critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis

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    Critrio cientfico para distinguir a prescrio da decadncia e para

    identificar as aes imprescritveis

    Agnelo Amorim Filho

    (Professor da Faculdade de Direito da Universidade da Paraba)

    I O PROBLEMA EM FACE DA DOUTRINA E DA LEI

    II CRITRIOS QUE TM SIDO APRESENTADOS PARA DISTINGUIR A

    PRESCRIO DA DECADNCIA

    III A MODERNA CLASSIFICAO DOS DIREITOS E DOS DIREITOS

    POTESTATIVOS

    IV CRTICAS FEITAS EXISTNCIA DOS DIREITOS POTESTATIVOS

    V FORMAS DE EXERCCIO DOS DIREITOS POTESTATIVOS

    VI MODERNA CLASSIFICAO DAS AES

    VII AES CONSTITUTIVAS

    VIII FUNDAMENTOS E EFEITOS DA PRESCRIO

    IX FUNDAMENTOS E EFEITOS DA DECADNCIAX CASOS ESPECIAIS DE AES CONSTITUTIVAS

    XI AES DECLARATRIAS

    XII AES APARENTEMENTE DECLARATRIAS

    XIII O PROBLEMA DA IMPRESCRITIBILIDADE DAS AES

    XIV CONCLUSES

    I O PROBLEMA EM FACE DA DOUTRINA E DA LEI

    A questo referente distino entre prescrio e decadncia to

    velha quanto os dois velhos institutos de profundas razes romanas

    continua a desafiar a argcia dos juristas. As dvidas a respeito do

    assunto so tantas e vm se acumulando de tal forma ao longo dos

    sculos que, ao lado de autores que acentuam a complexidade da

    matria, outros, mais pessimistas, chegam at a negar certo que com

    indiscutvel exagero a existncia de qualquer diferena entre as duas

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    II CRITRIOS QUE TM SIDO APRESENTADOS PARA DISTINGUIR A

    PRESCRIO DA DECADNCIA

    O critrio mais divulgado para se fazer a distino entre os dois

    institutos aquele segundo o qual a prescrio extingue a ao, e a

    decadncia extingue o direito. Entretanto, tal critrio, alm de carecer de

    base cientfica, absolutamente falho e inadequado, uma vez que

    pretende fazer a distino pelos efeitos ou conseqncias. O critrio

    apontado apresenta-se, assim, com uma manifesta petio de princpio,

    pois o que se deseja saber, precisamente, quando o prazo atinge a ao

    ou o direito. O que se procura a causa e no o efeito. Processo

    indiscutivelmente mais vantajoso do que aquele o sugerido por CMARA

    LEAL, assim resumido pelo seu autor:

    de decadncia o prazo estabelecido pela lei, ou pela vontade unilateral

    ou bilateral, quando prefixado ao exerccio do direito pelo seu titular. E

    de prescrio, quando fixado, no para o exerccio do direito, mas para oexerccio da ao que o protege. Quando, porm, o direito deve ser

    exercido por meio da ao, originando-se ambos do mesmo fato, de modo

    que o exerccio da ao representa o prprio exerccio do direito, o prazo

    estabelecido para a ao deve ser tido como prefixado ao exerccio do

    direito, sendo, portanto, de decadncia, embora aparentemente se afigure

    de prescrio (CMARA LEAL, Da Prescrio e da Decadncia, 1 ed.,

    pgs. 133 e 134). Todavia, o critrio proposto por CMARA LEAL,embora muito til na prtica, se ressente de dupla falha: em primeiro

    lugar, um critrio emprico, carecedor de base cientfica, e isso

    reconhecido pelo prprio CMARA LEAL, pois ele fala em discriminao

    prtica dos prazos de decadncia das aes (obra citada, pg. 434).

    Com efeito, adotando-se o referido critrio, fcil verificar, praticamente

    na maioria os casos, se determinado prazo prescricional ou decadencial,

    mas o autor no fixou, em bases cientficas, uma norma para identificar

    aquelas situaes em que o direito nasce, ou no, concomitantemente

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    com a ao, pois esse o seu ponto de partida para a distino entre os

    dois institutos. Em segundo lugar, o critrio em exame no fornece

    elementos para se identificar, direta ou mesmo indiretamente (isto , por

    excluso), as denominadas aes imprescritveis. Faz-se necessrio,

    assim, intensificar a procura por um outro critrio, e temos a impresso

    que, tomando-se como ponto de partida a moderna classificao dos

    direitos desenvolvida por CHIOVENDA e, particularmente, a categoria dos

    direitos potestativos, chegar-se-, indubitavelmente, quele critrio ideal,

    isto , a um critrio dotado de bases cientficas e que permite, simultnea

    e seguramente, distinguir, de incio, a prescrio da decadncia, e

    identificar as denominadas aes imprescritveis. o que nos propomos

    a demonstrar com o presente trabalho.

    III A MODERNA CLASSIFICAO DOS DIREITOS E OS DIREITOS

    POTESTATIVOS

    Segundo CHIOVENDA (Instituies, 1/35 e segs.), os direitossubjetivos se dividem em duas grandes categorias: a primeira

    compreende aqueles direitos que tm por finalidade um bem da vida a

    conseguir-se mediante uma prestao, positiva ou negativa, de outrem,

    isto , do sujeito passivo. Recebem eles, de CHIOVENDA, a denominao

    de direitos a uma prestao, e como exemplos poderamos citar todos

    aqueles que compem as duas numerosas classes dos direitos reais e

    pessoais. Nessas duas classes h sempre um sujeito passivo obrigado aumaprestao, seja positiva (dar ou fazer), como nos direitos de crdito,

    seja negativa (abster-se), como nos direitos de propriedade. A segunda

    grande categoria a dos denominados direitos potestativos, e

    compreende aqueles poderes que a lei confere a determinadas pessoas de

    influrem, com uma declarao de vontade, sobre as situaes jurdicas de

    outras, sem o concurso da vontade dessas. Desenvolvendo a

    conceituao dos direitos potestativos, diz CHIOVENDA:

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    Esses poderes (que no se devem confundir com as simples

    manifestaes de capacidade jurdica, como a faculdade de

    testar, de contratar e semelhantes, a que no corresponde

    nenhuma sujeio alheia), se exercitam e atuam mediantesimples declarao de vontade, mas, em alguns casos, com

    a necessria interveno do Juiz. Tm todas de comum

    tender produo de um efeito jurdico a favor de um

    sujeito e a cargo de outro, o qual nada deve fazer, mas nem

    por isso pode esquivar-se quele efeito, permanecendo

    sujeito sua produo. A sujeio um estado jurdico que

    dispensa o concurso da vontade do sujeito, ou qualqueratitude dele. So poderes puramente ideais, criados e

    concebidos pela lei..., e, pois, que se apresentam como um

    bem, no h como exclu-los de entre os direitos, como

    realmente no os exclui o senso comum e o uso jurdico.

    mera petio de princpio afirmar que no se pode imaginar

    um direito a que no corresponda uma obrigao.

    (Instituies, trad. port., 1/41, 42).

    VON TUHR, por sua vez, conceitua os direitos potestativos nos seguintes

    termos:

    Em princpio, quando se trata de modificar os limites entre

    duas esferas jurdicas, necessrio o acordo dos sujeitos

    interessados. A possibilidade que tm A e B de modificar

    suas relaes jurdicas recprocas, no pode, evidentemente,

    conceber-se como um direito, pois no pressupe mais que

    a capacidade geral de produzir efeitos jurdicos. Semembargo, distinta a situao quando A ou B tm a

    faculdade de realizar a modificao em virtude de sua s

    vontade. Tais faculdades so inumerveis e ilimitadamente

    diversas, porm sempre se fundamentam em certos

    pressupostos exatamente determinados. Neste caso cabe

    falar de direitos; so os potestativos. (Derecho Civil, vol. 1,

    tomo 1, pg. 203 da trad. cast.).

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    Como exemplos de direitos potestativos podem ser citados os

    seguintes: o poder que tm o mandante e o doador de revogarem o

    mandato e a doao; o poder que tem o cnjuge de promover a

    separao; o poder que tem o condmino de desfazer a comunho; o

    poder que tem o herdeiro de aceitar ou renunciar a herana; o poder que

    tm os interessados de promover a invalidao dos atos jurdicos

    anulveis (contratos, testamentos, casamentos, etc.); o poder que tem o

    scio de promover a dissoluo da sociedade civil; o poder que tem o

    contratante de promover a resoluo do contrato por inadimplemento

    (art. 475, do Cdigo Civil), ou por vcios redibitrios (art. 441); o poder de

    escolha nas obrigaes alternativas (art. 252); o poder de interpelar,

    notificar, ou protestar, para constituir em mora; o poder de alegar

    compensao; o poder de resgatar imvel vendido com clusula de

    retrovenda; o poder de dar vida a um contrato mediante aceitao da

    oferta; o poder de requerer a interdio de determinadas pessoas; o

    poder de promover a resciso das sentenas; o poder assegurado ao filho

    de desobrigar os imveis de sua propriedade alienados ou gravados pelopai fora dos casos permitidos em lei; o poder assegurado ao cnjuge ou

    seus herdeiros necessrios para anular a doao feita pelo cnjuge

    adltero ao seu cmplice. Muitos outros exemplos ainda poderiam ser

    citados. Da exposio feita acima se verifica que a principal caracterstica

    dos direitos potestativos o estado de sujeio que o seu exerccio cria

    para outra ou outras pessoas, independentemente da vontade dessas

    ltimas, ou mesmo contra sua vontade. Assim, por exemplo, omandatrio, o donatrio, e os outros condminos, sofrem os efeitos da

    extino do mandato, da doao e da comunho, sem que possam se

    opor realizao do ato que produziu aqueles efeitos. No mximo, a

    pessoa que sofre a sujeio pode, em algumas hipteses, se opor a que o

    ato seja realizado de determinada forma, mas nesse caso o titular do

    direito tem a faculdade de exerc-lo por outra forma. Ex.: diviso judicial,

    quando os demais condminos no concordam com a diviso amigvel.

