais de trabalho e com sua

organização a partir das empresas. A 1ª Plenária Nacional, em 1985, encerra os elementos do

discurso fundador do novo sindicalismo, classificado como “radical”. O compromisso histórico da

CUT é impulsionar a luta sindical dos trabalhadores na perspectiva de construir uma sociedade

socialista. Entretanto as Resoluções do III CONCUT acusam as primeiras rachaduras do novo

sindicalismo, pois distanciando-se do posicionamento de denúncia/confronto/superação, nas

resoluções anteriores, passaram para um discurso marcado pelo tom de

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análise/cautela/negociação, face à conjuntura internacional (novas tecnologias, dívida externa e

desemprego).

Nas duas últimas décadas o sindicalismo cutista vive desafios e impasses, expressos na

relação da CUT com o Estado e os patrões, como organização de todos/as os/as

trabalhadores/trabalhadoras, e na relação com os excluídos, ao assumir um caráter marcadamente

“federativo”, embora para responder às estratégias neoliberais e empresariais, é necessário um alto

grau de unificação no ramo.

Em contrapartida, o movimento do funcionalismo público é mais maciço e unificado. Não

realiza greves demonstrativas, mas de luta. Esse perfil contrasta com o padrão de ação sindical

próprio do sindicalismo populista como mostra o caso do CPERS.

O CPERS é um dos maiores sindicatos da América Latina e sua trajetória é marcada pela

luta em defesa dos direitos de seus associados e da liberdade e organização da sociedade. Mas

encontra-se nele, o mesmo clima de insatisfação dos trabalhadores gerada pela política salarial do

governo militar, aliada ao processo de abertura política, que vai gerar a rearticulação do movimento

sindical, impulsionado pela emergência do “novo sindicalismo”, nascido no ABC paulista. Sua

grande característica, na conjuntura de abertura política e de emergência do novo sindicalismo, é

representada pelas formas de reivindicação e ao perfil sindical da entidade, de ação concreta.

Mesmo sem ser sindicato oficializado, o movimento dos professores gaúchos tem atuado como um

sindicato combativo.

Atento às transformações estruturais por que passa o mundo e consciente de sua

importância política nos marcos regionais, o CPERS entende que é de extrema importânc ia

promover o debate sobre a problemática da classe trabalhadora, apontando para sindicato-cidadão,

um sindicalismo comprometido que deseja ver a classe trabalhadora no exercício pleno da

cidadania definindo os rumos do país. Entre os desafios que se colocam ao CPERS/Sindicato cabe

também manter a sua autonomia em relação ao governo e partidos políticos, aprimorar a

democracia interna, respeitar as instâncias de deliberação e, principalmente, fortalecer a

organização na base da categoria.

Os sindicalistas, trabalhadores e trabalhadoras, pesquisadores, governo, empresários e os

meios de comunicação de massa participam, cada um a seu modo, desse processo de formação das

classes trabalhadoras e da história do movimento operário e sindical brasileiro. A proposta de um

novo sindicalismo é produzida e reproduzida nos protestos sociais e manifestações operárias que

eclodem nas várias cidades brasileiras e nos vários setores produtivos, partindo de um conjunto de

estratégias sindicais, que inclui a politização do cotidiano de vida e de trabalho e a organização dos

trabalhadores nas empresas no confronto direto e na discussão política com os representantes

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patronais e/ou governamentais para a conquista de reivindicações econômicas e sociais, busca

estabelecer as regras mínimas de controle e fiscalização dos acordos assinados com o objetivo de

viabilizar a sua aplicação nas empresas.

Os problemas gerados na política de chão de fábrica, trazem os sindicatos para mais

próximo dos trabalhadores e faz transparecer uma das características mais inovadoras e

democráticas deste movimento, enquanto promove a democracia sindical e a descoberta de formas

de incorporá-la e encaminhá-la como demanda coerente dos trabalhadores, sem, contudo, alterar a

estrutura burocrática que herdaram.

A maior presença dos sindicatos, enquanto instituição, no quotidiano de trabalho e de vida

dos trabalhadores/trabalhadoras dentro e fora da empresa opera, pouco a pouco, o distanciamento

da sua face institucional. Na evolução desse processo, os sindicatos, como instituição,

transformam-se em referência política para os trabalhadores/trabalhadoras e seus representantes

passam a ser reconhecidos como porta-vozes políticos aceitos pelo patronato e Estado,

predominando sobre as rupturas, a persistência de certas práticas sindicais, como a negociação,

mais apropriada às transformações no mundo do trabalho.

O toyotismo surge como a expressão maior da acumulação flexível no complexo de

reestruturação produtiva. Seu objetivo como “momento predominante” do complexo de

reestruturação produtiva, é instaurar uma nova hegemonia do capital, no plano da produção de

mercadorias, articulando, de modo original, coerção capitalista e consentimento operário. A

flexibilidade é pensada e construída como alavanca e fator -chave determinante da produtividade.

