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Crise global e efeitos na agricultura e desenvolvimento rural · 2 Economista (UFPA) e Mestrando em Economia (PPGE/UFPA). ... na taxa de câmbio, em especial no período relacionado

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  • C01 Crise global e efeitos na agricultura e desenvolvimento rural

    Atas Proceedings

    ISBN 978-989-8550-19-4

  • 2 | ESADR 2013

  • Atas Proceedings | 31

    O IMPACTO DA CRISE ECONMICA INTERNACIONAL DE 2008 SOBRE AS VARIAES NA TAXA DE CMBIO E O NVEL DE

    EXPORTAO DO SETOR MADEIREIRO PARAENSE

    Luciana Cristina Romeu da Silva1 David Silva Pereira Sousa2

    Gilberto de Souza Marques3

    RESUMO O trabalho tem como objetivo analisar de que forma as variaes na taxa de cambio, em especial no perodo relacionado a crise de 2008, influenciou o nvel de exportaes de produtos madeireiros. Para realizao deste trabalho utilizou-se tcnicas da pesquisa quantitativa e qualitativa, que permitem descrever, decodificar e expressar como a crise de 2008 impactou no setor madeireiro atravs das mudanas no cmbio. Um dos principais achados na pesquisa foi a confirmao de que a crise internacional de 2008 provocou um estrangulamento na pauta de exportao nacional. O setor madeireiro no escapou dessa retrao da demanda internacional, amedrontado pela forte elevao do risco em escala mundial no mercado financeiro. Sendo assim, foi gerado uma forte diminuio das exportaes de madeira, desvalorizao cambial, queda dos preos relativos da madeira e diminuio do consumo do mesmo no mundo e em contrapartida no mercado interno de madeira houve crescimento. PALAVRAS-CHAVE: Setor madeireiro paraense, cmbio, exportao, crise econmica de 2008. ABSTRACT The study aims to examine how changes in the exchange rate, particularly in the period related to the 2008 crisis, influenced the level of exports of wood products. For this study, we used techniques of quantitative and qualitative research, which allow to describe, decode and express how the 2008 crisis impacted the forestry sector through changes in exchange rates. One of the main findings of the research was the confirmation that the international crisis of 2008 caused a bottleneck in the export country. The forestry sector has not escaped this downturn in international demand, frightened by the sharp increase in risk in global financial markets. Thus, we generated a strong decrease of timber exports, devaluation, falling prices for wood and decrease the consumption of even the world and counterpart there were a domestic wood grew. KEYWORDS: Para timber industry, exchange, export, economic crisis of 2008.

    1 Administradora em Marketing (Centro Universitrio do ParCESUPA), Economista (Universidade Federal do ParUFPA), Especialista em Economia Regional e Meio Ambiente (Programa de Ps-Graduao em Economia da UFPAPPGE/UFPA) e Mestranda em Economia (PPGE/UFPA). 2 Economista (UFPA) e Mestrando em Economia (PPGE/UFPA). 3 Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo Programa de Ps-graduao de Cincias Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro CPDA/UFRRJ. Professor e pesquisador da Faculdade de Economia da UFPA FACECON/UFPA, e do PPGE/UFPA

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    1 INTRODUO

    Aps a crise econmica no mercado internacional no ano de 2008 houve bruscas

    mudanas no comportamento da taxa de cmbio no Brasil. No perodo de 2007 a 2008 o

    cmbio sofreu uma forte desvalorizao frente a evaso de divisas no pas. Alm disso,

    a atrofia no consumo mundial impactou negativamente nesse perodo na balana de

    pagamentos.

    Levando em considerao que o setor de exportao brasileiro tomador de

    preo no mercado internacional, as mudanas no mercado de commodities frente s

    mudanas decorrentes da crise, geraram queda no nvel de exportao do setor

    madeireiro no estado do Par objeto de estudo desse artigo.

    Nesse sentido o trabalho tem como objetivo analisar de que forma as variaes

    na taxa de cmbio, em especial no perodo relacionado crise de 2008, influenciou o

    nvel de exportaes de produtos madeireiros no estado do Par.

    Nesse sentido o trabalho esta dividido em trs partes: i) na primeira parte ser

    realizada uma analise sobre a crise econmica de 2008; ii) no segundo momento ser

    analisado a teoria cambial e suas aplicaes na economia brasileira; e iii) na terceira, e

    ltima parte, ser realizada um analise das exportaes do setor madeireiro com a crise

    econmica de 2008.

    2 METODOLOGIA

    Para realizao deste trabalho utilizou-se tcnicas da pesquisa quantitativa e

    qualitativa, que permitem descrever, decodificar e expressar como a crise de 2008

    impactou no setor madeireiro atravs das mudanas no cambio. Alm disso, se

    pesquisou fontes formais bibliogrficas, atravs do uso de literaturas especficas sobre o

    assunto e rea, bem como fontes de informaes eletrnicas, web sistemas, tais como:

    Ministrio Desenvolvimento Indstria e Comrcio Exterior (MDIC) sistema Aliceweb

    e AgroStat Brasil; Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e Alimentao

    (FAO); International Tropical Timber Organization (ITTO); BACEN (Banco Central do

    Brasil); e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).

    Tambm foram utilizadas fontes de pesquisas informais, como entrevistas com

    agentes do setor. Destaca-se as visitas ao Instituto de Desenvolvimento Econmico,

    Social e Ambiental do Par (IDESP) e aos rgos diretamente relacionados com o setor,

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    como Instituto do Homem Meio Ambiente da Amaznia (IMAZON) e Associao das

    Indstrias Exportadoras de Madeira do Estado do Par (AIMEX).

    Com base nessas estatsticas descreve-se a evoluo das variveis utilizadas para

    caracterizar o comportamento histrico do setor madeireiro, antes, durante e depois da

    crise econmica de 2008.

    3 A CRISE ECONMICA DE 2008 SITUAO DAS EXPORTAES E

    TAXA DE CMBIO NO BRASIL

    No fim do ano de 2007, iniciando 2008 os Estados Unidos entra em uma

    recesso econmica, devido ao boom imobilirio que se iniciou em 2001 com o estouro

    da bolha das empresas de comrcio eletrnico. As empresas hipotecrias comearam a

    focar em um grupo de clientes chamado "sub-prime", mesmo que estes clientes

    representem um risco maior de pagamento, os mesmos trazem taxas de retorno mais

    altas. Desta forma, gestores e fundos bancrios se interessaram nessas dvidas

    hipotecrias.

    Assim, essas instituies compravam os ttulos hipotecrios do grupo "sub-

    prime" e parte da quantia era emprestada, antes da primeira dvida ser quitada.

    Investidores passaram a recomprar esses ttulos, criando uma cadeia de venda de ttulos

    baseada na confiana da compra do consumidor. Em 2006 comearam a surgir os

    problemas, pois os preos das casas a as taxas de juros no pararam de subir, em junho

    de 2004 a taxa de juros alcanou 5,25%.

    Desta forma, os proprietrios comearam a ficar em dificuldades de manter as

    prestaes das hipotecas, j que os contratos previam correes. E as instituies

    financeiras que revendiam derivativos dos ttulos "sub-prime" ficaram em situao

    problemtica, gerando uma cascata de inadimplncias, que resultou numa crise de

    liquidez e, consequentemente, retrao de crdito.

    Em agosto de 2007 o banco BNP (Paribas Investment Partner) congelou os

    resgates em fundos, que eram difceis para avaliar os valores dos investimentos que

    eram ligados s hipotecas de risco. Isso gerou o primeiro golpe ao setor financeiro

    resultando na crise econmica mundial de 2008, pois outras entidades passaram a tomar

    a mesma atitude, que gerou desconfiana e pnico aos investidores.

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    A partir da, empresas de crdito imobilirio tiveram de pedir concordata ou

    foram compradas por outras empresas ou bancos. Desde ento outros importantes

    bancos como o Citigroup, Wells Fargo e o Bank of America, sinalizaram as

    consequncias da crise, afetando todos os setores da economia como uma bola-de-neve.

    No Brasil, o principal efeito da crise foi a dificuldade de se obter dinheiro, pois grandes

    empresas que dependiam de financiamento externo, passam a encontrar menos linhas de

    crditos disponveis, pois os bancos temem dinheiro em contexto de crise,

    comprometendo assim o crescimento e andamento das empresas no pas. E at mesmo

    os bancos comeam a sofrer com a dificuldade de captar recursos no exterior, o que

    deve fazer os emprstimos ficarem mais caros e mais difceis tambm para as pessoas

    fsicas.

    Desta forma, para reduzir os efeitos da crise internacional, o Bacen (Banco

    Central) anunciou mudanas nos depsitos compulsrios das instituies financeiras,

    obrigando os bancos a depositar em uma conta no prprio Bacen parte dos recursos

    captados dos seus clientes nos depsitos vista, a prazo ou poupana. Outra

    consequncia da crise foi a desacelerao do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro,

    pois depois da crise com menos dinheiro, gasta-se menos, produz-se menos e por

    consequncia o crescimento menor. E por fim, foi afetada as exportaes do pas,

    conseqncia que ser mais bem explanada a seguir.

    3.1 EXPORTAES NO BRASIL NO CONTEXTO DA CRISE DE 2008

    Os impactos no balano de pagamentos que j vinha se deteriorando antes da

    crise, em razo da valorizao do real e do salto no montante das remessas de lucros e

    dividendos das multinacionais , se far sentir atravs da queda da demanda e dos

    preos internacionais das commodities, que representam parte majoritria das

    exportaes do pas.

    No Brasil, segundo Filgueiras (2008), que um pas com menores restries ao

    movimento dos fluxos de capitais e dependentes de uma pauta de exportao calcada,

    sobretudo, em commodities e produtos industriais com baixa intensidade tecnolgica

    tendero a sentir mais os efeitos da crise, e isto mais verdadeiro ainda em virtude da

    pequena margem de autonomia da poltica econmica desses pases.

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    O governo do pas estudou linhas especiais de financiamento, entre as

    possibilidades est DF colocar mais dinheiro no Proex (Programa de Financiamento

    s Exportaes) e garantir recursos para ACC (Adiantamento de Contrato de Cmbio),

    mecanismo que permite s empresas oferecer os dlares que recebero por suas

    exportaes como garantia de emprstimos. O BNDES (Banco Nacional de

    Desenvolvimento Econmico e Social) tambm j declarou que o banco de fomento

    conta com dinheiro suficiente at a primeira metade de 2009 para fazer face escassez

    de crdito internacional.

    3.2 TAXA DE CMBIO

    O cmbio uma importante varivel macroeconmica, sua cotao no s

    essencial para importao, exportao e fluxo de capital externo, como determinante

    nos nveis de investimento, poupana, inflao e crescimento econmico de um Pas.