    Outras caractersticas dos direitos potestativos: so insuscetveis de

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    violao e a eles no corresponde uma prestao. Tais caractersticas

    so encontradas em todos os exemplos enumerados acima. A categoria

    dos direitos potestativos conceituada por vrios autores em termos mais

    ou menos equivalentes aos de CHIOVENDA e VON TUHR: ENNECERUS-

    KIPP E WOLF, Tratado de Derecho Civil, vol. 1, tomo 1, trad. cast., pg.

    294; LEHMANN, Tratado de Derecho Civil, vol. 1, pgs. 128 e 129;

    GUILHERME ESTELITA, Direito de Ao Direito de Demandar, pgs. 88 e

    89; PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. V, pg. 242; J.

    FREDERICO MARQUES, Ensaio sobre a Jurisdio Voluntria, pg. 241;

    ORLANDO GOMES, Introduo ao Direito Civil, pg. 119; e LUIS LORETO,

    Revista Forense, 98/9.

    IV CRTICAS FEITAS EXISTNCIA DOS DIREITOS POTESTATIVOS

    A categoria dos direitos potestativos, embora admitida por vrios

    autores, principalmente na Alemanha e na Itlia, tambm tem sido muito

    combatida. Entretanto, CHIOVENDA, ao redigir as suas Instituies deDireito Processual Civil, afirmou que ...as vivas controvrsias dos ltimos

    anos em torno dos direitos potestativos agora se aplacaram e a categoria

    pode se considerar em definitivo, tambm na Itlia, reconhecida pela

    doutrina e pela jurisprudncia, que lhe consagrou a utilidade prtica em

    importantes aplicaes (vol. 1, pg. 43 da trad. port.). As principais

    objees feitas existncia dos direitos potestativos so as seguintes:

    alega-se que eles nada mais so do que faculdades jurdicas, ou, ento,manifestaes da capacidade jurdica, e que no se pode admitir a

    existncia de um direito ao qual no corresponda um dever. Todavia, na

    exposio que faz da sua doutrina, CHIOVENDA d resposta cabal e

    antecipada a todas aquelas objees. Assim, acentua ele, em primeiro

    lugar, que o exerccio de um direito potestativo cria um estado de sujeio

    para outras pessoas, fato que no ocorre com o exerccio das meras

    faculdades. Por sujeio, como j vimos, se deve entender a situao

    daquele que, independentemente da sua vontade, ou mesmo contra sua

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    vontade, sofre uma alterao na sua situao jurdica, por fora do

    exerccio de um daqueles poderes atribudos a outra pessoa e que

    recebem a denominao de direitos potestativos. precisamente o que

    ocorre com o poder, assegurado aos contratantes, de promoverem a

    decretao de invalidade dos contratos anulveis, exemplo tpico de

    direito potestativo. Se um dos contratantes pretende exercit-lo, pode

    faz-lo sem o concurso da vontade do outro, e esse, embora no possa se

    opor, fica sujeito aos efeitos do ato: sua esfera jurdica afetada por uma

    manifestao da vontade alheia, independentemente da prpria vontade.

    J o mesmo no ocorre com o exerccio das denominadas faculdades

    jurdicas: tal exerccio s afeta a esfera jurdica de terceiro com a

    aquiescncia deste. Ex.: o proprietrio tem o poder de vender a coisa,

    mas s a compra quem quer ningum obrigado a faz-lo. O exerccio

    desse poder no cria um estado de sujeio para terceiros sem a vontade

    desses. Tal poder , por conseguinte, uma mera faculdade, e no um

    direito potestativo. Por a se verifica que no assiste qualquer parcela de

    razo a CUNHA GONALVES quando identifica os direitos potestativos comas faculdades jurdicas e cita, como exemplos, os atos de andar, comer,

    beber, dormir, danar, ler, escrever (Princpios de Direito Civil Luso-

    brasileiro, vol. 1, pg. 62; e Tratado de Direito Civil, vol. 1, tomo 1, da

    1 ed. bras.). Tais atos, entretanto, so faculdades que nem sequer

    podem ser classificadas de jurdicas e muito menos podem ser

    classificados de direitos potestativos, pois no criam estados de sujeio

    para terceiros. Com referncia s outras objees feitas existncia dosdireitos potestativos, convm atentar para as consideraes que

    CHIOVENDA faz a respeito do contedo jurdico da expresso bem, a

    qual abrange, entre outras coisas, ...a modificao do estado jurdico

    existente, quando se tenha interesse de interromper uma relao jurdica

    ou de constituir uma nova. E arremata: ...pois que (tais poderes) se

    apresentam como um bem, no h como exclu-los de entre os direitos,

    como realmente no os exclui o senso comum e o uso jurdico

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    (Instituies, vol. 1, pg. 42). Como reforo de argumentao, poder-

    se-ia invocar, ainda, a opinio de PONTES DE MIRANDA:

    Toda permisso de entrar na esfera jurdica de outrem direito;

    ...........................................................................................

    A todo direito corresponde um sujeito passivo ou total, nos direitos

    absolutos, ou determinado, nos direitos relativos. Os direitos formativos,

    quer geradores, quer modificativos, quer extintivos, no so sem sujeitos

    passivos: h sempre esfera jurdica alheia em que se opera a eficcia do

    exerccio de tais direitos. (Tratado de Direito Privado, vol. V, pg. 245).

    certo que, em virtude da grande semelhana entre os dois

    institutos, torna-se muito sutil, em alguns casos, a distino entre os

    direitos potestativos e as meras faculdades, mas a questo fica

    grandemente facilitada caso se leve em conta, como fator distintivo, a

    sujeio, pois essa apenas existe nos direitos potestativos. Deste modo,

    aqueles que no querem, de forma alguma, ver nos direitos potestativos

    uma categoria autnoma de direitos subjetivos, tm que admitir,

    necessariamente, que eles constituem, pelo menos, uma classe especialde faculdades isto , aquelas faculdades cujo exerccio cria um estado

    de sujeio para terceiros. O problema se reduzira, ento, a uma simples

    questo de natureza terminolgica. De qualquer forma, no sero

    afetadas as concluses que temos em vista no presente estudo.

    V FORMAS DE EXERCCIO DOS DIREITOS POTESTATIVOS

    Os direitos potestativos se exercitam e atuam, em princpio,

    mediante simples declarao de vontade de seu titular,

    independentemente de apelo s vias judiciais, e em qualquer hiptese

    sem o concurso da vontade daquele que sofre a sujeio. Exemplos: os

    direitos de revogao do mandato, de aceitao da herana, de dar vida a

    um contrato mediante aceitao da oferta, de escolha nas obrigaes

    alternativas. Em outros casos, que compem uma segunda categoria, os

    direitos potestativos tambm podem ser exercitados mediante simples

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    declarao da vontade do seu titular, sem apelo via judicial, mas

    somente se aquele que sofre a sujeio concordar com tal forma de

    exerccio. Se no houver concordncia, o titular do direito potestativo

    pode recorrer via judicial para exercit-lo. Tal via funciona, a, apenas

    subsidiariamente. Exemplos: o direito que tem o condmino de dividir a

    coisa comum; o direito que tem o doador de revogar a doao; o direito

    que tem o filho de desobrigar os imveis de sua propriedade alienados ou

    gravados pelo pai fora dos casos expressos em lei; o direito que tem o

    cnjuge, ou seus herdeiros necessrios, para anular a doao feita pelo

    cnjuge adltero ao seu cmplice; o direito que tem o vendedor de

    resgatar o imvel vendido com clusula de retrovenda. Finalmente, h

    uma terceira categoria de direitos potestativos que s podem ser

    exercidos por meio de ao. A ao, aqui, j no tem carter

    simplesmente subsidirio, ou facultativo mas obrigatrio como forma

    de exerccio do direito. Conseqentemente, nessa terceira categoria no

    se dispensa a propositura da ao nem mesmo quando todos os

    interessados, inclusive aqueles que sofrem a sujeio, esto de acordo emque o direito seja exercitado por outra forma. por esse motivo que

    CALAMANDREI d, a tais procedimentos judiciais, a denominao de aes

    necessrias, e a elas faz referncia em vrias passagens dos seus Estudios

    sobre el Proceso Civil (pgs. 37, 152, 233, 238, 239 e 240 da trad. cast.).

    O que tem em vista a lei, ao eleger a via judicial como forma especial e

    exclusiva de exerccio dos direitos potestativos dessa terceira categoria,

    conceder mais segurana para determinadas situaes jurdicas, cujaateno tem reflexos acentuados na ordem pblica. Nessa categoria

    EDUARDO COUTURE inclui, de modo geral, aqueles direitos potestativos

    que dizem respeito ao estado civil das pessoas (Fundamentos del Derecho

    Procesal Civil, pg. 221). Exemplos: o direito de invalidar o casamento

    nulo ou anulvel; o direito que tem o pai de contestar a paternidade dos

    filhos de sua mulher; o direito que tem o filho de pleitear o

    reconhecimento de sua paternidade, quando o pai no reconheceu

    voluntariamente; o direito que tm determinadas pessoas de requererem

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    a interdio de outras, dentre outros. Corolrio da natureza especial

    dessas aes constitutivas necessrias a impossibilidade de ser aplicado

    a elas o princpio da confisso ficta, consubstanciado no art. 319 do

    Cdigo de Processo Civil. Ao propor uma daquelas aes por meio das

    quais so exercidos os direitos potestativos da segunda e da terceira

    categorias, o respectivo autor no pleiteia do ru qualquer prestao, seja

    prestao de dar, de fazer, de no-fazer, de abster-se, ou de outra

    espcie. O que ele visa com a propositura da ao , apenas, a criar,

    extinguir, ou modificar determinada situao jurdica, e isso feito

    independentemente da vontade, ou mesmo contra a vontade da pessoa

    ou pessoas que ficam sujeitas aos efeitos do ato. Assim, o ru da ao,

    embora no fique obrigado a uma prestao, sofre uma sujeio. o que

    ocorre, por exemplo, com a ao proposta pelo cnjuge coacto para

    anular o casamento: julgada procedente, o efeito da sentena no a

    condenao do outro cnjuge a uma prestao, e sim a anulao do

    casamento. A tal efeito o outro cnjuge fica sujeito, mesmo contra sua

    vontade. Como se verifica fcil e prontamente, h uma ntida diferenade contedo entre tais aes e aquelas outras que caracterizam a

    atividade jurisdicional e que so propostas exatamente com o objetivo de

    compelir o ru a uma prestao.