A flexibilização das formas de contratação, constitui um segundo elemento do processo

dissociativo atual entre os trabalhadores. Diante da terceirização, a mais nova forma de

precarização do mundo do trabalho, o empregado deixa de ser trabalhador para assumir a condição

de autônomo, por sua conta e risco, compreende-se aqui o porquê da ampla divulgação da

terceirização de produtos e/ou serviços. Não há nesse processo qualquer “economia de trocas”, a

terceirização é a prime ira fase de um estágio hiperavançado do novo modo de produção capitalista,

no qual o fabricante tradicional abandona suas linhas industriais próprias em benefício de

fornecedores mais preparados em termos de custos. A terceirização é apenas uma das modalidades

de redimensionamento dos valores absolutos de extração da mais -valia, enquanto a subcontratação

é uma espécie de variante da terceirização.

O resultado de todo esse processo é o aprofundamento da pobreza diante de um modelo

socialmente excludente. Na análise da fragmentação do trabalho e deterioração dos salários, face a

introdução da automação, do toyotismo e da terceirização, as conclusões são orientadoras de que os

arranjos de empregos flexíveis pode, às vezes, ser benéfica para a empresa e o empregado. Porém,

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os efeitos agregados, quando se consideram a cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis

salariais e a segurança no emprego, de modo algum são positivos do ponto de vista da população

trabalhadora como um todo. Em um país subdesenvolvido em termos de industrialização, como o

Brasil, os efeitos combinados dessa malha de exclusão social são muito mais perversos que nos

países do Primeiro Mundo. E por isso a incapacidade de um agente social, como o sindicalismo,

que agora se encontra diante de impasses e desafios.

O caráter de resistência da luta sindical sempre vai continuar porque a super-exploração do

trabalho é um traço do capitalismo. Dentro da CUT, a saída desse impasse estaria num

sindicalismo voltado para a participação, para a negociação com a ordem dominante, procurando

conquistar melhorias para os trabalhadores no limite dessa ordem. A luta reivindicativa tem de

estar ligada a um projeto econômico para o Brasil, tendo como eixo as classes trabalhadoras.

O impasse do movimento operário e sindical brasileiro é um impasse no plano político e

ideológico, e está aquém do que um movimento sindical de esquerda deveria ser. Quem ganha

nesse quadro é a direita sindical que tem negociado dentro da ordem.

Há um impasse que faz com que a luta sindical seja centralmente defensiva. O movimento

sindical teve força para tornar irreversível a crise da ditadura militar. Mas, esse fortalecimento não

serviu para se organizar politicamente e acumular forças o quanto poderia ter sido acumulado.

Nasceu a CUT e o PT, no entanto, algumas debilidades persistem, como o baixo índice de

sindicalização que se registra ainda hoje no Brasil.

A aceitação de negociar dentro da ordem foi uma das possibilidades do sindicalismo

brasileiro na década de 1990. Entretanto, é percebida como trágica para o caso brasileiro, porque

no Brasil dominam políticas econômicas recessivas, os resultados se apresentavam como terríveis.

O novo sindicalismo emergiu e cresceu em meio a uma crise prolongada e aguda, que

estimulou a ação sindical e restringiu os seus resultados. Todavia, se o novo sindicalismo se

diferenciava das práticas sindicais do passado, ele também não deixava de ser uma manifestação

tardia. Sua existência só foi possível graças às transformações econômicas e sociais que tiveram

lugar a partir da segunda metade do século XX e que foram responsáveis pelo aparecimento de

uma nova classe trabalhadora, numerosa, diversificada, cuja trajetória política havia sido

interrompida pelo golpe de 1964.

A reorganização dos trabalhadores ocorreu por dentro da estrutura sindical oficial, único

instrumento legal disponível num contexto de exceção e pela importância da máquina sindical na

arregimentação dos trabalhadores. Ainda que tenha ocorrido uma ruptura parcial com o

corporativismo, problemas, de certa forma presentes desde a origem do novo sindicalismo,

começaram a se tornar visíveis no final da década de 1980, evidenciando os avanços e os limites do

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novo sindicalismo e os impasses político e organizativo que tenderiam a prevalecer durante a

década de 1990.

Os avanços e os limites do movimento sindical evidenciados ao final da década de 1980,

envolvem quatro aspectos: a mudança no cenário político, com a vitória de Fernando Collor nas

eleições presidenciais de 1989, o agravamento da crise econômica e social e seu equacionamento

com base em uma agenda neoliberal. O segundo aspecto, é o papel das greves e mobilizações

sindicais, que representaram a principal forma de luta dos trabalhadores e mobilização social, mas,

no início da década de 1990, o movimento grevista já apresentava sinais de declínio.

O terceiro aspecto importante refere-se aos problemas organizativos do novo sindicalismo,

expressos sobretudo na trajetória da CUT. A revitalização da estrutura sindical oficial pesou

decisivamente na reorganização do movimento sindical.

