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Cultura Cultura Jornal Angolano de Artes e Letras NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVO FESTA LITERÁRIA LUSO-AFRO-BRASILEIRA DIÁLOGO INTERCULTURAL MEMÓRIA Págs.13 a 15 NGOLA KILWANJI CONTRA A DOMINAÇÃO PORTUGUESA LEITURA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS - Pág.2 Pág. 5 Comecemos por perguntar: como é que nasce uma canção? Nasce da música da voz, do ritmo do tambor ou dos passos do dançarino, da sucessiva teimosia das ondas do mar, dos golpes de vento, do balanço da menina que passa e envolve o mundo na graça do seu passar. Depois junta-se-lhe a palavra até que tudo venha conjugar-se numa harmonia que junta a música, a palavra e o canto. O Festival Internacional de Literatura de Berlim conclama todas as instituições culturais e políticas, escolas, universidades, meios de comunicação e indivíduos interessados, a se juntarem numa Leitura Mundial e discussão subsequente da Declaração Universal de Direitos Humanos, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constante- mente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades. “Como se sabe, a língua portuguesa é falada por cerca de 270 milhões de pessoas. Somos muitos e temos muito em comum. A língua nos une historicamente, enlaça nossas culturas, nos faz irmãos”, afirmou o embaixador do Brasil em Angola, Paulino Neto, na abertura da Festa Literária Luso-afro-brasileira (FESTLAB), que decorreu de 26 a 28 de Maio, no Centro Cultural Brasil-Angola (CCBA) com apoio directo da TAAG. LETRAS ECO DE ANGOLA Pág.16 NAVEGAÇÕES Pág. 3 MEMÓRIA Pág.2 LETRAS 5 Pág. TCHIZO, 16 GIKA, OU O 6 DE JUNHO O ABSURDO O DE 1975 O DA HISTÓ LUSO-AFRO-BRASILEIRA FESTA L ÓRIA LUSO-AFRO-BRASILEIRA ITERÁRIA FESTA L LUSO-AFRO-BRASILEIRA ITERÁRIA omos muit . S de pessoas , a língua por omo se sabe C o em c emos muit os e t omos muit tuguesa é falada por c , a língua por omum. A língua nos une o em c ca de 270 milhões er tuguesa é falada por c NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVO DIÁLOGO INTERCULTURAL NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVO DIÁLOGO INTERCULTURAL Págs.13 a 15 NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVO G. AA T TA o C tr en , no C aio M -afr uso ia L ár er Lit embaixador do Br , enlaça nossas cultur e t icamen or hist omos muit . S de pessoas ECO DE ANGOLA DOS DIREITOS EITURA MUNDIAL L ) c CBA C ngola ( A asil- al Br ultur o C a (FESTLAB), que dec asileir -br o -afr o aulino Net ngola, P asil em A embaixador do Br , nos faz ir as , enlaça nossas cultur o em c emos muit os e t omos muit ECO DE ANGOLA NAVEGAÇÕES 3 Pág. DOS DIREITOS EITURA MUNDIAL o da t ec om apoio dir ) c eu de 26 a 28 de r or a (FESTLAB), que dec esta a da F tur , na aber o mou o , afir mãos , nos faz ir omum. A língua nos une o em c NAVEGAÇÕES Pág.16 ta a música, a pala monia que jun har vr -lhe a pala ta-se epois jun D olv v menina que passa e en eimosia das ondas do mar a t essiv suc itmo do tambor ou dos passos do dançar z, do r o música da v tar gun emos por per omec C . o t a e o can vr ta a música, a pala onjugar enha c é que tudo v t a a vr aça do seu passar r e o mundo na g olv en , dos golpes de v das do mar r, itmo do tambor ou dos passos do dançar e uma canção? Nasc omo é que nasc : c tar -se numa onjugar . aça do seu passar o da , do balanç o t en , da ino itmo do tambor ou dos passos do dançar e da e uma canção? Nasc HUMANOS e discussão subsequen em numa L tar jun indivíduos in meios de c , esc políticas odas as instituiç t a de B tur a er Lit al I estiv O F HUMANOS e da t e discussão subsequen undial a M eitur em numa L , a se essados er t indivíduos in omunicação e meios de c , ersidades , univ olas , esc ais e ões cultur odas as instituiç onclama lim c er a de B nacional de er t n al I os e liber eit dir olv v desen pelo ensino e pela educação e no espír t men sociedade indivíduos e t Humanos ação Univ eclar D e discussão subsequen . dades os e liber o desses espeit er o r olv , por pelo ensino e pela educação em, c or , se esf fo o it e no espír - e t onstan -a c endo , t sociedade gãos da odos os ór indivíduos e t odos os , a fim de que t Humanos os eit ersal de Dir ação Univ e da t e discussão subsequen PORTUGUESA CONTRA A DOMINAÇÃO NGOLA KIL PORTUGUESA CONTRA A DOMINAÇÃO WAN GOLA KIL LW CONTRA A DOMINAÇÃO WANJI 6 a 19 de Junho de 2017 | Nº 136 | Ano VI Director: José Luís Mendonça Kz 50,00

Cultura - AICL Colóquios da Lusofonia · embaixador do Brasil em Angola, Paulino Neto, na abertura da Festa Literária Luso-afro-brasileira (FESTLAB), que decorreu de 26 a 28 de

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CulturaCulturaJornal Angolano de Artes e Letras

NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVO

FESTA LITERÁRIA LUSO-AFRO-BRASILEIRA

DIÁLOGO INTERCULTURAL

MEMÓRIA

Págs.13 a 15

NGOLA KILWANJI CONTRA A DOMINAÇÃO PORTUGUESA

LEITURA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS

-

Pág.2Pág.5

Comecemos por perguntar: como é que nasce uma canção? Nasce da música da voz, do ritmo do tambor ou dos passos do dançarino, da sucessiva teimosia das ondas do mar, dos golpes de vento, do balanço da menina que passa e envolve o mundo na graça do seu passar.Depois junta-se-lhe a palavra até que tudo venha conjugar-se numa harmonia que junta a música, a palavra e o canto.

O Festival Internacional de Literatura de Berlim conclama todas as instituições culturais e políticas, escolas, universidades, meios de comunicação e indivíduos interessados, a se juntarem numa Leitura Mundial e discussão subsequente da Declaração Universal de Direitos Humanos, a �m de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constante-mente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades.

“Como se sabe, a língua portuguesa é falada por cerca de 270 milhões de pessoas. Somos muitos e temos muito em comum. A língua nos une historicamente, enlaça nossas culturas, nos faz irmãos”, a�rmou o embaixador do Brasil em Angola, Paulino Neto, na abertura da Festa Literária Luso-afro-brasileira (FESTLAB), que decorreu de 26 a 28 de Maio, no Centro Cultural Brasil-Angola (CCBA) com apoio directo da TAAG.

LETRAS

ECO DE ANGOLA Pág.16

NAVEGAÇÕESPág. 3

MEMÓRIA Pág.2

LETRAS 5Pág.

TCHIZO, 16 GIKA, OU O

6 DE JUNHO O ABSURDO

O DE 1975 O DA HISTÓ

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NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVODIÁLOGO INTERCULTURAL

NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVODIÁLOGO INTERCULTURAL Págs.13 a 15

NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVO

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PORTUGUESACONTRA A DOMINAÇÃO NGOLA KIL

PORTUGUESACONTRA A DOMINAÇÃO

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6 a 19 de Junho de 2017 |Nº 136 |Ano VI • Director: José Luís Mendonça • Kz 50,00

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2 | MEMÓRIA 6 a 19 de Junho de 2017 | Cultura

Propriedade

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CulturaJornal Angolano de Artes e LetrasUm jornal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento

Nº 136/Ano VI/ 6 a 19 de Junho de 2017E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL

Director e Editor-chefe:José Luís MendonçaEditor:Adriano de MeloSecretária:Ilda RosaAssistente Editorial:Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia:Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação:Jorge de SousaAlberto Bumba Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:

Angola: Francisco Lopes ”Lumbu”, Mário Pereira, VítorBurity da Silva

Brasil: Percival Puggina, Roberto Leal, Rubens Pereirados Santos

Portugal: José Fanha

Normas editoriais

O jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicos e re-censões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devem ser originais.Todos os autores que apresentarem os seus artigos para publicação aojornal Cultura assumem o compromisso de não apresentar esses mesmosartigos a outros órgãos. Após análise do Conselho Editorial, as contribui-ções serão avaliadas e, em caso de não publicação, os pareceres serãocomunicados aos autores.

Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ou gráficos jápublicados, são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman, corpo 12,e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficos e figuras devem,ainda, ser enviados no formato em que foram elaborados e também numficheiro separado.

Conselho de Administração

António José Ribeiro

(presidente)

Administradores Executivos

Victor Manuel Branco Silva Carvalho

Eduardo João Francisco Minvu

Mateus Francisco João dos Santos Júnior

Catarina Vieira Dias da Cunha

António Ferreira Gonçalves

Carlos Alberto da Costa Faro Molares D’Abril

Administradores Não Executivos

Olímpio de Sousa e Silva

Engrácia Manuela Francisco Bernardo

TCHIZO, 16 DE JUNHO DE 1975GIKA

OU O ABSURDO DA HISTÓRIA JOSÉ LUÍS MENDONÇAO morro do Tchizo, em Cabinda, conserva a memória da última batalha de um jovemindependentista angolano, que ficou gravado na história da luta de libertação com o no-me de Comandante Gika.Na verdade, foi a 16 de Junho de 1975, que Gilberto Teixeira da Silva sentiu o coraçãotrespassado por estilhaços de um obus de B10, lançado pela tropa da FNLA contra a po-sição em que se encontrava o então membro do Comité Central do Movimento Popularde Libertação de Angola (MPLA), Comissário Político do Estado-Maior e membro doConselho Supremo da Defesa.A morte de Gika e a morte de muitos angolanos após a assinatura, em 1974, do cessar-fogo entre a potência colonizadora e os movimentos de libertação representa o maiorabsurdo da História de Angola. O Comandante Gika partira do Lubango, onde frequen-tava o liceu, para ir estudar em Coimbra Portugal, em 1960. Abandonou os estudosquando frequentava o segundo ano da universidade e viaja clandestinamente para omaquis em 1962. O objectivo era lutar pela independência da sua pátria. Como todos osque já lá estavam e os que mais tarde se lhes vieram juntar. Não adianta estar aqui e agora a trazer para a mesa do debate todos os interesses eforças conjunturais envolvidos na configuração do destino de todos esses revolucioná-rios no exílio. Um relato histórico mais alargado incluiria os ditames expansionistas daGuerra Fria. E as sequelas da descolonização feita sem a voz dos autóctones.O que chama a atenção do observador dos nossos dias, mais de quatro décadas após oeclodir da guerra pós-colonial, é esse absurdo histórico, em que os angolanos se digla-diam entre si e os heróis que sobrevieram à PIDE, ao poderoso exército colonial e àsprecárias condições da guerrilha, viriam a cair nas cidades libertadas, nas florestas apa-ziguadas, sobre as ondas dos rios transparentes. E a resposta nem sempre é a mesma, mas é semprte a mesma, desde há milénios: ohomem, é ele próprio, o maior absurdo da História Universal.

