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1     C     A     D     E     R     N     O     S     S     E     M     P     R     E     V     I     V     A Políticas familiares na Europa do Leste: de uma época a outra Cuidado, Trabalho e Autonomia das Mulheres

Cuidado Trabalho e Autonomia Das Mulheres

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    Cuidado,

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    JACQUELINEHEINEN

    CADERNOSSEMPREVIVAUma publicao da SOFSempreviva Organizao Feminista

    Srie Economia e Feminismo1. Trabalho, Corpo e Vida das Mulheres: Crtica Sociedade de

    Mercado (2007)2. Cuidado, Trabalho e Autonomia das Mulheres (2010)

    Srie Gnero, Polticas Pblicas e Cidadania1. Gnero e Desigualdade (1997)2. Gnero e Agricultura Familiar (1998)

    3. Sexualidade e Gnero: Uma Abordagem Feminista (1998)4. Gnero e Educao (1999)5. O Trabalho das Mulheres: Tendncias Contraditrias (1999)6. Gnero nas Polticas Pblicas: Impasses, Desafios e Perspectivas

    para a Ao Feminista (2000)7. Economia Feminista (2002)8. A Produo do Viver: Ensaios de Economia Feminista (2003)9. Desafios do Livre Mercado para o Feminismo (2005)

    Srie Sade e Direitos Reprodutivos1. Sade das Trabalhadoras (1998)2. Mulheres, Corpo e Sade (2000)

    SOF Sempreviva Organizao Feminista

    S586t Cuidado, trabalho e autonomia das mulheres/Nalu Faria(org.), Renata Moreno (org.). So Paulo: SOF, 2010. 80 p.(Coleo Cadernos Sempreviva. Srie Economia e Feminis-mo, 2)

    ISBN 978-85-865-19-2

    1. Diviso sexual do Trabalho 2. Trabalho de Cuidado 3.Care4. Poltica Pblica 5. Feminismo I. Ttulo

    CDU - 396

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    Polticas familiares na Europa do Leste: de uma poca a outra

    Cuidado,Trabalho e

    Autonomiadas Mulheres

    Cadernos Sempreviva

    Cuidado,Trabalho e

    Autonomiadas MulheresNALU FARIARENATA MORENO(ORGS.)

    Textos para a ao feminista

    So Paulo, 2010

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    JACQUELINEHEINEN

    SOF Sempreviva Organizao Feminista

    Equipe AdministrativaLas Sales (gerente administrati-va)Andria do Nascimento PereiraElaine Campos Bruno

    Apoio e ManutenoAntnio Pinheiro Maciel FilhoRua Ministro Costa e Silva, 36Pinheiros

    CEP 05417-080 So Paulo SP BrasilTel./Fax: 3819 3876Correio eletrnico:[email protected]://www.sof.org.br

    EdioEditorao (miolo): Morissawa

    EdioEdio de texto: Maria OtiliaBocchiniCapa: Carla Sarmento

    Esta publicao teve o apoiofinanceiro da Fundao HeinrichBoll.

    Impresso

    FabracorTiragem: 2.000 exemplares

    DiretoriaPresidenta: Maria Luiza daCosta

    Vice-presidenta: Beatriz CostaBarbosa

    1.asecretria: Tatau Godinho2.a secretria: Vera Lcia

    Ubaldino Machado1.atesoureira: Marilane Oliveira

    Teixeira2.atesoureira: Denise GomideCarvalho

    Conselho Fiscal:Alice MitikaKoshiyama, ngela das Graas

    Oliveira Santos, Tli Pires deAlmeida, Jorge Kayano

    (suplente)

    Composio da EquipeEquipe TcnicaNalu Faria (coordenadora geral)

    Miriam NobreSonia Maria C. G. Orellana

    Neide YamaguchiMaria Fernanda P. Marcelino

    Neuza TitoRenata Moreno

    Camila FurchiAna Maria StraubeJssika Martins Ribeiro

    (estagiria)

    Esta obra foi licenciada com uma Licena CreativeCommons Atribuio Uso No-Comercial Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Brasil. Isso quer

    dizer que voc pode copiar, distribuir, transmitir e reorganizar este

    caderno, ou parte dele, desde que cite a fonte, no ganhe dinheirocom isso e distribua sua obra derivada sob a mesma licena.

    Mais informaes sobre a Licena Creative Commons em:http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br/

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    SUMRIO

    Apresentao ...........................................................................

    Polticas familiares na Europa do Leste: de uma pocaa outra / JACQUELINEHEINEN ............................................

    Traos principais das polticas familiares sob o comu-

    nismo ................................................................................As transformaes sociais recaindo sobre a famlia ..........

    Mudanas na estrutura de proteo social .......................

    Teorias e prticas do care: estado sucinto da arte, dadosde pesquisa e pontos em debate / HELENAHIRATA.......

    Teorias sobre care e care work..............................................Controvrsias e pontos em debate sobre care....................

    Polticas pblicas e a articulao entre trabalho e famlia:comparaes inter-regionais / BILASORJEADRIANAPON-TES .....................................................................................

    O Programa Bolsa Famlia e a autonomia das mes ........

    Educao infantil e as oportunidades laborais da me ..

    Consideraes finais .........................................................

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    APRESENTAO

    as ltimas dcadas, o tema de polticas pblicasem relao s mulheres teve vrias abordagens, apartir de uma viso de que era necessria a incluso

    delas no modelo de desenvolvimento.O debate sobre famlia e polticas pblicas esteve muito

    marcado por dois elementos. Em primeiro lugar, pelacompreenso da necessidade de polticas pblicas voltadas paraas mulheres, a partir de um reconhecimento da desigualdadede gnero. O segundo elemento se relaciona s propostas dasinstituies multilaterais, nos marcos das polticas neoliberais.Ao longo desses anos se consolidou uma viso de que terpolticas para as mulheres e incorporar sua participao nos

    diversos programas econmicos e sociais fundamental paracombater a pobreza.

    O fenmeno da feminizao da pobreza passou a terdestaque, acompanhado de uma entrada massiva das mulheresem empregos precrios e de um significativo aumento donmero de mulheres chefes de famlia. Com isso, predominouuma certa viso elaborada e implementada pelas instituiesmultilaterais sobre as mulheres, entendendo-as como umrecurso a receber investimentos, em funo da eficcia dasaes voltadas para as famlias, mas focadas nas mulheres.H, de fato, uma viso de que as mulheres, especialmente aspobres, se sentem responsveis pela famlia e investem seusrecursos e energia para o bem estar do grupo familiar. Um

    exemplo desse enfoque se refere viso de que se as mulherestiverem mais acesso a mais educao, isso reverter emmelhorias no cuidado da alimentao e sade do grupo familiar.Ou na presuno de que nos programas habitacionais

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    melhor colocar a casa em nome da mulher porque ela noir vender. Ou, ainda, de que ela melhor pagadora quandoacessa o microcrdito. Dessa forma, as mulheres passam a sero foco de polticas sociais que reproduzem e reforam o papelestabelecido para elas no interior das famlias.

    Entre as bases sobre as quais o neoliberalismo se estruturou,est um modelo de reproduo baseado na utilizao do tempoe do trabalho das mulheres como recurso inesgotvel, ao mesmotempo em que se implementavam polticas de ajuste e reduo

    do Estado. Isso se dava a partir da tentativa de estabelecer umadicotomia entre o econmico e o social, empurrando para osocial vrias questes econmicas tais como o desemprego ea pobreza e, em particular, tudo o que se refere s mulheres.

    Na Amrica Latina, a partir do final dos anos 1990,comeou a se articular um forte movimento de resistncia spolticas neoliberais. As mulheres tiveram um importante

    papel nesse processo, do qual se formaram movimentos eredes como a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a RedeLatinoamericana Mulheres Transformando a Economia(REMTE), que atuaram firmemente para recolocar a agendadas mulheres como parte da economia, a partir da crtica equestionamento do no reconhecimento da contribuioeconmica das mulheres para a sociedade. Nesse processo, houve

    uma intensa apropriao das contribuies da economiafeminista e de sua crtica aos traos androcntricos da visoeconmica dominante. Ao mesmo tempo, foi possvelaprofundar os elementos da proposta de um outro paradigmade sustentabilidade da vida humana, voltado para o bem-estar de todas e todos.

    A insustentabilidade do modelo dominante responsvelpela atual crise dos cuidados, que tambm parte da criseda economia capitalista. As solues apresentadas para essacrise so respostas de mercado, a comear pela agregao

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    de mais tecnologia e de acesso a bens e servios privados.Complementarmente, outras solues de mercado procuramapoiar-se em uma globalizao dos cuidados, promovendointensificao da migrao feminina Sul-Norte.

    A partir da compreenso de que essas no so soluespara a crise dos cuidados, mulheres de movimentos e redescolocam nfase na necessidade da desmercantilizao, aomesmo tempo em que afirmam a centralidade do trabalhode cuidados para a organizao econmica e social.

    A Sempreviva Organizao Feminista (SOF) tem sededicado a esse debate nos ltimos anos, enfocando anecessidade de que a sustentabilidade da vida humana estejano centro da organizao econmica. Em princpios dos anos2000, com a organizao da Rede Economia e Feminismo,nos aproximamos das reflexes da economia feminista. OsCadernos Sempreviva Economia Feminista(2002) eA Produo

    do Viver(2003) inauguraram um debate mais abrangente sobreteoria econmica feminista, antes quase inexistente nomovimento feminista do Brasil.