O quarto aspecto, foi a tendência geral das negociações coletivas. Mas, a grande

capacidade de pressão e negociação não trouxe mudanças substanciais quanto à participação dos

salários na renda nacional, ainda que tenha impedido que perdas maiores se evidenciassem. De

qualquer forma, as conquistas sociais inscritas na Constituição e os avanços da negociação

coletiva, logo seriam confrontados com as metas de desregulamentação e flexibilização das

relações de trabalho.

Enquanto cresce a pressão no sentido de que sejam eliminadas as formas de intervenção do

Estado no âmbito do direito individual do trabalho, aumenta em sentido contrário, a pressão pela

restrição do poder sindical. Os contratos e acordos de trabalho estão se moldando às características

específicas de cada uma das empresas. Essa é a tendência das relações de trabalho no cenário

internacional. O maior poder da empresa sobre os sindicatos e sobre o mercado de trabalho ocorre

graças ao baixo crescimento econômico e ao aumento do desemprego.

A representação trabalhadora nos locais de trabalho, é um componente da democratização

das relações de trabalho. O Brasil não possui uma legislação específica sobre esse tipo de

representação. A representação de base, tem importante papel na reestruturação produtiva:

estimular a composição de controvérsias trabalhistas no âmbito da empresa e assistir ao trabalhador

no acordo; etc. Também assegura a reunião dos representantes nos locais de trabalho.

Para a liberdade e autonomia sindical é fundamental que se conquiste o direito à

organização dos trabalhadores nos locais de trabalho. A organização no local de trabalho (OLP) é o

principal pressuposto para a constituição de um sistema democrático de relações de trabalho, ao

qual aspira todo trabalhador filiado a CUT. As tendências, no entanto, de enfraquecimento do

movimento sindical, de fragmentação das formas de representação e de pulverização das

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negociações coletivas, no final da década de 1990, se agravaram com os processos de

reestruturação produtiva e de estabilização econômica.

A crise em que os sindicatos se encontram não decorre, apenas do processo de

reestruturação produtiva ao qual os trabalhadores devem se ajustar. Há uma crise interna no

movimento sindica l, relacionada com a tendência progressista de acomodação de todas as correntes

sindicais ao sistema corporativo. No caso da CUT, os sindicatos de categorias continuam a ser a

sua principal fonte de poder. Mesmo derrotados seus rivais das CGTs e da Força Sindical, crescem

as disputas entre os próprios membros da CUT pelo controle da máquina sindical: de um lado, a

corrente Articulação Sindical hegemônica, defendendo um “sindicalismo propositivo”; de outro, as

demais correntes, pregando um “sindicalismo combativo”, luta contra a política neoliberal. O

sindicalismo brasileiro no seu conjunto continua a pagar o tributo à tradição corporativa.

O sindicalismo passa por um forte momento de crise. Um grande número de evidências

nesse sentido tem sido expresso em todas as instâncias e ramos do conjunto do sindicalismo, e

particularmente na CUT. Diversas mudanças na prática sindical já foram forçadas pelas

transformações no mercado e na gestão da força de trabalho, mas vários são ainda os desafios

trazidos pela economia globalizada aos sindicatos e a CUT. O problema central hoje é a destruição

do emprego, trazida pela reestruturação produtiva e a flexibilização dos direitos.

O mundo está assistindo a uma brutal ampliação da distância entre os países desenvolvidos

e os subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como vem ocorrendo na Argentina. A barbárie no

entanto continua. Na lógica da ordem internacional hoje emergente, o desenvolvimento nacional

ficou excluído do horizonte de possibilidades dos países periféricos. O grande desafio, portanto, é

transformar o sentido meramente econômico da internacionalização. Trata-se de criar a

possibilidade e as condições políticas para a globalização dos direitos, da cidadania, da

integração cultural e da democratização do acesso a todas as conquistas da humanidade, e

romper com as forças de sustentação do sistema capitalista.

Para quem pensa o futuro do Brasil, o principal desafio consiste em definir o raio de

manobra de que se dispõe para enfrentar a adversidade do contexto histórico pela globalização.

Denunciar a falta de horizonte do movimento de globalização e construir um amplo arco de

alianças, capaz de impulsionar as transformações sociais indispensáveis para a superação da

modernização perversa, são tarefas fundamentais das forças políticas que atuam no Brasil. O

enfrentamento desses desafios, requer que se vença outros desafios, entre os quais estão os que

devem ser enfrentados pelos sindicatos e à CUT, tais como:

1) O sindicato deve se capacitar a representar, organizar e mobilizar os mais amplos

setores da classe trabalhadora. O sindicato e a central sindical são ferramentas-chaves para essa

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luta pela hegemonia. A conquista do apoio ativo da maioria na luta contra a exploração capitalista

não acontece espontaneamente, deve ser organizada.