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ORei NgolaKilwanji dotado deum espírito indomável e deum carácter muito consisten-te, Kilwanji era génio militar nato.Venceu o seu maior inimigo, PauloDias de Novais num ataque de um co-mando seu a 6 de Maio de 1589, estefacto levou-o à formação da PrimeiraColigação dos Estados do Kwanza.Os primeiros portugueses a chegaroficialmente ao Reino do Ndongo fo-ram Baltazar de Castro e Manuel Pa-checo, em 1520. Queriam comprar es-cravos e saber onde se encontravamas minas de prata de Kambambe, noReino. Mas NgolaKilwanji não gostounada das pretensões dos portuguesesno seu reino, nem da maneira comoeles abordaram o problema ao Rei. Porisso Manuel Pacheco foi logo morto eBaltazar de Castro reduzido a escratu-ra durante seis anos (1520-1526), sófoi libertado graças ao pedido de D.Afonso I Rei do Kongo que tinha boasrelações com o Rei do Ndongo. Chega-do à Lisboa, Baltazar de Castro infor-mou o seu Rei de que as famosas mi-nas de prata se encontravam em Kam-bambe. Por isso, no reinado de D. Se-bastião, os portugueses escolheramPaulo Dias de Novais para continuarcom as pesquisas das minas de prata,tendo chegado pela primeira vez aoNdongo, em 1560.1. O INICIO DA AGRESSÃO ARMADA E A RESISTÊNCIA DE NGOLA KILWANJIAs autoridades portugueses co-mandadas por Paulo Dias de Novais aoestabelecerem a ordem social, militare eclesiástica em Luanda entre os dis-

persos e anárquicos núcleos de colo-nos que se encontravam no Ndongo,para estender mais a sua base de ope-rações militares e criar a futura socie-dade civil, nos fins de 1577, PauloDias de Novais, a fim de estar ao cor-rente de tudo o que passava na cortedo Ndongo, nomeou Pedro da Fonse-ca como seu delegado residente per-manente em Pungu-a-Ndongo, juntode NgolaKilwanji.Muitos mercados portugueses es-palharam-se logo estrategicamentepelas terras do Reino do Ndongo a ne-gociar livremente e até a praticarem otráfico de escravos secretamente, le-vando os escravos para São Tome, Bra-sil, Cabo Verde, e até Portugal (Cavaz-zi, I,II, 1965). Quando NgolaKilwanjitomou conhecimento do que se passa-va, não acreditou.1.1. OS PRIMEIROS COMBATES O Rei do Kongo, D. Álvaro, que tinharecebido também muitos portuguesescompanheiros da expedição de No-vais, soube das verdadeiras intençõesescondidas que este trazia. Por isso D.Álvaro enviou emissários secretos ,entre os quais o próprio portuguêsque lhe revelou o segredo, para esteconvencer NgolaKilwanji de que osverdadeiros intuitos de Novais nãoeram de amizade, mas sim os de con-quistar-lhe as terras e reduzir o rei e asua gente a escravatura(A.Brasio IV,572, 132). Em face disso, em 1579, aconselho dos maiorais do reino e che-fes de guerra, NgolaKilwanji mandouchacinar todos os portugueses resi-dentes em Angola, incluindo o próprioPedro da Fonseca, que representava

Novais em Pungu-a-Ndongo.Quando Paulo Dias de Novais queesteva em Kalumbo recebeu a notíciado massacre, avançou imediatamentepara o interior do Ndongo até Nzele,onde tinha construido já um forte mi-litar. As populações de Kissama ciosasde sua independência e liberdade ten-taram travar o avanço de Novais, masnão o conseguiram porque lutavamdispersos, desorganizados e as suaseram mais fracas (Hist. De Angola,1965, 61). NgolaKilwanji, porém, ven-do que o exercito português era maisdo que o seu, resolveu chegar a umacordo com os chefes de Kissama atéque formaram um exercito nacionalis-ta angolano de resistência contra osinvasores portugueses, de que Kil-wanji tomou o comando. Os primeirosrecontros com os homens de Novaisforam muitos favoráveis aos angola-nos. Um dos generais do Ndongo che-gou mesmo a capturar num dos com-bates, 80 soldados portugueses (Hist.De Angola 1965, 62). Pelo facto de umdos seus generais ter capturado os oi-tenta soldados portugueses, o rei Ngo-laKilwanji concluiu então que os por-tugueses eram homens fracos, atéporque muitos morriam antes mesmode entrarem em combate por causado clima ou talvez do paludismo. Daí adecisão de Kilwanji ter mandado ata-car sem preparação, o forte de Nzeleonde se encontrava o próprio PauloDias de Novais bem entrincheirado-com os seus homens.O recontro deu-se em 1578 e osportugueses tiveram a sua primeiravitóriasobre angolanos devido a suamelhor preparação para o combate eàs peças de artilharia e espingardasque usaram com uma ferocidade ja-mais vista até então pelos angolanos.Durante o combate, o sargento mor deNovais pós imediatamente em práticao plano bem concebido da política de“terra queimada”para aterrorizar edesarmar aldeias inteiras, de angola-nos. Manuel João mandou queimar al-deias inteiras, matando homens, mu-lheres e crianças, semeando o terror atodo o lado entre as populações. MasKilwanji não desarmava e continuoucom a resistência. Mobilizava as popu-lações e resistia como podia às acçõesdo inimigo. É neste ambiente de quasedesespero que se dá a desastrosa re-frega Massangano. 1.2- A BATALHA DE MASSANGANOVendo que não obstante todos auxí-lios que recebia de Filipe I de Espanha,e dos chefes traidores pretos que selhe juntavam com medo, Kilwanjisempre atacava com determinação,Paulo Dias de Novais decidiu ele mes-mo tomar o comando das forças por-tugueses contra o indomável Rei de

Angola. Novais levava consigo alémdas já famosas peças de artilharia e es-pingardas de fogo, manejadas por 100arcabuzeiros brancos e milhares deauxiliares negros ( Galvão, p.43, 1952).A refrega deu-se em Massangano nasmargens do Kwanza. E NgolaKilwanjisofreu a sua maior derrota de sempre,tendo perdido milhares de nacionalis-tas nessa fatídica batalha de massan-gano em 1580. Ali, para comemorar asua primeira grande vitória sobre osangolanos, Paulo Dias de Novais fezconstruir a famosa fortaleza de Mas-sangano em 1583. Essa fortalezaconstruída na margem do rio Kwan-za tornou-se com o tempo na maisodiada base de agressão e ocupaçãoportuguesa no reino do Ndongo, poisque onde partiam as subsequentesoperações militares contra a resis-tência dos angolanos, protagonizadapor NgolaKilwanji.2.1- CONSEQUÊNCIAS DA BATALHA DE MASSANGANOEmbriagado pela repentina vitóriade Massangano Novais tratou logo ti-rar dela o maior proveito possível.Aproveitando a moral baixo dos ango-lanos, resultante da derrota recenteque tinham sofrido, Paulo Dias de No-vais organizou outra coluna militarem 1584, a frente da qual saiu de Mas-sangano em campanha contra o sobada Kissama que se tinha revoltadocontra os portugueses. E depois destaoperação fulminante Novais avassa-lou quase metade do reino do Ndongo,tendo chegado até a confluência do rioLucala com o Kwanza , quando final-mente foi travado por NgolaKilwanji-que já se tinha reorganizado outra vez.Entretanto, nas terras ocupadas pe-los portugueses, Novais Caçava todosescravos que queria, até os angolanosque lhe tinha ajudado a combater Kil-wanji na batalha de Massangano eramtambém incluídos. Não foram poupa-dos. Tratados como mercadorias eanimais de carga, os nacionalistas co-meçaram a fugir para o lado de Kil-wanji formou com os nacionalistasque se lhe juntavam um formidávelexército já experimentado, com oqual enfrentou de novo o inimigoportuguês, mostrando a Novais queos angolanos que ele pretendia ven-der e oprimir não eram mercadoriacomo ele os tratava, mas sim, homens

ECO DE ANGOLA | 3Cultura | 6 a 19 de Junho de 2017

FRANCISCO LOPES”LUMBU”

FEITOS DO REI NGOLA KILWANJINA LUTA CONTRA A DOMINAÇÃO PORTUGUESA

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autênticos que podiam combater e de-fender a sua dignidade a sua pátria.3.A CONTRA –OFENSIVA DE NGOLA KILWANJI Depois de organizado e convenien-temente equipado o seu exército, Ngo-laKilwanji tomou a contra-ofensivacontra os portugueses. Assim é que, em1585, reforçado pelo Soba da Humba,Kilwanji voltou a guerra marchandocontra a fortaleza de Massangano ondese encontrava Novais, para destruir opresídio dos portugueses, depois de oter já infiltrado, como covinha a Kil-wanji. Mas Novais resiste. A ferocidadedos combates atinge o seu máximo deintensidade e Kilwanji não desiste .Na encarniçada luta que travava, oprimeiro defensor dos angolanos,NgolaKilwanji, não tinha um minutode descanso. Ao mesmo tempo que re-sistia no campo de batalha, Kilwanjienvia emissários aos reis do Congo,dos Dembos e da Matamba, para o aju-darem na ingente tarefa da resistênciaà agressão (Cadornega III, 1942, 592).Paulo Dias de Novais, porém, nãopodendo chegar a capital do ReinoPungo-a-Ndongo, devido a oposiçãofirme de Kilwanji, virou-se para o Suldonosso país. Mandou um sobrinhoseu com mais uns 50 homens cons-truir um presídio no rio longa, no mor-ro de Benguela Velha, para servir debase das futuras operações militaresem direcção ao interior-centro de An-gola. O povo do Kwanza Sul estavaaterrorizado com as notícias das ac-ções militares que se desenrolavamno norte, tendo sido por isso fácil asubmissão das populações das popu-lações dessa região. Mas NgolaKil-wanji não tirava os olhos sobre os an-golanos, não tomaram mais medidasnenhumas de segurança em terraalheia e acharam que podiam já gozaros seus dividendos. Uns pescavam, eoutros tomavam banho à vontade, co-

mo se estivessem nas praias de Lisboa.Foi assim que um comando secreto doRei NgolaKilwanji os surpreendeu napraia, tendo-os liquidado todos lámesmo na água onde se encontravame arrastado por terra.Paulo Dias de Novais recebeu a no-tícia do ataque dos angolanos commuita surpresa. Pois que já não conta-vam com tanta ousadia, determinaçãoe combatividade da parte de NgolaKil-wanji e sua gente, que Paulo Dias deNovais já supunha derrotados, desilu-didos e mortos para sempre.Para de vingar do massacre de Ben-guela Velha, 1588 o governador PauloDias de Novais começou imediata-mente a preparar um grande exércitopara um contra-ataque de grande en-vergadura e esmagar o vitorioso e ar-rogante chefe da resistência angolanano seu próprio Comando em Pungu–a-Ndongo”, a principal residência doRei e a submissão de outros reis tradi-cionais ou indígenas. NgolaKilwanjitudo lhe chegava ao seu conhecimentopor intermediários e espiões que esta-vam penetrados, e seguindo de pertotodos movimentos do Paulo Dias deNovais, seguindo de perto todos movi-mentos de Paulo Dias de Novais.NgolaKuilwanji preparou mais umoutro grupo que à 6 de Maio de 1589,antes que Paulo Dias Novais executas-se a sua acção, foi atacado e morto nu-ma emboscada mesmo perto da suafortaleza de Massangano.CONCLUSÃONgolaKilwanji foi um grande herói eo primeiro chefe da resistência ango-lana. Combateu e venceu sucessiva-mente, Paulo Dias de Novais, Luís Ser-rão, A.Ferreira Pereira, D. Francisco deAlmeida, D. Jerónimo de Almeida eJoão Furtado de Mendonça. O seu gé-nio político levou-o a mobilização eformação da Primeira Coligação dosEstados do Kwanza de que foi mentore chefe máximo. Por várias vicissitu-des historicas, porém, desfez-se a coli-gação tendo mesmo assim ele sozinhocontinuado a resistência até que, jácansado e avançado em idade, foi feitoprisioneiro num destes combates pelocapitão português Manuel CerveiraPereira, em 1605, tendo sido levadopara Luanda, onde foi decapitado nafortaliza de São Miguel em 1617. Nen-guém sabe até aqui onde foi sepultadoeste primeiro timoneiro do povo an-golano. Esta é muitas das vezes a sortedos grandes condutores de homens dahistória. NgolaKilwanji teve a mortede um mártir da pátria angolana. Epercorreu uma trajectoria de galhar-dia, de honra e de glória, para todaÁfrica. Kilwanji bateu-se com a digni-dade própria de um herói autênticoque combateu por uma causa justa egrande a causa da liberdade e digni-dade nacional. E como todos os márti-res ilustres, NgolaKilwanji vive e con-tinuará a viver e a iluminar os espíri-tos dos nacionalistas angolanos, pelosseus gloriosos e maravilhosos feitos,cujo trajectória imorredoira nos cora-ções dos verdadeiros angolanos atra-vés dos tempos e da eternidade.

