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UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP CRISTIANE BENEVIDES PINTO KOMIYAMA A COMERCIALIZAÇÃO DE CERÂMICA KADIWÉU EM CAMPO GRANDE (MS) CAMPO GRANDE MS 2014

CRISTIANE BENEVIDES PINTO KOMIYAMA · Estado, os Kadiwéu destacam-se por sua habilidade como ceramistas e estilo étnico (SIQUEIRA JUNIOR, 1993). Os Kadiwéu pertencem ao tronco

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP

CRISTIANE BENEVIDES PINTO KOMIYAMA

A COMERCIALIZAÇÃO DE CERÂMICA KADIWÉU EM

CAMPO GRANDE (MS)

CAMPO GRANDE – MS

2014

2

CRISTIANE BENEVIDES PINTO KOMIYAMA

A COMERCIALIZAÇÃO DE CERÂMICA KADIWÉU

EM CAMPO GRANDE (MS)

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional da

Universidade Anhanguera-Uniderp, como

parte dos requisitos para a obtenção do

título de Mestre em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional.

Orientação

Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves

CAMPO GRANDE – MS

2014

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Anhanguera – Uniderp

Komiyama, Cristiane Benevides Pinto.

A comercialização de cerâmica Kadiwéu em Campo Grande

(MS) / Cristiane Benevides Pinto Komiyama. -- Campo Grande,

2014. 52f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Anhanguera – Uniderp,

2014.

“Orientação: Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves.”

1. Desenvolvimento regional 2. Artesanato indígena – Mato

Grosso do Sul 3. Cerâmica 4. Mercado I. Título.

CDD 21.ed. 338.9

745.509098171

K85c

4

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço, em nome do coordenador do Programa, professor Dr. Silvio

Favero, e da Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, Luciana Paes

Andrade, aos professores do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente

e Desenvolvimento Regional da Universidade Anhanguera Uniderp pelas aulas,

discussões e conteúdos sobre a biodiversidade do Estado. Em especial ao

professor Dr. Gilberto Luiz Alves.

Agradeço à secretaria do Programa, em nome de Alinne Signorelli, as

informações prestadas, o atendimento com eficiência, a cordialidade e a

gentileza.

Agradeço a minha família pela paciência e por entender as minhas

ausências, em especial a minha mãe, Deise, e ao meu filho, Manoel.

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SUMÁRIO

1. Resumo Geral ......................................................................................... 07

2. General Summany .................................................................................. 07

2. Introdução Geral ..................................................................................... 08

3. Revisão de Literatura .............................................................................. 12

4. Referências Bibliográficas ...................................................................... 16

5. Artigos

Artigo I

A Comercialização da cerâmica Kadiwéu em Campo Grande (MS)

Resumo .................................................................................................... 18

Abstract ................................................................................................... 18

Introdução ............................................................................................... 19

Materiais e Métodos ............................................................................... 21

Resultados e Discussão ........................................................................ 22

Conclusão ............................................................................................... 46

Referências Bibliográficas .................................................................... 47

6. Conclusão Geral ................................................................................. 50

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1. Resumo Geral Este trabalho teve por objeto de investigação a comercialização da cerâmica Kadiwéu em Campo Grande (MS). A análise objetivou discutir o processo de troca dos produtos nos estabelecimentos comerciais, de forma a apreender aspectos que envolvem o abastecimento, as modalidades de comercialização e a relação entre comerciantes, intermediários e artesãs indígenas Kadiwéu. Os dados empíricos foram obtidos por meio de observação direta, entrevistas semiestruturadas e de fontes secundárias sobre a matéria, a exemplo dos estudos de Guido Boggiani (1975), Claude Lévi-Strauss (1957), Vânia Graziato (2008) e Giovanni José da Silva (2003). Fontes teóricas foram buscadas em Darcy Ribeiro (1980) e Gilberto Luiz Alves (2013; 2014). Os resultados revelaram que a presença de artesãs desaldeadas em Campo Grande (MS) tem alterado o processo de produção da cerâmica. Os cuidados com a ornamentação se intensificaram. O emprego da requeima das peças tem assegurado maior resistência às peças. A mudança territorial tem facilitado o contato direto das artesãs com os comerciantes. Nos postos privados observou-se elevação nos preços das peças cerâmicas comercializadas em relação aos dos postos privados. Palavras-chave: Desenvolvimento regional, mercado, artesanato indígena General Summary The objective of this paper is to discuss the marketing of ceramic artifacts Kadiwéu in Campo Grande, Mato Grosso do Sul (MS). This work fits within the theme Society, Environment and Local Development. The study describes the jobs market, qualifies the market and identifies the author of the parts sold. Sources ALVES (2013, 2014), RIBEIRO (1979), LEVI-STRAUSS (1957) e BOGGIANI (1975) as for the historiographical sources articles, books, and unpublished work of researchers working on the topic were consulted. As a research method semi-structured interviews applied to positions responsible for marketing and indigenous artisans Kadiwéu were performed. Besides the interviews took place field survey, in which systematic observation was performed with the aim of discussing the layout parts marketed. On occasion also photographic records were taken. The paper notes that occur precariously conditioning and transport of ceramic produced in the villages. And identifies the production of without villages artisans residing in Campo Grande (MS). Key-words: Indigenous Handicrafts, Regional Development, Marketing.

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2. Introdução Geral

A população indígena de Mato Grosso do Sul é a segunda maior entre

os Estados brasileiros, sendo 90.249 indivíduos que se autodeclaram

indígenas. Destes, 77.025 residentes em território indígena (IBGE, 2010).

Estão presentes em Mato Grosso do Sul as etnias indígenas Atikum,

Guarani Kaiowá, Guarani Ñandeva, Guató, Kadiwéu, Kinikinau, Ofayé e Terena

(Tabela 1). Os Guarani Kaiowá são a segunda maior população de residentes

em terras indígenas do país1, de acordo com o IBGE, enquanto os Terena

possuem o maior número de indivíduos que residem fora das terras indígenas.

Das nove etnias, cinco possuem algum tipo de produção artesanal. São

elas: Guató, Guarani Kaiowá, Terena, Kinikinau e Kadiwéu (Quadro 1).

Quadro 1. Produção artesanal por etnia

Etnia Produção Artesanal

Guató (BORTOLOTTO; GUARIM

NETO, 2005)

Tapeçaria com fibra de aguapé

Guarani Kaiowá (MOTA, 2011) Arco, flecha, cocar, cestaria, colares

Terena (GABOARDI; GONÇALVES;

OLIVEIRA, 2008)

Cerâmica, colares

Kinikinau (CANAZILLES, 2013) Cerâmica e couro

Kadiwéu (RIBEIRO, 1980) Cerâmica

Dentre as diversas produções artesanais indígenas encontradas no

Estado, os Kadiwéu destacam-se por sua habilidade como ceramistas e estilo

étnico (SIQUEIRA JUNIOR, 1993).

Os Kadiwéu pertencem ao tronco linguístico Guaikurú, remanescentes

dos Mbayá-Guaikuru, que dominavam o Chaco paraguaio no século XVI. A

extensão territorial que dominavam está ligada às suas habilidades como

cavaleiros e ao seu domínio sobre outras etnias (RIBEIRO, 1980).

A crescente colonização e interiorização no Planalto Central forçaram a

fixação dos Kadiwéu. De acordo com Giovanni José da Silva (2007), a partir de

1 A etnia Tikúna representa 6,8% da população indígena total do país, a maior com 39.349

residentes em terras indígenas.

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meados do século XIX os Kadiwéu tiveram que se subjugar ao regime de

aldeamento.

A partir deste movimento, o território passou a ser garantido por meio de

Decreto de Lei Estadual n° 1.077 de 10 de abril de 1958, assinado pelo

governador João Ponce de Arruda (SILVA, 2014). A homologação da área da

Reserva Indígena Kadiwéu ocorreu por meio do Decreto Presidencial n⁰

89.578, de 24 de abril de 1984. A Reserva está localizada ao Norte do

município de Porto Murtinho, fazendo fronteira com os municípios de Miranda,

Corumbá, Bodoquena e Bonito.

A Reserva Indígena Kadiwéu, conforme ilustra a Figura 1, é considerada

uma área de Proteção Legal com área de 538.536 hectares, equivalentes a

30,62% do município Porto Murtinho, que está localizado na região oeste do

Estado de Mato Grosso do Sul – 56,40º e 58,05º de longitude oeste e 20,15º e

22,10º de latitude sul (PEREIRA, 2009).

No território da Reserva se estabeleceram cinco aldeias: Bodoquena,

Alves de Barros, São João, Campina e Barro Preto. Também no território da

Reserva encontram-se as etnias Terena e Kinikinau, principalmente na Aldeia

São João (CANAZILLES, 2003).