    VI MODERNA CLASSIFICAO DAS AES

    A concepo dos direitos potestativos induziu a substituio datradicional classificao das aes, oriunda do direito romano, e que

    levava em conta a natureza do direito cuja defesa se pretendia com o

    exerccio da ao (aes reais, pessoais, mistas e prejudiciais), por uma

    outra classificao que tivesse em vista a natureza do pronunciamento

    judicial pleiteado. Classificao segundo a carga de eficcia, conforme

    a conceituou PONTES DE MIRANDA (Tratado de Direito Privado, 5/483).

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    De acordo com essa orientao, CHIOVENDA classificou as aes em

    trs grupos principais: condenatrias, constitutivas e declaratrias

    (Instituies, 1/67).

    Lana-se mo da ao condenatria quando se pretende obter do

    ru uma determinada prestao (positiva ou negativa), pois, "correlativo

    ao conceito de condenao o conceito de prestao".

    Deste modo, um dos pressupostos da ao de condenao "a

    existncia de uma variedade de lei que garanta um bem a algum,

    impondo ao ru a obrigao de uma prestao. Por conseqncia, no

    podem jamais dar lugar a sentena de condenao os direitos

    potestativos" (CHIOVENDA, op. Cit., 1/267).

    J a ao constitutiva (positiva ou negativa) cabe quando se procura

    obter, no uma prestao do ru, mas a criao de um estado jurdico, ou

    a modificao, ou a extino de um estado jurdico anterior.

    Por a se verifica, de pronto, que as duas mencionadas espcies de

    ao correspondem exatamente, com rigorosa preciso, queles dois

    grandes grupos nos quais CHIOVENDA divide os direitos: as aescondenatrias so meios de proteo daqueles direitos suscetveis de

    violao (direitos a uma prestao); e as aes constitutivas so meios

    de exerccio daqueles direitos insuscetveis de violao (direitos

    potestativos).

    Quanto s aes declaratrias, tm elas por objetivo conseguir uma

    certeza jurdica. Ou, segundo a conceituao de CHIOVENDA:

    verificar qual seja a vontade concreta da lei, quer dizer,certificar a existncia do direito (j direito a uma prestao,

    j direito potestativo), sem o fim de preparar a consecuo

    de qualquer bem, a no ser a certeza jurdica.

    .............................................................................

    O autor que requer uma sentena declaratria, no pretende

    conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja

    garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa

    prestao do obrigado, seja que consista na modificao do

    estado jurdico atual; quer to-somente, saber que seu

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    direito existe ou quer excluir que exista o direito do

    adversrio; pleiteia, no processo, a certeza jurdica e nada

    mais (Instituies, 1 vol., pgs. 265 e 303).

    Por enquanto, deve ficar bem fixada esta noo, que tem

    importncia capital no desenvolvimento de alguns aspectos do presente

    estudo: o objetivo da ao declaratria a obteno de uma certeza

    jurdica e nada mais. Nas declaratrias, conseqentemente, o autor

    no colima a realizao do direito (CHIOVENDA, op. Cit., 1/302).

    Convm acentuar, porm, que as sentenas condenatrias e as

    constitutivas tambm tm certo contedo declaratrio, ao lado do

    contedo condenatrio ou constitutivo, pois toda sentena deve conter,

    necessariamente, a declarao da existncia da relao jurdica sobre a

    qual versa. O que as distingue das declaratrias propriamente ditas

    que, nestas, tal contedo total, ao passo que nas outras duas espcies

    parcial. Em outras palavras: as sentenas declaratrias so puramente

    declaratrias, ao passo que as condenatrias so, simultaneamente,

    declaratrias e condenatrias.

    O mesmo se pode dizer com referncia s constitutivas: so,

    simultaneamente, declaratrias e constitutivas (CALAMANDREI, Estudios

    sobre el Proceso Civil, pg. 282; Lus MACHADO GUIMARES, in Rev. For.,

    101/8; LOPES DA COSTA, Direito Processual Civil Brasileiro, 1 ed., 1/84;

    ALFREDO BUZAID, Ao Declaratria, 95; e TORQUATO CASTRO, Ao

    Declaratria, pg. 19).

    Ainda a respeito da classificao das aes, faz-se necessrioregistrar que alguns autores admitem categorias alm daquelas trs j

    referidas, como, por exemplo, as aes executrias, as aes

    determinativas, as aes mandamentais, dentre outras. Todavia,

    EDUARDO COUTURE acentua, com muita propriedade, que a classificao

    tricotmica abarca todas essas aes, as quais, de resto, nem sequer

    chegam a formar categorias particulares (citao feita por NELSON

    CARNEIRO na Rev. For., 136/51).

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    VII AES CONSTITUTIVAS

    A natureza do presente estudo exige que, a esta altura, nos

    detenhamos um pouco na anlise das aes constitutivas. Tm elas por

    objetivo o exerccio de duas categorias de direitos potestativos: a) aqueles

    que, por medida de segurana dos negcios jurdicos, a lei no permite

    que sejam exercidos mediante simples declarao de vontade, nem

    mesmo quando esto de acordo todos os interessados, inclusive aquele

    que sofre a sujeio (aes constitutivas necessrias, segundo a

    terminologia adotada por CALAMANDREI). Exemplos: as aes anulatrias

    de casamento; e b) aqueles direitos potestativos que so exercidos por

    meio de ao apenas subsidiariamente, isto , quando os outros

    interessados no concordam em que eles sejam exercidos mediante

    simples declarao de vontade. Exemplo: a ao de diviso.

    Pelo que foi dito acima, j se pode concluir que as aes

    constitutivas tm as seguintes caractersticas: a) no pressupem a

    existncia de leso a um direito, como ocorre nas aes condenatrias; b)por meio delas no se exige uma prestao do ru, mas apenas se pleiteia

    a formao, modificao, ou extino de um estado jurdico; c) no so

    meio para se restaurar um direito lesado, mas meio pelo qual se

    exercitam duas classes de direitos potestativos; d) no tm por objetivo a

    satisfao de uma pretenso, caso se entenda como tal o poder de exigir

    de outrem uma prestao, pois os direitos potestativos so, por

    definio, direitos sem pretenso; (quando muito, h, nas aesconstitutivas, uma pretenso de natureza muito especial, isto , uma

    pretenso dirigida contra o Estado, ou uma pretenso tutela jurdica, ou

    pretenso prestao jurisdicional, como quer PONTES DE MIRANDA,

    mas ele mesmo acentua que no se deve confundir pretenso de direito

    material com pretenso tutela jurdica Comentrios ao Cdigo de

    Processo Civil, 1 ed., 1 vol., pg. 19); finalmente: c) as sentenas

    proferidas nas aes constitutivas (positivas ou negativas) no so

    suscetveis, e nem carecem, de execuo, pois o contedo de tais aes

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    se esgota com o provimento judicial que determina a criao, modificao,

    ou extino do estado jurdico. (somente quando a ao constitutiva se

    encontra cumulada com uma ao condenatria que se pode cogitar de

    execuo, mas a a execuo diz respeito a essa ltima. Exemplo: a ao

    para rescindir o contrato de compra e venda de coisa recebida com vcio

    redibitrio, e reaver o preo pago, mais perdas e danos art. 443).

    Convm acentuar, finalmente, que, embora as sentenas proferidas

    nas aes constitutivas produzam, normalmente, efeitos no retroativos,

    no contrria sua natureza, e at mesmo freqente, a produo de

    efeitos retroativos, conforme ensinam CHIOVENDA (Instituies, 1/286),

    PONTES DE MIRANDA (Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. 2,

    pg. 468 da 1 ed.), GOLDSCHMIDT (Derecho Procesal, pg. 112) e

    PRIETO CASTRO (Derecho Procesal Civil, tomo I, pg. 65).

    VIII FUNDAMENTOS E EFEITOS DA PRESCRIO

    Acentua SAVIGNY que, durante muito tempo, a prescrio foi uminstituto completamente estranho ao direito romano, mas, ao surgir o

    direito pretoriano, passou a constituir uma exceo antiga regra da

    durao perptua das aes.

    Por ltimo, a exceo se converteu em regra geral (Sistema del

    Derecho Romano, tomo IV, pgs. 181 e 185 da trad. cast.). Tendo ainda

    em vista o direito romano, diz o mesmo autor que o principal fundamento

    da prescrio a necessidade de serem fixadas as relaes jurdicasincertas, suscetveis de dvidas e controvrsias, encerrando-se a dita

    incerteza em um lapso determinado de tempo (op. e vol. cits. pg. 178).

    Por sua vez, ensina PONTES DE MIRANDA que o instituto da

    prescrio serve segurana e paz pblicas, e este, precisamente, o

    ponto de vista que, de modo geral, prevalece, a respeito do assunto, na

    doutrina e na jurisprudncia, embora ainda haja quem procure

    apresentar, como fundamento do mesmo instituto, o castigo

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    negligncia, a aplicao do princpio de que o direito no protege a quem

    dorme (dormentibus non sucurrit ius).

    Mas, h um ponto que deve ficar bem ressaltado, porque interessa

    fundamentalmente s concluses do presente estudo: os vrios autores

    que se dedicaram anlise do termo inicial da prescrio fixam esse

    termo, sem discrepncia, no nascimento da ao (actio nata),

    determinando, tal nascimento, pela violao de um direito.

    SAVIGNY, por exemplo, no captulo da sua monumental obra,

    dedicado ao estudo das condies da prescrio, inclui, em primeiro lugar,

    a actio nata, e acentua que esta se caracteriza por dois elementos: a)

    existncia de um direito atual, suscetvel de ser reclamado em juzo; e b)

    violao desse direito (op. cit., tomo IV, pg. 186).

    Tambm CMARA LEAL afirma, peremptoriamente:

    sem exigibilidade do direito, quando ameaado ou violado,ou no satisfeita sua obrigao correlata, no h ao a serexercitada; e sem o nascimento desta, pela necessidade degarantia e proteo ao direito, no pode haver prescrio,porque esta tem por condio primria a existncia da ao.