    Sua taxa um importante instrumento de poltica econmica, pois a mesma afeta

    todas as transaes realizadas com o exterior; afeta a competitividade das mercadorias

    do pas, influenciando as importaes e exportaes; afeta o crescimento econmico:

    cmbio competitivo favorece dinmica econmica puxada pelo mercado externo

    (questo que ser detalhada neste trabalho); afeta a rentabilidade dos ttulos nacionais

    perante os ttulos estrangeiros, influenciando a taxa de juros e os fluxos financeiros; e

    afeta a estabilidade de preos: cambio estvel favorece concorrncia de preos de bens

    importados com produtos e insumos nacionais.

    A importncia da taxa de cmbio no sistema econmico igualmente sublinhada

    por Bresser-Pereira (2007). Segundo o autor, a armadilha da taxa de cmbio mais letal que a da taxa de juros, porque ela facilmente termina em crise de balano de pagamentos, enquanto a primeira pode terminar em crise de dominncia fiscal, embora seja difcil que isso ocorra. A taxa de cmbio apreciada reduz exportaes e aumenta importaes. Os ndices de endividamento externo do pas se deterioram, as perspectivas de piora na margem se agravam e, subitamente, os credores decidem suspender a rolagem da dvida externa, como aconteceu em 1998 e 2002 (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 244).

    H dois regimes de cmbio o cmbio fixo e o flutuante. No regime de cmbio

    fixo, que um caso extremo de controle do mercado, o Banco Central deve estar

    constantemente regulando o mercado. Caso haja um excesso de procura/demanda por

    dlares, este deve vender dlares ao mercado para que o cmbio no se desvalorize.

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    Caso ocorra um excesso de oferta de dlares no mercado, o Banco Central deve

    comprar o excesso para que o cmbio no se valorize. No caso do cmbio flutuante o

    Banco Central no intervm no mercado. O preo da moeda estrangeira, ou a taxa de

    cmbio, determinado exclusivamente pela interao entre oferta e demanda. O

    BACEN no compra e no vende dlares; esse procedimento adotado nos principais

    pases desenvolvidos.

    Com a turbulncia financeira internacional agravada a partir do segundo

    semestre de 2008, quando a crise converteu-se em um fenmeno sistmico, o quadro

    cambial no Brasil, semelhana do ocorrido em outros Pases emergentes, reverteu-se,

    e as taxas nominais de compra para o dlar passaram de R$ 1,57 no final de julho para

    R$2,34 no fim daquele ano, com uma variao de 49,0%.

    Essa super-desvalorizao cambial que ocorreu num curto espao de tempo,

    promoveu em mudanas nos nveis de exportao, que afetou diretamente o mercado de

    commodities e consequentemente o setor madeireiro. Os impactos das mudanas

    negativas da crise de 2008 nos nveis de exportao de madeira ser apresentado a

    seguir.

    4 ANLISE DO SETOR MADEIREIRO NO ESTADO DO PAR

    Para se analisar os impactos da crise de 2008 no setor madeireiro nos nveis de

    exportaes do produto, interessante apresentar alguns dados sobre produo do setor

    no Par e no mundo, como ser visto a seguir.

    4.1 PRODUO E EXPORTAO MADEIREIRA

    A produo mundial de madeira alcanou aproximadamente 3,5 bilhes m,

    sendo que mais da metade encontra-se na China, EUA, ndia, Brasil, Indonsia e

    Canad. Especificamente quanto madeira em tora, de 1997 a 2008 a produo oscilou,

    mas com leve dinmica ascendente at 2005, quando inverteu o movimento, atingindo

    1,55 bilhes m em 2008 (Tabela 1). O Brasil apresentou um desempenho um pouco

    melhor, saindo de 84.684.000 m no primeiro ano e chegando a 115.390.000 m no

    ltimo ano. A produo brasileira, norteamericana, russa, canadense e chinesa so as

    que dominam o mercado.

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    Tabela 1: Produo mundial de madeira em tora, 1997 2008 (m)

    PASES EUA FEDERAO RUSSA CANAD BRASIL CHINA RESTO DO MUNDO

    MUNDO

    1997 416.092.008 88.374.000 185.859.000 84.684.000 106.655.700 648.463.922 1.530.128.630 1998 422.034.000 77.400.000 173.901.000 83.764.000 107.043.100 630.804.372 1.494.946.472 1999 423.298.000 94.600.000 190.988.000 100.395.000 99.961.400 634.059.051 1.543.301.451 2000 420.619.000 105.800.000 198.918.000 102.994.000 96.019.100 680.832.092 1.605.182.192 2001 403.212.000 117.800.000 182.945.000 89.827.000 93.464.400 635.343.571 1.522.591.971 2002 404.958.000 118.600.000 195.211.000 96.438.000 92.729.100 648.821.830 1.556.757.930 2003 405.613.000 126.600.000 176.799.000 120.360.000 94.664.100 677.680.287 1.601.716.387 2004 418.131.000 130.600.000 205.273.000 106.618.000 94.668.400 704.958.648 1.660.249.048 2005 423.456.000 138.000.000 200.247.000 117.987.000 94.669.400 740.679.981 1.715.039.381 2006 412.134.000 144.600.000 181.010.000 118.754.000 94.664.900 712.474.582 1.663.637.482 2007 378.771.000 162.000.000 157.609.000 121.520.000 90.930.500 764.863.506 1.675.694.006 2008 336.895.000 136.700.000 132.232.000 115.390.000 100.843.100 733.114.266 1.555.174.366

    Fonte: Food Agricultural Organization (FAO, 2011)/(Pereira 2011)

    Mas o movimento pouco dinmico da produo de madeira em toras contrasta

    com o aumento da demanda por produtos florestais que incluem tanto os produtos

    madeireiros (painis derivados de madeira, madeira processada mecanicamente,

    celulose e papel) quanto no-madeireiros (frutos, leos, resinas, gomas, etc.). Essa

    produo pode ter origem em floresta natural (atividades extrativistas) ou cultivadas

    (silvicultura). Entre os principais produtores mundiais, o Brasil enquadra-se

    principalmente no segundo caso. O aumento da demanda por produtos florestais e do

    comrcio mundial pode ser um indicador da intensificao do beneficiamento e

    diversificao da produo madeireira. China, EUA, Alemanha, Japo, Reino Unido,

    Frana e Itlia so os maiores importadores mundiais (Grfico 1).

    Grfico 1: Principais pases importadores de produtos florestais em 2008 Fonte: FAO/Pereira (2011).

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    As exportaes brasileiras destinavam-se principalmente para EUA, China,

    Alemanha, Itlia e Blgica, que juntos, correspondiam por 54,49% das vendas de

    produtos florestais do Brasil (Grfico 2).

    Grfico 2: Destino das exportaes de produtos florestais brasileiros, 2008. Fonte: FAO/Pereira (2011)

    O setor madeireiro paraense vem apresentando uma dinmica de reduo do

    volume produzido enquanto o valor produzido caminha em sentido oposto, crescendo,

    de onde se constata um movimento de elevao dos preos.

    Na srie que apresentamos a seguir (Tabela 2), em 2003 o Par obteve a maior

    quantidade produzida de madeira em tora (10.844.175 m), com um valor de produo

    igual a R$ 834.742. A partir de ento, observa-se uma queda contnua da quantidade

    produzida. De 2001 a 2009 a quantidade produzida, em termos absolutos, se contraiu

    em 4.805.532 m, representando uma queda de 44,57%. Diversos fatores contribuem

    para a reduo dos volumes produzidos, desde o esgotamento de algumas reas

    florestais, reduo do volume demandado por importadores, presso ambiental e

    desenvolvimento de produtos substitutos ( o caso da construo civil).

    Paralelamente reduo do volume produzido, o valor da produo, em

    dinmica ascendente, alcanou R$ 1,07 bilhes em 2008. A pequena queda ocorrida no

    ano seguinte pode ser explicada, entre outros motivos, pela ocorrncia da crise

    econmica internacional desencadeada no final de 2009, atingindo as exportaes. A

    dinmica dos preos parte deste movimento. No ano 2000 o preo do m da madeira

    em tora era de aproximadamente R$ 49,58. Dez anos aps alcanou R$ 170,66 (Tabela

    2).

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    Tabela 2: Evoluo da produo madeireira no Par - 2000-2009

    ANO Quantidade produzida de madeira em tora (m)

    Valor da produo de madeira em tora (mil reais)

    Preo do m em reais

    2000 10.781.501 534.573 49,58 2001 10.645.334 580.160 54,50 2002 10.209.043 719.106 70,44 2003 10.844.175 834.742 76,98 2004 10.601.633 946.393 89,27 2005 9.935.853 958.045 96,42 2006 9.506.602 1.008.626 106,10 2007 9.090.150 1.036.289 114,00 2008 7.618.912 1.062.567 139,46 2009 5.975.969 1.019.829 170,66 Fonte: IBGE-PEVS Elaborao: IDESP, adaptado.

    As ltimas dcadas do sculo XX presenciaram uma mudana do perfil da

    produo madeireira da Amaznia e do Par, avanando para um maior beneficiamento

    do produto, proporcionando maior agregao de valor por m produzido. Isso pode ser

    constatado nos dados da exportao do setor. Em 1973, 60,5% do volume exportado

    pelo estado paraense ocorria na forma de madeira em toras, 36% eram compensados e

    apenas 0,55% eram beneficiados. Em 1995 no se registrou exportao de madeira em

    toras. 67,5% do volume exportado foi de serrados, 26% dre compensados e 2,66% de

    beneficiados (Grfico 3).

    Grfico 3: Composio da evoluo das exportaes madeireiras paraenses (m) Fonte: AIMEX/Revista Nosso Par, n 3.

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    Este cenrio permaneceu no incio do sculo XX e, segundo Santana et al.

    (2009; 2010), ITTO (2008) e FAO (2009, 2010a), tem ocorrido devido implementao

    do marco regulatrio da poltica ambiental aplicada ao setor. Ela inicialmente avanou

    com as aes de combate ao desmatamento e evoluiu para o controle da extrao e

    comercializao ilegal de madeira, identificao e regulamentao das reas de florestas

    pblicas e concesses para explorao segundo os padres de sustentabilidade

    estabelecidos pela legislao.

    Ainda que com oscilaes, desde os anos 1980 o valor exportado pelo setor

    madeireiro brasileiro apresenta significativo e ascendente crescimento. Em 1982

    registrou-se um total exportado de US$ 274 milhes no Brasil, alcanou US$ 410

    milhes em 1990 e saltou para US$ 1,14 bilhes em 1995. Essa expanso se manteve

    at 2007, quando se somou US$ 3,34 bilhes (Tabela 3). A partir de 2008 a dinmica

    mudou, registrando queda importante. Esta reduo significativa na exportao est muito

    associada crise financeira mundial, que teve incio no ano de 2007, quando o setor

    financeiro dos principais pases consumidores da madeira beneficiada do Estado entrou

    em declnio, ocasionando a recesso econmica, com escassez de crdito e reduo no

    consumo dos principais produtos importados.