4| ECO DE ANGOLA| 6 a 19 de Junho de 2017 | Cultura

______________________________Francisco Lopes nasceu na Província do Uige em 1968, licenciado em

Historia pelo Instituto Superior de Ciências da Educação( ISCED-LUAN-DA), Mestre em Gestão e Administração Escolar pelo Instituto Superior deCiências Educativas (ISCE-Odivelas- Lisboa). Concluiu recentemente o doutoramento no Instituto Central de Ciên-

cias Pedagógicas ( ICCP- Havana) Republica de Cuba.Professor das cadeiras de Historia de Angola, Historia da Cultura An-

golana e Desenvolvimento Curricular no Instituto Superior PolitécnicoKangonjo de Angola. TELEF. 923430133- 930976630___________________________________

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

- História de Angola – Desde o Descobrimento até a Implantação da República (1482-1910)

- KAMABAYA, Moséis, O Nascimento da Pesonalidade Africana, Editorial Nzila, ColecçãoEnsaio-19, Luanda, Outubro, 2003

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LETRAS | 5Cultura |6 a 19 de Junho de 2017FESTA LITERÁRIA LUSO-AFRO-BRASILEIRA “Como se sabe, a língua portugue-sa é falada por cerca de 270 milhõesde pessoas. Somos muitos e temosmuito em comum. A língua nos unehistoricamente, enlaça nossas cultu-ras, nos faz irmãos.O evento que inauguramos agoraquer, na medida do possível, ajudar aestreitar esses laços em Luanda, jo-gando luz sobre nossas semelhanças,e criando espaços para que possamospensar o futuro de nossa língua co-mum”, afirmou o embaixador do Brasilem Angola, Paulino de Carvalho Neto,na abertura da Festa Literária Luso-afro-brasileira (FESTLAB), que decor-reu de 26 a 28 de Maio, no Centro Cul-tural Brasil-Angola (CCBA) com apoiodirecto da TAAG.O embaixador agradeceu “imensa-mente a presença da Ministra da Cul-tura, Carolina Cerqueira, que nos temapoiado decididamente em nossasactividades aqui no Centro.” A Minis-tra da Cultura proferiu o discursoinaugural do evento. Depois dos discursos de abertura,subiu ao palco um sarau Literário comparticipação dos poetas Alice Sant’An-na, Antonio Carlos Secchin, José LuísMendonça, Mel Duarte, Paulo José Mi-randa e Thomaz Ramalho.No dia 27, levantou-se um debatecom o tema “Unidade na diversidade:língua e literatura como elementos deunião do mundo lusófono”, cujos ora-dores foram o brasileiro António Car-los Sechin e o angolano Carmo Neto,

secretário-geral da União dos Escrito-res Angolana (UEA), com mediação deVera Franco Carvalho.Quatro horas mais tarde, o debategirou em torno do tema “Pessoa napessoa, rosa no Rosa: poesia contem-porânea em língua portuguesa”, comAntónio Carlos Secchin, José Luís Men-donça e Paulo José Miranda, com me-diação de Thomaz Ramalho.No último dia, o público participouno debate sobre o tema “Entre o enga-jamento e o lirismo: literatura africanalusófona em tempos de paz”, com JoséLuís Mendonça e Ungulani ba ka Kho-sa, de Moçambique, moderado porTainã Novaes. Na tarde do mesmo dia,esteve em debate o tema “M de mu-lher: letras e género na literaturacontemporânea em língua portugue-sa”, cujos oradores foram a poetisaAlice Sant’Anna e Mel Duarte, ambasdo Brasil, e Brigitte Caferro, de Ango-la, moderado por Nidia Klein.A festa foi realizada em alusão aoDia Internacional da Língua Portu-guesa, comemorado no dia 6 de Maio.Para a TAAG, o projecto constituiuma mais-valia, por contribuir para aaproximação e o reforço dos laços deamizade entre os dois países, atravésda cultura.A iniciativa serviu ainda para pro-mover a troca de experiência entreartistas dos países participantes doencontro (Angola, Brasil, Portugal eMoçambique).

Adriana Calcanhoto escritora

Thomaz Ramalho, Poeta

Embaixador do Brasil ao lado da ministra Carolina Cerqueira

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6 | LETRAS 6 a 19 de Junho de 2017 | Cultura

Da esquerda para a direita, JL Mendonça, Amosse Mucavele, Lopito Feijóo e Sandra Poulson

Recital de poesia

Lopito a conversa com Mucavele em Alpedrinha

Cartaz

IV FESTIVAL LITERÁRIO DA GARDUNHAO Festival Literário da Gardunha re-gressou, na sua IV edição, entre 16 e21 de Maio. Decorreu no Fundão, Por-tugal, com o tema “Viagem e a ideia defronteira como realidade simbólica”.Cerca de trinta escritores, ensaístase personalidades ligadas à cultura de-bateram o impacto que a fronteira e aviagem tem nas suas obras, bem comoa sua própria experiência da fronteira.O festival continuou a dar primazia àsresidências literárias e artísticas e aoseu trabalho com os alunos das escolasdo concelho. A criação, nesta edição, deum Prémio Escolar permite aproximaros jovens da iniciativa e da literatura.Este ano estiveram presentes escrito-res de cinco países diferentes – Portu-gal, Espanha, Brasil, Angola e Moçam-bique – e o programa incluiu música,teatro, exposições, aulas, tertúlias.Nomes como Lopito Feijóo e JoséLuís Mendonça fizeram parte destaedição onde se debateu o conceito defronteira, geografia, imaginária, poéti-ca. Para além de tertúlias, exposições,teatro, cinema, feira do livro e a 1ª edi-ção de um prémio literário escolar, oFestival Literário da Gardunha assina-la o lançamento de uma garrafa de vi-nho poética, numa parceria entre aA23 Edições e a Quinta dos Termos.

________________________________________LITERATURA NA GARDUNHASANDRA POULSON

A Serra da Gardunha na sua impo-nência de 20 Km de comprimento, 10km de Largura, e 1227 metros de Altitu-de, vibrou fortemente com as vozes daLiteratura Lusófona, no IV Festival Li-terário da Gardunha, que decorreu de16 a 21 de Maio de 2017, no Municípiodo Fundão, no Concelho com o mesmonome, Distrito de Castelo Branco, na re-gião da Beira Baixa, em Portugal, como tema Viagens e o sub tema Fronteirasgeográficas, imaginárias, poéticas.

Angola fez-se representar ao mais al-to nível poético com Lopito Feijó e JoséLuís Mendonça. Por Moçambique esteveAmosse Mucavele, pelo Brasil, AndreaZamorano, pela Espanha Miguel Elias,sendo no total cerca de 35 escritores.

DAR (Distribuir Amor e Riqueza) éuma organização constituída por umgrupo de voluntários que tenta trans-por a fronteira imaginária e ao mesmotempo real, entre as pessoas que sabemler e têm acesso ao livro, e aquelas,principalmente crianças, que sabendoou não ler, sem acesso ao livro. Estuda-dos os locais de passagem da caravana

dos jipes, as necessidades dos destinatá-rios “leitores”, são por nós escolhidos, or-ganizados, classificados e catalogadosos livros e como se de bibliotecas ambu-lantes se tratasse. Deslocamo-nos du-rante dias, por estradas, picadas e cami-nhos, atravessando rios e montanhasaté ao local de acolhimento desses livros.

Somos os intermediários entre os li-vros que nos dão e os que vamos oferecer.

Normalmente doamos os livros nasprovíncias de Angola que não Luanda,às Escolas da Igreja Católica, embora jáo tenhamos feito às instituições comoutras mundividências. São as escolascatólicas que, tendo inserção popular,têm espaços com o mínimo de condi-ções de segurança e instalações paraacolher as doações, assim como pro-porcionam leituras em conjunto.

As doações são em grande medida deportugueses que vivem em Portugal eem Angola e sentem a nossa dificuldadeem ler, por falta de livro.

Foi este o tema por mim desenvolvi-do, na mesa dos representantes angola-nos, mediados pela nobreza de MartaLança, no IV Festival Literário da Gar-dunha, em Portugal.

A vizinha Espanha ultrapassou afronteira do bom, do alto e do sofistica-do com a arte do pintor e poeta MiguelElias que pintou poemas de nove auto-res portugueses que gardunharam, debeleza projectando o seu olhar sobre os

panos anteriormente brancos, dese-nhados e pintados sobre o tema “Passa-porte o Coração”. Não houve coraçãoque não batesse perante tanto engenhoarte e amor.

A inauguração da exposição teve osabor do som da poesia lida pelo poetaJoão Rasteiro.

Se a literatura esteve ao rubro, a gas-tronomia não esteve pior. De entre osmanjares típicos da Gardunha, o quemais gostei foram os pastéis de cereja, eda própria cereja, dura, cor de vinho edoce, tal como as suas gentes.

Como a cultura literária é transver-sal, não pode haver literatura sem mú-sica. Depois do delicioso jantar servidoaos participantes, desfrutamos no Octó-gono do Fundão, de poemas de ChicoBuarque cantados pela voz límpida deCristina Branco e musicados pelos de-dos leves, destros e compridos do pianis-ta Mário Laginha e sua banda.

Aqui ficam os meus sinceros agrade-cimentos à organização do Festival napessoa da Senhora Dona Alcina Cerdei-ra, Vereadora da Cultura da CâmaraMunicipal do Fundão, à Directora doEvento, Margarida Gil dos Reis, quedestramente cumpriu o programa e àSenhora Dona Marta Correia pela cele-ridade na resolução de entraves.

Nga sakidila – Muito obrigada. Lisboa, 25 de Maio de 2017

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LETRAS | 7MAIAKÓVSVSKI E OS POETAS

AFRICANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA Os estudos comparatistas per-mitem-nos confrontar obrasde autores tão díspares notempo e no espaço, desde que apre-sentem, pelo menos, um ponto co-mum. Os pontos convergentes são im-portantes, contudo não são funda-mentais para um trabalho comparati-vo. Estamos desenvolvendo uma pes-quisa sobre as relações das literaturasafricanas com a literatura russa, utili-zando um material novo e buscandooutros caminhos que apontem para aefetiva ligação entre autores africanosde língua portuguesa e autores rus-sos. Já apresentamos, em dois mo-mentos, o encontro literário entreGorki e o angolano Luandino Vieira.Ressalte-se que esta relação foi con-firmada pelo próprio angolano numencontro realizado na cidade do Por-to, em novembro de 2014. Quandoanalisamos os contos “Vovô Arkhip eLionka”, de Gorki e “Vavó Xixi e seuneto Zeca Santos”, Luandino disse-nos que, durante a nossa exposição,lembrou-se que havia lido o contorusso nos seus 14 ou quinze anos emLuanda. Gorki para ele sempre foiuma referência importante.Com o desenvolvimento de nossaspesquisas, percebemos que a poesiarussa também esteve presente nosmeios literários angolanos. Notamosque foi muito forte a presença dePuchkin, Boris Pasternak e de Maia-kóviski, este último tendo uma impor-tância decisiva na produção poéticada chamada “Novíssima Geração” an-golana. Foi durante o evento comemo-rativo ao cinquentenário de Luuandae a Luandino Vieira que tivemos con-tato com o poeta angolano José LuísMendonça. Foi também ali que con-versamos sobre poesia, sobre os poe-tas e suas leituras. Revelou-nos umentusiasta leitor de Maiakovski, di-zendo de sua preferência ao poema “Anuvem de calças”. Este foi o primeiropasso e, a partir daí, fomos verificarque, de fato, Mendonça tinha umapredileção pelo poeta russo. Numaentrevista dada a Laura Padilha(2010) declarou-se leitor de Pessoa,Whitman e Maiakóvski, acrescentan-do “Maiakóvski marcou-me muito”. O poeta nasceu no ano de 1955, noGolungo Alto, província de KuanzaNorte. Jornalista, começou a publicarmuito cedo em diversos periódicosangolanos e portugueses, com desta-que para o Jornal de Letras, Artes eIdeias. Membro da União de Escrito-res Angolanos, desde 1984. Publicouos livros de poesia Chuva novembrina(1981), Gíria de cacimbo (1987), Res-pirar as mãos na pedra (1991), Loga-ríntimos da alma – Poemas de amor(1998). Em 2010, publicou o livroPoesia manuscrita pelos hipocampos

e recentemente (2013) publicou o ro-mance No reino das casuarinas. Men-donça tem plena consciência do seufazer poético: sabe que foi o introdu-tor de um trabalho estético mais apro-fundado (preocupação da estética doverso; o poeta como artesão). O seuobjetivo central é “mostrar a belezaafro-angolana”. Diz que sua poesia,apesar de ser apontada por críticos,como ideológica, com forte carga so-cial - para ele era fundamental o tra-balho com o verso, “até lhe fazer sair agema do brilho solar íntimo, mesmoquando trato da questão social”.Daí entender-se a sua simpatia porMaiakóvski. O russo construía versosque uniam forma e conteúdo, formarevolucionária com um conteúdo derenovação social. (Campos et all,1968) Os atritos constantes de Maia-kovski com aqueles que “pretendiamreduzir a poesia a fórmulas simplis-tas”. Maiakovski não aceitava posi-ções de “burocratas do verso”, achava– inclusive – que os leitores de poesiatinham perfeitas condições de enten-der um verso mais trabalhado, nãohavia porque simplificá-lo.Vejamos, por exemplo, o poema Ba-lalaika, cuja construção é bem maia-kovskiana:Balalaica (como um balido abalaa balada do bailede gala)(com um balido abala)abala (com balido)(a gala do baile)louca a balalaica A tradução do poeta Augusto deCampos aproxima-se muito da cons-trução de Maiakóvski, como se podeobservar na transliteração do poema:Balalaica(budto laiem oborvalascripki balalaica)(s laiem oborvala)oborvala (s laiem)(laíki bala)láicu balalaica(1913)A repetição dos fonemas l e b (bala-laica, budto, laiem, oborvala, bala), va-mos encontrar também na recriaçãode Augusto de Campos (balalaica, ba-lido, abala, balada, baile). Há tambéma presença do fonema c (laica, louca),e a repetição desses fonemas dão umamusicalidade importante. Vê-se que opoeta trabalhou os versos de forma