    ....................................................................................

    Duas condies exige a ao, para se considerar nascida(nata) segundo a expresso romana: a) um direito atualatribudo ao seu titular; b) uma violao desse direito, qualtem ela por fim remover.

    ....................................................................................

    O momento de incio do curso da prescrio, ou seja, o

    momento inicial do prazo, determinado pelo nascimento daao (actioni nondum natae non praescribitur).

    Desde que o direito est normalmente exercido, ou nosofre qualquer obstculo, por parte de outrem, no h aoexercitvel.

    Mas, se o direito desrespeitado, violado, ou ameaado, aotitular incumbe proteg-lo e, para isso, dispe da ao...(CMARA LEAL, Da Prescrio e da Decadncia, pgs. 19, 32e 256).

    Opinando no mesmo sentido, podero ser indicados vrios outrosautores, todos mencionando aquelas duas circunstncias que devem ficar

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    bem acentuadas (o nascimento da ao como termo inicial da prescrio,

    e a leso ou violao de um direito como fato gerador da ao).

    Convm acentuar que quando se diz que o termo inicial do prazo

    prescricional o nascimento da ao, utiliza-se a a palavra ao no

    sentido de pretenso, isso , no mesmo sentido em que ela usada nas

    expresses ao real e ao pessoal, pois, a rigor, a prescrio no

    comea com a ao e sim com a pretenso; est diretamente ligada a

    essa, e s indiretamente quela.

    A pretenso, como se sabe, um conceito relativamente antigo,

    concebido no sculo passado como decorrncia necessria do princpio da

    autonomia do direito de ao, mas ainda pouco utilizado pela maioria dos

    autores nacionais.

    Com ele se designa um dos sentidos da actio romana: o poder de

    exigir de outrem, extrajudicialmente, uma prestao; a exigibilidade ou

    a prpria exigncia de uma prestao, positiva ou negativa (HLIO

    TORNAGHI, Processo Penal, 2 vol., pg. 140, da 1 ed.); a ao no

    sentido material, contraposta ao no sentido judicial (ORLANDOGOMES, Introduo ao Direito Civil, pg. 397). Ou, conforme acentuou

    WINDSCHEID, que foi o fixador dos contornos da pretenso: a actio do

    direito romano e do direito comum desprovida de todo o aparato

    processual (apud LIEBMANN, Tratado de Derecho Civil, vol. 1, pg.

    138).

    Note-se, ainda, para melhor ressaltar a diferena, que a pretenso

    um poder dirigido contra o sujeito passivo da relao de direitosubstancial, ao passo que a ao processual poder dirigido contra o

    Estado, para que esse satisfaa a prestao jurisdicional a que est

    obrigado.

    A rigor, s quando a pretenso no satisfeita pelo sujeito passivo,

    ou seja, s quando o sujeito passivo no atende a exigncia do titular do

    direito, que surge, como conseqncia, a ao, isto , o poder de

    provocar a atividade jurisdicional do Estado.

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    As digresses feitas acima impem a concluso de que, sob o ponto

    de vista doutrinrio, no rigorosamente correto afirmar que o prazo

    prescricional comea a fluir a partir do nascimento da ao processual

    oriunda da leso do direito (ou para usar a terminologia da doutrina

    mais atualizada a partir da reunio das condies para o exerccio da

    ao), pois alm de no se originar a ao, diretamente, da violao do

    direito, ainda h casos em que aquele prazo necessariamente deve

    comear a fluir antes da leso do direito e, conseqentemente, antes que

    o titular possa, a rigor, propor a ao (processual).

    Serve para ilustrar a assertiva o exemplo anteriormente citado, da

    dvida qurable (art. 327 do Cdigo Civil) sujeita a prazo, em que o

    credor, na data do vencimento, no foi receber o pagamento no domiclio

    do devedor, nem esse manifestou recusa em efetuar o pagamento, no

    tendo havido, assim, violao do direito do primeiro, nem,

    conseqentemente, nascimento da ao.

    Caso se entenda que, no caso, o prazo prescricional deve comear a

    fluir com o nascimento da ao decorrente da violao do direito, chegar-se-ia concluso evidentemente absurda de que tal prazo jamais ter

    inicio, ou, ento, que seu inicio ficar dependendo exclusivamente da

    vontade do credor; somente quando ele procurar o devedor, para receber

    o pagamento, e houver recusa da parte desse (caracterizando-se, assim,

    a violao do direito), que comear a fluir o dito prazo.

    Foi, talvez, para atender a tais situaes, que o Cdigo Civil alemo

    introduziu em seu texto, exatamente na seo que trata da prescrio, oconceito de pretenso (Anspruch), que extremamente til na prtica: o

    poder de exigir de outrem uma prestao ( 194). E acrescentou, no

    198: a prescrio comea com o nascimento da pretenso.

    Acentue-se que, quando o mencionado Cdigo, em seu 194, fala

    em poder de exigir, est subentendido que o poder de exigir

    extrajudicialmente (tendo em vista a possibilidade de realizao

    espontnea do direito por parte do sujeito passivo), e no o poder de

    exigir por via judicial. Esse ltimo constitui a ao propriamente dita (ou

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    ao judicial), e corresponde ao outro sentido que os romanos davam

    actio.

    Desde que o inicio do prazo prescricional determinado pelo

    nascimento da pretenso, segue-se, da, como concluso lgica e

    inevitvel, que a primeira coisa atingida pela prescrio a pretenso, e

    no a ao. Pode at haver casos em que se verifica a prescrio da

    pretenso, sem que a ao haja sequer nascido. O exemplo citado acima,

    com apoio no art. 327 do Cdigo Civil, tambm de utilidade aqui: assim,

    decorrido o prazo prescricional (iniciado com o vencimento da obrigao),

    sem que haja comparecido ao domiclio do devedor, e sem que esse haja

    manifestado recusa em efetuar o pagamento, prescrever a pretenso

    (desde que o interessado tenha oferecido a exceo de prescrio),

    embora, a rigor, no tivesse nascido a ao.

    Em resumo: a ao, que posterius lgico em relao pretenso,

    atingida apenas indiretamente pela prescrio; desde que uma

    pretenso fica encoberta pela prescrio, tambm fica encoberta a ao

    porventura originada daquela pretenso (ou que tinha na mesmapretenso uma das condies para o seu exerccio).

    Por outro lado, caso se entenda que a prescrio atinge de modo

    direto a ao (processual), ter-se- que concluir, necessariamente, que a

    pretenso (como prius lgico que , em relao ao), ficar inclume;

    persistir o poder do credor de exigir a prestao (embora apenas

    extrajudicialmente); e frustrar-se-, desse modo, a principal finalidade da

    prescrio.Chegar-se- tambm, por um caminho mais curto, concluso de

    que a prescrio atinge diretamente a pretenso, caso se leve em conta

    que a prescrio uma exceo de natureza substancial, e que tais

    excees so utilizadas, precisamente, contra as pretenses, e no contra

    os direitos nem contra as aes.

    Compreende-se facilmente o motivo da escolha da pretenso como

    termo inicial do prazo de prescrio. que o estado de intranqilidade

    social que o instituto procura limitar no tempo, no resulta somente da

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    possibilidade de propositura da ao, mas tambm de um fato que sempre

    lhe anterior, e que pode at ocorrer sem que haja nascido a ao: a

    possibilidade de exerccio da pretenso. Pouco, ou nada, adiantaria

    paralisar a ao, com o objetivo de alcanar aquela paz social, se a

    pretenso permanecesse com toda sua eficcia.

    Deste modo, fixada a noo de que o nascimento da pretenso e o

    inicio do prazo prescricional so fatos correlatos, que se correspondem

    como causa e efeito, e articulando-se tal noo com aquela classificao

    dos direitos formulada por CHIOVENDA, concluir-se-, fcil e

    irretorquvelmente, que apenas os direitos da primeira categoria, (isto ,

    os direitos a uma prestao), conduzem prescrio, pois somente eles

    so suscetveis de leso ou de violao, e somente eles do origem a

    pretenses, conforme ficou amplamente demonstrado.

    Por outro lado, os da segunda categoria, isto , os direitos

    potestativos (que so, por definio, direitos sem pretenso, ou

    direitos sem prestao, e que se caracterizam, exatamente, pelo fato de

    serem insuscetveis de leso ou violao) no podem jamais, por issomesmo, dar origem a um prazo prescricional.

    Por via de conseqncia chegar-se-, ento, a uma segunda

    concluso importante: apenas as aes condenatrias podem sofrer os

    efeitos da prescrio, pois so elas as nicas aes por meio das quais se

    protegem judicialmente os direitos que irradiam pretenses, isto os da

    primeira categoria da classificao de CHIOVENDA.

    Com efeito, as condenatrias so as nicas aes que servem demeio para se obter judicialmente, com a interveno do Estado, satisfao

    das pretenses no atendidas extrajudicialmente pelos sujeitos passivos

    das relaes jurdicas substanciais.

    Igual satisfao no possvel obter, jamais, por via de aes

    constitutivas ou declaratrias, pois essas tm finalidades diversas.

    Assim, desde que a prescrio atinge diretamente as pretenses,

    somente as aes condenatrias podem sofrer seus efeitos. Se, a ttulo de

    verificao do acerto daquelas concluses, as aplicarmos aos vrios prazos

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    para propositura de aes enumerados no artigo 206 do Cdigo Civil,

    verificaremos o seguinte: 1) todos os prazos do mencionado dispositivo

    que so classificados, pela doutrina e pela jurisprudncia, como prazos de

    prescrio, em sentido estrito, se referem a aes condenatrias; 2) os

    demais prazos (que so classificados pela doutrina e pela jurisprudncia

    como prazos de decadncia) no se referem a aes condenatrias.