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    A crise internacional de 2008 acentuou mudanas negativas no somente ao

    setor madeireiro, mas ao setor de commodities brasileiro. No grfico 4 apresenta o

    impacto negativo que houve na pauta de exportao brasileira entre 2007 e 2009.

    Grfico 4: Evoluo anual da balana comercial brasileira e do agronegcio - 1989 a 2009 - (em US$ bilhes)

    Tabela 3: Exportao madeireira - Brasil/Par (US$ 1000 FOB) - 1997-2010

    ANO BRASIL PAR PAR/BRASIL (%)

    1982 274.300.000 79.111.762 28,84 1987 399.845.000 120.472.496 30,13 1990 409.698.000 140.611.826 34,32 1995 1.135.186.621 348.102.255 30,66 1997 1.217.966.724 330.745.873 27,16 1998 1.127.032.667 255.041.068 22,63 1999 1.391.108.357 277.630.214 19,96 2000 1.478.725.734 309.035.424 20,90 2001 1.492.036.898 286.271.216 19,19 2002 1.766.368.898 312.692.749 17,70 2003 2.082.457.104 372.546.610 17,89 2004 3.045.213.899 543.447.276 17,85 2005 3.032.951.915 575.203.490 18,97 2006 3.161.137.303 645.201.008 20,41 2007 3.338.961.072 792.820.353 23,74 2008 2.759.325.324 631.240.451 22,88 2009 1.678.630.225 346.101.622 20,62 2010 1.917.892.951 386.680.449 20,16 Fonte: Elaborado a partir dos dados do Sistema Aliceweb (BRASIL, 2011); DECEX/AIMEX (2010).

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    Fonte: AgroStat Brasil, a partir de dados da SECEX/MDIC Elaborao: CGOE/ DPI/ SRI/ MAPA

    Nesse perodo da crise, particularmente entre 2007 a 2008, houve uma grande

    evaso de divisas que promoveu uma forte desvalorizao cambial, que reforada no

    grfico 5.

    Grfico 5: Saldo Comercial e Taxa Real de Cmbio Brasil (1980-2010) Fonte: BACEN Elaborao: Mrcio Holland

    Apesar de pensarmos que essa desvalorizao iria implicar em estmulo ao setor

    exportados, o mesmo no aconteceu. Em virtude da crise, a desvalorizaes cambiais

    tambm ocorreram na maioria dos Pases emergentes e, de modo geral, segundo Bello

    (2009), trs fatores contriburam para a desvalorizao da moeda nesses Pases: a forte

    desacelerao da economia mundial, a averso ao risco e a queda dos preos das

    commodities: i) a desvalorizao do real aps a crise, foi um dos efeitos mais imediatos

    da desacelerao da economia mundial, devido a queda no volume das exportaes -

    com reflexos negativos sobre a balana comercial dos Pases - e nos seus fluxos de

    capitais; ii) averso ao risco, o que levou fuga de capitais nos Pases emergentes e

    contribuiu para a subida do dlar nos Pases perifricos; e iii) a reduo no preo das

    commodities, iniciada no segundo semestre de 2008 e apontada como outra das causas

    da desvalorizao cambial nos Pases emergentes, afetou em especial os Pases

    exportadores dessas mercadorias, dentre os quais se inclui o Brasil.

  • Atas Proceedings | 15

    Crise global e efeitos na agricultura e desenvolvimento rural C01

    13

    Neste cenrio, o setor madeireiro no estado do Par passa a perder mercado

    exterior a partir da crise, pois como a madeira exportada como commodities pelo

    estado, pois no inicio da crise com a desvalorizao do dlar, ocorreu um aumento de

    preos do produto, fazendo com que suas exportaes cassem, voltando a se recuperar

    nos dois anos seguintes ps-crise. A seguir ser analisado o panorama do setor

    madeireiro no estado do Par antes da crise, durante e ps-crise.

    O Par, ainda que com especificidades, acompanhou a dinmica nacional, mas

    com perda de participao relativa no total exportado pelo pas. Da dcada de 1980 at

    meados dos anos 1990 as exportaes paraenses responderam por aproximadamente

    30% das vendas do Brasil ao exterior. Desde ento, ocorreu uma queda da presena do

    Par, de modo que em 2010 representou 20,16% das exportaes brasileiras de madeira.

    Esse movimento ocorre tambm quando analisamos as vendas de madeiras do

    estado comparativamente s exportaes totais do estado. Percebe-se uma reduo

    bastante acentuada entre os anos de 1991 e 2010. No primeiro ano o setor madeireiro

    respondeu por 9% do total das vendas ao exterior do Par, elevou-se sucessivamente at

    17,8% em 1994, a partir do qual oscilou com queda e recuperao at 2004 (14,2%)

    (Tabela 4).

    Ainda que mantendo oscilao, a dinmica dos anos seguintes foi descendente,

    atingindo somente 10% em 2010. Na ltima dcada em particular essa reduo decorreu

    da intensificao das fiscalizaes ambientais, das dificuldades de financiamento e da

    crise econmica. Em sentido inverso, encontra-se a produo mineral que em 2010,

    respondeu por 86% das exportaes do estado, sendo que somente a exportaes de

    minrios brutos (extrao mineral) corresponderam a 66% de tudo que o Par vendeu a

    outros pases.

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    Tabela 4: Participao do setor madeireiro nas exportaes do Par - 1997-2010

    Ano Exportao total Par US$ FOB Exportao madeireira US$ FOB

    Participao (%)

    1991 1.576.937.814 141.205.316 8,95 1992 1.645.789.580 160.897.479 9,78 1993 1.781.048.905 244.226.772 13,71 1994 1.820.771.266 324.515.685 17,82 1995 2.181.436.565 348.102.255 15,96 1997 2.597.109.469 330.745.873 12,74 1998 2.465.221.045 255.041.068 10,35 1999 2.413.589.934 277.630.214 11,50 2000 2.441.275.870 309.035.424 12,66 2001 2.289.087.011 286.271.216 12,51 2002 2.260.779.838 312.692.749 13,83 2003 2.672.783.137 372.546.610 13,94 2004 3.804.905.385 543.447.276 14,28 2005 4.807.893.461 575.203.490 11,96 2006 6.707.888.191 645.201.008 9,62 2007 7.925.093.138 792.820.353 10,00 2008 10.680.513.954 631.240.451 5,91 2009 8.345.255.133 346.101.622 4,15 2010 12.835.420.476 386.680.449 3,01 Fonte: Elaborado a partir dos dados do Sistema Aliceweb (BRASIL, 2011) O ano de 2010 foi pior da crise para o segmento de madeira, pois a queda nas

    exportaes est ligada ao impacto da crise sobre o poder do dlar, que se desvalorizou

    relativamente s principais moedas, inclusive o real. Desta forma, como os produtos da

    madeira so comercializados como commodity de baixo valor agregado, com a

    valorizao do real em relao ao dlar, as exportaes tornam-se menos competitivas,

    pois o preo do produto mais caro.

    Alm disso, a demanda por produtos da commodity madeira diminuiu em todos

    os mercados importadores do Brasil, em funo da crise no setor da construo civil nos

    pases da Unio Europia (Frana, Reino Unido, Alemanha, Espanha e Portugal),

    Estados Unidos, Japo e China (ITTO, 2009; FAO, 2010c) apud Santana et al (2010).

    Como a crise financeira foi forte, atingiu a atividade econmica destes pases por meio

    do racionamento do crdito, fazendo com que os mesmo diminussem suas importaes.

    A crise internacional de 2008 afetou as exportaes de madeira na Amaznia.

    No Par segundo AIMEX (2010), em 2007 o valor exportado foi aproximadamente US$

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    Crise global e efeitos na agricultura e desenvolvimento rural C01

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    793 milhes, contra US$ 631 milhes em 2008 e US$ 346 milhes em 2009, percebe-se

    que os valores vm caindo; registrando um crescimento em 2010 (US$ 386 milhes)

    tabela 4. Em contrapartida, o mercado madeireiro

    4.2 MERCADO INTERNO DO SETOR MADEIREIRO

    Frente queda no mercado exterior da madeira, observa-se um aumento de

    participao do mercado nacional na compra de madeira tropical no ano de 2009,

    obtendo uma absoro de 79% de consumo da madeira processada na Amaznia, que

    so distribudos pelos Estados de So Paulo (17%), regio Nordeste (12%), Sudeste

    (14%), Sul (15%), e a regio Centro-Oeste excluindo Mato Grosso (4%), no ano de

    2009. Em alguns Estados houve uma queda do consumo da madeira, como a regio Sul

    e Centro-Oeste, em outros houve apenas elevao, no caso da Amaznia Legal, e nos

    demais observa-se uma oscilao entre os anos 1998, 2004 e 2009, conforme o grfico

    6. Grfico 6: Destino da Madeira Processada na Amaznia Legal 1998, 2004 e 2009 Fonte: IMAZON, 2010.

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    5 CONCLUSO

    O setor madeireiro um das mais importantes razes responsveis pela

    sustentao da economia Amaznica. Apesar disso, suas caractersticas de produo

    baseada na explorao com baixo valor agregado faz com que ele se inclua no mercado

    de commodities e sofra influncias no cmbio devido sua inelasticidade na economia

    internacional, o que ira impactar em mudanas nos preos relativos de commodities.

    A crise internacional de 2008 provocou um estrangulamento na pauta de

    exportao nacional. O setor madeireiro no escapou dessa retrao da demanda

    internacional, amedrontada pela forte elevao do risco em escala mundial no mercado

    financeiro. Sendo assim, foi gerado uma forte diminuio das exportaes de madeira,

    desvalorizao cambial, queda dos preos relativos da madeira e diminuio do

    consumo no mundo.

    Mesmo apresentando uma diminuio na exportao de madeira, houve um

    plano alternativo para o setor madeireiro. Foi indiscutvel a participao da economia

    nacional como mercado canalizador produo do setor madeireiro no estado do Par

    antes dedicada exportao. Esse desvio amorteceu o excesso de oferta de madeira

    produzida e ajudou o setor a ganhar flego para enfrentar a crise nos anos subsequentes.

    REFERNCIAS AIMEX Associao das Indstrias Exportadoras de Madeira do Estado do Par. Produo madeireira no Estado do Par no ano de 2009. Circular n. 05/2010. 19/01/2010. Relatrio interno. BANCO CENTRAL DO BRASIL Nota para a imprensa Setor Externo. Braslia, 26.05.2011. Disponvel no site http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/notas.asp?idioma=p&id=ecoimphist BELLO. Teresinha da Silva. As alteraes do cmbio no Brasil, aps a deflagrao da crise. Economista e tcnica da FEE, 2009. BRASIL. Ministrio do Desenvolvimento Indstria e Comrcio Exterior. Sistema Aliceweb. 2011. Disponvel em: www.mdic.gov.br. Acesso em:outubro, 2011. ________. Ministrio do Desenvolvimento Indstria e Comrcio Exterior. Sistema AgroStat Brasil. 2011. Disponvel em: www.mdic.gov.br. Acesso em:outubro, 2011. BRESSER-PEREIRA, L.C. Macroeconomia da Estagnao: crtica da ortodoxia convencional no Brasil ps-1994. Editora 34, So Paulo, 2007.