“artesanal”, intentando uma unicida-de e uma harmonia ao poema. A formade construir versos de Maiakóvskirepercutiu em todos os continentes.É muito conhecido o seu “Como fa-zer versos”, e as relações que exis-tem entre o russo e o angolano pas-sam pelas leituras dos poemas e doseu trabalho teórico. Contrariandoos burocratas teóricos, Maiakóvskiafirmava que o gosto pode e deve sereducado. A exigência de transparên-cia do texto não significa a “simplifi-cação do texto”. A comunicação exi-ge, de fato, uma clareza, mas tal cla-reza, não pode ser simplista.Se pensarmos nas construções dosversos de Mendonça, veremos que eleconsidera que seus versos se apresen-tam como “imagens cinematográficas: “o meu verso é uma câmera de fil-mar e de fotografar nas mãos de umanjo que me persegue por todos os la-dos. Eu estou constantemente a serfilmado e o meu cérebro, as minhasideias também...minha mente é umterritório habitado por personagensinverossímeis e flores mágicas, o anjo

fílmico está dentro de mim e filma-meatravés do coração” (2010, p. 202)O leitor pode pensar que o poetaestá utilizando de metáforas para di-zer que os seus versos são visuais,aproximando-se da composição cine-matográfica, os seus olhos são a câ-mera que vê o externo e o interior efazem um amálgama de tudo. As suasimagens comprovam isso. Também émuito importante a relação que Men-donça faz da poesia com a música,com a dança e com a pintura. O poema“A rubra lágrima do Congo” é um bomexemplo dessa posição:

RUBENS PEREIRA DOS SANTOS

Cultura | 6 a 19 de Junho de 2017

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8 | LETRAS

A Rubra lágrima do Congo(óleo sobre tela)Entre mandíbulas de cobre o soldespontade crepúsculo na mão e vozes depalmeirasno sexo aberto Um vapor electriza o milimétrico sintoma de perdidospassos de estação Eu crocodiloo espanto descalço que ladrilhao francófono azulejo da manhãDe quarentenas na mão um negrodeus atravessa a rubra lágrima doCongo.Há uma descrição poética de umquadro. A pintura serve de objeto parao fazer poético de Mendonça. As ima-gens ressaltam a pintura: “o sol des-pontando entre as mandíbulas de co-bre”, as “vozes das palmeiras” e o sur-gir de um “deus negro” atravessando“a rubra lágrima do Congo”. O encon-tro da pintura com a poesia, um encon-tro feliz, pois possibilita uma série deimagens que dão ao leitor um prazerduplo: a apreciação do quadro e sua re-presentação poética. Aliás, este encon-tro entre poesia e pintura é destacadopor Bosi (2000) em O ser e o tempo dapoesia: “...o verso livre e o poema polir-rítmico são formações artísticas reno-vadas. Isto é, novas e antigas. Seguindotrilhas da música e da pintura, a poesiamoderna também reinventou modosarcaicos ou primitivos de expressão. Omóvel de todos é o mesmo: a liberdade.” (Bosi, 2000, p.90)Maiakóvski foi um dos poetas quereinventaram os modos de expressão,os versos livres e a liberdade na dura-ção dos versos e na construção das es-trofes deram um novo vigor ao fazerpoético. O elemento visual dinâmico, overso livre o poema polirrítmico estãopresentes nos poemas do angolanoJosé Luís Mendonça, que também bus-ca uma importante relação com a mú-sica. Como no poema de Maiakóvski“Balalaica”, Mendonça trabalha osseus versos na busca pela liberdadecriadora e o seguinte poema de Men-donça também parece indicar isso:Os mortos não dormemOs mortos não dormem são quis-sanjes*de profundos teclados em repousoAtravessam levemente o rioda eternidade e a sua voz levita e é omaximbombo** de um certo munhungo*** extrater-restreDiscam os signos da noitenas grandes mansões em que so-nhamosOs mortos não dormem caminham connosco vivendo a vida que esque-cemos. Bosi acrescenta ainda que o precur-sor da nova visão, do novo fazer poéti-co foi o poeta norte americano WaltWhitman que criou “o verso livre quese desdobra em períodos longos e es-praiados.” (Bosi, 2000, p.90) Whitman

tem uma particularidade que coincidecom Mendonça: os versos dele pos-suem uma relação com o versículo bí-blico. Mendonça – na entrevista dada aLaura Padilha, afirma que as leiturasde sua infância auxiliaram-no a buscara palavra poética como seu objeto detrabalho e a bíblia foi uma dessas lei-turas. Chega a dizer com certo ar demistério: “Era uma bíblia ilustrada,própria para crianças que alguém “es-queceu” na minha casa, pessoa estaque até hoje não sei quem é, mas queme fez muito bem à alma e me deu umespírito de sonhador exuberante e fes-tivo”. Acreditamos que foi por esta ra-zão que o angolano colocou Whitmancomo uma das suas leituras. Bosi citamais três poetas que buscaram a liber-dade na construção dos versos, o bra-sileiro Manuel Bandeira, o italiano Un-garetti e Maiakovski, poetas que “rea-tualizaram a sintaxe oral a que deramum novo travo de sinceridade pungen-te ou irônica”. (Bosi, 2000, p. 93)De Maiakóvski, Bosi apresenta opoema “A plenos pulmões”Meu verso chegaránão como a setalírico-amável,que persegue a caça.Nem comoao numismataa moeda gasta,nem como a luz das estrelas decrépitas.Meu versocom laborrompe a mole dos anos,e assomaa olho nu,palpável,brutocomo a nossos dias chega o aquedutolevantado por escravos romanos. O poeta, como um operário da pala-vra, trabalha e retrabalha os versos eeles têm a durabilidade de uma arqui-tetura romana. Trata-se da reafirma-ção maiakovskiana de que a lingua-gem poética deveria ser aquela esco-lhida pelo poeta, ele deveria ter a li-berdade de compor os seus versos deacordo com sua vontade criativa. A li-berdade na construção do poema dáao poeta a consciência de que seu ver-so é transformador. Para o poeta Maia-kovski, o verso tinha um objetivo defi-nido, o objetivo de alcançar a cons-ciência do leitor, fazendo-o refletir so-bre a condição humana. Os versos fi-nais de “A plenos pulmões” dão a me-dida exata do quanto Maiakóvski valo-rizava o trabalho poéticoOs versos para mimnão deram rublos, nem mobíliasde madeiras caras.Uma camisalavada e seca,e, basta, -para mim é tudo.Ao Comitê Central

do futuro ofuscante,sobre a maltados vatesvelhacos e falsários,apresentoem lugar do registro partidáriotodos os cem tomosdos meus livros militantes. dezembro, 1929/janeiro, 1930(tradução de Haroldo de Campos)Para Maiakovski, a sua militância es-tava no trabalho artístico. Estava ao la-do do povo trabalhador por sentir-seum trabalhador, sua adesão à revoluçãofoi imediata. Versos firmes e cortantes,em que as “Estrofes estacam/chumbo-severas,/prontas para o triunfo/ou pa-ra a morte (p.179) “A plenos pulmões”instiga e fustiga, parodiando Bosi, po-demos dizer que os versos de Maia-kovski apresentam uma “inquietanteforça poética”.José Luís Mendonça também explo-ra, com maestria, as imagens forma-das por vocábulos ligados, como asque se encontram no poema “A som-bra da palmeira e o círculo de fogo”Mulher alta como a sombra da pal-meira.Mulher negra como o círculo do fogo.Calumba que um dia foste

libanga dos meus sonhos.Teu seio de pássaro inorgânicoainda constrói nos meus dentesum micro- clima de afectosuma geografia de batuquesna insfrastrutura de um rio.E mesmo agora ainda separasno litoral de meu versoa luz da tarde a luz verde do mar e aluzvertical das palavras que nunca dis-semosTomo entre as mãos ávidas de sanguea kalashnikov dos teus lábios: crian-ças magras como tintasdiluem a minha imagem inderrogávelsobre cartão reciclado croquis ini-ciando um grafitona memória cinegética da tua pele.Assim desembocas o rácio do poema:têmpera assimilada pelos bacilosmais íntimos da chuva continenteinvertebradoovo pisado do vento agregando oportfoliodos nossos corpos mais sujos que oconceito azul de terra.Mulher alta como a sombra da pal-meira.

6 a 19 de Junho de 2017 | Cultura

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LETRAS | 9Mulher negra como o círculo de fogo.O poema todo é carregado de ima-gens fortes, muito particulares. Quan-do Mendonça disse que objetiva, ao fa-zer os seus versos, apresentar a belezaafroangolana, parece-nos que já tinhaem mente este poema. A musa de “seiode pássaro inorgânico”, a construçãode um “micro-clima de afectos” e deuma “geografia de batuques”. É a Áfri-ca simbolizada pelos elementos da na-tureza. Percebemos referências à Rus-sia quando o eu-lírico se refere à ka-lashnikov (arma de fabricação soviéti-ca): “Tomo entre as mãos ávidas desangue/ a kalashnikov dos teus lá-bios...”. É a musa ardente, a “libanga”,aquela que traz sonhos alucinantes.Também quando fala no “conceitoazul de terra”, referência à célebre fra-se de Gagarin “A terra é azul”. A produ-ção poética se aproxima da poética deMaiakovski pela construção e pelo po-sicionamento sobre a importância doverso e a posição do autor como arte-são e como crítico da sociedade. ComoMaiakovski, os versos do angolano sãoversos de um militante que tem como“carteira partidária” os versos quecompôs, como é o caso do “Subpoema” Subsaarianos somossujeitos subentendidossubespécies do submundoSubalimentados somossurtos de subepidemiassumariamente submortosde subdotar somossubdesenvolvidos assuntos de um sol subservienteA visão que o poeta apresenta, mos-tra uma Angola subdesenvolvida. Nãosó como são vistos pelos estrangeiros,mas também como se sentem, relega-dos e isolados. Importante notar que opoeta utilizou vocábulos (na suamaioria) com o fonema s. A visão ne-gativa é caracterizada pelo prefixo sub(subespécies, subalimentados, sub-mortos, subdotar, subdesenvolvidos,subserviente). Há uma evidente me-lancolia nestes versos, não há expecta-tiva de nenhuma mudança de situaçãoonde até o sol é “subserviente”. Sobreo poema e sobre o poeta a santomenseInocência Mata diz:“...palavras constroem imagens vi-suais, sonoras, olfactivas, tácteis, mastambém mentais, que convergem parao vivido, para a realidade a que elas sereportam...E esse universo africano eangolano é feito de corações noctur-nos, corações calafetados, náufragos,nómadas, mortos que não conseguemdormir, rugidos da África ferida, fome.Tudo aquilo que o poeta designa como"”subespécies do submundo””. A natureza, os homens, as mulhe-res, enfim os mais variados aspectosdo cotidiano são motivos poéticos pa-ra Maiakovski e para Mendonça, con-forme veremos nos poemas abaixo:De Rua

