16
Cultura Cultura Jornal Angolano de Artes e Letras ARTES LÍNGUAS NACIONAIS E EDUCAÇÃO FINANCEIRA - Pág. LETRAS ARTES NAVEGAÇÕES 3 ECO DE ANGOLA LETRAS IILP QUER DIVULGAR AUTORES E PROMOVER LEITORES DA CPLP A expectativa era muita, antes dos especialistas da UNESCO anunciarem que Angola tem, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem histórico e cultural na lista do património da Humanidade. Agora, o desafio é maior para os técnicos e especialistas angolanos em antropologia e história. É preciso um maior trabalho de divulgação para maior valorização da ex-capital do Reino do Kongo e desta forma atrair todo o poten- cial turístico que outros patrimónios mundiais, em vários países, fazem alavancar as economias. Pág. 13 Págs. 6 MAYEMBE EMPREENDEDOR DE SENTIMENTOS MBANZA KONGO PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE LETRAS Pág. 9 Pág. 3 Num primeiro momento, tem-se a impressão de que a alegada «pobreza de vocabulários» das línguas nacionais inviabilizaria a transmissão de conceitos económicos como poupança, crédito, etc., que seriam desconhecidos pelos falantes das línguas bantu em Angola. Esta será a razão pela qual elas tenham sido excluídas do programa de Educação Financeira que visa, entre outros, a inclusão financeira de todos os cidadãos angola- nos. Vinte anos decorridos desde a apresentação do “Dicionário de Autores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa” de Fernan- da Cavacas, o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP) organiza um encontro, de 20 a 21 de Junho, na sede da CPLP, com vista à actualização dos dados contidos no dicionário e a criação de uma plataforma digital. De 22 e 23 de Junho decorreu a 1ª Reunião Técnica do “Plano de Leitura CPLP” que será "uma mais-valia incontornável" para os PALOP, uma vez que não têm até este momento um plano nacional de leitura. DESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO O escultor Mayembe é um dos modelos de empreendedor de sentimentos cujo reconhecimento veio de fora de Angola. Mayembe é consagra- do “mestre escultor” na “periferia”. Isto é, na província do Zaire, onde a mestria de escultura é milenar e de excelência no mapa artístico angolano. Pág. 9 LETRAS ECO DE ANGOLA ECO DE ANGOLA NAVEGAÇÕ ÕES Pág. 3 CEIRA FINAN E EDUCAÇ ÍNGUAS NACIONAIS L Pág. 9 LETRAS CEIRA ÃO Ç ÍNGUAS NACIONAIS ECO DE ANGOLA ECO DE ANGOLA MBAN Ó DESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO NZA K DESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO KONG DESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO Pág. 3 GO DESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO . nos odos os cidadãos angola a de t eir inclusão financ a que visa, en eir inanc ducação F E cluídas do pr x enham sido e qual elas t ngola. Esta ser tu em A línguas ban onhecidos pelos falan iam desc ., que ser c et omo poupança, cr os c onómic os ec eit onc c ia a tr viabilizar línguas nacionais in ocabulár eza de v que a alegada «pobr em-se a impr , t o t o momen imeir Num pr PA - odos os cidadãos angola , a os e outr tr a que visa, en ama de r og cluídas do pr azão pela á a r ngola. Esta ser es das t onhecidos pelos falan , o édit omo poupança, cr ansmissão de ia a tr ios» das ocabulár essão de em-se a impr ATRIMÓ NIO DA H HUMAN NIDADE onomias ec cial tur maior v angolanos em an imónio da Humanidade tr pa em, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem hist t xpec A e . onomias os pa o que outr ístic cial tur capital do R - x ização da e alor maior v opolog tr angolanos em an imónio da Humanidade em, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem hist a muita, an a er tiv ta xpec , em v imónios mundiais tr os pa eino do Kongo e desta f capital do R eciso um maior tr ia. É pr ór ia e hist a, o desafio é maior par gor . A imónio da Humanidade em, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem hist es dos especialistas da UNESC t a muita, an em ala , faz ios países ár , em v air t tr ma a or ngo e desta f o abalho de divulgação par eciso um maior tr os e especialistas écnic a os t a, o desafio é maior par o e cultur ic ór em, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem hist O anunciar es dos especialistas da UNESC ancar as v em ala - en odo o pot air t a abalho de divulgação par os e especialistas al na lista do o e cultur ngola em que A O anunciar ARTES EMPREENDEDOR DE SENTIMENTOS MAYEMBE os cujo t timen eendedor de empr um dos modelos de embe é y a or M O escult Pág. 13 EMPREENDEDOR DE SENTIMENTOS MAYEMBE LETRAS E PROMOVER L IILP QUER DIVUL EMPREENDEDOR DE SENTIMENTOS icanas de Língua P fr A io de A “Dicionár do r or e anos dec t in V EITORES DA CPL E PROMOVER L IILP QUER DIVUL - nan er de F tuguesa or icanas de Língua P as tur a er es de Lit or ut io de A tação esen idos desde a apr r EITORES DA CPL GAR AUTORES IILP QUER DIVUL Págs. 6 P EITORES DA CPL GAR AUTORES . o angolano tístic ar elência no mapa c x de e a é milenar e escultur ia de onde a mestr , e víncia do Zair o pr , na o é . Ist ia er if per na or e escult mestr do - a r onsag embe é c y a M ngola. a de A or de f eio o v t onhecimen ec r os cujo t timen sen - é o um plano nacional de leitur t momen ez que não t , uma v OP P, AL P PA alia inc v "uma mais- lano de L “P écnica do - T - é T é e 22 e 23 de Junho dec D ital ma dig or taf pla tidos no dicionár on c om vista à ac , c CPLP P, , de 20 a 21 de Junho o tr on enc tuguesa (IILP) or or Língua P nstitut , o I acas v a da C a. o um plano nacional de leitur e é est t êm a ez que não t a os el" par v or t on alia inc á que ser a CPLP eitur lano de L eunião eu a 1ª R r or e 22 e 23 de Junho dec . ital iação de uma io e a cr tidos no dicionár tualização dos dados om vista à ac , na sede da , de 20 a 21 de Junho ganiza um tuguesa (IILP) or nacional de er t n o I nstitut 18 a 31 de Julho de 2017 | Nº 139 | Ano VI Director: José Luís Mendonça Kz 50,00

Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

CulturaCulturaJornal Angolano de Artes e Letras

ARTES

LÍNGUAS NACIONAIS E EDUCAÇÃO FINANCEIRA

-

Pág.LETRAS

ARTES

NAVEGAÇÕES

3

ECO DE ANGOLA

LETRAS

IILP QUER DIVULGAR AUTORES E PROMOVER LEITORES DA CPLP

A expectativa era muita, antes dos especialistas da UNESCO anunciarem que Angola tem, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem histórico e cultural na lista do património da Humanidade. Agora, o desa�o é maior para os técnicos e especialistas angolanos em antropologia e história. É preciso um maior trabalho de divulgação para maior valorização da ex-capital do Reino do Kongo e desta forma atrair todo o poten-cial turístico que outros patrimónios mundiais, em vários países, fazem alavancar as economias.

Pág. 13 Págs. 6

MAYEMBEEMPREENDEDOR DE SENTIMENTOS

MBANZA KONGOPATRIMÓNIO DA HUMANIDADE

LETRAS Pág. 9 Pág. 3

Num primeiro momento, tem-se a impressão de que a alegada «pobreza de vocabulários» das línguas nacionais inviabilizaria a transmissão de conceitos económicos como poupança, crédito, etc., que seriam desconhecidos pelos falantes das línguas bantu em Angola. Esta será a razão pela qual elas tenham sido excluídas do programa de Educação Financeira que visa, entre outros, a inclusão �nanceira de todos os cidadãos angola-nos.

Vinte anos decorridos desde a apresentação do “Dicionário de Autores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa” de Fernan-da Cavacas, o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP) organiza um encontro, de 20 a 21 de Junho, na sede da CPLP, com vista à actualização dos dados contidos no dicionário e a criação de uma plataforma digital.De 22 e 23 de Junho decorreu a 1ª Reunião Técnica do “Plano de Leitura CPLP” que será "uma mais-valia incontornável" para os PALOP, uma vez que não têm até este momento um plano nacional de leitura.

DESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO

O escultor Mayembe é um dos modelos de empreendedor de sentimentos cujo reconhecimento veio de fora de Angola. Mayembe é consagra-do “mestre escultor” na “periferia”. Isto é, na província do Zaire, onde a mestria de escultura é milenar e de excelência no mapa artístico angolano.

Pág. 9 LETRAS

ECO DE ANGOLA

ECO DE ANGOLA

NAVEGAÇÕ

ÕES Pág. 3

CEIRAFINANE EDUCAÇ

ÍNGUAS NACIONAIS L

Pág. 9 LETRAS

CEIRAÃO AÇ ÇÃO

ÍNGUAS NACIONAIS

ECO DE ANGOLA

ECO DE ANGOLA

MBAN Ó

DESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO

NZA KDESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO

KONGDESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO

Pág. 3

GODESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO

.nosodos os cidadãos angolaa de teirinclusão �nanc

a que visa, eneirinancducação FEcluídas do prxenham sido equal elas t

ngola. Esta sertu em Alínguas banonhecidos pelos falaniam desc., que sercet

omo poupança, cros conómicos eceitonccia a trviabilizarlínguas nacionais inocabuláreza de vque a alegada «pobr

em-se a impr, toto momenimeirNum pr

PA

-odos os cidadãos angola, a ose outrtra que visa, en

ama de rogcluídas do prazão pela á a rngola. Esta ser

es das tonhecidos pelos falan, oéditomo poupança, cr

ansmissão de ia a trios» das ocabulár

essão de em-se a impr

ATRIMÓ

NIO DA H

HUMAN

NIDADE

onomiaseccial turmaior vangolanos em an

imónio da Humanidadetrpaem, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem histt

xpecA e

.onomiasos pao que outrísticcial tur

capital do R-xização da ealormaior vopologtrangolanos em an

imónio da Humanidadeem, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem hist

a muita, ana ertivtaxpec

, em vimónios mundiaistros paeino do Kongo e desta fcapital do R

eciso um maior tria. É prória e hista, o desa�o é maior pargor. Aimónio da Humanidade

em, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem histes dos especialistas da UNESCta muita, an

em ala, fazios paísesár, em vair ttrma aor ngo e desta f for

abalho de divulgação pareciso um maior tros e especialistas écnica os ta, o desa�o é maior par

o e culturicórem, desde o passado dia 8 de Julho de 2017, um bem histO anunciares dos especialistas da UNESC

ancar as vem ala-enodo o potair ta abalho de divulgação par

os e especialistas al na lista do o e cultur

ngola em que AO anunciar

ARTES

EMPREENDEDOR DE SENTIMENTOSMAYEMBE

os cujo ttimeneendedor de empr

um dos modelos de embe é yaor MO escult

Pág. 13

EMPREENDEDOR DE SENTIMENTOSMAYEMBE

ALETRAS

E PROMOVER LIILP QUER DIVUL

EMPREENDEDOR DE SENTIMENTOS

icanas de Língua PfrAio de A“Dicionárdo

rore anos dectinV

EITORES DA CPLE PROMOVER LIILP QUER DIVUL

-naner de F”” de Ftuguesaoricanas de Língua Pas turaeres de Litorutio de Atação esenidos desde a aprr