    Alis, se analisarmos o Cdigo Civil alemo, faremos algumas

    observaes interessantes, que vm conformar, plenamente, aquelas

    concluses a que chegamos com referncia ao artigo 206 do Cdigo Civil

    brasileiro: o dispositivo do Cdigo alemo ( 196), que fixa os prazos

    especiais de prescrio, enumera exclusivamente pretenses ligadas a

    direitos pertencentes primeira categoria da classificao de CHIOVENDA,

    isto , direitos a uma prestao, que so os nicos suscetveis de

    violao, so os nicos dos quais se irradiam pretenses e so os nicos

    protegidos por meio de aes condenatrias.

    As consideraes feitas acima conduzem, pois, inevitavelmente,

    fixao desta primeira regra, indispensvel distino entre prescrio edecadncia: todas as aes condenatrias (e somente elas) esto sujeitas

    prescrio.

    Passemos, agora, ao instituto da decadncia.

    IX FUNDAMENTOS E EFEITOS DA DECADNCIA

    Por que razo h prazos de prescrio e prazos de decadncia? Porque h aes que conduzem prescrio e aes que conduzem

    decadncia, quando seria muito mais simples unificar os conceitos e dar

    uma s denominao aos principais efeitos da incidncia do tempo sobre

    as relaes jurdicas? exatamente porque os dois institutos, embora

    tendo fundamentos comuns, divergem quanto ao objeto e quanto aos

    efeitos.

    Realmente, ao conceituarem a decadncia, doutrina e

    jurisprudncia, na sua maioria, embora no forneam critrio seguro para

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    distingui-la da prescrio, acentuam um fato de importncia capital: o

    efeito imediato da decadncia a extino do direito, ao passo que o da

    prescrio a cessao da eficcia da ao (entenda-se: da pretenso).

    Isto, porm, no basta para distinguir os dois institutos, e o

    problema permanece de p. Examinemos a questo sob outro aspecto.

    Quando enumera os princpios concernentes ao exerccio dos

    direitos, o professor ORLANDO GOMES inclui dois que interessam de perto

    matria em discusso: o da disponibilidade, segundo o qual o exerccio

    dos direitos facultativo (ningum obrigado a exerc-los); e o da

    inesgotabilidade, de acordo com o qual os direitos no se esgotam pelo

    no-uso (Introduo ao Direito Civil, pg. 122).

    Pode-se dizer, assim, que a exemplo do que ocorria com as aes

    no direito romano antes de surgir o instituto da prescrio, tambm os

    direitos, em princpio, tm durao perptua.

    Todavia, conforme j vimos anteriormente, h certos direitos cujo

    exerccio afeta, em maior ou menor grau, a esfera jurdica de terceiros,

    criando para esses um estado de sujeio, sem qualquer contribuio dasua vontade, ou mesmo contra sua vontade. So os direitos potestativos.

    natural, pois, que a possibilidade de exerccio desses direitos

    origine, em algumas hipteses, para os terceiros que vo sofrer a

    sujeio, uma situao de intranqilidade cuja intensidade varia de caso

    para caso.

    Muitas vezes aqueles reflexos se projetam muito alm da esfera

    jurdica dos terceiros que sofrem a sujeio e chegam a atingir interessesda coletividade, ou de parte dela, criando uma situao de intranqilidade

    de mbito mais geral.

    Assim, a exemplo do que ocorreu com referncia ao exerccio das

    pretenses, surgiu a necessidade de se estabelecer tambm um prazo

    para o exerccio de alguns (apenas alguns) dos mencionados direitos

    potestativos, isto , aqueles direitos potestativos cuja falta de exerccio

    concorre de forma mais acentuada para perturbar a paz social.

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    Da fixar a lei (alm de outros), prazos para o exerccio dos

    seguintes direitos potestativos: direito de preempo ou preferncia;

    direito de propor ao rescisria; direito que tm os cnjuges de

    promover a anulao do casamento; direito que tm os contratantes de

    rescindir ou anular os contratos; dentre outros.

    Convm acentuar, a esta altura, que nem todos aqueles prazos

    esto ligados propositura de uma ao, pois, como j vimos, h direitos

    potestativos que se exercem por outro meio que no o do procedimento

    judicial, mas, mesmo assim, podem estar subordinados a um prazo. Por

    exemplo: o exerccio do direito de preempo ou preferncia no se faz

    por meio de ao, porm est subordinado a um prazo (art. 516 do

    Cdigo Civil).

    Assim, pode-se dizer, com relao aos direitos potestativos

    subordinados a prazo, que o prazo no fixado, propriamente, para a

    propositura da ao, mas para o exerccio do direito. E se quase sempre

    no se atenta para essa circunstncia porque, na maioria dos casos, tais

    direitos, quando subordinados a prazo, se exercitam por meio de ao.Tambm se verifica a situao inversa: h direitos potestativos que

    se exercitam (facultativa ou mesmo obrigatoriamente) por meio de ao,

    mas, apesar disso, no esto subordinados a prazo. Exemplos: os direitos

    potestativos exercitados por meio das aes de diviso e investigatria de

    paternidade. Essa observao deve ficar bem acentuada, porque o ponto

    de partida para a construo da teoria da imprescritibilidade, que

    pretendemos expor mais adiante.Com referncia queles direitos potestativos para cujo exerccio o

    legislador no achou necessrio fixar um prazo especial, fica

    prevalecendo, ento, o princpio geral da inesgotabilidade ou da

    perpetuidade (os direitos no se extinguem pelo no-uso), pois no h

    dispositivo estabelecendo um prazo geral para que os direitos potestativos

    sejam exercitados sob pena de extino.

    Relativamente a tais direitos s h prazos especiais. J o mesmo

    no acontece com os direitos da outra categoria (os direitos a uma

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    prestao da classificao de CHIOVENDA): as aes por meio das quais

    esses direitos so protegidos, ou esto subordinados a prazos especiais no

    art. 207 do Cdigo, ou esto subordinadas aos prazos gerais do art. 206,

    pois esse ltimo artigo s se aplica s aes condenatrias, que so as

    nicas ligadas s pretenses reais e pessoais.

    As consideraes feitas acima levam, inevitavelmente, concluso

    de que, quando o legislador, visando paz social, entende de fixar prazos

    para o exerccio de alguns direitos potestativos (seja exerccio por meio de

    simples declarao de vontade, como o direito de preempo ou

    preferncia; seja exerccio por meio de ao, como o direito de promover

    a anulao do casamento), o decurso do prazo sem o exerccio do direito

    implica na extino deste, pois, a no ser assim, no haveria razo para a

    fixao do prazo.

    Tal conseqncia (a extino do direito) tem uma explicao

    perfeitamente lgica: que (ao contrrio do que ocorre com os direitos

    suscetveis de leso) nos direitos potestativos subordinados a prazo o que

    causa intranqilidade social no , propriamente, a existncia dapretenso (pois deles no se irradiam pretenses) nem a existncia da

    ao, mas a existncia do direito, tanto que h direitos desta classe

    ligados a prazo, embora no sejam exercitveis por meio de ao. O que

    intranqiliza no a possibilidade de ser exercitada a pretenso ou

    proposta a ao, mas a possibilidade de ser exercido o direito.

    Assim, tolher a eficcia da ao, e deixar o direito sobreviver (como

    ocorre na prescrio), de nada adiantaria, pois a situao deintranqilidade continuaria de p. Infere-se, da, que quando o legislador

    fixa prazo para o exerccio de um direito potestativo, o que ele tem em

    vista, em primeiro lugar, a extino desse direito, e no a extino da

    ao. Essa tambm se extingue, mas por via indireta, como conseqncia

    da extino do direito.

    O mesmo fato no observado com referncia outra categoria de

    direitos (os direitos a uma prestao): o legislador no fixa e nem tem

    motivos para fixar prazo para o exerccio de nenhum deles. Com relao

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    a esses direitos, os prazos que existem, fixados em lei, so to-somente

    para o exerccio das pretenses que deles se irradiam. Assim, o decurso

    do prazo sem exerccio da pretenso, implica no encobrimento da eficcia

    dessa (desde que o interessado oferea a exceo de prescrio) e no na

    extino do direito que ela protege, pois repita-se em face dos

    denominados direitos a uma prestao, a pretenso e a ao funcionam

    como meios de proteo e no como meios de exerccio.

    Por conseguinte, tambm se impe, necessariamente, a concluso

    de que s na classe dos potestativos possvel cogitar-se de um direito

    em virtude do seu no-exerccio. Da se infere que os potestativos so os

    nicos direitos que podem estar subordinados a prazos de decadncia,

    uma vez que o objetivo e efeito dessa , precisamente, a extino dos

    direitos no exercitados dentro dos prazos fixados. A concluso imediata

    , igualmente, inevitvel: as nicas aes cuja no propositura implica na

    decadncia do direito que lhes corresponde so as aes constitutivas que

    tm prazo especial de exerccio fixado em lei; e apenas essas, pois

    insista-se a lei no fixa prazos gerais para o exerccio de tais aes, aexemplo do que ocorre com as condenatrias (art. 205).

    Finalmente, se, para testar o acerto daquelas concluses,

    analisarmos os vrios prazos especiais enumerados no art. 206 do Cdigo

    Civil, verificaremos que todos aqueles classificados pela doutrina e pela

    jurisprudncia como sendo prazos de decadncia, correspondem,

    exatamente, a direitos potestativos e a aes constitutivas.

    Deste modo chegamos, por deduo, a esta segunda regra: osnicos direitos para os quais podem ser fixados prazos de decadncia so

    os direitos potestativos e, assim, as nicas aes ligadas ao instituto da

    decadncia so as aes constitutivas que tm prazo especial de exerccio

    fixado em lei.

    Com a aplicao das duas regras deduzidas acima, torna-se

    extremamente fcil distinguir a prescrio da decadncia: caso se trate de

    ao condenatria, o prazo de prescrio da pretenso que lhe

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    corresponde; e caso se trate de ao constitutiva, o prazo de decadncia

    do direito exercitado por meio dela.

    Entretanto, convm atentar para alguns fatos que so corolrios da

    exposio feita acima: 1) tanto na decadncia quanto na prescrio a

    ao (judicial) no atingida de modo direto, e sim, indiretamente. De

    modo direto so atingidos o direito (na decadncia) e a pretenso (na

    prescrio); 2) a decadncia opera ipso jure: produz efeito extintivo

    imediato a partir da consumao do prazo, e como diz respeito extino

    do direito, dela o juiz pode, e deve, conhecer de ofcio,

    independentemente da provocao do interessado, pois no se conceberia

    que ele fosse basear sua deciso em um direito que deixou de existir.