Barracas – entre imagens gastas,Bandejas sangram framboesas.Num arenque lunar se arrastaSobre mim uma letra acesa.Cravo as estacas dos meus passos,O tamborim das ruas sente.Lentamente os bondes-cansaçosCruzam as lanças fluorescentes.Alçando à mão o olho arisco,A praça oblíqua põe-se a salvo.O céu esgazeia ao gás alvoO olhar sem ver do basilisco. 1913(tradução de Augusto de Campos eBoris Schnaiderman)Poesia verde

No meio do caminho nunca houveuma só pedraAs pedras nascem na boca e a boca éo seu caminhoDas pedras que comemos as cida-des ainda falam Pelos cotovelos da noite Não erampedras eram pedrascom cabeça tronco e sexo Pariramfábricasde pedras montadas sobre a línguaE as pedras comerama pedra que restou no meio do caminhoA princípio, os dois poemas apre-sentam uma estranheza própria detextos cujas imagens são insólitas. EmMaiakovski, “as bandejas sangram

framboesas”; em Mendonça, “As pe-dras nascem na boca e a boca é o meucaminho”. Imagens estranhas, com-plexas. Contudo, uma leitura maisatenta e reflexiva leva o leitor que osdois poetas tratam de questões rela-cionadas à cidade; no caso do poetarusso, a cidade fervilhante, dinâmica,mantendo o segredo de cada cidadãonum vai e vem frenético “...os bondescansaços” cruzando “as lanças fluo-rescentes”. O poeta angolano, home-nageia Carlos Drummond de Andradeno “poema verde”, entretanto, longedas pedras serem pedras, elas sãomuito mais que isso, são “pedras comcabeça tronco e sexo”, há também co-mo no poema de Maiakovski a perso-nificação dos objetos “a praça oblíquapõe-se a salvo” “as cidades ainda falampelos cotovelos da noite”.Partindo das observações sobre anatureza (todos nós vemos nos céusas nuvens que se formam parecendoanimais, pessoas) ou observando, porexemplo, o surgimento de um fruto, ospoetas encontram nesses momentosde criação da natureza, elementos pa-ra o seu fazer poético. A seguir, vere-mos um trecho do poema “Uma nu-vem de calças”, poema preferido deMendonça. Escrito em 1915, conside-rado o primeiro longo poema de Maia-kóvski, nele encontramos todas as ca-racterísticas maiakovskianas. O poe-ma é traduzido por Emílio C. Guerra,organizador de uma antologia poéticacomentada do autor russo.(1987)........................................................................Ó delicados!Vós que pousais o amor sobre ter-nos violinosou, grosseiros, que o pousais sobreos metais!Vós outros não podeis fazer como eu,virar-vos pelo avessoe ser todos lábios.Vinde, aprendei!Venha do salão, toda em batista, a funcionária solene da liga angelical.E aquelaque confiantefolheia o livro dos lábioscomo a cozinheira o livro de receitas.Se quiserdesPoderei enlouquecer de carneou então –como um céu cambiando de tons –serei, se quiserdes,impecavelmente delicado.Não serei um homem.Sereiuma nuvem de calças.Não creio que no mundo existaUma Nice plena de florações!De novo tenho que glorificarhomens cansados como um hospitalmulheres tão gastas como um refrão.............................................................1915Este é o fragmento do Prólogo dopoema que fala sobre o amor. Comimagens belíssimas, construídas utili-zando expressões muito particulares

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10| LETRAS 6 a 19 de Junho de 2017 | Culturacomo nos versos seguintes: “Vós ou-tros não podeis fazer como eu,/ virar-vos pelo avesso/ e ser todo lábios”, oumesmo “aquela/ que confiante/fo-lheia o livro dos lábios/ como a cozi-nheira o livro de receitas”. Em nomedo amor, o eu-lírico é capaz de mudar(como as nuvens do céu vão mudandode formas): “serei, se quiserdes,/im-pecavelmente delicado./Não serei umhomem./Serei/uma nuvem de calças.” Podemos fazer a relação de “Umanuvem de calças” com o poema deMendonça “A sombra da palmeira & ocírculo de fogo”, poema que comenta-mos anteriormente. Imagens traba-lhadas e retrabalhadas. Interessante énotar a semelhança de construção nosversos seguintes: “E aquela/que con-fiante/folheia o livro do lábios/como acozinheira o livro de receitas” (“Umanuvem de calças”) e “Tomo entre asmãos ávidas de sangue/a kalashnikovdos teus lábios...” (“A sombra da pal-meira & o círculo de fogo”).Por fim, v. a “Ode à goiaba”, de Men-donça, mais um exemplo de que a poe-sia está em todas as coisas, não há dis-tinção entre o que é e o que não é poéti-co, posição defendida por Maiakovskie acompanhada pelo poeta angolanoGoiabassurgindo como um rio amareloo perfume delasrico de síntesesdas madrugadas encerradasna penugem dos Katetes. E o sol tambémo sol camarada e operáriodoirando a cabeça das árvoresquando os montes alémfecundam as ventaniasno sangue maternal das tardes.Tudo isso é pouco p´ra caber numagoiaba.Falta o sonho da palmada mãono começo de sua estação.Tão naturalmente angolano e tãouniversal! A animalização da naturezaé uma marca da escrita africana. O exis-tir de um fruto por si só já é um conviteao poético, uma forma de exaltar a na-tureza e o seu trabalho para alimentaros seres e “o sol camarada e operário”vai também realizando o seu trabalho.A poesia de Maiakovski serviu demotivação para muitos poetas em to-do o mundo, trouxemos aqui um des-ses poetas. Oriundo de um país africa-no, colonizado durante séculos pelosportugueses, mantendo vínculos comas diversas etnias, nestes locais tam-bém nascem poetas que reformam otrabalho com a palavra, sempre tendoem vista as ligações com poetas de ou-tros países. José Luís Mendonça ao de-clarar-se leitor de Maiakovski, acres-centou que sua poesia deveria ter umaligação com a realidade prática, mastambém que houvesse a presença doimaginário africano. Uma poesia aomesmo tempo local e universal.

Notas• Quissanje: instrumento musi-cal de percussão.• Maximbombo: ônibus.• Munhungo: vida dissoluta.______________ReferênciasBosi, Alfredo. O ser e o tempo dapoesia. São Paulo: Companhia das Le-tras, 2000.Campos, Augusto de, Campos, Ha-roldo de, Schnaiderman, Boris. PoesiaRussa Moderna. Rio de Janeiro: Civili-zação Brasileira, 1968.Maiakóvski, V. Antologia poética.Org. e tradução Emílio C. Guerra. São

Paulo: Max Limonad, 1987.Mendonça, José Luís. Chuva novem-brina. Luanda: INALD, 1981.Mendonça, José Luís. Gíria de ca-cimbo. Luanda: UEA, 1986.Mendonça, José Luís. Respirar asmãos na pedra. Luanda: UEA, 1989.Mendonça, José Luís. Logaríntimosda alma. Luanda: UEA, 1998.Revista do Núcleo de Estudos de Li-teratura Portuguesa e Africana da UFF,vol. 3, num. 5, nov. 2010.________________________________"Rubens Pereira dos Santos, Dou-

tor em Letras (Estudos Comparadosde Literaturas de Língua Portugue-sa) pela Universidade de São Paulo.Professor aposentado de Literatu-

ras Africanas de Língua Portuguesa,Unesp/Campus de Assis, actualmen-te é professor colaborador no Pro-grama de Pós-Graduação em Letras,Unesp/Assis e da Pós-Graduação emLetras Orientais, Literatura Russa,Faculdade de Filosofia Ciências e Le-tras Humanas da Universidade deSão Paulo. Publicou vários artigosem periódicos brasileiros, publicoutambém o livro Tolstói (tradução di-recta do russo de um texto de Máxi-mo Górki), pela Editora Perspectiva,São Paulo e Poetas Românticos Bra-sileiros, pela Editora Scipione, SãoPaulo. Traduziu também o depoi-mento de Dostoiévski à polícia tsa-rista, Revista USP, número 11."

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1.- Mwazanga mwala mala ni ahetu azola kalunga ka menya. 1.- Na ilha há homens e mulheres que amam o mar. 2.- Kuzembe mukwa zanga nda kalunga ka menya kakwambate mwa-

lunga.2.- Não odeies quem é da ilha para que o mar não te leve para a eternidade.3.- Kulumbe ukumbu mwazanga Mbata kwenyoko ukumbu wabeta

kuvula. 3.- Não realce a vaidade na ilha porque é lá que ela abunda. 4.- Kulembwe Kuya mwazanga, kuma kwenyoko akulongesa kuzowa.4.- Não evites de ir a ilha, pois lá ensinam-te a nadar. 5.- Mwazanga usanga dilonga dyezala muzonge ni mbiji yabeta kufula

yezala minya. 5.- Na ilha encontras um prato repleto de caldo com o peixe mais gostosorepleto de espinhas. 6.- Mwazanga mulenge wiza ni kulokosa kwa menya mongwa ma ka-

lunga. 6.- Na ilha o vento vem com o ondular da água salgada do mar. 7.- Mu sambwa ku mbandu ya kalunga mwazanga kwenyoko, athu

azola kuzula okuzola kwa kwoso. 7.- À beira-mar, na ilha, as gentes adoram despir todo o seu amor. 8.- Kuzula mukutu mwazanga, mu sambwa ku mbanji ya kalunga kwe-

nyoko, ki kikuma, kana ngana. 8.- Despir o corpo na ilha, à beira-mar, não é pecado, não senhor. 9.- Mbe wandala kwivila wimbilu wa kalunga ka menya, uya mwazan-

ga mu kaxaxi ka usuku. 9.- Se queres ouvir o canto do mar, vá à ilha à meia-noite. 10.- Dilange mwazanga ni menya a mongwa ku mukutu.10.- Protege-te na ilha com água salgada no corpo. 11.- Dizonde mukwendela mwazanga mbata kwenyoko usanga mwe-

nyu weyimana kya mu kalunga ka menya. 11.- Entusiasma-te quando fores à ilha porque lá encontras a vida apruma-da na água do mar. 12.- Swila ka mbiji ke mwazanga kwenyoko ku uya. 12.- Valoriza o teu peixe lá na ilha onde vais. 13.- Kuzembe mukwenu mwazanga, nda kakusenge mu sanza wa ka-

lunga kwenyoko. 13.- Não odeies alguém na ilha, para que não te desprezem no alto mar. 14.- Zemba una ukufidisa Kuya mwazanga mu usuku. 14.- Odeia quem te impede de ir à ilha de Luanda à noite. 15.- Mbe umona ulungu boso boso, ngixi kuma iyi ulungu watundu

mwazanga. 15.- Se viste uma canoa algures, eu afirmo que esta canoa saiu da ilha. 16.- Kuswilajala mbiji mwazanga kwene kimoxi kudiswala eye mwe-

ne, pangyami. 16.- Valorizares o peixe na ilha equivale a valorizares-te a ti próprio, meu ir-mão. 17.- Kuzange ulungu wa monazanga, nda kakusange ni kisunji kyaku-

lenge.17.- Não danifiques a canoa de um ilhéu, para que não te achem com a almaem fuga. 18.- Kukale mukudinanza kuma wala ni isunji yabeta okuwaba. Nde kya

mwazanga kwenyoko, nda utene kumona isunji ya kidi yolotambula itu-minu ya Kyanda. 18.- Não estejas a gabar-te de que és possuidor dos melhores espíritos. Vá jápara a ilha para que possas ver os verdadeiro espiritos a receberem ordens daKyanda, divindade dos mares.

19.- Malaweza mukutu we woso ni kamuzonge ka mukwazanga mu di-longa dye kya. 19.- Espiritualiza o teu corpo com o caldito de um ilhéu a partir do seu pra-to.

20.- Omunza wa kalunga ka menya utemesa muxima wa akwazangakwenyoko. 20.- O calor da água do mar faz aquecer a alma dos ilhéus.

21.- Okusamba kwa akwazanga ukongesa athu andala kusanjukisamuxima wa woso.21.- A festa dos ilhéus faz unir gente que quer tornar alegre toda a sua alma.

22.- Bulakana, eye wamuya mwazanga, mbata kilunga kya kuya kwe-nyoko, kilunga kya kalunga.