A formação da consciência de amplos setores da sociedade, requer compreender a eclosão

dos novos movimentos sociais a partir de uma perspectiva de classe. Trata -se de mobilizar os

trabalhadores e excluídos, para a tomada de consciência das condições materiais e de sua própria

capacidade para mudar. A aquisição dessa consciência pode encontrar fatores adversos e fatores

que aceleram os acontecimentos, como determinadas condições econômicas. Porém, se estes

fatores podem acelerar a tomada de consciência, não podem, de nenhuma maneira, ser a causa que

a produza, ser sua origem. Em termos de massa, se está a falar da consciência empírica,

desenvolvida diretamente da experiência prática da luta, e isso só pode surgir nas massas de uma

forma automática, ante determinadas experiências, o que significa que o espontaneismo puro não

existe. Para que os fatos brutais incidam sobre a ação da massa é necessário que esta os considere

como tais. Para que isto ocorra, há necessidade de total solidariedade com os trabalhadores, e, que,

se estabeleçam, na massa, os laços afetivos determinados entre seus integrantes.

Buscar esses vínculos não é tarefa fácil. Índios, negros, camponeses, trabalhadores

informais, desempregados, mulheres, etc., cada grupo a sua maneira foi atingido em tempos

diferentes, pelo processo de penetração das relações de produção capitalista.

A paralisia sindical da última década do século XX, quanto a efervescência recente dos

movimentos sociais, é o neoliberalismo. A ideologia neoliberal afetou o movimento dos

assalariados urbanos ao estimular a competitividade e produtividade, legitimando a redução dos

custos do trabalho e favorecendo as parcerias capital/trabalho. Convertido em programa político, o

neoliberalismo contribuiu para o enfraquecimento do sindicalismo, aumentando a precarização das

condições de trabalho e o desemprego, repercute sobre as condições de vida de todos.

O sindicato deve se inserir no quotidiano do povo e promover um processo de

conscientização através de palavras e fatos, capacitando-os para ver e ouvir a realidade, participar e

dialogar sobre suas angústias. O povo deve ser orientado para a análise das idéias que lhes são

incompreensíveis; para perceber, incorporar e tornar coerentes as expressões que manifestam seus

fragmentos de dignidade, resistência e rebeldia, construindo a dúvida no coração do senso comum

e começar um processo pelo qual se torne possível questionar os elementos que levam à resignação

e ao conformismo diante do quotidiano da exploração.

Não é possível construir uma sociedade justa sem criar os meios para que as pessoas

tenham ao seu alcance as ferramentas que lhes permitem interpretar a realidade a agir para mudá-

la. O trabalho de organização de base, o envolvimento e uma inserção no quotidiano do povo capaz

de educá-lo e fazê-lo avançar na conquista de novas realidades, são alguns desses meios. O dia-a-

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dia do partido e do sindicato pode elevar a consciência do povo e unir os demais movimentos

populares.

2) Tornar o sindicato um órgão de frente única dos trabalhadores e do povo simples .

O desafio do sindicato é dialogar com os/as trabalhadores/as e todos os populares que vivem

dificuldades e sentem-se ameaçados e/ou prejudicados pela economia global, mas que ainda estão

sob a hegemonia das idéias e propostas burguesas; fazer um trabalho político e pedagógico,

mostrando que elas buscam legitimar e perpetuar a exploração e a miséria da classe trabalhadora e

excluir da sociedade cada vez mais os diversos segmentos sociais.

Cabe ao sindicato resgatar o sujeito social, usando a comunicação interpessoal como um

processo dialético, no qual os indivíduos partilham códigos, mensagens e sentidos, para demonstrar

como a experiência pessoal é intermediada pelas relações que se dão no trabalho e, que as

mediações que essa realidade apresenta compõem o universo dos trabalhadores, e atua sobre os

sentidos e as maneiras de ver e entender que os colegas de trabalho representam para esses

trabalhadores um meio de informação importante.

O que o neoliberalismo está destruindo é um modo inteiro de viver, é o mundo de vida do

trabalho. O sindicato deve se organizar pela base, é da experiência acumulada no quotidiano que o

trabalhador constrói seu aprendizado, constitui seu ponto de vista, formula sua ideologia.

O espaço do trabalho é um espaço de reconhecimentos, de aproximações, de emoções, de

envolvimentos afetivos, onde o trabalhador, enquanto sujeito social se realiza como sujeito e como

profissional. No espaço da fábrica se constrói boa parte das representações e se processa a

identidade de ser trabalhador, cidadão político-social. A leitura coletiva dos jornais do sindicato e

da empresa devem ser mais exploradas pelo sindicato, pois são as pautas prediletas do dia -a-dia no

local de trabalho, no bar, no ônibus para casa.