EITORES DA CPLGAR AUTORES IILP QUER DIVUL

Págs. 6

PEITORES DA CPLGAR AUTORES

.o angolanotísticarelência no mapa cxde e

a é milenar e esculturia de onde a mestr

, evíncia do Zairopr, na o é. Ist”” iaerifper“

na ”” na ore escultmestr“do -aronsagembe é cyaM

ngola. a de Aorde feio o vtonhecimenecr

os cujo ttimensen

o um plano nacional de leiturtmomenez que não t, uma vOPP, uma vALPPAL

alia incv"uma mais-lano de L“Pécnica do -T-é Té

e 22 e 23 de Junho decDitalma digortafpla

tidos no dicionároncom vista à ac, cCPLPP, c

, de 20 a 21 de Junhootronenctuguesa (IILP) ororLíngua P

nstitut, o Iacasvada C

a.o um plano nacional de leiture é esttêm aez que não t

a os el" parvnáortonalia incá que ser”” que sera CPLPeiturlano de L

eunião eu a 1ª Rrore 22 e 23 de Junho dec.ital

iação de uma io e a crtidos no dicionártualização dos dados om vista à ac

, na sede da , de 20 a 21 de Junhoganiza um tuguesa (IILP) ornacional de ertno Institut

18 a 31 de Julho de 2017 |Nº 139 |Ano VI • Director: José Luís Mendonça • Kz 50,00

Page 2: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

2 | EDITORIAL 18 a 31 de Julho de 2017 | Cultura

Propriedade

Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal 1312 - Luanda Redacção 222 02 01 74 |Telefone geral (PBX): 222 333 344Fax: 222 336 073 | Telegramas: ProangolaE-mail: [email protected]

CulturaJornal Angolano de Artes e LetrasUm jornal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento

Nº 139/Ano VI/ 18 a 31 de Julho de 2017E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL

Director e Editor-chefe:José Luís MendonçaEditor:Adriano de MeloSecretária:Ilda RosaAssistente Editorial:Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia:Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação:Jorge de SousaAlberto Bumba Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:

Angola: António Quino, Belmiro Carlos, Francisco Neto,Hugo Fernandes, João N’gola Trindade, Leonel Cosme,Lito Silva, Mário Pereira, Patrício Batsîkama

Portugal: Paulo Branco Lima

Brasil: Claudia Vitalino

Normas editoriais

O jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicos e re-censões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devem ser originais.Todos os autores que apresentarem os seus artigos para publicação aojornal Cultura assumem o compromisso de não apresentar esses mesmosartigos a outros órgãos. Após análise do Conselho Editorial, as contribui-ções serão avaliadas e, em caso de não publicação, os pareceres serãocomunicados aos autores.

Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ou gráficos jápublicados, são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman, corpo 12,e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficos e figuras devem,ainda, ser enviados no formato em que foram elaborados e também numficheiro separado.

Conselho de Administração

António José Ribeiro

(presidente)

Administradores Executivos

Victor Manuel Branco Silva Carvalho

Eduardo João Francisco Minvu

Mateus Francisco João dos Santos Júnior

Catarina Vieira Dias da Cunha

António Ferreira Gonçalves

Carlos Alberto da Costa Faro Molares D’Abril

Administradores Não Executivos

Olímpio de Sousa e Silva

Engrácia Manuela Francisco Bernardo

AS ESCADAS SUBTERRÂNEAS DA CIDADE DE MBANZA KONGO1Quando Dona Mpolo, mãe do rei Mbemba a Zinga, descia viva

os subterrâneos da morte devido à condenação por desobe-diência às leis da corte, nunca imaginou que as suas lágrimas

de dor e de revolta pelo apagamento brutal da Alma Congolesa, daTradição Bantu, se transformariam na estrela branca que hoje enci-ma o seu túmulo. De igual modo, nunca imaginou que a Tradição pelaqual deu a vida, e que granulou a História da África no grandioso En-contro de Civilizações, receberia reconhecimento mundial no passa-do dia 8 de Julho, em Cracóvia, Polónia, sob a égide da UNESCO.2Na verdade, ao inscrever a cidade de Mbanza Kongo como Pa-

trimónio Mundial da Humanidade, a UNESCO não apenas tor-nou a mbanza como herança humana a preservar, mas veio

trazer à luz dos nossos dias as memórias da Rainha-Mãe Mpolo, dosdignitários e de todos quantos, em interacção com os outros povosque ali aportaram, uns vindos da Europa, outros marchados de den-tro do próprio Continente, ajudaram a falar e fazer uma história quehoje se quer acabar de contar.

E a alegoria da descida às profundezas da terra, protagonizada pelaRainha-Mãe Mpovo, continua a manifestar-se como pressuposto fun-damental de um projecto que teve, por isso mesmo – pela vigência pe-rene das lágrimas de Mpovo – o nome de “Mbanza Kongo, Cidade a De-senterrar para Preservar”.

O que hoje nos resta de mais visível da histórica capital do Reino doKongo, é, ainda, a lendária Kulumbimbi, ou catedral de São Salvadordo Congo, símbolo mais alto da instauração da religião católica emMbanza Kongo, em 1492. Se Kulumbimbi, significa “o que restou dosancestrais”, segundo a Tradição Bakongo essa memória material dosancestrais repousa sob as lajes do templo católico.

Preservar Mbanza Kongo e torná-la um verdadeiro PatrimónioMundial implica, assim, descer as escadas subterrâneas e ali encon-trar-se com o espírito ancestral da Rainha-Mãe Mpovo, para que elaabençoe a continuação da empreitada e inspire as mentes dos inves-tigadores a identificar outras histórias que a História não fotografouainda, nem narrou completamente.

De igual modo, o já longo esforço empreendido pelo Governo ango-lano, a partir de 1988, para valorização do Centro Histórico de Mban-za a Kongo, enquadra-se nessa cláusula espiritual de descida às pro-fundezas da terra e da Alma Antiga. 3Essa Alma Antiga, cujo cordão de luz se formatou no século

XIII, com a fundação do Reino do Kongo, vem hoje fundamen-tar todo o valor histórico-cultural nacional e internacional da

cidade, que poderá se tornar um importante pólo turístico. As contri-buições da civilização ocidental também se compaginam para que,agora elevada a Património Mundial, Mbanza Kongo se transformeem sede espiritual do Cristianismo na África Sub-Sahariana, no qua-dro da valorização de toda a herança histórica de uma Nação, narradana História Geral da África, mas ainda não profusamente divulgada eestudada pela nossa juventude.

JOSÉ LUÍS MENDONÇA

Page 3: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

Depois de anos de luta, várias tenta-tivas, muito esforço e imenso trabalhode pesquisa, prospecção e recolha dedados, eis que, agora, a cultura angola-na passa a ser parte essencial da Histó-ria da Humanidade. Afinal, trata-se, co-mo é óbvio, de uma história e um patri-mónio inigualável. Mbanza Kongo foi econtinuará a ser, com este reconheci-mento, a capital dos antigos Reis doCongo, um reinado que se estendia dosCongos (Brazzaville e Libreville) até oGabão, e albergava uma vasta tradição,hoje mais enraizada entre os angola-nos, mas que agora consta da lista dosbens a serem protegidos por todos.Um ganho sem fronteiras e cujos lu-cros só o tempo, num período médioou longo, vão poder mostrar a cadauma das pessoas, entre nacionais e es-trangeiros, que ajudaram a materiali-zar o projecto. O anúncio oficial foi feito sábado. Aexpectativa era muita, antes dos espe-cialistas da UNESCO anunciarem queAngola tem, desde o passado dia 8 deJulho de 2017, um bem histórico e cul-tural na lista do património da Huma-nidade. Agora, a perspectiva é nova pa-ra os técnicos e especialistas angola-nos em antropologia e história. É pre-ciso um maior trabalho de divulgaçãopara maior valorização da ex-capital

do Reino do Kongo e desta forma atrairtodo o potencial turístico que outrospatrimónios mundiais, em vários paí-ses, fazem alavancar as economias, co-mo Parque uKhahlamba Drakensberg,na África do Sul, a Grande Muralha, naChina, as Pirâmides de Gizé, no Egipto,a Estátua da Liberdade, nos EUA, a Fa-chada da Paixão - Templo Expiatórioda Sagrada Família, na Espanha, o Par-tenon, na Grécia, o Taj Mahal, na Índia,ou o Kilimanjaro, na Tanzânia.Embora cada um dos monumentoshistóricos da Humanidade tenha “oseu peso e a sua medida”, assim como aprópria importância para o mundo,Mbanza Kongo, a partir de agora, vaiatrair a atenção de todos para as suaspotencialidades culturais e levar mui-tos dos pesquisadores a conhecermais um pouco sobre a História de umpovo influente, que começou a sofrermudanças profundas após a chegadados portugueses. É uma oportunidadepara descobrir mais sobre as origensdos Kongos, antes da colonização, edesta forma acabar com “certas histó-rias erradas”, como defendem muitoshistoriadores nacionais, sobre o modode vida dos africanos. Com a elevação de Mbanza Kongocriasse mais espaço para a possibilida-de de contar a história de África, masprecisamente dos angolanos, a partirda perspectiva dos próprios, pois foi

essa mesma história e a sua influênciapara o continente no século XIV.Os apoios agora, virão de vários la-dos, uma vez que o reconhecimento daUNESCO abre portas para novos desa-fios, em especial no domínio da pro-tecção do centro histórico de MbanzaKongo, que, ao contrário de muitosbens da Humanidade em África, nãofoi incluído na lista do património emperigo, graças ao esforço do Executivo,através do Ministério da Cultura e doGoverno Provincial do Zaire. Os muní-cipes e as autoridades tradicionaistambém têm muito mérito nesta ques-tão, já que mesmo antes do trabalhode sensibilização dos especialistas orespeito por determinados monu-mentos locais foi sempre uma realida-de entre os naturais.Ainda desconhecida de muitos,Mbanza Kongo tem pontos de atrac-ção turística que foram, por anos, o“cartão postal” da antiga capital doReino do Congo e agora devem ser di-vulgados novamente aos angolanos,em especial os jovens, e ao Mundo. En-tre as referências locais destaca-se oPalácio Real (actualmente é o espaçoque deu origem ao Museu dos Reis doCongo), a milenar árvore sagrada YalaNkuwu, o Lumbu (Tribunal Consuetu-dinário), as missões católica e evangé-lica, o Kulumbimbi (antiga Sé Catedrale com base nas informações do Vatica-

no a mais antiga catedral feita na Áfri-ca Austral), o cemitério dos Reis doCongo e o Túmulo de Dona Mpolo (amãe de um dos reis).“A antiga capital do Reino do Congorevela, mais do que em qualquer outrolocal na África subsaariana, as profun-das mudanças causadas pela introdu-ção do cristianismo e a chegada dosportugueses à África central”, conside-raram os especialistas da UNESCOaquando do anúncio oficial, que serviuainda para informar os outros 20 novosmonumentos na lista do PatrimónioMundial, que passa a contar com 1.073sítios de interesse da humanidade.ProjectosOs técnicos angolanos, antes coor-denados por Sónia Domingos, tam-bém começam a traçar novas estraté-gias, não só para a melhor preserva-ção do acervo de Mbanza Kongo, comoà inscrição de novos sítios e locais his-tóricos na lista do património. Tchi-tundu Hulo, com as suas grutas mile-nares, é uma das mais cogitadas.Porém, e de acordo com as reco-mendações saídas da reunião do Co-mité do Património Mundial, realiza-do na cidade Cracóvia, Polónia, urge,agora, a criação de um centro nacionalou regional de pesquisa e de formaçãonas áreas de protecção e valorização