Figura 1. Localização da Reserva Indígena Kadiwéu. Mapa com interferência

do autor. Fonte: www.ibama.gov.br/images/kadiweu.jpg

Legenda: Reserva Indígena Kadwéu

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Os primeiros contatos com os Kadiwéu estão nos relatos de Sánches

Labrador (1760 e 1767), Herbet Smith (1885) e Guido Boggiani2 (1892)

(RIBEIRO, 1980). Outros etnólogos e antropólogos como Darcy Ribeiro, Berta

Ribeiro e Claude Lévi-Strauss se destacam por reunir a produção cultural e

estudar as relações sociais dos Kadiwéu.

Darcy Ribeiro e sua esposa Berta Ribeiro tiveram diversos encontros

com os Kadiwéu. A primeira visita ocorreu no de 1948, no território da Reserva

Indígena, em Porto Murtinho. RIBEIRO (1980) descreveu diversos rituais dos

Kadiwéu e pôde detalhar a produção cerâmica ornamental. Dentre as principais

contribuições da antropóloga Berta Ribeiro está o conceito da arte tribal ou

étnica como elemento cultural, ligada à organização social de cada etnia.

Por sua vez, o pesquisador francês Claude Lévi-Strauss realizou, em

1935, expedição a diversas aldeias de etnias diferentes localizadas na região

centro-sul da América do Sul, incluindo as dos Kadiwéu. LÉVI-STRAUSS

(1993) reuniu desenhos em papel e fotografias das pinturas corporais,

cerâmicas e grafismos, publicados em Tristes Trópicos (1996) e que compõem

a coleção do Museu do Homem, em Paris, França.

Durante décadas, a cerâmica Kadiwéu enfrentou recuo qualitativo, como

constatado por RIBEIRO (1980), evidenciando que as transformações

atingiram tanto os grafismos, quanto a produção da cerâmica.

A expansão do turismo e a criação das unidades da Casa do Artesão

possibilitaram a consolidação da cerâmica Kadiwéu como produto artesanal3,

que chegou aos estabelecimentos comerciais para atender um público

específico: o turista.

“[...] O caso da cerâmica ilustra a profunda transformação

cultural que já se operou sobre o fazer dessa etnia. As

peças utilitárias, antes produzidas como valores de uso, a

partir de certos produtos naturais, não servem hoje às

finalidades de antes. Não mais estão ligadas ao

2 Explorador italiano que esteve entre os Kadiwéu em duas viagens à América do Sul, nos anos de 1892 e 1897. Na primeira ocasião adquiriu uma coleção significativa de peças Kadiwéu atualmente em exposição no Museu Pigorini, na Itália, e no Museu Basiléia, na Suíça. 3 De acordo com Gilberto Luiz Alves, em artigo ainda inédito denominado Mudanças no artesanato cerâmico indígena em Mato Grosso do Sul: utensílio, arte e mercadoria.

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atendimento de necessidade básica desses indígenas. Não

têm a mesma resistência nem a beleza originais. São

meros adornos, artefatos precários que os turistas

adquirem na Casa do Artesão e outros postos de

comercialização no Estado. São mercadorias. São valores

de troca, o que testemunha a subordinação da cultura

indígena ao modo de produzir típico da sociedade

capitalista” (ALVES, 2014, p. 67).

Nesse campo ainda pouco elucidado, este trabalho tem como objeto de

estudo a comercialização do artesanato cerâmico Kadiwéu em Campo Grande,

Mato Grosso do Sul. Busca ainda elucidar aspectos da relação entre artesãs

Kadiwéu, comerciantes e intermediários.

Ao analisar a comercialização foram necessárias investigações de como

se processa as relações de compra e venda, isto é, a relação entre artesãos e

comerciantes.

A venda por consignação é uma das modalidades mais praticadas entre

os fornecedores artesãos e os lojistas. Consiste na “devolução ao artesão das

mercadorias não comercializadas e quitação posterior à venda” (SEBRAE,

2010, p. 5).

Para atender aos objetivos específicos, foi realizada pesquisa de campo

entre os meses de abril e agosto de 2014, para a identificação dos postos de

comercialização. Na sequência, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas

junto aos gerentes, proprietários e responsáveis pelos postos, nos próprios

locais de comércio. Dentre as questões discutidas neste estudo estão a

modalidade de comercialização, o valor das peças, a autoria das peças e o

local de produção, com ênfase na forma como as peças são encaminhadas, na

presença de intermediárias e no resultado desta comercialização para a

indígena-artesã.

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3. Revisão de Literatura

De acordo com Gilberto L. Alves (2013), há três modalidades de

artesanato: o artesanato espontâneo, o artesanato induzido e o artesanato

ancestral. O artesanato espontâneo tem como característica a produção

individual de peças ornamentais; estão nesta categoria artesãos que foram

marceneiros e carpinteiros. O artesanato induzido recebe o aporte de agências

de fomento e de iniciativas voltadas para o empreendedorismo e

complementação de renda.

“O artesanato ancestral envolve tanto o artesanato

indígena quanto o produzido por grupos sociais

precariamente articulados ao funcionamento da sociedade

capitalista. É um artesanato de caráter coletivo. As

atividades artesanais correspondentes tendem a reiterar,

no geral, os procedimentos, as técnicas, a utilização de

recursos naturais e a divisão sexual do trabalho praticados

por gerações anteriores. É um artesanato telúrico, pois

estreitamente ligado à terra e ao espaço onde é produzido,

traço que se manifesta perceptivelmente nos seus

produtos” (ALVES, 2014, p. 48).

Em Mato Grosso do Sul a arte oleira Kadiwéu está associada ao

artesanato ancestral, pelo caráter coletivo, pela utilização de recursos naturais

e pela divisão sexual do trabalho. De acordo com RIBEIRO (1980, p. 290), “a

cerâmica é outra arte puramente feminina, cabendo aos homens, quando

muito, trazer o barro, o pau-santo, a hematita e a tabatinga”.

Este processo de transformação da utilitária cerâmica indígena para

mercadoria tem sido discutido desde as primeiras expedições que visitaram os

indígenas, ainda no século XVI. Porém, são poucas as evidências de quando

teve início a comercialização da cerâmica Kadiwéu.

Claude Lévi-Strauss e Darcy Ribeiro destacam-se por suas produções

teóricas que envolvem não só a cerâmica, mas procuram descrever as

relações sociais entre os Kadiwéu. Estes autores descreveram os grafismos e

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a produção cerâmica nos anos de suas expedições, contribuindo para

esclarecer o modo de vida dos remanescentes dos Mbayá-Guaikuru.

O italiano Guido Boggiani esteve entre os Kadiwéu em duas

oportunidades, na década de 1890. Com o objetivo de estabelecer relações

comerciais, foi recepcionado como hóspede pelos Kadiwéu. Em seus registros

constam ainda que detalhes da produção da cerâmica, como a modelagem,

marca das impressões, queima e ornamentação. Na oportunidade de contato

com diversas etnias brasileiras, entre elas os Kadiwéu e os Teréna4, Boggiani

pôde estabelecer algumas diferenças entre os produtos cerâmicos.

“Os Tereno e os Caduveo eram ainda habilíssimos na

fabricação dos vasos de barro, na decoração dos quais

mostravam um gosto singularíssimo. Os vasos dos

Caduveo eram semelhantes aos dos Tereno, mas tinham

formas mais variadas e ornatos mais elegantes”

(BOGGIANI, 1975, p. 277).

Outra questão que o autor aborda é a aquisição de peças. “Vi e pude

comprar pratos ornados com verdadeiro gosto artístico, coisa que desperta

ainda maior interesse quando se pensa que são feitos por selvagens”

(BOGGIANI, 1975, p. 161).

Em 1935, Claude Lévi-Strauss visitou a reserva dos Cainguangue, no

Paraná, contatou os Kadiwéu, na fronteira paraguaia, e os Bororo, no então

Estado do Mato Grosso5. Em 1955, lançou “Tristes Trópicos” como resultado

destas expedições. No quinto capítulo, Lévi-Strauss discutiu sua passagem

entre os Kadiwéu, na região de Nalike. Chamou sua atenção a continuidade da

arte decorativa, embora revelasse que a qualidade da cerâmica já não era a

mesma.

“Durante todo esse tempo, o estilo, a técnica e a inspiração

tinham permanecido inalterados, como fora o caso durante

4 Grafia original utilizada por Boggiani ao se referir as duas etnias, Terena e Kadiwéu, respectivamente, Tereno e Caduevo.