O mundo do trabalho é também o mundo da vida, portanto esfera comunicativa e espaço da

intersubjetividade, da interação. Hoje, as condições capazes de possibilitar uma vida emancipada,

não mais emerge da revolucionarização das condições de trabalho, mas ação comunicativa, onde se

encontra o novo núcleo do conhecimento, da conscientização, da auto-determinação, da

mobilização para ação e luta no interior de uma formação social

A conquista da democracia e da cidadania passa pelo sindicato e sua organização, pela luta

contra o corporativismo, pela solidariedade, pela ação comunicativa e os discursos diferenciados,

pela consciência de amplas massas e pela ação reivindicativa.

O acesso aos discursos que circulam no mundo do trabalho, são fundamentais na formação

de um ponto de vista crítico. O sindicato deve partir das reivindicações imediatas dos

trabalhadores, somar sua luta aos dos movimentos sociais e mostrar como elas levam a outras

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esferas de disputa. A luta pelo salário, por emprego, por terra, por moradia, devem se articular com

a luta política, com o questionamento da forma como se exerce o poder político e como se faz a

distribuição da riqueza e da renda na nossa sociedade; combinar com o questionamento das formas

como o capital organiza o trabalho e a produção na sociedade, como são elaboradas e votadas as

leis, quais os interesses e as armadilhas que as mesmas escondem. Nessa perspectiva, o sindicato

deve ser uma escola de socialismo, para que todos saibam do mau uso que é feito de boas idéias e

conheça suas armadilhas.

Em suma, o movimento sindical brasileiro, à semelhança do que ocorre em outros países,

está perante um desafio global, em diversos níveis: o desafio da solidariedade, o desafio da lógica

organizativa, o desafio da lógica reivindicativa, entre outros. E para que cumpra sua função

estratégico-socialista deve ser construído sobre alguns princípios básicos, como: o sindicato deve

ser uma organização democrática; o sindicato deve se organizar pela base; o sindicato deve ter

independência de classe. Estes são três princípios que devem ser respeitados para que o sindicato

seja uma autêntica organização de frente única da classe trabalhadora e a partir dessa experiência,

articule-se com outros movimentos sociais progressistas, para que no aprofundamento das relações

e da realização da cidadania, caminhem em direção a uma sociedade verdadeiramente democrática

e solidária.

O sindicato deve também ser uma organização sindical dos excluídos, colocar-se contra

todas as opressões. Defende-se um sindicalismo que organize os trabalhadores contra todas as

formas de opressão e que seja capaz de abrigar espaços no seu interior para a auto-organização dos

coletivos específicos que assim o reivindicarem. O sindicato deve construir uma nova direção, para

a liberdade e autonomia sindical, é fundamental que se coloque o sindicato dentro do local de

trabalho. Para alcançar esse objetivo, precisa-se construir um movimento social de resistência que

articule os setores democráticos e populares, também para defender a organização sindical.

Para fazer frente aos desafios enfrentados pelo sindicalismo surgem diversas estratégias

para os sindicatos, entre as quais destaca-se a oferta de novos serviços, a captação de novos

membros, desenvolvimento de programas de comunicação, descentralização da ação sindical,

intensificação da cooperação sindical internacional e o estabelecimento de novas alianças. O

sindicalismo deve ser um veículo vital na construção da consciência coletiva, evidenciando o

exercício da cidadania como pressuposto básico de uma sociedade mais justa e igualitária. As

dificuldades porque passam os movimentos sociais dizem respeito a todo o povo simples. Todos

fazem parte do problema e da sua solução. Os sindicatos precisam tornar-se um instrumento a

serviço do processo de apropriação da cidadania e de politização da sociedade.

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É imperioso que os sindicatos contribuam no processo de alteração do comportamento

social. A sociedade precisa abandonar a cultura de passividade, de apatia, de acomodação, de

priorização da esfera privada e passar a ter uma cultura de participação, de mobilização de

priorização da esfera pública. Não é tarefa fácil, mas é o desafio do movimento sindical.

É necessário que a sociedade veja que há sindicatos comprometidos com os interesses da

população, com um projeto de desenvolvimento nacional.

O setor majoritário da CUT abandonou a luta prática e a agitação de idéias contra o modelo

de desenvolvimento econômico brasileiro e não assumiu a luta e a denúncia sistemática contra a

política neoliberal no seu conjunto. Desenvolve um sindicalismo propositivo, e acredita ser

possível conciliar a burguesia com os trabalhadores e os trabalhadores com o neoliberalismo. Essa

nova estratégia da CUT, desestimula e desvaloriza a mobilização e a luta de massa, dissemina, nos

sindicatos, a idéia de que não há caminho alternativo à situação econômica do país, desvalorizando

reivindicações e greves. Essa situação tem de ser revertida.