ECO DE ANGOLA | 3Cultura | 18 a 31 de Julho de 2017

ADRIANO DE MELO |

DESENTERRAR O TEMPO DOS REIS PARA O MUNDO

MBANZA KONGOPATRIMÓNIO DA HUMANIDADE

Ministra da Cultura trabalha na Provincia do Zaire

Page 4: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

do património local.Com base na Convenção para a Pro-tecção do Património Mundial Cultu-ral e Natural é preciso criar políticascapazes de proteger o bem e divulgara sua “riqueza” à sociedade, ou visi-tantes. O desenvolvimento de estudose pesquisas científicas e técnicas so-bre Mbanza Kongo também foi reco-mendado pelos especialistas, de for-ma a proteger o património cultural enatural. O país deve ainda criar medi-das jurídicas, científicas, técnicas, ad-ministrativas e financeiras adequa-das para a identificação, conservaçãoe restauro do referido património.Além disso, os Estados membros daUNESCO podem solicitar assistênciainternacional em favor dos bens dopatrimónio no seu território, em casode uma acção de protecção ou conser-vação.Edmond Moukala, director do Co-mité do Património Mundial da UNES-CO, considerou ainda fundamental aimplementação de um programa pararelançamento das indústrias cultu-rais em Mbanza Kongo, de forma a ge-rar emprego e desenvolvimento sus-tentável na cidade.As áreas de formação, em particu-lar dos jovens, e as ligadas as tradi-ções e costumes da antiga capital dosReis do Kongo, são as prioritárias. Arealização, regular, de festivais inter-regionais que promovam MbanzaKongo como Património Mundialtambém é um passo chave neste pro-cesso.As reacçõesApós o anúncio oficial, muitas fo-ram as reacções de angolanos orgu-lhosos por ter um património nacio-nal inscrito na lista dos bens da Hu-manidade. As vozes não vieram so-mente dos especialistas nacionais emCracóvia, sobre a liderança da minis-tra da Cultura, Carolina Cerqueira. Fo-ram também de todos que ajudaram atornar esse sonho real, assim comodos jovens, que vêm ganhos para opaís. Em Luanda ou em qualquer ou-tra província do país muitos deram oseu parecer.Um deles foi o secretário da Culturaem Cabinda, Euclides da Lomba, paraquem o feito é o resultado do esforçode toda uma equipa, formada por qua-dros, nacionais e estrangeiros. “Umaluta de muitos anos que hoje, sem dú-vida, faz de Angola uma referênciamundial.”Os munícipes da cidade históricatambém ficaram felizes com a inclu-são, em particular pelas vantagensque pode trazer para a localidade. É,defendem, uma oportunidade parafomentar o turismo na região. Os es-tudantes vêm como a possibilidade dahistória e da cultura angolana seremmais divulgadas além-fronteira. Mui-tos acreditam nos proveitos a médio elongo prazo da inscrição da cidade. Amaioria pede também maior atenção,a partir de agora, dos citadinos, naprotecção da riqueza de Mbanza Kon-go. Porém, axcrescentam, a responsa-

4| ECO DE ANGOLA| 18 a 31 de Julho de 2017 | Cultura

IEBA em Mbanza Kongo

Papa Joa�o Paulo II visita Angola

Túmulo da Rainha-Mãe, Dona Mpovo

Page 5: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

ECO DE ANGOLA |5Cultura | 18 a 31 de Julho de 2017bilidade não deve estar limitada so-mente aos habitantes da cidade ou aoExecutivo, mas a toda a sociedade ci-vil, por ser um bem de todos.

A História O Reino do Congo ou Império doCongo foi uma região africana locali-zada no sudoeste da África, no territó-rio que hoje corresponde ao noroeste

de Angola incluindo Cabinda, à Repú-blica do Congo, à parte ocidental daRepública Democrática do Congo e àparte centro-sul do Gabão. Na sua má-xima dimensão, estendia-se desde ooceano Atlântico, a oeste, até ao rioCuango, a leste, e do Rio Ogooué, noactual Gabão, a norte, até ao rio Kwan-za, a sul. O reino do Congo foi fundadopor Ntinu Wene no século XIII.A região era governada por um líder

chamado Rei pelos Europeus, o Mani-congo. Ela consistia de nove provín-cias e três regiões (Ngoyo, Kakongo eLoango), mas a sua área de influênciaestendia-se também aos estados limí-trofes, tais como Ndongo, Matamba,Kassanje e Kissama. A capital eraM’Banza Kongo (literalmente, cidadedo Kongo), rebatizada São Salvador doCongo após os primeiros contactoscom os portugueses e a conversão do

Manicongo ao catolicismo no séculoXVI, e renomeada de volta para Mban-za Kongo em 1975.Desde a fundação do Reino do Kon-go, no século XIII, a cidade de MbanzaKongo foi a capital, o centro político,económico, social e cultural, sede dorei e a sua corte, e como tal o centrodas decisões. Situada num planaltocom mais de 500 metros de altitude,Mbanza Kongo foi a capital política eespiritual do Reino do Congo entre osséculos XIV e XIX. Mas, anos após achegada dos portugueses começou odeclínio da cidade que era um bastiãode África e passou a ser depois uma vi-la mística e espiritual do grupo etno-linguístico kikongo.Actualmente conta com uma popu-lação estimada em 155 mil e 174 habi-tantes (dados do último censo). A ci-dade possui cinco bairros, nomeada-mente Sagrada Esperança, 4 de Feve-reiro, 11 de Novembro, Álvaro Buta eMartins Kidito.Passo a passoA candidatura de Mbanza Kongo te-ve votação unânime dos membros doComité do Património Mundial. O pro-cesso começou com a realização damesa-redonda “Mbanza Kongo - Cida-de a desenterrar para preservar”. An-tes dos especialistas darem entradado dossier foi feita recolha dos ele-mentos materiais e imateriais parafundamentar o valor excepcional euniversal da capital do antigo Reinodo Kongo. Esta etapa incluiu as acçõesde pesquisa sobre o património ima-terial, o levantamento arquitectónicodos edifícios mais emblemáticos e his-tóricos da cidade, o seu estudo e in-ventariação.O estudo documental foi feito emvários países, como França, Bélgica,Alemanha, Portugal e Vaticano (quedetém vários documentos inéditos so-bre o Reino do Kongo). Entre as váriasacções desenvolvidas um dos desta-ques foram as pesquisas sobre a tradi-ção oral, que permitiu a delimitaçãodo Centro Histórico de Mbanza Kongo,através das conhecidas 12 fontes deágua que circundam a localidade e queestão ligadas ao momento da funda-ção do Reino do Kongo.As escavações e estudos arqueoló-gicos marcaram a primeira fase doprocesso. Após essa fase, os especia-listas concentraram-se na fotografiaaérea (imagens de vários ângulos dacidade e áreas de escavações) e o pla-no de gestão (tratamento do texto defundamentação, inventariação e cata-logação final dos locais).No dia 30 de Janeiro de 2015 foi en-tregue o primeiro dossier à Unesco,através do Centro do Património Mun-dial. O processo foi submetido a umaprimeira avaliação, desta saíramorientações para aprimoramento doreferido documento.Depois o plano observou várias eta-pas de trabalho de pesquisa no terre-no e no estrangeiro, levado a cabo porespecialistas nacionais e estrangeiros.

Reino do CongoKongo dya Ntotila (Kikongo)Reino Soberano (1390 - 1857)Reino Vassalo do Reino de Portugal

(1857 - 1914)

LocalizaçãoContinente africanoÁfrica CentralPaísPartes de Angola, da República doCongo, da República Democrática doCongo e do GabãoCapitalSão Salvador do CongoLíngua oficialKikongoPortuguês (depois da colonização)ReligiãoReligiões tradicionais africanasCristianismo (depois da coloniza-ção)

GovernoMonarquiaManicongos• 1390 - Lukeni lua Nimi (primeiro)• 1911-1914 - Manuel III (último)LegislaturaConselho Real ( 12 membros)História• 1390 - Conquista de Kabunga• Outubro de 1665 - Guerra civildo Congo• Fevereiro de 1709 - Reunifica-ção do Congo• 1857 - Congo torna-se vassalode Portugal• 1914 - Dissolução pela autorida-de portuguesaÁrea• 129 400 km2MoedaNzimbo (conchas) e pano de ráfia

População• 509.250 Dens. pop. 3,9 hab./km²Actualmente parte de Angola

Mapa de 1630 do Reino do Kongo

Papa Joa�o Paulo II visita Angola

Papa Joa�o Paulo II visita Angola

Page 6: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

IILP INTENTA DIVULGAR AUTORES E PROMOVER LEITORES DA CPLP

JOSÉ LUÍS MENDONÇAQuando Fernanda Cavacas e Aldó-nio Gomes lançaram, pela Editorial Ca-minho, em Abril de 1997, o Dicionáriode Autores de Literaturas Africanas deLíngua Portuguesa, explicaram que oseu trabalho “nasceu basicamente deuma tripla situação: o desconhecimen-to, frequente em Portugal, em certosmeios, inclusive escolares, relativa-mente a poetas e prosadores luso-afri-cano e o desconhecimento, em cadaum dos Cinco, das personalidades lite-rárias dos outros países de língua ofi-cial portuguesa; e – insólito, mas talveznem tanto – o facto de se descobrir, porvezes, em cada país, um menor conhe-cimento dos autores desse mesmo paíse das respectivas obras."Vinte anos decorridos desde a apre-sentação desse livro, Fernanda Cavacasteve o grato prazer de participar numencontro organizado de 20 a 21 de Ju-nho pelo Instituto Internacional de Lín-gua Portuguesa (IILP) na sede da Co-munidade dos Países de Língua Portu-guesa (CPLP). Nesse período decorreua I Reunião Técnica sobre “Dicionáriode Autores de Literaturas Africanas deLíngua Portuguesa”, na qual foi apre-sentado o projecto, identificadas activi-dades pertinentes para a actualizaçãodos dados contidos no dicionário e acriação da plataforma digital.A obra carece de uma actual e per-manente actualização. Após a neces-sária actualização dos dados, o IILPpretende criar as condições para que areferida obra possa ser disponibiliza-da numa plataforma digital que per-mita um acesso mais rápido e diferen-ciado aos dados nela constantes.Nesta perspectiva, o IILP convidouas Academias de Letras dos paísesmembros da CPLP a participar do pro-jecto que indicaram um elemento queserá o ponto-focal neste projecto. Oponto-focal indicado deveria ser al-guém ligado à área da Literatura (aca-démico ou não), que garanta: i) contri-buir qualitativamente para as discus-sões iniciais para a concepção do pro-jecto: ii) ter disponibilidade/ capaci-dade para formar e gerir uma equipade trabalho nacional, que se responsa-bilize pela necessária actualização dosdados do Dicionário; iii) poder partici-par, presencial ou eventualmente, emencontros técnicos de concepção egestão do projecto. Foi a partir dessas demarches quese reuniu em Junho, em Lisboa, aEquipa Técnica sobre o projecto doDicionário de Autores, tendo estamesma equipa participado, de 22 a23 numa outra, que visou discutir e fi-xar as bases estruturantes para o de-senho do Plano de Leitura CPLP, uma

acção que o IILP pretende iniciar coma maior urgência.Os encontros foram dirigidos porMarisa Mendonça, directora executivado IILP e reuniram à mesma mesa osrepresentantes de Angola, José LuísMendonça, da Academia Angolana deLetras (AAL); do Brasil, José Castilho,do Ministério da Educação; de CaboVerde, Daniel Medina, da AcademiaCabo-verdiana da Letras (ACL) e Fáti-ma Fernandes, pela Biblioteca Nacio-nal de Cabo Verde (BNCV) ; de Moçam-bique, Nataniel Ngomane, do FundoBibliográfico da Língua Portuguesa(FBLP – PALOP); de Portugal, IsabelAlçada e Elsa Conde, gestoras do PlanoNacional de Leitura Ler+; e de São To-mé e Príncipe, João Pontífice, da Co-missão Nacional de São Tomé e Prínci-

pe para o IILP (CN-STP). A delegaçãode Timor Leste foi constituída pelopresidente da CN-TL para o IILP e doiselementos técnicos colaboradores daCN-TL - nomeadamente a ProfessoraDoutora Sabina Foneseca e o Profes-sor Doutor Vicente Paulino. Plano de Leitura CPLPA 1ª Reunião Técnica do “Plano deLeitura CPLP” teve lugar nos dias 22 e23 de Junho, em Lisboa, na sede daCPLP, com os objectivos de fundamen-talmente: i) Socializar as experiênciasde elaboração e de implementação dePlanos Nacionais de Leitura, no Brasile em Portugal; ii) Identificar e definiras linhas estruturantes para o “Planode Leitura CPLP”; iii) Elaborar um do-cumento de trabalho (pré-projecto) e

um cronograma de acções a seremrealizadas a curto prazo. A proposta do "plano de leituraCPLP" (Comunidade dos Países deLíngua Portuguesa) deverá ficar con-cluída no primeiro trimestre de 2017e o projecto deverá arrancar ainda nopróximo ano.Este plano de leitura será "umamais-valia incontornável" para os Paí-ses Africanos de Língua Oficial Portu-guesa (PALOP), "uma vez que não têmaté este momento um plano nacionalde leitura" e, assim, será "uma alterna-tiva boa e mais alargada", referiu a res-ponsável do IILP, Marisa Mendonça.Já para Portugal e Brasil, este planoassume-se como "uma alternativamais alargada e construída de umaforma comum", mas "sem querer com-prometer" os respectivos planos na-cionais de leitura.Esta iniciativa do IILP pretende"responder a uma necessidade de ummaior conhecimento mútuo sobreaquilo que é a riqueza literária da co-munidade" lusófona, disse MarisaMendonça, constatando que, "mesmoao nível dos Estados-membros, esseconhecimento ainda tem um nívelmuito baixo".O IILP é a instituição da CPLP quetem como objectivos a planificação eexecução de programas de promoção,defesa, enriquecimento e difusão daLíngua Portuguesa como veículo decultura, educação, informação e aces-so ao conhecimento científico, tecno-lógico e o de utilização em fora inter-nacionais.