    O acmulo da SOF nessa discusso se desenvolveu nosmarcos das lutas contra o neoliberalismo, notadamente com aforte presena da Marcha Mundial das Mulheres na luta contraa Alca e, com a mudana da conjuntura latino-americana,

    nos debates sobre alternativas de integrao regional. O eixode atuao nesse debate, tanto da MMM como da REMTE,afirmou a necessidade de que as alternativas de integraofossem geradoras de igualdade. Esse foi o sentido das reflexesrealizadas pela SOF em 2008, com a realizao de um seminriointernacional e a publicao do livro Trabalho domstico e decuidados: por outro paradigma de sustentabilidade da vida humana.Partimos de estudos de experincias de socializao do trabalhodomstico e de cuidados, para debater e sistematizar oscontedos que delineiam pistas para a construo de alternativas

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    ao atual modelo, capazes de gerar igualdade entre homens emulheres. O objetivo a formulao, tanto em nvel nacionalquanto regional, de polticas publicas que incidam na divisosexual do trabalho e, assim, nas relaes sociais de sexo.

    Os textos reunidos neste Caderno Sempreviva contribuempara o debate a partir de distintas perspectivas.

    Os artigos de Jacqueline Heinen e de Bila Sorj e AdrianaFontes, embora tratando de conjunturas diferentes, articulamas elaboraes feministas sobre famlia e autonomia das

    mulheres com relao s polticas pblicas que impactamdiretamente as mulheres.Jacqueline Heinen traz, em seu artigo, reflexes sobre a

    Europa do Leste. Recuperando uma reflexo sobre o papelatribudo s mulheres e famlia durante o regime comunista,organiza uma anlise sobre as polticas que incidiram na famliana ex-URSS e sobre as atuais polticas (ou ausncia delas)

    aps a queda do muro de Berlim.Bila Sorj e Adriana Fontes propem uma anlise sobre

    em que medida as polticas de creche e educao infantil e oPrograma Bolsa Famlia contribuem para a construo daautonomia econmica das mulheres. O texto traz elementosque devem ser incorporados nos debates sobre os limites epossibilidades do Programa Bolsa Famlia, no sentido de

    compreender essa poltica como uma estratgia de combate misria e fome, ao mesmo tempo em que se questiona oreforo de uma ideologia familista no centro dessa estratgia.

    O artigo de Helena Hirata apresenta as principais teoriasdo care, assim como os pontos de debate e controvrsia maisimportantes sobre o tema, analisando ao mesmo tempo algunsdados da pesquisa da sociloga sobre as cuidadoras no Brasil.

    No mbito acadmico, especialmente na Frana, comum a utilizao do termo em ingls care, pois em inglssua definio mais abrangente que em outros idiomas. No

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    caso brasileiro, utilizamos a definio trabalho domstico ede cuidados e compreendemos esse conjunto como umuniverso de tarefas cotidianas realizadas tanto dentro de casaquanto fora do mbito domstico, envolvendo a relao decuidados com as crianas e a famlia.

    Iluminar o terreno da reproduo, colocando o trabalhodas mulheres e a produo do viver no centro da agenda polticae econmica, o desafio que enfrentamos para dar visibilidade interdependncia das esferas da produo e da reproduo.

    O reconhecimento dessa interdependncia condio para quese construam alternativas capazes de alavancar transformaesnas relaes entre homens e mulheres, no sentido da construode novas relaes baseadas na igualdade.

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    POLTICAS FAMILIARES NA EUROPA DO LESTE:DE UMA POCA A OUTRA*

    Jacqueline Heinen

    As discusses sobre o futuro dos pases das Europas Centrale Oriental (PECO) e sobre sua integrao Unio Europeia(UE) do muito pouca ateno s questes sociais e familiarese, ainda menos, s questes relativas a gnero, como comprovama Agenda 2000 da Comisso Europeia (1997) e as crticasdirecionadas a esse documento1. De fato, a interveno dasinstituies europeias nesse campo foi muito pequena ao

    menos de modo concreto (UNECE 2002; CEE 2004, p.7)2

    .O que no uma surpresa. De um lado, o tratado de Nicedeixa pouco espao para isso. E, de outro lado, esses temasno adquiriram carter prioritrio aos olhos da maior partedos governos da regio. Embora os governos tenham tido dealterar diversas leis para se adequar s normas comunitrias,no adotaram dispositivos que facilitassem a aplicao das

    novas regulamentaes (Heinen, Portet 2002, 2004; Damon2004; Favier 2006). Se as polticas familiares comearam aser debatidas, isso se deve antes de tudo a razes demogrficas,como mostra um documento recente da Comisso Europeia(2005)3.

    * Este artigo foi publicado na revista Cahiers du Genre, n. 46, 2009, p.101-127 Dossi Estado/Trabalho/Famlia: conciliao ou conflito?.

    Agradecemos autora e s editoras a autorizao para sua publicaonos Cadernos Sempreviva. Traduzido por Tas Viudes de Freitas.

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    Apoiando-se na viso de Richard Titmus sobre polticassociais, Linda Hantrais (2004, p.132) diz que polticas familiarespodem ser definidas como aquelas polticas que enxergamas famlias como o lugar para o desenvolvimento de aesespecficas e cujas medidas visam incidir sobre os recursosfamiliares e, tambm, sobre a estrutura familiar4.

    Essa definio deixa em aberto o aspecto da dimensosexuada das polticas e seu impacto sobre o estatuto das mulherese os deveres a elas atribudos. Ora, a anlise das polticas sociais

    e familiares til para revelar as tendncias de como operamas relaes sociais de sexo, em particular durante os perodos detransformaes econmicas, sociais e polticas. As transformaesocorridas h quinze anos na Europa do Leste incidiram emum espao poltico quase exclusivamente masculino veja-se o baixo nmero de mulheres participantes do processo dedeciso no momento em que os Parlamentos se preparavam

    para adotar uma bateria de leis que contribuiriam, a longoprazo, para remodelar os regimes de gnero e as relaessociais de maneira mais geral (Heinen 1998, p.105; ComissoEuropeia 2000, p.25-26). Importa, portanto, examinar comoesse processo afetou a relao pblico-privado.

    Por certo h uma limitao quando nos referimos situaoda Europa do Leste, pois no consideramos as diferenas

    econmicas, culturais etc. entre esses pases; sobretudo em umperodo em que todos se afastam mais ou menos rapidamentedo modelo econmico e poltico anterior e quando se aprofundao abismo entre os grupos sociais. E isso tampouco registra asdiferenas entre os indivduos (idade, nvel de educao, tipo deemprego, lugar de residncia, nvel de vida etc.), bem comoas desigualdades que se aprofundaram depois da imploso dosistema comunista. Importa, porm, sublinhar as semelhanasdas polticas que, ontem como hoje, configuram o espaoatribudo s mulheres no mercado de trabalho e na famlia.

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    O peso do passado

    A anlise das polticas familiares adotadas desde 1945permite compreender o modo como as intervenes estataisafetaram as estratgias profissionais e familiares das mulheres.Em comparao com a variedade de situaes observadasentre os pases da Europa Ocidental nesse tema, nos dasEuropas Central e Oriental predominam atualmente traoscomuns no que se refere tanto s taxas de emprego e de

    fertilidade como ao grau de responsabilizao no cuidadode crianas menores de trs anos ou a licenas parentaisconcebidas como um direito familiar (Plantega, Remery 2005,p.28, 30, 31 e 34). As opinies sobre o casamento e a famliaso tambm muito convergentes (Tchernia 2005, p.86;European Values Study 2006)5.

    Nos pases da Europa Central e Oriental [...], a experinciade transio parece ter encorajado um retorno s atitudes maistradicionais, embora ao mesmo tempo os modelos familiarestendessem a se desinstitucionalizar (Hantrais 2004, p.67).

    Entretanto, as opinies econmicas e polticas eram muitodivergentes de um pas ao outro, para no dizer completamenteopostas em relao a certos pontos: pases, como a Polnia,

    tomaram a via de uma liberalizao rpida enquanto outros,como a Repblica Tcheca, escolheram uma abordagemmuito mais prudente em matria de privatizaes; alguns,como a Hungria, procuraram passar rapidamente para umregime democrtico de modelo ocidental, enquanto outros,como a Romnia, saam com dificuldade dos esquemasdirigistas do passado. Mas os fatos so obstinados e vale apena sublinhar que, a despeito dessas opes diferentesquanto ao modo de conduzir a fase de transio6, o que evidente em relao s polticas familiares que recaem sobre

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    as relaes de gnero: as semelhanas triunfaram fortementesobre as diferenas.

    Em geral, as dificuldades materiais a que as populaesda Europa do Leste esto expostas h mais de quinze anoslevaram a reenfatizar, e mesmo a idealizar, o papel da famlia,a despeito do aumento das taxas de divrcio, dos nascimentosextraconjugais e de mulheres celibatrias na maior parte dospases (Unicef 1999, p. 43 e 47). Essa tendncia, sustentadapela retrica nacionalista, incentivando as mulheres a dar

    prioridade a seu papel de mes, contribui para mascarar asdesigualdades de sexo e abre caminho para as atitudes sexistas,seja no plano poltico ou econmico (Verdery 1994; Heinen2006). Nesses pases fica mais difcil do que no Ocidenteatacar de frente as desigualdades de sexo, pois o conceito deigualdade continua tributrio das discusses do passado eremete s proclamaes das autoridades comunistas que

    apresentavam a emancipao das mulheres como o fruto dosocialismo autntico. O termo feminismo estreitamenteassociado ao discurso igualitrio do regime poltico quefaliu7: chamar-se de feminista suscita ofensas e pareceridculo (Busheiki, citado por Heitlinger 1996, p.78).