    Enquanto isso, a prescrio s atua ope exceptionis, e por isso pode-se

    mesmo dizer que o efeito imediato da consumao do prazo prescricional

    um efeito criador: faz nascer, em favor do prescribente, uma exceo

    substancial cuja atuao depende exclusivamente da sua vontade se o

    prescribente no oferecer a exceo de prescrio, dela o juiz no pode

    conhecer ex-officio, ainda tendo cincia da consumao do prazoprescricional. Alis, a prescrio no tem efeito extintivo nem mesmo

    quando oferecida a exceo e transitada em julgado a deciso que a

    acolheu; o prescribente pode renunciar prescrio, e nesse caso h,

    como conseqncia, a restaurao da pretenso primitiva, e no o

    nascimento de uma nova pretenso. Tal no ocorreria se houvesse, por

    fora do uso da exceo de prescrio, extino da pretenso primitiva. A

    seguir trataremos de alguns casos especiais que podem suscitar dvidas.

    X CASOS ESPECIAIS DE AES CONSTITUTIVAS

    O primeiro caso que pode oferecer alguma dificuldade na aplicao

    das duas regras fixadas acima aquele a que se refere o artigo 475 do

    Cdigo Civil: o adquirente decai do direito de obter a redibio ou

    abatimento no preo no prazo de 30 dias se a coisa for mvel, e de um

    ano se for imvel, contado da entrega efetiva; se j estava na posse, o

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    primeira vista, parece tratar-se de ao condenatria, pois afigura-se

    que, ao propor a ao, o autor pretende do ru uma prestao, isto , a

    entrega da parte acrescida ao seu imvel pela avulso. Ocorre, porm,

    que a avulso no resulta de ato do proprietrio do imvel beneficiado,

    contrrio ao direito do outro proprietrio, e sim de fato da natureza que

    tem como efeito jurdico a constituio de um direito de propriedade em

    favor do proprietrio do imvel beneficiado, se no houver reclamao do

    outro proprietrio dentro do prazo de um ano. Deste modo, a ao em

    anlise no tem efeito condenatrio, e sim efeito constitutivo negativo:

    visa a evitar que se crie um novo direito de propriedade sobre a poro de

    terra objeto da avulso, ou que se crie esse novo direito

    independentemente de indenizao. Trata-se, pois, de ao constitutiva, e

    conseqentemente o prazo de decadncia. Esse entendimento coincide

    com o de PONTES DE MIRANDA (Tratado de Direito Privado, vol. VI, pgs.

    358 e 359); CARLOS MAXIMILIANO (Hermenutica e Aplicao do Direito,

    pg. 351 da 5 ed.); e CMARA LEAL (Da Prescrio e da Decadncia,

    pg. 146 da 1 ed.).

    XI AES DECLARATRIAS

    Quando expusemos a classificao das aes adotada por

    CHIOVENDA, verificamos que, ao lado das aes condenatrias (ligadas ao

    instituto da prescrio), e das aes constitutivas (ligadas ao instituto da

    decadncia), existe uma terceira categoria, a das aes declaratrias.Qual a posio dessas ltimas em face dos dois institutos? Esto ligadas a

    eles, ou a algum deles?

    Conceituando as aes declaratrias e, simultneamente, distinguindo-as

    das condenatrias e das constitutivas, diz CHIOVENDA:

    O autor que requer uma sentena declaratria no pretende

    conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja

    garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numaprestao do obrigado, seja que consista na modificao do

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    estado jurdico atual; quer, to-somente, saber que seu

    direito existe ou quer excluir que exista o direito do

    adversrio; pleiteia no processo a certeza jurdica e nada

    mais (Instituies, 1/302 e 303).A obteno dessa certeza jurdica , no dizer do mesmo

    autor, a mais autnoma e a mais elevada funo do

    processo (obra e pg. citadas).

    A certeza jurdica surge, assim, como efeito, no apenas imediato, mas

    tambm nico, das aes e sentenas declaratrias, e precisamente o

    que acentua CHIOVENDA quando afirma que a sentena declaratria

    ...no ensarta (sic) outro efeito que o de fazer cessar a incerteza dodireito... (obra citada, 1 vol. pg. 286).

    Realmente, a noo de obteno da certeza jurdica est sempre ligada

    ao conceito de ao declaratria: CHIOVENDA (Instituies, 1 vol., pgs.

    286, 321 e 324); Ensayos de Derecho Procesal Civil, 1 vol. pg. 32 da

    trad. cast.); e TORQUATO CASTRO (Ao Declaratria, pgs. 27 e 88).

    Por conseguinte, pode-se dizer que as sentenas declaratrias no do,

    no tiram, no probem, no permitem, no extinguem e nem modificam

    nada. Em resumo: no impem prestaes, nem sujeies, nem alteram,

    por qualquer forma, o mundo jurdico. Por fora de uma sentena

    declaratria, no mundo jurdico nada entra, nada se altera, e dele nada

    sai. As sentenas desta natureza, pura e simplesmente, proclamam a

    certeza a respeito do que j existe, ou no existe, no mundo jurdico.

    exatamente o princpio consagrado no nosso Cdigo de Processo Civil

    quando trata de tais aes: o interesse do autor poder limitar-se

    declarao da existncia, ou inexistncia de relao jurdica ou

    declarao da autenticidade ou falsidade de documento (art. 3).

    Fixado o conceito, pergunta-se: as aes declaratrias esto ligadas

    prescrio ou decadncia? Parece-nos que nem a uma coisa e nem a

    outra, conforme se passa a demonstrar.

    J vimos, anteriormente, que todo prazo prescricional est ligado,

    necessria e indissoluvelmente, a uma pretenso, de modo que, se no h

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    prestao a reclamar, no h como cogitar de prescrio da ao. J

    vimos, igualmente, que fato semelhante ocorre com o instituto da

    decadncia: todo prazo decadencial est ligado, tambm necessria e

    indissoluvelmente, ao exerccio de um direito, de modo que s sofrem os

    efeitos (indiretos) da decadncia aquelas aes que so meios de

    exerccio de alguns direitos pertencentes a uma categoria especial.

    Ora, as aes declaratrias nem so meios de reclamar uma prestao,

    nem so, tampouco, meios de exerccio de quaisquer direitos (criao,

    modificao ou extino de um estado jurdico). Quando se prope uma

    ao declaratria, o que se tem em vista, exclusivamente, a obteno

    da certeza jurdica, isto , a proclamao judicial da existncia ou

    inexistncia de determinada relao jurdica, ou da falsidade ou

    autenticidade de um documento. Da fcil concluir que o conceito de

    ao declaratria visceralmente inconcilivel com os institutos da

    prescrio e da decadncia: as aes desta espcie no esto, e nem

    podem estar, ligadas a prazos prescricionais ou decadenciais. Realmente,

    como j vimos, o objetivo da prescrio liberar o sujeito passivo de umaprestao, e o da decadncia, o de liber-lo da possibilidade de sofrer

    uma sujeio. Ora, se as aes declaratrias no tm o efeito de realizar

    uma prestao, nem tampouco o de criar um estado de sujeio, como

    ligar essas aes a qualquer dos dois institutos em anlise? Se o nico

    efeito de tais aes a declarao da existncia ou inexistncia de uma

    relao jurdica, ou da autenticidade ou falsidade de um documento, qual

    a finalidade da fixao de um prazo para o seu exerccio? E quais seriamas conseqncias do decurso do prazo sem propositura da ao? A relao

    passaria a existir? E a existente deixaria de existir? O documento falso

    passaria a autntico? E o autntico passaria a falso? Mesmo admitindo-se,

    para argumentar, a possibilidade de conseqncias to absurdas, a ao

    no seria, nestes casos, declaratria, e sim constitutiva.

    Para ficar ainda mais acentuada a incompatibilidade entre as aes

    declaratrias e os institutos da prescrio e da decadncia, basta atentar

    para o seguinte: diz CHIOVENDA que as sentenas declaratrias podem

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    ter por objeto qualquer direito, inclusive de natureza potestativa

    (Instituies, 1/331; e Ensayos de Derecho Procesal Civil, pg. 127). Da

    pode-se concluir que os direitos, objeto das aes declaratrias, so,

    tambm, objeto de uma das outras duas categorias de aes

    (condenatrias ou constitutivas), e tal concluso d origem a mais um

    argumento favorvel ao ponto de vista que sustentamos. Realmente,

    desde que as situaes jurdicas que se colocam no campo de atuao das

    aes declaratrias j so tuteladas por um dos outros dois tipos de aes

    cuja finalidade precpua a realizao do direito (condenatrias ou

    constitutivas) e se estas, por sua vez, j se encontram ligadas a uma

    prazo (prescricional ou decadencial), seria absurdo admitir outro prazo de

    igual natureza para a ao declaratria que tivesse por objetivo a mesma

    situao jurdica. Caso se entenda de outra forma, qual dos dois prazos

    deve prevalecer? O da ao declaratria ou o outro? Levando em

    considerao o ponto assinalado, acentuam CHIOVENDA (Ensayos de

    Derecho Procesal Civil, 1/129 da trad. cast.) e FERRARA (A Simulao dos

    Negcios Jurdicos, pg. 458 da trad. port.), que quando a aocondenatria est prescrita, no razo para se considerar tambm

    prescrita a correspondente ao declaratria, e sim para se considerar que

    falta o interesse de ao para a declarao da certeza.

    E caso se leve em conta que a prescrio e a decadncia tm uma

    finalidade comum, que a paz social, ainda ficar mais evidenciada a

    desnecessidade de se fixar prazo para as aes declaratrias, pois, no

    produzindo elas (e as respectivas sentenas), como de fato noproduzem, qualquer modificao no mundo jurdico (mas apenas a

    proclamao da certeza jurdica), seu exerccio, ou falta de exerccio, no

    afetam, direta ou indiretamente, a paz social. Alm do mais, caso se

    quisesse fixar um prazo extintivo para as aes declaratrias, de que

    natureza seria este prazo? Prescricional ou decadencial? O legislador que

    pretendesse fazer uma escolha se depararia com um obstculo

    intransponvel: como as aes declaratrias no tm por finalidade a

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    restaurao, nem tampouco o exerccio de direitos, elas no podem ser

    atreladas nem ao instituto da prescrio nem ao da decadncia.