  • Atas Proceedings | 19

    Crise global e efeitos na agricultura e desenvolvimento rural C01

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    FILGUEIRAS, Luiz. Os efeitos da crise mundial na economia brasileira. So Paulo: Jornal do Economista, nov/2008 FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS-FAO. Statistical database. 2010c. Disponvel em: www.fao.org. Acessado em: 15 jul. 2010. IN: SANTANA, A. C. SANTOS, M. A. S. OLIVEIRA, C. M. Comportamento histrico da produo e comrcio de madeira do estado do par nos mercados local e internacional. Amaznia: Ci. & Desenv., Belm, v. 6, n. 11, jul./dez. 2010 ___________________. Evaluacin de los recursos forestales mundiales 2010. Disponvel em: www.fao.org/forestry/fra2020. Acessado em: maio 2010a. IN: SANTANA, A. C. SANTOS, M. A. S. OLIVEIRA, C. M. Comportamento histrico da produo e comrcio de madeira do estado do par nos mercados local e internacional. Amaznia: Ci. & Desenv., Belm, v. 6, n. 11, jul./dez. 2010 IDESP - Instituto de Desenvolvimento Econmico, Social e Ambiental do Par. Produto Interno Bruto Par 2008. Disponvel em: www.idesppa.br. Acessado: 31/10/2010. IMAZON Instituto do Homem Meio Ambiente da Amaznia. A atividade madeireira na Amaznia brasileira: produo, receita e mercados / Servio Florestal Brasileiro, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amaznia Belm, PA: Servio Florestal Brasileiro (SFB); IMAZON, 2010. INTERNATIONAL TROPICAL TIMBER ORGANIZATION. Annual review and assessment of the world timber situation, 2008. 2009. Disponvel em: . Acesso em: 05 jul. 2010. IN: SANTANA, A. C. SANTOS, M. A. S. OLIVEIRA, C. M. Comportamento histrico da produo e comrcio de madeira do estado do Par nos mercados local e internacional. Amaznia: Ci. & Desenv., Belm, v. 6, n. 11, jul./dez. 2010.

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    PERSPECTIVAS DE CONSUMO E PRODUO DE LEITE NO BRASIL RESUMO

    O setor agroindustrial de leite sofreu profundas transformaes com as mudanas econmicas da dcada de 1990. Dessa forma, tanto as taxas geomtricas de crescimento da produo quanto da produtividade foram afetadas, assim como suas influncias na cadeia produtiva e nas relaes de comrcio internacional. No entanto, a evoluo da produo e da produtividade no acompanhada na mesma proporo pelo consumo per capita, de modo que surge a preocupao do srio problema que poder no futuro atingir o setor lcteo do pas, que o excesso de oferta de leite no mercado interno. Nesse contexto, o presente trabalho procura criar um cenrio futuro do mercado de leite, baseando-se na modelagem de sries temporais para prever o volume consumido de leite e compar-lo ao volume da produo, considerando as possibilidades de acelerao ou desacelerao de seu crescimento nos prximos anos. Assim, procura-se captar os excessos de oferta de leite, analisando os impactos e possveis solues para que os agentes do setor possam evitar os efeitos negativos decorrentes desse fenmeno. Palavras-chave: Leite. Consumo. Aumento da produtividade. Produo. Excesso de oferta.

    ABSTRACT The milks agribusiness sector has undergone major changes with the economic changes of the 1990s. Thus, both the geometric rates of production and productivity growth were affected, as well as influences in their supply chain and international trade relations. However, the evolution of output and productivity are not accompanied by the same amount per capita consumption, so that the concern arises from the serious problem that may in the future achieve the countrys dairy sector, which is the excess supply milk in the internal market. In this context, this paper seeks to create a future scenario of the milk market, based on time series modeling to predict the volume of milk consumed and compare it to the volume of production, considering the possibilities of acceleration or deceleration of growth in the coming years. So, we try to capture the excess supply of milk and analyze the impacts and possible solutions to the industry players avoid the negative effects of this phenomenon. Keywords: Milk. Consumption. Increased productivity. Production. Excess suply.

    1. INTRODUO

    Sabe-se que a produo de leite vem apresentando um crescimento significativo desde a dcada de 1980. A Tabela 1 mostra as taxas de crescimento da produo de leite nas ltimas trs dcadas. Verifica-se um crescimento de 2,4% ao ano no perodo que vai de 1980 a 1990. Na dcada seguinte, quando as mudanas institucionais passam a afetar o setor, o crescimento bruto da produo no foi to diferente dos anos 1980, sendo da ordem de 2,74% ao ano no perodo de 1991 a 2000. A principal mudana nas taxas geomtricas de crescimento se d no incio dos anos 2000, quando apenas para o perodo que vai de 2000 a 2004, a produo cresce cerca de 3,5% ao ano, significando um aumento de aproximadamente 3 bilhes de litros de leite.

    Ao mesmo tempo que a produo leiteira cresce de maneira contnua ao longo dos anos, o nmero de vacas ordenhadas sofre brusca queda em 1995, quando h uma reduo de cerca de 4,3 mil cabeas de vacas produtoras de leite de um ano para o outro, representando queda de 21%. Dessa forma, na dcada de 1990, a taxa geomtrica de crescimento anual do nmero de vacas ordenhadas foi negativa de 1,09%. A taxa volta a ser mais significativa para os anos de 2000 a 2004, devendo-se principalmente ao grande aumento da produo.

    O continuado aumento da produo total de leite, acompanhado pela queda da tendncia do rebanho de vacas ordenhadas, deixa claro que houve expressivos ganhos de produtividade ao longo dos anos analisados. Acredita-se que a produtividade do setor

    PERSPECTIVAS DE CONSUMO E PRODUO DE LEITE NO BRASIL RESUMO

    O setor agroindustrial de leite sofreu profundas transformaes com as mudanas econmicas da dcada de 1990. Dessa forma, tanto as taxas geomtricas de crescimento da produo quanto da produtividade foram afetadas, assim como suas influncias na cadeia produtiva e nas relaes de comrcio internacional. No entanto, a evoluo da produo e da produtividade no acompanhada na mesma proporo pelo consumo per capita, de modo que surge a preocupao do srio problema que poder no futuro atingir o setor lcteo do pas, que o excesso de oferta de leite no mercado interno. Nesse contexto, o presente trabalho procura criar um cenrio futuro do mercado de leite, baseando-se na modelagem de sries temporais para prever o volume consumido de leite e compar-lo ao volume da produo, considerando as possibilidades de acelerao ou desacelerao de seu crescimento nos prximos anos. Assim, procura-se captar os excessos de oferta de leite, analisando os impactos e possveis solues para que os agentes do setor possam evitar os efeitos negativos decorrentes desse fenmeno. Palavras-chave: Leite. Consumo. Aumento da produtividade. Produo. Excesso de oferta.

    ABSTRACT The milks agribusiness sector has undergone major changes with the economic changes of the 1990s. Thus, both the geometric rates of production and productivity growth were affected, as well as influences in their supply chain and international trade relations. However, the evolution of output and productivity are not accompanied by the same amount per capita consumption, so that the concern arises from the serious problem that may in the future achieve the countrys dairy sector, which is the excess supply milk in the internal market. In this context, this paper seeks to create a future scenario of the milk market, based on time series modeling to predict the volume of milk consumed and compare it to the volume of production, considering the possibilities of acceleration or deceleration of growth in the coming years. So, we try to capture the excess supply of milk and analyze the impacts and possible solutions to the industry players avoid the negative effects of this phenomenon. Keywords: Milk. Consumption. Increased productivity. Production. Excess suply.

    1. INTRODUO

    Sabe-se que a produo de leite vem apresentando um crescimento significativo desde a dcada de 1980. A Tabela 1 mostra as taxas de crescimento da produo de leite nas ltimas trs dcadas. Verifica-se um crescimento de 2,4% ao ano no perodo que vai de 1980 a 1990. Na dcada seguinte, quando as mudanas institucionais passam a afetar o setor, o crescimento bruto da produo no foi to diferente dos anos 1980, sendo da ordem de 2,74% ao ano no perodo de 1991 a 2000. A principal mudana nas taxas geomtricas de crescimento se d no incio dos anos 2000, quando apenas para o perodo que vai de 2000 a 2004, a produo cresce cerca de 3,5% ao ano, significando um aumento de aproximadamente 3 bilhes de litros de leite.

    Ao mesmo tempo que a produo leiteira cresce de maneira contnua ao longo dos anos, o nmero de vacas ordenhadas sofre brusca queda em 1995, quando h uma reduo de cerca de 4,3 mil cabeas de vacas produtoras de leite de um ano para o outro, representando queda de 21%. Dessa forma, na dcada de 1990, a taxa geomtrica de crescimento anual do nmero de vacas ordenhadas foi negativa de 1,09%. A taxa volta a ser mais significativa para os anos de 2000 a 2004, devendo-se principalmente ao grande aumento da produo.

    O continuado aumento da produo total de leite, acompanhado pela queda da tendncia do rebanho de vacas ordenhadas, deixa claro que houve expressivos ganhos de produtividade ao longo dos anos analisados. Acredita-se que a produtividade do setor

    Alexandre Lopes Gomes, Ana Beatriz Oliveira

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    VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusfono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural

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    conseqncia do desenvolvimento da cadeia produtiva, proporcionado principalmente pelo aumento da competitividade ps-desregulamentao estatal. Nesse sentido, novos procedimentos tm sido adotados, visando ao aperfeioamento da gesto de custos e o incremento dos nveis de qualidade, desde a matria-prima at o produto final. Para Martins (2004), o gerenciamento dos custos de produo e do ganho de escala so fatores decisivos para a competitividade do setor leiteiro, em um mercado caracterizado pela concorrncia imperfeita. Tabela 1. Taxas Geomtricas de Crescimento da Produo Total de Leite e do Nmero de Vacas Ordenhadas para Intervalos de Tempo, de 1980 a 2008.