    Sob o comunismo, embora os direitos civis e polticos fossemem grande parte formais, a existncia de direitos sociais universais

    assegurava um mnimo de garantias contra os riscos da pobreza.Mas, aps 1989, vrias dessas garantias foram abolidas, a fimde restringir as despesas pblicas, e o apoio s famlias, que ataquele momento era incumbncia do Estado e das empresas,foi fortemente corrodo ou mesmo suprimido. Desde ento, cabes prprias famlias fazer frente a todas as necessidades sociais,ao mesmo tempo em que a exploso do desemprego acarretouuma forte diminuio de recursos para a maioria delas.

    Na maioria dos pases das Europas Central e Oriental,hoje, a proteo social tem como foco os mais pobres: somente

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    famlias cuja renda por pessoa se situa abaixo de um certomontante podem ser beneficiadas. Paralelamente, a deterioraodos servios sociais, tanto quantitativa como qualitativamente em especial no mbito da primeira infncia levou aoaprofundamento da polarizao social. Diante de uma minoriaque ascende e encarna a nova classe de privilegiados/prsperos/afluentes, a maioria da populao vive dificuldades econmicasextremas. As famlias numerosas e as monoparentais so asmais vulnerveis. E as mulheres so as primeiras afetadas, pois,

    hoje como ontem, so elas que assumem as tarefas domsticasmais pesadas, como educar os filhos.Dado o espao proposto para este artigo, concentrarei o

    foco nos dispositivos ligados famlia e s polticas pblicasvoltadas s crianas pequenas primeiramente sob o comunismoe, depois, no perodo atual. Darei mais ateno s semelhanasque s diferenas8; e no me deterei sobre o debate em curso

    quanto pertinncia da noo de polticas familiares(Commaille et al. 2002) ou sobre o lugar ocupado pelos pasesdas Europas Central e Oriental nas tipologias que oscomparam com outros pases europeus (Mahon 2002; Damon2004; Hantrais 2004).

    TRAOS PRINCIPAIS DAS POLTICAS FAMILIARESSOB O COMUNISMO

    Direitos sociais de tipo universal garantindo certa igualdadeconstituam um dos elementos essenciais de submisso doindivduo ao Estado paternalista onipotente sob o comunismo.

    No sistema econmico centralizado, os benefcios dirigidoss famlias eram relativamente generosos e os recursos alocadospara este campo das polticas sociais excediam de longe aosque prevaleciam nos pases da OCDE (Rostgaard 2004, p.15).

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    Polticas familiares na Europa do Leste: de uma poca a outra

    A proteo ao emprego e a cobertura social fortes subsdiosem reas como moradia, sade, transportes e alimentaobsica andavam juntas, conferindo certos traos de bem-estar (welfare)ao Estado socialista, ainda que as disfunesdo sistema e os desperdcios econmicos generalizados serefletissem na ineficincia de numerosos servios sociais. Osistema de subsdios cobria certas necessidades elementarese procurava garantir um mnimo de proteo ao indivduo,enquanto o financiamento estatal assegurava o acesso gratuito

    a diversos servios e mantinha os preos em um nvelartificialmente baixo em diversos mbitos da vida cotidiana9.Ora, esses direitos se revestiam de uma importncia

    particular para as mulheres, estimuladas a trabalhar emtempo integral. A legislao previa direitos especficos paraas mes com filhos pequenos e a cobertura de atendimentos crianas de 3 a 6 anos era parecida com a dos pases

    nrdicos da Unio Europeia (Unicef 1999, p. 55; Rostgaard2004, p. 21). As licenas-maternidade eram de dois a seismeses aps o nascimento do filho, e os anos 1970 assistiram introduo da licena parental e da licena por filhosdoentes10. As mes sozinhas se beneficiavam da prioridadeno acesso s creches e maternais (e de uma verba em dobronos benefcios familiares). O quadro parecia, assim, no

    conjunto, muito positivo11.A anlise da situao concreta revela, todavia, contradies

    e incoerncias relevantes quanto ao estatuto das mulheres eao peso conferido famlia. Inicialmente, os comunistasproclamaram sua vontade de minimizar a funo da famliaao restringi-la a uma entidade definida por seus deveres junto sociedade seus deveres reprodutivos, em primeiro lugar.E, de fato, a Constituio e a legislao sobre a familia fixavamprincpios igualitrios (Bttner 2005). Mas essas leis coexistiamcom regulamentaes especficas e prticas que reforavam

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    o modelo sexuado12. Ao mesmo tempo em que o discursooficial proclamava a vontade de emancipar as mulheres pormeio do trabalho e da socializao das crianas pequenas,as polticas em vigor interditavam o alcance de tais objetivos.

    Do ponto de vista ideolgico, dominavam as representaestradicionais quanto ao papel das mulheres como mes equanto expectativa de que as crianas menores fossemcuidadas em casa. Nesse sentido, o estabelecimento de medidasde proteo estimulava as mulheres, e somente elas, a conciliar

    trabalho profissional e trabalho domstico. Em consonncia coma proposta inicial, tal orientao as empurrava explicitamentea se encarregar das crianas e pessoas dependentes quaisquerque fossem os efeitos negativos das licenas prolongadas sobreo desenvolvimento de suas carreiras e o acesso a postos deresponsabilidade. O nmero de creches, em especial, eramuito limitado a taxa de cobertura no ultrapassava 5 a

    15% na maior parte dos pases das Europas Central eOriental (Unicef 1999, p. 55). Alm dos fatores culturais ereligiosos, as polticas sociais e familiares contriburam, assim,para a manuteno, e mesmo para o fortalecimento, da divisosexual do trabalho: segregao horizontal e vertical doemprego, diferena salarial etc.13(Unicef 1999, p. 25). Essasituao convivia lado a lado com uma diviso bastante frgil

    das tarefas no interior da famlia14, apesar das leis igualitriasaprovadas aps 1945 e ao mesmo tempo em que a quasetotalidade das mulheres trabalhava em tempo integral. Defato, nenhuma das polticas adotadas na URSS e nos pasesdas Europas Central e Oriental questionava a atribuio dastarefas domsticas s mulheres; ao contrrio, reafirmavam aseparao tradicional entre esfera pblica e esfera privada.Essas polticas explicam, assim, em grande parte, a tendnciade se voltar para o universo familiar reabilitada entre as jovensgeraes durante os anos 1980 em numerosos pases da

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    regio: inmeras mulheres jovens declaravam, ento, quedesejariam parar de trabalhar se seus maridos ganhassem osuficiente (Haskova 2008).

    A famlia como refgio

    As tentativas dos governos comunistas de transformar afamlia em instrumento de controle social colidiram com aresistncia da populao, que via nela o nico espao que

    permitia o desenvolvimento da iniciativa individual e asolidariedade. O valor positivo atribudo famlia tendeu acrescer com o tempo, de modo inversamente proporcional rejeio interveno estatal, e tanto mais quanto as autoridadesse viam incapazes de satisfazer os desejos mais elementares naesfera do consumo. A primeira consequncia da poltica oficialfoi, ento, realar o prestgio da esfera privada e a segunda

    no menos importante foi mascarar as desigualdades de sexo:a maior parte dos habitantes desses pases tinha interiorizadoprofundamente como algo normal a dupla jornada de trabalho,associada a uma diferena de estatuto de acordo com o sexo.

    Evidentemente, deve-se evitar toda generalizao. Mas primordial entender de que maneira certas medidas adotadasno passado (por exemplo, a licena parental que inicialmente

    era uma licena-maternidade) puderam responder, emboraparcialmente, s aspiraes das mulheres e como, em setratando dessas polticas, as prprias mulheres contriburampara a manuteno de uma srie de normas familiares.

    O que se passa hoje? Como se apresenta a relao entreas novas polticas sociais e o estatuto conferido s mulheres,no quadro dos desenvolvimentos econmicos em curso? Essaspolticas contribuem para reproduzir o paradoxo inicial,aumentando as contradies evocadas, ou contribuem aocontrrio para reduzi-las?

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    As transformaes sociais recaindo sobre a famlia

    A queda do sistema de tipo sovitico levou restauraodas liberdades democrticas negadas sob o comunismo e instalao de um Estado de direito acompanhado de direitoscivis e polticos; embora certos direitos sociais respondam aosnovos riscos (o desemprego, principalmente). Em um primeiroperodo da fase chamada de transio, as esperanas, parano dizer as iluses relativas economia de mercado e aos

    benefcios a ela vinculados, traziam subentendida a convicode que os direitos sociais seriam ampliados e a qualidadedos servios melhorada. A rejeio da noo de igualitarismo,associada ao comunismo, impelia a maioria dos indivduos aminimizar os riscos de crescimento das desigualdades sociais.Riscos, entretanto, enfatizados por numerosos pesquisadorese especialistas.