5 O Estado de Mato Grosso do Sul foi criado por meio da divisão do Estado de Mato Grosso em

1977.

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os 40 anos transcorridos entre a visita de Boggiani e a

minha. Esse conservadorismo é um tanto notável quanto

não se estende à cerâmica, a qual, segundo os últimos

espécimes recolhidos e publicados, parece em completa

degenerescência” (LÉVI-STRAUSS, 1955, p. 194).

Acompanhou o processo de produção, desde a retirada da argila em um

rio próximo até o emprego do pau-santo para ressaltar as impressões. De

acordo com Lévi-Strauss a arte entre os Kadiwéu é marcada pelo dualismo em

várias esferas, principalmente no que tange à sua produção. Aos homens cabe

a arte da escultura com estilo naturalista; às mulheres a pintura praticada em

estilos inspirados pelo espírito decorativo e abstrato (LÉVIS-STRAUSS, 1955).

Especificamente sobre o trabalho feminino, o autor destaca que no trabalho

acabado há uma preocupação pelo equilíbrio.

Quanto à comercialização, não traz evidências de que este processo

ocorra entre indígenas e não indígenas. Porém, traz contribuições quanto às

potencialidades da cerâmica.

Após as expedições de Lévi-Strauss, o antropólogo Darcy Ribeiro iniciou

sua investigação sobre os Kadiwéu, por meio de observações feitas em campo

e de informações de fontes bibliográficas (RIBEIRO, 1980). Como resultado

destes estudos, tem-se como obra principal o livro “Kadiwéu: ensaios etnólogos

sobre o saber, o azar e a beleza”.

A “marca étnica inconfundível” dos Kadiwéu na pintura corporal descrita

por Darcy Ribeiro é encontrada nos padrões ornamentais dos objetos

cerâmicos. A cerâmica Kadiwéu destaca-se pelos grafismos, ornamentação e

pintura característicos.

Com o processo de fixação em Reserva e de restrição territorial

acarretaram em mudanças identificadas por RIBEIRO (1980).

“A arte, como todos os aspectos da cultura kadiwéu,

atravessa em nossos dias uma crise de redefinição de seus

valores, em vista das mudanças que se processam em sua

sociedade. Somente pode ser compreendida como produto

de uma época de transição e, em grande parte como

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esforço de conservação de um patrimônio inadequado aos

novos caminhos que foram compelidos a tomar” (RIBEIRO,

1980, p. 259).

A concepção por produto ou mercadoria por si só evidencia os

obstáculos enfrentados pela produção artesanal indígena. Uma vez atendendo

à expansão do consumo, os artesãos tendem a aumentar o número de peças

para venda. Porém, foi justamente a expansão do mercado consumidor com o

crescimento da atividade turística que ampliou as possibilidades para a

cerâmica indígena, tanto Teréna quanto Kadiwéu.

Os estudos de Giovani José da Silva (2004) apresentam como objeto de

estudo a construção física, social e simbólica da Reserva Indígena Kadiwéu,

entre 1899 e 1984, por meio de recuperação de fatos históricos que envolvem

o processo de construção da reserva (SILVA, 2004). Esta contextualização

histórica traz à luz fontes e personagens que se envolveram na ocupação do

território dos Mbayá-Guaikuru. Entretanto, quanto à produção cerâmica traz

poucas evidências se este processo impactou a arte oleira dos Kadiwéu.

O antropólogo Jaime Siqueira Jr. (1993; 2007) discutiu, por meio da

memória cultural, o processo de preservação e transmissão da iconografia

Kadiwéu. Seu trabalho contribuiu para o entendimento de que a produção

cerâmica atual atende quase inteiramente ao comércio, contribuindo para o

sustento das famílias (SIQUEIRA JUNIOR, 1993). O autor enfatiza que, mesmo

com vistas ao mercado, a cerâmica continua a ser produzida por meio de

técnicas tradicionais pelas mulheres. Com relação à produção cerâmica

indígena Kadiwéu destaca-se, ainda, os estudos de Vânia Perrotti Pires

Graziato (2008), que contribuem para a compreensão da sociedade e divisão

das tarefas entre os Kadiwéu na atualidade. Evidencia, dentre outras ações,

que o processo de confecção das peças cerâmicas tem como base a divisão

sexual do trabalho. Outra fonte secundária, Vlademir Senna (2003), em que

descreve os locais e postos onde podem ser encontradas as cerâmicas.

Todavia, não discutiu a relação entre comerciante e artesão, dentre outros

aspectos que envolvem os valores das peças comercializadas.

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4. Referências Bibliográficas

ALVES, G. L. Índio e “Identidade Cultural” em Mato Grosso do Sul: o discurso

do Movimento Guaicuru. In NUÑES, A.; PADOIN, M. M.; DE OLIVEIRA, T. C.

M. (Org.) Dilemas e Diálogos Platinos. Dourados: Ed. UFGD, 2010. Capítulo

6. p.169-200.

ALVES, G. L. Arte, artesanato e desenvolvimento regional: temáticas sul-

mato-grossenses. Campo Grande: Editora UFMS, 2014. 100 p.

ALVES, G. L. Mudanças no artesanato cerâmico indígena em Mato Grosso

do Sul: utensílio, arte e mercadoria. (no prelo). 2014. 16 p.

BOGGIANI, G. Os Caduveo. Tradução de Amadeu Amaral Júnior. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo, 1975. 310 p.

CANAZILLES, K. S. A. A produção e a comercialização do artesanato

Kinikinau em Mato Grosso do Sul. 2008. 98f. Dissertação (Mestrado em Meio

Ambiente e Desenvolvimento Regional) – Universidade Anhanguera-Uniderp,

Campo Grande.

D‟ÁVILA, L. Dados sobre a comercialização de artesanato Kadiwéu.

Entrevista. Entrevista concedida na cidade de Campo Grande (MS). 2014.

GRAZIATO, V. P. P. Cerâmica Kadiwéu Processos, Transformações,

Traduções: uma leitura do percurso da cerâmica Kadiwéu do século XIX

ao XXI. 2008. 310f. Dissertação (Mestrado em Poéticas Visuais) – Escola de

Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico:

características gerais dos indígenas. Rio de Janeiro: 2010. P.

LÉVI-STRAUSS, C. Tristes Trópicos. São Paulo: Editora Anhembi, 1957.

406p.

17

PADILHA, S. A arte como trama do mundo: corpo, grafismo e cerâmica

Kadiwéu. F. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) 1999. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo.

RIBEIRO, D. Kadiwéu. Petrópolis: Vozes, 1979. 2. ed. 318p.

RIBEIRO, D. Arte Índia. In RIBEIRO, D. (ed). Suma etnológica brasileira.

Edição atualizada do Handbook of South American Indians. Petrópolis: Vozes,

1987. 300p.

SEBRAE. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Saiba

Mais: sobre elaboração de contrato escrito na prestação de serviços. São

Paulo: Edição Eletrônica, 2009. p. 01-02.

SILVA, J. G. A Reserva Indígena Kadiwéu (1899-1984): memória,

identidade e história. Dourados, MS: UFGD, 2014. 154p.

SIQUEIRA JÚNIOR, J. G. A iconografia Kadiwéu. In. VIDAL, L. (Org.).

Grafismo Indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2007. 130p.

SOUZA, J. L. Tradição e Mudança: uma geografia da arte indígena

Kadiwéu. In: Simpósio Nacional sobre Geografia, Percepção e Cognição do

Meio Ambiente. Londrina: 2005. Disponível

em:<http://geografiahumanista.files.wordpress.com/2009/11/jose.pdf>. Acesso

em: 17 set. 2012.