O sindicalismo que busca a unificação da luta reivindicativa dos trabalhadores assalariados

em torno dos direitos sociais e trabalhistas, é um princípio, antagônico à ideologia e à política

neoliberal. A luta pelos direitos sociais deve unificar nacionalmente os trabalhadores num coletivo

de classe e pleiteiar a intervenção do Estado para impor limites (jurídicos) à exploração praticada

pelos capitalistas. Esse novo sindicalismo, distinto do corporativismo de Estado populista, é uma

estrutura de dominação e não uma estrutura de representação de interesses. Envolve, divide,

despolitiza o movimento sindical e realiza, na base da central, a concepção e a estratégia do

sindicalismo propositivo, que orienta a Executiva Nacional da CUT.

As contradições da linha sindical propositiva aplicada pela CUT evidenciam uma política

hesitante, contraditória e de conciliação com o neoliberalismo.

Na disputa da CUT com as outras centrais sindicais e em especial com a Força Sindical o

que está em jogo são diferentes projetos para a sociedade, a possibilidade de defender de forma

independente os interesses da classe trabalhadora ou subordiná-los aos interesses do capital e da

classe dominante. Mais do que nunca é necessária uma política clara da Central no sentido de

disputar a base dessas centrais, com propostas claras capazes de mostrar aos trabalhadores as

diferenças entre os projetos e os compromissos de cada uma das centrais.

A disputa pela representação dos trabalhadores que ainda não estão na base da CUT, o

enfrentamento quotidiano em cada setor, em cada estado com a Força Sindical exige uma trégua

nas disputas internas. A unidade da Central Única dos Trabalhadores é condição para que isso se

transforme em uma tarefa prioritária.

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No que concerne ao CPERS-Sindicato, o giro esquerdista da direção do mesmo despolitiza

a relação com a categoria, produz momentos de confusão que favorecem o crescimento da direita,

que com seu discurso imediatista e oportunista consegue aproveitar essa nova situação. Dessa

forma a direção do CPERS não consegue se diferenciar da política da direita na categoria pois não

enfrenta as contradições de manter o compromisso com os interesses das/os trabalhadoras/es da

educação e ao mesmo tempo assumir a defesa do projeto democrático popular expresso pelo novo

governo do Rio Grande do Sul.

Grandes desafios que estão colocados para o CPERS-Sindicato, retomar uma prática

classista: assumir sua condição de sindicato de esquerda, de lutas, sem que seja preciso a cada

momento achar que precisa provar sua autonomia perante o governo; manter-se na diretriz de seu

sindicato comprometido com o projeto histórico da classe trabalhadora: fim da opressão e

exploração capitalista e construção de um projeto social socialista.

CPERS-Sindicato tem como lutas centrais a executar, a denúncia do caráter perverso e

excludente do projeto neoliberal liderado por FHC e seus aliados; a defesa de um projeto

econômico-social alternativo para o país; a defesa do governo democrático-popular do Estado,

mesmo mantendo sua autonomia; e a defesa dos interesses imediatos por melhores condições de

vida e de trabalho da categoria. O trabalho de base que deve ser feito no próprio CPERS-Sindicato,

é retomar com determinação o trabalho de organização e inserção de base, principalmente, de

formação de uma nova camada de lutadores sociais numa perspectiva anti-capitalista. A ligação do

CPERS com os demais sindicatos operários e as possibilidades de lutas em conjunto ou

separadamente, apontam o CPERS-Sindicato como uma das maiores categorias organizadas do sul

do país e da América Latina, e por natureza como uma categoria bastante corporativa.

O 1º Fórum Social Mundial (FSM), constituiu-se em um momento chave para o debate e

articulação entre movimentos e organização anti-globalização neoliberal no mundo todo.

Enquanto, o 2º FSM, constituiu-se em um novo espaço de lutas, abrindo novas perspectivas para o

sindicalismo, na medida que trouxe para discussão novos elementos de luta contra a ofensiva

neoliberal como possibilidades para o sindicalismo internacional dizer não ao neoliberalismo e a

guerra.

Os movimentos sociais nacionais de resistência ao desmanche do Estado de Bem-Estar não

tem sido capazes de constituir um pólo de articulação e maior irradiação de resistência ao

neoliberalismo. Em face disso, a CUT coloca como uma de suas prioridades o desenvolvimento de

açõ es que visem o fortalecimento do sindicalismo internacional.

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Ao trabalho fragmentado, o desemprego estrutural e outras situações obstacularizam uma

ação mais ofensiva, mas os cutistas sabem da necessidade de renovação e muita formação para que

os novos dir igentes consigam responder a contento os desafios.

A violência da ofensiva neolibral e a ganância dos grandes empresários tem levado o

movimento sindical, a nível mundial, à uma crise, rupturas e reorganizações do movimento

operário e conseqüentemente à sua recomposição. No mundo todo surgem novos ativistas e

militantes do movimento sindical e popular que resistem a esta política e ganham espaço nas

organizações de base e sindicais. Nessa perspectiva, a CUT deve aproveitar a possibilidade de

realizar ações unificadas entre trabalhadores de vários países e deve buscar a aglutinação de um

setor dentro do movimento sindical internacional, que paute a sua intervenção pelo

internacionalismo da classe trabalhadora, a independência de classe e defenda uma ruptura com a

ordem atual, se negando a gerir a crise deste modo de produção.