    De fato, os acontecimentos confirmaram esses medos: oaumento brutal do desemprego, paralelamente poucaateno conferida s questes sociais pelos governos no poder,levaram muito rapidamente supresso de toda uma sriede normas sociais anteriores. E os primeiros momentos deeuforia e de confiana na economia de mercado deram lugara lamentaes carregadas de nostalgia da segurana,

    combinadas com uma tendncia a embelezar o passado e aesquecer que a sociedade igualitria de ontem rimava compenrias e represso, sem falar dos privilgios da nomenklatura.Como assinala Barbara Einhorn, durante a primeira fasedas transformaes a insistncia de T. H. Marshall emrelao aos direitos sociais da cidadania foi reatualizadaem face do crescimento da pobreza nos pases das EuropasCentral e Oriental (Einhorn 1993, p. 258).

    No que se refere mais especificamente s polticasfamiliares, as leis mantiveram o princpio j existente de

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    tratamento igual entre mulheres e homens em relao aocasamento. Mas os primeiros anos da transio esto muitomais associados ao desmantelamento do antigo sistema desegurana social do que construo de um novo dispositivo,e no se pode dizer que qualquer dos pases das EuropasCentral e Oriental tenha criado uma poltica familiar coerentee preocupada com a proteo dos indivduos (Lefvre 2005).Quaisquer que tenham sido as intenes do Estado em relaoa moradia, sade ou assistncia social, as presses econmicas

    quase sempre prevaleceram sobre os discursos oficiais. Todasas mudanas operadas afetaram particularmente as medidasde proteo relacionadas a mes ou pais de filhos pequenos(tais como a licena parental de educao ou a licena parao cuidado de filhos doentes), assim como a mes ou paiscelibatrios (prioridade de acesso aos equipamentos sociaisde cuidado infantil, o valor dos benefcios, abatimentos de

    impostos etc.).Diversos fatores pesaram na deteriorao da situao

    social, e as opes feitas pelos governos da regio visandoreformar suas economias foram bem distintas em muitosaspectos. Mas chamamos a ateno para uma dinmica comumem relao ao grosso das medidas adotadas no que se referes polticas familiares e suas consequncias para as mulheres

    como mes e trabalhadoras.

    MUDANAS NA ESTRUTURA DE PROTEO SOCIAL

    Aps 1990, as drsticas redues dos oramentos estataislevaram os legisladores a reformar toda uma srie de clusulaslegais e de estruturas a fim de proteger seus cidados contraos novos riscos decorrentes da economia de mercado como desemprego e a pobreza em primeiro plano. Entre outras,na maior parte dos pases das Europas Central e Oriental,

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    foram operadas escolhas para satisfazer as exigncias do FundoMonetrio Internacional (FMI), que condicionava sua ajuda adoo de medidas visando limitar o dficit oramentrio:supresso das subvenes estatais ao consumo, desvinculaodo Estado da administrao da seguridade social em proveitode fundos autnomos, descentralizao da gesto no nvelregional ou local, alimentao de fundos por meio de umsistema de cotizao de empregadores e assalariados etc.

    Os paradigmas polticos em relao aos gastos vinculados

    aos benefcios familiares e aos programas de proteo dafamlia variam muito, em razo, principalmente, das condiesfiscais em tal ou qual pas. Mas a tendncia geral foi a dereduzir as despesas abaixando o montante global dos benefcios.Nos anos 1990, o valor dos benefcios familiares, por exemplo,foi reduzido a cerca da metade na maior parte dos pases(Unicef 1999, p. 50; CEE 2004, p. 13; Rostagaard 2004, p. 17).

    Essas redues foram obtidas seja por meio de cortes diretos15,seja pela inexistncia de reajustes dos benefcios em relaoao custo de vida, seja vinculando-se o direito ao benefcio aomontante das contribuies associadas ao salrio, ao mesmotempo em que aumentava de forma massiva o nmero detrabalhadores por conta prpria, de trabalhadores informaise de desempregados (CEE 2004, p.4; Vaughan-Whitehead

    2005, p.11-17; Portet 2006, p.49). Isso se traduziu, comfrequncia, em uma reduo progressiva das categorias debeneficirios: medidas outrora universais dependiam agorado nvel de renda16. Por outro lado, o nmero de pessoas alvosno parou de ser reduzido at atingir somente os indivduosmais pobres aqueles que esto praticamente na misria.

    No conjunto, essas restries tiveram consequnciasmuito negativas para as famlias. A altssima porcentagemde crianas vivendo em instituies, por serem rfs ouabandonadas, constitui em si um indicador da gravidade dos

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    problemas financeiros e prticos enfrentados pelos pais paraeducar seus filhos nos pases das Europas Central e Oriental(Unicef 1999, p. 19; EveryChild 2005, p. 10).

    O impacto dos benefcios sobre a renda familiar consideradoinsignificante, o que dissuade e mesmo desestimula a se terfilhos. Educar uma famlia numerosa rima na maioria das vezescom pobreza (Hantrais 2004, p.177).

    O impacto das polticas dirigidas s mulheresPara as mulheres, especialmente, essas mudanas se

    mostraram muito duras.

    As polticas implementadas nos numerosos pases em transiono curso dos anos 1990 foram na contracorrente das dinmicasobservadas no resto do mundo, a saber o reconhecimento dacontribuio das mulheres ao crescimento econmico, fundadosobre dados das pesquisas empricas (Ruminska-Zimny 2002, p. 7).

    verdade que as taxas de emprego diminuram maisentre os homens do que entre as mulheres durante os anos1990, reduzindo assim o diferencial de gnero em relaoao emprego que era inferior ao da Europa dos 15 (Hantrais

    2004, p.188). E as configuraes atuais do emprego noindicam que o desemprego seja sistematicamente, e em todosos pases, mais elevado entre as mulheres do que entre oshomens17. Todavia, entre os desempregados de longa durao,a proporo de mulheres em todos os lugaresmais elevada.Por outro lado, as taxas de desemprego oficiais refletemapenas indiretamente a retirada das mulheres do mercadode trabalho fenmeno importante em certos pases, sobretudodurante a primeira fase dos anos 1990 (OCDE 1994; Heinen1999). Esse processo sofre o impacto de mtodos de clculo

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    que diminuem a participao das mulheres na fora de trabalhorecenseada: na Hungria, por exemplo, as mulheres em licena-maternidade ou em licena parental so computadas comoinativas e excludas das estatsticas de emprego.

    Devido aos esquemas de (no)diviso das responsabilidadesfamiliares, e permanncia da tradio de emprego emtempo integral para os dois sexos, as mulheres sentiram maisas consequncias das mudanas descritas acima18. Elas sono somente confrontadas com discriminaes, na medida em

    que os empregadores preferem contratar homens para escapardos custos da maternidade19, como as polticas governamentaisas estimulam frequentemente a sair do mercado de trabalho,seja pelo sentido enviesado das atraentes licenas parentais(como o caso da Hungria) ou de medidas de aposentadoriaantecipada, notadamente na Repblica Tcheca e na Polnia(Szikra 2009).

    Essa tendncia foi exacerbada por uma srie de medidaspr-natalistas sustentada pelos grupos religiosos e pelospartidos conservadores que visam reverter a baixa da taxade fecundidade na regio: de taxas relativamente elevadasnos anos 1980, elas esto hoje entre as mais baixas do mundo20.As mulheres so, assim, por diversos lados, incentivadas ater mais filhos. Na Eslovnia, o benefcio familiar 20% mais

    alto quando o filho no frequenta creche. Na Hungria, foicriado um novo benefcio para as famlias com trs ou maisfilhos, no obstante benefcios fiscais criados terem taxasprogressivas de acordo com a ordem de nascimentos a partirdo segundo filho (CEE 2004, p.4; Rostgaard 2004, p.26).Consequentemente, a taxa de emprego entre as mulherescom filho menor de 3 anos de 30%. Se at aqui essasmedidas tiveram pouco efeito sobre as taxas de fecundidade,elas tm, por outro lado, forte incidncia sobre as trajetriasde vida das mulheres. A importncia dada ao dficit

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    demogrfico por diversos governantes, na relao com aspolticas familiares (e polticas de emprego), foi utilizada namaior parte dos pases no somente para tentar restringir odireito ao aborto (na Eslovnia, Hungria ou na Srvia,principalmente), e at mesmo para sua proibio de fato, comona Polnia (Heinen 2007). Mas as polticas familiares colocadasem prtica tm incidncias negativas sobre as condies deemprego e sobre as condies de vida de muitas mulheres.

    A imprensa aproveita todas as ocasies para colocar em

    destaque histrias de sucessode executivas e chefes de empresasque, implicitamente, apresentam as mulheres em condiesde igualdade com os homens. Mas isso apenas mascara afeminizao da pobreza apontada por diversos estudos (Unicef1999)21. As mes celibatrias formam uma parte desproporcionaldos que vivem abaixo do limite de pobreza, pois as leis quelhes asseguravam um certo grau de proteo por parte do Estado

    foram abolidas durante a primeira onda de reformas. Entreos sintomas extremamente preocupantes de deteriorao dasituao financeira das mulheres da gerao jovem figuram oaumento das violncias domsticas e a extenso da prostituioe do comrcio do sexo (Ruminska-Zimny 2002, p. 6).