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5. Artigos

Artigo I

A comercialização de artesanato cerâmico Kadiwéu em Campo Grande

(MS)

Cristiane Benevides Pinto Komiyama

Resumo Este trabalho teve por objeto de investigação a comercialização da cerâmica Kadiwéu em Campo Grande (MS). A análise objetivou discutir o processo de troca dos produtos nos estabelecimentos comerciais, de forma a apreender aspectos que envolvem o abastecimento, as modalidades de comercialização e a relação entre comerciantes, intermediários e artesãs indígenas Kadiwéu. Os dados empíricos foram obtidos por meio de observação direta, entrevistas semiestruturadas e de fontes secundárias sobre a matéria, a exemplo dos estudos de Guido Boggiani (1975), Claude Lévi-Strauss (1957), Vânia Graziato (2008) e Giovanni José da Silva (2003). Fontes teóricas foram buscadas em Darcy Ribeiro (1980) e Gilberto Luiz Alves (2013; 2014). Os resultados revelaram que a presença de artesãs desaldeadas em Campo Grande (MS) tem alterado o processo de produção da cerâmica. Os cuidados com a ornamentação se intensificaram. O emprego da requeima das peças tem assegurado maior resistência às peças. A mudança territorial tem facilitado o contato direto das artesãs com os comerciantes. Nos postos privados observou-se elevação nos preços das peças cerâmicas comercializadas em relação aos dos postos privados. Palavras-chave: Desenvolvimento regional, mercado, artesanato indígena Abstract The objective of this paper is to discuss the marketing of ceramic artifacts Kadiwéu in Campo Grande, Mato Grosso do Sul (MS). This work fits within the theme Society, Environment and Local Development. The study describes the jobs market, qualifies the market and identifies the author of the parts sold. Sources ALVES (2013, 2014), RIBEIRO (1979), LEVI-STRAUSS (1957) e BOGGIANI (1975) as for the historiographical sources articles, books, and unpublished work of researchers working on the topic were consulted. As a research method semi-structured interviews applied to positions responsible for marketing and indigenous artisans Kadiwéu were performed. Besides the interviews took place field survey, in which systematic observation was performed with the aim of discussing the layout parts marketed. On occasion also photographic records were taken. The paper notes that occur precariously conditioning and transport of ceramic produced in the villages. And identifies the production of without villages artisans residing in Campo Grande (MS). Key-words: Indigenous Handicrafts, Regional Development, Marketing.

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Introdução

Este trabalho tem como objeto a comercialização da cerâmica Kadiwéu

em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O objetivo geral foi identificar os

postos de comercialização, as indígenas artesãs e os tipos de artefatos

produzidos. O período de coleta de informações esteve compreendido entre os

meses de abril e agosto de 2014, em Campo Grande (MS).

Para discutir o processo de comercialização foram identificados os

postos de comercialização, seus mantenedores, a modalidade de

comercialização e verificadas as peças e o valor destas. Para alcançar estes

objetivos específicos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas junto aos

gerentes, proprietários e responsáveis pelos postos de comercialização e às

artesãs indígenas residentes em Campo Grande.

Os Kadiwéu6 pertencem ao tronco linguístico Guaikurú, descendentes

dos Mbayá-Guaikuru (RIBEIRO, 1980). Há mais de dois séculos, os Kadiwéu

habitam a área da Reserva Indígena Kadiwéu, situada no município de Porto

Murtinho, em cinco aldeias7: Bodoquena; São João; Tomázia; Barro Preto; e

Campina.

As principais fontes de renda dos Kadiwéu no território da Reserva são

oriundas da criação de gado, do arrendamento de terras a pecuaristas e a

venda dos artefatos cerâmicos. Sendo que a produção cerâmica está

concentrada, principalmente, nas aldeias Bodoquena e São João.

Os Kadiwéu tiveram contato com diversos etnógrafos e antropólogos

(RIBEIRO, 1980), como Sánches Labrador, entre 1760 e 1767, Herbet Smith,

em 1885, e Guido Boggiani, em duas oportunidades, em 1892 e 1897. Claude

Lévi-Strauss, Darcy Ribeiro e Berta Ribeiro são fontes teóricas que analisaram

as particularidades da produção da cerâmica indígena.

O trabalho de Boggiani (1975), embora com limitado objetivo científico,

destaca-se pela elaborada descrição dos Kadiwéu. Dos relatos de sua estada

destacam-se a produção das peças cerâmicas e a técnica da pintura corporal.

6 Em conformidade ao convênio internacional de etnólogos não se aplica o plural em nomes de tribos, grupos sociais e linguísticos. 7 Mesmo sem registro oficial, há presença de famílias Kadiwéu desaldeadas residentes em áreas urbanas de diversas cidades do Estado. Durante o trabalho de campo, foi possível entrevistar quatro indígenas de uma mesma família que mora em Campo Grande (MS) e que há cinco anos têm produzido cerâmica.

20

O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss esteve em 1935 entre os

Kadiwéu. Na ocasião, coletou desenhos em papel e fotografias, além de peças

cerâmicas, que atualmente compõem o acervo do Museu do Homem, em Paris,

na França (LÉVIS-STRAUSS, 1957).

Um dos registros mais importantes da cultura e da sociedade Kadiwéu

está em “Kadiwéu: ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza” de

Darcy Ribeiro. O antropólogo brasileiro esteve por seis meses, durante o ano

de 1948, entre os indígenas. Ocasião em que coletou desenhos, grafismos das

pinturas corporais, peças artesanais em couro, madeira, metal e cerâmica

(RIBEIRO, 1979).

Ribeiro (1979) observou as transformações sofridas pela cerâmica.

Observou por meio da comparação entre as peças de a sua coleção e as

reproduzidas por Guido Boggiani, que a forma e os desenhos haviam se

alterado. “Nas peças mais recentes é manifesta a disparidade entre a

concepção do desenho ornamental, tantas vezes primorosa, e sua realização

pobre, titubeante” (RIBEIRO, 1979, p. 292).

Tais características do artesanato cerâmico Kadiwéu podem ser

observadas ao se buscar as diferenças entre peças produzidas por diferentes

famílias e em diferentes condições ambientais.

Como fontes historiográficas sobre os Kadiwéu destacam-se os

trabalhos produzidos em diversas áreas do conhecimento. Na Antropologia

Social foram desenvolvidos os estudos de Pechincha (1994), Siqueira Junior.

(1993). As pesquisas realizadas por Padrilha (1996), Giovani (2004), Senna

(2003) e Graziato (2008) são outras contribuições. No que tange às análises

semióticas em Estudos da Linguagem podem ser citados Sândalo (1997) e

Diniz (1998). Quanto à produção artesanal e à comercialização de artesanato

indígena em Mato Grosso do Sul destacam-se, respectivamente, Alves (2013,

2014) e Canazilles (2013).

A cerâmica Kadiwéu enfrentou recuo qualitativo durante décadas até sua

consolidação comercial como produção artesanal a partir da década de 1970.

Segundo Alves (2014), este processo se deve à expansão do turismo e à

criação das unidades de Casa do Artesão no Estado, em que se sobressairiam

as de Campo Grande e de Corumbá.

21

“A cerâmica, bem como o arco e a flecha, vendidos nas

estradas e em lojas especializadas em artesanato indígena,

já não servem à preservação de alimentos nem à caça ou à

pesca. São, basicamente, mercadorias que permitem ao

„artesão‟ adquirir, no mercado, as demais mercadorias que,

sob as novas condições hegemonizadas pelo capital,

asseguram a sua subsistência” (ALVES, 2003, p. 14).

Os artefatos indígenas passaram a assumir uma função meramente

decorativa, visando a atender aos anseios dos turistas (ALVES, 2003).

Pouco se sabe sobre a comercialização das primeiras peças cerâmicas

Kadiwéu, tanto em território indígena quanto em centros urbanos. Há indícios

da compra de peças Kadiwéu nos relatos do explorador italiano Guido

Boggiani, resultado de sua expedição ao Centro-Oeste brasileiro no ano de

1892, quando esteve pela primeira vez entre os Kadiwéu.

A comercialização da cerâmica é um dos campos pouco elucidados pela

pesquisa científica. Por muito tempo, o foco esteve na produção e nas

transformações e potencialidades do artesanato cerâmico Kadiwéu. Além de

discutir a comercialização em Campo Grande (MS), este trabalho buscou

estabelecer a relação entre artesãs Kadiwéu, comerciantes e intermediários.

Material e Métodos

Área de estudo

O estudo foi realizado na área urbana de Campo Grande (MS), capital

do Estado de Mato Grosso do Sul, situada na região neotropical do Estado

(Figura 2), pertence aos domínios da região fitogeográfica do Cerrado

(SEMADUR, 2012).

Os postos de comercialização de artesanato indígena de Campo Grande

(MS) estão localizados em diversos pontos. São eles: Casa do Artesão

(Avenida Calógeras, 2050, Centro); Memorial da Cultura Indígena (Rua Terena,

s/n, Aldeia Indígena Urbana Marçal de Souza); Feira do Artesão (Praça dos

Imigrantes, Rua Rui Barbosa, 65 Centro); Loja Artesanato e CIA (Shopping

Norte Sul Plaza,); Núcleo de Produção Cerâmica Terena (Rua Osasco, Bairro

Jardim Noroeste); Loja Artesanatos (Aeroporto Internacional de Campo

22

Grande); MN Artesanato e Gema Artigos Religiosos e Presentes (Feira Central

de Campo Grande).

Entrevistas

Para atender aos objetivos específicos do trabalho quanto ao processo

de comercialização foram realizadas doze entrevistas semiestruturadas junto

aos gerentes, proprietários e responsáveis pelos postos de comercialização.