22.- Presta atenção, tu que vais à ilha, porque o ca-minho para lá ir, é o caminho da eternidade.23.- Mbe umona mukwazanga wolotunga mu-

lele wakusuka, kusamba kwaakwazanga kwa-zukama kya. 23.- Se vês um ilheu a coser pano vermelho, é porque a festa da ilha está pró-xima.

24.- Mbe umona akwazanga adikongejeka mukukina, karnavale kyo-lotula we kya.24.- Se vês os ilhéus ajuntarem-se constantemente para dançar, o carnavaljá está a chegar.

25.- Mbe umona mukwazanga wayi mu sanza walembwa kuvutuka,kalunga wamwambata. 25.- Se vês um ilhéu que foi para o alto mar e não conseguiu voltar, a Morte olevou.

26.- Kuzonge muzonge wa mukwazanga, mukonda amuvudisa menya. 26.- Não meças o caldo de um ilhéu, porque fizeram-no possuidor de muitaágua. 27.- Lembwa kuzonga muzonge wa mukwazanga, nda kufwe ni dinyo-

ta mwalunga. 27.- Evita medir o caldo de um ilhéu, para que não morras de sede na eterni-dade. 28.- Kubite mwazanga seku takula hanji Kama ku menya. 28.- Não passes pela ilha sem antes jogares algo para a água. 29.- Dyanga kwijiya kuzowa, nda utene kwendela kyambote mwazan-

ga kwenyoko. 29.- Começa por saberes nadar, para que possas andar bem lá na ilha. 30.- Okuxingila kwa mukwazanga wene wabeta kutowala.30.- O transe de um ilhéu é mais doce. 31.- Kulembwe kulemba kalumba mwazanga, nda kalemba kakulem-

be.31.- Não evites dar o dote à rapariga na ilha, para que a tempestade marinhanão te dê o seu dote. 32.- Omukwazanga kadye mbiji ya wisu, kana: udya ngo mu kifwa kya

mufete ni menya ndungu. 32.- O ilhéu não come peixe cru: come-o em mufete com água e jindungu. 33.- Zola mwazanga, nda akuzole mwalunga kwenyoko. 33.- Ama na ilha, para que te amem na eternidade.

Cultura |6 a 19 de Junho de 2017 LETRAS | 11

MÁRIO PEREIRA

JISABU JA KAKALUNGA PROVÉRBIOS DE KAKALUNGA

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12 | ARTES 6 a 19 de Junho de 2017 | Cultura

“CAIXA ARTES” LANÇA VERNISSAGE “A HISTÓRIA CONTADA ATRAVÉS DA ARTE”O MemorialDr. António AgostinhoNeto (MAAN) acolheu dia11 de Maioa exposição “Performance – A Histó-ria Contada Através da Arte”. A expo-sição foi celebrada através de umavernissage. O banco Caixa Angola ofi-cializa assim, com o lançamento deuma marca própria, “Caixa Artes”, oseu apoio à arte e à cultura angolananum evento que também comemorouo seu 24º aniversário. A exposição contou com 17 peçasdo acervo de obras de arte do CaixaAngola e é uma colectânea de obrascontemporâneas: “do tradicional usode pigmentos por parte de AntónioOle , às fotografias a preto e branco deJosé Pinto, ao desenho antropológicode Mário Tendinha, a exposição per-corre igualmente os ousados resquí-cios de Mampuya”.O ‘Caixa Artes’ pretende contribuirpara o diálogo vivo sobre a históriarecente de Angola que pode ser con-tada através da arte e da interpreta-ção artística. O evento enalteceu aparticipação dos artistas e a excelên-cia da criação artística, criando umaponte entre a pintura e a dança afri-cana contemporânea.

Para o Dr. Francisco Santos Silva, Ad-ministrador Executivo do Caixa Angola,a iniciativa “Caixa Artes” é o compro-misso do Banco Caixa Geral Angola napromoção, criação e divulgação da artee cultura angolana de forma sustentá-vel e agregadora de valor para a socie-dade. O “Caixa Artes” pretende apoiarum espectro multi-disciplinar de mani-festações artísticas que sejam susten-táveis, que celebrem a excelência e quealmejem o resgate e o estímulo do diá-logo e a partilha da história de Angola,ao mesmo tempo impulsionando a ino-vação e a valorização artística.OBRAS EM EXPOSIÇÃO E ARTISTAS1. RenatoFialho - ArtistaPlástico2. Sabby - ArtistaPlástico3. GuilhermeMampuya - Artista-Plástico4. José Silva Pinto – Fotógrafo5. Francisco VAN - ArtistaPlástico6. Délio José - ArtistaPlástico7. Kapuka Ricardo - ArtistaPlástico8. MárioTendinha - ArtistaPlástico9. AntónioOlé - ArtistaPlástico10. Miguel Barros - ArtistaPlástico11. Paulo Kussy - ArtistaPlásticoÒMNIRA

HOMENAGEIA AMÍLCAR CABRALROBERTO LEAL|A UBESC – União Baiana de Escrito-res e a Editora Òmnira lançaram a edi-ção número 13 da Revista de Literatu-ra ÒMNIRA, com 32 páginas, no dia 29de Abril, na Cantina da Lua (Largo doTerreiro de Jesus s/n – Centro Históri-co) Salvador/BAHIA-Brasil. A publica-ção homenageia o líder negro guiné-cabo-verdiano Amílcar Cabral e tem aparticipação de professores, jornalis-tas, escritores e poetas de: Angola,Brasil, Cabo Verde e Guiné Bissau, eilustração de capa do artista plásticomoçambicano João Timane. A publicação faz parte do intercâm-bio literário da UBESC com os PALOP –Países Africanos de Língua Oficial Por-tuguesa, que visa revelar talentos con-temporâneos da Literatura dessespaíses , através da publicação de poe-sias, contos crônicas e matérias queexaltem a literatura africana, seus va-lores, seu folclore e sua cultura.Dentro da programação recital depoesias, apresentação da cantora Ja-

naina Noblah que venceu o concursonacional de RAP em São Paulo e doGrupo de rap C.D.O INMORTALZ quetrabalha com a sua música de protestoe desenhos em grafite pela periferiada cidade do Salvador. Na publicaçãodestaque para os artigos da professo-ra da UESB Zilda de Oliveira Freitas“Identidade nacional e diferenças: re-flexões sobre a Literatura Africana Lu-sófina”que retrata a literatura africa-na em várias nuances, assunto da qualé pesquisadora e do jornalista e editorRoberto Leal “Um líder que o povorealmente não conheceu” falando datrajectória do líder negro Amílcar Ca-bral e trazendo ao leitor um pouco dasua desconhecida poética e o poemafilosófico do poeta e escritor João Bos-co Soares “Enigmaticamente”. Da África nas páginas da revista Òm-nira, temos o jornalista e escritor Is-mael Farinha (Angola) com o texto “OMedo da Verdade”, a jornalista e poeti-sa Aniria Teixeira (Cabo Verde) com opoema “Ei Camarada” dando ênfase aohomenageado da publicação.

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1. Como é que nasce uma canção?Comecemos por perguntar: como éque nasce uma canção? Nasce da músicada voz, do ritmo do tambor ou dos pas-sos do dançarino, da sucessiva teimosiadas ondas do mar, dos golpes de vento,do balanço da menina que passa e en-volve o mundo na graça do seu passar.Depois junta-se-lhe a palavra atéque tudo venha conjugar-se numaharmonia que junta a música, a pala-vra e o canto.Mas pode ser doutra forma que acanção aparece. Pode nascer ao con-trário. Pode nascer da palavra e dopoema. Muitas vezes o poema já con-tém em si uma música da língua, umamúsica do mundo a que só falta mes-mo juntar-lhe o trinado das cordas daguitarra, o assobio da flauta, a respira-ção das percussões.O compositor vai então atrás dessamusicalidade da palavra dita poética,transformando-a em canto. E junta-lheo violino, as marimbas, o cavaquinho, opandeiro, o reco-reco, a concertina, atérebentar a grande festa da canção.E é disso mesmo que falamos quan-do falamos de canções. Dos ritmos emelodias nascidos do trabalho, da fes-ta, do amor.A canção vem da terra, do corpo, docoração, e traça um caminho que nosleva da voz ao pé e do pé à voz. A cançãoé uma festa muito intensa e particular-mente presente em toda a lusofonia. As canções nascidas neste espaço tão

vasto e humano quanto simbólico, re-sultam quer da apropriação e transfor-mação da língua portuguesa quer douso das línguas outras que com o portu-guês se vêm cruzando ao longo da His-tória num diálogo diverso e raro, talvezúnico no mundo em que vivemos.2. Novos ramos de um mesmo troncoA língua portuguesa já é uma meni-na crescida. Fez 800 anos em 2014.800 anos! Há 800 anos foi escrito oprimeiro documento integralmenteem português.Desde esse momento que a poesiafoi a forma mais forte e mais bela-que os portugueses encontrarampara falar de si a si próprios ou aosoutros e para dialogar com a alteri-dade que sempre foi uma grandemarca da sua identidade.Em torno da língua e da poesiaconstruiu-se esta forte e inesperadaidentidade cultural feita de uma vastaquadrícula de influências que come-çaram por ser as do mundo Mediterrâ-nico a que juntaram as do mundo dospovos do Centro e Norte da Europa.Mas esta língua não se ficou por aqui.Partiu pelo mar fora como base da ex-pansão e do processo de colonizaçãodesenvolvido pelos portugueses.Nesse processo colonial a língua foi,sem dúvida, um instrumento de domí-nio. No entanto, inesperadamente, alíngua portuguesa foi apropriada poresses diversos povos colonizados e

tornou-se, primeiro, num instrumentode afirmação de novas identidades, de-pois numa arma comum de resistênciae libertação e, não excluindo as língua-soriginais de cada nação, tornou-se fi-nalmente no suporte de uma imensacomunidade de falantes que é a da Lu-sofonia que promete vir a desempe-nhar um papel de grande futuro nesteconturbado mundo em que vivemos.Oito séculos tem a língua portugue-sa. E ao longo destes séculos foramsurgindo, quase sem intervalo, umaquantidade impressionante de poetasde imensa qualidade. São centenas degrandes poetas que fazem esta ex-traordinária respiração que é a histó-ria da poesia em português. Podemos dizer que a paixão pelapoesia se expandiu dando origem anovas e fantásticas vozes poéticas apartir do séc. XVIII no Brasil e, no séc.XX, em que a poesia portuguesa atin-giu um ponto muito alto em Portugal,tendo-se constituído também comoparte determinante da raiz das poe-sias de Angola, Moçambique, S. Tomé,Guiné-Bissau, Timor ou Cabo Verde. Novos ramos que nasceram de ummesmo velho tronco e que foram in-corporando outros ritmos, outras mu-sicalidades, outras temáticas, outraslínguas e outros falares.3. Uma escrita africanaSe visitarmos a poesia portuguesadesde o período trovadoresco até à ac-tualidade, vamos encontrar temas queatravessam os séculos e que vêm de-saguar quer na poesia contemporâ-nea, quer na canção popular rural ouurbana, como é o caso do fado.Como vimos e sabemos a força dapoesia como factor identitário trans-borda para as antigas colónias africa-nas. E vemos como são quase semprepoetas os autores das primeiras obrasnacionais ou onde se afirma especifi-cidade nacional. Entre finais do séc. XIX e os primei-ros 30 anos do séc. XX, surgem pon-tualmente poetas cuja escrita reflectea procura de temas locais sem que sedesloquem da raiz portuguesa para aconstrução de novas identidades cul-turais. É o caso, em Cabo Verde, de Eu-génio Tavares, autor de poemas e mor-nas, Rui Noronha em Moçambique ouGeraldo Bessa Victor em Angola.Alguns anos depois,em 1936, Ma-nuel Lopes, Baltasar Lopes (tambémcom o pseudónimo de Osvaldo Alcân-tara) e Jorge Barbosa, com evidenteinfluência do neo-realismo brasileiroe também do português, publicam emCavo Verde a revista “Claridade”, quetinha como objetivo procurar afastar