Aspecto geral da mesa redonda

Fernanda Cavacas e Marisa Mendonc�a

6 | LETRAS 18 a 31 de Julho de 2017 | Cultura

Page 7: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

Falando de um escritor angolanoque exprimiu o ser através da lingua-gem literária, nunca virá ao caso aflo-rar recorrências cosmológicas repor-tando Newton ou Einstein... Todavia,nem por isso o autor telúrico, agróno-mo de formação e mister académico,que foi Inácio Rebelo de Andrade, dei-xará de ser, a meu ver, um verdadeiro“case study”, pelo que nele, pela me-mória e linguagem descritas numaobra copiosa, que abarca quase todosos géneros literários, se insere nasConfissões de Santo Agostinho, se-gundo as quais “pensar o tempo signi-fica a obrigação de pensar na lingua-gem que o diz e nele se diz.”Quem leu os numerosos livros re-presentados por romances, contos,memórias e poemas que ele escreveu,todos centrados num tema único – oHuambo e as suas gentes – não deixa-rá de considerar que, nele, o tempofoi medido pelo espaço em que decor-reram as coisas, produzindo uma in-terioridade psíquica que, no pensa-mento agostiniano, “abriu um novocampo de reflexão: o da temporalida-de da nossa condição específica deseres que não só nascem e morrem‘no’tempo, mas, sobretudo, que sa-bem, que têm consciência dessa suacondição temporal e mortal.”ParaSanto Agostinho, tal como para Iná-cio, que era um crente confesso, eter-nidade, só a de Deus... E ele tinhaconsciência dessa relatividade. Comoconfessa num breve poema do livro Oque Disparo em Verso: “Ao fim de tan-tos anos, / não sei se tudo aquilo queescrevi/valeu então a pena; /se me-receu o tempo de leitura/ou foi coisapequena/e má literatura.” Se for verdade, como escreveuEduardo Lourenço, que“A literaturamodificou desde o início a relação doshomens consigo mesmos. Antes:criou-lhes uma imagem sem a qual sepode dizer que não tinham imagem”,no escritor Inácio Rebelo de Andradeessa criação deu-se com a assunçãoda imagem de um Huambo feito alma,pátria ou mátria de quem se afirmapela memória e saudade de um paraí-so perdido, ou porventura adiado, acrer nas últimas palavras de Lamentode um Exilado: “Quando recordo a mi-nha terra, cheia de luz, de cores, desons, de cheiros e de sabores, quandoa evoco e lhe recupero pela memória adimensão infindável – toma-me cá opeito um abatimento tão grande, queeu só quero é acabar de vez com esteexílio e voltar para lá!” Mas não voltou... Saído com a famí-lia da cidade então chamada Nova Lis-boa, nos meados de 1975, quando lo-calmente a guerra civil tornou, paraele e outros filhos do Huambo, a vidainsuportável, sob uma constanteameaça que não distinguia os bons e

os maus filhos da terra-mater, a ponteaérea estabelecida in extremis fez deLisboa o “porto de abrigo”que ele sópensou aproveitar como recurso atéao termo da guerra fraticida que de-vassara a sua terra natal. Entretanto,algo mais, e também chocante, acon-teceu: a caminho do Centro de Saúdeque fundara nos arredores da cidadepara servir o povo, o “médico dos po-bres” David Bernardino é assassinadopelos guerrilheiros da UNITA; na mes-ma altura, outros amigos próximos,também conotados com o MPLA, sãoigualmente vítimas do mesmo inimi-go; mais tarde ainda, em 1977, o ami-go, colega agrónomo e companheironas lides editoriais da “Colecção Bai-lundo”, o jornalista, cronista e poetaErnesto Lara (Filho), morre em plenacidade já destruída num acidente deviação. Enterrado quase anonima-mente em campa rasa, acabara de es-crever um poema trágico, mas aindaesperançoso, intitulado simplesmen-te “Huambo”, que termina assim: Em teu chão regado pelo san-gue dos que tombaram,onde apodrecem cadáveres,hão-de florir dálias roxas co-mo as que colhi ontemno meu quintal (…) Durante a metade da sua vida que ofixou a Portugal, nomeadamente noMonte Estoril, com períodos de au-sência em função do seu mister deprofessor universitário, na França,Brasil e Macau, Inácio escreveu até fa-lecer, com 82 anos, de doença prolon-gada, na manhã de 14 de Maio de2017 (como se esperasse pelo termodas festividades de Fátima, para nãoferir os devotos…), tudo quanto era

possível escrever, em História e Socio-logia, sobre o Huambo e a cidade quese chamou Nova Lisboa. Inclusiva-mente, ele mantinha um blog signifi-cativamente intitulado “Mukandas doMonte Estoril” e o e-mail “irdeado-huambo”. E sempre fixado numa Sau-dade que não cedeu às visões pessi-mistas de outros conterrâneos notá-veis, de nascimento, como o granderadialista Sebastião Coelho, e de cir-cunstância (pela adolescência e pri-meira exposição no Andulo) o nãomenos grande pintor e poeta AlbanoNeves e Sousa, exilado o primeiro emBuenos Aires e o segundo em Salva-dor da Bahia – todos podendo dizer omesmo que disseram Sebastião e Al-bano num encontro programado noBrasil: ”Já que não posso estar em An-gola, Angola está em mim.” No fundo, todos eles admitindo quedepois de um tempo outros temposviriam, a Saudade do passado vivido,pensado e trabalhado com amor iavencendo o Presente que em 1998

ainda o poeta David Mestre revertianum prefácio ao livro de Inácio Quan-do o Huambo era Nova Lisboa:Nova Atlântida, perdão, NovaLisboa submergiu deste modo, tragi-camente insepulta, na História. (…)Nada restou de pé, eu próprio assistina televisão de Luanda ao pânico dapopulação civil fugindo pelas ruas etombando sob a metralha com os par-cos haveres à cabeça, mulheres e crian-ças correndo para lado nenhum, para ocapim, para o mato, grávidas parindono caminho, gente desfalecendo à mín-gua, à sede, à morte anunciada pelovoo paciente e circular dos abutres.Em 2001, Inácio confia-me um pos-fácio às suas Revisitações no Exílio,em que concluo:Enfim, conhecido, hoje, o final da“história”, não falta quem chame Uto-pia aos “sonhos” e “esperanças” quemobilizaram o autor e muitos portu-gueses, angolanos e luso-angolanos,por palavras e actos não necessaria-mente revolucionários, no “combatecontra algumas iniquidades”. Nãoeram utopistas: tinham “os pés finca-dos na terra” e a convicção firme deque, extirpadas as ervas ruins e impe-dindo os predadores, havia todas ashipóteses de alcançar uma colheitaexcelente. E, assim, o “final” da histó-ria seria outro. Quisessem os deuses.

O TEMPO-ESPAÇO ANGOLANO EM INÁCIO REBELO DE ANDRADE

LEONEL COSME

Inácio Rebelo de Andrade

LETRAS | 7Cultura | 18 a 31 de Julho de 2017

Page 8: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

A UTOPIA DOS LOUCOS NOREINO DAS CASUARINAS

No romance de José Luís Mendonçapublicado em 2014, O Reino das Ca-suarinas, dá-se voz a várias figurasmarginalizadas das ruas de Luanda.Entre indigentes, vagabundos, páriase aleijados, o narrador Nkulu (antigocombatente de guerra mutilado) vaiapresentando os sete personagens-fundadores do reino utópico: Primiti-vo, Rainha Eutanásia, Povo do Volvo,Razões da Cruz Vermelha, Profeta,Katchimbamba, e PAM. Todas estas figuras são considera-das socialmente loucas, uma vez que,por várias razões, foram enviadas parao Hospital Psiquiátrico de Luanda, deonde fugiram visando perpetuar umanação quimérica na ilha da capital an-golana. Esta atitude radica no cariz ale-górico do romance: após a sua leitura,ficamos plenamente convencidos quesão os personagens loucos a pensar demaneira correcta, ao passo que os des-tinos de Angola são – na realidade – di-rigidos pelos verdadeiros loucos.Gostaríamos aqui de estabelecerconexão com um ensaio de Pires La-ranjeira acerca da poesia de um autoradequado nesta matéria, o angolanoAntónio Jacinto, várias vezes citado eparafraseado no livro de Mendonça.Em «Marx, Lacan, e Foucault haviamde gostar da subalternidade e pré-lou-cura em António Jacinto», Laranjeirarealça que a loucura do poeta se revela“um patamar de humanidade igual aodaqueles que não são atingidos por es-sa energia geradora de um estado deexcepção, um patamar de actuação nomundo que não difere de outros mo-dos de actuação, senão pela sua pecu-liaridade de relação com o significan-te, com o discurso, como se discursonão fosse o discurso do Outro, mas odiscurso do mesmo, do ensimesma-mento, de uma espécie de autismo ab-soluto (no caso da esquizofrenia), oque permitiria todo o tipo de discurso,por mais imprevisível que possa ser.”(LARANJEIRA, 2015: 59)Ora, é precisamente esta peculiari-dade de discurso que podemos obser-var nos personagens loucos de O Rei-no das Casuarinas. Para lá do princípiode consciencialização que preside umarquétipo tão emblemático como o«Poema da alienação» (“o meu poemasou eu-branco\montado em mim-preto\a cavalgar pela vida”) de Antó-nio Jacinto, o Reino em causa tenta evi-denciar uma possibilidade de desalie-nação, visto a consciência discursivados seus personagens-fundadores,social e politicamente, ser tambémuma consciência libertadora, proféti-ca, e visionária. Por conseguinte, os personagens doromance demonstram conhecer a si-tuação histórica e social em que se en-