Para discutir a produção foram entrevistadas quatro artesãs indígenas

residentes em Campo Grande. As informações coletadas foram sistematizadas

em diário de campo.

Levantamento de campo

A pesquisa teve como outro instrumento metodológico: o levantamento

de campo, por meio de observação sistemática da comercialização. Compõem

o levantamento, inclusive, registros fotográficos das peças artesanais Kadiwéu

nos locais de comercialização.

Resultados e Discussão

Locais de estudo

Os postos de comercialização foram identificados de acordo com a

dependência administrava, se estatal ou privada.

Estão sob administração pública a Casa do Artesão, vinculada à

Fundação de Cultura do Estado de Mato Grosso do Sul, e o Memorial da

Cultura Indígena, mantido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento

Econômico, Ciência e Tecnologia, Turismo e Agronegócio (SEDESC) /

Prefeitura Municipal de Campo Grande.

Na Feira do Artesão, localizada na Praça dos Imigrantes, embora seja

espaço público, os boxes são administrados pela Associação dos Artesãos

local.

Os postos privados são: a loja Artesanatos, localizada no salão do

Aeroporto Internacional de Campo Grande; Artesanato e CIA, administrada

pela Federação das Associações Núcleos Produtos e Cooperativas de Mato

Grosso do Sul (FANPC), localizada no Shopping Norte Sul Plaza, por meio de

23

contrato de comodato; e dois boxes localizados na Feira Central de Campo

Grande, MN Artesanatos e Gema Artigos Religiosos e Presentes.

A Casa do Artesão (Figura 2) é uma das unidades administrativas da

Fundação de Cultura do Estado de Mato Grosso do Sul, localizada na Avenida

Calógeras, esquina com a Avenida Afonso Pena. Foi inaugurada em 1975,

dedicando-se à comercialização de artesanato produzido em Mato Grosso do

Sul. Para vender as peças, o artesão necessita estar filiado a alguma entidade

ligada ao artesanato, mas para o artesão indígena não há necessidade de

cadastro formal, apenas apresentação de documentos pessoais.

As peças cerâmicas Kadiwéu encontram-se dispostas na entrada da

Casa, em espaço destinado ao artesanato indígena.

Figura 2. Fachada da Casa do Artesão. Fonte: RODRIGUES (2010)

O Memorial da Cultura Indígena (Figura 3), localizado na Aldeia Indígena

Urbana Marçal de Souza, no Bairro Tiradentes, foi construído em 1999 com

área total de 340m². Apresenta duas construções físicas: um núcleo destinado

às atividades artísticas e culturais e outro que abriga a administração local e as

peças indígenas para comercialização.

A mantedora do local é a Secretaria Municipal de Desenvolvimento

Econômico, Ciência e Tecnologia, Turismo e Agronegócio (SEDESC/Prefeitura

de Campo Grande) que disponibiliza dois funcionários ligados à prefeitura. O

Memorial recebe ainda apoio da Organização Mundial para a Educação Pré-

Escolar (OMEP/Brasil), que arca com o pagamento de mais dois funcionários.

24

No local, foram encontrados artesanatos indígenas das etnias Kadiwéu e

Terena, além de Pataxó, originários do Sul do Estado da Bahia e Norte de

Minas Gerais. Há peças produzidas com materiais diversos: cerâmica; cabaça;

penas; e coquinhos. Para disponibilizar as peças para comercialização, o

artesão deve pertencer a uma etnia indígena. Há situações em que as peças

estão em nome de terceiros, e não da efetiva artesã, como verificado no

cadastro das peças cerâmicas que se encontram em nome de indígenas de

outras etnias – como os adornos Kadiwéu apresentados em nome de Dona

Élida Terena.

Figura 3. Fachada do Memorial da Cultura Indígena. Fonte:

http://goo.gl/ROhtp9

O espaço físico da Feira dos Artesãos (Figura 4) está localizado na

Praça dos Imigrantes, no encontro da Rua Rui Barbosa e Rua Joaquim

Murtinho, no Centro de Campo Grande. Em 2000, foi revitalizada e adaptada a

instalação permanente da Feira dos Artesãos, onde estão distribuídas 30 lojas

tipo “box”. A Associação dos Artesãos da Praça dos Imigrantes mantém um

“box”, com pequena exposição de peças Kadiwéu para comercialização.

25

Figura 4. Espaço da Feira dos Artesãos – Praça dos Imigrantes. Fonte:

Fundação Municipal de Cultura de Campo Grande (MS)

O Núcleo de Produção de Cerâmica Terena está localizado na Rua

Osasco, Bairro Jardim Noroeste. Referência na produção de artesanato Teréna

é administrado pela indígena Élida Terena, uma das fundadoras do Núcleo.

Além de ser destinado à produção de cerâmica Terena, no espaço há

uma pequena loja em que são comercializadas a produção local e as peças

cerâmicas Kadiwéu (Figura 5).

Figura 5. Núcleo de Produção de Cerâmica Terena. Fonte: KOMIYAMA, 2014.

26

A loja Artesanatos fica localizada no saguão do Aeroporto Internacional

de Campo Grande. O espaço é alugado pela comerciante e também artesã

Mariza Helena do Prado desde 2013.

A Federação das Associações Núcleos Produtos e Cooperativas de

Mato Grosso do Sul (FEAPC) administra a loja Artesanato & CIA, no Shopping

Norte Sul Plaza. A locação do espaço é feita por meio de contrato de comodato

por um período de dois anos, podendo ser renovado. Até julho de 2014, a

FEAPC mantinha uma loja no complexo comercial Pátio Central, localizado no

centro de Campo Grande (MS), onde também comercializava peças cerâmicas

Kadiwéu.

A Feira Central de Campo Grande, localizada na Esplanada Rodoviária,

Rua Calógeras, centro de Campo Grande, é um dos principais pontos turísticos

da cidade. Referência em gastronomia local, também destina espaço para

comercialização de produtos artesanais. Foram identificados dois boxes que

comercializam cerâmica indígena Kadiwéu: MN Artesanatos (Figura 6) e Gema

Artigos Religiosos e Presentes (Figura 7).

Figura 6. Box MN Artesanato – Feira Central. Fonte: KOMIYAMA, 2014.

27

Figura 7. Box Gema Artigos Religiosos e Presentes – Feira Central. Fonte:

KOMIYAMA, 2014.

Como observado, os estabelecimentos comerciais atendem à

necessidade dos artesãos em assegurar a sua subsistência, como já foi

discutido por ALVES (2003). Por sua vez, as artesãs indígenas têm encontrado

nestes locais a oportunidade de disponibilizar para venda sua produção

artesanal, o que também garante renda a elas.

A comercialização da cerâmica Kadiwéu

A comercialização do artesanato cerâmico Kadiwéu em Campo Grande

encontra-se dividida entre os espaços públicos e os privados. Cada um dos

espaços possui uma maneira de estabelecer a relação com as indígenas

artesãs ou com intermediários.

Casa do Artesão

Na Casa do Artesão as indígenas realizam o abastecimento

sistematicamente. Nos arquivos da Casa constam mais de 100 indígenas

cadastradas, mas, efetivamente, são cerca de seis que mantêm um contato

regular.

Segundo o servidor público estadual da Casa do Artesão, Neil Costa de

Mello, que trabalha diretamente no atendimento aos artesãos por mais de 20

anos, o Estado, por meio da Fundação de Cultura, no passado buscava as

peças nas Aldeias Alves de Barros e Bodoquena. A atividade deixou de ser

28

feita há oito anos, cabendo, agora, às indígenas entregar diretamente as peças

artesanais.

Atualmente, as peças entregues são produzidas nas mesmas Aldeias,

encaminhadas pessoalmente pela indígena Regina que, pela facilidade de

transporte, leva a produção das índias Ana Pinto e Cláudia Timóteo. Indagado

quanto ao apoio do município de Bodoquena, o servidor disse desconhecer o

fato.

O servidor esclarece ainda que há artesãs desaldeadas de famílias

residentes em Campo Grande (MS) que constantemente entregam peças: são

as irmãs Creuza Virgílio e Olinda Virgílio, além das primas Elizabeth e

Saturnina.

Na Casa do Artesão a comercialização do artesanato é feita na

modalidade de venda por consignação, que consiste na “devolução ao artesão

das mercadorias não comercializadas e quitação posterior à venda” (SEBRAE,

2010, p. 05). Ao valor da peça são acrescidos 12%, a título de recurso para

manutenção e custos operacionais do espaço. O pagamento ao indígena é

feito uma vez por mês, podendo o período ser estendido.