    A situao tambm muito problemtica nas geraesmais velhas. As mulheres aposentadas recebem penses

    realmente mais baixas do que a de seus homlogos masculinos,uma vez que o montante depende da renda anterior e, namaior parte dos pases das Europas Central e Oriental, a idadelegal de aposentadoria permanece de 2 a 3 anos menor entreas mulheres22. Ora, no somente a diferena salarial aumentoucom frequncia ao longo dos ltimos quinze anos (Unicef1999, p. 33)23, mas as novas regras no clculo da aposentadoriacontribuem para o crescimento dessa diferena. Na Hungria,daqui por diante, o tempo dedicado ao cuidado dos filhosreduzir de modo substancial o nvel da aposentadoria, e

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    um cenrio semelhante foi criado na Polnia (CEE 2004,p.6). As aposentadorias das mulheres tambm so inferioresem, aproximadamente, 40% dos homens24.

    Assim, no conjunto, as mulheres so alvo de importantesdiscriminaes no campo das polticas sociais. Polticas queso reforadas por outras caractersticas das polticas familiares.

    Efeitos perversos das licenas parentais

    Nos pases das Europas Central e Oriental, as leis deproteo do antigo regime, que asseguravam direitos especficoss mulheres e aos filhos pequenos estiveram entre as primeirasa serem questionadas. Isso vlido em particular para a licenaparental em muitos pases. Sob a presso das exigncias ligadas entrada na Unio Europeia, foram realizados esforos paramodificar as leis dentro de uma tica igualitria: as licenas

    parentais e para o cuidado de filho doente, por exemplo, foramestendidas aos pais, sem restrio (o que no era o casoinicialmente). Mas um exame atento da lei no caso polons,em particular mostra que essa concesso permaneceinteiramente formal: no conjunto da argumentao o papeldas mulheres que valorizado, e a figura do pai aparece apenasincidentalmente ao fim do texto. No h nada de surpreendente,

    desse ponto de vista, se a licena parental permanece umamedida utilizada quase que exclusivamente pelas mulheres.

    Em relao s outras medidas de proteo social, asmudanas introduzidas na lei quanto durao da licena eo nvel de remunerao e essas so questes substanciais variam de um pas a outro. Na Polnia, a licena parental,que constitua uma das principais vantagens das polticassociais sob o comunismo, tornou-se muito menos atraentedesde que o direito de retornar ao emprego aps umainterrupo foi abolido em caso de demisso massiva ou de

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    fechamento das empresas, e desde que o valor recebido, emboraj muito limitado (cerca de um quarto do salrio mdio), foireduzido drasticamente (Heinen, Wator 2006)25. Observa-seuma dinmica anloga em outros pases da regio em que oleque de beneficirios com direito a um benefcio foi reduzido na Bulgria e na Rssia, principalmente26. Tal estado de coisasafasta significativamente essa medida de seu contedo inicial selevamos em conta as taxas de desemprego. Consequentemente,a proporo de poloneses que recorreram a essa licena diminuiu

    em dois teros de 1990 a 199627

    , e no parou de cair desdeento. Isso valido tambm no caso da licena para cuidarde filho doente (sessenta dias por ano) que foi estendida aoshomens a partir de 1995: pouqussimas mulheres recorrema ela atualmente (para no falar nos homens), com medo deperder seus empregos.

    Na Repblica Tcheca, ao contrrio, a grande maioria das

    mulheres usufrui da licena parental, que estabelecida emmontantes mais elevados do que na Polnia, mesmo mantidaa vinculao ao padro de salrio. Sobretudo fica preservadoo direito de retornar ao emprego. A Hungria introduziu oprincpio de aumento do benefcio segundo o nmero de filhose, igualmente, a maior parte das mulheres com pouca ou frgilqualificao tira a licena28. Essas situaes aparentemente

    mais favorveis escondem, porm, um efeito contraditriodo ponto de vista dos interesses de longo prazo das mulheres.Numerosos estudos recentes mostraram efetivamente que asinterrupes de trabalho prolongadas contribuem para dissuadiro interesse de retomar um emprego, sobretudo para aquelasque esto abaixo na hierarquia salarial (Szikra 2009).

    Os diversos exemplos apresentados mostram, assim, aambiguidade das medidas de proteo, tais como a licenaparental, quando elas so concebidas como um direitofamiliar direcionando-se de fato s mulheres. Mas elas

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    mostram tambm que, quando as mulheres no recorrem aesses direitos por medo de perder o emprego, h o risco delimitar sua autonomia no plano reprodutivo. Em um perodoem que as creches fecham umas aps as outras, como ocaso na maior parte dos pases das Europas Central eOriental, ter um filho pequeno torna-se um obstculo realpara conseguir um emprego.

    A deteriorao dos servios de atendimento infantil

    Os servios pblicos muito particularmente nas reasda sade e da educao pagam o preo das dificuldadesoramentrias, o que se traduz em uma sensvel deterioraodos critrios de elegibilidade. So inmeros os equipamentoslocais considerados muito onerosos que foram suprimidos noconjunto da Europa do Leste, ao mesmo tempo em que os servios

    ligados s empresas desapareciam do seu entorno. De fato, astransformaes econmicas tiveram impacto considervelsobre a poltica social das empresas, pois as estruturas existentesantes de 1989 centros de sade, creches e maternais, cantinas,casas de convalescena etc. foram eliminadas por razesfinanceiras, devido reestruturao ou liquidao. De outrolado, o processo de descentralizao poltica encaminhado

    simultaneamente o Estado delegando suas responsabilidadess instncias polticas locais, ao setor filantrpico e iniciativaprivada no fez mais do que aumentar as disparidades namaior parte dos pases das Europas Central e Oriental.

    Isso vale principalmente para as crianas pequenas: osservios a cargo da famlia dependem geralmente do nvellocal e as desigualdades so muitos sensveis neste mbito. exceo dos pases blticos e da Eslovnia, o cuidado dascrianas menores de 3 anos caiu a menos de 10%, ou a menosde 5%, e mesmo a 2% no conjunto da regio. Mesmo em

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    relao s crianas de 3 a 6 anos, as estatsticas apresentamporcentagens muito inferiores s que prevalecem na maioriados pases ocidentais (Plantenga, Remery 2005, p.34-35 e 84).

    Todavia, a diminuio do nmero de crianas a cargode servios coletivos no resulta unicamente da capacidadede atendimento. De um lado, o declnio do nmero denascimentos contribui para reduzir a demanda. De outro lado e esse o fator determinante o aumento do custo dosservios nas instituies pblicas jogou um papel significativo

    na reduo da taxa de frequncia. Para muitas famlias, ocusto proibitivo desencoraja qualquer inteno de manter ocuidado com filho fora de casa, tanto mais quanto se tem deassumir as despesas suplementares com a alimentao ou asatividades especiais. O preo das refeies (que anteriormenteeram quase gratuitas) torna-se um obstculo intransponvelpara as famlias com renda mais baixa. dessa forma que o

    sistema atual favorece explicitamente as camadas mdias dasociedade, em detrimento das mais pobres.

    Ao mesmo tempo, o processo de privatizao trouxecertos efeitos positivos, como a diversificao e a melhoriada qualidade dos servios oferecidos, tanto em relao aocuidado como no plano pedaggico ou cultural. No entanto,esse progresso se estrutura quase sempre em bases comerciais

    e depende das empresas privadas que visam o lucro. Comoresultado tem-se um reforo das barreiras de classe j que arenda torna-se um critrio determinante para se ter acesso aservios de qualidade. Por sua vez, a descentralizao dosservios sociais tambm tem dimenses contraditrias. Deum lado, ela permite, em princpio, responder melhor snecessidades e assegura uma gesto mais racional dosservios, mas, de outro lado, ela gera desigualdades entreregies ricas e pobres, com as necessidades bsicas prevalecendonos setores mais desfavorecidos. Esse fenmeno sensvel

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    particularmente na Polnia, onde a rede de creches se deterioradrasticamente, mas igualmente verdadeiro em outros pasesda regio como a Repblica Tcheca, a Romnia e a Eslovquia29.

    Esses desenvolvimentos tm um impacto ainda mais fortesobre os grupos mais desfavorecidos. As mes desempregadas,principalmente as com filhos muito pequenos, so colocadasem uma situao insolvel: a carncia de dinheiro lhes impecuidar de seus filhos, mas, em funo disso, perdem a liberdadede movimento que lhes permitiria procurar ativamente um

    emprego ou investir em uma formao e qualificao que lhesd alguma chance de retornar a um emprego. As oportunidadesde desenvolvimento psquico, intelectual e cultural acusam,assim, as crescentes diferenas de condies iniciais no mbitoda educao das crianas. Em suma, essas consideraeslevam concluso de que as consequncias negativas afetam,e muito, a maioria da populao.

    ***

    O quadro geral evocado nas pginas precedentes deixaclaro que a passagem economia de mercado no desembocouem maiores possibilidades de escolha para as famlias e maiorautonomia para as mulheres, independentemente da diversidadedas vias percorridas por cada um dos pases em relao ao modelo

    econmico e poltico escolhido. No somente a diligncia doEstado em reduzir os gastos acarretou, por todo lado, fortestenses entre direitos civis e sociais, mas o questionamentodos benefcios/prestaes sociais universais foi acompanhadode uma tendncia descivilizao, para retomar o termode Zsuzsa Ferge (1998 e 1999)30. Nesse sentido, til atipologia de Thomas H. Marshall para assinalar a naturezados direitos em questo, o modo como eles afetam a relaopblico-privado, e como eles pesam sobre a situao social epoltica dos indivduos. Como sublinha Anne Phillips:

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    A democratizao aparece como uma promessa vazia a menosque ela enfrente as relaes de poder entre ricos e pobres,brancos e negros, mulheres e homens (2002, p. 54).