contram, legitimando a iniciativa em-preendedora do Reino como respostacriativa à sua condição externa e inter-na de alienados. Esta “expressão daalienação” (LARANJEIRA: 56) é levadaa cabo não apenas na rebeldia do atode fundação do Reino, mas, igualmen-te, pelo próprio José Luís Mendonça,ao engendrar, de forma tão sui generis,esta Utopia dos Loucos numa comuni-dade livremente imaginada.A loucura do Reino das Casuarinasnão se trata, portanto, de um recursosimplesmente idealista, mas antes deraiz marcadamente ontológica, pois,como escreveu Foucault: “o homemtem acesso a si mesmo como ser ver-dadeiro; mas este ser verdadeiro nãolhe é dado senão na forma de aliena-ção” (FOUCAULT, 1972: 548). Isto tor-na-se evidente no final da obra, quan-do um dos elementos do Reino das Ca-suarinas, o sem-abrigo Katchimbam-ba, como forma de protesto contra oprimeiro processo eleitoral da nação,envenena o café conservado numa ve-lha lata de leite Nido, partilhada portodos, suicidando-se e assassinandoos restantes cidadãos. Visivelmente,este aniquilamento premeditado sim-boliza uma consciência de impossibi-lidade de realização dos pressupostossonhados pelos elementos fundado-res do Reino. “Não é doido quem quer”, pode ler-se numa frase de Jacques Lacan, utili-zada como epígrafe por António Jacin-to noutro poema sintomático («Lou-cura»), e que nos remete para a pulsãode morte contida no arrojo existencialdos criadores, manifestando-se empossessões exacerbadas e atitudesdisruptivas, muitas vezes tendentes acontradiscursos desafiadores – géne-ro de libelos que, no romance em cau-sa, se encontram inseridos nos extrac-tos do bloco-de-notas obliterado dePrimitivo.Por outro lado, se nos reportarmosa outra frase lapidar de Lacan referidapor Pires Laranjeira (“O ser do ho-mem, não somente não pode ser com-preendido sem a loucura, mas ele nãoseria o ser do homem se não contives-se em si a loucura como limite da sualiberdade”), percebemos que a loucu-ra é uma inevitabilidade resultante doprocesso criativo de procura da verda-de e do ser. Assim, podemos aferir da narrativade José Luís Mendonça que os funda-dores do Reino das Casuarinas seapresentam imbuídos de uma loucuraque deseja ardentemente criar umanação ideal, partindo do projecto fa-lhado de um país africano no qual sãomarginalizados. Contudo, um dos fun-dadores, ao ser afastado da corridapara Primeiro-Ministro, toma cons-

ciência que o Reino – dado o seu carác-ter utópico - não poderá cumprir asetapas de construção a que se propôs,gerando-se uma lacuna de sentido nasubalternidade da sua loucura, inter-mitência psicológica transformadanuma pulsão de morte “como com-pensação para a privação da liberdadeabsoluta do ser”. (LARANJEIRA: 62)Numa última instância, os cidadãosda nação das casuarinas sabem que foidevido a este género de ousadias anti-poder que “João Baptista e ThomasMore perderam as cabeças”, sendo obritânico referido como modelo, vistorepresentar o primeiro ideólogo doSocialismo Utópico. Por isso, se a datade fundação do Reino é postulada porJosé Luís Mendonça a 11 de Novembrode 1985, o autor dificilmente poderiaforjar melhor simbolismo, por oposi-ção, para o desaparecimento prema-turo do novo país: a morte dos cida-dãos-fundadores ocorre exactamenteno dia 14 de Abril de 1987, ou seja, oDia da Juventude, em memória de Hoji

ya Henda, herói da luta de libertação._______________________Paulo Branco Lima (Mestrandoem Literatura de Língua Portuguesa: Investigação eEnsino – Universidade de Coimbra)_______________BibliografiaFOUCAULT, Michel, Histoire de la fo-lie, Paris, Gallimard, 1972LARANJEIRA, Pires, Marx, Lacan, eFoucault haviam de gostar da subal-ternidade e pré-loucura em AntónioJacinto, in António Jacinto e a sua épo-ca. A modernidade das literaturas afri-canas em língua portuguesa, Lisboa,Centro de Literaturas e Culturas Lusó-fonas e Europeias – Faculdade de Le-tras da Universidade de Lisboa, 2015,pp. 55-65

PAULO BRANCO LIMA

8 | LETRAS 18 a 31 de Julho de 2017 | Cultura

Page 9: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

INTRODUÇÃO Considerando a diversidade lin-guística em Angola, e os objectivosprosseguidos pelo programa de Edu-cação Financeira propusemo-nos re-flectir em torno da seguinte questão:serão as línguas nacionais um «cons-trangimento» para a Educação Finan-ceira em Angola? Num primeiro momento, tem-se aimpressão de que a alegada «pobrezade vocabulários» das línguas nacio-nais inviabilizaria a transmissão deconceitos económicos como poupan-ça, crédito, etc., que seriam desco-nhecidos pelos falantes das línguasbantu em Angola. Esta será a razãopela qual elas tenham sido excluídasdo referido programa que visa, entreoutros, a inclusão financeira de todosos cidadãos angolanos.Importa esclarecer que esta não é aprimeira vez que nos pronunciamossobre este assunto, pois, uma versãosemelhante ao texto que segue foi en-tregue à quem de direito, há cerca dedois anos, com o propósito de des-pertar os responsáveis do referidoprograma sobre a importância daslínguas nacionais para a Educação Fi-nanceira em Angola.Por outro lado, não pretendemosde forma alguma descredibilizar oprograma em causa. Pelo contrário.Discuti-lo na perspectiva que melhorconvier aos especialistas em CiênciasSociais e Letras (História, Antropolo-gia, Linguística, Economia, etc.) po-derá trazer outros subsídios que cer-tamente ajudarão a melhorá-lo e a al-cançar os seus objectivos.CONTRA-ARgUmENTOOs defensores da tese acima apre-sentada alinham no pensamento deque somente por meio das línguas eu-ropeias é possível transmitir os con-ceitos acima citados, e outros conheci-dos pelos economistas. Talvez seja es-te o motivo pelo qual as línguas nacio-nais tenham sido excluídas do referi-do programa que, entre outros, visapromover a inclusão financeira de to-dos os cidadãos angolanos, indepen-dentemente da sua origem etnolin-guística, estrato social, etc., etc..Na verdade, a ideia segundo a qual a"multiplicidade de línguas nacionais"constitui um dos "constrangimentos"para a Educação Financeira em Angolasuscita uma breve reflexão sobre umdos períodos da História de Angola – ocolonialismo - durante o qual as autori-dades coloniais portuguesas, despreo-cupadas com o desenvolvimento eco-nómico-social e cultural dos angolanos,subalternizaram as línguas nacionaisque associavam ao "cão" – qualificativoatribuído ao “indígena” pelo colonialis-ta português incumbido da missão deelevá-lo à condição de “civilizado”.

O alcance deste estatuto exigia ocumprimento de uma série de obriga-ções, dentre as quais a fluência na lín-gua portuguesa por meio da qual esta-beleciam-se relações de poder e sub-missão entre “colonizadores e coloni-zados” (CIPRIANO 2004:16).Não admira que as chamadas "lín-guas de cães" (CIPRIANO 2004:16)ti-vessem apenas expressão nas zonasrurais (KUKANDA 2003:363) que al-bergavam a maior parte da populaçãoangolana excluída do sistema finan-ceiro aliado à exploração financeira deAngola, submetida igualmente à do-minação cultural. Ora, com a conquista da indepen-dência (1975), e da paz (2002), a ex-pansão dos serviços bancários para aszonas rurais, ainda na sua fase inicial,com vista ao fomento da produção lo-cal, urge a necessidade de se pensar napossibilidade de se educar financeira-mente o cidadão na sua língua mater-na. Mas, será possível alcançar esteobjectivo?CONCEITO DE EDUCAÇÃO FINANCEIRAA Educação é um processo de trans-missão e recepção de conhecimentose informações úteis para a vida. Envol-ve comunicação – acto no qual a línguapermite a interligação entre o emissore o receptor da mensagem e a inter-

compreensão entre ambos. É tambémum processo que consiste na difusão,recepção e uso da "informação finan-ceira de forma mais eficiente e de mo-do mais adequado"; "contribui [de]modo mais eficiente, para a formaçãode indivíduos e de sociedades respon-sáveis, [e] comprometidos com o futu-ro".Ora, a transmissão da informaçãosobre existência de produtos e servi-ços, pressupõe o domínio da língua lo-cal, de uso diário pelo cidadão com oobjectivo de se atingir o objectivoprincipal Educação Financeira: a com-preensão da informação veiculada so-bre a existência e utilidade dos produ-tos bancários, suas vantagens e bene-fícios para os seus consumidores.Sendo a educação um processo deinteracção focado na transmissão eaquisição de conhecimentos e infor-mação financeira, a língua local, comoveremos, desempenha um papel mui-to importante na aproximação entre aBanca e os cidadãos que residem naszonas rurais nas quais se verifica a au-sência dos Bancos Comerciais.EDUCAÇÃO FINANCEIRA NUm PAÍS mULTICULTURALA língua, já o dissemos, é o canal quepermite o fluxo de ideias e com o qualse transmite a educação; está presen-te nos processos de produção e pro-moção dos bens indispensáveis à so-brevivência do homem; reporta factoseconómicos, como a agricultura, pro-tagonizados pelo homem que além deagente económico é portador de valo-res culturais.Na língua umbundu o termo elilon-giso traz consigo os sentidos de ensinoe aprendizagem, ao passo que a pala-vra olombongo significa dinheiro.Assim sendo, se ao primeiro termoassociarmos o olombongo, teremos anoção/ideia de Educação Financeira.Este processo ganha uma dimensãocultural consubstanciada na utiliza-ção e valorização da língua local quepor sinal é o expoente máximo da cul-tura de um povo; o uso das línguas lo-cais garante a sua sobrevivência nomundo em que o domínio financeirose traduz igualmente na imposiçãodas línguas estrangeiras.Na verdade, os conceitos económi-cos não são desconhecidos pelos ban-tus que habitam o território angolano.Os testemunhos linguísticos das co-munidades étnicas existentes em An-gola, analisados por vários estudiosos(TCHIKALE 2011, RIBAS 2014), sus-tentam o argumento de que os bantuspossuem noção de conceitos econó-micos como poupança, racionalidade,gestão, etc..“KASOLEKA OHETA HOKULUKO”O consumismo desenfreado enten-

dido aqui como cultura da gastança te-rá sido um dos factores que contribuiupara que muitos angolanos não pu-dessem (1) acumular poupanças, (2)investi-las, por exemplo, na aberturade uma conta a prazo em nome dosseus filhos para que pudessem usu-fruir de juros assim que atingissem aidade adulta, ou ainda (3) suprir algu-mas necessidades.Assim sendo, apela-se ao indivíduopara que tenha o hábito de poupar osseus recursos financeiros para que fu-turamente possa suprir as suas neces-sidades e resolver outros problemas.Tratando-se de um chefe de família, aobservância deste princípio garante acobertura das despesas ligadas a ali-mentação, vestuário, formação esco-lar dos filhos, e não só, pois, “ia ‘ixi:«ngidia, ngizekesa, nzala ienda kime-nemene»”. Ou seja, “quem guarda pre-vine-se” (RIBAS 2009:180).“KʼOLOmBONgO KAKULI UKAmBA”A obtenção de um crédito dentro deum prazo curto – objectivo prossegui-do por muitos cidadãos - é um facto queem alguns casos decorre da ajuda doamigo que, na qualidade de trabalha-dor de um banco, agiliza o processo cu-ja conclusão se materializa com a con-cessão do valor solicitado.A tendência do beneficiário será de,em alguns casos, pensar que o emprés-timo lhe fora concedido pelo amigo, es-quecendo-se do compromisso assumi-do com o Banco no qual este trabalha.Neste caso, a relação privilegiada que ocliente mantêm com o seu amigo nãopode ser motivo para que fique acomo-dado, isto é, sem pagar as prestações,convencido de que o seu amigo usará asua «influência» a seu favor. Dívida, évalor que tem que ser pago. Eis o moti-vo pelo qual se diz que “amigos, ami-gos. Negócios à parte”(TCHIKALE2011:73).“mONA UA KINEmA, mAmA NI TATA U-Um-IJIA”O negócio assemelha-se ao bebé cujocrescimento e desenvolvimento é ga-rantido pelo cuidado que lhe forem de-dicados pela mãe. O princípio aplica-seao negócio que registará crescimentoapenas se for gerido pessoal e directa-mente pelo seu dono.Uma gestão rigorosa, séria e profis-

LETRAS | 9Cultura | 18 a 31 de Julho de 2017

JOÃO N’GOLA TRINDADE

LÍNGUAS NACIONAIS: “CONSTRANGIMENTO”PARA A EDUCAÇÃO FINANCEIRA EM ANGOLA?