No local, o artesanato indígena está reunido ao lado direito da entrada

do espaço. As peças Kadiwéu estão acomodadas de acordo com o tamanho:

sobre uma mesa estão vasos maiores (Figura 8), enquanto em uma estante

estão as peças menores (Figura 9).

Os valores variam de acordo com os tamanhos e formatos, conforme

apresentado no Quadro 2. Uma particularidade está na diferença de preços

entre peças semelhantes produzidas por indígenas diferentes. As índias

fornecem o valor de cada peça no ato da entrega. Quando demoram a ser

vendidas, ocorre a orientação, por parte da administração da Casa do Artesão,

para que os preços sejam reduzidos.

A venda da cerâmica Kadiwéu na Casa do Artesão tem seus preços

majorados em 30% nos meses de dezembro a março, assim como em junho e

julho devido ao aumento de turistas em Campo Grande durante as férias.

Quadro 2. Cerâmica Kadiwéu comercializada na Casa do Artesão

Tipo de Tamanho Valor (R$) Fonte Fonte

29

Peça explícita na

peça

Segundo

comerciante

Peças

zoomórfas

Variado 25,00 Ana Ana

Pratos

variados

10cm

diâmetro

11,20 Regina Regina

Prato fundo 10cm

diâmetro

7,89 Regina Regina

Vaso médio 60cm 50,00 Regina Regina

Vaso médio 80cm 180,00 Regina Regina

Vaso grande 1m 280,00 Regina Regina

Pote 40cm 67,20 Creuza

Virgílio

Creuza

Virgílio

Fonte: KOMIYAMA, 2014.

Figura 8. Casa do Artesão: disposição das peças maiores em mesa na entrada

do espaço. Fonte: KOMIYAMA (2014).

30

Figura 9. Casa do Artesão: estante com as peças menores reunidas; ao fundo

parede com adornos. Fonte: KOMIYAMA (2014).

Memorial da Cultura Indígena

No Memorial da Cultura Indígena as peças possuem identificação da

artesã que entrega a peça. Nesta situação estão os casos:

1) das peças entregues pela índia Suzinara da Aldeia Bodoquena, levadas uma

vez por mês para Campo Grande, com o apoio da Prefeitura Municipal de

Bodoquena;

2) das peças entregues por “Dona Lira”, residente em Campo Grande,

conhecida como Lira Terena, casada com índio Kadiwéu. Esta indígena recebe

parte das peças produzidas por índias de outras aldeias por ocasião de

contatos familiares, e realiza o abastecimento.

No Memorial da Cultura Indígena, a título de remuneração, do produto

consignado são retidos 10% do valor da peça comercializada. As peças estão

31

dispostas em prateleiras (Figura 10) que formam corredores com acesso por

ambos os lados pelo visitante. As peças maiores ficam acomodadas no chão

do espaço (Figura 11).

Quadro 3. Cerâmica Kadiwéu comercializada no Memorial da Cultura Indígena

Tipo de

Peça

Tamanho Valor (R$) Fonte

explícita na

peça

Fonte

Segundo

comerciante

Vaso

pequeno

5cm 5,00 Élida Desconhecida

Vaso com

prato

5cm 10,00 Lira Desconhecida

Pratos

variados

10cm

diâmetro

25,00 Lira Desconhecida

Vaso médio 30cm 50,00 Élida Desconhecida

Vaso grande 1m 150,00 Suzinara Suzinara

Peças

zoomórfas

Variado 25,00 Diversas Desconhecida

Fonte: KOMIYAMA, 2014

Figura 10. Memorial da Cultura Indígena: peças cerâmicas Kadiwéu

acomodadas nas prateleiras. Fonte: KOMIYAMA (2014).

32

Figura 11. Memorial da Cultura Indígena: vasos grandes com medidas entre 60

cm e 1m. Fonte: KOMIYAMA (2014).

Como atrativos às visitações, a Casa do Artesão e o Memorial da

Cultura Indígena fazem partem do circuito “City Tour”8, promovido pela

Prefeitura Municipal de Campo Grande, por meio da SEDESC. A Casa do

Artesão também apresenta programação cultural, como exposições e

apresentações musicais mensais, quase sempre temáticas.

Estabelecimentos privados

A comercialização das peças cerâmicas Kadiwéu nos locais privados

segue outra sistemática. Nas lojas Artesanatos, Artesanato e CIA (Shopping

Norte Sul Plaza) e MN Artesanatos e Gema Artigos Religiosos e Presentes

ocorre a compra à vista da produção de artesãs indígenas.

A proprietária da loja Artesanatos (Aeroporto Internacional), Mariza

Helena do Prado, informa que as peças são escolhidas na residência da

indígena Cleuza Virgílio, localizada no Bairro Nova Lima, região norte de

Campo Grande. No local há exposição da produção de todas as mulheres da

família.

De acordo com a proprietária, a escolha das peças é feita de maneira

aleatória, sem preferências de objeto. São compradas peças de todas as

artesãs, estratégia para evitar “ciúmes” entre as indígenas e também fidelizar

8 O projeto realiza visita a 42 pontos turísticos de Campo Grande por meio de um ônibus

especial de turismo, com passeio de duração de 3h30.

33

as fornecedoras. Conforme o número de peças adquiridas ocorre desconto por

atacado. O pagamento é feito à vista, em dinheiro.

De acordo com a comerciante, não são feitas sugestões quanto aos

novos produtos, nem indicação dos mais vendidos. As peças selecionadas são

destinadas diretamente para venda e condiciona um pequeno estoque na

própria loja.

Na loja Artesanatos, as peças estão dispostas de acordo com a

semelhança (Figuras 12, 13 e 14), para atrair a atenção do consumidor para o

tipo de produto que procura. No local, há máscaras e quadros para parede

objetos que não foram encontrados nos postos públicos de comercialização.

Conforme o Quadro 4, as peças alcançam valores maiores em

comparação aos praticados em locais públicos de comercialização; as peças

não possuem etiqueta com identificação da artesã.

Figura 12. Loja Artesanatos – Aeroporto Internacional de Campo Grande:

vasos pratos e peças zoomorfas. Fonte: KOMIYAMA (2014).

34

Figura 13. Loja Artesanatos – Aeroporto Internacional de Campo Grande:

disposição das peças em prateleiras. Fonte: KOMIYAMA (2014).

Figura 14. Loja Artesanatos – Aeroporto Internacional de Campo Grande:

vasos tamanhos 40 cm, 30 cm, 25 cm (na sequência). Fonte: KOMIYAMA

(2014).

Quadro 4. Cerâmica Kadiwéu comercializada na loja Artesanatos

Tipo de

Peça

Tamanho Valor (R$) Fonte

explícita na

peça

Fonte

Segundo

comerciante

Prato 30cm

diâmetro

48,00 Não há Creuza

Virgílio

Máscara e

quadros

10cm a 20cm 50,00 Não há Creuza

Virgílio

35

Peças

Zoormórfas

Variados 25,00 a 30,00 Não há Creuza

Virgílio

Vaso com

prato

10cm 25,00 Não há Creuza

Virgílio

Vaso médio 25cm 70,00 Não há Creuza

Virgílio

Vaso médio 30cm 78,00 Não há Creuza

Virgílio

Fonte: KOMIYAMA, 2014.

Na loja Artesanato & CIA (Shopping Norte Sul Plaza), a compra ocorre

diretamente na casa da indígena Creuza Virgílio. Quando a peça é adquirida

pela Federação, recebe um selo em nome da ARTEMS.

No local, as peças estão espalhadas em estantes e mesas (Figuras 15 e

16). Nelas não há identificação de artesã (Quadro 5). De acordo com a

presidente da Associação, mantenedora do local, as peças são adquiridas da

artesã Creuza Virgílio e de outras indígenas não identificadas, constando

apenas que possuem parentesco com esta indígena.

Quadro 5. Cerâmica Kadiwéu comercializada na loja Artesanato & CIA

Tipo de

Peça

Tamanho Valor (R$) Etiquetada

em nome

Artesã (fonte

comerciante)

Pratos

pequenos

8 cm

diâmetro

10,00 Não há Creuza

Virgílio

Tigela 8 cm

diâmetro

25,00 Não há Creuza

Virgílio

Pote

pequeno com

tampa

8 cm altura 25,00 Não há Creuza

Virgílio

Vaso médio 25 cm altura 40,00 Não há Creuza

Virgílio

Fonte: KOMIYAMA, 2014.

36

Figura 15. Loja Artesanato – Shopping Norte Sul Plaza: vaso Kadiwéu

utilizado como objeto decorativo. Fonte: KOMIYAMA (2014).