definitivamente os escritores cabo-verdianos do cânone português, pro-curando reflectir a consciência coleti-vacabo-verdiana e chamar a atençãopara elementos da cultura local quehá muito tinham sido sufocados pelocolonialismo português, como é oexemplo da língua crioula.O Movimento Claridoso é uma por-ta que se abre para uma atitude deafirmação e revolta das culturas na-cionais contra o domínio colonial.Nos anos 50, já sob influência dasconquistas do modernismo e afir-mando uma clara identidade africa-na, a poesia ganha nova força em An-gola através da poesia de AgostinhoNeto, António Jacinto e Viriato daCruz entre outros, em Moçambiqueatravés de José Craveirinha, Noémiade Sousa, Rui Nogar, em Cabo Verdeatravés de uma nova geração a quepertencem Luís Romano, ArnaldoFrança, Corsino Fortes, Ovídio Mar-tins e ainda Alda Espírito Santo em S.Tomé, Vasco Cabral na Guiné Bissau eFernando Sylvan em Timor.Na divulgação de uma literatura cla-ramente africana e anti-colonial é im-portante referir o papel fundamentalque teve a Casa dos Estudantes do Im-pério com as suas publicações. Estainstituição que recebia muitos estu-dantes africanos em Lisboa, tornou-sedurante os anos 50 no ninho onde ger-minaram as ideias que deram origemaos movimentos de libertação de An-gola, Moçambique, Guiné-Bissau e Ca-bo Verde e num local onde se consoli-daram parte das elites destes países,nomeadamente muitos dos seus poe-tas e romancistas. 4. Canção e poemaVoltemos à canção e à sua relaçãocom a poesia. Em geral, as institui-ções académicas têm tendência aconsiderar que a poesia cantada éuma poesia menor. Talvez porqueprecisa de ser mais imediata, menoselaborada, porque terá tendência àvulgaridade em oposição à profundi-dade das grandes composições. No entanto, temos grandes poetasda canção. Poetas que escreveram pa-ra a voz, para o passo de dança, para aalma e para o pé do povo. Porque é quetêm de ser considerados menores be-líssimos compositores e poetas popu-lares comoEugénio Tavares, B. Leza,“Liceu” Vieira Dias, Frederico de Britoou mesmo grandes poetas como JoséAfonso ou Chico Buarque de Holanda?Não se chama poesia “lírica” a muitada poesia de Camões e de outros gran-des? E de onde nasce o “lírico” se não

NA PONTA DO PÉ, NA BOCA DO POVO JOSÉ FANHA

DIÁLOGO INTERCULTURAL | 13Cultura | 6 a 19 de Junho de 2017

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14 | DIÁLOGO INTERCULTURAL 6 a 19 de Junho de 2017 | Culturada lira? Há muito quem pense que apoesia ganha voo de asa ao chegar aoouvido do povo no embalo de umacanção pela mão do poeta lírico, ou se-ja, segundo o dicionário, do rimadortroveiro, rapsodo, lirista, trovista, can-tor, aedo, vate, versejador, trovador,poeta, bardo, versificador. Esta separação entre poesia “séria” eletras de canções era uma fronteirainultrapassável até ao dia em que Amá-lia Rodrigues cometeu a “heresia” decantar em fado um soneto de Camões.Ia caindo o Carmo e a Trindade. Unsentendiam que se estava a abastardaro grande lírico português. Outrosachavam que ao deixar-se aproximarda grande literatura o fado perdia asua pureza popular.Esta discussão foi ultrapassada a par-tir da altura em que “desaguaram” no fa-do poetas com a dimensão de Pedro Ho-mem de Mello, Alexandre O’Neill, DavidMourão Ferreira e tantos outros.A história da relação entre canção epoesia é vasta. Nos anos 50/60 a can-ção teve um grande desenvolvimentoatravés de excepcionais compositorese cantores franceses, espanhóis, por-tugueses, brasileiros, chilenos, argen-tinos gregos, italianos.Surgiram grandes poetas da cançãocomo Jacques Brel, Patxi Andion, Cae-tano Veloso, Víctor Jara. E outros tan-tos fantásticos compositores quetrouxeram para a canção poetas com agrandeza de Lorca, Alberti, Góngora,Aragon, Baudellaire, Gedeão, FlorbelaEspanca, Agostinho Neto.5. A canção é uma armaA canção, tornou-se numa arma co-mo diz o cantor e, a partir dos anos 60,partilhou fraternamente o grito alegree intenso de revolta contra o colonia-lismo e contra as ditaduras que man-charam a História de Portugal e Brasil.Coimbra, cidade da Universidade edos estudantes, onde reinava o fado ea balada, revelou-se um dos berços dacanção política. Já nos anos 30 e 40 o neo-realismotinha reunido na cidadeum númeronotável de poetas de grande fôlego, al-guns dos quais, como Luís Betten-court,levaram a poesia às vozes do fa-dos e das baladas, unindo as duasgrandes expressões culturais coim-brãs que são a canção e a poesia.A partir do fado e da balada, ZecaAfonso, Adriano Correia de Oliveira eoutros, vão juntar às toadas tradicio-nais letras e poemas claramente poli-tizados, especialmente bem recebidospelos estudantes que começavam asentir na pele a pressão de uma guerrainjusta para a qual a ditadura os em-purrava sem piedade.A canção junta pessoas e vozes. Acanção fala e faz falar. Grita. Entra nasUniversidades, em muitas igrejas e es-paços paroquiais, em clubes operá-rios. A canção é perseguida e proibida.Autores como Zeca Afonso ou ChicoBuarque de Holanda são presos inú-meras vezes.Presos devido às palavras a arderque nos traziam. Presos pela dignida-

de com que resistiam. Presos pela pa-lavra que insistiam em espalhar.Adriano cantava os poetas. Em pri-meiro lugar Manuel Alegre, e outrosdepois como Manuel da Fonseca , An-tónio Gedeão, Raúl de Carvalho e mui-tos mais. O Zeca cantou menos os poe-tas mas também o fez desde Luís deCamões, Jorge de Sena, Luís Pignatelli,António Quadros, Ary dos Santos, Fer-nando Pessoa ou António Aleixo.Além dos poetas, Zeca escreveumuitas das letras que cantava. Mastambém recolheu toadas, melodias eletras da tradição popular das Beiras,do Alentejo, dos Açores, pondo muitasvezes em destaque o seu profundoapelo à liberdade.Zeca Afonso tomou ainda para si ainfluência da música africana criandocanções que de alguma forma uniramas lutas de um e outro lado do Oceano,tornando claro que a luta dos africa-nos e dos portugueses era a mesma.E pode dizer-se sem perigo de de-magogia que essas canções tambémcontribuem para o traçado do espaçoda lusofonia. No Brasil parece-me importante pôrem destaque o papel desse excepcionalpoeta da canção que é Chico Buarquede Holanda que trouxe a poesia eruditapara um diálogo fecundo com a musicapopular. Basta lembrar-nos de “Morte evida Severina” a partir do texto de JoãoCabral de Melo Neto, da “Ópera do Ma-landro” a partir da “Ópera de Três Vin-téns” de Bertolt Brecht ou da presença

frequente da influências da poesia deCarlos Drummond de Andrade em can-ções como “Até ao Fim”.Entre os cantores africanos há quedestacar Rui Mingas que além de can-tar canções tradicionais, outras decompositores como “Liceu” VieiraDias, Barceló de Carvalho e Teta Lan-do cantou ainda poetas como Agosti-nho Neto, Manuel António, António Ja-cinto, Onésimo Silveira.No que diz respeito à relação entrepoesia e canção há que distinguir ospoetas cuja obra pré-existe à composi-ção musical, poetas a quem os compo-sitores vão buscar o tema e o sentido efazem com que a música reforce e po-pularize esse mesmo sentido. Há ainda os poetas que escrevempara a canção, muitas vezes em con-junto com o compositor naquilo que éseguramente uma criação a 4 mãos. Dois dos maiores serão Vinícius deMorais e José Carlos Ary dos Santos.Todos nós sabemos de cor alguns dosmaravilhosos poemas destes doisgrandes poetas cantados por inúme-ros cantores.Podemos falar igualmente de ou-tros como Vítor Martins poeta de IvanLins, Aldir Blanc de João Bosco , Joa-quim Pessoa de Carlos Mendes6. A depois do Adeus?Aí temos o título de uma bela can-ção de Paulo de Carvalho que foi usadacomo senha para o começo das acções

militares do 25 de Abril de 1974 emPortugal.Um momento maravilhoso queanunciou a chegada da liberdade, ofim do colonialismo, a promessa futu-ra da institucionalização deste espaçoda lusofonia.Por isso, talvez caiba perguntar: e de-pois da liberdade? E depois da indepen-dência, o que é que aconteceu à canção?Terá perdido a força da urgência? Eem troca ganhou o quê? Reduzir-se aoconsumo? Ao embalo da dança? Ao ne-gócio dos telemóveis?Depois de 74 fui acompanhando asnossas canções ao sabor do acaso e dapaixão. Mudaram-se os espaços e a re-lação dos músicos com os públicos.Mudaram as tecnologias. Destruiu-seem grande parte a hierarquização doslocais de fruição. O domínio crescenteda produção musical sobre a criaçãotem dado origem a uma triste unifor-midade daquilo que ouvimos.No entanto, vou guardando paramim uma espécie de antologia pessoalonde vou juntando a memória de mo-mentos únicos que me foram dadosouvir e que, espero, possam ser pon-tos de referência, sinais que do passa-do ou do presente apontem para umfuturo melhor, mais feliz, mais próxi-mo do coração.Lembro-me de um disco notável deJosé Carlos Schwarz da Guiné-Bissaucom Miriam Makeba chamado “Djiu digalinha”. Alguém lhe deu continuida-de? Não sei. Culpa minha talvez.

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DIÁLOGO INTERCULTURAL | 15Cultura| 6 a 19 de Junho de 2017 Cabo Verde é um vulcão imparávelde música boa, de ligação à terra e aopovo, desde os Tubarões, dos Finaçon,da música de Bau, Tito Paris e de tantosoutros caminhos que os músicos deCabo Verde têm vindo a desbravar.E temos a doce e maravilhosa mor-na que, tal como o fado, tem vindo arenascer desde Bana, Cesária e tantosoutros aos mais jovens como NancyVieira, Lura, etc, etc.A fortíssima e tão intensa música deAngola continua a fazer nascer ritmose compositores onde se misturam osritmos africanos de enorme impactocom influências diversas que vêm domundo e ao mundo regressam com oseu brilho e a sua maravilhosa capaci-dade de cantar a nostalgia.Depois de Bonga, Rui Mingas e Fili-pe Mukenga, outros tenho vindo a co-nhecer como Paulo Flores. Mas o quemais fortemente me tem chegado damúsica angolana é a música para dan-çar desde o semba à extraordinária einternacionalizada kizomba.O Brasil é outro vulcão musical on-de dezenas de velhos e novos cantorese autores continuam a debitar muitís-sima música de grande qualidade a

par de outros que, diga-se em abonoda verdade, continuam a insistir nu-ma música básica, meramente comer-cial e sem nenhuma qualidade.No entanto, para atestar como amúsica brasileira está viva e mais queviva basta ouvir “O trono do estudar”,onde Chico Buarque, Zelia Duncan eoutros vários cantores se juntam nummomento excepcional para apoiar osestudantes de S. Paulo que lutam narua pela manutenção do ensino oficial. Em Portugal poderia falar de cami-nhos diversos, Fausto e o seu emocio-nante “Por este rio acima”, Vitorino,Sérgio Godinho, Jorge Palma, Rui Velo-so, Pedro Abrunhosa, os Rio Grande,os Fabulosos Tais Quais e os muitosgrupos de recolha de música tradicio-nal, são braços diversos de um rio queonde nascem permanentemente no-vos caminhos, alguns que irão longe,outros que acabam por morrer antesde chegar à praia. Há ainda que sublinhar o reencon-tro da juventude portuguesa com o fa-do que me parece muitíssimo prome-tedor e que tem feito nascer vozesemocionantes como as de Camané,Marisa, Katia Guerreiro ou Ana Moura.