Page 10: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

sional gera aumento dos lucros: "uaba-ka, uabakela akuá"(RIBAS 2009). Ouseja, os lucros obtidos, e a sua aplica-ção, garantem o crescimento contínuoda riqueza e igualmente a criação denovos postos de trabalhos.Neste sentido, podemos afirmar queo indivíduo educado financeiramente,cuja vida empresarial é regida pelosprincípios de boa gestão financeira,promove o crescimento e o desenvolvi-mento económico e social da sua co-munidade.CONCLUSÕESNgolaKilwanji Atendendo ao eleva-do índice de iliteracia financeira pre-valecente em Angola, e à exclusão departe significativa da sua populaçãodo sistema financeiro angolano, e emfunção da diversidade linguística donosso País, a Educação Financeira co-mo processo de massificação da infor-mação e conhecimentos sobre os pro-dutos e serviços micro financeiros de-verá incluir as línguas nacionais paraque possa atingir os seus objectivos,dentre eles, a inclusão financeira detodos os cidadãos angolanos sem ex-cepção alguma.As línguas nacionais reportam a ex-periência dos nossos antepassadosque tiraram delas lições úteis para que

possamos no presente enfrente os de-safios que se nos apresentam. Estas li-ções, apresentadas sob forma de pro-vérbios, podem e devem ser desenvol-vidas dentro do Programa de Educa-ção Financeira que deverá ser implan-tado em todas as regiões de Angola. ___________________________________BIBLIOGRAFIA

BNA, "Educação Financeira em An-gola, um projecto do Banco Nacional deAngola". Documento apresentado noWorkshop sobre Inclusão e FormaçãoFinanceira, Lisboa, 2013,p.10. Disponí-vel em https:www.bcplg.org/SiteCol-lection; baixado no dia 20/10/2014.BENDER, Gerald, Angola sob Domí-

nio português. Mito e Realidade, 2ª edi-ção, Editorial Kilombelombe, Luanda,2009, pp. 348-349.CIPRIANO, Sony, «O Uso e o Impacto

das Línguas Locais», in I ENCONTRODE REFLEXÃO SOBRE CULTURA E AM-BIENTE NO LESTE D ANGOLA, ASLES-TE, Luanda, 2004, pp. 10-21.FEIJÓ, Ângelo, «Uma Palavra sobre

as Línguas Angolanas, in JORNAL DEANGOLA, 03.02.2010.KUKANDA, Vatomene, «A Autoridade

Tradicional e o Desenvolvimento dasLínguas Nacionais», in I ENCONTRO NA-CIONAL SOBRE A AUTORIDADE TRADI-

CIONAL EM ANGOLA, 1ª edição, Edito-rial Nzila, Luanda, 2003, pp. 357-365.MALUMBU, Moisés, Gramática da

Língua Umbundu, Viveri In, Roma, 2007.RIBAS, Óscar, Missosso I. Literatura

Tradicional Angolana, Ministério daCultura, Luanda, 2009.SOUINDOULA, Simão, Ochilumba. A

importância do espírito de poupançanas tradições bantu para o desenvolvi-mento sustentável de Angola, Luanda,2011. TextoTCHIKALE, Padre Basílio, Sabedoria

Popular dos Ovimbundos. 630 Provér-bios em Umbundu, 1ª edição, Kilombe-lombe, Luanda, 2011.

10| LETRAS 18 a 31 de Julho de 2017 | Cultura

A edição do Prémio Nacional de Cul-tura e Artes (PNCA) do ano em cursocontempla novas disciplinas artístico-culturais, a saber: Festividades Cultu-rais Populares e Jornalismo Cultural.Na primeira reunião do júri, realiza-da no passado dia 7 de Julho, na sededa Direcção Nacional de Acção Cultu-ral, os membros recentemente nomea-dos por despacho da ministra carolina

Cerqueira, elegeram por unanimidadeo antropólogo Virgílio Coelho, para ocargo de presidente do júri.O PNCA distingue a partir de agoraanualmente personalidades angola-nas nas áreas da literatura, artes plásti-cas, música, teatro, dança, cinema e au-diovisual, investigação em ciênciashumanas e sociais, festividades cultu-rais populares e jornalismo cultural.O Prémio foi instituído pelo governoangolano em Maio de 2000 para "in-centivar a criatividade artística e lite-rária e a investigação científica", alémde "promover a qualidade da produçãode cinema e das artes de espectáculo,especialmente ao nível da encenaçãode obras teatrais e de espectáculos demúsica e de canto". Como referiu a ministra da Cultura,no dia 2 de Março, o PNCA já atingiugrandes patamares e interesse da

parte da opinião pública, dos artistase dos concorrentes nas diversas mo-dalidade, daí ser necessário moderni-zar o pré.mio e adaptá-lo a conjuntura actualdo país, tanto do ponto de vista finan-ceiro. Assim, e como reiterou o direc-tor da Acção Cultural, Vieira Lopes, naprimeira reunião do júri deste ano, oministério procederá a reajustamen-to do valor pecuniário do prémio, emmoeda nacional, de acordo com o Or-çamento Geral do Estado (OGE) decada ano.

JORNALISMO CULTURAL INTEGRA PRÉMIO NACIONAL DE CULTURA E ARTES

Primeira reunião do júri

Alguns membros do júri Isabel André vice-presidente do júri

Page 11: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

LETRAS | 11Cultura | 18 a 31 de Julho de 2017

ONGONGO YA NGONGO IYI

(I)Ongongo yoso ya ngongo iyi Ijimisa kalunga kaka, ni isunji Ina ilengejesa athu anga akunji Ejiya ngo kuzwela exi manyi Kifwa aximbi amona omukutu Kala kidi kyafutumuna makutu! (II)Ojingongo ja ngongo anga jiza Kikale mu mwanya, mu usuku Kamwanyu kamwanyu ni waku Kwala ana alembwa hanji kwiza Kyoso kalunga kabixila sekuxila Mwenyu wandala kulaya wabwila! (III)Ojingongo ki jiza kubeka wa Jiza ni isunji ina ikala mukuta Ku tandu dya jingololo o uta Uta wenyo ubekesa owindwa Uta una uxikelesa mixima Mixima yabwila, yaxixima! (IV)Ongongo iza ni jinguma jina Jitena kulengesa jinga okuzola Ku muxima wa muthu udikola Mametwe ngifwa za kuvungina Ni munza wa kuzola kwe kwoso Omukutu ni muxima wami woso!

(I) Todo o sofrimento destemundo/Extingue essa morte e osespíritos/Daqueles que afugentamgentes ou mensageiros/Que ape-nas sabem dizer que nadasabem/Como ignorantes queolham para o corpo/Como uma ver-dade que destapou a mentira! (II) E os sofrimentos do mundovêm/Quer seja de dia, de noite/De-vagar, devagar com maldição/Paraaqueles que não conseguemvir/Quando a morte chega sem res-peitar/A vida desejosa de viver can-sada! (III) Os sofrimentos não vêmsozinhos/Vêm com aqueles espíri-tos que ficam a pôr/Sobre os la-mentos a arma/Essa arma que fazchegar a desgraça/Aquela armaque enegrece as almas/Almas can-sadas, desgraçadas! (IV) O sofrimento vem comaqueles inimigos/Que podem fazero amor voltar a fugir/Do coração dequem grita/Minha mãe ai que mor-ro, vem cobrir/Com o calor de todoo teu amor/O corpo e todo o meucoração!(V) Os sofrimentos mais teimo-sos morrem/Com o praguejar dasviúvas que choram/A desgraça da

KUFIKISA KWA MAHAMBA MA KAKALUNGAENSAIOS POÉTICOS DE KAKALUNGA

(V)Ojingongo javulu kujiza jifwa Ni kukuba kwa atudi oso adila Okuxixima kwa kufwa ubixila Boso boso bwala muthu, mukwa Woso uxila mwenyu ulengela Kyoso mvula ikamba kutuzwela! (VI)Ojingongo ja kuzola jingonga Ni kuzumbuka kwa ukatelu yu Kuma kuzediwa kwa mwenyu Ujixisa jadibalela mu ngonga Ongonga ya kisukilu kya mwenyu Ujiza kukala hanji wemana! (VII)Ojingongo jifwa ni kudibala Kudibala kwa mwenyu uxala Ukondama kala walambalala Wabwila mukwijiya kuma ala Andunge, andande ni ajinge Enyoso bwamoxi adibange! (VIII)Ongongo ya ngongo iyi ifwa Kyoso mvula itudila, izudila Odisekele dya njila yami idila Masoxi makukuta ni windwa Wa kumona kuzediwa dikanga Mu mbila yetu yezala kalunga!

(IX)Ongongo izola muthu, kalunga Uvungina muxima udixixima Jimbutu jikula jabele ki jijima Kwandala kukala ni mwenyu Sumbala kufwa kwiza kamwanyu!(X)Ongongo izukamena etu twoso Kyoso muthu ujukujula odikanu Mukwambela ima yakambe, kunu Kapwete, kamundanda, kabolokoso Ingibangesa kwelela, sekusanjuka Mukwijiya kuma kidi kyasanduka!

MÁRIO PEREIRA

morte que chega/Onde quer que hajaalguém, outrem/Aquele que respeitaa vida que foge/Quando a chuva deixade falar connosco!(VI) O sofrimento do amor lamen-ta/Com o finar dessa dor/Visto que afelicidade da vida/A deixa caída no fé-retro/O féretro do fim da vida/Queainda teima em estar de pé!(VII) O sofrimento morre com aqueda/A queda da vida que fica/Quese agacha como que descansada/Can-sada de saber que estão/Os habilido-sos, os valentões e orgulhosos/Todosjuntos, todos feitos!(VIII) O sofrimento deste mundomorre/Quando a chuva pousa, vai mo-lhando/A areia da minha rua que cho-ra/Lágrimas secas de desgraça/Dever a felicidade distante/Na nossacampa repleta de vida finada!(IX) O sofrimento que adora a gen-te é morte/Que ensombra a alma quese desgraça/Sementes que crescemdefinhadas que não extinguem/A von-tade de ter vida/Apesar de a morte virdevagar!(X) O sofrimento aproxima-se detodos nós/Quando alguém vai abrin-do a boca/Para dizer coisas carentes,aqui/Etc, etc, e tal/Fazendo-me rir, rirsem extrema alegria/Por saber que averdade partiu para longe!