Figura 16. Loja Artesanato – Shopping Norte Sul Plaza: disposição de outras

peças cerâmicas Kadiwéu. Fonte: KOMIYAMA (2014).

37

Na Feira Central há dois boxes que passaram a comercializar cerâmica

Kadiwéu nos últimos anos.

De acordo com a proprietária do Box MN Artesanatos, Marli Márcia, a

venda de cerâmica Kadiwéu ocorre no local há pelo menos dois anos. As

peças cerâmicas são levadas pela indígena Creuza Virgílio que negocia os

valores diretamente com a comerciante.

No local, os objetos são comprados e os valores pagos à vista em

dinheiro. A comerciante esclarece que ao valor da fornecedora são acrescidos

30% para a venda ao consumidor (Quadro 06).

Os objetos não possuem identificação da autoria das peças,

diferentemente de outros produtos artesanais encontrados no local. Na Figura

18 observa-se a disposição das peças.

Quadro 6. Cerâmica Kadiwéu comercializada no Box MN Artesanatos

Tipo de

Peça

Tamanho Valor (R$) Fonte

explícita na

peça

Fonte

Segundo

comerciante

Pratos

variados

5 cm

30 cm

15,00

36,00

Não há Creuza

Virgílio

Peixes 8 cm 12,00 Não há Creuza

Virgílio

Porta incenso 5 cm 10,00 Não há Creuza

Virgílio

Vasos

variados

10 cm (altura)

30 cm (altura)

35 cm (altura)

15,00

36,00

39,00

Não há Creuza

Virgílio

Fruteira 40 cm

(comprimento)

45,00 Não há Creuza

Virgílio

Máscara 20 cm 30,00 Não há Creuza

Virgílio

Fonte: KOMIYAMA, 2014.

38

Figura 17. Box MN Artesanatos – Feira Central de Campo Grande. Fonte:

KOMIYAMA (2014).

No Box Gema Artigos Religiosos e Presentes há uma infinidade de

produtos artesanais. De acordo com o proprietário Geraldo Pelizáro, há quatro

são adquiridas peças de artesãs Kadiwéu, residentes em Campo Grande. O

comerciante informou que as peças são levadas pela índia Creuza Virgílio,

esporadicamente.

A última compra foi no mês de junho de 2014, ocasião em que adquiriu

vasta variedade de peças tanto de Creuza como de outras indígenas que

estavam com ela. O pagamento pelos objetos é feito à vista, em dinheiro.

Ao valor das peças são acrescidos entre 30% e 50% para o consumidor,

conforme Quadro 7 com valores finais.

Os objetos não possuem identificação da autoria das peças,

diferentemente de outros produtos artesanais encontrados no local. Há um

espaço destinado à acomodação das peças Kadiwéu (Figura 18), com poucos

exemplares.

39

Quadro 7. Cerâmica Kadiwéu comercializada no Box Gema Artigos Religiosos

e Presentes

Tipo de

Peça

Tamanho Valor (R$) Fonte

explícita na

peça

Fonte

Segundo

comerciante

Pratos

variados

5 cm

8 cm

10 cm

8,00

10,00

15,00

Não há Creuza

Virgílio

Conjunto

vaso e

pratinho

8 cm 15,00 Não há Creuza

Virgílio

Vasos

variados

20 cm (altura)

30 cm (altura)

40,00

50,00

Não há Creuza

Virgílio

Máscara 20 cm 25,00 Não há Creuza

Virgílio

Fonte: KOMIYAMA, 2014.

Figura 18. Box Gema Artigos Religiosos e Presentes – Feira Central de Campo

Grande. Fonte: KOMIYAMA (2014).

40

Na Feira do Artesão, Praça dos Imigrantes, as peças, no passado, eram

adquiridas pela Associação de Artesãos, que mantém uma loja no local. As

indígenas levavam as peças diretamente à Feira e vendiam para outros

artesãos. Atualmente, a Associação mantém poucas peças Kadiwéu (Figuras

19 e 20) no local, mais com o objetivo decorativo do que para comercialização,

pois não há identificação de preços.

De acordo com a presidente da Associação, ainda por volta de 2004

eram adquiridas cerâmicas Terena das índias que ficavam no Mercado

Municipal de Campo Grande (MS). Com o aumento do custo das peças a

Associação deixou de adquirir as peças para comercialização no local da Feira

do Artesão. Quanto às peças Kadiwéu, a dirigente informou que algumas índias

Kadiwéu entregavam peças cerâmicas em consignação, que com o tempo

passaram a ser compradas pela Associação.

Porém, com o pouco fluxo das vendas e pouca margem de lucro, a

Associação deixou de comprá-las, e deixou em exposição as que já

permaneciam no local do espaço da Feira do Artesão.

Figura 19. Feira do Artesão – Praça dos Imigrantes: exposição de peças

Kadiwéu. Fonte: KOMIYAMA (2014).

41

Figura 20. Feira do Artesão – Praça dos Imigrantes: exposição de peças

indígenas. Fonte: KOMIYAMA (2014).

No Núcleo de Produção de Cerâmica Terena, localizado no Bairro

Jardim Noroeste, é mantido um espaço que funciona como loja de artesanato

indígena. Há peças produzidas pelo Núcleo Terena e um número considerável

de peças Kadiwéu. Os objetos não possuem identificação referente à produtora

artesã. Segundo a fundadora, que administradora do espaço, Dona Élida

Terena, as índias Kadiwéu deixam com ela a produção quando não conseguem

vender as peças nos postos de comercialização em Campo Grande.

No local foram observadas caixas repletas de peças cerâmicas Kadiwéu,

embaladas precariamente em jornais, sem muitos cuidados e distribuídas de

maneira improvisada na varanda aberta da loja (Figura 21).

Muitas destas peças Kadiwéu são levadas por dona Élida ao Memorial

da Cultura Indígena. No local as cerâmicas permanecem por meio de

consignação. O pagamento da venda das mercadorias Kadiwéu é repassado

para dona Élida Terena, que, por sua vez, entrega os recursos para as

indígenas artesãs que as produzem.

42

Quanto à formação de preço, de acordo com Dona Élida, as índias

Kadiwéu não fornecem o valor das peças. Após a venda, ela repassa os

valores para as indígenas.

Figura 21. Núcleo de Produção Cerâmica Terena: peças Kadiwéu embaladas

em jornal. Fonte: KOMIYAMA (2014).

Ao analisar as mercadorias encontradas em comum a todos os postos

de comercialização, observa-se uma diferença de até R$ 28, ou de 58%, entre

um estabelecimento público e um privado (Quadro 8). Neste caso, um vaso

cerâmico de 30 cm comercializado na Casa do Artesão é vendido à R$ 50,

enquanto na loja Artesanatos, localizada no Aeroporto de Campo Grande, um

vaso do mesmo tamanho custa R$ 78.

Algumas peças como as máscaras foram encontradas somente nos

estabelecimentos privados (Loja Artesanatos, Box MN Artesanto e Gema

Artigos Religiosos e Presentes), evidenciando as tendências e inovações da

produção cerâmica Kadiwéu, que no passado, concentrava a produção de

travessas, vasos e pratos. Estas mudanças formais da produção evidenciam

claramente a pressão do mercado turístico, ou seja, os artigos decorativos

atendem aos anseios dos turistas.

43

Quadro 8. Comparação entre os valores de diferentes peças e os

estabelecimentos comerciais

Prato

(10cm)

Peças

Zoomorfas

Máscara Vaso

médio

(60cm)

Vaso

médio

(30cm)

Estabelecimento

R$ 7,89 R$ 25 X R$ 50 R$ 50 Casa do Artesão

R$ 10,00 R$ 25 X R$ 50 R$ 50 Memorial da

Cultura Indígena

X R$ 25 a R$

30

R$ 50 X R$ 78 Loja Artesanatos

R$ 10 R$ 25 X X R$ 40 Artesanato & CIA

R$ 15 X R$ 30 X R$ 36 Box MN

Artesanato

R$ 15 X R$ 25 X R$ 50 Gema Artigos

Religiosos e

Presentes

Fonte: KOMIYAMA, 2014.

Produção por desaldeadas

Durante o trabalho de campo, verificou-se a presença de artesãs

Kadiwéu desaldeadas fornecedoras de cerâmica a comerciantes de Campo

Grande (MS).

Nos relatos dos gerentes e proprietários de postos de comercialização,

as indígenas residentes em Campo Grande (MS) entregam as mercadorias e,

em outros casos, recebem em suas residências os comerciantes e

intermediários. O contato, em todos os casos, é com a indígena Creuza Virgílio.

Creuza Virgílio reside em Campo Grande (MS) há pelo menos 10 anos.