    Diante de tudo isso, a concluso que se impe a seguinte: as aes

    declaratrias devem ser classificadas como aes imprescritveis. E esta,

    realmente, a classificao dada pela maioria dos doutrinadores. Entre

    muitos eles: CHIOVENDA (Instituies, 1/62; Ensayos, 1/32); PONTES DE

    MIRANDA (Tratado de Direito Privado, vol. 6, pgs. 129, 130 e 285) e

    FERRARA (Da Simulao dos Negcios Jurdicos, pg. 458).

    XII AES APARENTEMENTE DECLARATRIAS

    Problema intimamente ligado ao das aes declaratrias, e que

    merece exame detido, o daquelas aes que poderiam receber a

    denominao de aparentemente declaratrias, em virtude de serem

    geralmente classificadas como declaratrias, embora sejam, na realidade,

    constitutivas. So as denominadas aes de estado. Pelo menos elas

    no podem ser consideradas declaratrias dentro da concepo modernadesses tipos de aes, isto , aquelas aes por meio das quais se

    procura, exclusivamente, obter uma certeza jurdica. o que

    procuraremos demonstrar.

    Da conceituao da ao declaratria se infere, naturalmente, que uma

    das suas principais caractersticas a facultatividade ou voluntariedade:

    ela utilizada quando algum quer, apenas, estabelecer a certeza jurdica

    a respeito da existncia ou inexistncia de determinada relao jurdica,mas ningum obrigado a prop-la para que dessa relao decorram

    efeitos jurdicos. A relao jurdica existe (ou inexiste), e seus efeitos se

    produzem (ou no se produzem), independentemente de sua declarao

    judicial. Em resumo: pode-se dizer que no h aes declaratrias

    obrigatrias ou necessrias, como as h na classe das constitutivas.

    Assim, por exemplo, se no h dvidas a respeito da existncia de

    determinada relao jurdica, isto , se coincidem as vontades de todos os

    possveis interessados, no sentido de reconhecerem a existncia da

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    relao; ou, em outras palavras, se no h incerteza a respeito da

    existncia da mesma relao, a ao declaratria se torna desnecessria.

    E mesmo havendo incerteza, ou incoincidncia das vontades dos

    interessados, no indispensvel a propositura da ao declaratria para

    que a relao jurdica exista e produza seus efeitos, pois, como vimos, a

    finalidade nica das aes declaratrias a obteno da certeza jurdica, e

    no a produo de quaisquer outros efeitos. O interessado na declarao

    pode at achar prefervel aguardar-se para tutelar seu direito por um meio

    mais enrgico, que no seja apenas o declaratrio. O que certo, porm e

    deve ficar bem ressaltado, que, com ou sem ao declaratria, os

    efeitos jurdicos da relao se produzem da mesma forma. Tais inferncias

    encontram pleno apoio nestes ensinamentos de GOLDSCHMIDT a respeito

    do interesse declaratrio e da incerteza jurdica, ligados s aes

    declaratrias:

    Desaparece o interesse na declarao se o demandado

    declara no pretender discutir no futuro o direito do autor,

    ou renunciar ao direito do que se jactou.

    ...............................................................................

    Falta esta insegurana quando a demanda deva procurar,

    no o esclarecimento de relaes jurdicas controvertidas,

    concretas e determinadas, e sim, a declarao de relaes

    ainda incontrovertidas (Derecho Procesal Civil, pg. 107 da

    trad. cast.).

    Ora, nada do que foi assinalado acima (e que caracterstico das aes

    declaratrias), ocorre com as denominadas aes de estado. Assim,

    caso se pretenda obter o reconhecimento de determinado estado pessoal

    e a produo dos efeitos decorrentes, necessrio e indispensvel a

    propositura da competente ao de estado, mesmo havendo absoluta e

    inabalvel certeza a respeito da existncia desse estado, e mesmo

    havendo coincidncia das vontades e acordo expresso de todos os

    interessados possveis e imaginveis, prximos ou remotos. Por

    conseguinte, nica e exclusivamente por meio de ao possvel o marido

    contestar a paternidade dos filhos de sua esposa (art. 1.601); o filho

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    impugnar o reconhecimento (art. 1.614); o filho demandar o

    reconhecimento da filiao, quando os pais no o tenham feito

    voluntariamente; o cnjuge promover a decretao da invalidade do

    casamento nulo ou anulvel.

    H, ainda, algumas outras circunstncias observadas nas aes de estado,

    em geral, e que as incompatibilizam, inteiramente, com o carter

    declaratrio que se lhes pretende atribuir. Assim, em primeiro lugar:

    somente determinadas pessoas (e no todos os interessados) podem

    propor a ao de estado. Ora, noo elementar e fundamental, que as

    sentenas declaratrias no produzem qualquer alterao no mundo

    jurdico, pois elas no tm como efeito a aquisio, modificao ou

    extino de direitos, e sim a proclamao da certeza jurdica. Deste

    modo, se as aes de estado fossem aes declaratrias, no havia razo

    para se permitir sua utilizao apenas a determinadas pessoas, e no a

    todos os interessados. Se sua utilizao limitada, porque as aes de

    estado tm outros efeitos que no a simples proclamao da certeza

    jurdica. Em segundo lugar: o Cdigo Civil estabelece prazos extintivospara o exerccio de vrias aes de estado. Qual a conseqncia da

    extino do prazo para exerccio de uma ao de estado? A

    impossibilidade de ser proclamada, da por diante, a certeza jurdica?

    Isto no teria sentido, nem finalidade. O legislador no iria estabelecer,

    como conseqncia da extino daquele prazo, apenas a impossibilidade

    de se proclamar a certeza jurdica, deixando subsistirem os efeitos

    inerentes ao estado objeto da ao, efeitos esses que independem daproclamao daquela certeza; a declarao da certeza jurdica, ou a

    permanncia da situao de incerteza, no atingem, e nem podem

    atingir, os efeitos das relaes jurdicas. Estas existem, e produzem

    efeitos, independentemente da proclamao da certeza jurdica, como j

    vimos. Em concluso: se h prazo para o exerccio de algumas aes de

    estado, porque a lei tem em vista alcanar, com a extino do prazo,

    no a impossibilidade de se proclamar a certeza jurdica, mas a

    impossibilidade de serem obtidos os efeitos decorrentes do estado objeto

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    da ao. Conseqentemente, a finalidade das aes de estado no a

    proclamao da certeza jurdica, mas a obteno daqueles efeitos, e

    assim elas devem ser classificadas como constitutivas (positivas ou

    negativas), e no como declaratrias.

    A brevidade do presente estudo no permite uma anlise mais detalhada

    de todas as aes de estado, mas no resistimos tentao de assinalar

    algumas particularidades observadas com relao a um dos tipos mais

    caractersticos da classe a ao investigatria de filiao. Tais

    particularidades tambm acentuam a incompatibilidade que existe entre

    as aes de estado e as aes declaratrias. Assim (e devendo-se levar

    em conta que a sentena proferida na ao investigatria tem os mesmos

    efeitos do reconhecimento voluntrio art. 1.616): o filho maior no pode

    ser reconhecido sem o seu consentimento (art. 1.614); mesmo que exista

    escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a

    expressamente, e mesmo que todos os interessados (inclusive os

    herdeiros do suposto pai), estejam de acordo com o contedo de tal

    escrito (o que, obviamente, dispensa a ao declaratria para se obter a certeza jurdica), ainda assim no se dispensa a propositura da ao

    investigatria; algumas legislaes estrangeiras fixam prazo (de

    decadncia) para ser proposta a ao investigatria de paternidade

    (PLANIOL, Tratado Practico de Derecho Civil, vol. 2, pg. 729 da trad.

    cast., e DE RUGGIERO, Instituies, vol. 1, pg. 335), o que equivale a

    dizer que, decorrido o prazo, j no mais possvel obter o

    reconhecimento judicial do estado, nem os efeitos dele decorrentes; hlegislaes que, embora reconhecendo efeitos jurdicos ao estado de filho

    natural, e permitindo o reconhecimento voluntrio, no admitem a ao

    investigatria. Era o caso da Frana, antes da Lei de 1912 (COLIN et

    CAPITANT, Curso Elemental de Derecho Civil, tomo 1, pgs. 620 e

    segs.).

    Parece-nos, face ao exposto, que se impe a concluso de que as aes

    de estado no so declaratrias, e sim constitutivas (positivas ou

    negativas), e realmente elas se apresentam com as duas principais

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    estado), podemos dizer que elas, como constitutivas que so, seguem a

    sorte dessas ltimas com referncia aos dois institutos objeto do presente

    estudo: esto ligadas decadncia. Finalmente, deve ficar acentuado que

    o fato de produzirem, quase sempre, efeitos retroativos, no impede que

    as aes de estado, e respectivas sentenas, sejam classificadas como

    constitutivas pois, de acordo com os ensinamentos de CHIOVENDA,

    GOLDSCHMIDT, PONTES DE MIRANDA e PRIETO CASTRO, tais efeitos no

    so privativos das aes e sentenas declaratrias. Eles so at muito

    freqentes nas aes e sentenas constitutivas.

    XIII O PROBLEMA DA IMPRESCRITIBILIDADE DAS AES

    So constantes, na jurisprudncia e na doutrina, referncias a aes

    imprescritveis, e entre elas, embora variando as opinies, so colocadas

    as seguintes: as aes declaratrias, algumas aes de estado (inclusive a

    de separao e a investigatria de paternidade), a ao de diviso e a de

    demarcao, e as aes de nulidade. Entretanto, observa-se, com relao imprescritibilidade, a mesma situao j registrada ao tratarmos da

    distino entre os institutos da decadncia e da prescrio: a

    inexistncia de um critrio seguro, com base cientfica, que permita

    identificar, a princpio, as aes imprescritveis. A respeito do assunto,

    CMARA LEAL acentua:

    Todo o estudo relativo imprescritibilidade se ressente de

    um certo empirismo. No se encontra nos autores a fixaode uma doutrina, com princpios juridicamente

    estabelecidos. Tudo se reduz casustica (Da Prescrio e da

    Decadncia, pg. 51 da 1 ed.).