    Abordar as polticas familiares com o esforo de dissociaros diversos nveis de direitos existentes, facilita a anlise dostatus social das mulheres e dos homens confrontados com asmltiplas mudanas operadas na Europa do Leste. Isso permitedistinguir at que ponto elas e eles esto em situao de

    exercer seus direitos (antigos e novos).De fato, as medidas de proteo dirigidas s mulheressob o comunismo colocaram o fardo sobre suas costas e noampliaram sua autonomia como indivduos. Mas erampercebidas como positivas pela mo de obra feminina, quedelas fazia uso de forma extensiva, apesar de seu carterambguo. Ora, isso mostra que a supresso desses direitos

    constitui um freio ao exerccio das liberdades individuais dasmulheres. A esse respeito, a queda radical do nmero denascimentos constitui um fenmeno que pode ser interpretadocomo uma marca da resistncia das mulheres jovensconfrontadas com dificuldades financeiras sem precedentee, tambm, como uma resposta aos empregadores que astratam como uma mo de obra de segunda categoria,

    porque eventualmente podem ter filhos (Melani 2005).A existncia das prticas discriminatrias descritas acima

    reflete o fato de que as mulheres continuam a ser percebidas(e elas mesmas a se perceberem), antes de tudo, como mesem potencial. A disponibilidade que se presume que tenhamem relao sua famlia e de forma mais geral em relaos pessoas dependentes limita sua liberdade de movimentose o desmantelamento dos servios de cuidado infantil ampliaa marginalizao das mulheres nos planos econmico epoltico.

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    Os valores familiares tradicionais voltaram tona com asmulheres sendo devolvidas famlia e ao trabalho familiardomstico [...]. Pode-se dizer que a poltica familiar foirefamiliarizada. Isso no significa que no existam rgospblicos encarregadoss da poltica familiar ou que sejamirregulares, mas, sim, que eles so subfinanciados, que o apoios famlias frequentemente mais retrico que real e queno se considera o Estado como capaz de manter serviosseguros e de boa qualidade (Hantrais 2004, p. 204)31.

    No , portanto, surpreendente que certas categorias dapopulao as pessoas idosas, os indivduos com menorqualificao (e, entre esses, em particular as mulheres) semostrem pessimistas, formulem crticas s vezes virulentasdiantes dos tropeos da transio e expressem nostalgiaem relao ao passado.

    Entretanto, contrariamente s numerosas previsesdoincio dos anos 1990, a taxa de atividade, ainda que me baixa,diminuiu de modo menos significativo entre as mulheres queentre os homens. Isso se explica de diversas maneiras. Deum lado, a manuteno das mulheres no emprego umaquesto de sobrevivncia para a maior parte das famliasque tm necessidade absoluta de duas rendas. E de outro

    lado, ela reflete tambm mudanas de atitudes assumidaspelas mulheres jovens, que do provas de ambio em termosde carreira e estabelecem uma relao com o trabalho muitomais dinmica do que suas antecessoras, quinze anos atrs.Enquanto certas leis de proteo (no que concerne s messozinhas, principalmente) so percebidas como ganhos quedevem ser preservados a qualquer preo, outras leis queprivilegiam o papel da me em detrimento do papel do paicomeam a ser julgadas como fatores de discriminao quereforam as desigualdades de sexo32. E se o dficit demogrfico

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    um indicador que pode ser considerado a consequncia daprecarizao crescente das mulheres, ele pode tambm, esimultaneamente, ser interpretado como o resultado davontade das mulheres jovens de permanecer em seusempregos e de construir uma carreira. A abertura em direo Europa e, em particular, as mudanas legislativas operadaspara responder s exigncias da Unio Europeia (por formaisque sejam), assim como a circulao crescente dos indivduos,explicam em parte tais mudanas nas representaes e nas

    prticas (Heinen, Portet 2004).No se poderia, portanto, excluir a possibilidade detransformaes futuras em relao s polticas e aoscomportamentos. De um lado, as dificuldades financeiras(renda por pessoa, fundos disponveis) constituem certamenteum obstculo significativo a toda mudana nas polticasfamiliares. Nesse sentido, os pases das Europas Central e

    Oriental encontram-se hoje em uma situao muito similar dos pases da Europa do Sul quando eles se juntaram Comunidade Europeia, aps o fim dos regimes autoritrios.E a dinmica observada no Sul indica que mudanas podemocorrer no Leste em um futuro mais ou menos prximo,embora o contexto global atual difira daquele dos anos 1980.De outro lado, o fator geracional um elemento muito

    importante. A atitude de diversos grupos est diretamenterelacionada com suas experincias passadas, e os indivduosda gerao jovem so mais inclinados a se opor s polticasque limitam suas escolhas. Os prximos anos diro se elesso portadores de perspectivas que favorecem a igualdadeentre os sexos, no somente em relao proteo social es polticas familiares, mas em outros domnios, incluindo otrabalho, o direito e a esfera poltica.

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    NOTAS

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    A Comisso de Assuntos Internacionais do Parlamento Europeu destacano apenas que a questo social ocupava um lugar muito secundrionaAgenda2000, mas que o tratamento igual entre mulheres e homensdeveria ser considerado como critrio de adeso Unio Europeia, oque no aparecia nesse documento (Parlamento Europeu, 1997, p.16).

    2Os efeitos do processo de integrao so limitados por dois mecanismosinstitucionais: de um lado, a fragilidade dos dispositivos de controle ede penalizao o que tambm vale para as leis nacionais ; e, deoutro lado, o paradigma do mainstreaming que se mostra totalmenteinadequado uma vez que no acompanhado de programas de aoafirmativa, como o caso da maior parte dos pases das Europas Centrale Oriental.

    3Ao longo de uma primeira fase, numa reao contrria heranasovitica, os governos da regio foram reticentes quanto a intervir emquestes consideradas privadas. Mas a queda das taxas de fecundidadesuscitou debates parlamentares sobre medidas pro-natalistas visandoaumentar a taxa de nascimentos (Melani 2005).

    4Isso no significa que esta definio se aplica a todos os vinte e cincoEstados-membros da Europa (e ainda menos a todos os novos membros)na medida em que no so todos os governos que utilizam o termopoltica familiar, ou definem a famlia como alvo (enjeu) e tampoucodispem necessariamente de departamentos especficos nesta rea(Hantrais, 2004, p.133).

    5Em relao aos pontos mencionados, os pases da Europa central eoriental apresentam perfis similares queles que prevalecem nos pases

    da Europa do Sul.6Sobre a ambiguidade da noo de transio, ver Chavance (1998).7 Na Hungria, reivindicar direitos especficos para as mulheres

    geralmente tomado como marca de hostilidade contra a famlia (Szalai1998, p.197). Sobre a rejeio do feminismo pelas mulheres russas, verLissyutkina (1999).

    8As referncias que indicam nmeros de pginas remetem a tabelas

    com dados estatsticos ou a exemplos especficos que ilustram minhaargumentao.9A diferena salarial era pouco elevada entre os trabalhadores e, ao

    menos oficialmente, a disparidade de renda era pequena entre as vrias

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    categorias sociais. Porm, de fato, existiam profundas desigualdadesligadas aos privilgios concedidos, por debaixo dos panos, aos membrosda nomenklatura.

    10A licena parental foi introduzida respectivamente nas seguintes datas:1965 na Hungria; 1971 na Tchecoslovquia; 1977 na RDA (RepblicaDemocrtica Alem); 1980 na Bulgria; 1981 na Polnia e URSS.Os dispositivos variavam em relao a: a durao da licena (6 mesesa 3 anos); o montante alocado (o mais frequente era menos da metadedo salrio mnimo); e o nmero de filhos requerido para receber obenefcio (Bodrova, Anker 1985).

    11Em porcentagem de salrios reais, os benefcios familiares eram mais

    elevados que no Ocidente e as despesas pblicas nesse campo eramduas ou trs vezes superior nos pases da Europa Central e Orientalque na Sucia, pas que, por sua vez, muito generoso nessa rea(UNICEF 1999; Rostagaard 2004, p.17).

    12Na URSS, limitaes foram introduzidas na legislao sobre a famlia(aborto, divrcio), em 1936 e aps a Segunda Guerra Mundial, emparalelo criao da medalha Me herona, atribuda s mulheresmes de grande nmero de filhos (Bttner 2005, p.45). Na Polnia, na

    Bulgria, na Tchecoslovquia e em outros pases das Europas Centrale Oriental, o acesso das mulheres a certos empregos era limitado.13 Sobre esse ponto, ver UNICEF 1999, p. 34-36. No conjunto, o

    diferencial de salrio e as taxas de segregao no emprego eramprximos aos dos pases da Europa Ocidental. Mesmo na RepublicaDemocrtica Alem (RDA), onde o regime fez esforos sistemticospara estimular as mulheres a obter qualificaes nos ofciostradicionalmente masculinos, a resistncia dos diretores repercutiasobre as dificuldades das mulheres, constrangidas a assumir o essencialdas tarefas domsticas. Em 1989, as feministas da RDA buscaramdenunciar a natureza sexista das medidas adotadas nos anos 1970 e1980 no que concerne famlia ironicamente batizada comoMutti-Politik(a poltica da mame): uma licena de educao maternal maisque parental; uma licena para o cuidado com o filho doente atribudasomente s mes; um dia de licena por ms para o trabalho domsticoatribudo exclusivamente s mulheres...