O SOFRIMENTO DESTE MUNDO

Quadro de Paulo Kussy

Page 12: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

SEMBA MADUROANTÓNIO QUINO

Viola de caixa não baixa as tumbasAi amor, no coração tem percussãoPorque este semba está maduroVem pra pista, vem sembarpé no chão desliza seguroLarga, aperta e sinta o parEste semba está maduroEsta hora dikanza em casaPuita a latir em salão seguroSangra reco-reco povo em festaEste semba está maduroCom funge / Este semba está maduroCom bessangana/ Este semba está maduroCom mufete / Este semba está maduro Com carnaval / Este semba está maduro;Com kissangua / Este semba está maduroCom feitiço / Este semba está maduro Com muteta / Este semba está maduro Com miengueleka / Este semba está maduro Com cola e gengibre / Este semba está maduroE com Mwangolé/ Este semba está maduroE com Mwangolé/ Este semba está maduroE com Mwangolé/ Este semba está maduro

Semba maduroSemba maduroCanta memória cheia de estóriasMil passadas escoltando pistasGrilando grilos que colhem pólenSoeira poeira abraço sem sêmen De palmo e meio mamaram ontem Ó mãe, adeus que foi não mais vemZé Povinho, vá e acorda o vizinhoEsta batucada já tem JoãozinhoViola de caixa não baixa as tumbasChoro do semba traz tristes alegrias Ai amor, no coração tem percussãoPorque este semba está maduroVem pra pista, vem sembarpé no chão desliza seguroLarga, aperta e sinta o parEste semba está maduroEsta hora dikanza em casaPuita a latir em salão seguroSangra reco-reco povo em festaEste semba está maduroEm cada canto a alegre nostalgiaSai o canto, ó meu felino sembaEco dos Ngola, ritmo tem magiaLágrimas, doa amor dorda LembaCada metro, o imo da saudadeIdade vencendo Angola avantequebra o braço este batuquecompassa o passo, ó musseque

A Assembleia Geral da ONU, por meio desua Resolução n. 68/237, de 23 de Dezembrode 2013, proclamou a Década Internacionaldos Afrodescendentes, com início em 1 de Ja-neiro de 2015 e fim em 31 de Dezembro de2024, e com o tema: “Afrodescendentes: re-conhecimento, justiça e desenvolvimento”.O principal objectivo da Década Interna-cional consiste em promover o respeito, aprotecção e a realização de todos os direitoshumanos e liberdades fundamentais de afro-descendentes, como reconhecidos na Decla-ração Universal dos Direitos Humanos.A Década será uma oportunidade para sereconhecer a contribuição significativa feitapelos afrodescendentes às nossas socieda-des, bem como propor medidas concretaspara promover sua inclusão total e combatertodas as formas de racismo, discriminaçãoracial, xenofobia e qualquer tipo de intole-rância relacionada.A Década terá como foco os seguintes ob-jectivos:1. Fortalecer a cooperação e as acções na-

cionais, regionais e internacionais relativasao pleno gozo dos direitos económicos, so-ciais, culturais. civis e políticos pelos afro-descendentes, bem como sua participaçãoplena e igualitária em todos os aspectos dasociedade;2. Promover um maior conhecimento e ummaior respeito aos diversos patrimónios,culturas e contribuições de afrodescenden-tes para o desenvolvimento das sociedades;3. Adoptar e fortalecer marcos legais nosâmbitos nacional, regional e internacional,de acordo com a Declaração e Plano de Acçãode Durban, e com a Convenção Internacionalsobre a Eliminação de Todas as Formas deDiscriminação Racial, bem como garantir asua implementação total e efetiva.A Década Internacional permitirá que asNações Unidas, Estados-membros, socieda-de civil e outros actores relevantes se juntemaos afrodescendentes e tomem medidasefectivas para a implementação do programade actividades, com o espírito de reconheci-mento, justiça e desenvolvimento.

DÉCADA INTERNACIONALDOS AFRODESCENDENTES

12 | LETRAS 18 a 31 de Julho de 2017 | Cultura

Page 13: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

ARTES | 13Cultura | 18 a 31 de Julho de 2017

A interpretação artística da socieda-de concerta toda actividade intelectualcom habilidade técnica. Logo, torna-sesubjectiva a expressão estética quecorporiza a ideia que é portadora, todaobra exposta. Se um urbanista constróia máquina social sob orientações polí-ticas e demandas sociais consoantescapacidades económicas dos integran-tes, então todo criador de arte seria umempreendedor dos sentimentos.Nos Umbûndu o usuário da palavra,no Ondjango, é polissémico em con-gregar as sensibilidades e conhecedorde espaços sociais envolvidos. Ele criasolução face as dificuldades; salva-guarda, na base de virtudes, o espíritocolectivo entre os agentes na trocasimbólica das suas competências.O escultor Mayembe é um dos mo-delos de empreendedor de sentimen-tos cujo reconhecimento veio de forade Angola. É curioso, na verdade. Um“sistema” artístico caracterizou Ango-la antes de 1992-2002: o “Centro” de-terminava as regras face as “Perife-rias”. Ora, Mayembe é consagrado“mestre escultor” na “periferia”. Isto é,na província do Zaire, onde a mestriade escultura é milenar e de excelênciano mapa artístico angolano. Curiosoainda é que desta região venha Etona,e do Uige venha Masongi Afonso, entreoutros. O reconhecimento real deMayembe em Angola como escultorvem do Centro Internacional da Civili-zação Bantu (CICIBA). Na verdade, es-te centro africano reunia especialistascujo pronunciamento acabou por seimpor ao sistema artístico em Angola.Mayembe não se limitou num sim-ples reconhecimento externo. Concor-reu nas arenas nacionais (Ens-Arte;BAI-Arte, etc.) até alcançar o maiorprémio, embora político, Prémio Na-cional de Artes e Cultura. Quer dizer,integrou ao Centro. Mas não é distoque nos interessa aqui reflectir.Entre 1992-2002, Luanda impulsio-

nou duas regras do jogo na concorrên-cia que são: (1) “o Centro determina”;(2) “Periferia busca alternativa”. O“Centro” não só detém o poder finan-ceiro, mas disponibiliza melhor capitalcultural e intelectual por reunir condi-ções de instituições artísticas. A “Peri-feria” submete-se as imposições do“Centro”, buscando por outras arenasas condições de “urbanidade artística”.O III simpósio sobre a Cultura Nacionalem 2006 tentou reforçar o estatuquo.Resolvi visitar o ateliê de Mayembeultimamente. Três razões levaram-mea fazê-lo: (1) preciso de terminar a mi-nha pesquisa sobre “Ética e Deontolo-gia artística em Angola”: identifiquei aArte como um campo importante porpesquisar e discutir os resultados jun-to dos meus estudantes; (2) percebi-me, enquanto Secretário para Forma-ção e Superação da UNAP (no manda-to anterior) a necessidade de reorga-nizar a classe artística e resgatá-la da“miséria simbólica” que é fomentadainternamente, evitando deteriorar-seface a cultura de guerra que se verifi-ca; (3) alargar as minhas pesquisasalém de Viteix, Masongi Afo, Etona,António Ole, Van/Gumbe (até agoranão consigo ainda vê-los separados deponto de vista estético), Kidá, etc. Es-colhi alastrar a minha pesquisa em Fi-neza Teta, por ser mulher. Já lhe mani-festei o meu interesse na sua amos-tra/estudo sobre as “Mulheres grávi-das sem identidade” (expostas em Ex-po Milano 2015). A obra de Mayembeinteressa-me pelo “empreendedoris-mo sentimental”.Estudei cinco obras de Mayembe –tendo em conta o seu background –para tentar construir a minha tese.Mas vejamos apenas uma: esculturaem madeira/acácia intitulada “Kiñ-jîmbu-ñjîmbu”.Kiñjîmbu-ñjîmbu “vende” três sen-timentos. Como o termo o diz e bem,trata-se de uma planta (Phylanthus)

trepadora, mas também e sobretudo,o termo implica dois sentidos: inteli-gência; génio.O primeiro sentimento que esta es-cultura oferece é “firmeza; determina-ção de evoluir apesar das dificulda-des”. O segundo: “coragem e visão dealcançar algo: ser estratega e discipli-nado”. O terceiro: “produção de rique-zas; desencorajar consumismo sim-bólico ao benefício do progresso”.Estes três sentimentos assentam-senas virtudes: coragem; firmeza. Aobra intitulada “Kiñjîmbu-ñjîmbu”parte das raízes. Não há sociedade quese desenvolva esquecendo-se das suasraízes. Se o termo valoriza a intelec-tualidade como “base/riqueza”, a ex-pressão escultórica em si denota o es-pírito liberal do progresso. PierreBourdieu, ao falar de “arte e dinheiro”reiterou a boémia simbólica instituídadurante os primeiros momentos deImpressionismo francês. As aborda-gens impressionistas identificaramvalores sociais, entre os quais o “so-nho”. Cada um poderia construir libe-ralmente o seu sonho e armar-se paraconcretizá-lo dentro da conduta ética.Contextualizando esta escultura deMayembe no espaço/tempo, os Ango-lanos vivem a crise financeira, crise devalores e um período de intensidadespolíticas: preparação das eleições.Kiñjîmbu-ñjîmbu, que desencorajadespesas desnecessárias, estimula aprodução intelectual e económica naconstrução de riquezas. Trata-se dodesejo/sonho do escultor ver a suasociedade progredir e tornar assuas dificuldades um trampolim/base da riqueza e sucesso. É um de-safio que pode ser vencido a partirde disciplina, firmeza, determina-ção e coragem.Considero qualquer político como um“empreendedor de bem-estar social”, e oreligioso é um “empreendedor da belezasocial”. Na mesma lógica, um fazedor da

arte é “empreendedor de sentimentos”.Quais são os sentimentos queMayembe nos vende, partindo destaescultura Kiñjîmbu-ñjîmbu, além da-quilo que já aflorei anteriormente?Alguns meses atrás expliquei”Di-lêmbe: pensamento político de JoséEduardo dos Santos”. Quem lhe suce-der optará pela manutenção da Paz,um grande legado! O papel dos religio-sos no devir social tem sido a Paz, emuitas hoje são as igrejas que “ven-dem esperança/fé” ao povo humilde.Na arte, há várias propostas estéticasinteressantes e vou cingir-me numasíntese sobre “Kiñjîmbu-ñjîmbu”.Há uma necessidade de combater acultura da guerra remanescente entreos angolanos, e a arte não está a pardisto. Há imperioso desejo colectivode pôr fim a violência simbólica desdeas nossas famílias. Os angolanos pre-cisam daqueles que os vendem o “so-nho da paz; bem-estar”. A reflexãopoética de “Kiñjîmbu-ñjîmbu” – pelagesta escultórica – devolve à dinâmicasocial a sua expressão estética (Baum-garten), naturalista (Rousseau) e sim-bólica (Geertz). Transformamos a na-tureza para criar produtos culturaiscom fins saciar as nossas necessida-des. A riqueza é uma necessidade,quando almeja a sociedade em si e porsi. E a cultura simbólica (Bourdieu)torna-se a única riqueza atemporal.É na base destas teorias que consi-dero a escultura intitulada Kiñjîm-bu-ñjîmbu como uma das contribui-ções humildes da cultura simbólicaque nos lembra que, apesar da crisefinanceira e turbulências sociais, épossível rentabilizar – na base dasvirtudes éticas: coragem, firmeza,disciplina, etc. – o que nos resta. Esteé o sentimento que nos “vende” esteescultor. Ele nos reanima em sonharalto num momento de perplexida-des; encoraja-nos a não desistir nemdesviar-se do rumo: a paz.