    Produo de Leite Vacas Ordenhadas 1980 - 1990 2,40% 1,32% 1991 - 2000 2,74% -1,09% 2000 - 2004 3,50% 2,28% 2005 - 2008 2,41% 0,79%

    Fonte: elaborao prpria. Apesar dos incrementos na produo, o Brasil caracterizou-se como histrico

    importador de derivados lcteos at o fim do sculo XX. Aps a abertura econmica e a formao do Mercosul, empresas domsticas foram colocadas frente a uma competio que no existia anteriormente, com empresas de grande porte a enfrentar preos muitas vezes distorcidos no resto do mundo. A importao brasileira de lcteos oriundos da Argentina, Uruguai, Unio Europia e Nova Zelndia aumentou, j que, de acordo com Santos e Barros (2006), so pases que possuem preos abaixo da mdia dos praticados no mercado internacional, provavelmente influenciados por medidas de dumping.

    No ano de 1996, o volume de leite importado foi da ordem de 2,2 bilhes de litros, fato que se perpetuou por mais alguns anos. Esse quadro s pde ser revertido na dcada seguinte, quando as investigaes de dumping promovidas pelo governo brasileiro, concludas no final do ano 2000, resultaram na aplicao de novas tarifas e estabelecimento de acordos de preo a ser aplicados em fevereiro de 2001, em relao s empresas dos pases investigados. Somente a o Brasil comea a se portar como potencial exportador de leite fluido e de derivados lcteos (MARTINS, M., 2008).

    Acredita-se que o Brasil possui boas oportunidades de se tornar um grande exportador de lcteos, devido a sua prpria competitividade. Isso porque dispe de grande disponibilidade de terra, gua, tecnologia, custos de produo competitivos e finalmente, uma produtividade que j supera a mdia mundial, ilustrando assim um grande potencial de melhoria. Portanto, o setor do agronegcio de leite merece devida ateno no sentido de atingir melhores alocaes dos recursos e atingir a eficincia e, assim, ocupar posio importante no comrcio internacional. A Tabela 2 compara os volumes de produo nacional de leite com a balana comercial do setor. Ela ilustra o crescimento gradativo da exportao, a partir dos anos 2000, e eventual reduo das importaes, de modo que em 2004, verifica-se o primeiro supervit da balana comercial, no valor de 35 milhes de litros.

    A tendncia de produo de leite para os prximos anos de um aumento do volume produzido mundialmente, principalmente nos pases em desenvolvimento, onde existem condies climticas favorveis para a atividade e menores custos de alimentao, mo-de-obra e de capital empregado.

    O consumo de leite fortemente recomendvel pelo Ministrio da Sade, variando de acordo com a idade das pessoas. No entanto, a demanda por leite e derivados pode ser influenciada por diversos fatores, entre eles o aumento da populao, o crescimento

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    Crise global e efeitos na agricultura e desenvolvimento rural C01

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    da renda, a reduo de preos relativos de produtos concorrentes ou substitutos e mudanas alimentares. Tabela 2. Produo Total, Importaes e Exportaes Brasileiras de Leite em Milhes de Litros, de 2000 a 2005.

    Ano Produo

    (milhes de litros)

    Importao (milhes de litros)

    Exportao (milhes de litros)

    Balana Comercial (milhes de litros)

    2000 19.767,00 1.800,00 42,08 -1.757,92 2001 20.510,00 808,00 84,27 -723,73 2002 21.644,00 1.468,00 142,34 -1.325,66 2003 22.254,00 554,00 173,36 -380,64 2004 23.478,00 350,00 385,00 35,00 2005 25.004,00 450,00 600,00 150,00 Fonte: Banco de dados da EMBRAPA, Gado de Leite, 2011.

    Nos ltimos anos, o consumo aparente per capita de leite no Brasil apresentou

    trajetria levemente crescente. Na dcada de 1980, cresceu cerca 0,69% ao ano, mas teve esta taxa aumentada para 1,92% na dcada seguinte e de 1,31% no perodo dos anos 2000 a 2005. O importante aqui notar que, apesar do crescimento do consumo, estas taxas no acompanham o crescimento da produo. Surge ento a preocupao com o srio problema de excesso de leite no mercado interno no futuro, o que poderia causar uma srie de impactos na cadeia produtiva, inclusive a deteriorao dos preos pagos aos produtores. preciso entender, portanto, em que p est a produo brasileira em relao a sua capacidade total, pois, se estiver se aproximando desse patamar, a tendncia baseada nos retornos decrescentes a escala que a taxa de crescimento diminua, levando a produo a experimentar acrscimos menores de volume com o passar dos anos. Todavia, se a situao do Brasil for semelhante a dos outros pases, como muitos defendem ser, provvel que esta taxa aumente ainda mais com os ganhos de produtividade e novas tecnologias, provocando um nvel de produo que possivelmente no ser acompanhado pelo mercado interno.

    A possibilidade de excesso de oferta de leite deve ser, portanto, acompanhada pelo governo no sentido de proteger os produtores e incentivar o mercado. Alguns autores j defendem a necessidade de polticas governamentais que aumentem a demanda, como, por exemplo, pela elevao da renda de camadas mais pobres da populao. Alm disso, ateno especial deve ser dada s exportaes, visto o grande potencial dessa atividade econmica.

    Levantadas essas questes, devemos nos perguntar: at que ponto o crescimento do consumo acompanha o crescimento da produo? E, caso no acompanhe, quais so as dimenses desse excedente de produo (se que ele existe de fato)? So essas e perguntas que nos levam a desenvolver o presente trabalho, que procura responder esses questionamentos e ainda apontar as possibilidades que o setor pode enfrentar nos prximos anos.

    Por conseguinte, o estudo deve se desenvolver em trs partes principais: a primeira compreende a previso do volume consumido de leite at o ano de 2030. Para obter estes resultados, ser utilizada a modelagem de sries temporais baseada na metodologia de Box-Jenkins. Obtidas as previses, partimos para a segunda etapa, na qual o consumo futuro dever ficar submetido ao crescimento da populao, a fim de demonstrar a evoluo do consumo per capita, comparada ao crescimento da produo se este seguir a mesma tendncia dos ltimos anos. A terceira parte consiste em simulaes a respeito da taxa de crescimento da

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    produo, considerando que esta pode ser menor que nos ltimos anos, caso os ganhos de eficincia j se apresentem de forma mais lenta ou que no haja mais espao no mercado, ou a taxa pode ser ainda maior, considerando que o Brasil ainda tem muito a crescer e modernizar o setor, sendo capaz de gerar um excedente passvel de exportaes. Por fim, pretende-se discutir os possveis impactos desse quadro de excesso de oferta na cadeia produtiva, com relao insero do setor no mercado internacional e na possvel queda dos preos pagos ao produtor.

    2. METODOLOGIA

    A srie de consumo de leite nacional reflete observaes de dados estatsticos

    da produo leiteira e da balana comercial do produto. De posse desses dados, o consumo total no ano em questo foi abordado a partir da soma da produo do pas com as importaes, deduzindo-se o volume de exportaes. Dividindo o volume resultante do consumo pela total da populao residente, obtm-se o consumo per capita no perodo analisado. Matematicamente, o consumo dado por:

    (1)

    onde: Ct = Consumo de leite em milhes de litros no ano t; Pt = Produo nacional de leite em milhes de litros no ano t; (Mt Xt) = Balana comercial de leite em milhes de litros no ano t.

    Obtida a srie de consumo, com dados do perodo de 1980 a 2005, parte-se

    para a modelagem e previso para o perodo de 2006 a 2030.

    2.1 APLICAO DA TEORIA DE BOX-JENKINS De acordo com Pindyck e Rubinfeld (2004, p. 539), um modelo de srie

    temporal no passa de um mtodo sofisticado de extrapolao de dados. Considerando que uma srie temporal tem os dados coletados sequencialmente ao longo de certo perodo de tempo, natural se esperar que ela apresente alguma correlao seriada no tempo.

    Os modelos de Box-Jenkis so modelos matemticos que visam captar o comportamento da correlao seriada ou autocorrelao entre os valores da srie temporal, e com base nesse comportamento realizar previses futuras (WERNER; RIBEIRO, 2003, p. 49).

    Comumente, a metodologia utilizada se divide em quatro etapas: a identificao; a estimao; a avaliao e a previso. Cada uma dessas etapas ser mostrada detalhadamente adiante.

    A) IDENTIFICAO

    Ao desenvolver modelos de sries temporais, importante saber se o processo

    estocstico que gerou a srie no varia em relao ao tempo, ou seja, se estacionrio, j que isso deve facilitar sua representao algbrica. A questo da srie estacionria para a modelagem de sries temporais deve ser tratada com ateno, considerando que o objetivo da metodologia de Box-Jenkins identificar e estimar um modelo estatstico que possa ser interpretado como tendo gerado os dados amostrais. Para utilizar esse modelo para prever

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    dados futuros, preciso supor que as caractersticas do modelo so constantes no tempo, e, particularmente, no perodo futuro, fornecendo assim uma base vlida para a previso.

    Pela definio de Gujarati (2005, p. 719):

    (...) um processo estocstico estacionrio se suas mdia e varincia forem constantes ao longo do tempo e o valor da covarincia entre dois perodos de tempo depender apenas da distncia ou defasagem entre dois perodos, e no do perodo de tempo efetivo em que a covarincia calculada.

    Para identificar a estacionariedade da srie em questo, utilizaremos um teste

    de raiz unitria denominado teste aumentado de Dickey-Fuller (ADF). O teste se baseia no problema da raiz unitria, j que na econometria, uma srie temporal que possua uma raiz unitria conhecida como uma srie de caminho aleatrio, exemplo de uma srie temporal no-estacionria. Para o teste ADF, a hiptese nula de presena de raiz unitria verificada pela estatstica t convencional, conhecida no teste como estatstica (tau).

    Primeiramente, o teste ADF aplicado para a srie em nvel. Caso a hiptese de no-estacionariedade no seja rejeitada, deve-se diferenci-la uma vez para aplicar o teste novamente. A srie, nesse momento, seria dita integrada de ordem 1. Se ainda assim no for encontrada uma srie estacionria, deve-se diferenci-la mais vezes, definindo sua ordem de integrao. O teste de Dickey-Fuller tambm serve para testar se o modelo melhor especificado na presena de intercepto e/ou tendncia linear. Para isso, o teste feito para trs tipos de modelos diferentes, sendo que o primeiro inclui o intercepto e a tendncia, o segundo apenas o intercepto e o terceiro livre. Os modelos so ento comparados para se identificar qual a melhor especificao para o modelo final.

    A construo de modelos de srie temporal objetiva explicar o movimento de uma srie temporal, relacionando o modelo a seus prprios valores passados e a uma soma ponderada de erros ou perturbaes aleatrias correntes e defasadas. Para isso, utilizam-se nas sries estacionrias modelos lineares escritos com coeficientes estimados fixos, representando uma estrutura estocstica que no muda ao longo do tempo, modelos que so detalhadamente explicados por Pindyck e Rubinfeld (2004) e Gujarati (2005).