    14Embora, na mdia o nmero de horas de trabalho domstico no

    remunerado fosse mais ou menos equivalente na Europa do Leste ena Europa Ocidental, o montante de horas do trabalho assalariadofeminino era aproximadamente duas vezes mais elevado nos pasesda Europa Central e Oriental (UNICEF 1999, p.25).

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    15Na Polnia, por exemplo, quando a licena para cuidar de filho doentetornou-se acessvel aos pais, como era para as mes, o benefcio foireduzido de 100% para 80% do salrio do beneficirio, a fim de no

    acarretar um crescimento de gastos. Mas a proporo de pais querecorreram a essa licena quase nula.16 o caso na Bulgria, na Eslovnia, na Eslovquia, na Repblica Checa

    e na Polnia. Neste ltimo pas, apenas as famlias que tenham umarenda por indivduo abaixo de um quarto do salrio mdio podem sebeneficiar das medidas de apoio social.

    17Em 2001, as mulheres estavam mais frequentemente desempregadasque os homens na Repblica Tcheca, Estnia, Polnia e Eslovnia

    18Em comparao com os pases ocidentais, o trabalho em tempo parcial,sobretudo entre as mulheres, permanece globalmente muito baixo. inferior a 10% na maior parte dos pases da Europa Central e Orientale mesmo inferior a 5% em muitos deles (Rostgaard 2004, p.12;Plantenga, Remery 2005, p.89; Portet 2006, p.234).

    19Temos numerosos exemplos na Polnia, na Repblica Tcheca e outroslugares, de jovens que aceitam assinar contratos nos quais elas secomprometem a no engravidar durante um perodo determinado,

    sob pena de serem despedidas (Ruminska-Zimny 2002, p.8; Hantrais2004, p.187; Krizkova 2004, p.114; Heinen, Wator 2006, p.197).20Em 2002, a taxa de fecundidade oscilava entre 1,2 e 1,3 em quase

    todos os pases da Europa Central e Oriental (Plantenga, Remery 2005,p.31; Vaughan-Whitehead 2005, p.24).

    21A Unicef (1999) situa o nvel de extrema pobreza em 60% da linha dapobreza. Na Polnia, perto de 10% das moradias e 15% da populaototal se situava nessa categoria em 1993. Deve-se notar, todavia, que o

    grau de pauperizao muito desigual segundo os grupos sociais, mastambm segundo as regies: ele particularmente elevado nas cidadesou regies mais afetadas pelas reestruturaes industriais.

    22Sem falar do fato que os anos de servio militar so computados nosclculos da aposentadoria, ao passo que o tempo consagrado s licenasparentais quase nunca o so.

    23Por outro lado, elas tm menos ocasies de complementar seus salrioscom outras fontes de renda no quadro da economia informal (quer

    se trate de um emprego secundrio ou de atividades no declaradas);sua proporo nos setores privados, onde os salrios so geralmentesuperiores, claramente menor que a dos homens; e elas so muito menosnumerosas entre os quadros das empresas com chance de enriquecer.

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    24Para mais detalhes sobre esse ponto, ver: Fulz, Steinhilber 2003;European Comission 2003; e UNRISD 2005, p.148-50.

    25Na Polnia, o benefcio subordinado ao nvel de renda. Admitindo-

    se que uma pessoa tenha direito, na melhor das hipteses ela receberia75% da renda mnima uma soma bem inferior ao que se recebe nospases vizinhos. Percebe-se uma dinmica similar em outros pases. impossvel detalhar aqui as diversas configuraes existentes. Paramaior preciso, ver Plantenga, Remery (2005).

    26Muitas das ex-repblicas soviticas simplesmente suprimiram o direito licena parental (Merdjanska, Panova 1995, p.55).

    27Nos anos 1980, 90% das mulheres que tinham direito tiravam a licena

    na totalidade ou em parte, ao passo que os homens representavam,quando muito, 1% dos beneficirios.

    28Na Hungria, o pagamento de licena parental para pai ou me dedois filhos representa cerca da metade do salrio da pessoa.

    29Na Polnia, trs quartos das creches foram fechados entre 1989 e2002. Nesse pas de 38 milhes de habitantes, no h mais que 400creches atualmente das quais 39 esto na cidade de Varsvia (56 naregio em torno) e 24 em Cracvia (34 na regio em torno). (Heinen,Wator 2006, p.201 e 213). Na Repblica Tcheca, a rede de creches,que atendia 20% das crianas menores de 3 anos antes de 1989,tambm foi implodida: em 2004, no restava mais que 60 crechesremanescentes do antigo regime (OCDE 2006, p.85). Para outrosdados, ver relatrio da Unicef (1999, p.54-55).

    30Ferge define a descivilizao como um processo que se caracterizapela retrao do Estado, o crescimento de fenmenos anmicos e ummovimento de desintegrao caminhando lado a lado com o da excluso.

    31 Hantrais, na tipologia que prope para compreender a variedade deconfiguraes das polticas familiares na Europa do Leste e Ocidental,utiliza as seguintes qualificaes para definir a poltica dos pases quese caracterizam por um processo de refamiliarizao: implcito/indireto, retrico, pr-natalista, semilegtimo, institucionalizado,transnacional e subfinanciado (p.200).

    32Sobre esse ponto, ver os numerosos depoimentos disponveis nos deestudos de caso realizados nos diversos pases da Europa Central e

    Oriental (Heinen, Portet 2004).

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    TEORIAS E PRTICAS DO CARE:

    ESTADO SUCINTO DA ARTE, DADOS DE PESQUISAE PONTOS EM DEBATE

    Helena Hirata

    esde os anos 1980, as teorias sobre o care(cuidado) tm

    se desenvolvido no mundo anglossaxo, mas a retomadadesse debate na Frana data de meados dos anos 2000e, no Brasil, na Amrica Latina e na Amrica Central, deum perodo ainda mais recente.Num primeiro momento, aspesquisas sobre o care contemplaram sobretudo o cuidadocom as crianas. Quanto ao cuidado com as pessoas idosas, aspesquisas se desenvolveram em disciplinas como a geriatria,

    gerontologia, enfermagem, sade pblica, e, mais raramente,at hoje, no mbito das cinciais sociais. Entretanto, h umatendncia de aumento de interesse tambm nas disciplinasdas cincias sociais e humanas, dada a crescente longevidadeda populao em todas as regies do mundo (sobretudo empases como o Japo) e diante de dificuldades cada vezmaiores de fazer com que o trabalho de cuidado seja assumido

    pelas mulheres, tradicionalmente sujeitos do careno mbitoda famlia, em virtude de sua insero cada vez maior nomercado de trabalho, em praticamente todas as regies domundo.

    A importncia crescente do care, tambm para osorganismos internacionais, ficou evidenciada no documento-

    base da Cepal (2010), apresentado na XI ConfernciaRegional sobre a Mulher da Amrica Latina e do Caribe,em Braslia. O captulo do documento sobre a economiado care, apresenta a definio do carede Joan Tronto, em

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    Polticas familiares na Europa do Leste: de uma poca a outra

    obra de 1993, traduzida mais tarde para o francs (Tronto,2009) e ainda sem traduo no Brasil.

    Esse dado ressalta a importncia que as ocupaes ligadasao cuidado vm adquirindo no mundo contemporneo. Essaevoluo recente aponta tambm para dois outros aspectossociopolticos. Primeiramente, o da globalizao e das migraesinternacionais e internas, induzidas pela demanda por mode obra de care. Em segundo lugar, a questo das orientaese modalidades de polticas pblicas especficas para certos

    pases, no sentido de responder necessidade crescente daexternalizao (ou profissionalizao) do care. Na Europa e noJapo, numerosos trabalhadores do care so migrantes de outrospases (asiticos, africanos) e muitas vezes no tm documentos,observando-se por isso mobilizaes de movimentos sociaise sindicais pelo direito desses trabalhadores.

    Trataremos neste artigo de apresentar, inicialmente, as

    teorias sobre care e care work, para em seguida apontar osprincipais pontos de debate e controvrsias sobre o tema.Ao faz-lo, apresentaremos ao mesmo tempo algunsresultados preliminares de uma pesquisa emprica sobre otrabalho de cuidado e sobre cuidadoras no Brasil, realizadano Brasil entre outubro de 2009 e setembro de 2010. Nasentrevistas em instituies de longa permanncia para idosos,

    contamos com a colaborao de Myrian Matsuo,pesquisadora da Fundacentro de So Paulo.

    TEORIAS SOBRE CAREE CARE WORK

    O termo care dificilmente traduzvel, porque polissmico.Cuidado, solicitude, preocupao com o outro, estar atentoa suas necessidades, todas esses diferentes significados estopresentes na definio do care. Os estudos filosficos e desociologia moral e poltica, sobretudo no mundo anglossaxo,

    Teorias e prticas do care: estado sucinto da arte...

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    trouxeram contribuies importantes sobre a tica e a polticado care. As pesquisas de sociologia do trabalho e de sociologiaeconmica comeam tambm, muito recentemente, a produzirconhecimentos sobre os servios s pessoas na realidade atual,tanto no mundo ocidental quanto nos pases asiticos, comono Japo, tanto nos pases capitalistas desenvolvidos quantonos pases em vias de desenvolvimento, como no Brasil. Ocare workou trabalho do care, embora diga respeito a toda asociedade, realizado principalmente pelas mulheres e a

    anlise da diviso sexual do trabalho do careno interior dafamlia e nas instituies de cuidados ainda est por fazer. Arelao entre o care work remunerado e o careno remunerado(aquele dos membros da famlia) tambm deve ser melhorapreendida, pois a fronteira entre ambos por vezes bastantetnue. O amor, o afeto e as emoes no parecem ser do domnioexclusivo das famlias, assim como o cuidado, o fazer e a tcnica

    no parecem ser do domnio exclusivo das cuidadoras, dasacompanhantes, das auxiliares remuneradas.