Contra a ofensiva neoliberal, a política internacional da CUT deve fortalecer as ações que

conduzam a solidariedade a todas as lutas de trabalhadores, buscando contatos e estimulando a

organização autônoma e independente dos trabalhadores a nível internacional; e priorizar as

relações com organizações de outros países que estejam dispostas a assumir uma perspectiva de

luta de independência de classe que negue a parceria com os patrões e os pactos sociais, combata

as privatizações e a flexibilização dos direitos dos trabalhadores.

No plano nacional, diante das transformações impostas pela ofensiva neoliberal e do

quadro de crise, o sindicalismo deverá organizar-se, globalizar a idéia dos trabalhadores e os

movimentos sociais, constituindo um sindicato sócio-político, transformativo, para enfrentar a

globalização da economia. Um sindicalismo que propugne pelo social, político e participativo,

justiça social globalizada, e seja base comum para campanhas, globalização dos direitos humanos

dos trabalhadores, luta pela renda básica, desenvolvimento de um programa para construção da

cidadania global, justiça social concreta, mobilização e alternativas globais.

O sindicato deve continuar sendo combativo e ter capacidade para interpretar os

fenômenos, analisar e em cima disso, fazer a mobilização. Buscar alianças, aumentar a

participação, promover a unidade do movimento sindical, organizando os não organizados, para

que os direitos sociais superem as contradições e passem a ser usufruídos por todos. Praticar um

um sindicalismo cidadão

A perspectiva do sindicalismo classista é continuar sendo combativo e avançar na luta

assumindo as contradições. Alicerçar o diálogo no respeito à liberdade e autonomia sindical, que é

um princípio cutista. O papel a ser exercido pela CUT nessa conjuntura é o de liderar a oposição ao

projeto neoliberal articulando as várias iniciativas populares.

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Contra o desmonte paulatino da legislação trabalhista, a CUT poderia procurar um projeto

social para que a economia seja regulada pelos interesses da classe trabalhadora, e criar lei

específica para regulamentação do artigo 11, da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a

figura do representante dos empregados em estabelecimentos com mais de duzentos trabalhadores.

A CUT deve utilizar a mundialização como um meio para amplificar a solidariedade no

Brasil e no mundo. E para começar deve inserir-se no quotidiano dos trabalhadores, de suas

famílias, e dos novos movimentos sociais. Essa é uma outra face do movimento sindical que deve

ser assumida pela CUT.

Um grande número de experiências coletivas de trabalho e produção já estão sendo

disseminadas em todo o país, a exemplo das cooperativas de produção, de serviços, de crédito e de

consumo, etc., compondo a chamada “ economia solidária”, um setor crescente da economia e da

sociedade brasileira e com grandes possibilidades de expansão. A CUT já caminha nessa direção,

realizando intercâmbios nacionais e internacionais para o forta lecimento do projeto cutista, mas

para avançar na luta é preciso assumir as contradições e lutar pelas alternativas, fortalecer os

movimentos e batalhar contra o FMI. Aprofundar sua reação à ofensiva neoliberal e à globalização,

desencadeando uma campanha de denúncia e de condenação, em âmbito nacional e internacional

do governo Fernando Henrique Cardoso, do empresariado e do TST pelas suas práticas anti-

sindicais.

Os trabalhadores e os excluídos, precisam tomar consciência de que os direitos para os

quais estão lutando são globais, os sindicatos e os movimentos sociais tem que se juntar e pensar

um mundo diferente juntos. O diálogo das lideranças sindicais com as massas populares é uma

exigência radical de toda revolução autêntica. Este diálogo, como exigência da mudança de rumo

que se impõe à política neoliberal, das transformações que se quer na sociedade, responde a outra

exigência radical, a dos homens como seres que não podem ser fora da comunicação.

A CUT representa a construção de uma central sindical capaz de contrapor-se à política

implementada pelo governo. Trata-se de estabelecer vínculos com militantes para além da própria

esfera orgânica dessa corrente. A nova corrente sindical que emerge, a CUT Socialista e

Democrática, é constituída daqueles que compartilham uma concepção e uma prática político-

sindical e irão atuar no movimento sindical cutista.

O CPERS é protagonista destes desafios, sintoniza o debate organizativo e a tarefa de

impulsionar as lutas sociais contra o governo FHC, a globalização e as aspirações de retorno da

burguesia neoliberal ao comando do Rio Grande do Sul, abrindo uma perspectiva de vitória do

projeto democrático e popular no país.