    Alis, faz-se necessrio acentuar, antes de mais nada, que a admisso de

    aes imprescritveis no direito brasileiro aparentemente se choca com o

    disposto nos arts. 205 e 206 do Cdigo Civil. Com efeito, dizendo o

    referido art. 205, como diz, que a prescrio ocorre em dez anos, quandoa lei no lhe haja fixado prazo menor, a concluso que se impe,

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    primeira vista, a da inexistncia de aes imprescritveis em face do

    nosso direito. Entretanto, para demonstrar, de incio, e

    independentemente de qualquer outra considerao, que existem aes

    imprescritveis no direito brasileiro, basta atentar para as concluses

    absurdas a que conduziria a adoo de ponto de vista diferente. Assim,

    por exemplo, um contrato firmado por um menor de oito anos, ou por um

    louco judicialmente declarado como tal, ou a compra e venda de um

    imvel de alto valor feita por instrumento particular, apesar de serem atos

    nulos, passariam a produzir todos os seus efeitos, como se vlidos

    fossem, e no poderiam mais ter sua nulidade decretada, aps o decurso

    do prazo geral de prescrio, e depois de atravessados, com referncia

    aos incapazes, os obstculos legais que se opem fluncia dos prazos

    prescricionais. Outro exemplo: o casamento que um pai contrasse com

    sua prpria filha, apesar de ser ato nulo, passaria a produzir efeitos, como

    se vlido fosse, e tambm no poderia mais ter sua nulidade decretada,

    depois que se consumasse o prazo prescricional geral. Ora, ningum pode

    admitir concluses to estapafrdias, nem mesmo invocando o texto legal.Assim, foroso concluir, desde j, no sentido da existncia de, pelo

    menos, algumas aes imprescritveis: aquelas aes de nulidade

    mencionadas nos exemplos citados. E caso se admita que h algumas

    aes imprescritveis, j fica aberta uma brecha no sistema que,

    aparentemente, resulta da letra dos mencionados dispositivos. Por a,

    ento, podero ser admitidas outras aes igualmente imprescritveis,

    pois outras existem. E quais so elas? Como identific-las a princpio?Qual o critrio a adotar? So as perguntas que nos propomos a responder

    a seguir. Antes, porm, torna-se mister examinar um assunto de natureza

    terminolgica, que deve ser analisado antes de qualquer outro, para que o

    problema que temos em vista fique bem equacionado. o que diz respeito

    manifesta impropriedade da expresso aes imprescritveis, pois tal

    expresso no corresponde, com exatido, ao sentido em que ela

    utilizada comumente. Costuma-se usar tal expresso com o objetivo de

    designar aquelas aes que no esto sujeitas, direta ou indiretamente, a

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    qualquer prazo (prescricional ou decadencial). Esse objetivo no

    corresponde, todavia, compreenso lgica e gramatical da expresso.

    Imprescritvel significa que no prescreve ou no sujeito a

    prescrio. Deste modo, lgica e gramaticalmente, a expresso abrange,

    no s: a) as aes no sujeitas nem a prescrio nem a decadncia,

    como tambm b) as aes sujeitas a decadncia (indiretamente, por fora

    da extino do direito a elas correspondente), pois estas ltimas tambm

    so aes que no prescrevem. A expresso em foco tem, por

    conseguinte, uma compreenso mais ampla do que o sentido em que

    utilizada, pois abrange uma categoria de aes (aquelas sujeitas a

    decadncia) que no se tem em mente abranger quando se faz uso dela.

    Talvez a anomalia decorra da confuso que muitos fazem entre os

    institutos da prescrio e da decadncia, ou da dificuldade que h em

    distingui-los. Mas, como a preciso dos conceitos fundamental nos

    domnios do direito, h necessidade de ser substituda a expresso aes

    imprescritveis por uma outra que corresponda com exatido idia que

    se pretende exprimir e concilie a realidade com a lgica. Para esse fim novemos outra melhor do que a expresso aes perptuas, que

    submetemos, neste momento, apreciao dos doutos. Alis, no direito

    romano, essa expresso designava, inicialmente, aquelas aes que no

    estavam sujeitas a qualquer prazo extintivo, e, depois, quando todas as

    aes ficaram subordinadas a prazos, passou a designar aquelas aes

    sujeitas ao prazo mais longo (SAVIGNY, Sistema..., tomo IV, pg. 185).

    O problema da identificao das denominadas aes imprescritveis temsua soluo grandemente facilitada com a fixao daquelas duas regras,

    j deduzidas acima, destinadas a identificar as aes ligadas prescrio

    ou decadncia. Sendo a imprescritibilidade um conceito negativo, pode

    ser definido por excluso, estabelecendo-se como regra que: so

    perptuas (imprescritveis) todas aquelas aes que no esto sujeitas

    nem prescrio nem decadncia. Por a se verifica, facilmente, que so

    perptuas (imprescritveis): a) todas as aes meramente declaratrias; e

    b) algumas aes constitutivas (aquelas que no tm prazo especial de

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    exerccio fixado em lei). Quanto s aes condenatrias, no h, entre

    elas, aes perptuas (imprescritveis) pois todas so atingidas, ou por

    um dos prazos especiais do art. 206 ou pelo prazo geral do art. 205.

    Com efeito, j vimos anteriormente que no h qualquer razo para o

    legislador subordinar as aes declaratrias a prazos, pois o seu uso, ou

    no-uso, no afeta, direta ou indiretamente, a paz social, uma vez que

    elas nada criam e nada modificam, apenas declaram a certeza jurdica.

    J vimos, tambm, que h at mesmo uma impossibilidade lgica em filiar

    as aes declaratrias aos institutos da prescrio ou da decadncia, uma

    vez que elas no so meio de se exercerem pretenses, nem meio de

    exerccio de direitos potestativos.

    Quanto s aes constitutivas, a lei s fixou prazo para propositura de

    algumas delas. Ademais, aes constitutivas, no estando, como no

    esto, sujeitas a qualquer prazo, devem ser classificadas como

    imprescritveis (ou perptuas, segundo a denominao que propusemos).

    Com relao aos direitos exercidos por meio destas aes constitutivas,

    fica prevalecendo o princpio geral da perpetuidade dos direitos.Convm acentuar que no existe, com referncia s aes declaratrias e

    s constitutivas, qualquer dispositivo fixando prazo geral para aquelas no

    atingidas por prazos especiais, de vez que os arts. 205 e 206 apenas se

    aplicam s aes condenatrias.

    J temos, assim, elementos para fixar a terceira e ltima regra: so

    perptuas (ou imprescritveis) todas as aes declaratrias, e tambm

    aquelas aes constitutivas para as quais a lei no fixa prazo especial deexerccio.

    Os resultados da aplicao da regra deduzida acima coincidem com a

    opinio generalizada a respeito da imprescritibilidade das aes

    declaratrias, da ao de diviso, de vrias aes de estado, inclusive a

    investigatria de paternidade; da ao de demarcao, e de quase todas

    as aes de nulidade. Com a mesma regra ficam, pois, eliminadas aquelas

    discusses irredutveis a respeito da prescritibilidade da ao

    investigatria de paternidade: ela imprescritvel porque constitutiva e

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    no tem prazo especial fixado em lei para o seu exerccio. O mesmo

    raciocnio exposto no presente captulo conduz soluo de um outro

    problema igualmente tormentoso, e que exige desenvolvimento maior do

    que o permitido pela natureza do presente trabalho: o da

    imprescritibilidade das excees. Realmente, sendo as excees, como

    so, direitos potestativos, e se no tm prazo de exerccio fixado em lei,

    prevalece, com relao a elas, o princpio da perpetuidade dos direitos.

    Ou, para usar a terminologia ainda em vigor, as excees so, em

    princpio, imprescritveis.

    XIV CONCLUSES

    Reunindo-se as trs regras deduzidas acima, tem-se um critrio

    dotado de bases cientficas, extremamente simples e de fcil aplicao,

    que permitem, com absoluta segurana, identificar, a princpio, as aes

    sujeitas prescrio ou decadncia, e as aes perptuas

    (imprescritveis). Assim: 1) esto sujeitas prescrio (indiretamente,isto , em virtude da prescrio da pretenso a que correspondem) todas

    as aes condenatrias, e somente elas;

    2) esto sujeitas decadncia (indiretamente, isto , em virtude da

    decadncia do direito potestativo a que correspondem) as aes

    constitutivas que tm prazo especial de exerccio fixado em lei;

    3) so perptuas (imprescritveis): a) as aes constitutivas que no tm

    prazo especial de exerccio fixado em lei; e b) todas as aesdeclaratrias.

    Vrias inferncias imediatas podem ser extradas daquelas trs

    proposies. Assim: a) no h aes condenatrias perptuas

    (imprescritveis), nem sujeitas decadncia; b) no h aes

    constitutivas sujeitas prescrio; e c) no h aes declaratrias sujeitas

    prescrio ou decadncia.

    Uma grande vantagem do critrio aqui sugerido que, tendo como um

    dos pontos de partida, para sua deduo, a categoria dos direitos

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    potestativos, pode, contudo, ser acolhido e utilizado at mesmo por

    aqueles que no reconhecem essa categoria, desde que admitam a

    existncia de aes constitutivas, pois as duas situaes so

    perfeitamente conciliveis, conforme acentua CARNELUTTI (Sistema de

    Derecho Procesal Civil, 1/172).

    A fica, pois, exposto o critrio que, como contribuio das mais modestas

    para a soluo do tormentoso problema, apresentamos ao exame e

    critica dos doutos.

    AMORIM FILHO, Agnelo. Critrio cientfico para distinguir a prescrio da

    decadncia e para identificar as aes imprescritveis. Revista dos

    Tribunais, vol. 300. So Paulo: RT, out. 1961.