    No modelo de mdias mveis (MA), o processo inteiramente descrito por uma soma de perturbaes aleatrias correntes e defasadas. Assim, no processo de mdias mveis de ordem q cada observao de yt gerada por uma soma ponderada de perturbaes aleatrias que vo para trs q perodos. Alm disso, supe-se que as perturbaes aleatrias sejam distribudas independentemente ao longo do tempo, isto , sejam geradas por um processo conhecido como de rudo branco. Em suma, um processo de mdia mvel simplesmente uma combinao linear dos termos de erro rudo branco. Tal processo, quando de ordem q, pode ser descrito da seguinte forma:

    (2)

    onde os parmetros , , ..., podem ser positivos ou negativos, uma constante e o termo de erro estocstico rudo branco.

    J no modelo conhecido como auto-regressivo (AR), o processo depende de uma soma ponderada de seus valores passados e um termo de perturbao aleatria, de modo que o valor da observao corrente expresso como desvios em relao a seu valor mdio. No processo auto-regressivo de ordem p, a observao corrente gerada por uma mdia ponderada de observaes passadas que recuam p perodos, junto com uma perturbao aleatria no perodo corrente. Dito isso, o processo AR(p) pode ser escrito por:

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    (3)

    onde uma constante que se relaciona mdia do processo estocstico e , , ..., so os parmetros do modelo.

    Naturalmente, bem possvel que o processo aleatrio em questo no possa ser modelado puramente como mdias mveis ou puramente como auto-regressivo, pois possui qualidades de ambos os tipos de processos. O processo misto auto-regressivo e de mdias mveis de ordem (p,q) indica que existem p termos auto-regressivos e q termos mdia mvel no modelo analisado. Assim, o modelo ARMA (p,q) pode ser representado por:

    (4)

    onde ,, ..., so os parmetros dos p termos auto-regressivos, 1, 2, ..., 3 so os parmetros dos q termos de mdias mveis, uma constante e o termo de erro estocstico rudo branco.

    Os modelos de sries temporais auto-regressivos, de mdias mveis e mistos descritos at agora se baseiam na hiptese de que as sries temporais envolvidas so estacionrias. No entanto, preciso considerar que, na prtica, muitas das sries temporais econmicas so no-estacionrias, com as caractersticas do processo estocstico subjacente variando ao longo do tempo.

    Quando se trata de sries temporais no-estacionrias, o modelo a ser construdo deve ser capaz de transform-las em sries estacionrias. Dessa forma, dizemos que estacionria de ordem d se for uma srie estacionria. O smbolo denota a diferenciao e d o nmero de vezes que ela ocorre.

    Depois de diferenciar a srie yt para produzir a srie estacionria wt, pode-se modelar wt como um processo ARMA da forma descrita anteriormente. A diferena agora que se e um processo ARMA (p,q), e a srie temporal original ARIMA (p,d,q), ou seja, uma srie temporal auto-regressiva integrada de mdia mvel, na qual p indica o nmero de termos auto-regressivos, d, o nmero de vezes em que a srie teve de ser diferenciada para se tornar estacionria e q, o nmero de termos de mdia mvel. O modelo ARIMA (p,d,q) matematicamente descrito por:

    (5)

    onde os parmetros so os mesmos do modelo ARMA, com exceo de , que denota a diferenciao de ordem d dos valores observados.

    Dadas as descries dos modelos de srie temporal que podero ser utilizadas no presente trabalho, a etapa da Identificao na metodologia Box-Jenkins consiste na definio dos valores apropriados de p, d e q do processo ARIMA. Para definir d, pode-se lanar mo do teste Dickey-Fuller aumentado j descrito anteriormente, pois ele deve identificar a estacionariedade da srie com determinado nmero de diferenciaes. Quanto definio de p e q, as principais ferramentas so a funo de autocorrelao (FAC), a funo de autocorrelao parcial (FACP) e os correlogramas resultantes, que no passam de representaes grficas das FACs e FACPs contra o tamanho da defasagem.

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    A funo de autocorrelao (FAC) oferece uma descrio parcial do processo estocstico gerador da srie, informando quanta correlao (e consequentemente quanta interdependncia) existe entre dois pontos vizinhos na srie yt. J a autocorrelao parcial mede a correlao entre observaes que sejam k perodos afastados, depois de controlar quanto s correlaes nas defasagens intermedirias.

    Para se descobrir o padro ARMA de uma srie temporal deve-se considerar que a FAC e a FACP de cada um dos processos estocsticos presentes no modelo exibem padres tpicos. Assim, se a srie temporal em estudo se ajustar a um desses padres, poderemos identificar a srie com esse processo. Naturalmente, testes de diagnstico sero necessrios para verificar se o modelo ARMA escolhido razoavelmente acurado.

    Os padres tericos de FAC e FACP so descritos no quadro abaixo:

    Figura 4. Quadro de Padres Tericos de FAC e FACP. Tipo de modelo Padro tpico de FAC Padro tpico de FACP

    AR (p) Declina exponencialmente ou com padro de onda senoidal

    amortecida, ou ambos

    Picos significativos atravs das defasagens p

    MA (q) Picos significativos atravs das defasagens q

    Declina exponencialmente

    ARMA (p, q) Declnio exponencial Declnio exponencial Fonte: Gujarati (2005, p. 748).

    Sendo assim, as definies das ordens d, p e q do modelo analisado e a equao

    matemtica que o representam, permitem que passemos para a prxima etapa da metodologia: a estimao do modelo obtido.

    B) ESTIMAO Depois de identificar os valores apropriados de p e q, o prximo passo

    estimar cada um dos parmetros dos termos auto-regressivos e de mdias mveis includos no modelo.

    Os clculos e estimaes so realizados utilizando o conhecido mtodo dos Mnimos Quadrados Ordinrios (MQO), utilizando o pacote de estatstica Eviews 5.

    C) AVALIAO Para se obter um bom modelo, tanto em suas estimativas quanto em suas

    inferncias, necessrio analisar se ele cumpre as premissas impostas. Embora a aplicao do mtodo de MQO no formule nenhuma hiptese especfica sobre a distribuio de probabilidades dos termos de erro do modelo, sabe-se que quando se objetiva a validade dos testes de hiptese a serem empregados, os termos de erro devem seguir distribuio normal, ou seja, no ter correlao e devem se distribuir independentemente.

    O teste utilizado para verificar a normalidade dos resduos do modelo conhecido como teste de Jarque-Bera. O teste baseado na diferena entre os coeficientes de assimetria e curtose, servindo para testar a hiptese nula de que a amostra foi extrada de uma distribuio normal. A questo da assimetria importante, pois sua presena obriga a uma reconsiderao da hiptese de normalidade, j que ela exige uma distribuio de freqncias simtricas, sem nenhuma cauda mais comprida que a outra. J os problemas de curtose

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    ocorrem quando as caudas da distribuio tm tamanho distorcido e no-normal, por exemplo, quando as caudas so finas demais e a distribuio se estica para cima (lepcurtose), ou quando as caudas so grandes demais com coeficiente menor do que zero (platicurtose).

    Assim, o teste estatstico a ser calculado, o qual segue a distribuio qui-quadrado com dois graus de liberdade, :

    (6)

    onde: JB = teste Jarque-Bera; = nmero de observaes; = assimetria das observaes; C = curtose das observaes.

    Dessa forma, um valor muito baixo para JB no permite a rejeio da hiptese

    nula de distribuio normal dos resduos, e os coeficientes de assimetria e curtose devem ser o mais prximo de zero e trs, respectivamente. Buscando o menor valor possvel para JB, o p-valor encontrado deve ser suficientemente alto para se aceitar a distribuio normal.

    Alm da hiptese da normalidade, o modelo clssico de regresso linear pressupe que os termos de erro no so correlacionados, ou seja, que o termo de perturbao referente a uma observao qualquer no influenciado pelo termo de perturbao de uma outra observao qualquer (GUJARATI, 2005, p. 402). Na presena de autocorrelao, os estimadores de MQO ainda so lineares e no-viesados, e tambm consistentes, mas eles j no so mais eficientes (isto , varincia mnima).

    O teste utilizado para testar a autocorrelao o ARCH-LM. Este um teste que se baseia em um multiplicador de Lagrange, para a hiptese de os resduos seguirem uma estrutura ARCH. Aqui, ARCH significa que existe heteroscedasticidade condicional auto-regressiva, ou em outras palavras, que a magnitude dos resduos aparenta estar relacionada magnitude de resduos recentes, fato que pode resultar na perda de eficincia da regresso.

    Por fim, a avaliao do modelo escolhido pode apontar a necessidade da incluso de novas variveis para reproduzir o comportamento da srie com maior preciso. Apesar de a distribuio dos resduos do modelo j terem sidos testados como seguindo distribuio normal, muitas vezes, a srie original pode exibir alguns picos inesperados, os quais no conseguem ser perfeitamente acompanhados pelo modelo estimado. O que ocorre nesses casos que, muitas vezes, a srie no somente influenciada por variveis que podem ser facilmente quantificadas, mas tambm por variveis de natureza essencialmente qualitativa, como, por exemplo, por choques externos ou por mudanas na poltica econmica.

    Enfim, a incluso de variveis dummy, classificadas como variveis qualitativas, serve para captar divergncias do modelo estimado para a srie original, seguindo alguma lgica de fenmenos enfrentados pela srie em determinados perodos.

    D) PREVISO

    Um dos principais objetivos da modelagem de sries temporais a obteno de

    modelos confiveis para se realizar previses de dados futuros. Em muitos casos, as previses

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    obtidas por modelos ARIMA so mais confiveis do que as obtidas com a modelagem economtrica tradicional, especialmente para as previses de curto prazo.

    No presente trabalho, pretende-se prever o consumo nacional de leite at do ano de 2006 at o ano 2030. De posse dos resultados, podemos partir para outras anlises envolvendo o setor produtivo.

    2.1 SIMULAES DE PRODUO E CLCULO DO EXCEDENTE

    Aps obter os dados futuros de consumo de leite no Brasil, podemos partir para

    a segunda etapa da anlise. Nela, compararemos as taxas geomtricas de crescimento do consumo per capita at o ano de 2030 com a taxa da produo, considerando que esta ltima mantenha sua tendncia dos ltimos dez anos.

    Para isso, preciso primeiramente definir as taxas de crescimento da populao, para se obter os dados per capita, e da produo nacional. O modelo de crescimento constante parte da premissa que:

    (7)

    em que a taxa de crescimento de Y. Calculando o logaritmo natural da equao e fazendo as transformaes necessrias, podemos obter:

    (8)

    onde e so parmetros lineares e o termo de perturbao. Nessa equao, o parmetro , tambm conhecido como coeficiente de inclinao, mede a variao proporcional (ou relativa) constante em para uma dada variao absoluta no valor do regressor, nesse caso, a varivel tempo . Portanto, se multiplicarmos por 100, o resultado ser a variao percentual, ou a taxa de crescimento de .