MAYEMBEEMPREENDEDOR DE SENTIMENTOS

PATRÍCIO BATSÎKAMA

Page 14: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

O direito de autor em Angola é cons-titucionalmente consagrado e protegi-do por Lei.Então por que carga d’água é quecontinuam os artistas em Angola a vernavios, quando toca a hora de retalhar obolo que gera a sua actividade criativa ?As experiências acumuladas no decur-so desses longos anos em que navegamosnesse turbulento e sinuoso percurso per-mite aferir com bastante propriedadeque o direito de autor em Angola continuaa ser uma miragem, porque estamos co-lectivamente equivocados e desnortea-dos e, por isso, presos em terreno movedi-ço, numa frustrante e dolorosa inércia.Porquê?Primeiro: porque, fazer a gestão co-lectiva, coerente e eficiente de direitosde autor dos músicos, dançarinos, tea-tristas, escritores, pintores e conexos,

simultaneamente, implica a implanta-ção de subsistemas organizativos cor-respondentes, com a respectiva mobi-lização de equipamentos e de meios fi-nanceiros e humanos. Isso custa muitocaro, para além de uma complexa e gi-gantesca máquina administrativa. Issonunca foi possível fazer-se em Angola.Segundo: porque os actuais mode-los de representação da classe artísti-ca, em matéria de direitos de autor, es-tão, hoje, saturados e obsoletos.Os modelos actuais foram concebi-dos num ambiente político e culturaldiferente, onde imperava o Estado pro-vidência e uma percepção económicahíbrida dos valores artístico-culturais. Daí que os artistas tenham sido to-dos colocadas no mesmo saco, sem terem conta as especificidades das suassubclasses artísticas, nem os critérios

de mérito profissional.Terceiro: porque não há, em Angolaum ambiente estruturante organizativoeficiente, capaz de despertar e amadu-recer a Classe artística e a sociedade, etornar o nosso Estado mais enérgico eprofícuo, no sentido da promoção e de-fesa efectiva dos interesses dos artistas,em matéria dos direitos de autor. Daíque, paradoxalmente, uns tantos abu-tres vão debicando e se enchendo dotrabalho criativo do artista em Angola,enquanto a estes é-lhes reservado umfuturo incerto e de indigência social.Falhamos !Temos de reabrir e refrescar as nos-sas mentes, para corajosamente reveros princípios associativos herdados davelha conjuntura, para que nos livre-mos de associações mancas, onde aequidade e outros valores associativos

não podem fazer morada, por choquede interesses e sobreposição voluntá-ria ou involuntária de uns grupos so-bre os outros.Os artistas precisam de ser mais ac-tuantes e eficientes, na defesa dos seusinteresses em matéria de gestão dosseus direitos de autor.Para já, e por tudo que ficou dito, à se-melhança do que acontece noutras pa-ragens do mundo, os músicos, os pinto-res, os escritores, os dançarinos e os tea-tristas deverão ter as suas próprias or-ganizações para gerir os direitos de au-tor dos seus membros. Inspiremo-nosna SACEM (uma das maiores EGC domundo) e de muitos exemplos em Áfri-ca, e porque não em Portugal e no Brasil.

OS HANDICAPS À GESTÃO DOSDIREITOS DE AUTOR EM ANGOLA

BELMIRO CARLOS (NITO)MÚSICO E COMPOSITOR

14 | ARTES 18 a 31 de Julho de 2017 | Cultura

CLÁUDIA VITALINO |Tereza de Benguela foi uma liderançaquilombola que viveu no século XVIII.Mulher de José Piolho, que chefiava oQuilombo do Piolho ou Quariterê, nos ar-redores de Vila Bela da Santíssima Trin-dade, Mato Grosso. Quando seu maridomorreu, Tereza assumiu o comando da-quela comunidade quilombola, revelan-do-se uma líder ainda mais implacável eobstinada Benguela comandou a estru-tura política, económica e administrativado Quilombo, mantendo um sistema dedefesa com armas trocadas com os bran-cos ou resgatadas das vilas próximas.Os objectos de ferro utilizados con-tra a comunidade negra que lá se refu-giava eram transformados em instru-mento de trabalho, visto que domina-vam o uso da forja.O Quilombo do Quariterê, além doparlamento e de um conselheiro para arainha, desenvolvia agricultura de algo-dão e possuía teares onde se fabricavamtecidos que eram comercializados forados quilombos, como também os alimen-tos excedentes alente e guerreira ela co-mandou o Quilombo do Quariterê, noMato Grosso, não se sabe se africana oubrasileira. Dizem que liderou um levantede negros e índios, instalando-se próxi-mo a Cuiabá, não muito longe da frontei-ra com a actual Bolívia. Durante décadas,Teresa esteve à frente do quilombo, oqual sobreviveu até 1770, século XVIII.No período colonial e pós-colonial no

Brasil, os quilombos, espaços de resis-tência de homens e mulheres negros,reuniam milhares de habitantes, dentreeles negros/as, indígenas e brancos po-bres. Estes habitantes eram denomina-dos de quilombolas ou mocambeiros.Estes termos aparecem na documenta-ção desde o século XVI. O quilombo mais conhecido entre nósé o de Palmares, localizado na Serra daBarriga, em Alagoas. Este quilombo éconsiderado por muitos especialistas um“estado africano no Brasil”, por outros éconsiderado a “República de Palmares”devido sua extensão territorial. Seu líderZumbi dos Palmares foi decapitado, noentanto a historiografia não sabe preci-sar ao certo como se deu sua morte.O que sabemos é que Zumbi faleceuno dia 20 de novembro de 1695. Por isso,o dia da Consciência Negra é comemora-do nesta data, com a finalidade de home-nagear toda a população negra que lutoubravamente pela libertação do açoite,que liderou levantes em busca da liber-dade e que construiu o patrimônio sociale cultural brasileiro. A Coroa Portuguesa, junto à elite localagiu rápido e enviou uma bandeira de al-to poder de fogo para eliminar os qui-lombolas. Tereza de Benguela foi presa.Não se submetendo a situação de escra-vizada, suicidou-se.Nossa homenagem, em especial, àsmulheres negras quilombolas que resis-tiram bravamente à opressão e lutarampela libertação de seu povo.

TEREZA DE BENGUELA A RAINHA NEGRA DE MATO GROSSO

Page 15: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

No longínquo ano 1500, na nossaterra, que ainda nem tinha nome pró-prio, a ocupação colonial estava na fa-se embrionária. Da parte do coloniza-dor, iniciava-se a pesquisa para a im-plementação de certos investimentosestruturantes. Embora não estives-sem definidas as suas fronteiras, tam-pouco o seu estatuto de província ultramarina de Portugal.Naquela época, a nível da Europa, ganhava cada vez mais força o investi-mento na área dos transportes, especialmente dos caminhos de ferro, da in-dústria têxtil e cervejeira. E foi com este propósito que, nesse ano, mais umavez, atracou um grande navio na foz do rio Zaire. Trazia uma grande caravanacomposta por empresários dos ramos mencionados, representantes de al-guns impérios e, também, vários artistas.Após alguns dias de trabalho, a caravana achava-se na região de Masanga-no. Ali mesmo, onde 80 anos depois se deu a célebre batalha que culminoucom a ocupação do Reino do Ndongo por parte dos portugueses e, três anosdepois, construíram um enorme monumento para a simbolizar. Por lá, mara-vilharam-se com a beleza natural imperante e, inclusive, com a força da águados rios que aí se cruzavam. Afinal, não era em vão que traduzindo o seu nomesignificava “encontro de rios”.A caravana fazia estudos minuciosos, para poder construir linhas de cami-nhos de ferro e, possivelmente, uma indústria cervejeira. Aproveitaria os riosque a circundavam. Interessou-se tanto pelas suas potencialidades que deci-diu ficar mais tempo do que fez noutras áreas. Certo dia, numa manhã de pesquisas, surpreendeu-se com um grupo de me-ninas escravas que se banhavam no rio. A ela, chamou a atenção a beleza deuma das suas integrantes. Imbuídos do espírito de superioridade, ignoraramlogo a sua beleza, porém houve um, por sinal artista, que não o conseguiu fazer.Olhava-a perdidamente. Rendera-se à beleza daquela impúbere escrava.- Tala ó mundele olokutala kyavulo!1 – avisou-lhe uma amiga.- Lengetu! ó mundele kyama!2 - aconselhou a linda menina.O grupo de meninas fugiu. O artista, qual inebriado pela beleza daquelamenina, sorrateiramente seguiu-o. Minutos depois, descobriu a choupanaonde ela morava. No dia seguinte, em companhia de um colono local, regres-sou. Encontraram-na deitada no “lwando”. Sua mãe estava ao seu lado.- Como se chama a tua filha? – inquiriu o colono local, indicando-a.- Ó yu monami Ilisa!3 – respondeu a mãe.O artista anotou o nome num papel. Infelizmente, qual sortilégio, surgiuuma chuva inopinada e, em grande berrida, retiraram-se. Quando chegou aolocal onde estava hospedado, já nem se lembrava da cor do papel em que ano-tara o nome. Perdeu-o. Felizmente, a sua mente já o tinha gravado. Nos dias quese seguiram, o artista já não conseguiu voltar à casa dela. Poucos dias depois, acaravana abandonou aquela região e, posteriormente, o nosso território. Já na Europa, o artista nunca se esqueceu do rosto dela. Tudo de belo quevia o lembrava dela. Entretanto, a ninguém falava. Seria como uma heresia,pois ela era escrava. Houve dias em que o lindo rosto daquela pequena escra-va de Masangano lhe retirava a inspiração para fazer os seus trabalhos artísti-cos. Estava obcecado.Passados três anos, a imagem dela continuava presente em sua mente co-mo se a tivesse visto recentemente. Certa noite, insone, o artista teve uma vi-são. Nela, surgiu uma voz que lhe confidenciou que num futuro, não muito re-cente, surgiriam duas imponentes obras que se tornariam conhecidas pelomundo todo.A primeira seria a Estátua da Liberdade, que teria o nome oficial de A Liber-dade Iluminando o Mundo. Inaugurá-la-iam a 28 de Outubro de 1886, na Ilhada Liberdade à entrada do porto de Nova Iorque, EUA. Comemoraria o cente-nário da assinatura da Declaração da Independência daquele país. Quem oprojectaria e construí-la-ia seria o escultor Frédéric Auguste Bartholdi, com oapoio do engenheiro francês, Alexandre Gustave Eiffel. A segunda chamar-se-ia de Torre Eiffel e seria construída pelo engenheirofrancês Alexandre Gustave Eiffel, com o propósito de celebrar os cem anos daRevolução Francesa e seria inaugurada a 31 de Março de 1889, em Paris,França. Após profunda ponderação, o artista decidiu adiantar-se a estas ma-jestosas obras. Criaria uma não majestosa no tamanho, porém, em termos de

qualidade seria maior ou igual àquelas que surgiriam mais tarde, conforme oalertara a voz da visão. Escolher que obra faria foi o mais fácil. Na sua mente já morava, há algumtempo, o lindo rosto daquela impúbere menina de Masangano. Pintou-o numquadro ao qual atribuiu o seu nome. Todavia, segundo o mesmo, teve de o en-curtar. Assim, o nome dela, que conhecia, Ó yu monami ilisa, foi encurtado pa-ra Mona Lisa. “Com essa transformação, nem mesmo o Aristóteles o saberia decifrar”–pensou. O quadro Mona Lisa foi uma verdadeira sumptuosidade, apesar dasua pequenez. O artista, para não ser ostracizado, nunca revelou quem fora asua fonte de inspiração para o pintar. Inclusive, à sua consorte, que tanto o im-plorara que lhe confiasse osegredo, nunca disse. Pinta-do em 1503, representava orosto de uma mulher comuma expressão introspecti-va e um pouco tímida. Ca-racterizando, deste modo, adifícil vida de escrava da-quela linda menina de Ma-sangano. Actualmente, a par da Es-tátua da Liberdade e da Tor-re Eiffel, o quadro Mona Lisaé uma obra mundialmentecélebre. Contudo, o mundojamais soube que aquele lin-do rosto pertenceu a umamenina escrava de Masan-gano, a menina Elisa._________________________1- O homem branco está a olhar-te muito.2 - Fujamos, o homem

branco é animal.3 - Esta é a minha filha

Elisa.

A MENINA ELISABARRA DO KWANZA | 15Cultura | 18 a 31 de Julho de 2017

ESTÓRIA DE FRANCISCO NETO

Page 16: Cultura - blog.lusofonias.net · línguas bantu em Angola. Esta ser ... de fora de A ngola. rec onhecimen to veio sentimentos cujo -é ... dados, eis que, agora, a cultura angola-na

16 | NAVEGAÇÕES 18 a 31 de Julho de 2017 | Cultura