Sei pouco do que se passa em Mo-çambique. Sei apenas que há um traba-lho consistente sobre a riquíssima tra-dição musical das suas várias etnias. Da nova música da Guiné-Bissau, S.Tomé e Timor sei pouco ou nada.E averdade é que as nossas rádios e tele-visões estão de costas viradas para amúsica da lusofonia, mais perto damúsica internacional pronta a engolirdo que daquela que vem do coraçãodos nossos povos.Sei ainda que em todos os nossospaíses os jovens músicos mostram-semuito influenciáveis pelo rap e pelohip-hop, expressões urbanas, interna-cionalizadas e distantes das raízes docanto da terra, mas que podem de-sempenhar um papel positivo na de-núncia da situação de abandono a quea juventude é muitas vezes deixada.O melhor da nossa música exigeapoio oficial e divulgação mediáticapara conseguir chegar a todos os can-tinhos da lusofonia.Todos nós continuamos a precisarde um espaço que fale cantando ouque cante falando. Um espaço de liber-dade do corpo. Um espaço de diálogocom o passado.

Um espaço onde a canção viaje davoz do povo à ponta do pé.________________________

José Fanha nasceu em Lisboa a 19 deFevereiro de 1951. Licenciado em Ar-quitectura, é guionista para a televisãoe para o cinema, poeta, declamador,contador de histórias, autor de letraspara canções e de histórias para crian-ças, autor de textos para televisão, pararádio e para teatro, é também pintornos tempos livres. No texto autobiográ-fico do seu site, podemos encontrar asua verdadeira dimensão humana epoética que nos revela a sua constanteluta pela liberdade em prol de um mun-do melhor. Poeta de intervenção, fazparte da geração de abril com nomescomo Zeca Afonso, Francisco Fanhais,Manuel Freire, José Jorge Letria e ou-tros) que cantavam, mais às claras oumais às escondidas, para juntar pes-soas e dizer-lhes que era preciso acabarcom a ditadura se queriam ser livres emais felizes, cito.

EMPODERAMENTOMERKEL E MAY FORAM ELEITAS

DILMA FOI EMPODERADA...Ovocábulo "empoderamento" édos mais horrorosos neologis-mos criados pela novilíngua es-querdista. Além de ser uma palavra de-sajeitada, carrega consigo aquela de-sonestidade intelectual que constituitrade mark do esquerdismo articuladoe militante. Sempre que a escrevo, ocorretor automático do word sublinhaem vermelho, asseverando-me quenão existe no nosso vocabulário. Con-tudo, a despeito da informação do di-

cionário, ela entrou em vigência, temvigor e cobra reverências na novilín-gua esquerdista.Há um esquerdismo honesto. Ele éalimentado por exóticas convicções epor uma fé que joga ao mar cordilhei-ras de realidade, montanhas de péssi-mas experiências históricas, mas écredor do respeito que merecem as se-veras convicções de quem as tem. Emcontrapartida, há um esquerdismomilitante profundamente desonesto,que conhece a realidade, fatos e tratosda história, que tem perfeita noção deseus fracassos e limitações, mas semantém laborioso na faina do proseli-tismo, em vista do poder.É o caso de um certo feminismo queusa e abusa do termo empoderamen-to. Antes de qualquer consideraçãosobre essa apropriação parece impor-tante afirmar e reafirmar a dignidadeda mulher, o respeito e o autorrespeitoque a dignidade impõe, especialmen-te, no plano dos direitos naturais. Nãose trata de uma suposta igualdade dossexos, porque isso seria lutar contra asdesigualdades que a natureza provi-denciou, mas da igual dignidade de to-dos os seres humanos, independente-mente das diferenças sexuais (o es-querdismo militante dirá "género").Não se confunda empoderamento

com reconhecimento de direitos. O su-fixo "mento", derivado do latim "men-tum", expressa o resultado de umaação. Empoderamento, então, signifi-ca a obtenção de poder como ápice dealgo que se faz. Ora, salvo circunstân-cias muito particulares, o acesso aopoder independe gestos de boa vonta-de e - menos ainda - de doações volun-tárias. Poder, capacidade de mando, éum natural objecto de disputa. Mulhe-res das quais se diz "empoderadas", navida pública ou no mundo dos negó-cios, alcançaram seus bastiões de co-mando por terem suplantado outros eoutras que visavam a mesma posição.A justiça e a equidade se satisfazemplenamente se quem chegar ao podero houver alcançado de modo legítimo,segundo as regras vigentes. Jamaispor ser homem ou mulher. Exemplifi-cando: a chanceler alemã Angela Mer-kel e a primeira-ministra do ReinoUnido Thereza May chefiam os res-pectivos governos porque conquista-ram a posição de liderança dentro deseus partidos. Dilma Rousseff foi em-poderada por Lula. Viram no que deu?Todo movimento que tenha em mi-ra o puro e simples empoderamentofeminino está fora da ordem naturalem uma sociedade democrática. É en-saio totalitário sexista.

________________________________* Percival Puggina (72), membro da

Academia Rio-Grandense de Letras, éarquitecto, empresário e escritor e titu-lar do site www.puggina.org, colunistade Zero Hora e de dezenas de jornais e si-tes no país. Autor de Crónicas contra ototalitarismo; Cuba, a tragédia da uto-pia; Pombas e Gaviões; A tomada doBrasil. integrante do grupo Pensar+.

PERCIVAL PUGGINA

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As cascatas deslizam numa so-noridade linda, os peixes mer-gulham e saltam como se a vi-da fosse brincar o dia inteiro, os tiroscomo resmas escritas numa dor alirecriada, as feridas da alma nascemem cada silêncio percorrido nestaazáfama para nunca esquecer.Não tenho como me recolher, ali tu-do é exposto e gritos dos feridos pelocorredor ensurdecem, não ficamosindiferentes nem sequer ausentes,sentimos a incompetência em nós to-dos os dias, percorrer léguas de matoe nada apenas feridos e mortos, estio-lados e desmembrados camaradas fu-zilados, inocentes nesta campanhaque só a poucos serve e nós carne pa-ra canhão neste tão distante das nos-sas vidas e família e de tudo o mais, tu-do parece um inverno permanenteque se esbate a cada gesto, tudo é umclima azedo, nada saboreamos e se-guimos como nos obrigam a fazer, tu-do é triste, feio, frio, medos e raiva. O mapa para nada serve, guiamo-nos pelo medo, sorvemos o sangueperdido e culpa sem culpa nenhuma,teres de matar para não morrer é in-grato, agente sente apenas o dilúviodas fardas quentes e as máscaras norosto fazendo-nos disfarçados de flo-resta e folhagem. As vozes dos nossossão permanentes, insistem em estarjuntos a nós sabendo que a distânciaé real, a minha mãe velhinha aindaespera pelo meu regresso, a minha fi-lha crescendo e tu Deolinda, escre-

ves-me pela noite fora como se oamor estivesse no meu quarto de ten-da a afagar-me de tantos ruídos dis-parados de não sei onde, eu a fingirestar bem para te acalmar com estaausência tão fria e feia, não vejo a mi-nha filha mas sinto-a como se no meucolo estivesse,- hoje levo-a ao infantário amor!mas tudo são delírios, uma febreenfadonha cobre o corpo e a testaarde como se a morte me viesse avisitar!Visitar o desconhecido é difícil, tu-do vai sendo cada vez mais estranho,estudamos os mapas e nada de ver-dade, leio e estudo os desenhos, ondeatacar ou onde se aloja o inimigo, to-dos os cantos são um possível escon-derijo, nós descobertos nessa estra-nha caminhada, revoltados também,obrigados a fazer tudo isto, tanta a re-volta em todos, dos soldados ao mé-dico de campanha desabafos a cadapasso, ninguém larga as memórias,ninguém vive sem se recordar do quealguma na vida se havia sido, de tudoum pouco e o soldado quase analfa-beto nas trincheiras nem percebe porquê esconder-se, apenas do medo sa-be e sente, gritam e disfarçam, noçãode que a cobardia os invadirá seremheróis ao menos os contentará.Na parada preparamos a estraté-gia. O oficial de dia lê as ordens edeterminações do comandante.Ouvimos de soslaio esse aviso esempre repetido,

- que voltem todos vivos!raios o partam!, tropa como nós,oficial e nós segmentos de ordens, so-mos apenas soldados e sem estudos,- sempre fui camponês meu co-mandante!ainda a matança do porco na aldeia,a imagem da Aldina tatuada num bra-ço e no peito amo-te mãe, lágrimas desangue jorram, o coração destroçadoe que força, os cães ladram atrás dascaravanas e seguimos, as nativas pelocaminho acenam, as aldeias vivemum conforto natural e fogueiras paranos receberem, assados e bebida numconforto raro, quem somos nós?, ami-gos garantidamente obrigados a estepercurso que na vida só deixará mar-cas, nem todas más, áfrica é um conti-nente interessante, por quê esta guer-ra contra os meus irmãos de cor dife-rente?, recordo vila real sem mim,quem se recordará de mim?, parti pa-ra uma missão de lágrimas, sim, e quedestino para o meu regresso?Num cais qualquer de lisboa, o na-vio atracar onde centenas, gente quenos espera e quem nos espera?, re-gressados da guerra do ultramar, tra-jados a rigor onde que vómitos, o en-joo na viagem, Don Afonso Henriquesvelho e cansado traz-nos de regressoonde caixões e solidão nos preenchede vazio e dor, onde que traumas anossa alma,- sonhei todos os dias com isto!sussurrava um soldado isolado, ocais do Sodré ao lado e nada, um bar

sorver sedes e saudades, marinhei-ros e prostitutas a vida é curta,- sobrevivi meu amor!outro,- cumpri com toda a sagacidade dapátria!ninguém a não ser o vento do tejo arepousar um frio sobre que boinas ebarba,- esperas por mim?o soldado de trás os montes semrumo, quem o viera buscar?, coisa ne-nhuma, perdemos o rumo e três anosde campanha, venci o mato e perdi ahonra de cidadão na minha pátria.Ainda no norte de angola eu e tan-tos, onde ainda comissões, paraquando o fim disto tudo, para quandoo fim de que Salazar a cansar-me de-mais, para quando o teu beijo, abraço,leio as cartas e só saudades e dor aaumentarem,- voltarei amor!murmurava na tenda onde nadaera vida.

16 | NAVEGAÇÕES 6 a 19 de Junho de 2017 | CulturaSOBRE AS ÁGUAS DA VIDA O SILÊNCIO DÓI (XI)

Leitura Mundial da Declaração Universal de Direitos Humanos no dia 6 de Setembro de 2017Vivemos uma época em que osalicerces fundamentais da de-mocracia são minados e des-respeitados ad absurdum, nota-se oquestionamento da Declaração Uni-versal de Direitos Humanos, de 1948,e da Convenção de Genebra sobre re-fugiados, de 1951, e até mesmo osfactos mais inequívocos, como a mu-dança climática, são declarados “fakenews”, enquanto informações paten-temente falsas infiltram os médiastradicionais e influenciam o noticiá-rio convencional.Correntes nacionalistas e partidospopulistas, de direita e de esquerda,ganham projecção em todo o mundo,e seus líderes já ocupam destacadasposições de poder em determinadospaíses. O estado de paz ao qual nosacostumamos desde o fim da Segun-da Guerra Mundial já não se colocamais como pressuposto.Por isso, o Festival Internacional deLiteratura de Berlim conclama todasas instituições culturais e políticas,

escolas, universidades, meios de co-municação e indivíduos interessados,a se juntarem numa Leitura Mundial ediscussão subsequente dos 30 artigosque compõem a Declaração Universalde Direitos Humanos adoptada pelaAssembleia Geral das Nações Unidasem 10 de Dezembro de 1948. Esseevento tem por propósito reavivar oespírito da Declaração e lembrar aspessoas do “ideal comum a atingirpor todos os povos e todas as nações,a fim de que todos os indivíduos e to-dos os órgãos da sociedade, tendo-aconstantemente no espírito, se esfor-cem, pelo ensino e pela educação, pordesenvolver o respeito desses direi-tos e liberdades e por promover, pormedidas progressivas de ordem na-cional e internacional, o seu reconhe-cimento e a sua aplicação universais eefectivos tanto entre as populaçõesdos próprios Estados membros comoentre as dos territórios colocados soba sua jurisdição” (Resolução 217 A(III), 10 de Dezembro de 1948).

O texto integral da Declaração Uni-versal de Direitos Humanos está dis-ponível em mais de 500 idiomas no si-te das Nações Unidas:http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pa

ges/SearchByLang.aspx Caso tenha inte-resse em participar da Leitura Mundial

no dia 6 de Setembro de 2017, envie porgentileza um e-mail para [email protected].

O festival literário de Berlim irá postarmais informações sobre esse evento no sitewww.literaturfestival.com e também nasredes sociais.

VÍTOR BURITY DA SILVA