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Assim como no plano internacional, no âmbito nacional observa-se que o Rio Grande do

Sul não escapa das conseqüências do modelo neoliberal. O CPERS é sujeito desta história. A luta

dos trabalhadores em educação transpôs o limite do corporativismo e através do debate político

busca influenciar a construção de uma sociedade mais justa. Foi e é um aliado e sujeito do bloco

histórico que luta contra o neoliberalismo.

Do ponto de vista do plano de lutas, tanto a CUT como CNTE e o CPERS, defendem ações

para o avanço nas suas conquistas e de um projeto histórico para o conjunto da classe trabalhadora.

O ano de 2002 reserva ainda uma dura batalha para o sindicalismo. O capital continuará a

jogar duro, o governo FHC vai tentar impor no senado a Lei de flexibilização, o desânimo e a

desesperança, ao que tudo indica crescerão no meio do povo.

Prever é temerário, mas não impossível. Existem algumas constantes e outras variáveis no

sindicalismo que permitem ver um possível amanhã.

Aos que desejam construir um mundo alicerçado na justiça social e na solidariedade,

caberá responder com força e coragem a tão grandes desafios.

A força do sindicalismo combativo e dos movimentos sociais não tem mais a mística

revolucionária, o espírito guerrilheiro e apaixonado do Chê. Está dando lugar aos administradores

da crise. Há que se mudar as direções.

A direção do CPERS atualmente é contraditória. Parte não crê na sinceridade do governo

do PT no Estado do Rio Grande do Sul e o magistério possui um baixo nível de consciência

política. Porém, há boa parte do magistério que lê a realidade corretamente, e entre estes estão

aqueles que tem consciência da importância de contribuir eficazmente com a CUT, no seu intento

de organizar uma paralização nacional contra a Lei de flexibilização. Este acontecimento poderá

ser o grande marco da retomada da resistência nacional contra a barbárie que se implanta no país. É

preciso lutar contra a implantação da ALCA, uma vez que ela aprofunda o neocolonialismo, é

preciso encontrar formas de investir contra as novas forças da ofensiva neoliberal e para que o

plebiscito sobre a ALCA seja um sucesso incontestável.

Entre tantas outras iniciativas que se crê importantes para a classe trabalhadora, deve

prevalecer a defesa das causas sociais, a união das esquerdas e de todos os ludibriados pela

ideologia do exportador, para o enfrentamento com a direita entreguista que vem dominando

politicamente o país. A caminhada rumo ao rompimento com a política intervencionista e

expansionista do capital internacional, particularmente dos interesses hegemonistas norte-

americanos deve começar com a escolha das forças populares para governar o país. Essa não é uma

tarefa fácil, pois os limites do sindicalismo e dos sindicatos postos pelas transformações capitalistas

no limiar do século XXI, não são limites meramente conjunturais, que possam ser revertidos

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simplesmente por políticas operárias ofensivas no interior do aparelho sindical. Contra a lógica do

capital, cabe a lógica da solidariedade, a lógica organizativa, da conscientização através do diálogo,

da informação, da mobilização e da reivindicação, para se atingir um projeto de ruptura com o

status quo.

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ABSTRACT

The new syndicalism is a consequence of a combination of international, regional and local

factors as well as an opposition against the economic policy of the government and its negative consequences upon the workers, which is taking place to some extent in all segments of society. In order to undertake a deep reflection about the new syndicalism in Brazil and the stalemates which occurred in the last decades, this work aims to analyze the syndicates, emphasizing the new Brazilian syndicalism and the factors which can explain the modern crisis of syndicalism, its transformation since the restructuring of the production methods, its innovations, its limits and its challenges in order to get to know the perspectives of the syndicalism in Brazil facing the new realities brought forth by the globalization of the economy and the disbelief in the new-liberalism. To proceed in this direction and to reach its aim the methodology used has been a bibliographic research. Historical facts have been analyzed and the background criteria states that much of the recent crisis of the new syndicalism is a consequence of the crisis which pervades capitalism, and to overcome it requires a social subject, conscious and able to be recognized as the political and social strength capable of creating alternatives for a new society without individuals who explore and who are explored. The research has been divided into four chapters. The first chapter presents the history of syndicalism, emphasizing the experiences which have occurred in America and in Europe. In the second chapter the organization of Brazilian syndicalism has been analyzed, emphasizing the hard times laborers had to go through, in order to get organized, the crisis of syndicalism after 1990, the structure of the Brazilian syndicalism, the State syndicalism and the conflicting approaches of new-liberalism.The third chapter deals with the paths to be followed by the new syndicalism: the antecedents and the strategies in order to face the “old syndicalism”, the new status of union workers, the organization of the Central Única dos Trabalhadores (CUT) and of the Centro de Professores do Rio Grande do Sul (CPERS). The research also gives theoretical orientations and the praxis to be followed in the new syndicalism in order to make clear the crisis and the perspectives of syndicalism, discussing the problems syndicalism is going through, the hypothesis, the possibilities of a work on an international level as well as the perspectives of syndicalism in an antagonism imposed by the new liberal project.

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