    Carol Gilligan, psicloga do desenvolvimento, fez, em1982, uma primeira apresentao analtica do que elaconsiderava ser o care, ou o cuidado (Gilligan, 2008). Otrabalho resultou de uma srie de pesquisas empricas queela realizou, sobre temas to diversos quanto a deciso de

    abortar ou o desenvolvimento moral do jovem. Gilliganabordou a questo do caredo ponto de vista de gnero, dadiferena entre homens e mulheres. Ela contrape a ticado care tica da justia, tica kantiana ento dominante (cf.tambm Moller Okin, 2008). Gilligan prope uma moralalternativa que se fundamente na experincia das mulheres,experincia singular, irredutvel, baseada no concreto e nossentimentos. Sua afirmao de uma personalidade femininae maternal, diferente da dos homens, deu lugar a umapolmica sobre o essencialismo de seu enfoque terico.

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    Polticas familiares na Europa do Leste: de uma poca a outra

    Joan Tronto, politloga cuja obra principal data de 1993,ressalta sobretudo os aspectos polticos do care. Ela apreendeo trabalho do careenquanto atividade e sublinha a repartiodesigual do caree a desvalorizao de que objeto. Aqui,moral e poltica so tratadas conjuntamente e as questesdas desigualdades de gnero, classe e raa se tornam dimensescentrais. A definio desigual das necessidades de cuidados,segundo as classes sociais, tambm um dos aspectos analisadospor Tronto. Ela se refere ainda irresponsabilidade dos

    privilegiados quanto realizao do caree necessidade desua real democratizao.Carol Gilligan desenvolveu o caremais em seu aspecto

    tico; Joan Tronto, mais em relao s questes polticas queele envolve (Borgeaud-Garciandia, Hirata e Makdriou, 2010).Por sua vez, pesquisadoras francesas comearam a trabalharcom a questo do care, do cuidado, a partir de 1995. Nesse

    caso, so socilogas, especialistas em sociologia moral epoltica, como o caso de Patricia Paperman; ou filsofas,como Sandra Laugier; ou psiclogas do trabalho, como PascaleMolinier (Paperman e Laugier, 1995; Molinier, Laugier ePaperman, 2009).

    Tanto Tronto quanto as tericas francesas do care, comoPaperman, Laugier e Molinier, partem de uma tese central

    de que todas as categorias de pessoas envolvidas no caresovulnerveis e de que, na realidade, todos ns somos vulnerveisem algum momento das nossas vidas. Ento, o care deveriaser dissociado de idade e de gnero, isto , deveria dizer respeitoa homens e mulheres, e no apenas s pessoas que cuidam defamiliares em casa e s que tm o cuidado como oficio e soremuneradas para cuidarem. O caredeveria atingir todas aspessoas da sociedade, porque a sociedade toda precisa de care.

    E, fazendo uma crtica feminista ao que a realidade docare, essas autoras dizem que o caretem sido teorizado a partir

    Teorias e prticas do care: estado sucinto da arte...

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    da figura do homem branco, de profisses qualificadas, declasse mdia abastada, com sade, na flor da idade. Sendoassim, o care visto como alguma coisa s para pessoas idosas,deficientes, enfermas e outras, quando, na realidade, ns nodeveramos ter como modelo essa figura do trabalhadorhomem, maduro, branco, qualificado etc. A base de reflexoseria o conjunto da humanidade, porque todos tm necessidadede care.

    No caso do Brasil, os estudos sobre o caree o care workforam

    feitos, no em sociologia, mas em duas outras disciplinas: aenfermagem (Santos e Rifiotis, 2006) e a gerontologia. Issopoder ser explicado pelo fato de que uma srie de aspectosdo cuidado se relaciona com a questo da sade, de formaque essas disciplinas estariam mais envolvidas com o assuntodo que a cincia poltica, a economia, a filosofia e a sociologia.Mas, pelo fato de o conceito de careser multidimensional e

    transversal (tal como os conceitos de trabalho e de gnero),essa questo requer, cada vez mais, um tratamentointerdisciplinar.

    CONTROVRSIAS E PONTOS EM DEBATE SOBRE O CARE

    Nesse debate sobre o cuidado e o cuidar, a Sempreviva

    Organizao Feminista (SOF) est certamente na vanguardado processo de elaborao no Brasil. Na realidade, o livroTrabalho domstico e de cuidados: por outro paradigma desustentabilidade da vida humana (Silveira e Tito, 2008) foipraticamente uma das primeiras publicaes brasileiras, deque eu tenha conhecimento, a usar o termo cuidadotanto nottulo quanto nos artigos. Mas, h ainda muito pouca literaturae elaborao sobre o careno Brasil. So apresentados a seguirpontos de debate e questes relacionados ao care que continuama provocar interesse e desafiar reflexes.

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    Polticas familiares na Europa do Leste: de uma poca a outra

    A questo do estado da arte do care, e de como ela evoluiu noespao e no tempo, e a questo da relao entre o trabalho de cuidadoe o trabalho domstico

    Ao tratar desse primeiro tema de debate, pode-se dizerque a SOF at agora esteve na vanguarda da reflexo sobreo care, porque se interessou desde h muito tempo e j editoumuitas publicaes sobre o trabalho domstico. Mas tambmtomou como questo o conjunto das relaes sociais envolvidasno trabalho domstico e a relao deste com tudo que

    chamamos reproduo e trabalho reprodutivo, categorias nemsempre utilizadas pelas pesquisadoras que analisam o trabalhodomstico. A SOF sempre se interessou pelo tema do trabalhoreprodutivo, sofreu varias influncias, como a do trabalhode Cristina Carrasco, e, a partir dessas categorias, interessou-se pelo trabalho de cuidados. Neste ponto, pode-se afirmarque, certamente, o care faz parte do trabalho domstico,

    enquanto trabalho domstico realizado sem remunerao.

    A questo da externalizao, ou profissionalizao, do trabalhodomstico e de cuidados

    Refletir sobre o trabalho domstico no remunerado eo trabalho domstico remunerado nos conduz a esse segundotpico de debate. O trabalho domstico no remunerado

    aquele trabalho feito gratuitamente e considerado por muitosuma forma das mulheres expressarem amor aos filhos e aoscompanheiros, uma maneira de exprimir o amor que elassentem por seus familiares. Em contraponto, podemos dizerque essa no a forma de expresso que os homens usampara demonstrar amor aos filhos e s esposas. Essa forma deexpresso das mulheres que o trabalho domstico gratuitoe essa relao social de amor e de cuidado implicam umaparte de trabalhos repetitivos, tais como lavar e passar roupa,limpar a casa, cozinhar. Ou seja, de maneira geral existe

    Teorias e prticas do care: estado sucinto da arte...

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    toda uma srie de tarefas domsticas que so repetitivas eque praticamente no tmuma relao direta com um serhumano. Ao mesmo tempo, uma parte de cuidados e detrabalho domstico tem relao direta com pessoas, quepodem ser no s crianas, marido, companheiro, mastambm pais ou outras pessoas idosas vivendo na casa.

    Se quisssemos definir de maneira muito rigorosa o que o care, seria: o tipo de relao social que se d tendo comoobjeto outra pessoa. Descascar batatas care, mas de uma

    forma muito indireta: careporque preserva a sade, o outroser. Fazer com que outro ser continue com sade implicacozinhar, aliment-lo, pois precisa desse cuidado material,fsico. Ento, pode-se dizer que tudo faz parte do care, mas ano teramos mais uma definio rigorosa de care. Deixar acasa limpa e agradvel, deixar a cama cheirosa e agradvel,passar o lenol, isso tudo pode fazer parte do trabalho de

    careda empregada domstica ou da diarista, que deixa essastarefas prontas. Em nmeros de 2009 (PNAD), seriam, noBrasil, 7 milhes e 223 mil pessoas em emprego domstico,das quais 504 mil so homens e 6 milhes e 719 mil somulheres. Ser que podemos dizer que todas essas mulheresque fazem o trabalho domstico remunerado so trabalhadorasde care? O estudo de uma base de dados do Seade, a PED

    (Pesquisa Emprego e Desemprego), com uma amostra decuidadoras e empregadas domsticas para o ano de 2009,indica que h muitas empregadas domsticas que cuidamde idosos ou de crianas. Analisando esses dados possvelobservar que essas empregadas no so reconhecidas emuitas vezes no se reconhecem como cuidadoras nem comobabs, e recebem a remunerao de diaristas ou empregadas.Ento, importante estudar o que o trabalho domsticoremunerado e o que a relao social de cuidado, quandoele se profissionaliza.

    HELENAHIRATA

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    Polticas familiares na Europa do Leste: de uma poca a outra

    A questo da remunerao e da formao profissionalPodemos dizer que a profissionalizao do careimplica,

    num primeiro nvel, o recrutamento de empregadas domsticas,muitas vezes sem registro e, portanto, sem reconhecimentopelo seu trabalho enquanto trabalho profissional. Em geral,recebem por ms R$ 510,00 (salri