    Utilizar o modelo de crescimento constante para realizar extrapolaes de dados futuros uma forma muito mais simples de fazer previses do que as mostradas anteriormente a aplicadas srie de consumo. No entanto, para a proposta do trabalho deve ser suficiente, j que o objetivo no especificamente apresentar o quadro exato do futuro do setor leiteiro no pas. O que se pretende aqui apresentar diversos cenrios que o setor pode assumir, dependendo do caminho que a produo tomar.

    Assim, ser aplicado o modelo de crescimento constante para as sries de populao residente brasileira e de volume da produo de leite. Obtidas as taxas de crescimento, ser possvel analisar a evoluo do consumo per capita at 2030, e sua relao com o volume produzido.

    A partir da taxa de crescimento da produo encontrada, cinco cenrios sero criados: um assumindo que a taxa se mantenha constante, dois cenrios pessimistas nos quais a taxa de crescimento deve reduzir e dois cenrios otimistas que pressupe o aumento desta taxa. Seguindo esse raciocnio, obtida a taxa real dos ltimos anos, os cenrios sero compostos por taxas de um e dois quartis menores, e um e dois quartis maiores. A descrio dos cenrios segue no quadro abaixo:

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    Quadro 1. Quadro de Descrio dos Cenrios para o Crescimento da Produo. Cenrio 1 Reduo da taxa de crescimento = 1/2.r Cenrio 2 Reduo da taxa de crescimento = 3/4.r Cenrio 3 Taxa de crescimento constante = r Cenrio 4 Aumento da taxa de crescimento = 5/4.r Cenrio 5 Aumento da taxa de crescimento = r + 1/2.r Fonte: Elaborao prpria.

    A criao dos cenrios permitir a estimao do excedente (ou escassez, caso

    exista) a ser enfrentada no mercado interno, dependendo do quanto o consumo acompanhar o crescimento da produo. Para isso, utilizaremos novamente a noo de que o consumo dado pela soma da produo interna com o volume importado, descontando-se as exportaes. O volume de importaes, entretanto, ser abordado convencionalmente como uma relao constante do consumo, para simplificao dos clculos.

    Os dados utilizados foram em sua maioria retirados de uma das unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), denominada Embrapa Gado de Leite. Desta fonte, foram retiradas as sries de volume produzido de leite, para o perodo de 1980 a 2010, e as sries de volume de leite exportado e importado para os anos de 1980 a 2005, os quais permitiram a derivao da srie de consumo.J a srie de populao nacional residente foi obtida junto ao Bando de Dados do Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas, IPEADATA. As regresses e estimaes utilizadas para aplicar a metodologia proposta so feitas utilizando o software de estatstica Eviews 5.0.

    3. RESULTADOS E DISCUSSES

    Primeiramente, a obteno da srie temporal de consumo de leite exige a

    derivao a partir da produo, das exportaes e das importaes. A Tabela 3 mostra o volume de leite consumido total e o consumo per capita para alguns anos extrados da srie:

    Tabela 3. Produo, Importao, Exportao, Consumo Total e Consumo per capita do Brasil de 1980 a 2005.

    Ano Produo

    (milhes de litros)

    Importao (milhes de

    litros)

    Exportao (milhes de

    litros)

    Consumo (milhes de

    litros)

    Consumo per capita

    (litros) 1980 11.162 774 0 11.936 100,29 1985 12.078 331 0 12.409 93,49 1990 14.484 906 0 15.390 106,27 1995 16.474 3.200 0 19.674 127,32 2000 19.767 1.800 42 21.525 126,77 2005 25.004 450 600 24.854 137,85

    Fonte: Banco de Dados da Embrapa, Gado de Leite; IPEADATA. Observa-se que o consumo per capita de leite foi gradativamente aumentando

    ao longo dos anos, sendo que em 2005 j chegava a cerca de 37% maior do que em 1980. Quanto ao consumo total do pas, percebe-se tambm um grande crescimento, que praticamente acompanha o crescimento da produo. Ao longo desses quinze anos de anlise, o volume total consumido em 2005 mais que dobra em relao ao volume de 1980, o que s refora a idia do crescimento do setor no Brasil.

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    De posse desses dados, a metodologia Box-Jenkins j pode ser aplicada a srie temporal de volume de consumo de leite. Como j explicado anteriormente, o primeiro passo testar a estacionariedade da srie trabalhada. Aplicando o teste aumentado de Dickey-Fuller, os resultados obtidos indicam que, a um nvel de significncia de 1%, a srie tratada em nvel possui uma raiz unitria, ou seja, no se pode descartar a hiptese de que a srie de consumo no-estacionria em nvel. A estacionariedade ento testada para a srie em primeira diferena, quando enfim o resultado indica a ausncia de raiz unitria, para os nveis de significncia de 1%, 5% e 10%. Os valores do resultado do teste ADF so mostrados na Tabela 4. Nela, pode-se verificar que o valor absoluto da estatstica calculada no teste de 3,66 para o modelo em nvel menor que o valor crtico absoluto a 1% de significncia de 4,37, no permitindo rejeitar a hiptese nula de que existe uma raiz unitria (e no-estacionrio). Para os trs tipos de modelo em primeira diferena, o valor absoluto do calculado foi maior que o crtico, podendo-se, ento, assumir que a srie de volume consumido de leite estacionria quando diferenciada uma vez.

    Tabela 4. Resultados do Teste ADF para o Modelo em nvel e em primeira diferena. Modelo calculado crtico 1% crtico 5% crtico 10% Em nvel -3,66 -4,37 -3,60 -3,24 1 diferena com intercepto e tendncia -5,65 -4,39 -3,61 -3,24 1 diferena com intercepto -5,72 -3,74 -2,99 -2,64 1 diferena livre -4,15 -2,66 -1,96 -1,61 Fonte: Resultado de pesquisa.

    Definido que a srie estacionria quando diferenciada uma vez, o teste ADF

    ainda mostra qual a melhor especificao para o modelo, no sentido de se incluir ou no intercepto e tendncia linear. Comparando os trs tipos de modelo, os testes individuais sobre a ausncia destes dois elementos indicam que, mesmo a 1% de significncia, o intercepto no estatisticamente igual a zero, diferentemente da tendncia linear. Portanto, os testes ADF mostram que a melhor forma de trabalhar a srie em questo tratando-a em primeira diferena, em uma equao que contm apenas intercepto.

    O teste anterior j permitiu definir que a srie, por ser estacionria em primeira diferena, definida como integrada de ordem 1, ou seja, que d = 1. Contudo, para se determinar qual o modelo ideal que ser utilizado para a previso da srie, preciso saber de que forma ele se enquadra em um modelo auto-regressivo de mdias mveis. Para tal fim, ser necessrio deliberar o nmero de termos auto-regressivos e o nmero de termos de mdia mvel, isto , definir as ordens p e q do modelo ARIMA (p,d,q).

    As ferramentas utilizadas para esta anlise so a funo de autocorrelao (FAC) e a funo de autocorrelao parcial (FACP). Utilizar as FAC e FACP de uma srie muitas vezes pode ser um pouco subjetivo, no sentido de que elas podem apontar certos valores para p e q mais altos do que talvez o modelo efetivamente necessite, o que chamado de superestimao. Por essa razo, o ideal que, aps ponderar os valores das ordens q e p pela anlise da FAC e da FACP, seja feita uma srie de testes com os possveis modelos ARIMA escolhidos, j que a inteno seria obter o modelo mais simples possvel que seja capaz de captar as movimentaes da srie.

    Os correlogramas da FAC e da FACP seguem na Figura 1. Verificando suas funes, nota-se que, em ambas, os valores das autocorrelaes se encontram dentro do intervalo de confiana definido em 95%. Alm disso, com exceo de alguns picos, a queda visvel para as duas funes conforme aumenta o nmero de defasagens. Podemos, ento,

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    optar pelo modelo ARIMA, como j dito anteriormente. Quanto aos valores de p e q, podemos concluir que o padro exibido pelas autocorrelaes apontam para um modelo de ordem 3 para a parte auto-regressiva e 6 para a parte de mdias mveis. Em outras palavras, podemos ter at um modelo ARIMA (3,1,6).

    Apesar dos correlogramas das FAC e FACP apontarem para um modelo ARIMA (3,1,7), ele acaba se mostrando razoavelmente aceitvel com ordens de apenas 1 para os termos AR e MA, ou seja, temos um modelo ARIMA (1,1,1) que parece atender as expectativas de captar o comportamento da srie. Todavia, alguns desvios maiores no decorrer da srie exigem outros instrumentos para serem captados com maior preciso, e para isso lanaremos mo da incluso de variveis dummy.

    Ao longo da srie de consumo, possvel notar grandes variaes positivas nos anos de 1986 e 1995 e queda brusca no ano de 1987. Nos trs casos, as variaes se devem principalmente irregularidade do volume de importaes, que cresce bruscamente no ano de 1986, para depois experimentar queda acentuada em 1987, e novo aumento repentino em 1995. De acordo com Yamaguchi e Martins (2004), as importaes de leite no Brasil, utilizadas pelo governo como mecanismo para suprir dficits de consumo, cresceram cerca de 156 % em 1995 em relao ao ano anterior, devido ao aumento da renda real per capita aps o Plano Real. O ano de 1986 no foi diferente, j que com o Plano Cruzado, o aumento da renda real possibilitou um volume importado de leite cerca de sete vezes maior que ano anterior, provocando grande queda no ano seguinte, quando a economia volta a se estabilizar.

    Figura 1. Correlogramas da Funo de Autocorrelao e da Funo de Autocorrelao Parcial

    Fonte: Resultado de pesquisa.

    Pelas razes citadas, nosso modelo contar ainda com variveis dummy que

    devem captar as grandes variaes de importaes dos anos de 1986, 1987 e 1995. Essencialmente, essas variveis, tambm conhecidas como binrias, no passam de sries

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    Crise global e efeitos na agricultura e desenvolvimento rural C01

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    formadas apenas por valores 0 e 1. Assim sendo, assumem o valor 1 nos perodos que ocorrem os choques de consumo.

    Portanto, o modelo obtido at o momento pode ser escrito pela equao:

    (8)

    Onde: = volume de consumo em primeira diferena; = constante; , = parmetros do termo auto-regressivo e de mdia mvel, respectivamente; = termo de erro; = varivel dummy assumindo:

    a) = 0, quando t T; b) = 1, quando t = T. Aps a definio do modelo, partimos para a avaliao da normalidade dos

    resduos e da autocorrelao. O teste de normalidade Jarque-Bera indica um valor para o teste estatstico JB de 0,13, sendo o valor da curtose 2,64. Com esses resultados, o p-valor de 0,93 significa que a probabilidade de no se rejeitar a hiptese de que os resduos so normais de 93,48. J o teste ARCH-LM, para a autocorrelao, tende para a aceitao da hiptese nula de que no existe uma estrutura ARCH nos resduos. Analisando o teste para diferentes nmeros de defasagens, o resultado , para 1 defasagem, de 76,78% de probabilidade de aceitar a hiptese nula, para 3 defasagens 94,28% e para 5 defasagens, 71,06%.