Atualmente, mora no bairro Vida Nova, na região Norte de Campo Grande

(MS). A partir do contato com ela, pode-se chegar a toda uma família de

artesãs residentes em bairros periféricos de Campo Grande: Elizabeth Virgílio;

Saturnina Virgílio; Benilda Virgílio; e Olinda Virgílio.

Estas indígenas possuem residência fixa em Campo Grande e mantêm

na Aldeia Bodoquena uma moradia provisória.

44

A mudança territorial não impediu as indígenas de produzir artesanato

cerâmico, porém impactou alguns processos que foram adaptados às

condições locais.

A extração da matéria-prima – barro, barrote, argilas coloridas e resina

pau-santo – ainda é feita na Reserva Indígena Kadiwéu, nas Aldeias

Bodoquena e São João.

A pesquisadora Vânia Graziato, em contato com as artesãs, discutiu a

atividade de produção cerâmica.

“As mulheres guardam para si, no máximo para suas

famílias, a localização das jazidas dos barros coloridos,

pois da variedade da palheta depende a diferenciação do

seu produto. Quem obtém maior quantidade de cores tem,

consequentemente, maior variedade de combinações”

(GRAZIATO, 2008, p. 52).

A este processo, agora, acrescenta-se o fato inédito do transporte da

matéria-prima para outra localidade. Segundo Creuza Virgílio, a matéria-prima

é levada para Campo Grande (MS) por intermédio de outros indígenas da

mesma família, sobretudo por homens residentes na Aldeia, esporadicamente

e “quando tem oportunidade de transporte”. Todo material fica acondicionado

em uma pequena sala aos fundos da residência da artesã Creuza.

O barro é dividido entre as indígenas que iniciam o processo de

modelagem das peças. São feitos, principalmente, vasos de 30 cm de altura,

pequenos vasos, máscaras e pratos, máscaras e pratos com até 40 cm de

diâmetro. Após a modelagem, as peças recebem as marcações e os grafismos

característicos da etnia.

A necessidade de realizar a produção fora da aldeia impactou

principalmente o processo de queima. Como a retirada de madeira é restrita

em área urbana, as peças recebem mais de uma queima e são esquentadas

diversas vezes. As indígenas realizam uma primeira queima nas proximidades

da Aldeia Urbana Água Bonita9, localizada no Bairro Vida Nova II, região

9 Segunda Aldeia Urbana de Campo Grande (MS) foi fundada em 2001, com área de 11

hectares. No local residem indígenas de diversas etnias: Terena, Guarani, Kadiwéu e Guató.

45

vizinha ao bairro de Creuza Virgílio. No local são colocadas as peças de todas

as artesãs, isto é, a queima ocorre coletivamente.

Ao transportar a peça até a residência, onde estão as tinturas de argila,

ocorre seu resfriamento impedindo a aplicação da resina pau-santo. Esse é o

motivo pelo qual as indígenas realizam uma segunda queima, utilizando carvão

vegetal e restos de madeira, agora na residência.

Segundo descrição de Graziato,

“A queima ou cozedura das peças é feita de maneira

isolada ou dentro da mesma família. Duas irmãs ou mãe e

filhas podem queimar as peças juntas. A ceramista reserva

um local nos arredores de sua moradia para executar essa

tarefa” (GRAZIATO, 2008, p. 45).

A adaptação do processo de requeima, de acordo com a artesã Creuza

Virgílio, ajuda a melhorar a resistência da peça. “Tem peças que queimo três,

quatro vezes e por isso ficam melhores, mais fortes”. Porém, ela revela que

este não é o objetivo das indígenas. O papel da requeima é esquentar a peça

para receber a resina pau-santo.

Muitas peças apenas cozidas são guardadas para depois receber a

pintura. Na maioria das vezes, de acordo com Creuza Virgílio, as peças

recebem a tinta de barro colorido apenas quando há comprador interessado.

Nenhuma peça recebe identificação da artesã, porém as indígenas

conseguem diferenciar suas peças das outras por conta da ornamentação

característica.

As transformações sofridas pela produção cerâmica Kadiwéu são

identificadas por registros diferentes como os de Guido Boggiani, em 1890,

Claude Lévi-Strauss, quando de sua visita em 1935, e Darcy Ribeiro em 1948.

Mais recente, o trabalho de Vânia Graziato (2008) também estabelece

comparações de cada etapa da produção cerâmica com os relatos dos autores

referidos.

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Conclusões

Os dois espaços públicos – Casa do Artesão e Memorial da Cultura

Indígena – demonstram ser estratégicos para os artesãos por serem referência

de artesanato e da cultura local, atraindo visitantes, sobretudo turistas. Os

locais públicos são os únicos em que as peças cerâmicas Kadiwéu possuem

identificação com o nome da artesã ou de intermediárias, fato relacionado à

necessidade de efetuar o pagamento à artesã e não de intencionalmente

garantir a autoria do objeto.

Nos estabelecimentos privados, o número de mercadorias

disponibilizadas para venda ao consumidor é menor em relação aos postos

públicos, como Casa do Artesão e Memorial da Cultura Indígena. Porém o

comparativo em relação ao valor de custo ao consumidor revela que as peças

Kadiwéu alcançam maior valor no comércio particular.

Nos locais privados como Loja Artesanatos, Box MN Artesanato e Gema

Artigos Religiosos e Presentes foram encontradas peças diferenciadas, como

máscaras, porta-incenso e placas para aplicação vertical (fixação em paredes),

não encontradas nos locais públicos de comercialização.

Este direcionamento de parte da produção cerâmica Kadiwéu é

resultado do contato de artesãs desaldeadas, residentes em Campo Grande

(MS), com os comerciantes e com o mercado.

No passado, a produção era feita nas aldeias, como discutido por Darcy

Ribeiro (1980) e Vânia Graziato (2008), e depois distribuída nos postos de

comercialização de Campo Grande (SENNA, 2003). Atualmente, parte da

produção é feita fora das aldeias, como o caso das artesãs da família de

Creuza Virgílio. Esta família, com cerca de oito artesãs, residente na periferia

de Campo Grande (MS), mudança territorial que tem facilitado o contato direto

das artesãs com os comerciantes, por este motivo elas estão abastecendo o

mercado com produtos cerâmicos por meio de venda direta aos comerciantes –

nos seis estabelecimentos particulares pesquisados ocorre a venda direta, sem

intermediários.

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50

6. Conclusão Geral

Os dois espaços públicos – Casa do Artesão e Memorial da Cultura

Indígena – demonstram ser estratégicos para os artesãos por serem referência

de artesanato e da cultura local, atraindo visitantes, sobretudo turistas. Os

locais públicos são os únicos em que as peças cerâmicas Kadiwéu possuem

identificação com o nome da artesã ou de intermediárias. O que se observa é

que o fato de relacionarem a peça à artesã justifica-se pela necessidade de se

efetivar o pagamento relativo ao objeto vendido, e não ao de intencionalmente

garantir a autoria das peças ao público consumidor.

Tanto na Casa do Artesão quanto no Memorial da Cultura Indígena foi

encontrada mais diversidade e um número maior de peças para

comercialização.

Nos locais privados como Loja Artesanatos, Box MN Artesanto e Gema

Artigos Religiosos e Presentes foram encontradas peças diferenciadas, como

máscaras, porta-incenso e placas para aplicação vertical (fixação em paredes).

Este direcionamento de parte da produção cerâmica Kadiwéu é resultado do

contato de artesãs desaldeadas, residentes em Campo Grande (MS), com os

comerciantes e com o mercado.

No passado, a produção era feita nas aldeias, como discutido por Darcy

Ribeiro (1980) e Vânia Graziato (2008), e depois distribuída nos postos de

comercialização de Campo Grande (SENNA, 2003). Atualmente, parte da

produção é feita fora das aldeias com o caso das artesãs da família de Creuza

Virgílio - são cerca de oito artesãs residentes na periferia de Campo Grande

(MS) que atualmente tem abastecido o mercado com produtos cerâmicos por

meio de venda direta aos comerciantes. A mudança territorial tem facilitado o

contato direto das artesãs com os comerciantes.

Os resultados revelaram ainda que a produção fora da aldeia alterou o

processo de produção da cerâmica, dentre eles os cuidados com a

ornamentação e o emprego da requeima das peças que tem assegurado maior

resistência às peças. Processos que geraram elevação nos preços das peças

cerâmicas comercializadas por estas artesãs.

Em todos os seis estabelecimentos particulares, ocorre a compra das

mercadorias pelos comerciantes e acrescimentos sobre para venda ao

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consumidor. A quantidade de mercadorias é menor, sendo os valores das

peças mais elevados em relação aos estabelecimentos públicos.