    Aps a avaliao do modelo, partimos para a estimao, aplicando o mtodo de Mnimos Quadrados Ordinrio (MQO). A Tabela 5 expe os coeficientes obtidos e suas estatsticas, assim como os resultados dos testes realizados. J a Figura 2 compara o ajustamento da srie modelada para a srie real, e apresenta a distribuio dos resduos. Tabela 5. Resultado do modelo estimado ARIMA (1,1,1). Varivel Coefic. p-valor Teste JB ARCH-LM AIC SCH

    406,9706 0,0002

    JB = 0,13 = 1 p-valor (0,7678) = 3 p-valor (0,9426) = 5 p-valor (0,7106)

    14,96 15,25

    AR(1) 0,305549 0,0181

    MA(1) -1,63914 0,0013

    D1986 1698,726 0,0193

    (0,9348) D1987 -1588,17 0,0284

    D1995 2352,166 0,0018 Fonte: Resultado de pesquisa.

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    Figura 2. Representao Grfica do Ajustamento da Srie Estimada para a Srie Real e da Variao dos Resduos.

    Fonte: Resultado de pesquisa.

    De posse do modelo que j parece suficientemente ajustado, podemos partir para o objetivo principal da previso do volume consumido de leite para o perodo de 2006 a 2030. Como a srie foi tratada em diferena, os dados obtidos em nvel acabam assumindo um aspecto de tendncia de crescimento constante, com um crescimento de, em mdia, 1,32%. Em 2011, o volume total de leite consumido chega a ser 1.939 milhes de litros maior do que em 2005, apresentando um crescimento de 7,8%. Para 2020, o valor esperado de 30,4 bilhes de litros, o que representa aumento de 14% do volume de 2011, chegando a 34,5 bilhes de litros em 2030, valor por volta de 38% superior a toda produo nacional de 2005.

    O grfico que ilustra a tendncia verificada pelo consumo nos prximos anos est disponvel no Anexo K, e seus valores anuais so apresentados pela tabela do Anexo N.

    Visto o grande crescimento do consumo para o perodo, agora resta saber quanto deste aumento acompanhado pelo crescimento da populao, lembrando que o consumo per capita no precisa necessariamente manter a mesma tendncia do volume absoluto. Alm disso, preciso analisar o lado da produo e se esta ser capaz de suprir todo o aumento de consumo.

    3.1 CRESCIMENTO DA PRODUO E CONSUMO PER CAPITA

    Para estimar as taxas de crescimento da produo e da populao, o modelo de crescimento constante foi aplicado para as sries contendo as dez ltimas observaes da amostra. Tal medida foi tomada, pois pretende-se, dessa forma, captar as tendncias mais atuais das variveis, e reproduzi-las para dados fieis da realidade. Os resultados obtidos nos modelos seguem na Tabela 6:

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    Tabela 6. Resultados do Modelo de Crescimento Constante para Produo e Populao.

    R2 Produo 9,031604 0,04283 0,995742 Populao 17,56548 0,01086 0,998473

    Fonte: Resultado de pesquisa. Os dois modelos mostram um bom ajustamento da regresso de crescimento

    constante, dado que os valores de seus R2 so de 0,99 para ambos. No perodo observado, que vai de 2001 a 2010, os valores da produo brasileira apresentam uma taxa de crescimento anual de 4,28%, enquanto o crescimento da populao de cerca de 1,086% ao ano, representados pelo parmetro .

    Apenas por esses dados, j fica evidente que a populao cresce a uma taxa um tanto semelhante a de consumo total, o que nos leva a perceber que o consumo per capita no deve sofrer grandes variaes, e que a mudana no volume consumido se deve principalmente ao prprio aumento da populao. J a taxa de crescimento da produo, maior que das duas demais sries, indica que o aumento do volume produzido de leite no pas ter muito mais fora do que o de consumo, fato que deve gerar um excedente para a demanda interna, ou um volume possvel para a exportao.

    Na Figura 3, que ilustra a evoluo do consumo per capita para os anos estimados, fica evidente o aumento desta varivel, mas podemos ver que ele ocorre de forma lenta ao longo dos anos, dado o aspecto quase horizontal da curva. Apenas nos primeiros anos de anlise, apresentada uma leve queda, porm esta deve ser decorrente de um aumento da populao um pouco maior que do consumo estimado, j que para estes anos os dados populacionais no se baseiam em clculos de previses, e sim em seus valores reais.

    Figura 3. Crescimento do Consumo per capita de Leite (Litros por Habitante): Perodo de 2005 a 2030.

    Fonte: Resultado de pesquisa. 3.2 SIMULAES E CENRIOS DO SETOR PRODUTIVO

    Dado o alto grau de modificao dos cenrios econmicos ao longo dos anos, previses exatas acabam se tornando um desafio. Pensando nesse aspecto, a simulao de diferentes cenrios no qual o setor pode se enquadrar seria uma til ferramenta para levantar discusses sobre situaes futuras e atitudes que podem ser tomadas.

    132,00

    134,00

    136,00

    138,00

    140,00

    142,00

    144,00

    146,00

    148,00

    Consumo per capita (litros)

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    Primeiramente, preciso definir quais conceitos sero utilizados na formao dos cenrios. Como anteriormente adotamos o consumo de leite como a soma de sua produo somada ao volume de importaes, descontando as exportaes, torna-se necessrio tratar a questo da balana comercial em nossa anlise. Conforme foi comentado quando foi discutido o comrcio internacional do setor, as importaes brasileiras se mostraram um tanto instveis ao longo dos anos analisados. Essas variaes dificultam nossa anlise, pois torna a previso das importaes pouco confiveis. Portanto, convencionalmente, adotamos que as importaes representariam 3,19% do consumo total, valor que representa a mdia das propores entre importaes e consumo dos ltimos cinco anos da amostra.

    Considerando a taxa de crescimento da produo para o perodo de 2001 a 2010 de 4,28%, sero criados mais quatro cenrios, que sero um ou dois quartis maiores ou menores. O primeiro cenrio supe a reduo para a metade da taxa, ou seja, crescimento de 2,14% ao ano. Com esta taxa, o excedente de produo chegaria a 6 bilhes de litros em 2020, e a quase 11 bilhes de litros em 2030, os quais representariam 23% da produo total. J para o segundo cenrio, tambm de queda no aumento da produo, mas em menor proporo com taxa de 3,21%, o excedente ultrapassa os 10 bilhes ainda em 2020, atingindo 21,7 bilhes de litros em 2030.

    No cenrio que supe a taxa de crescimento da produo constante, o excedente em 2030 representa quase a metade de toda a produo, na ordem de 34,9 bilhes de litros de leite em excesso para uma produo total de 70,5 bilhes de litros. O quarto cenrio prope um leve aumento da taxa da produo para 5,35% ao ano. Com esta taxa, o excedente atinge a metade do total produzido ainda no ano de 2025, e passa dos 50 bilhes de litros em 2030. Por fim, o cenrio que supe o maior aumento da produo para os prximos anos, com crescimento de 6,42% ao ano, mostra que a produo brasileira deve passar a marca dos 100 bilhes de litros em 2030, com um excedente de 66% desse volume.

    Na Tabela 7, esto ilustrados os resultados do consumo per capita, do volume de importaes, dos possveis valores da produo e do excedente para cada cenrio proposto, assim como a proporo do excedente sobre a produo: Tabela 7. Expectativas do consumo per capita, do volume importado, da produo e do excedente de leite para diferentes cenrios, nos anos de 2011, 2015, 2020, 2025 e 2030.

    Ano

    2011 2015 2020 2025 2030

    Consumo per capita 138,95 141,15 143,31 144,84 145,82

    Importaes 854,71 906,63 971,54 1.036,45 1.101,36

    Tax

    a de

    cre

    scim

    ento

    da

    prod

    uo

    2,14

    %

    Produo 31.138,90 33.893,37 37.681,58 41.893,19 46.575,53 Excedente 3.490,81 4.565,89 6.254,34 8.366,19 10.948,76

    % 11,21% 13,47% 16,60% 19,97% 23,51%

    3,21

    %

    Produo 31.465,36 35.707,66 41.823,69 48.987,28 57.377,85 Excedente 3.817,27 6.380,18 10.396,45 15.460,27 21.751,08

    % 12,13% 17,87% 24,86% 31,56% 37,91%

    4,28

    %

    Produo 31.791,81 37.598,83 46.371,18 57.190,24 70.533,55 Excedente 4.143,72 8.271,34 14.943,93 23.663,23 34.906,78

    % 13,03% 22,00% 32,23% 41,38% 49,49%

  • Atas Proceedings | 37

    Crise global e efeitos na agricultura e desenvolvimento rural C01

    17

    5,

    35%

    Produo 32.118,26 39.569,28 51.358,92 66.661,27 86.522,95 Excedente 4.470,17 10.241,80 19.931,67 33.134,27 50.896,18

    % 13,92% 25,88% 38,81% 49,71% 58,82%

    6,42

    %

    Produo 32.444,71 41.621,50 56.824,42 77.580,45 105.917,94 Excedente 4.796,62 12.294,01 25.397,17 44.053,44 70.291,17

    % 14,78% 29,54% 44,69% 56,78% 66,36%

    Fonte: Resultado de pesquisa Os resultados obtidos nas simulaes mostram que, mesmo trabalhando com

    cenrios pessimistas do ponto de vista da produo, o setor caminha para um excesso de produto no mercado interno.

    3.3 IMPACTOS DO EXCESSO DE OFERTA

    O estudo de Gomes e Ponchio (2003) sobre o comportamento dos preos do

    leite aponta que a queda persistente dos preos recebidos pelos produtores nos ltimos anos resultado de distores no mercado, que se caracterizam por uma concorrncia imperfeita com predominncia das foras do varejo e da indstria; das dificuldades encontradas pelo Brasil para efetivamente ingressar no comrcio internacional e se proteger de polticas protecionistas abusivas de outros pases; e de excessos de oferta em maior magnitude que aumentos da demanda, decorrentes do aumento da produtividade e da tecnologia.

    Desta forma, o excesso de oferta de leite exige que as polticas de crescimento da demanda interna e das exportaes sejam bem sucedidas; do contrrio, os impactos nos preos pagos aos produtores e na cadeia produtiva podem ser bastante negativos.

    De acordo com Valone (2007), o padro de concorrncia do mercado internacional baseado em polticas protecionistas, principalmente de pases desenvolvidos, o que afeta diretamente o setor agroindustrial de leite brasileiro. Contudo, o autor afirma que h uma tendncia de diminuio de certos tipos de polticas, como o exemplo dos subsdios em excesso, e que instituies como a OMC (Organizao Mundial do Comrcio) e o